A INFORMAÇÃO GEOLÓGICA APLICADA À MINERAÇÃO DE CARVÃO José Eduardo do Amaral - CPRM - Serviço Geológico do Brasil, [email protected] Antonio Silvio Jornada Krebs – SATC - Associação Beneficente da Indústria Carbonífera de Santa Catarina Márcio Zanuz – SATC – Associação Beneficente da Indústria Carbonífera de Santa Catarina Mariane Brogni Pazzetto – MM Engenharia RESUMO O estudo dos aspectos geológicos e estruturais é fundamental para o planejamento da lavra das diferentes camadas de carvão. Sob o ponto de vista ambiental o conhecimento do arcabouço estrutural da mina, leva ao correto conhecimento da atitude dos diversos blocos, e o sentido da acumulação natural de água no subsolo. Os sistemas de falhas caracterizados como de esforços distensionais estão diretamente relacionados com infiltração de água para o interior das minas, podendo causar desta forma rebaixamento de aquíferos. Já os sistemas de falhas compressionais, em sua maioria, não são bons condutores de água, mas causam problemas de caimentos de teto e esmagamento de pilares. Também a escolha do local para implantação de bacias de decantação e pilhas de rejeitos deverão passar por estudos geológicos- estruturais preliminares. Palavras-chave: estruturais; distensionais; compressionais; aquíferos. ABSTRACT The study of geological and structural aspects is essential to properly plan the mining in different coal layers. Regarding to the environment, those aspects are extremely important since the mine structural framework understanding leads to a correct knowledge of the behavior of the various blocks as well as the direction of water natural accumulation in underground. Fault systems characterized as distention efforts are directly related to water infiltration into the mines which might cause the aquifer lowering. However the compressional fault systems are generally not good water conductors. They generate both roof and pillar failure. The setting pools and waste deposits site selection must have preliminary geological and structural studies as well. Keywords: structural; distensional; compressional; aquifers. INTRODUÇÃO A mineração por ser uma atividade que demanda altos investimentos não pode prescindir do correto conhecimento geológico do maciço rochoso encaixante e suas interrelações estruturais com o corpo de minério. A Bacia Carbonífera de Santa Catarina (figura 01) é razoavelmente conhecida, tendo em vista as lavras intensivas subterrânea e a céu aberto durante várias décadas. Do ponto de vista econômico, o perfeito conhecimento dos limites da bacia carbonífera pode vir a indicar os locais onde as diferentes camadas de carvão apresentam maiores espessuras e menos intercalações de estéreis representados por siltitos e folhelhos carbonosos. 26 o 54 o 53 o 52 o 51 o 50 o 49 o 80 o 70 o 60 o 50 o 40 o 30 o 10 o 27 o 0 o BRASIL SANTA CATARINA 29 o o Bacia Carbonífera Oc ean o 28 Atlântico 10 o 20 o 30 o Estado de Santa Catarina Figura 01 Os principais aspectos geológicos que deverão ser observados por ocasião da abertura e desenvolvimento de uma mina subterrânea de carvão são: espessura e natureza litológica do maciço de cobertura; características do teto imediato; espessura e natureza litológica da camada de carvão; atitude e continuidade lateral da camada de carvão. A espessura do maciço de cobertura influirá diretamente na delimitação da porção da jazida que poderá ser minerada economicamente, qual o método de lavra que será mais conveniente, bem como no dimensionamento dos pilares de sustentação. No caso de uma mina a céu aberto, os aspectos geológicos observados serão os mesmos acima, porém sem a necessidade de detalhamento da cobertura imediata da camada de carvão. Este trabalho objetiva o entendimento e equacionamento dos aspectos geológicos e estruturais envolvidos, os quais são sabidamente fundamentais para o adequado planejamento da lavra das diferentes camadas de carvão. Sob o ponto de vista ambiental esses aspectos são de vital importância, tendo em vista que o entendimento estrutural da mina, leva ao correto conhecimento da atitude dos diversos blocos individualizados, e o sentido da acumulação natural de água no subsolo, seja através de gotejamento, seja oriunda de falhas e fraturas. Além dos problemas técnicos e econômicos advindos do excesso de água no subsolo, também após o encerramento da mina, o destino desta água, provavelmente ácida, deverá ser considerado à luz da legislação ambiental vigente. As características litológicas do maciço de cobertura constituem um parâmetro muito importante no caso de se optar pela utilização do método longwall para a lavra. Quando o maciço rochoso de cobertura é constituído predominantemente por arenitos, no caso de uma ruptura, esta poderá se propagar até a superfície, ocasionando fraturas e subsidências. Porém, se o maciço for constituído por uma seqüência litológica onde ocorra intercalação de arenitos, siltitos e folhelhos, haverá uma melhor dissipação das tensões e, conseqüentemente, as fraturas poderão não se propagar severamente até à superfície. Porém à luz dos conhecimentos e fatos estudados, colapsos de pilares de sustentação de minas, quando ocorrem em profundidades médias, até aproximadamente 300m, quase sempre causam danos à superfície e/ou aos aquíferos. No entanto, como já citado, a composição do maciço de cobertura é de extrema importância na proteção da superfície. O empolamento porventura ocorrido após um colapso no interior da mina, algumas vezes funciona perfeitamente como proteção da superfície e de alguns aquíferos subterrâneos pouco profundos. Em Santa Catarina, no passado, ocorreram colapsos de pilares de carvão na região da antiga Mina Poço 10 em Içara – Carbonífera Próspera S.A., que não obstante a baixa cobertura, inferior a 60 m, não causaram danos à superfície. Naquela porção da jazida de carvão, há uma camada de argila bastante plástica próxima à superfície. Mesmo com o severo esmagamento dos pilares de sustentação não houve danos à superfície e fugas de águas superficiais importantes. A deformação sem ruptura da camada de argila, acompanhando a geometria do abatimento selou perfeitamente as fraturas do maciço. Este conhecimento poderá ser adquirido preliminarmente através de pesquisa geológica de detalhe, acompanhada de testes de laboratório. NATUREZA LITOLÓGICA DA CAMADA DE CARVÃO BARRO BRANCO A Camada Barro Branco sempre foi a mais importante camada de carvão ocorrente em Santa Catarina, não obstante a lavra da Camada Bonito já ser volume expressivo no total extraído no estado. Existem fatores geológicos relacionados aos aspectos genéticos da camada de carvão, os quais dependem do posicionamento da turfeira e processos deposicionais atuantes. A figura 02 mostra um perfil litológico esquemático da Camada Barro Branco, a qual é constituída por um leito superior de carvão denominado forro, seguido pela intercalação de delgados leitos de carvão, siltito e raramente arenitos finos, cujo conjunto é nomeado como quadração. Em seguida a porção inferior constituída essencialmente por carvão é denominada de banco. Figura 02 – Camada Barro Branco Típica Fonte DNPM (1981) Carvão no Estado de Santa Catarina Existem variações localizadas na estrutura da Camada Barro Branco, como a verificada na porção norte, próximo da borda da bacia carbonífera catarinense. A figura 03 ilustra a camada Barro Branco, que ocorre nessa porção, na área do Rio Hipólito. Ali a camada de carvão possui a intercalação de um banco de arenito maciço, chamado regionalmente de “voadeira”, que praticamente substitui a quadração. A lavra mecanizada ou semi-mecanizada na camada com “voadeira” torna-se desta forma inviável, devido ao incremento anormal no teor de cinzas do run of mine (ROM). As minas que possuem este arenito na camada de carvão foram unidades com pequenos volumes explotados, e sempre foram alvo de mineração manual, por demandarem uma lavra seletiva de forma a manter-se o arenito desmontado no interior das minas. Figura 03 - Camada Barro Branco na região de Rio Hipólito. Fonte DNPM (1981) Carvão no Estado de Santa Catarina No sentido norte da Bacia Carbonífera de Santa Catarina há também um incremento no percentual de sulfetos disseminados, em lâminas e em forma de nódulos na camada de carvão e suas encaixantes. Desta forma os estéreis de escavação e rejeitos do beneficiamento oriundos desta porção da bacia, teoricamente seriam mais ricos em sulfetos, e mais reativos, o que demanda mais cuidado na proteção das pilhas de rejeitos, visando evitar que seus constituintes entrem em contato com a atmosfera. ASPECTOS ESTRUTURAIS Uma acurada fotointerpretação geológica aliada a trabalhos geológicos complementares em campo fornecerão um mapa estrutural detalhado, em escala compatível com o projeto mineiro, onde as falhas poderão ser agrupadas em sistemas, os quais poderão possuir características totalmente diversas. Dependendo das direções predominantes dos sistemas de falhas na Bacia Carbonífera de Santa Catarina, teremos importantes infiltrações de água na mina (Sistema NE), ou teremos uma mina seca, mas com problemas de teto dificultando o escoramento e refletindo diretamente na segurança dos trabalhadores e do empreendimento (Sistema NW). Sob o ponto de vista ambiental a infiltração severa de água poderá rebaixar os aquíferos, trazendo transtornos às comunidades que deles fazem uso. Por outro lado esta água infiltrada entrará em íntimo contato com a camada de carvão rica em sulfetos, e em presença de oxigênio sofrerá incremento da acidez, rebaixamento de pH e poderá solubilizar metais. O bombeamento desta água contaminada demanda bombas especiais resistentes à corrosão por ácidos, bem como sua disposição e tratamento em superfície, antes do seu descarte nos corpos d’água. Estudos realizados no subsolo da Mina Santa Augusta junto à Falha Criciúma no município homônimo (Krebs, 2004) permitiram verificar a existência de quatro falhas secundárias, as quais constituem pequenos blocos em forma de cunha que afundam para sudeste. Este conjunto ou sistema de falhas conhecido como Falha Criciúma, com orientação N450-600E, constitui uma estrutura tipo hemiflor negativa, as quais caracterizam áreas com esforços distensionais. Estas estruturas distensionais estão diretamente relacionadas com infiltração de água para o interior das minas, podendo causar desta forma rebaixamento de aquíferos. A Falha Criciúma apresenta geometria em leque e separa dois grandes blocos estruturais junto da cidade de Criciúma-SC. O bloco posicionado ao norte é alto permitindo lavra a céu aberto e o bloco sul é baixo e engloba minas subterrâneas (Krebs et alli, 2008). O sistema N300-450W, da mesma forma que o sistema N450 -600 E, embora esteja presente ao longo de toda a área da bacia carbonífera, constitui-se de falhas de pequena extensão, geralmente associadas a uma falha principal. Estudos de detalhe, realizados por KREBS (2004) no subsolo da Mina do Trevo em Siderópolis, evidenciaram que neste local as falhas deste sistema N300-450W possuem caráter compressional, indicando tratar-se de falhas inversas. Os referidos estudos indicaram também que os problemas de caimento de teto ou soerguimento da lapa da camada de carvão Barro Branco, que ocorreram na referida mina, estavam intimamente relacionados a falhas N300-450W. Várias outras minas em diferentes locais da bacia carbonífera também já apresentaram problemas de caimento de teto relacionado à presença de falhas inversas (compressionais). As minas de carvão a céu aberto no estado de Santa Catarina são hoje de pequena monta, em comparação ao passado, mas nem por isso negligenciáveis. O perfeito conhecimento dos litotipos de cobertura das camadas de carvão, através de pesquisa geológica preliminar, refletirá no sucesso ou insucesso do empreendimento. Além dos necessários conhecimentos utilizados para o projeto técnico da mina, como a espessura da cobertura, falhas, fraturas, litologia e possíveis aquíferos envolvidos, há um parâmetro importante sob o ponto de vista ambiental, que é a composição da litologia da cobertura a ser removida. Por composição da litologia entende-se os constituintes das rochas, como a natureza dos seus grãos, a natureza dos cimentos e minerais acessórios. Os arenitos de cobertura das camadas de carvão em Santa Catarina possuem sulfetos disseminados, em lâminas e em concreções. Este material altamente reativo em presença de oxigênio, ao ser detonado e removido, deverá ser alvo de cuidados semelhantes aos aplicados aos rejeitos carbono-piritosos do beneficiamento das camadas de carvão propriamente ditas, sob o risco de contaminar os aquíferos freáticos e corpos d’água. ASPECTOS HIDROGEOLÓGICOS O perfeito entendimento do condicionamento estrutural de uma determinada região é fundamental para a determinação das estruturas aquíferas. Um importante fator responsável pela maior ou menor capacidade de armazenamento e transmissão da água subterrânea está diretamente relacionado à existência de sistemas de falhas, juntas e fraturas nas rochas. A caracterização e a clara identificação desses sistemas é uma das formas de minimizar os problemas causados por infiltração e, por consequência, geração de drenagem ácida no interior da mina. Bacias de decantação construídas inadvertidamente sobre terrenos com falhamentos e fraturas, podem vir a recarregar os aquíferos subterrâneos, em caso de vazamentos. Esses vazamentos de água contaminada podem ser causados não apenas por imperfeições no projeto e/ou execução, mas também por movimentações dos terrenos, causadas por eventos neotectônicos ou sismos induzidos. Outra questão a ser examinada é a construção de pilhas de rejeitos em áreas atingidas pelos distúrbios geológicos citados. Pilhas de rejeitos carbono-piritosos dispostas sobre falhas e/ou diques fraturados, mesmo obedecendo aos rígidos critérios atuais de projeto, poderão funcionar como canal de recarga para os aquíferos subterrâneos, bastando que haja uma movimentação do substrato rochoso, seja tectônica ou atectônica. Os terrenos utilizados para a construção de bacias de decantação e pilhas de rejeitos deverão sofrer uma severa investigação geológica preliminar, de forma a se evitar acidentes e destruição de mananciais subterrâneos. Além das causas naturais para infiltração de água nas minas e rebaixamento dos aquíferos, podem ocorrer subsidências no terreno minerado, provocadas ou acidentais, acompanhadas de rachaduras subverticais, com desaparecimento de córregos, destruição de lagoas e banhados, além da destruição e/ou contaminação de aquíferos subterrâneos. Além do dano ambiental direto para as populações usuárias desse recurso, o excesso de água no interior da mina refletirá no acréscimo de drenagem ácida de mina (DAM). Pesquisas geológicas deverão ser conduzidas com cuidados ambientais, como cimentação integral dos furos de sondagem, de forma a evitar a conectividade entre aquíferos diferentes. Esta cimentação evita não somente o curto-circuito entre aquíferos diferentes, como também o aporte futuro de água de boa qualidade para o interior da mina. ASPECTOS DA GEOLOGIA NA MINERAÇÃO A pesquisa geológica não se atém somente à delimitação geométrica e à cubagem das jazidas, mas também e de forma importante para a segurança no subsolo, além de fornecer subsídios para a continuidade do projeto da mina e orientação das frentes de lavra. A sondagem horizontal nas frentes de lavra, aqui também referida como pesquisa geológica, é de vital importância na detecção de distúrbios geológicos, representados pelas falhas e seus rejeitos, fraturamentos abertos e suas estruturas associadas, diques ígneos e bolsões de metano. Diques íntegros funcionam como verdadeiras barragens ao fluxo das águas subterrâneas, já os diques fraturados são muitas vezes importantes reservatórios de água, submetidos a enormes pressões. O rompimento pelo avanço da lavra, de diques fraturados conectados a aquíferos subsuperficiais, causa o aporte de grandes volumes de água indesejada para o interior da mina, e o inevitável rebaixamento desses aquíferos, com suas conseqüências ambientais. Deve ainda ser citado que o rompimento acidental ou provocado desses diques, poderá se converter numa questão de segurança do empreendimento e dos trabalhadores no subsolo, tendo em vista que poderá acontecer uma inundação catastrófica da mina. A pesquisa geológica do maciço imediato de cobertura da camada de carvão faz parte de um bom empreendimento mineiro, tendo em vista que o conhecimento geológico-estrutural detalhado do teto imediato da mina determina qual tipo de ancoragem será necessária. CONCLUSÕES Para o adequado planejamento e acompanhamento da lavra de carvão é fundamental o prévio conhecimento dos aspectos geológicos, estruturais e hidrogeológicos do maciço rochoso encaixante e das camadas de carvão. Os diversos problemas causados por infiltrações de água para o interior da mina, bem como deformações dos pilares de sustentação e caimentos de teto, poderão ser evitados e/ou minimizados com o uso dos resultados desses estudos. Ainda de posse desses dados, sérios problemas já detectados poderão ser convenientemente equacionados e contornados. Para a elaboração do projeto de mina, os condicionantes geológicos, estruturais e hidrogeológicos irão subsidiar a definição do local dos acessos à camada de carvão, sejam eles poços, planos inclinados ou galerias de encosta, bem como o sentido preferencial dos eixos e painéis de lavra. Com o prévio conhecimento das zonas falhadas e fraturadas com forte infiltração de água no subsolo, o projetista poderá optar por alternativas de cruzamento dessas zonas, com o mínimo impacto nos aquíferos, além de minimizar o bombeamento de água ácida para a superfície. O conhecimento prévio dos problemas a ser enfrentados é o maior subsídio que a pesquisa geológica pode fornecer à mineração. Um empreendimento mineiro demanda altos investimentos, e todas as ferramentas disponíveis deverão ser utilizadas para viabilizá-lo, dentre elas a pesquisa geológica desponta como uma das mais importantes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DNPM. Carvão no estado de Santa Catarina. Série Geologia. N 15. Seção Geologia Econômica n 2. Brasília. 1981 KREBS, A. S. J. Contribuição ao conhecimento dos recursos hídricos subterrâneos da porção correspondente à bacia do rio Araranguá, SC. 2004. 376 p. Tese (Doutorado em Geografia) – Departamento de Geociências, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. KREBS, A. S. J., Amaral, J. E., Pazzetto, M. B., Smanioto A. L. A importância dos aspectos geológicos e estruturais para a lavra e beneficiamento de carvão na Bacia Carbonífera de Santa Catarina. In: Congresso Brasileiro de Mineração, 2008, Belo Horizonte. Anais.