ERA ASSIM. COMO SERÁ? PROGRAMA AÇÃO FAMÍLIA SÃO MIGUEL PAULISTA Resumo Neste artigo, apresenta-se uma análise dos resultados do primeiro ano do Programa Ação Família, da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS-SP), que, em São Miguel Paulista, se fez em convênio com a Fundação Tide Setubal. Os resultados do trabalho foram observados a partir das dimensões estratégicas de atuação do Programa − documentação, educação, saúde, trabalho e renda, habitabilidade e dinâmica familiar –, e a avaliação levou em conta a metodologia de trabalho com famílias que, nesse caso, focou primeiramente o grupo familiar para, gradualmente, dar mais atenção às questões comunitárias e de direitos e deveres. Assim, a análise quantiqualitativa incide sobre as informações produzidas pelo Programa ao longo do processo de intervenção. Palavras-chave: Programa Ação Família; avaliação; dimensões estratégicas. INTRODUÇÂO Neste artigo, apresenta-se uma avaliação da produção de informação qualificada e sistematizada do Programa Ação Família, da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS-SP), que, em São Miguel Paulista, se fez em convênio com a Fundação Tide Setubal, pelo fortalecimento da autonomia de famílias que se encontram em situação de alta vulnerabilidade social1. A avaliação busca retratar as trajetórias de inclusão social das 300 famílias participantes do Programa, que se expressam nos processos de acesso e oportunidades oferecidos e apropriados por elas durante o ano de 2007. Quando se avaliam resultados de programas sociais com população em extrema pobreza, é importante considerar o tempo da intervenção, pois as complexidades encontradas requerem ações intersetoriais e duradouras, assim como a construção de confiança. Durante o tempo de duração do Programa observou-se que 12,3% das famílias passaram a receber algum tipo de benefício socioassistencial, o que revela uma ampliação nas condições de proteção social. Destaque neste item pode ser observado no Jardim Lapenna que chegou a atingir 17% das famílias do núcleo. Famílias que passaram a receber algum tipo de benefício socioassistencial Total do Programa Na % Jardim Lapenna Na % Sim 33 12,3 24 17,0 6 6,3 3 9,4 Não 217 80,7 110 78,0 85 88,5 22 68,8 19 7,1 7 5,0 5 5,2 7 21,9 269 100,0 141 100,0 96 100,0 32 100,0 Sem resposta Total Jardim Pantanal Na % Jardim São Vicente Na % Base: total de famílias com cadastros atualizados (resposta única) Fonte: Ficha de atualização cadastral, 2007 Benefícios socioassistencias que passaram a receber Total do Programa Na % Bolsa Família Jardim Lapenna Na % Jardim Pantanal Na % Jardim São Vicente Na % 12 36,4 7 29,2 3 50,0 2 66,7 Renda Mínima 9 27,3 6 25,0 2 33,3 1 33,3 Ação Jovem 7 21,2 7 29,2 0 0,0 0 0,0 Bolsa Escola 5 15,2 4 16,7 0 0,0 0 0,0 Outros 0 0,0 0 0,0 1 16,7 0 0,0 6 100 ,0 3 100,0 Total 33 100,0 24 100,0 Base: total de famílias que alegam receber algum tipo de benefício socioassistencial (resposta única) Fonte: Ficha de atualização cadastral, 2007 O Bolsa Família e o Renda Mínima parecem ser os benefícios que mais alcançaram a população do Programa. Note-se que o que é declarado pelas famílias como Bolsa Escola deve ser entendido também como Bolsa Família, pois este veio a integrar os vários benefícios de transferência de renda familiar. A análise dos resultados de 2007, primeiro ano do Programa, visou a subsidiar a gestão e a tomada de decisões da coordenação e a indicar ajustes necessários para a melhoria de seu desenvolvimento. Os resultados do trabalho com famílias foram analisados a partir das seguintes dimensões estratégicas de atuação do Programa − documentação, saúde, educação, trabalho , habitabilidade, dinâmica familiar e renda. Esta análise leva em conta a metodologia de trabalho com famílias que, no caso do Programa, focou primeiramente o grupo familiar para, gradualmente, dar mais atenção às questões comunitárias e de direitos e deveres. Assim, por favorecerem a aproximação da equipe técnica com as famílias, as visitas domiciliares e as reuniões socioeducativas foram instrumentos vitais no processo (FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL, 2007b). A análise quanti-qualitativa incide sobre as informações produzidas pelo Programa ao longo do processo de intervenção: Ficha Cadastral da Família − Marco Zero: aplicada pelos agentes e técnicos no momento do ingresso das 300 famílias no Programa (novembro/dezembro de 2006); Ficha de Atualização Cadastral: aplicada a 269 famílias, entre agosto e setembro de 2007. As Fichas contêm dados socioeconômicos e de acompanhamento de oportunidades de acesso nas dimensões priorizadas pelo Programa; Fichas de Metas por Família: descrevem as metas junto às 300 famílias trabalhadas na intervenção socioeducativa durante o ano de 2007. Esse material foi analisado e cotejado com as Metas Gerais do Programa; Fichas de Orientações às Visitas Domiciliares: preenchidas pelos agentes e técnicos. O interesse desse material era recuperar o detalhe e o nível de demanda e intervenção construída na visita domiciliar e o grau de adesão das famílias e a potência dessa modalidade de intervenção; Registros de Reuniões Socioeducativas: feitos pelos agentes e técnicos durante as atividades coletivas. Como no instrumento anterior, aqui interessava recuperar o detalhe e o nível de demanda e intervenção construído no atendimento grupal/coletivo. Apresentam-se a seguir as análises de cada uma das dimensões e, ao final, algumas breves considerações. Documentação metas gerais todos os familiares com registro civil todos os familiares a partir da idade escolar com RG ter acesso a informações sobre como e onde podem tirar seus documentos acessos e oportunidades 39,8% das famílias tiveram algum membro que emitiu novo documento 69,3% eram crianças e adolescentes e 30,7, adultos acima 18 anos documentos emitidos: RG (49,8%), certidão de nascimento (17,1%), CPF (15,5%) e carteira de trabalho (11,4%) ações e articulações com a Secretaria de Justiça e organizações não governamentais locais para o desenvolvimento de ações de inclusão nos territórios Houve ganhos em documentação civil, pela obtenção de registros formais e o conseqüente reconhecimento do indivíduo como sujeito de direitos e deveres, reafirmando-se a primeira condição para a cidadania. O cadastramento feito no início do Programa revelava que 3% dos integrantes das 300 famílias atendidas não tinham registro civil e 26%, não tinham Registro Geral (RG). Como os resultados da atualização cadastral indicam que em 39,4% das famílias algum membro passou a ter um novo documento, pode-se afirmar que o Programa focalizou e deu cobertura às famílias que careciam de documentação quando ingressaram no Programa. Pelo registro das orientações dadas por técnicos e agentes, infere-se que as famílias nem sempre conheciam os procedimentos para regularizar documentos ou obter segunda via. Perdas ou danos de registros civis devem ser entendidos a partir das precárias condições de moradia em que vivem as famílias do Programa, com especial atenção às que sofrem as conseqüências de enchentes, como as do Jardim Lapenna e do Jardim Pantanal. A importância dessa dimensão para crianças e adolescentes se evidencia na incidência da emissão de documentação nessa faixa etária. Das pessoas que tiraram algum documento na vigência do Programa, 69,3% tinham menos de 18 anos. Nos três núcleos, o RG foi o documento mais emitido (em torno de 50%), seguido da Certidão de Nascimento (21%) e do Cadastro de Pessoa Física (CPF) (14%), mas emitiramse também carteiras de trabalho (11,4%) e títulos de eleitor (5,3%). Educação metas gerais todas as crianças em idade escolar matriculadas na rede pública de ensino todos os adultos que acessos e oportunidades 2,6% das famílias matricularam crianças de 6 a 14 anos, após suporte do Programa estudo da evasão escolar identificou fatores na família e na escola que devem ser abordados de demonstrassem interesse em voltar a estudar encaminhados aos cursos de EJA existentes na região os responsáveis com acesso a informações mínimas sobre a vida escolar das crianças e o funcionamento das escolas forma diferente em termos de proteção social articulação e aproximação com as escolas de referência devem ser priorizadas em 2008 53,3% das respostas indicam bom tratamento dado nas escolas e 54,5% avaliam como boa a relação dos professores com os alunos; no entanto, há um número significativo de respostas que revela constrangimentos na relação escola-família A retomada dos estudos dos adultos das famílias melhorou sua dignidade e suas reais condições de integração e circulação social. Durante 2007, o Programa articulou a inserção de jovens e adultos em turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), em salas de aula já existentes nas comunidades e também em novas turmas, criadas em parceria com o Serviço Social da Indústria (Sesi). Um levantamento preliminar realizado pela equipe de monitoramento dá conta de que, no Jardim Lapenna, dos 67 adultos não alfabetizados, 26 demonstraram interesse em voltar a estudar e 57,6% destes já estão matriculados e cursando a EJA. Depois das visitas e das palestras, eu conversei, eu tomei as decisões. Eu até voltei a estudar, mesmo sem meu marido querer (depoimento de família, Jardim Lapenna). Ficou patente que, para os adultos se inscreverem na EJA, no Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (Mova) ou no ensino supletivo, foi preciso fazer uma ação combinada: de um lado, a identificação e articulação de acessos a esses serviços e, de outro, a intervenção socioeducativa dos agentes e técnicos. Quanto à educação inicial, mesmo que a intervenção socioeducativa reforce a importância da inserção, o problema da oferta de vagas dificulta o acesso. No final de 2007, o sistema de informações (Infolocal) da Secretaria Municipal de Planejamento de São Paulo (Sempla) registrava que, em São Miguel Paulista, apenas 11,7% das crianças menores de 5 anos estavam matriculadas nos estabelecimentos educativos e, segundo o diagnóstico, 34% das crianças dessa faixa etária não freqüentavam Centro de Educação Infantil (CEI) ou Escola Municipal de Educação Infantil (Emei). Já na atualização, verifica-se que 31,5% das famílias têm crianças menores de 5 anos que não freqüentam esses estabelecimentos. Assim, mesmo que a intervenção socioeducativa tenha reforçado a importância da inserção, há um problema de vagas que extrapola as possibilidades do Programa. Quanto a crianças e adolescentes de 7 a 14 anos, mais do que o problema das vagas, destaca-se a dificuldade de as escolas garantirem a permanência dos alunos, questão que não é só de São Miguel Paulista. No diagnóstico, observou-se que, das crianças e adolescentes de 6 a 17 anos, 4% não freqüentavam estabelecimentos de ensino formal e, pela atualização cadastral, 2,6% das famílias do Programa matricularam seus filhos. Por outro lado, também se constatou evasão escolar em 8,6% das famílias, com crianças e adolescentes de 6 a 14 anos que abandonaram os estudos. A análise de relatórios do Programa acerca das 26 crianças e adolescentes em idade escolar que não freqüentam a escola permite aprofundar essa questão. Enquanto a indicação majoritária dos motivos da evasão reforça um pretenso desinteresse por parte dos alunos ou das famílias, o estudo aprofundado dos registros permite identificar fatores de diversas ordens, que devem ser abordados em termos da proteção social: risco social e pessoal: crianças/adolescentes em situação de rua; trabalho infantil; violência doméstica; drogas; necessidade de cuidados especiais: crianças com deficiência; adolescentes em conflito com a lei; mães adolescentes que pararam de estudar; dinâmica familiar e relações intra-familiares: conflitos familiares; outros parentes − que não os pais − que cuidam das crianças; crianças que pararam de estudar para cuidar da casa; sistema escolar: exclusão; grande número de faltas; perda da vaga; não domínio de conhecimentos básicos (leitura e escrita) para acompanhar o currículo escolar; violência na escola; escola muito longe da casa. No registro das orientações das visitas domiciliares, foram recorrentes os problemas com a escola (distância, diferentes formas de exclusão, transferência), a freqüência dos alunos (estímulo para esse cuidado e acompanhamento) e sua relação com os professores (vínculos de ensino-aprendizagem). Apesar de 53,3% das respostas apontarem um bom tratamento dado nas escolas e de 54,5% avaliarem como boa a relação dos professores com os alunos, há um número significativo de respostas que revela constrangimentos na relação escola-família. Quase um terço das questões colocadas pelas famílias faz uma avaliação negativa da escola, e alguns dos principais motivos são a estrutura ruim ou a escola vista como um lugar sujo e desorganizado, a avaliação negativa do trato diário, da merenda e do uniforme, ruins ou inexistentes. Essa avaliação é importante para a articulação e a aproximação com as escolas-referência, que devem ser priorizadas em 2008. Saúde metas gerais todos os familiares com cartão SUS acessos e oportunidades 8% de famílias obtiveram cartão todas as crianças com carteira de vacinação em dia ter acesso a informações sobre a UBS de referência todos os doentes crônicos encaminhados para atendimento na UBS de referência todas as mulheres de mais de 35 anos com acesso a informações sobre saúde da mulher e auto-cuidado e tendo feito ao menos uma vez o exame Papanicolau todas as gestantes com acompanhamento pré-natal todos os adultos com acesso a informações sobre a prevenção de DST todos os responsáveis com acesso a informações sobre cuidados com a infância (higiene, prevenção de acidentes etc. acesso a informações sobre cuidado e prevenção da saúde bucal SUS 62% das famílias fizeram acompanhamento ginecológico 31% das famílias atualizaram a vacinação de crianças 28% das famílias fizeram acompanhamento odontológico de suas crianças e adolescentes 8,2% das famílias tiveram atendimento institucional em saúde mental 58% das famílias tiveram necessidade de atendimento médico de ou emergência, das quais 95,5% foram atendidas ações coletivas socioeducativas para prevenção de saúde ação intersetorial para garantir acessibilidade Se a educação ganha destaque no histórico dos programas de transferência de renda, a reivindicação de cuidados primários de saúde é estratégica para o desenvolvimento humano. Com base nas metas por família, observa-se que, para 50% delas, houve prioridade dessa dimensão, por meio de duas linhas de atuação: estímulo e verificação da documentação e da informação que permita o acesso aos serviços e promoção de ações de atenção primária à saúde. Enquanto o diagnóstico inicial mostrava que 8% dos integrantes das famílias não tinham o cartão Sistema Único de Saúde (SUS), verificou-se na atualização que, em 7,8% das famílias, algum membro obteve o cartão, o que revela a adequação da intervenção a partir da demanda inicial. O que aparecia como dificuldade das famílias para o ingresso do Programa era a vivência efetiva de práticas de prevenção de saúde e o acesso a serviços públicos de qualidade. O diagnóstico revelou que apenas 32% das famílias faziam acompanhamento médico regular, e 28% das mulheres afirmavam nunca ter tido acompanhamento ginecológico. Nessa dimensão, a intervenção foi fortemente complementada na esfera do trabalho coletivo: entre dezembro de 2006 e julho de 2007, do total de atividades realizadas pelo Programa, 13% foram campanhas socioeducativas e palestras sobre prevenção de saúde da mulher, hipertensão, diabetes, doenças sexualmente transmissíveis e saúde bucal (em parceria com a Coordenação de Saúde da região). Combinadas com ações domiciliares, as palestras sobre prevenção de saúde da mulher e que implicaram agendamento de exames Papanicolau resultaram em 62% de famílias com acompanhamento ginecológico e 91% das novas gestantes com consultas de controle. Além disso, 30,9% das famílias atualizaram as vacinas das crianças. Quanto à saúde bucal, fizeram-se, em parceria com a Odontoprev2 e com dentistas voluntários, avaliação das condições de saúde bucal de crianças e jovens das famílias do Programa e encaminhamento para atendimento odontológico. No final do processo, 28% das famílias fizeram acompanhamento de saúde bucal, tendo sido a maior adesão no Jardim Pantanal. Vale notar que os bons resultados em termos de acesso conicidem com a percepção das famílias, posto que a saúde foi a intervenção mais valorizada por elas nos grupos focais: Agora, tá fácil conseguir consulta no Posto; antes não era assim. A saúde melhorou muito no dia-a-dia. Arrumaram médico para o Posto. Agora, tem muita coisa: Papanicolau... Tem também dentista para as crianças. Isso, antes, era muito difícil (depoimento de família, Jardim Lapenna). Em todos os grupos focais, as famílias presentes destacaram a saúde como prioridade, sobretudo as situações de alta depressão. Essas famílias vivem sofrimentos psíquicos decorrentes da própria situação de privação e ausência de vínculos socioafetivos alargados. Nessas condições, além de encaminhamentos a serviços especializados, o Programa ofereceu continência através de visitas domiciliares: Às vezes, estamos com problemas e não temos com quem desabafar. Parece que eles [o Programa] sentem quando estamos mal, e aparecem na nossa casa no dia certo (depoimento de família, Jardim São Vicente). Nesse sentido, foram efetivas as visitas domiciliares, as palestras e os grupos socioeducativos. A partir de outubro, na perspectiva psicossocial e preventiva, o Programa investiu na implantação do projeto Educa São Miguel, em parceria com a Faculdade de Medicina da Santa Casa, com atividades e palestras sobre a saúde da família e a importância da atividade física. Este último item buscava articular a saúde com demandas detectadas na dinâmica familiar, em que se destacaram a falta de atividades de lazer e o alto grau de estresse e isolamento das famílias submetidas a grande vulnerabilidade social. Na dimensão saúde, a experiência do Programa Ação Família São Miguel Paulista se destaca, do ponto de vista metodólgico, pela garantia de acesso por meio de: informações e ações de prevenção básica de saúde (da mulher, de crianças e gestantes); mapeamento dos equipamentos públicos, que foram referências para o trabalho de agentes e técnicos; articulação com os serviços de saúde nos territórios, a fim de se fortalecerem as parcerias e se garantir o atendimento da população; combinação de estratégias no trabalho socioeducativo: âmbitos familiar e coletivo, com articulação com os setores de saúde nos territórios de referência para se promover o acesso aos serviços públicos; acolhimento e escuta próxima. Como se vê, o êxito do trabalho nessa dimensão se deveu à forte articulação territorial. Em 2008, ficou como recomendação tecerem-se redes duradouras e sustentáveis entre o público-estatal e o público-privado para a mobilização e o adensamento das forças locais que garantissem a continuidade desses acessos para o conjunto da população do território. Trabalho e renda metas gerais todos os desempregados inscritos na central de empregabilidade da Prefeitura (CAT) ter acesso a informações sobre direitos do trabalhador (previdência social, seguro-desemprego, PIS etc.) todos os casos de trabalho infantil encaminhados ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) acessos e oportunidades 19,9% das famílias tiveram algum membro desempregado que fez inscrição em centrais de empregabilidade 10,8% das famílias com matrícula em cursos profissionalizantes, e 6,3% das famílias tiveram algum membro que concluiu um curso profissionalizante estudos sobre alternativas de geração de emprego e renda para direcionar/qualificar ações para 2008 Quanto a trabalho e renda, a primeira questão que se destaca é que, ao assumir o binômio desemprego-emprego, o Programa pôde contribuir para a melhor caracterização da situação de trabalho das famílias em alta vulnerabilidade de São Miguel Paulista. Se, por um lado, o desemprego e o trabalho precário são evidentemente majoritários nessa população, por outro, a simples denominação “desemprego” não capta a insistência do adulto na procura por trabalho. Segundo o diagnóstico inicial, apenas 25% dos desempregados estavam inscritos nas centrais de empregabilidade (FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL, 2007a). A ênfase do Programa na inscrição, fortalecendo o acesso a esse serviço, concorreu para a avaliação da capacidade de reconhecimento e absorção das centrais, além de criar insumos que fizessem frente às necessidades desse tipo de população em termos de inserção produtiva. Depois de um ano de Programa, 19,9% das famílias tiveram algum membro desempregado que se inscreveu em centrais de emprego, e a atualização cadastral revelou que, em 19% das famílias, algum membro fez entrevista de emprego. Na interface com a dimensão educação, houve um conjunto de orientações e ações de estímulo à inclusão de jovens e adultos em cursos profissionalizantes. Observa-se que 10,8% das famílias tiveram algum membro com matrícula em cursos profissionalizantes e 6,3% delas, algum membro que o concluiu. Mesmo que a questão do trabalho ultrapasse os limites do Programa, ela é estruturante da condição de cidadania e da construção de autonomia das famílias. Por isso, a busca de alternativas para o aumento da empregabilidade e da geração de renda deve integrar um processo de real qualificação, evitando a proliferação de iniciativas que reforcem a baixa qualificação e promovendo a inserção produtiva. Durante a vigência do Programa, 12,3% das famílias passaram a receber algum tipo de benefício socioassistencial, ampliando-se as condições de proteção social. O Bolsa Família e o Renda Mínima parecem ser os benefícios que mais alcançaram a população do Programa (63% do total de benefícios declarados). Além disso, durante o Programa, 60% das famílias adquiriram bens − eletrodomésticos ou móveis −, o que indica o aumento de suas possibilidades de consumo. Diferentemente da renda do trabalho, os benefícios monetários dão uma estabilidade que permite, ao longo do tempo, desenvolver capacidade de planejamento familiar e organização do poder de compra. Eu achava que não fazia muita diferença, mas, daí, eu vi que o dinheiro chega numa hora do mês que é ótima, porque o que a gente tinha já tinha acabado. Se não chegasse naquele, dia eu não teria como comprar mistura pros meus filhos. Também comprei filtro de água e inteirei a prestação da geladeira (depoimento de família, Jardim São Vicente). Dinâmica familiar metas gerais todos os familiares com acesso a informações sobre direitos humanos e entidades de apoio relacionadas conhecer as instituições existentes na comunidade para apoio ao alcoolista, ao usuário de drogas etc. ter acesso a informações e apoios que propiciem a melhoria das relações intra-familiares e a resolução não violenta de conflitos conhecer os equipamentos de cultura, esportes e lazer de seu bairro acessos e oportunidades vizinhança e redes familiares são referência para um quarto das famílias enquanto no diagnóstico a ênfase das falas das famílias sobre as dificuldades de convívio focava-se em sua condição de vulnerabilidade, hoje se observa uma ampliação dessa leitura, incluindo-se temas intra-familiares visitas domiciliares representaram espaços de acolhimento e de construção de vínculos, que aparecem muito pouco no cotidiano das famílias: momentos preparatório para a participação em espaços coletivos espaços coletivos de discussão e informação: reuniões socioeducativas, pequeno grupos, terapia comunitária, reuniões abertas, palestras Vizinhança e redes familiares aparecem como referência para os cuidados domésticos para apenas um quarto das famílias. Em geral, famílias que vivem em bairros de precária infraestrutura urbana, altos índices de violência e de vulnerabilidade social tendem a sofrer com sentimentos de impotência, solidão e falta de referência a redes institucionais e sociais de solidariedade e socialização. O trabalho socioeducativo tem permitido conhecer melhor a dinâmica e as demandas das famílias e abordá-las tanto nas visitas domiciliares como nas reuniões grupais. Enquanto no diagnóstico a ênfase das falas das famílias sobre as dificuldades de convívio recaía sobre sua condição de vulnerabilidade, hoje se observa uma ampliação dessa leitura, incluindo-se a educação dos filhos, as regras de convivência, a relação com companheiros, problemas de alcoolismo, a rede familiar e a solidão provocada pelo desequilíbrio entre o excesso de pessoas e a exigüidade do espaço habitacional (quase 50% das respostas trazem essas questões). O conteúdo das visitas subsidiou as reuniões socioeducativas no trabalho em pequenos grupos (como foi o caso do Jardim Lapenna) ou em trabalhos mais coletivos como terapia comunitária, reuniões abertas, palestras etc. Em 2007, a ênfase nas visitas domiciliares teve um papel estratégico na metodologia de trabalho com as famílias, como consta nos documentos programáticos: A visita domiciliar permitirá o estabelecimento de uma relação mais próxima com as famílias, estabelecendo uma relação horizontal entre o agente e o adulto familiar de referência [...] aprender a ouvir é fundamental para não se imporem valores ou modelos alheios e desconectados com a realidade dessa população e pela qual é possível construir vínculos para o estabelecimento de diálogos e construção de projetos que possam trabalhar tanto o acesso a informações e apoios que propiciem a melhoria das relações intra-familiares e a resolução não violenta de conflitos (FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL, 2007b: 6). Para as famílias, as visitas representaram espaços de acolhimento e de construção de vínculos e, para o Programa, são preparatórias para a participação em espaços coletivos. O Programa ajuda muito − não só no dinheiro, tem outras coisas. Eu tinha depressão e não saía de casa; eu faltava nas reuniões do Programa, eu só vou na reunião de escola, mas chego no final. Eu falei que precisava de alguém para conversar, e eles começaram a ir em casa e conversar comigo. Eu já vim nas quatro últimas reuniões (depoimento de família, Jardim Lapenna). Para 2008, recomendou-se também trabalhar família e comunidade como um duplo dialético. Qualquer projeto que pretenda produzir proteção e inclusão exige uma intervenção social que alie, no processo, o binômio família/comunidade: “O território não é apenas o local de moradia e convivência, mas é o lugar onde a família tem possibilidade de fazer sua vida, e esta se realiza pelo que o território oferece ou não como sua condição social” (BRANT DE CARVALHO, 2004: 17). A importância das estratégias coletivas fica evidente quando se observa que, para 50,9% das famílias, as relações com os vizinhos melhoraram. A necessidade de se enfatizar essa dimensão em 2008 se revela na outra metade, que não respondeu a essa questão ou não apontou melhorias. Habitabilidade metas gerais manter condições de higiene adequadas ao bem-estar e à saúde das pessoas melhorias estruturais nos domicílios dar destinação adequada para o lixo doméstico acessos e oportunidades reuniões com participação da Defesa Civil e da Zoonose para orientar as famílias sobre cuidados com ratos, enchentes, acondicionamento do lixo etc. mapeamento dos principais problemas estruturais de cada domicílio pesquisas sobre urbanização do Jardim Pantanal (alternativas para drenagem, saneamento e uso de materiais de construção oriundos da reciclagem de entulho da construção civil) os técnicos encontraram melhores condições de higiene e limpeza em 43,5% das famílias e melhor organização da casa em 46,1% 27,9% das famílias declaram ter conseguido mudanças nas suas condições de vida e, destas, 46,6% aumentaram o número de cômodos no domicílio melhorias no equipamento dos lares foram destaque na percepção das famílias: 60,9% delas conseguiu adquirir eletrodomésticos e móveis Os dados do diagnóstico revelaram que 41% das famílias do Programa apresentavam irregularidades na situação de propriedade dos terrenos e domicílios. Mesmo com diferenças entre os territórios, são altos os percentuais de canalizações irregulares de esgoto: 28% das moradias são atingidas por enchentes, e há um déficit na densidade habitacional, devido ao pequeno número de cômodos em relação ao número de pessoas dos núcleos familiares. No início do Programa, problemas de espaço e moradia foram identificados pelas famílias no sexto lugar nas dificuldades de convívio (com exceção do Jardim Pantanal, onde elas figuravam em segundo lugar), e 63% das moradias não tinham espaço adequado para estudo. A precariedade da infra-estrutura urbana e ambiental permeou o Programa desde o início, por ocasião de uma enchente em função da qual se promoveram reuniões socioeducativas e ações de apoio às famílias e comunidades. A partir daí, uma série de atividades abordaram esse tema, sempre na perspectiva da prevenção. Fizeram-se reuniões com a participação da Secretaria Nacional de Defesa civil e do Centro de Controle de Zoonoses do Município de São Paulo para orientar as famílias sobre cuidados com ratos, enchentes, acondicionamento do lixo etc. As terapias comunitárias visavam a discutir os aspectos individuais, grupais e coletivos dos problemas das famílias. A equipe técnica iniciou um mapeamento detalhado dos principais problemas estruturais de cada domicílio, e o Programa encomendou pesquisas para pensar a urbanização do Jardim Pantanal, incluindo-se alternativas para drenagem, saneamento e uso de materiais de construção oriundos da reciclagem de entulho da construção civil. No fim de 2007, iniciou-se o planejamento de um projeto de caráter participativo para a coleta de lixo do Jardim Lapenna, a ser desenvolvido em 2008. As visitas domiciliares pretendiam abordar e discutir as condições de higiene adequadas ao bem-estar e à manutenção da saúde das pessoas, por meio de orientações sobre melhor organização, cuidados com a limpeza e com a higiene dos domicílios e quintais. Depois de quase um ano de Programa, os técnicos afirmam ter encontrado melhores condições de higiene e limpeza em 43,5% das famílias e melhor organização da casa em 46,1%. Além disso, 27,9% das famílias declaram ter alcançado mudanças nas suas condições de vida. Indagadas acerca das mudanças, destacam os arranjos do espaço interno: 46,6% delas aumentaram o número de cômodos no domicílio. Mesmo que não se possa falar em melhoria das condições de moradia, principalmente porque foram poucos os casos de ampliação do domicílio, percebe-se o efeito do trabalho socioeducativo, que pensou, junto com as famílias, na redistribuição do espaço interno, na divisão de cômodos entre adultos e crianças e na importância de delimitação de espaço para estudo. Além dos rearranjos nos espaços, também se destacaram melhorias nos equipamentos domésticos: 60,9% das famílias conseguiram adquirir móveis e eletrodomésticos como televisor (10,3%), aparelho de DVD (6,2%), aparelho de som (2,1%), geladeira (7,6%), fogão (3,1%), tanquinho (3,1%) e também computador (1,4%). Já a compra de móveis parece responder ao aumento do número de cômodos na casa, pois os itens destacados são guarda-roupa (8,7%), cama de casal (5,8%) e cama para as crianças (3,3%). Importa observar que, para essas famílias, assim como os ganhos e as novas aquisições, as perdas de equipamentos do lar (29,7%, entre eletrodomésticos e móveis) fazem parte do cotidiano, inclusive pela precariedade das moradias e do espaço urbano. Considerações finais O Programa Ação Família São Miguel Paulista estabeleceu um conjunto variado de metas para cada uma das dimensões de intervenção. O processo de trabalho e os resultados revelam que houve níveis de prioridade entre as diferentes dimensões e também entre as metas estipuladas. No desenho metodológico de intervenção junto às famílias, fica clara a intenção da passagem gradativa do individual/familiar para o grupal/coletivo. Nas ações de intervenção, destacaram-se os resultados das dimensões saúde, documentação e dinâmica familiar. Quanto a educação, trabalho e habitabilidade, as ações foram antes preparatórias − para se conhecer a realidade e se tecerem redes. Necessidades e interesses das famílias perpassam a habitabilidade, a renda, o trabalho, a saúde, a identificação civil e social, a educação, a convivência comunitária e a dinâmica familiar. Para atender a essas necessidades e interesses, é preciso haver mobilização e indução de ações públicas multissetoriais, fortalecimento e disponibilidade de redes locais de intervenção social e readequação da oferta programática disponível, quando necessário. Quanto à metodologia de trabalho com famílias, sublinhe-se a variada combinação de modalidades de intervenção. As visitas domiciliares se revelaram estratégicas na construção de áreas de proximidade para as famílias que, por seu grau de alta vulnerabilidade social e isolamento, muitas vezes ficam à margem da proteção social. Possibilitam também a criação de vínculos e confiança, fatores necessários para se garantirem adesão e mobilização das famílias. Além disso, são espaços vitais para o aprofundamento e o melhor entendimento do nível de demandas e necessidades ao longo do trabalho, como ficou patente nas dimensões de documentação, educação, dinâmica familiar etc. No entanto, cabe refletir sobre a necessidade de ampliação da rede de convivência das famílias. As visitas precisam avançar na passagem do individual para o grupal, planejando estratégias de adaptação ao longo de um período (por exemplo, reunirem-se para conversar famílias do mesmo quarteirão ou com questões semelhantes). Com isso não se quer dizer que os atendimentos individuais devam ser abolidos, mas revistos no sentido de se discernirem os casos em que se mantêm e se combinam com encontros coletivos dos que podem ser tratados só em grupo. Assim, das experiências vividas nos espaços coletivos do Programa, constaram pequenos grupos, terapias comunitárias, reuniões abertas, campanhas educativas e mutirões e, nesse sentido, parece apropriada a direção que o Programa se propôs tomar em 2008. A perspectiva é se combinarem intervenções de caráter mais coletivo, sem a supressão da relação personalizada. Começam a figurar questões comuns às famílias ou às comunidades, bem como o acesso a serviços e bens públicos (FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL, 2007b). O desafio das metodologias de trabalho com famílias e do papel do agente e do técnico nessa intervenção está em se desenharem estratégias que fortaleçam apoios e trabalhem relações interpessoais e comunitárias de forma não tutelar, abolindo-se quaisquer padrões reguladores e preestabelecidos que reproduzam a imagem negativa que a sociedade tem dos pobres. Daí a importância da formação e da supervisão permanentes da equipe de profissionais que trabalha nas comunidades, de modo que se possam conciliar diretrizes comuns com projetos mais contextualizados e específicos. Bases e documentos de referência FUNDAÇÃO TIDE SETÚBAL. Programa Ação Família São Miguel: caracterização da população. São Paulo, novembro, 2007a. FUNDAÇÃO TIDE SETÚBAL. Programa Ação Família São Miguel: relatório de resultados de 2007 e perspectivas para 2008. São Paulo, novembro, 2007b. Referências bibliográficas ARREGUI, Carola. O difícil enfrentamento dos programas de transferência de renda no Brasil. Tese de Doutorado, PUC/SP, 2005. BRANT DE CARBALHO, Maria do Carmo. Trabalho com famílias. Instituto de Estudos Especiais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2004. 1 Criada em 2005, a Fundação Tide Setubal tem como foco de atuação a região de São Miguel Paulista, na zona leste da cidade de São Paulo. Seu objetivo é contribuir para o desenvolvimento local de forma sustentável, atuando para o fortalecimento das instituições e o empoderamento da população local, buscando uma melhoria na qualidade de vida no território. Seus projetos têm ênfase em adolescentes, jovens e famílias com altos índices de vulnerabilidade social. 2 A Odontoprev é uma empresa privada de atendimento odontológico que fez convênio com a Fundação Tide Setubal no escopo do Programa Ação Família para atendimento das famílias e trabalho de prevenção.