Rev. bras. fisioter. Vol. 7, No. 2 (2003), 159-165 ©Associação Brasileira de Fisioterapia FISIOTERAPIA NA ATENÇÃO PRIMÁRIA: UMA EXPERIÊNCIA DE INTEGRAÇÃO ENTRE ENSINO, SERVIÇO DE SAÚDE E ASSISTÊNCIA À COMUNIDADE Viana, S. 0., Merényi, A., 1 Sampaio, R. F. 2 e Furtado, S. R. C. 3 1 Acadêmicas de Fisioterapia, Universidade Federal de Minas Gerais, Unidade administrativa 11, Campus Pampulha, Av. Presidente Antônio Carlos, 6627, CEP 31270-901, Belo Horizonte, MG 2ürientadora, Universidade Federal de Minas Gerais, Unidade administrativa TI, Campus Pampulha, Av. Presidente Antônio Carlos, 6627, CEP 31270-901, Belo Horizonte, MG 3Colaboradora, Universidade Federal de Minas Gerais, Unidade administrativa Il, Campus Pampulha, Av. Presidente Antônio Carlos, 6627, CEP 31270-901, Belo Horizonte, MG Correspondência para: Rosana Ferreira Sampaio, Rua Juvenal dos Santos, 222, ap. 602, Luxemburgo, CEP 30360-530, Belo Horizonte, MG Recebido: 22/10/02- Aceito: 17/3/03 RESUMO O Centro de Saúde São Gabriel (CSSG) situa-se no distrito sanitário Nordeste e tem uma população adscrita de 19.400 pessoas. O CSSG oferece, dentre outros serviços, a fisioterapia, que desenvolve ações de promoção, pr,evenção e recuperação da saúde dos indivíduos, procurando manter a população assistida com o máximo de capacidade funcionai e independência física. O objetivo deste trabalho foi descrever o perfil dos usuários atendidos pela fisioterapia no CSSG no período de junho a agosto/2002 e analisar o conhecimento dos mesmos em relação à profissão. Para realizar o estudo, foi criado protocolo com questões fechadas incluindo características sócio-demográficas e clínicas dos usuários, além de uma questão aberta solicitando ao paciente a definição de fisioterapia. Nos três meses de estudo foram atendidos 104 pacientes, sendo 82% do sexo feminino. O diagnóstico mais freqüente foi hipertensão arterial (n = 34), seguido por diabetes (n = 12). A maioria dos usuários pertencia à ocupação "do lar" (45%). Em relação ao entendimento da clientela sobre a fisioterapia, a maioria das pessoas (n = 56) associou o tratamento fisioterapêutico a trabalho de nível técnico e 40 usuários responderam que fisioterapia é "alguma coisa por meio da qual o corpo e a mente ficam bem". Poucas pessoas (n = 8) associaram objetivamente a fisioterapia à terapia de reorganização física, prevenção, educação e reconstituição de alguma perda. Para melhor desenvolver ações fisioterapêuticas de promoção e prevenção de saúde e tratamento é necessário facilitar o acesso a esse tipo de serviço, além de socializar a profissão para a população em geral. Palavras-chave: fisioterapia, serviços de saúde e atenção primária. ABSTRACT The St. Gabriel Health Care Center (CSSG) is located in the North-East Sanitary District and attends a population of 19,400 people. The CSSG offers physical therapy services, among others, and such services focus on promoting health, preventing and rehabilitating individuais, in order to maintain and maximize their physical independence and functional capacity, within their community and their families. The objective of this study was to describe the profile of the users of this Center, who were attended by the physical therapy services, from June to August/2002, and to investigate these patients' knowledge about physical therapy. In order to gather descriptive information, a protocol was developed including social-demographic and clinicai variables, as well as an open-question about the patient's understanding of the concept of physical therapy. During these three months of study, 104 patients were attended, from whom 82% were female. The most frequent occupation was "housewife" (45%). Thirty-four patients had a diagnosis of high blood pressure and the second most observed diagnosis was diabetes (n = 12). Information about the users' understanding of physical therapy showed that most people (n = 56) associated this treatment to a technicallevel intervention, and forty users thought that physical therapy was "something through which body and mind stay health". A few people (n = 8) objectively defined physical therapy as a profession that promotes physical reorganization, prevention, education and reconstitution of clients' functioning. For a better development of .physical therapy actions towards health promotion and prevention, it is necessary to facilitate access to this type of service and to inform the general population about its con: conceptualization. Key-words: physical therapy, health services, primary care. Viana, S. O. et al. 160 INTRODUÇÃO .O Centro de Saúde São Gabriel (CSSG) situa-se no distrito sanitário Nordeste e tem por área de abrangência os bairros São Gabriel, Dom Silvério e parte de Ouro Minas, com população cadastrada de 19.400 pessoas. Segundo levantamento realizado em 1992, a faixa etária que concentra maior número de pessoas é a de 1O a 14 anos, sendo que 64% têm idade inferior a 29 anos. Os moradores da região são, em sua maioria, trabalhadores da construção civil, comerciários, assalariados de empresas estatais e indústrias de pequeno porte, biscateiros ou desempregados. As doenças prevalentes são: hipertensão arterial, parasitoses, infecções de vias aéreas superiores, transtornos mentais e diabetes. Quanto ao saneamento, há água canalizada em quase todos os bairros e rede de esgoto em aproximadamente 80% da área. 1 O CSSG conta atualmente, com a formação de 3 equipes do Programa de Saúde da Família (PSF) e um total de 19 agentes comunitários de saúde (ACS). Além das equipes do PSF, há outros profissionais de suporte, a saber: 2 clínicos gerais, 3 dentistas, 2 ginecologistas, 1 pediatra, 2 psicólogos, 1 psiquiatra, 1 assistente social, 1O auxiliares de enfermagem e 7 estudantes do 1(}2 período do Curso de Fisioterapia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O PSF, criado pelo Ministério da Saúde em 1994, visa reorganizar a prática da atenção à saúde em novas bases, focalizando sua atuação no núcleo familiar. Esse programa tem sido a estratégia adotada pela Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte para desenvolver ações de promoção, proteção e recuperação da saúde do indivíduo, da família e da comunidade, por meio de atendimentos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou no domicílio pelos profissionais das equipes. 2 Utilizando o cadastro das famílias pelas equipes do PSF, é possível direcionar o foco de atenção para as áreas onde há risco elevado de as pessoas adoecerem e morrerem. As ações de saúde desenvolvidas com essa perspectiva têm permitido maior proximidade dos profissionais com a comunidade e a identificação mais acurada dos problemas de saúde desses indivíduos, o que é fundamental para a execução de ações mais efetivas sobre a realidade. Dessa forma, espera-se melhorar os indicadores de morbi-mortalidade e de satisfação dos usuários do CSSG. 3 Nesse contexto, a fisioterapia tem trabalhado no sentido de promover a melhoria da capacidade funcional dos usuários do Centro de Saúde. Essa capacidade funcional é trabalhada como novo conceito de saúde a qual resulta da interação multidimensional entre saúde física e mental, independência na vida diária, integração social, suporte familiar e independência econômica. De acordo com Fillebaum, 4 o comprometimento de qualquer uma dessas dimensões pode afetar a capacidade funcional do indivíduo. Rev. bras. fisioter. Partindo dessa discussão, as ações desenvolvidas atualmente pela fisioterapia envolvem a participação do profissional em programas e serviços. Os programas são oferecidos a toda a comunidade e são normatizados pelo Ministério ou Secretaria Municipal de Saúde, enquanto os serviços, propostos de acordo com as necessidades específicas do Centro de Saúde, são dirigidos aos indivíduos e às farm1ias. Dentre os programas desenvolvidos no CSSG, a fisioterapia participa atualmente do programa de hipertensão, diabetes e asma (crianças de O a 4 anos), orientando os pacientes sobre a patologia e o autocuidado, além de supervisionar atividades físicas dentro e fora do centro. Uma das atuações da fisioterapia nesses programas é habilitar os pacientes crônicos e seus familiares para que possam prevenir ou cuidar de algumas das possíveis complicações decorrentes da patologia, e, dessa forma, diminuir sua dependência em relação ao serviço, impactando positivamente no enfrentamento de seus problemas de saúde. 5 Os serviços oferecidos pela fisioterapia se enquadram na proposta do SUS de atendimento à demanda espontânea por meio do acolhimento semanal dos usuários. Além disso, são realizadas avaliações e atendimento individual, atividades em grupo e visitas domiciliares. Avaliação e atendimento individualizados são oferecidos à toda a comunidade, com o encaminhamento dos pacientes a outras unidades do SUS quando intervenções de maior complexidade se fazem necessárias. As atividades em grupo são voltadas a indivíduos portadores de patologias crônicas da coluna (lombalgias, dorsalgias e cervicalgias), gestantes e idosos. Segundo a percepção dos acadêmicos de fisioterapia e a análise das fichas de freqüência dos usuários, essas atividades têm contribuído para a adesão do paciente ao tratamento fisioterapêutico. As visitas domiciliares têm por objetivo verificar in loco as condições de vida e moradia dos indivíduos impossibilitados de se locomover até o Centro de Saúde, realizar tratamento e orientar os pacientes e seus familiares. A implementação do PSF no CSSG possibilitou ampliar essa atividade. 5 Atualmente, em Belo Horizonte, há somente cinco fisioterapeutas contratados pelo SUS para atuar em Centros de Saúde. A pouca experiência da fisioterapia na atenção primária, somada ao reduzido número de profissionais atuando em UBS, têm resultado em desconhecimento das inúmeras possibilidades de atuação do fisioterapeuta por outros profissionais de saúde, gestores e, muitas vezes, pela própria população. A caracterização do perfil da clientela usuária do serviço de fisioterapia do CSSG assume importância no contexto atual, uma vez que fornece dados relevantes aos gestores e poderá auxiliar no planejamento e na viabilização da oferta de outros serviços semelhantes, direcionados a atender as necessidades de saúde da população. Fisioterapia na Atenção Primária Vol. 7 No. 2, 2003 A idéia de investigar essa questão parte do pressuposto de que a experiência subjetiva do processo de adoecer e dos fatores relacionados ao adoecimento são diretamente influenciados pela cultura. 6 Pesquisas qualitativas têm o potencial de oferecer diferentes tipos de evidência, enfatizando a humanidade e a individualidade, além de poder extrair motivações e percepções do paciente, de forma a influenciar positivamente na aplicação do tratamento. 7 A relevância de conhecer ou ao menos aproximar-se do universo de percepções e das representações populares sobre as doenças e a busca de assistência é reconhecida não somente por pesquisadores da área das ciências sociais e comportamentais, mas também, e cada vez mais, por estudiosos ligados à saúde pública. 8 Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi identificar o perfil da clientela usuária dos serviços de fisioterapia do CSSG e analisar as representações sociais desse grupo sobre fisioterapia. MATERIAL E MÉTODOS Houve um estudo transversal para caracterizar os usuários do serviço de fisioterapia do CSSG no período de junho a agosto/2002. Para realizar a pesquisa foi criado um protocolo contendo as seguintes variáveis: • características sócio-demográficas: sexo, idade, estado civil, escolaridade e ocupação; • encaminhamento para tratamento fisioterapêutico; • diagnóstico médico; • tempo de sintomatologia; • especialidade definida pelo diagnóstico; • tratamento fisioterapêutico (individual ou em grupo); • realização de tratamento fisioterapêutico anterior; 161 • pergunta aberta solicitando definição de fisioterapia. A coleta dos dados foi realizada utilizando metodologias quanti e qualitativa. Para as análises quantitativas, foi utilizado o programa estatístico SPSS 10.0. Foi realizada análise descritiva (medidas de tendência central e dispersão, freqüência e porcentagens) das variáveis citadas anteriormente. A análise qualitativa foi realizada pela análise de discurso do sujeito coletivo, com base nas respostas à questão aberta do protocolo. 9 RESULTADOS Nos três meses de estudo, 104 pacientes foram atendidos pelo serviço de fisioterapia do CSSG. Destes, a maioria era do sexo feminino ·(82% ). A idade dos pacientes variou de 1 a 78 anos, sendo 53,5 anos a media das idades. A classificação dos usuários do serviço de fisioterapia, de acordo com sexo e grupo etário, é apresentada na Figura 1. Dos pacientes, 2 eram casados, 22 solteiros, 18 viúvos e 12 separados ou divorciados. Quanto à escolaridade, 73% (n =75) era analfabeto ou tinha o primeiro grau incompleto. A distribuição dos usuários segundo as variáveis escolaridade e grupo etário, e escolaridade e sexo são descritas na Tabela 1 e na Figura 2, respectivamente. Em relação à ocupação dos pacientes atendidos no período, a mais freqüente foi "do lar", com 45%, seguida de 13% de aposentados (Tabela 2). Trinta e cinco indivíduos foram encaminhados 35 indivíduos para tratamento fisioterapêutico pelos profissionais do próprio Centro de Saúde, seguido por encaminhamento espontâneo (33% ), grande parte da demanda foi encaminhada por outras unidades do SUS (25% ). Apenas 7% foi encaminhada por algum convênio e 2% por serviços particulares. 45 • Masculino 40 D Feminino o"' 35 ::l ::!:! 30 > 'õ .!: 25 CIJ "t:l e 20 CIJ E 15 ·::l z 10 5 o 1-19 40-59 20-39 60-1'9 Idade (anos) Figura 1. Distribuição dos usuários do serviço de fisioterapia do Centro de Saúde São Gabriel, segundo sexo e idade. Rev. bras. fisioter. Viana, S. O. et al. 162 60 • Masculino "'o::::J ~ 40 Ql 30 ".!: "e O Feminino 50 Ql E 20 •::I z 10 o Analfabetos 1º grau comp./inc. 2º grau comp./inc. Superior comp./inc. Escolaridade Figura 2. Distribuição dos usuários do serviço de fisioterapia do Centro de Saúde São Gabriel segundo sexo e escolaridade. Tabela 1. Distribuição dos usuários do serviço de fisioterapia do Centro de Saúde São Gabriel, segundo idade e escolaridade. Idade (anos) Total Escolaridade 1-19 20-39 40-59 60-79 Analfabetos o o 5 8 13 12 grau comp./inc. 3 9 25 33 70 22 grau comp./inc. 4 7 4 1 16 Superior comp./inc. o 3 1 o 4 Total 7 19 35 42 103 A distribuição dos usuários segundo o diagnóstico encontra-se descrita na Tabela 3. O diagnóstico mais freqüente foi hipertensão arterial (n = 34), seguida por diabetes (n = 12). Em relação ao diagnóstico, as áreas relacionadas responsáveis por maior demanda para tratamento fisioterapêutico foram: ortopedia (43%), cardiologia (34%) e endocrinologia (12% ). Do total dos pacientes avaliados, 67% foram encaminhada para tratamento em grupo, enquanto o restante dos casos exigiu atendimento individual. Houve grande variabilidade no tempo em que o paciente se encontrava doente. Esse tempo variou de um mínimo de 1 'semana a um máximo de 50 anos de sintomatologia. A mediana de tempo de sintoma foi de 5 anos. Metade dos pacientes (n = 52 pessoas), antes de ser atendida no CSSG, nunca havia procurado tratamento de fisioterapia. O restante já havia realizado tratamento fisioterapêutico anteriormente em alguma unidade de saúde do SUS. Poucas pessoas tinham realizado tratamento anterior por convênio (n = 9) ou serviço particular de fisioterapia (n = 2). O protocolo continha uma pergunta aberta, que solicitava aos pacientes descrever o que entendiam por fisioterapia. A maioria das pessoas (n =56) associou o tratamento fisioterapêutico a trabalho de nível técnico, que utiliza exercícios, ginástic~ e movimentos. Quarenta usuários (38%) acharam que fisioterapia é "alguma coisa por meio da qual o corpo e a mente ficam bem". A maioria dos pacientes destacou o impacto positivo das intervenções fisioterapêuticas nas questões emocionais relacionadas à doença ou à condição de vida do respondente: "para mim é muito bom. Melhora a dor, a musculatura ... a gente chega em casa bem melhor"; "a fisioterapia anima"; "acho que a fisioterapia ajuda a aceitar melhor a doença e a lidar com ela". 163 Fisioterapia na Atenção Primária Vol. 7 No. 2, 2003 Tabela 2. Distribuição dos usuários do serviço de fisioterapia do Centro de Saúde São Gabriel, segundo ocupação. N % Profissões científicas e técnicas 6 5,83 Serviços administrativos 1 0,97 Comércio 5 4,85 Serviços de serventia, higiene e segurança 12 11,65 Trabalhadores agropecuários e florestais 1 0,97 Ocupações Produção industrial, operadores de máquinas 11 10,68 "Do lar" Aposentados 48 14 46,60 13,60 5 4,85 103 100 Estudantes Total Tabela 3. Classificação dos usuários do serviço de fisioterapia do Centro de Saúde São Gabriel, segundo diagnóstico. N % Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas (Grupo E) 12 11,5 Transtornos mentais e comportamentais (Grupo F) 1 1 Doenças do sistema nervoso (Grupo G) 7 6,7 Doenças do aparelho circulatório (Grupo I) 34 32,7 Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (Grupo M) 35 33,7 Gravidez, parto e puerpério (Grupo O) 3 2,9 Malformações congênitas, deformidades e anomalias cromossômicas (Grupo Q) 3 2,9 Lesões e algumas outras conseqüências de causas externas (GrupoS) 8 7,6 104 100 Diagnóstico* Total *Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde. Rev. bras. fisioter. Viana, S. O. et al. 164 Poucas pessoas (n = 8) foram capazes de associar objetivamente a fisioterapia a uma terapia de reorganização física, prevenção, educação e reconstituição de alguma perda. O nível de escolaridade não interferiu na objetividade das respostas obtidas pela entrevista. O fato de metade dos usuários já ter realizado tratamento fisioterapêutico anteriormente também não mostrou influenciar nas respostas que melhor definiram o conhecimento que os entrevistados tinham da profissão. DISCUSSÃO O fisioterapeuta é um profissional habilitado a atuar na promoção de saúde, tratando, reabilitando e prevenindo em níveis individual e coletivo. Seu envolvimento em programas de atenção primária seguramente contribuirá para a transformação do quadro de saúde/doença encontrado no País. Considerando todos os problemas sociais vividos pela população brasileira, agravados pelo empobrecimento e pelas políticas cada vez mais restritivas, o setor público muitas vezes surge como única alternativa de assistência à saúde para a maioria das pessoas. Segundo dados do Ministério da Saúde, no Brasil, somente 25% da população utiliza serviços privados de saúde, ou seja, não busca assistência do SUS. 10 Assim, toma-se urgente ampliar o número de profissionais e ações desenvolvidas pela fisioterapia no SUS. A experiência dos acadêmicos do 102 período do curso de graduação em Fisioterapia da UFMG no CSSG, relatadas neste trabalho, tenta contribuir para o debate relacionado ao papel da fisioterapia na atenção primária. Este estudo tem possibilitado aos estudantes conhecer a realidade de saúde do município de Belo Horizonte e desenvolver atuação prática em consonância com o modelo assistencial implementado pelo SUS, por meio de ações voltadas às necessidades de saúde da população. O desenvolvimento de visitas domiciliares e atividades coletivas tem permitido aprendizado mútuo e demonstrado iniciativa e envolvimento dos estudantes, que superaram o obstáculo de transmitir informações técnico-científicas aos moradores, de maneira clara e compreensível, obtendo sua participação e interesse. A população atendida pela fisioterapia nesses três meses de estudo parece coincidir com o perfil dos usuários das UBS do SUS no País. Outros estudos mostraram a predominância de usuários do sexo feminino e com faixa etária semelhantes, como, por exemplo, o estudo de Ramos, li realizado em São Paulo, e o de Pereira, 10 em Belo Horizonte. Há diferentes explicações para esse achado. Em primeiro lugar, o horário de funcionamento das UBS, das 7 às 19 horas, poderia dificultar o acesso dos homens que trabalham distante do local de moradia. De acordo com Ramos, li as mulheres vivem por mais tempo, mas os anos adicionais de vida podem estar marcados por doenças crônicas e incapacidades que dificultam a manutenção de sua independência e autonomia. As dimensões física, econômica, psicológica e social que envolvem a vida da mulher na atualidade afetam os serviços de saúde, sociais e comunitários, e podem resultar em impacto negativo em sua qualidade de vida. 12 Isso poderia justificar o elevado consumo dos serviços de saúde por parte das mulheres, como demonstrado neste estudo. Os diagnósticos mais freqüentes entre os usuários do serviço de fisioterapia são decorrentes da alta prevalência dessas patologias na área de abrangência do CSSG e dos programas de saúde desenvolvidos pelo centro. O elevado número de pacientes crônicos, considerando o tempo em que se encontravam doentes (mediana= 5 anos), pode ser explicado pela possibilidade que esses pacientes encontram nos grupos de educação para saúde e tratamento, desenvolvidos pela fisioterapia. As características das atividades implementadas e os recursos disponíveis nas UBS favorecem a admissão e o acompanhamento dos usuários. O elevado número de usuários que nunca havia procurado por tratamento fisioterapêutico (n = 52) e o desconhecimento do que é fisioterapia por outros (n = 11) parece demonstrar a dificuldade de acesso da população usuária dos serviços públicos de saúde a esse tipo de tratamento. O reduzido número de profissionais de fisioterapia contratados nas UBS em Belo Horizonte reforça a dificuldade de acesso discutida anteriormente. As avaliações clínicas realizadas pelos estudantes têm confirmado, na maioria dos casos, a real necessidade de intervenção fisioterapêutica nesses locais. É interessante o fato de muitos pacientes, apesar de já terem realizado tratamento fisioterapêutico, seja por meio do SUS ou do convênio, não serem capazes de definir a profissão ou explicitar de forma específica a atuação do profissional de fisioterapia. Essa situação pode estar ocorrendo em conseqüência do distanciamento na relação terapeuta/paciente, em um momento em que se discute na área da saúde que a opinião e a percepção do paciente em relação a sua doença e ao tratamento são fatores importantes para a qualidade e o sucesso do mesmo. 13 Tendo em vista essas informações, toma-se fundamental inserir o indivíduo no contexto real em que se encontra, esclarecendo questões relativas à saúde, doença e tratamento. O que buscamos com este trabalho é uma proposta de democratização da fisioterapia, que permita melhor comunicação do SUS com a população. Uma proposta que contemple todos os segmentos envolvidos com as questões de saúde e que entenda a dinâmica do universo simbólico dos grupos sociais com quem interagimos. CONCLUSÃO Considerando todas as questões apresentadas e discutidas anteriormente, toma-se clara a importância do fisioterapeuta na atenção primária à saúde. Para melhor desenvolver Vol. 7 No. 2, 2003 Fisioterapia na Atenção Primária suas ações de prevenção de saúde e promoção da qualidade de vida da clientela, é necessário facilitar o acesso dos indivíduos a esse tipo de atendimento e conscientizálos sobre a atuação do fisioterapeuta no processo saúde/ doença. Além disso, o profissional deve informar-se sobre as expectativas do cliente em relação ao tratamento fisioterapêutico. Finalmente, é fundamental socializar a profissão para a população em geral e para a população assistida pelos diversos tipos de serviços e programas de saúde, de natureza municipal, estadual ou federal. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. 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