© Editora Novos Diálogos, 2012
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Clemir Fernandes | Flávio Conrado | Wagner Guimarães
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A Coleção Perfis Protestantes conta com o apoio da Associação
Basiléia, uma organização sem fins lucrativos que apóia pessoas e projetos por meio da assistência social, do apoio missionário, da publicação e da educação.A Basiléia organiza e matém um acervo de fontes
e documentos sobre a memória do protestantismo brasileiro, situado
na cidade de Campinas. Para contatos:[email protected].
Dados Catalográficos
Santos, Lyndon de Araújo
S237r Robert Reid Kalley : um missionário diplomata na gênese
do protestantismo luso- brasileiro / Lyndon de Araújo Santos
[e] Sergio Prates Lima .- Rio de Janeiro : Novos Diálogos,
2012. – Inclui bibliografia.
100p. ; 18cm. - (Perfis protestantes).
ISBN: 978-85-64181-23-6
1. Kalley, Robert Reid, 1809- 1888 -----Biografia. 2. Kalley,
Robert Reid, 1809-1889 ---- Protestantismo. I. Lima, Sérgio
Prates
II. Título. III. Série.
CDD 922.581
Índice para catálogo sistemático:
1. Protestantismo: História ; 280. 407
Sumário
Apresentação ...................................................................... 7
Introdução ......................................................................... 11
Capítulo 1
Um agnóstico convertido .............................................. 15
Capítulo 2
Do bom doutor inglês ao lobo da Escócia .................. 19
Capítulo 3
Os antecedentes da ida para o Brasil e sua chegada .43
Capítulo 4
O surgimento da Igreja Evangélica Fluminense ...... 63
Capítulo 5
A consolidação da obra de Kalley ................................ 71
Conclusão
O retorno para a Escócia e seus últimos dias ............ 83
Fontes e Referências Bibliográficas ............................. 85
Cronologia ......................................................................... 93
Apresentação
Presente desde a primeira metade do século dezenove — através de imigrantes luteranos alemães e anglicanos ingleses —, o protestantismo se enraizou no
país através de diferentes e diversas denominações,
missões e instituições. Recentes pesquisas já falam de
uma comunidade de mais de 30 milhões de evangélicos
espalhados por todo o território brasileiro. Seu dinamismo é responsável por uma presença cada vez mais
destacada na mídia, na política, nos esportes, na ação
social etc., e cresce cada vez mais o interesse de diferentes setores da sociedade nas dimensões organizativas,
doutrinárias e históricas do protestantismo brasileiro.
Apesar desse crescente interesse, muito pouco se
publicou de forma acessível ao grande público sobre
a história do protestantismo brasileiro. Desse modo,
tem-se a impressão de que o protestantismo tem pouca
ou nenhuma herança histórica no nosso país, perdendo-se de vista sua rica e importante contribuição na
construção da nação brasileira. Para as comunidades
protestantes, o desconhecimento ou esquecimento de
importantes etapas e (des)caminhos cria espaço para
que se reproduza o velho adágio de que ao esquecermo-nos do passado nos condenamos a repetir os seus
erros.
Nesse contexto, a Coleção Perfis Protestantes pretende criar um espaço para a recuperação e rememoração histórica de modo que tanto a sociedade quanto
a Igreja Evangélica brasileiras possam compreender o
que singulariza e caracteriza o protestantismo no país
na perspectiva de toda a sua trajetória.
A Editora Novos Diálogos, em parceria com a Associação Basiléia, buscou profissionais que se dedicam
academicamente ao tema a fim de possibilitar o acesso do grande público a esse rico material ainda pouco
conhecido. A escolha de perfis biográficos e o formato de bolso segue a lógica de que esse gênero literário
consagrado — a biografia — combinado a um formato
leve mas não menos embasado na pesquisa histórica —
o livro de bolso — têm a capacidade de atrair leitores
e leitoras para a fascinante jornada de missionários e
missionárias, pastores e pastoras, musicistas, compositores, educadores e educadoras, literatos e outros
profissionais que assumiram a herança protestante em
terras brasileiras.
Esperamos que a Coleção Perfis Protestantes ajude
a recompor, através de perfis biográficos de pessoas e
movimentos da trajetória histórica do protestantismo,
um panorama amplo de sua implantação, consolidação
e desenvolvimento na vida social e cultural de nosso
país nos séculos 19 e 20.
Os editores.
Prefácio
Os autores desta biografia recorreram a diferentes
fontes para escrever um relato histórico de forma clara
e concisa. O objetivo foi o de apresentar a trajetória de
vida de um dos mais importantes personagens do mundo protestante do século dezenove. Cartas, bilhetes,
diários, fotografias, depoimentos, ofícios, planilhas de
gastos, recibos, relatórios e livros já publicados foram
utilizados para construir esta narrativa.
Os méritos, portanto, devem ser dados aos autores e
às fontes relacionados nas referências finais. Entretanto, como toda escrita histórica, esta biografia não deixa
de ser uma releitura do percurso deste missionário, a
partir dos olhares compartilhados e motivados por novas questões que o presente nos coloca.
Uma delas se refere ao modo como os evangélicos
brasileiros têm perdido cada vez mais os referenciais
e as heranças do seu passado comum. Os evangélicos
de hoje desconhecem a memória dos antepassados que
propagaram a crença protestante, inventaram sentidos
e tradições, construíram patrimônios e estabeleceram
a fé reformada em todos os cantos do país. Isto se deve
ao discurso que menospreza o passado, mas também
porque os historiadores possuem uma dívida social em
disponibilizar obras que inspirem o respeito pelos legados passados.
Outra questão diz respeito à febre editorial por biografias que o mercado explora para satisfazer a sede de
curiosidades por detalhes das vidas pessoais de figuras
destacadas. É preciso produzir biografias que ultrapassem o mero desejo de vasculhar intimidades, mas que
retratem uma época e contribuam para a compreensão
das teias de sentidos em que os sujeitos históricos estão
envolvidos.
Para os escritores desta obra, revisitar a trajetória de
vida de Robert Kalley significa rever dois aspectos. O
primeiro relaciona-se à revisão dos acontecimentos a
partir do olhar de nossa geração, que recebeu uma interpretação reificada do doutor. Em outras palavras, a
versão de um personagem exaltado à condição de herói. O segundo, tentar encontrar nas suas falas, gestos,
atitudes e discursos, pistas e sinais para o sentido da
fé reformada hoje, assim como a discussão permanente acerca de um modelo eclesial relevante para a sociedade. Enfim, que protestantismo foi esse que mis-
sionários estrangeiros trouxeram para o Brasil, o qual
se disseminou sob variados e diferentes formatos e se
inseriu na cultura, na política, na religiosidade e no cotidiano das relações sociais? Uma narrativa biográfica
nos aproxima de possíveis respostas.
A principal fonte utilizada foi o livro de memórias
publicado pelo filho adotivo dos Kalley, João Gomes
de Rocha, intitulado Lembranças do Passado. Esta compilação tardia, publicada de forma seriada durante anos
no jornal O Cristão, foi editada e lançada no início da
década de 1940. O legado desta obra para o conhecimento e as pesquisas sobre o protestantismo no século
dezenove é de fundamental importância. Rocha contribuiu para que as gerações futuras pudessem revisitar
o mundo oitocentista brasileiro em que o protestantismo se estabeleceu. Ao mesmo tempo descreveu o contexto carioca onde a fé reformada se inseriu de forma
permanente na sociedade brasileira.
Robert Reid Kalley possibilita a compreensão multifacetada de um personagem que pertenceu a diferentes espaços sociais. Foi um cidadão do mundo do século dezenove. A vida devotada à pregação da fé protestante foi articulada por um conjunto de componentes
que contribuíram para uma trajetória paradigmática.
Desde os recursos herdados, a formação médica, a experiência de conversão, as muitas viagens pelo mundo,
a capacidade de negociação e de intervenção jurídica,
Kalley foi um sujeito histórico no seu tempo. Daí que
os autores procuraram situá-lo sempre no contexto
mais amplo, sem perder o foco da narrativa dos acontecimentos e sem cair no trivial factualismo.
A biografia de Kalley certamente inspirará novas
perguntas sobre as práticas e os rumos do chamado
segmento evangélico no Brasil de hoje. Esperamos,
portanto, que os leitores se apropriem desta obra como
instrumento de releitura também do presente.
São Luis do Maranhão | Rio de Janeiro,
Março de 2012.
Os autores.
Capítulo 1
Um agnóstico
convertido
R
obert Reid Kalley nasceu em Mount Florida, Escócia, em oito de setembro de 1809 e foi batizado na Igreja Livre da Escócia (Presbiteriana). Era filho
de Robert Kalley, um próspero comerciante e de Jane
Reid Kalley. Ficou órfão de pai antes de completar um
ano de idade. Sua mãe se casou novamente, com David
Kay, um homem também devotado à Igreja Presbiteriana, que dispensou ao menino cuidados iguais aos dos filhos do seu anterior casamento. Jane também não viveu
muito e ainda na infância Kalley tornou-se órfão de mãe.
O menino foi cuidado pelo padrasto, que continuou
levando-o à igreja e desejou que o jovem fosse pastor.
Aos 16 anos, Kalley entrou para a universidade e, a par-
tir de então, tornou-se agnóstico. Desde a adolescência
se tornara incrédulo e agnóstico, tendo sido influenciado por Thomas Paine e outros autores.
Foi com estas palavras que, no seu diário, referiu-se
a este período da sua vida:
Bastante jovem ainda, propus-me estudar os vários ramos da ciência. Com a ajuda do microscópio, investigava maravilhas da Natureza, invisíveis à vista desarmada. Com a ajuda do telescópio, penetrei o vasto espaço sideral, conhecendo
as distâncias, a dimensão imensa e a grande velocidade dos corpos celestes. Como resultado dessas investigações, cheguei à conclusão que me era
impossível aceitar a doutrina da existência de um
Ser Divino, e nessa convicção continuei por muitos anos (…). Fui um infiel, acostumado a desprezar toda a religião, sentindo grande gozo na
frieza, nas trevas e na exibição da infidelidade.1
Aos vinte anos, em agosto de 1829, diplomou-se cirurgião e farmacêutico pela Faculdade de Medicina e
Cirurgia de Glasgow, embarcando a seguir como médico de bordo para a Índia no navio Upton Castle. Posteriormente realizou mais duas viagens a Bombaim, na
Índia, ocasião em que conheceu vários portos, como
Funchal, na Ilha da Madeira, onde o navio atracou para
deixar algumas cargas. Percebeu a grande necessidade
de médicos no Oriente.
1. Testa, 1963: 20.
18
Lyndon de Araújo Santos e Sérgio Prates Lima
A miséria e o fanatismo religioso na Índia o impactaram e em Funchal se impressionou com a pobreza
e ignorância do povo. Chegou a ser convidado para
uma terceira viagem, em 1832, mas não foi, pois estava
abrindo seu consultório em Kilmarnock, cerca de 30
km de Glasgow. Logo depois, tomou conhecimento de
que aquele navio havia se incendiado próximo ao cabo
da Boa Esperança. Toda a tripulação e os passageiros
morreram.
Kalley era uma pessoa espirituosa. Sendo uma figura benquista nas altas rodas sociais de Kilmarnock, era
convidado frequentemente para festas sociais e familiares. Devido às suas participações nessas festas, ficou
conhecido como o médico dançarino de Kilmarnock.
Tendo prosperado financeiramente, relacionava-se muito bem com a alta sociedade e dela recebia seus honorários, mas não deixou de tratar gratuitamente dos pobres.
O contato com um paciente cristão muito enfermo
e muito pobre, muito o impressionou. Kalley não tinha
dúvidas de que aquele homem era muito sincero em
sua crença e na convicção de sua fé. Mais tarde, houve
outro fato que o impressionou ainda mais. Desta feita
a paciente era uma mulher que enfrentava grandes sofrimentos com serenidade e fé, e as conversas que teve
com ela levaram-no a reconsiderar as objeções que tinha acerca do cristianismo.
Como homem meticuloso, dado aos estudos, não
aceitou os argumentos que lhe foram apresentados
Robert Reid Kalley
19
sem questioná-los. Iniciou uma pesquisa meticulosa na
Bíblia, tendo se tornado um estudioso dela, principalmente das profecias referentes aos judeus e à Palestina.
Esta leitura possibilitou um processo de conversão e,
logo a seguir, um grande interesse pela evangelização
dos judeus.
Kalley foi impactado pela morte de Robert Morrison (1782-1834), médico e missionário escocês e presbiteriano, ligado à London Missionary Society. Morrison
foi pioneiro protestante na China (Cantão), e marcou
profundamente a sua vida. Ofereceu, então, os seus
serviços à Junta de Missões da Igreja Livre da Escócia,
pretendendo tornar-se médico-missionário e evangelista. Mas tendo em vista o fato da China não estar incluída entre os campos missionários daquela igreja, seu
oferecimento foi recusado. Dirigiu-se, então, à London
Missionary Society que, em fins de novembro de 1837,
o admitiu como médico missionário para a China. Foi
combinado que deveria embarcar em 1839, devendo
realizar novos estudos médicos e teológicos.
Kalley fechou seu consultório médico, matriculou-se na Universidade de Glasgow e obteve o título de
doutor em medicina em abril de 1838. Contudo, dois
meses após ter sido nomeado missionário, Kalley ficou
noivo de Margareth Crawford, cuja saúde muito frágil não recomendava viagens, muito menos atividades
missionárias na China. A nomeação foi suspensa até
uma ocasião oportuna.
20
Lyndon de Araújo Santos e Sérgio Prates Lima
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