O BRASIL NO ESPAÇO – NOTAS SOBRE A
PRIMEIRA MISSÃO DA AGÊNCIA
ESPACIAL BRASILEIRA
MARIA VITÓRIA VÉLEZ
Membro do Núcleo de Cosmologia e Filosofia da
Ciência da UFJF.
Jornalista da Agence France Presse – Rio de
Janeiro.
[email protected]
Como enviada especial da Agence France Presse, Maria Vitória Vélez
fez a cobertura do lançamento ao espaço do primeiro astronauta
brasileiro, o tenente-coronel da Força Aérea Marcos Pontes. A missão
desenvolveu-se entre os dias 30 de Março e 9 de Abril de 2006. A seguir,
algumas anotações sobre o Cazaquistão, de onde partiu a missão (do
cosmódromo de Baikonur), bem como sobre aspectos relevantes da
corrida espacial russa e das pesquisas feitas por Marcos Pontes durante a
sua missão.
CAZAQUISTÃO - HISTÓRICO
Localizada no coração da Ásia Central, a República do Cazaquistão é uma antiga
integrante da cortina-de-ferro que se tornou independente em 1991, no rastro da glasnost e
da Perestroika que levaram à desintegração da União Soviética, que dominou a região
desde os anos 20 do século passado.
Trata-se de um país com uma população de 16,8 milhões de habitantes,
descendente de mongóis, turcos e outros povos, de maioria muçulmana (47%) e dispersa
por um território de dimensões continentais de cerca de 2,7 milhões de quilômetros
quadrados, o equivalente à Europa ocidental.
As estepes que dominam a paisagem do país testemunharam o revezamento no
poder entre as hordas nômades – que até hoje compõem as tradicionais divisões tribais
étnico-sociais – e as civilizações sedentárias da periferia da Eurásia, bem como o domínio
mongol sob a liderança do temido Gengis Khan, no século XIII.
O assédio ainda de hunos, turcos, árabes e chineses, que também se aventuraram
na Ásia Central, fez com que o estabelecimento de uma civilização só fosse possível
durante a colonização russa, no século XIX.
Em destaque, a área atual ocupada pelo Cazaquistão, uma extensão equivalente à da
Europa Ocidental.
COMPLEXO NUCLEAR DE SEMIPALATINSK
Após a vitória da Revolução Bolchevique, durante o domínio soviético, o
Cazaquistão abrigou a maior área de testes nucleares do mundo, o complexo de
Semipalatinsk, no nordeste do país. Foram realizados nesse complexo, desativado no ano
2000, mais de 500 testes durante a guerra fria (1949-1989), com sérias conseqüências
sanitárias para os moradores das regiões vizinhas.
BAIKONUR
A construção do cosmódromo de Baikonur (no norte do país), iniciada em 1955,
visava à criação de uma instalação capaz de efetuar os testes de lançamento do foguete R7,
com alcance intercontinental teleguiado, da categoria de Míssil Balístico Intercontinental.
A escolha do local deveu-se ao fato de se tratar de uma área desabitada, já que a
área de aterrissagem compreende um raio de 60 km do local de lançamento.
Com uma extensão de 85 km de norte a sul e 125 km de leste a oeste, o
cosmódromo é, hoje, uma das três bases no mundo capazes de enviar missões tripuladas ao
espaço, além de Cabo Cañaveral, nos Estados Unidos, e do Centro Espacial Jiuquan, na
China.
Integram o complexo as plataformas que lançaram o R7, em 1957, e os
foguetes Soyuz e Vostok, sendo que este último, em 1961, colocou o cosmonauta Yuri
Gagarin em órbita da Terra, fazendo dele o primeiro homem a viajar ao espaço. Fazem
parte desse complexo, também, instalações construídas para o programa lunar N-1,
adaptadas para a missão do ônibus espacial russo Buran, lançado uma única vez ao espaço,
em 1988. O Centro tem ainda edifícios para a construção de naves espaciais para o
programa Soyuz, um museu e tanques de armazenamento de combustíveis.
Centro Espacial de Korolev, em
Baikonur, Cazaquistão. (Foto:
autora)
Desde a suspensão do programa de ônibus espaciais da agência espacial
americana (Nasa), causada pelo acidente com o Columbia, em fevereiro de 2003, que
explodiu durante a reentrada na atmosfera terrestre matando seus sete tripulantes, e pela
repetição dos problemas técnicos durante a missão do Discovery, em julho de 2005, o
revezamento semestral da tripulação da Estação Espacial Internacional (ISS) tem sido feito
exclusivamente pelas naves russas Soyuz, lançadas de Baikonur.
SUCATEAMENTO DO PROGRAMA ESPACIAL RUSSO
No entanto, a primeira impressão que se tem do cosmódromo é de abandono. As
instalações são mal conservadas e é comum ver sucata de foguetes espalhada pelo local,
lembrando um enorme ferro-velho.
Uma imagem do sucateamento do
Programa Espacial Russo:
material abandonado em
Baikonur. (Foto: autora)
O design antiquado da nave Soyuz, em operação desde 1967, contribui para a
imagem de penúria do programa espacial russo.
No entanto, o projeto desenvolvido pelo pai da cosmonáutica soviética,
Konstantin Korolev, tem se mostrado eficiente, com o impressionante registro de apenas 2
acidentes fatais em quase 40 anos de uso.
O procedimento da reentrada é o mais arriscado – foi justamente no retorno que
ocorreram as mortes. Depois de rasgar os céus parcialmente em chamas, lembrando uma
estrela-cadente, a cápsula Soyuz pousa nas estepes cazaques com a parte externa
carbonizada, momentos antes do desembarque de seus tripulantes.
A cápsula espacial Soyuz, após o
pouso. Pode-se observar a parte
externa, carbonizada, em
decorrência da fricção com a
atmosfera terrestre. (Foto: autora)
Com o colapso da União Soviética, o complexo que é a principal estação de
lançamentos russa passou a pertencer ao território de uma república independente. Assim,
em 1994, Moscou assinou um acordo com o governo cazaque para continuar utilizando as
instalações mediante o pagamento de um aluguel de 115 milhões de dólares ao ano.
Trata-se de um preço alto para a Roscosmos, agência espacial russa, que devido a
cortes no orçamento tem obtido financiamento através de contratos publicitários e da
viagem de astronautas de países emergentes, como o brasileiro Marcos Pontes, e de turistas
espaciais, como os milionários Dennis Tito (2001) e Greg Olsen (2005), dispostos a gastar
20 milhões de dólares para viajar ao espaço.
Especula-se que 70% das despesas da agência russa, nos próximos três anos,
sejam custeados desta forma. Malásia, Tailândia, Indonésia e Argentina estariam
esperando pela a oportunidade de enviar os próximos viajantes espaciais.
RELEVÂNCIA CIENTÍFICA DA MISSÃO ESPACIAL BRASILEIRA
A polêmica quanto à importância científica da missão de Pontes, para o Brasil, é
grande. Os defensores do projeto afirmam que a possibilidade de enviar experimentos
nacionais e um astronauta ao espaço representa a oportunidade de se ter acesso a uma
tecnologia, que não seria conhecida de outra forma. Para os críticos, seria necessário
primeiro investir dentro do próprio País.
Vista parcial da foguete Soyuz, antes do lançamento. Pode-se observar a bandeira do Brasil, junto à
americana, bem como o logotipo da Agência Espacial Brasileira. (Foto: autora)
Divergências à parte, é fato que o aprendizado deste vôo capacitou não apenas o
astronauta, mas pessoal técnico como os cientistas envolvidos no projeto, que tiveram que
adaptar seus experimentos de bancada para serem realizados no espaço,
para novas
missões. Com o crescimento do interesse de outros países por missões deste tipo, talvez o
Brasil esteja em uma situação favorável para o intercâmbio de conhecimento.
O astronauta brasileiro
Marcos Pontes, após o
pouso da cápsula Soyuz,
com um oficial russo, a
bordo do helicóptero que o
resgatou no deserto do
Cazaquistão.
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Artigo sobre a primeira missão espacial brasileira