Perspectivas do programa espacial brasileiro
1. Introdução
A atividade espacial de qualquer Estado é determinada pelo nível de desenvolvimento
tecnológico nacional. Sua contribuição para as tarefas de defesa, de segurança e comunicações
em geral, е da economia, vem crescendo nos últimos 50 anos, e continuará crescendo de forma
exponencial nas próximas décadas. É um dos três desafios estratégicos reclamados pelo século
XXI, ao lado dos programas nuclear e cibernético.
Um programa espacial compreende (i) veículos lançadores, (ii) satélites (isto é, o que lançar) e
(iii) outros equipamentos espaciais (principalmente científicos) que integram o sítio de
lançamentos. O aspecto chave que determina o nível da ciência e tecnologia espaciais é a criação
de um moderno veículo lançador junto com uma desenvolvida infraestrutura terrestre, bem
como a disponibilidade de satélites nacionais, os quais, em conjunto, asseguram a possibilidade
de um processo controlado de desenvolvimento e de implantação de uma política independente
no campo das atividades espaciais.
Por todas as razões óbvias, a política brasileira de estratégia compreende o desenvolvimento da
atividade espacial como plataforma indispensável para que o país, atendendo às suas necessidades
internas, desempenhe papel de destaque na comunidade internacional. Essas considerações se
aplicam a todos os países desenvolvidos e os hoje ditos emergentes, mas se aplicam
principalmente a países como o Brasil, quando consideramos sua posição geopolítica, sua
projeção internacional, sua extensão, suas fronteiras desabitadas, x km e tantos países, seu
litoral (onde se encontram suas principais cidades e grande parte do parque industrial,
universidades e centros de pesquisa), sua produção agrícola e as riquezas conhecidas da
plataforma submarina.
2. Custo de um programa espacial completo
A história do desenvolvimento da cosmonáutica mostra que a conquista do espaço sideral é
processo extremamente oneroso, que requer lenta maturação dos investimentos e, infelizmente
– como demonstra até mesmo a experiência brasileira –alto custo em perdas de vidas humanas.
Essa verdadeira gesta pode ser ilustrada com a história dos pioneiros programas espaciais dos
EUA e da URSS, impulsionados pela Guerra Fria, os quais custaram US$1,8 trilhão e US$1,6
trilhão, respectivamente, e 50 anos para atingirem os estágios em que se encontram1. Não
precisamos, porém, gastar tanto nem podemos esperar por tanto tempo.
O desenvolvimento tecnológico conhece outros caminhos, como aquele seguido por alguns
países que hoje possuem um robusto programa espacial, como China, Índia e Japão. No caso dos
dois primeiros países, os bons resultados em pouco tempo decorrem do fato de a União
1
Esses valores incluem todos os custos relacionados ao programa espacial, como pesquisas fundamentais, desenvolvimento
de tecnologias e o ciclo fechado de produção de equipamentos espaciais. Não há contabilidade conhecida das perdas de
vidas humanas.
1
Soviética, e particularmente as empresas ucranianas -- nos anos 1950 no caso da China e 1960
em diante no caso da Índia --, haverem transferido a tecnologia de criação de motores de
foguetes, com o que o Leste buscava alinhar parceiros no enfrentamento com os EUA, o qual,
por seu turno, e com o mesmo objetivo, transferiu tecnologia ao Japão e a Israel. Devido a essa
política, além de economia significativa do tempo, os programas espaciais desses países
ganharam extraordnária economia de custos, se considerarmos o que URSS e EUA tiveram de
consumir.
O Brasil, porém, não dispõe de bilhões de dólares2 para investir em seu programa espacial, nem
pode aguardar mais 50 anos para vê-lo completo, que devem acrescidos aos xxx já gastos com o
VLS.
Que fazer?
Há, por certo, entre outras, pelo menos duas alternativas: refazer todos os caminhos,
começando do estágio de desenvolvimento atual, ou saltar etapas tecnológicas. O primeiro, é
aquele percorrido pela URSS e pelos EUA, exigindo custeio total do programa espacial
completo e décadas de desenvolvimento. Considerando o estado da arte da tecnologia espacial
brasileira, e o proposto investimento anual de 400 milhões de dólares estadunidenses a partir
de 2016 solicitado pela Aernática3, que dificilmente será conseguido4, seriam ainda necessários
pelo menos mais 25 anos para o Brasil adquirir o domínio completo da tecnologia espacial. O
segundo caminho (transferência de tecnologia) permitirá criar rapidamente aparelhos espaciais
de alta complexidade que poderão satisfazer às demandas do Governo e ao mesmo tempo gerar
valor agregado, assim atraindo investimentos privados internacionais e propiciando o ingresso de
divisas com a atração do mercado imundial.
Trabalharemos com este segundo caminho.
3. Parceiros potenciais
O parceiro ideal para a transferência de tecnologia deve possuir os seguintes predicados:
 Não oferecer restrições políticas ou estratégicas, inclusive as relacionadas ao regime
MTCR;5
 Depender de parceria internacional;
 Oferecer custos razoáveis;
 Ter vontade política e relações estratégicas para a transferência de tecnologia.
Analisando as possíveis parcerias, observa-se o seguinte:
a. Rússia e os Estados Unidos:
Essas duas grandes potências lideram o ranking desde o início do desenvolvimento espacial. Cada
uma delas possui um programa espacial completo, e seus próprios centros de lançamento6, e não
2
Para o exercício de 2011 o Orçamento da União prevê para todo o Programa Espacial Brasileiro (compreendendo xxx)
tantos milhões, sendo apenas 50 milhões para o projeto ACS
3
FSP, 3 de janeiro de 2011.
Presentemente, o Brasil investe tantos milhões/ano no programa espacial completo
Regime de Controle de Tecnologias Missilísticas (MTCR), de tanto, cuja finalidade é dificultar a difusão da tecnologia
espacial.
4
5
2
têm qualquer interesse no surgimento de um concorrente potencial, considerando qualquer de
suas consequências, a começar pelo disputadíssimo mercado internacional de lançamentos de
satélites. Além disso, esses dois países são protagonistas do Regime de Controle de Tecnologias
Missilísticas (MTCR), cuja proposta é impedir acesso a tecnologias a terceiros países. As
políticas das duas potências espaciais não ensejam qualquer hipótese cooperação, e se traduzem,
tão somente, em contratos vantajosos para elas, que objetivam, unicamente, o custeio da
manutenção de seu próprio setor míssil-espacial, de que é exemplo o frustrado acordo BrasilEUA firmado em 2002, e recentemente retirado do Congresso Nacional.
Ainda relativamente aos EUA, são conhecidos seus esforços visando a impedir o
desenvolvimento tecnológico brasileiro, particularmente nas áreas nuclear 7, aeronáutica e
espacial. Relativamente ao nosso programa espacial, os vetos norte-americanos ficaram nus com
a divulgação de telegramas da embaixada americana em Brasília publicados pelo WikiLeaks e
divulgados pela imprensa brasileira, onde se lê que "o governo dos Estados Unidos não querem
que o Brasil tenha um programa próprio de produção de foguetes espaciais" 8. Não pode haver
dúvida quanto a isso, por mais ingênuos que possamos parecer.
b.China e Índia:
Os dois países alcançaram resultados impressionantes dentro dos próprios programas espaciais,
graças à transferência da tecnologia fundamental feita pela União Soviética décadas atrás e
alguma nos primeiros anos depois da queda da União Soviética, tempo de anarquia. Porém,
nenhum dos dois pode ser considerado bom parceiro para um país dnecessitado de profundos
conhecimentos tecnológicos, devido aos seguintes fatos:
1. Os dois países possuem programas espaciais completos e não necessitam de cooperação
internacional para sobrevivência de suas indústrias.
2. Tanto a Índia quanto a China almejam ser líderes no mercado de lançamentos espaciais devido
ao baixo custo de seus serviços, atualmente restringidos pela legislação internacional, e não
querem concorrente.
3. A tecnologia de satélites de ambos os países já é obsoleta e não pode competir com a melhor
tecnologia do mundo ocidental.
c.União Europeia
As tecnologias europeias são bastante desenvolvidas, tanto na área de veículos lançadores quanto
de satélites. A União Europeia possui um programa espacial completo, que, todavia oferece as
seguintes restrições aos seus parceiros:
1. Elevados custos de componentes e mão-de-obra. A empresa Arianespace, por exemplo,
um dos líderes mundiais do mercado de lançamentos espaciais, recebe um auxilio anual
na ordem de 200 milhões de euros da UE para poder manter-se viável.
2. A UE possui seu próprio centro de lançamento tropical, em Kourou, com um leque
completo de lançadores operacionais ou em desenvolvimento, e obviamente não quer
criar um concorrente.
6
A Rússia como os EUA possui vários centros. Os EUA fazem lançamentos a parrtirde suas duas costas. A Rússia
mantém o centro de Lançamentos de Baikonur no Uzbesquitão. Ambos tem investimentos em Kouru, o Centro de
Lançamentos da UE, na Guiana Francesa.
7
Cf. AMARAL, Roberto & TRANJAN, Alfredo. xxxxx
8
In. O GLOBO. 25.01.2011, p.27
3
3. As grandes empresas europeias na área de satélites, como Thales Alenia Space e Astrium,
não adotam a política transferência de tecnologia completa nem abrem os códigos fontes
do software de seus satélites. Assim, um país que compra satélites dessas empresas para
usos segurança nacional, por exemplo, não pode considerá-los como completamente
seus.
d.Canadá
O país não domina a tecnologia de foguetes, mas possui uma indústria de satélites muito
desenvolvida, de que são exemplos, entre outras, as empresas MacDonald, Dettwiler and Associates
(MDA) e ComDev, as quais, em algumas áreas, como a de radares, ostentam tecnologia de ponta.
Uma vez que o programa espacial canadense não pode atender à sua indústria de satélites, fato
agravado com a queda das encomendas norte-americanas, as empresas canadenses passam a
depender da cooperação internacional. A MDA, por exemplo, oferece uma transferência
completa da tecnologia de satélites (desenvolvimento, fabricação, abertura do software e até
financiamento).
4. O caso ucraniano
Ucrânia herdou da União Soviética e continuou desenvolvendo uma indústria espacial potente.
Nesse país é que foram produzidos os mísseis balísticos intercontinentais insuperáveis, bem
como uns dos melhores veículos lançadores do mundo. A Ucrânia também possui ampla
experiência na área de desenvolvimento e produção de satélites de sensoriamento remoto
(observação da Terra), embora a indústria ucraniana de satélites atualmente não esteja no nível
da melhor tecnologia mundial. Entre outras vantagens para a parceria em transferência de
tecnologia espacial, destacam-se as seguintes:
1. A Ucrânia já desenvolve com o Brasil uma parceria real. O total de investimentos ucranianos
previstos no Brasil é de até US$300 milhões para a criação do complexo de lançamento e de
mais de US$150 milhões para o desenvolvimento do veiculo lançador Cyclone-4.
2. A Ucrânia dispõe de modernas tecnologias de mísseis, mas não possui um centro de
lançamento próprio para seu emprego;
3. Assim como o Brasil, a Ucrânia também não tem capacidade de investir vultosas somas em
seu programa espacial, mas procura parceiros para uma efetiva cooperação técnica e financeira;
4. A realização do projeto Cyclone-4 assegurará resultados reais: a criação de um moderno
veículo lançador e o desenvolvimento da infra-estrutura do Centro de Lançamento de
Alcântara;
5. A união dos recursos financeiros e tecnológicos, no campo da atividade espacial, permite
antever um futuro promissor, desenvolvendo tecnologias em conjunto pelas empresas dos dois
países, como, por exemplo, um veículo lançador pesado.
Baseando-se nas reflexões até aqui desenvolvidas, pode-se chegar à conclusão de que os
melhores parceiros para o Brasil em termos de transferência de tecnologia são:
1) Na área de veículos lançadores – Ucrânia;
2) Na área de satélites – Canadá.
4
5. Como fazer funcionar o programa espacial e receber a tecnologia
Não basta identificar os melhores parceiros para transferência de tecnologia, é preciso montar
corretamente um programa espacial para poder receber a tecnologia e dela fazer uso.
Atualmente, o Brasil possui os seguintes problemas que dificultam o recebimento efetivo da
tecnologia:
 Ausência de legislação (lei sobre as atividades espaciais) que define as atividades espaciais;
 Ausência de programa governamental de longo prazo para desenvolvimento das
atividades espaciais, bem como do devido orçamento;
 Descentralização da administração das atividades espaciais;
 Ausência de empresas projetistas e fabricantes do setor espacial - uma única entidade
cuida ao mesmo tempo de projeção, fabricação e operação dos equipamentos espaciais.
Na Ucrânia, a atividade no setor espacial é regulamentada por normas do direito espacial
internacional e nacional. A atividade espacial da Ucrânia é, atualmente, regulamentada por 15
leis. Em conformidade com a Lei “Sobre a Atividade Espacial”, a regulamentação estatal é um
dos fundamentos da atividade espacial. Estabeleceu-se no mundo um sistema unificado de gestão
das atividades espaciais nacionais pelas agências espaciais. Para esse fim foi também criada a
Agência Espacial Nacional da Ucrânia (NSAU), na condição de órgão central do poder executivo
e o único responsável por todas as áreas da atividade espacial.
A legislação nacional da Ucrânia no campo da atividade espacial foi formada com base em
documentos jurídicos internacionais, os quais estabelecem os princípios fundamentais da
atividade dos Estados na área espacial. Partindo do exposto, o órgão do Poder Executivo no
setor espacial deve regulamentar, controlar e ser responsável pela realização da atividade
espacial dos agentes da atividade espacial, tanto na Ucrânia como sob jurisdição da Ucrânia fora
de suas fronteiras.
O Estado emite licenças às empresas para a atividade espacial, realiza controle permanente sobre
sua atividade e tem responsabilidade internacional por toda a atividade nacional no espaço
cósmico. O Estado também tem responsabilidade internacional por danos causados pelos
objetos espaciais, inclusive pertencentes a empresas privadas.
Atualmente no Brasil há vários órgãos do governo que cuidam de segmentos diferentes de
atividades espaciais, às vezes até sobrepondo-se: Agência Espacial Brasileira, Ministério da
Ciência e Tecnologia, Ministério de Comunicações, Ministério da Defesa ... A situação atual
não permite consolidação da política espacial do País e o controle efetivo de implementação
dela.
Apesar da necessidade de ter um único órgão responsável pelo programa espacial do país, as
funções de projetista, fabricante e cliente devem pertencer as entidades diferentes, assim,
assegura-se desenvolvimento da área e controle de qualidade.
Vamos usar como exemplo o desenvolvimento de mísseis balísticos intercontinentais na
Ucrânia, na época da União Soviética, onde a Yuzhnoye foi projetista, a Yuzhmash fabricante e o
5
Ministério da Defesa cliente. O cliente sempre exigia o impossível da empresa projetista para
poder ultrapassar os sistemas dos estados adversários. A projetista, ao seu lado, cobrava duro da
fabricante o fiel cumprimento de suas soluções técnicas, enquanto a fabricante cobrava da
projetista a substantivação de soluções para conseguir produto de acordo com as exigências do
cliente. Este último, por sua vez, cobrava de ambas as empresas (projetista e fabricante) a
qualidade do produto e correspondência dele às suas exigências. Desta forma, foram criados
produtos únicos como o sistema SS-18, até hoje insuperável por qualquer outro.
Resumindo, o Brasil, ao optar por parcerias em transferência de tecnologia e ao organizar
devidamente seu programa espacial para poder receber e aproveitar essa tecnologia poderia, em
tempo relativamente curto e usando recursos razoáveis, conseguir domínio e efetiva aplicação
da tecnologia espacial.
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