UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
ANDREIA REGINA BAZZO
NARRATIVAS DE PROFESSORES SOBRE AS TEMÁTICAS
DA ARTE CONTEMPORÂNEA
Itajaí (SC)
2015
1
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação, Extensão e Cultura - ProPPEC
Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE
Curso de Mestrado Acadêmico
ANDREIA REGINA BAZZO
NARRATIVAS DE PROFESSORES SOBRE AS TEMÁTICAS
DA ARTE CONTEMPORÂNEA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Educação, da Universidade do Vale do
Itajaí, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre
em Educação – área de concentração: Educação – (Linha
de Pesquisa - Cultura, Tecnologia e Processos de
Aprendizagem).
Orientadora: Prof.a Dr.a Carla Carvalho.
Itajaí (SC)
2015
2
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação, Extensão e Cultura - ProPPEC
Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE
Curso de Mestrado Acadêmico
CERTIFICADO DE APROVAÇÃO
ANDREIA REGINA BAZZO
NARRATIVAS DE PROFESSORES SOBRE AS TEMÁTICAS
DA ARTE CONTEMPORÂNEA
Dissertação avaliada e aprovada pela Comissão
Examinadora e referendada pelo Colegiado do PPGE
como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre
em Educação.
Itajaí (SC), 12 de maio de 2015.
Membros da Comissão:
Orientadora:
Membro Externo:
________________________________________
Prof.ª Dr.ª Carla Carvalho
_________________________________________
Prof.ª Dr.ª Nadja de Carvalho Lamas - UNIVILLE
Membro representante do colegiado: ________________________________________
Prof.ª Dr.ª Regina Célia Linhares Hostins
3
Para Gabriela.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço...
à Universidade do Vale do Itajaí – Univali;
ao Programa de Pós Graduação em Educação;
ao grupo de pesquisa Cultura, Escola e Educação Criadora;
à 17ª Gerência de Ensino de Santa Catarina;
às professoras leitoras e incentivadoras desta pesquisa
Prof.a Carla Carvalho – UNIVALI
Prof.a Regina Célia Linhares Hostins - UNIVALI
Prof.a Nadja de Carvalho Lamas- UNIVILLE
àqueles que estiveram comigo nesta caminhada:
Christian Barcellos,
Gabriela Regina Bazzo Barcellos,
Regiane Monn,
Glíndia Victor,
Dalva Costa,
Charles Ismirnov,
Janete Bridon,
Elza de Oliveira.
5
É necessário projetar o próprio espetáculo, saber construí-lo e pilotálo em direção ao redemoinho onde ele se rompe ou então assume uma
nova natureza: significados não pensados anteriormente, que seus
próprios “autores” observaram como enigmas.
Eugênio Barba
6
RESUMO
Esta pesquisa trata das inter-relações que os docentes estabelecem com este movimento artístico
tão instigante e amedrontador que é a produção dos artistas na contemporaneidade. Nesse
contexto, esta pesquisa, vinculada ao grupo de pesquisa Cultura, Escola e Educação Criadora,
da linha de pesquisa Cultura, Tecnologia e Processos de Aprendizagem do Programa de
Mestrado em Educação da Universidade do Vale do Itajaí, apresenta a seguinte questão
problema: Que narrativas os professores de Arte das escolas estaduais de Navegantes
estabelecem com os temas da arte contemporânea? O objetivo geral, assim, foi discutir as
narrativas que esses professores de Arte estabelecem com os temas da arte contemporânea. Para
alcançar esse objetivo, os seguintes objetivos específicos foram delineados: descrever as
propostas contemporâneas do ensino da arte no Brasil; identificar como os professores de arte
relacionam-se com as temáticas da arte contemporânea; diferenciar os conceitos de ensino
moderno e pós-moderno; perceber nas falas dos sujeitos como estes transpõem a arte
contemporânea para sua prática pedagógica. Esta pesquisa propôs como metodologia a
investigação das narrativas de quatro professores de arte da rede estadual de ensino do
município de Navegantes, Santa Catarina, por meio de entrevista e de um diário coletivo sobre
as temáticas da arte contemporânea. Para entender o contexto do ensino da arte no Brasil,
articula-se a descrição de propostas contemporâneas do ensino da arte, fundamentada por
Barbosa (2002, 2005, 2008, 2012), Hernandez (2007) e Richter (1999, 2008). Diferenciam-se,
neste trabalho, os conceitos do Ensino moderno e pós-moderno da arte, com base em Bauman
(1998) e Harvey (2006). Já a investigação narrativa para identificar como os professores
relacionam-se com as temáticas da arte contemporânea fundamenta-se em Canton (2001,
2009a). Das falas desses professores, propõe-se compreender como os temas da arte
contemporânea articulam-se a sua prática pedagógica. A pesquisa evidencia que as abordagens
e as metodologias do ensino da arte dos docentes, na qualidade de estudantes de arte, são
lembranças que trazem um ensino voltado a um fazer descontextualizado da arte. Já, como
professores, sua proposta é entender a disciplina de arte como corpo de área de conhecimento.
Além disso, existe a intenção de aproximação dos sujeitos com a arte contemporânea e, após
essa apropriação, com mais segurança a respeito das temáticas, com seu ensino. Entretanto,
faltam formações sobre o assunto, materiais didáticos disponíveis e o encontro dos professores
com essas produções.
Palavras-chave: Arte contemporânea. Ensino da arte. Professores de arte.
7
ABSTRACT
This research deals with the interrelationships that teachers establish with this intriguing and
frightening artistic movement that is the production of artists in contemporary times. In this
context, this research, linked to the research group Culture, School and Creative Education, in
the line of research Culture, Technology and Learning Processes of the Master’s Degree
Program in Education of University of Vale do Itajaí, presents the following question: What
narratives do Art teachers in state schools in Navegantes establish with the themes of
contemporary art? Therefore, the main objective is to discuss the narratives that these Art
teachers establish with the themes of contemporary art. To achieve this goal, the following
specific objectives were adopted: describing the contemporary proposals of art education in
Brazil; identifying how art teachers relate to the themes of contemporary art; differentiating the
concepts of modern and postmodern education; and observing, in the subjects’ discourse, how
they transpose contemporary art to their practice. The proposed methodology of this research
was to investigate the narratives of four state public art teachers in the town of Navegantes, in
the state of Santa Catarina, through interviews and a collective diary on themes of contemporary
art. In order to understand the context of art teaching in Brazil, we outline contemporary art
education proposals based on Barbosa (2002, 2005, 2008, 2012), Hernandez (2007) and Richter
(1999, 2008). In this work, we differentiate the concepts of modern and post-modern art
education based on Bauman (1998) and Harvey (2006). The narrative investigation to identify
how teachers relate to the themes of contemporary art is based on Canton (2001, 2009a). Based
on the discourses of these teachers, we propose to understand how the themes of contemporary
art are linked to their practice. The research highlights the fact that the teachers’ approaches
and methodologies for teaching art, as students of art, are memories that result in a teaching
focused on decontextualized practices of art. However, as teachers, their proposal is to
understand the discipline of art as an area of knowledge. There is also an intention of the subject
to approach contemporary art and, after this appropriation, their teaching, as they feel more
confident about the themes. Nonetheless, there is lack of training on the subject, available
teaching materials, and teachers’ encounters with these productions.
Keywords: Contemporary Art. Art education. Art teachers.
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Organograma da metodologia da pesquisa
19
Figura 2: Relação entre as disciplinas do DBAE
46
Figura 3: Exemplo para o ziguezague da proposta de ensino da arte de Barbosa
48
Figura 4: Narrativas que representam a Estética do cotidiano e a multiculturalidade
61
Figura 5: Diário coletivo: Do moderno ao contemporâneo
89
Figura 6: Diário coletivo: Do moderno ao contemporâneo
89
Figura 7: Diário coletivo: Narrativas enviesadas
96
Figura 8: Diário coletivo: Espaço e Lugar
100
Figura 9: Diário coletivo: Espaço e lugar
101
Figura 10: Diário coletivo: Identidade
107
Figura 11: Diário coletivo: Tempo e memória
108
Figura 12: Diário coletivo: Micropolítica
120
Figura 13: Diário coletivo: Micropolíticas
121
Figura 14: Diário coletivo: Micropolíticas
123
9
SUMÁRIO
1 ATO UM: PRÓLOGO
11
1.1 MONÓLOGO
12
1.2 PONTO – FIGURA QUE NO TEATRO LEMBRA OS ATORES DE UM TEXTO
ESQUECIDO
14
1.3 PLATEIA
15
1.4 THEATRON
18
1.5 AS NARRATIVAS COMO MÉTODO DE PESQUISA
23
1.6 CENAS: A ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS
25
2 ENREDOS DO ENSINO DA ARTE
28
2.1 O ENSINO DA ARTE NAS DÉCADAS DE 1970 A 2000
30
2.2 AS ESCOLHAS DOS DOCENTES E O CURRÍCULO DE ARTE
37
2.3 ESTREIA – NOVAS POSSIBILIDADES
42
2.3.1 Abordagem Triangular de Ensino de Ana Mae Barbosa
45
2.3.2 Cultura Visual
53
2.3.3 Interculturalidade e Estética do Cotidiano
58
3 DIÁLOGOS: TEMPO, ESPAÇO, ARTISTAS E PÚBLICO NO MODERNO E NO
PÓS-MODERNO
64
4 ENTREATO – O INTERVALO ENTRE UM ATO E OUTRO
87
4.1 DO MODERNO AO CONTEMPORÂNEO
88
4.2 NARRATIVAS ENVIESADAS
95
4.3 ESPAÇO E LUGAR
99
4.4 TEMPO E MEMÓRIA
103
4.5 CORPO, IDENTIDADE E EROTISMO
110
4.6 MICROPOLÍTICAS
118
5 CENA FINAL
125
REFERÊNCIAS
132
APÊNDICES
138
ANEXO
183
10
Obra de Georgia Vilela (VILELA, 2010)1.
1
Geórgia Vilela começou no teatro e percorre seu caminho nas artes visuais com colagens, gravuras, escritos e
desenhos. Para saber mais, indica-se o site <www.escolasãopaulo.org>. Acesso em: 4 jun. 2015.
11
1 ATO UM: PRÓLOGO
Esta personagem não tem nome, porque pode ser um pouco de todos nós.
Não é especificamente alguém com identidade relevante: pode ser uma
imaginação, uma vizinha, você ou eu. Não é mais doente ou sã do que
qualquer habitante da nossa civilização, e que por sorteio genético não sofra
as dificuldades primárias de sobrevivência: ela tem pão, ela tem escola, ela
tem teto. E como todos, ela tenta, tenta desesperadamente existir,
transcender seu dia a dia, crescer [...]. A única atenção que a personagem
nos tomará é demonstrando-nos como negocia, como ganha ou perde, seu
próprio tempo nesse calendário. Só no Brasil somos cerca de cento e setenta
milhões de pessoas que dormem e acordam todos os dias. Esta personagem é
apenas uma de nós todos. E está aqui no palco para você ver refletido o seu
próprio tempo, tão diferente ou tão semelhante?
Calendário de pedra - Denise Stoklos.
Os personagens desta peça são quatro professores de arte que tem como cenário o
município de Navegantes, litoral norte de Santa Catarina. Salete, professora que inicia a
docência como professora de Matemática, resolve aproveitar a oportunidade de formação em
Arte em um programa conhecido como Magister, que tinha como foco formar professores que
já atuavam na rede estadual, mas não tinham formação em licenciatura. Salete adora as coisas
bem feitinhas. Cecília quer incluir as curiosidades dos estudantes em suas aulas e, nessa busca,
ela acredita encontrar na arte contemporânea a relação entre ela e seus alunos. Luciana,
professora encantada pela arte contemporânea e por atender os anseios de seus alunos, fez sua
graduação em Arte a distância, na mesma instituição de Cecília. Luciana tem inseguranças em
relação à arte contemporânea por não ter muito contato com ela. Juliano, professor formado no
Oeste do estado em Música e em Artes Visuais, confessa ser apaixonado pela música. Essas
são as personagens que narrarão, aqui, suas relações com a arte contemporânea.
Para provocar essas personagens, questiona-se acerca do que ensinar - esse foi o
incômodo inicial para o ensaio deste texto. O que ensinar para estes sujeitos que podem ser um
pouco de todos nós, que depois de alguns diálogos tornam-se uma pesquisa? Dessa curiosidade,
desdobraram-se outras preocupações acerca do ensino, especificamente do ensino da arte.
Ao pensar2 em sujeitos estabeleço relações com suas vivências estéticas cotidianas nas
percepções e nos olhares atentos para manifestações que são definidas como arte na
contemporaneidade. Ao entender que a arte sofre transformações no decorrer do tempo, entendo
que seu ensino possa também ser alterado. Ensino que, com as produções contemporâneas,
2
Nesta introdução, usarei a primeira pessoa por serem descobertas pessoais no caminho da pesquisa. Nos capítulos
posteriores, usarei a terceira pessoa do singular.
12
provoque a ideia da arte como parte das vivências essenciais dos sujeitos e entenda a arte como
produção sensível diante do mundo. A provocação inicial refina-se e o foco torna-se mais nítido.
Uma fotografia silenciosa dessas andanças por tentativas de explicar essa arte ainda tão
estranha.
Difícil fotografar o silêncio3
Entretanto tentei. Eu Conto:
Madrugada, a minha aldeia estava morta.
Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã. Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Manoel de Barros (2001).
A intenção é fotografar, aqui, a essência dos temas da arte contemporânea nas escolhas
do que ensinar sobre arte. A “lesma pregada na existência” é a passividade de reproduzir textos
e histórias que não têm, em sua narrativa, o mal-estar sentido com as produções da arte e dos
sujeitos contemporâneos – mal-estar necessário para a tentativa de pertencimento e de
apropriação das produções contemporâneas.
Dessa tensão de mudança em minha prática e na maneira de pensar o ensino, passo a
investigar as narrativas que os professores de arte estabelecem com os temas da arte
contemporânea.
1.1 MONÓLOGO
O cenário de minhas vivências é essencial para justificar meu envolvimento com os
temas da arte contemporânea. Neste monólogo, descrevo caminhos impuros sobre a visão
particular que articulo dentro da arte e de seu ensino. Uma auto-investigação solicita lembranças
que, muitas vezes, nos distanciam do caminho linear, percursos que escolhemos fora da arte e
3
O texto irá inserir poemas como vivências estéticas que se aproximam das fundamentações, momentos de
“respiro” dentro da densidade do texto acadêmico.
13
fora da educação e que, na reconstrução pessoal, acabam por fortalecer o diálogo entre a arte
contemporânea e a educação atual.
Minha formação e minha atuação iniciam-se no teatro. Como caminho acadêmico,
escolhi a Graduação em Licenciatura em Artes Cênicas. Durante um tempo, fiquei nesse cenário
e, nesses percursos, entro em contato com exposições e obras visuais contemporâneas, grafites,
Bienais de Arte, vídeos-arte e as produções artísticas que misturam linguagens. Também, nesse
espaço de tempo, trabalhei em restaurantes, em hotéis e em lugares que apareceriam como
possibilidade de emprego. Passo um tempo de vida longe da educação e com contatos estéticos
e artísticos que apareciam em meu cotidiano. Com essas experiências passo a entender a arte
no nosso cotidiano, na música, na mídia, na rua e nas expressões que mantemos com as pessoas.
Não apenas na perfeição da arte, mas em suas provocações, por vezes, imperfeitas, entretanto
instigantes. Aqui, volto para a Educação e para a Arte. Nessa observação prática do dia a dia,
acabo por repensar a arte na educação, com as pesquisas de novas possibilidades que incluam
questões cotidianas, interculturais e contextualizadas.
Começo meu percurso na docência como professora do Estado de Santa Catarina, no
ano de 2005, nas séries iniciais, ensino fundamental e médio. Em sala de aula, o processo de
aprendizado em arte envolve caminhos mais abrangentes que a linguagem das Artes Cênicas.
Confronto-me com limitações teóricas e práticas pessoais que me impulsionam a buscar novas
escolhas e olhares sobre o que seria ensinar Arte na escola.
Nessas buscas curiosas, descubro possibilidades instigantes dentro da produção visual
contemporânea que unem minhas percepções iniciais da arte articulada com temas da
contemporaneidade e com linguagens artísticas diversas. A arte, hoje, transpõe a realidade,
mistura linguagens, temas, instiga e provoca o olhar sensível diante dos acontecimentos
cotidianos - nessa nova percepção da arte eu acredito. Acredito que a arte deve estabelecer
diálogos com a educação, que as narrativas que os professores estabelecem com a
contemporaneidade empoderam o docente e acredito que novos rumos no ensino da arte estão
sendo identificados.
É um longo caminho, como foi o meu. Precisamos, algumas vezes, questionar nossas
ideologias, colocarmo-nos no lugar do outro para entendermo-nos e entendermos a importância
daquilo em que acreditamos. Saber que não estamos sozinhos, que outros estão investigando e
que a curiosidade pode trilhar caminhos instigantes.
14
1.2 PONTO – FIGURA QUE NO TEATRO LEMBRA OS ATORES DE UM TEXTO
ESQUECIDO
Para que você não seja enganado ao começar a ler este livro, aqui vai
a minha advertência: ele defende uma causa altamente improvável,
possivelmente derrotada...
Rubem Alves
Prólogo do livro Fundamentos Estéticos da Educação.
Encontrar João Francisco Duarte Jr. foi encontrar um texto esquecido que é relembrado
pelo ponto, a figura que no teatro relembra os atores de fatos esquecidos. Esse contato no início
da pesquisa revelou “a arte como forma de conhecimento humano” (DUARTE JR., 1998, p.
16), em um espaço que ultrapassa os muros da escola. Uma causa que parece vencida, a
sensibilidade não como fragilidade, mas como propriedade humana. O diálogo entre arte e
educação permeia o desvendar de como estes dois campos, Arte e Educação, interligando-se
podem participar da formação do ser humano.
Assim, a própria educação possui uma dimensão estética: levar o educando a criar os
sentidos e valores que fundamentem sua ação no seu ambiente cultural, de modo que
haja coerência, harmonia, entre o sentir, o pensar e o fazer. Caso contrário, estamos
frente à tendência “esquizóide” de nossos tempos: a dicotomia entre o falar e o fazer,
entre o pensar e o agir, entre o sentir e o atuar. (DUARTE JR., 1998, p. 18, grifo do
autor).
As experiências que a arte proporciona fortalecem os princípios de uma educação
emancipadora, coerente, harmoniosa entre o sentir, o pensar e o fazer. Nas experiências com a
arte, os sentimentos são caminhos para o conhecimento e descobre-se, além da decodificação
de significados da linguagem, a expressão de sentimentos (DUARTE JR., 1998).
Entender como a arte contemporânea estabelece diálogo com a educação e como ela
instiga o docente ao choque de ir além da realidade por meio das vivências estéticas é um dos
pontos relevantes desta pesquisa. Pensar o ensino da arte envolve questões poéticas, estabelece
relações com o processo criativo, com olhar para o lugar e espaço que estamos, dialogar e
(des)construir narrativas.
A partir dessas provocações acerca da arte e do seu ensino, encaminha-se esta pesquisa
para uma questão problema, o conflito - parte essencial do texto dramático para Aristóteles, em
geral uma vontade consciente caminhando em direção a seus objetivos: Que narrativas os
professores de Arte das escolas estaduais de Navegantes estabelecem com os temas da Arte
Contemporânea? O objetivo geral, assim, é discutir as narrativas que os professores de Arte
estabelecem com os temas da arte contemporânea e, ao falar desses temas, descobrir como a
15
arte contemporânea está inserida em sua prática. Para alcançar esse objetivo, os seguintes
objetivos específicos foram delineados:

descrever as propostas contemporâneas do ensino da arte no Brasil;

identificar como os professores de arte relacionam-se com as temáticas da arte
contemporânea;

diferenciar os conceitos de ensino da arte moderno e pós-moderno;

perceber nas falas dos sujeitos como estes transpõem a arte contemporânea para sua prática
pedagógica.
Atrelados aos objetivos, outros questionamentos complementam a pesquisa sobre
problemáticas acerca do ensino da arte contemporânea: o ensino cronológico da arte, por vezes,
impede a chegada ao contemporâneo; o currículo de repetição e de anulação de reflexões sobre
a contemporaneidade impede a inserção dos sujeitos nesse mundo e a falta de material e acesso
sobre a arte contemporânea distancia o docente dessa produção. Mas, afinal, o que é a Arte na
contemporaneidade?
A narrativa da arte contemporânea apresenta-se de maneira fragmentada, sem ícones
sagrados e repleta de signos individuais de artistas com propostas múltiplas. O enfrentamento
diante da obra contemporânea acontece na variedade de códigos apresentados pelo artista e
fruídos por outro ser social. “É o fim das narrativas antes extraídas da vida, dos textos sagrados,
da literatura, da ordem de composição com base nas regras de proporção, das harmonias
musicais, da arquitetura, etc.” (PESSI, 2008, p. 66).
A intenção de pesquisar como os professores de Arte dialogam com as narrativas da arte
atual trata das inter-relações que os docentes estabelecem com esse movimento artístico tão
instigante e amedrontador que é a produção dos artistas na contemporaneidade. Que
questionamentos os docentes fazem frente aos temas da arte contemporânea?
1.3 PLATEIA
A primeira observação sobre o contexto da arte contemporânea no ensino da arte foi a
investigação da produção em teses e em dissertações das Universidades Estaduais e Federais
dos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul que tratavam da arte
contemporânea e seu ensino – a plateia, entendida, aqui, como a ação de observar os elementos
já escritos sobre o tema para um melhor entendimento sobre o que iria ser pesquisado.
16
O entendimento da arte e os novos temas da contemporaneidade têm aberto caminhos
de pesquisas em educação voltadas às questões de formação de professores, de suas escolhas,
de repertório, da importância da educação estética, dos currículos, dos temas da atualidade, das
novas metodologias e das propostas de ensino da arte e da pós-modernidade.
Afinando-se com minhas dúvidas iniciais, a presente pesquisa articula as escolhas dos
docentes do que se ensina em arte, com suas vivências estéticas e as suas produções de sentido
diante da produção contemporânea de arte, revelando a importância das vivências estéticas
como formação de repertório em arte. Dando voz aos professores, percebe-se como eles
articulam suas práticas e sua formação inicial aos padrões herdados culturalmente pela
hegemonia europeia e branca e que caminhos percorrem para conhecer e compreender novas
propostas metodológicas no ensino da arte.
A pesquisa em dissertações e teses que tratassem sobre o ensino da arte contemporânea
auxiliou nas escolhas da fundamentação teórica e nos caminhos da pesquisa em educação e
trouxe pontos relevantes sobre questionamentos acerca do tema.
A busca inicial aconteceu em bancos online de universidades do país todo e foi refinada
para os bancos de teses e dissertações online da Universidade de São Paulo, Universidade de
Campinas, Universidade Estadual Paulista, Universidade Federal do Paraná, Universidade
Estadual de Santa Catarina, Universidade Federal de Santa Catarina e Universidade Federal do
Rio Grande do Sul no primeiro semestre de 2013, onde foram encontradas as produções que
uniam o ensino da arte e a arte contemporânea. Esse processo levantou cinco dissertações e
duas teses que articulavam ensino e arte contemporânea, a saber: Bosco (2011), Capra (2007),
Flausino (2008), Lampert (2009), Ledur (2005), Pessi (2008) e Santana (2009). Foram
analisados, inicialmente, os seguintes aspectos: os resumos, os principais aportes teóricos, os
objetivos e os temas centrais das produções.
Rejane Reckziegel Ledur (2005), em sua pesquisa, lida com os sentidos: Qual o sentido
que os docentes articulam com a arte contemporânea. Sentidos que se fazem pela vivência
estética com a obra de Arte. Ao se firmar como área de conhecimento, o ensino da arte encontra
vários desafios dentro da escola. A pesquisadora coloca os professores de Arte da Rede
Municipal de Ensino de Canoas (RS) em contato com a obra de arte contemporânea de eventos
locais e procura investigar o sentido que esses professores estabelecem com a arte
contemporânea em diferentes contextos. Ela procura encontrar qual a definição de arte
contemporânea para os sujeitos da pesquisa e como estes inserem essa manifestação em suas
propostas de ensino.
17
A dissertação de Carmen Lúcia Capra (2007) discute a Arte/Educação sob o olhar da
contemporaneidade e entende o docente como produto e produtor de significados por meio de
suas experiências estéticas cotidianas. A pesquisadora fundamenta-se na reflexão sobre o
moderno e pós-moderno e articula a experiência estética à vivência do docente submerso no
contexto contemporâneo que necessita de reflexões sobre o momento atual. A análise é feita
sobre a relação entre a vida e a docência, propondo a abertura que essa rede traz ao ensino da
arte contemporânea.
Apropriando-se do ensino em sua dimensão social, Rosivaldo da Silva Flausino (2008)
articula a representação que os professores atribuem nas suas escolhas da arte contemporânea.
O autor investiga acerca da percepção dos docentes sobre a disciplina de Arte no currículo do
Ensino Fundamental, como acontecem as escolhas dos temas, quais são as motivações dos
docentes, como estes se relacionam com a produção da arte da atualidade e como pode
acontecer sua inserção no ensino da arte.
A pesquisa de Jociele Lampert (2009) articula a formação docente, a arte contemporânea
e a cultura visual e procura “[...] estabelecer aspectos que decorrem das inter-relações entre
Artes Visuais, Cultura Visual e formação docente” (LAMPERT, 2009, p. 6) inseridas na prática
educativa e na prática artística. A autora traz a reflexão teórica sobre Cultura Visual /arte
relacional e processo criativo articulado com a proposta de cartografia. “Cartografia ao
contrário do mapa não é estático é algo que se constrói no movimento, é o caminho que
escolhemos para vivenciar ou a maneira como escolhemos caminhar, são as percepções que
capturamos ou que imprimimos no espaço em que estamos” (LAMPERT, 2009, p. 122). O
estudo articula o ensino da arte dentro do estágio supervisionado do curso de moda e propõe
formas de ensino e aprendizado para o artista/professor/pesquisador em Artes Visuais.
Ao utilizar Cultura Visual, Lampert (2009) provoca a reflexão sobre a visualidade na
contemporaneidade e como integrar essa percepção na formação do artista/aluno. A Cultura
Visual pode ser vista como um novo componente curricular não apenas de mudança
metodológica, mas também de conteúdo nas aulas de Arte. A autora aponta para a produção
poética como uma abordagem para a educação contemporânea.
Maria Cristina Bosco (2011) discute sobre o medo de tratar-se a arte contemporânea no
contexto escolar a partir de duas questões básicas: 1- Por que se resiste ao ensino da arte atual?
2- De que forma é possível exercê-lo? A pesquisadora reflete sobre arte e educação, a
hegemonia europeia e branca dos conteúdos abordados pelos professores como herança de sua
própria formação. A autora faz a análise das propostas contemporâneas do ensino da arte e da
investigação sobre cultura e arte contemporânea, entendendo que, ao fazer essa tomada de
18
consciência, ela pretende entender o próprio tempo e os fundamentos do ensino da arte. A
pesquisa indica para a necessidade de atualização do ensino da arte.
Quais imagens os professores selecionam para apresentar aos seus alunos é o principal
foco da tese de Maria Cristina Pessi (2008), a qual usa como método de pesquisa a investigação
de imagens. A pesquisa busca as imagens usadas por professores de arte e “toma a própria
imagem como substância e objeto de pesquisa”. Por meio de pesquisa bibliográfica, a autora
aborda a arte na visão moderna e pós-moderna, dirigindo o enfoque para a própria arte.
As potencialidades múltiplas da arte contemporânea sugerem processos também
múltiplos para o ensino da arte. O que percebemos nas situações de ensino é que a
arte de hoje está cada vez mais distante do público; mesmo que as ações educativas
de museus ou projetos integrados entre artistas, museus e escolas minimizem esta
problemática, para muitas pessoas ainda não se estabelece uma real comunicação
entre arte, ensino e público. (PESSI, 2008, p. 41).
A dificuldade que se enfrenta diante de uma obra de arte contemporânea está no
aparecimento de uma multiplicidade de códigos individualizados. A partir de então, a arte
apresenta a impossibilidade de ser expressão de um fundamento e passa a ser a “vontade de
criação” (PESSI, 2008, p. 67). As imagens escolhidas pelos professores são escolhas da mistura
de suas memórias, daquilo que lhes são imprescindíveis.
O trabalho de Pio de Souza Santana (2009) descreve situações de mediação que busca
a construção do conhecimento sobre arte contemporânea por meio de jogos. O autor utiliza-se
de sua prática para as reflexões acerca da utilização da Proposta Triangular de Ensino em um
processo lúdico de aprendizagem da arte contemporânea
A identificação das fundamentações teóricas dentro das dissertações e das teses
pesquisadas foi importante para esta pesquisa ao indicarem caminhos epistemológicos
possíveis. Essa busca inicial foi relevante para a escolha da metodologia, da fundamentação e
do olhar que esta dissertação iria tomar.
Após o contato com essas produções acadêmicas, eu estava pronta para fazer minhas
escolhas. Com a leitura atenta dessas produções acadêmicas, confirmei que o ensino da arte
contemporânea é essencial para a percepção sensível de olhar o mundo e a resposta crítica à
nossa vivência estética, pela articulação que faz em suas produções entre os sujeitos e o mundo.
1.4 THEATRON
Theatron é o local de onde se vê e, aqui, será o local de onde as narrativas serão
analisadas e mostrar-se-á qual a metodologia utilizada para a pesquisa. Os questionamentos
19
iniciais sobre a arte contemporânea e suas temáticas no ensino da arte tornam-se cada vez mais
palpáveis e pertinentes. Eles se transformaram em perguntas incômodas e que necessitavam de
pesquisa para justificar a afirmação feita aqui de que o ensino da arte contemporânea é essencial
e deve estar presente nos currículos, nas práticas do docente em Arte e, como questão essencial,
na vivência dos professores.
As escolhas metodológicas desta dissertação indicam o local de onde se entende as
tramas que delimitam o foco do estudo. Tratar-se-á, primeiramente, da forma de coleta de dados
e da descrição do que seria uma metodologia voltada às narrativas dos sujeitos. Desse
pensamento, fundamenta-se a opção pela investigação das narrativas como metodologia de
geração e construção de dados (ver Figura 1).
Figura 1 - Organograma da metodologia da pesquisa
Pesquisa em teses e
dissertações.
Levantamento e elaboração
da fundamentação teórica,
articulada com a pesquisa
anterior.
Escolha da investigação
narrativa e elaboração dos
instrumentos da pesquisa.
Coleta de dados: entrevistas
com vivências estéticas e
diário coletivo.
Inserção das narrativas dentro
do texto articuladas com a
fundamentação da pesquisa,
articuladas ao arcabouço
teórico.
Fonte: Elaborada pela autora para fins de pesquisa.
A abordagem metodológica constitui-se de maneira qualitativa por meio de uma
investigação de narrativas (BOLÍVAR-BOTÍA, 2002) resultantes de entrevistas e do registro
em um diário coletivo com quatro docentes de Arte do Município de Navegantes. O diário
20
coletivo (ver Apêndice A) foi escolhido para os registros dos questionamentos que
necessitavam de uma reflexão mais detalhada acerca das temáticas, um pensar sobre práticas
articuladas com conceitos teóricos do ensino da arte. Por esse motivo, esse instrumento foi
encaminhado para que o professor registrasse suas reflexões com um tempo maior, ficando
cerca de duas semanas com cada docente. O município foi escolhido por ser um local onde já
havia trabalhado, tendo, assim, maior acesso às escolas.
Nesta pesquisa, a estratégia para geração de dados foi pensada, em um primeiro
momento, como uma oficina para todos os professores da rede estadual de ensino do município
de Navegantes, litoral norte de Santa Catarina. Entrei, assim, em contato com a Gerência de
Ensino da região, localizada no município de Itajaí, a qual autorizou a oficina.
No município de Navegantes, há cinco escolas de rede estadual, com um total de 8
docentes de Artes no ano de 2013. Para este estudo, entrei em contato com todos esses docentes,
mas quatro retornaram e aceitaram participar da pesquisa4.
Em um segundo momento, entrei em contato com os docentes para combinar uma data
possível para todos. No momento de estruturar essa oficina, houve a necessidade de mudar a
estratégia, pois não havia a possibilidade de reunir todos os docentes em um mesmo espaço e
horário. Com uma carga horária elevada e trabalhando concomitantemente na rede municipal e
estadual, com calendários diferentes, não seria possível o encontro. Precisei, assim, montar uma
nova forma de coleta de dados.
Não gostaria de simplesmente coletar dados. A intenção, desde o início, era, com a
oficina, instigar os professores para os temas da arte contemporânea, tratados por Kátia Canton
(2009a). Canton (2009a) apresenta uma coleção de livros intitulada Temas da Arte
Contemporânea. Neles, a autora traz sua inspiração inicial do formato dos “livrinhos” da série
Primeiros Passos em formato de bolso e preço acessível. Os livros apresentam artistas
contemporâneos brasileiros que articulam os conceitos de Moderno e Contemporâneo
(CANTON, 2009b) e, neste percurso, identificam, a partir de suas pesquisas com artistas
brasileiros, as temáticas que perpassam a Arte na atualidade. São temáticas por ela
identificadas: Narrativas Enviesadas (CANTON, 2009c); Micropolíticas (CANTON, 2009d);
Corpo, Identidade e Erotismo (CANTON, 2009e); Tempo e Memória (CANTON, 2009f) e
Espaço e Lugar (CANTON, 2009g).
4
Os professores pesquisados eram formados nas seguintes instituições de ensino superior: um formado pelo
Programa Magister, com polo na Universidade do Vale do Itajaí; um pela Universidade do Planalto Catarinense;
dois estavam cursando Licenciatura em Arte Visuais a distância pela Avantis.
21
Nesse segundo encontro, foi entregue aos professores participantes um roteiro impresso
com provocações acerca das temáticas da arte contemporânea para uma leitura prévia sobre o
assunto (ver Apêndice B). Esse material trazia os temas investigados e alguns questionamentos
sobre as produções artísticas atuais, os quais estavam presentes também no diário coletivo, que
seria entregue após a vivência estética durante a entrevista.A proposta era que eles refletissem
sobre a importância das suas escolhas e de suas vivências para a sua prática. Com isso em
mente, dois instrumentos5 foram organizados. O primeiro foi uma entrevista mediada por uma
vivência estética (ver roteiro no Apêndice C)6 e um diário coletivo.
A entrevista é um dos caminhos básicos para a coleta de dados. Nesse caso, não se
espera nenhum tipo de resposta a priori. A função de utilizar esse procedimento é a análise
posterior das narrativas desses docentes sobre a problemática levantada pela pesquisa. As
questões foram guiadas pelos temas que a arte contemporânea envolve (Narrativas enviesadas,
Memória, Tempo e espaço, Do Moderno ao contemporâneo, Corpo e Micropolítica) os quais
foram levantados por Katia Canton (2009a). Assim, o núcleo de interesse dessas entrevistas
eram as temáticas da arte contemporânea, com base em Kátia Canton.
As questões foram semiestruturadas para possibilitar que o(a) entrevistado(a) falasse
sobre como os temas da arte contemporânea dialogam com suas práticas, proposta que se
articula com o dia a dia do docente. Por meio de imagens de artistas que tratavam das temáticas
(ver Anexo A), eram feitos os questionamentos.
As entrevistas aconteceram após dois contatos iniciais. O primeiro para a tentativa de
organizar a oficina e, no segundo, para informar que não seria possível esse encontro coletivo
e da disponibilidade para serem entrevistados. Nesse segundo contato, entreguei o material com
provocações acerca das temáticas da arte contemporânea (ver Apêndice B).
O contato com os professores para interação entre entrevistadora e entrevistado foi na
escola em que trabalhavam. Expliquei como seria o processo da entrevista, qual o tema da
pesquisa e como seriam tratadas as informações que iriam conceder. Depois disso, agendamos
um dia para a entrevista que duraria cerca de uma hora.
Na entrevista, o primeiro questionamento era sobre a formação dos entrevistados. No
encaminhamento, aconteceu uma entrevista mediada por uma vivência estética (ver roteiro no
Apêndice C), por meio de uma montagem utilizando a ferramenta Prezi, de obras, de vídeos e
5
Os sujeitos da pesquisa assinaram o Termo livre e esclarecido (ver Apêndice D) permitindo o uso de suas
informações nesta pesquisa.
6
A transcrição das entrevistas encontra-se no Apêndice E desta dissertação.
22
de indagações com base na coleção Temas da Arte Contemporânea de Katia Canton (2009a),
temas analisados no capítulo quatro desta dissertação.
Outro instrumento de coleta de dados utilizado foi o diário coletivo. A intenção era
articular as narrativas das entrevistas com respostas escritas ou registros gráficos no qual os
sujeitos tivessem mais tempo para refletir sobre os questionamentos acerca das produções
contemporâneas em arte e suas práticas em sala de aula. Esse instrumento é utilizado nesta
pesquisa como registro escrito das reflexões dos professores acerca das provocações sobre as
temáticas contemporâneas e o ensino da arte que refletissem sobre seu cotidiano - seus afetos,
seus sentimentos e suas percepções.
Na cama, à noite, enquanto penso em meus muitos pecados e em meus defeitos exagerados,
fico tão confusa pela quantidade de coisas que tenho que analisar que não sei se rio ou se
choro, dependendo do meu humor. Depois durmo com a sensação estranha de que quero
ser diferente do que sou, ou de que sou diferente do que quero ser, ou talvez de me
comportar diferente do que sou ou do que quero ser. Minha nossa, agora estou
confundindo você também.
Diário de Anne Frank (2000, p. 39).
Esse trecho poético do Diário de Anne Frank reflete a sensação de escrever em diários
sobre coisas que somos incitados a analisar sobre nós mesmos.
Dentro da metodologia de coleta de dados em uma abordagem qualitativa, os diários
fazem parte dos documentos pessoais destes sujeitos, que descrevem em primeira pessoa suas
ações e suas posições diante do objeto investigado. A escrita, assim, é um pensar alto que se
formaliza por meio da escrita. Inicialmente é um processo difícil, mas no decorrer do percurso
apresenta-se como ferramenta de reflexão acerca das vivências e das práticas.
A justificativa da utilização dos diários nesta pesquisa debruça-se sobre o que Alves
(2004) aponta sobre eles:
[...] possibilidade de traduzirem, válida e fielmente, o pensamento e experiências dos
seus autores, enquanto, por outro lado, viabilizam a interpretação objetiva, por parte
do investigador, dos dilemas que, na mente e na prática, são vivenciados por aqueles.
(ALVES, 2004, p. 227).
No diário coletivo, não foram utilizadas apenas perguntas diretas. Fragmentos dos livros
de Canton (2009a), com a mesma temática tratada nas entrevistas, foram extraídos com o intuito
de propor reflexões sobre as temáticas da arte contemporânea. Os registros não precisavam ser
em forma de escrita - os docentes poderiam desenhar, colar, utilizar qualquer linguagem para
narrar sobre as provocações. Esse instrumento não foi respondido por todos os professores.
23
Alguns optaram por responder apenas alguns dos questionamentos. Essa situação gera pontos
de reflexão que serão detalhados no quarto capítulo desta dissertação.
Com a entrevista e o diário coletivo, tem-se a intenção de estabelecer relações entre as
falas dos docentes, sujeitos desta pesquisa, e as questões sobre o Ensino e a arte contemporânea,
inserindo as narrativas destes como elemento literário costuradas no corpo do texto.
A análise de dados em pesquisa qualitativa tem como foco a percepção e a reflexão
sobre o cotidiano dos sujeitos de uma pesquisa. Para André (1983), o olhar sobre as respostas
e os relatos desses sujeitos sobre suas experiências de vida promove o entendimento de seu
contexto social. André (1983) dá o nome de “análise de prosa”, para análises que incluam a
observação participante, as questões abertas, o material áudio visual e artístico, entre outros.
“Análise de prosa é considerada uma forma de investigação do significado dos dados
qualitativos. É um meio de levantar questões sobre o conteúdo de um determinado material: O
que este diz? O que significa? Quais suas mensagens?” (ANDRÉ, 1983, p. 67).
Os passos metodológicos da análise destes dados foram:

Após todo o material ser gravado, foi feita a transcrição das entrevistas, para imergir
nas falas dos sujeitos e começar a tecer redes de informações.

As respostas por temas foram agrupadas.

Os relatos com os conceitos e as problematizações foram entrecruzados.

O material foi inserido no corpo da dissertação, articulando significado aos dados por
meio da fundamentação teórica.
1.5 AS NARRATIVAS COMO MÉTODO DE PESQUISA
Analisar o conceito de narrativas neste trabalho é essencial para compreender a
metodologia empregada para a pesquisa. Pedro Rocha dos Reis (2008) atribui três sentidos
distintos às narrativas. O primeiro deles é a palavra narrativa, em seu contexto cotidiano, como
sinônimo de “história”. São relatos de seres humanos que, para sua construção, necessitam de
argumentos envolvendo personagens, princípio, meio e fim, e um desenvolvimento de
sequências com determinada organização.
O segundo enfoque é dado por especialistas da literatura que estabelecem certa distinção
entre a narração e a história. A narração é constituída por uma história e por um discurso. Esse
discurso é a maneira pela qual é expressada a história. Já o terceiro enfoque articula narrativas
e educação e será o utilizado nesta pesquisa. De acordo com Reis (2009), especialistas e
24
investigadores da área de educação ampliam o olhar para além da estrutura do texto. “Para eles,
a narrativa é inerente à ação humana e, portanto, esta deve ser estudada dentro dos seus
contextos social e educativo” (REIS, 2008, p. 2).
Em Educação, a narrativa tem sido utilizada para a estruturação de conhecimentos e a
promoção de capacidades e de atitudes; para o fomento da autonomia e a reflexão profissional
e pessoal de docentes; e para a pesquisa na área da educação. Neste trabalho, os relatos dos
docentes serão utilizados para costurar com o texto e alinhavados à fundamentação teórica,
constituindo-se um elemento literário.
Essa forma de tratar os dados coletados vai além de sua análise sem contextos. Nessa
escolha as vozes dos sujeitos são “[...] o texto, o próprio aflorar da língua, e porque é no interior
da língua que a língua deve ser combatida, desviada: não pela mensagem de que ela é o
instrumento, mas pelo jogo das palavras de que ela é o teatro” (BARTHES, 2007, p. 16). O
mergulhar na língua dá forma ao corpo deste texto, ligando-se às provocações dos autores que
fundamentam a pesquisa.
A investigação de narrativas é um enfoque da pesquisa em educação que tem se oposto
ao ideal positivista que estabelece o distanciamento entre o investigador e o objeto investigado,
justificado para trazer maior objetividade à pesquisa, assumindo, assim, a postura da
objetividade como essencial para o credenciamento científico. “La investigación narrativa viene
justo a negar dicho supuesto, pueslos informantes hablan de ellos mismos, sin silenciar si
subjetividade”7 (BOLÍVAR-BOTÍA, 2002, p. 2).
A inclusão das subjetividades como condição para o conhecimento social, o desengano
com as grandes narrativas e a inserção dos sujeitos nas pesquisas como compreensão das ações
humanas modificam, a partir dos anos de 1970, a maneira de conceber as pesquisas em
educação.
Reclama, por tanto, un modo distintivo del paradigma cualitativo convencional, sin
limitarse a una metodología de recolección y análisis de datos. En esa medida, altera
algunos supuestos de los modos asentados de investigar, haciendo de esta práctica
algo más accesible, natural o democrático. Contar las propias vivencias y “leer” (en
el sentido de “interpretar”) dichos hechos y acciones, a la luz de las historias que los
actores narran, se convierte en una perspectiva peculiar de investigación. 8
(BOLÍVAR-BOTÍA, 2002, p. 3, grifos do autor).
“A Investigação narrativa simplesmente nega essa hipótese, porque os informantes ao falar de si, não calam suas
subjetividades.” (BOLÍVAR-BOTÍA, 2002, p. 2, tradução nossa).
8
“Resolve, portanto, um paradigma diferente do qualitativo convencional, sem limitar uma metodologia de coleta
e análise de dados. Na medida em que altera alguns dos pressupostos de modos de investigação, tornando esta
prática mais acessível, natural ou democrática. Contando as próprias experiências e ao ‘LER’ (que significa
‘interpretar’) tais atos e ações à luz dos atores que narram suas histórias, se converte em uma perspectiva única de
investigação.” (BOLIVAR-BOTÍA, 2002, p. 3, grifos do autor, tradução nossa).
7
25
As narrativas não são a descrição fiel de um fato, mas a reinterpretação da realidade
constituída pelo sujeito. Ao recontar ou lembrar-se de algo, o sujeito transforma-se e
reconstitui-se dentro de suas memórias. Falar ou escrever sobre educação é refletir sobre ela,
atribuindo novos significados.
A proposta da vivência estética na entrevista, durante a coleta de dados, fortaleceu a
preocupação com a reflexão sobre possibilidades com o ensino da arte contemporânea. Colocar
os docentes frente a produções contemporâneas e aos temas de sua produção buscam o caminho
para a inclusão de olhares contemporâneos da arte dentro do currículo.
A investigação narrativa valoriza a exposição dos pensamentos dos indivíduos acerca
da sua visão de mundo, repleta de subjetividades (RABELO, 2008, p. 172). Para quem as lê,
dentro do contexto de todo o texto, a identificação aproxima esses leitores das situações
descritas, tornando o professor e as suas vivências um fato real digno de ser estudado e
investigado. Assim, esse tipo de investigação vai além da simples análise dos dados gerados.
Portanto, a investigação narrativa não se limita a uma metodologia de recolha e análise
de dados, distanciando-se do paradigma qualitativo tradicional e dos seus critérios
habituais de credibilidade e legitimação da construção do conhecimento em educação
(validade, generalização e fiabilidade).[...] Enquanto que a abordagem tradicional não
utiliza as interpretações pessoais como objeto de estudo, considerando-as subjetivas
e, portanto, excluindo-as da investigação científica, a investigação narrativa recorre
às explicações narrativas com o objetivo de compreender as causas, as intenções e os
objetivos que estão por detrás das ações humanas. (REIS, 2008, p. 6).
A discussão com os sujeitos sobre suas relações estéticas com a arte contemporânea e a
utilização do diário coletivo como instrumento de construção de conhecimento nas relações dos
sujeitos com eles mesmos procuram a reconstrução de uma trajetória com novas atribuições de
significados.
1.6 CENAS: A ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS
Esta dissertação está organizada em quatro capítulos, além desta introdução. No
segundo capítulo, destaca-se a mudança no ensino da arte impulsionada pela própria mudança
na Arte. Essa transformação inicia-se com a imagem entrando nas aulas de Arte, fundamentada
pela Proposta Triangular de Ensino de Ana Mae Barbosa. Assim, nesse capítulo, propõe-se um
panorama do ensino da arte a partir dos anos de 1970. Com a obrigatoriedade do ensino da arte
e por meio de uma revisão bibliográfica, os objetivos e os desafios do ensino da arte serão
mapeados a partir desse momento histórico, levantando-se questões sobre a herança e a
26
influência de metodologias estrangeiras e os avanços conseguidos com a mobilização de arte
educadores.
Serão apresentadas, também, as transformações históricas e metodológicas do ensino da
arte. Para o ensino da arte contemporânea atual, foram escolhidas três propostas que inserem a
produção artística contemporânea como recorte no ensino da arte. Esse novo olhar sobre o
ensino da arte na contemporaneidade permeia a Abordagem Triangular de Ensino de Ana Mae
Barbosa (2012); a Cultura Visual, organizada dentro deste trabalho pelos textos de Fernando
Hernández (2007) e Jociele Lampert (2009); e a Estética do cotidiano e multiculturalidade,
fundamentada por Richter (2008) e Mason (2001). A pertinência da inserção da definição de
arte e de cultura faz-se pela aproximação que o ensino atual faz entre as duas áreas de
conhecimento, a qual será fundamentado por Teixeira Coelho (2008).
A partir desse capítulo, as narrativas dos sujeitos da pesquisa serão analisadas,
articuladas às fundamentações teóricas. As análises dos dados perpassam todo o trabalho de
forma a aproximarem-se dos aportes teóricos e das reflexões acerca das narrativas dos
professores sobre as temáticas da arte contemporânea.
O terceiro capítulo trata do posicionamento frente ao pós-moderno no ensino da arte. Os
autores utilizados como base de referência serão Zygmunt Bauman (1998), Stuart Hall (2011),
David Harvey (2006) e Arthur Efland (2005). Essa contextualização é pertinente na tentativa
de entendimento de moderno e pós-moderno dentro do ensino da arte na atualidade. O estudo
do pós-moderno faz-se importante para a desconstrução, para atribuir, com novos conceitos de
valores e análise, a produção artística contemporânea. Os autores selecionados sustentam a
fundamentação desses conceitos.
O quarto capítulo aborda os temas da arte contemporânea. A pesquisa aplicada aos
sujeitos segue os temas da arte contemporânea, estruturados por Canton (2009a) e iniciados
pelas reflexões sobre a modernidade: corpo, tempo, memória, espaço e questões micropolíticas.
A definição teórica sobre arte contemporânea é fundamentada por Cauquelin (2005). A intenção
é, nas narrativas dos docentes e de seus registros no diário coletivo, perceber suas relações com
as temáticas da arte contemporânea e articular, dentro do texto, com as fundamentações da
dissertação.
No quinto capítulo, serão feitas as considerações finais acerca das possibilidades e dos
desafios do ensino da arte contemporânea.
27
Obra de Georgia Vilela (VILELA, 2010).
O Professor: Escute-me, senhorita, se não conseguir compreender profundamente esses
princípios, esses arquétipos aritméticos, jamais conseguirá fazer corretamente um trabalho
de politécnico. Muito menos seguir um curso na Escola Politécnica...nem na maternal
superior. Reconheço que não é fácil, é muito, muito abstrato...evidentemente...mas como você
poderia, antes de ter um domínio aprofundado dos elementos primários, calcular
mentalmente – e é a coisa mais elementar para um engenheiro médio – qual o produto, por
exemplo, de três bilhões, setecentos e cinquenta milhões, novecentos e noventa e oito mil,
duzentos e cinquenta e um multiplicado por cinco bilhões, cento e sessenta e dois milhões,
trezentos e três mil quinhentos e oito?
A Lição – Ionesco (2004, p. 49).
28
2 ENREDOS DO ENSINO DA ARTE
Pensar no ensino da arte é pensar em vivências com a arte em espaços formais e não
formais, em espaços que o sujeito vive, no contato com a música, com as visualidades, com as
experiências estéticas e que, nessa relação com a arte contemporânea, exista a formação do
repertório de imagens e artistas do professor. Pensar na relação dos sujeitos da pesquisa com o
ensino da arte, suas práticas como docentes e suas práticas como público dentro desta pesquisa
auxilia na compreensão das maneiras de entender o que ensinar em arte e como fazê-lo, pois
nas falas sobre conteúdos e propostas surgem reflexões sobre o ensino da arte.
Nesse contexto, este capítulo trata da análise do histórico do ensino da arte nos anos de
19709 até as propostas de ensino da arte na atualidade para entender como ela se formula como
disciplina do currículo e quais as intencionalidades atribuídas a ela no decorrer das décadas. As
narrativas dos docentes entrevistados estarão inseridas nessa revisão histórica e nas análises das
novas propostas de ensino da arte aqui descritas: Abordagem Triangular de Ensino, Cultura
Visual, Estética do cotidiano e multiculturalidade.
A proposta para iniciar este capítulo é trazer as narrativas sobre a perspectiva de ensino
da arte dos sujeitos e sobre suas lembranças de ensino da arte. Dessa forma, discute-se na
subjetividade das percepções sobre o que era a aula de arte, e, no decorrer dessas narrativas,
identificam-se as mudanças práticas do ensinar arte para esses professores e as mudanças
conceituais do olhar sobre a arte na educação por esses sujeitos.
As vivências com a arte começam no tempo de infância. Eu entrei na escola em 1979,
arte era desenho livre, te davam uma folha de papel, lápis de cor e você fazia qualquer rabisco
e aquilo era arte, sem nenhum significado, simplesmente para passar o tempo, isso era arte
(Salete)10. No momento de estudante dessa professora, a disciplina de arte constituía-se por
propostas desconexas entre teoria e prática. Os docentes davam importância à criatividade,
entretanto, seguiam os livros didáticos que, apesar de uma imagem moderna, reproduziam
exercícios técnicos de desenho. “Apreciação artística e história da arte não têm lugar na escola.
As únicas imagens na sala de aula são as imagens ruins dos livros didáticos, as imagens de
folhas para colorir, e no melhor dos casos, as imagens produzidas pelas próprias crianças”
(BARBOSA, 2012, p. 12).
9
Sugestão de leitura sobre a história do ensino da arte: BARBOSA, Ana Mae. Arte-Educação no Brasil. 7. ed.
São Paulo: Perspectiva, 2012.
10
Os fragmentos das narrativas dos sujeitos foram extraídos das entrevistas semiestruturadas, sendo costurados
com a fundamentação no decorrer da dissertação. Os nomes dos sujeitos utilizados nesta pesquisa são fictícios e
foram sugeridos pelos próprios sujeitos da pesquisa, a saber: Salete, Juliano, Cecília e Luciana.
29
As folhas em branco e lápis de cores eram o espaço para a livre expressão, fundamento
modernista do ensino da arte com a valorização da expressão pessoal dos sujeitos sem
influências de produções artísticas. A arte dos estudantes era considerada a arte pura, seu
essencial refletido naquela folha branca. Essa inserção pessoal com o ensino da arte provocou
a professora a querer saber o que era a disciplina de arte, o que ela te propõe. O que eu poderia
propor para o meu aluno além de fazer igual a todos aqueles que passaram por mim, nas
minhas vivências, que fizeram comigo: folha de papel, lápis e rabisco (Salete).
Essa professora reflete sobre suas experiências pessoais com o ensino da arte e, na
tentativa de mudanças, propõe outros olhares e saberes para o ensino da arte. Sua reflexão fazse nas possibilidades e nos conteúdos da arte na educação. Ela continua sua narração sobre a
importância de sua formação nesse processo de transposição de práticas herdadas. Nesse
processo de apropriação do entendimento sobre o ensino da arte, o início tem na prática da
técnica uma proposta de conteúdo e de metodologia. Eu não tinha experiência nenhuma, eu
comecei a ensinar meu aluno a observar uma determinada imagem e a fazer o desenho de
observação e ali eu trabalhei a monocromia, policromia, com o pontilhismo, com as manchas,
com os pontos, coisas que eu ia pesquisando aqui e ali e ia colocando em prática (Salete). Uma
prática ainda empírica sem conceitos teóricos e metodologias de ensino da arte que refletisse
sobre o que se ensina da Arte; pautada na representação realista da natureza e da técnica com o
fazer artístico.
Existe uma mudança da professora Salete no decorrer do seu tempo de docência
articulada a sua formação em arte. Com o passar do tempo a gente foi cursar arte e o olhar
mudou, eu sei que tenho que trabalhar a teoria, toda a questão da parte histórica para depois,
então, eu chegar à parte prática (Salete). Nossa herança no ensino da arte é tradicionalmente
europeia, masculina e acadêmica. O currículo de arte, no decorrer dos tempos, mantém a visão
bipolar de escolhas, como articula Tourinho (2002, p. 32): “[...] expressividade x técnica;
tradição x inovação; diversão x aprendizagem; mito x profanidade; mágica x estrutura”.
A presença da imagem é um dos pontos fundamentais no ensino da arte atual. Assim, a
inclusão da imagem nas aulas aponta uma mudança na proposta das aulas da professora. Ao
introduzir o olhar para imagens, a professora abre as janelas para além do fazer puramente
expressivo e para além da simples técnica. O uso de imagens é um dos princípios da Abordagem
Triangular de Ensino, da qual trataremos neste capítulo.
Nessas lembranças, o ensino da arte surge ligado à prática do fazer. Nós fazíamos muito
artesanato, não conhecia obras. Era papel, lápis e canetinha, sempre assim, ou tipo
reciclagem, usava muita reciclagem na época (Cecília). Fazer por vezes confundido com o
30
artesanato. Artesanato11 é um fazer artístico e estético que se relaciona com a cultura, com o
envolvimento da comunidade, com as heranças no processo da produção em arte. O fato de
“fazer” é aqui associado ao conceito de artesanato. Mas esse paralelo não é adequado. O fazer
manual descontextualizado da cultura e das tradições ou suas releituras não deve ser entendido
como artesanato.
2.1 O ENSINO DA ARTE NAS DÉCADAS DE 1970 A 2000
Inspirados por essas lembranças, neste capítulo, o foco será o ensino da arte no Brasil a
partir dos anos de 1970, quando o ensino da arte torna-se obrigatório por legislação. A escolha
por pesquisar a partir desse período justifica-se pela grande quantidade de produções que
registram o ensino da arte a partir da chegada dos jesuítas até o modernismo, trazendo
informações relevantes sobre as mudanças dos objetivos e das metodologias do ensino da arte
ao longo das épocas.
A análise do ensino da arte no Brasil estabelece focos de interesse para levantar
reflexões sobre o contexto histórico e social (1970, 1980, 1986, 1996 e 1998), sobre a formação
de professores, sobre o currículo e as novas propostas de entender a arte na educação. Dessa
maneira, provocam-se reflexões acerca do que se queria com o ensino da arte durante esse
percurso, como isso influência os docentes e quais as novas propostas para conteúdos e formas
de ensinar a arte.
Nos anos de 1970, o foco de formação do estudante, a partir da 7ª série, era a formação
técnica para o mercado de trabalho. Essa mão de obra era barata e atendia aos anseios das
empresas e das indústrias que se instalavam no país nesse período. Ao lado de um crescimento
industrial, que foi chamado “década do milagre brasileiro”, o regime militar determinava
currículos e disciplinas e mandava para longe pensadores da educação, artistas e intelectuais.
Assim, saída de alguns, entrada de outros. Montadoras como a General Motors e a Ford, as
siderúrgicas como a Vale do Rio Doce e as multinacionais instalaram-se e necessitaram de mão
de obra com algum tipo de qualificação. Dessa forma, com a Lei 5.692/71, a disciplina de
Educação Artística tornou-se obrigatória e de caráter polivalente, reunindo artes plásticas,
música e artes cênicas - não sendo atribuída como disciplina, mas como atividade (BRASIL,
1971).
11
No capítulo quatro retoma-se o conceito de artesanato.
31
Nesse contexto militar e ditatorial, as disciplinas das áreas humanas (História, Filosofia
e Sociologia) foram excluídas do currículo, entretanto a Educação Artística tornou-se
componente curricular das escolas primárias e secundárias. Foi a única área das humanidades
que se manteve no currículo obrigatório do Ensino Fundamental. Filosofia e História haviam
sido retiradas do currículo. Podemos pensar na razão dessa escolha? Por que os órgãos oficiais
mantiveram o ensino da Arte?
Fusarie Ferraz (2001) relembram algumas características da disciplina de arte nesse
período que não tornavam a permanência dela no currículo uma ameaça ao sistema político
dominante. A arte foi resumida, por meio do Parecer nº 540/77 (BRASIL, 1977), como uma
área, não matéria, generosa, que se adaptava aos interesses e às tendências. O mesmo
documento revela, ainda, que considerava importante a livre expressão - processo desenvolvido
no movimento moderno de arte-educação. Entretanto, como nas demais disciplinas, os
professores “[...] deveriam explicitar os planejamentos de suas aulas com planos de cursos onde
objetivos, conteúdos, métodos e avaliações deveriam estar bem claros e organizados”
(FUSARI; FERRAZ, 2001, p. 41). A disciplina era centrada em técnicas e habilidades ou
fazeres manuais. Com a existência da disciplina, então, o desafio para o Estado era a formação
de professores para ministrar aulas nessa área.
Até esse momento a formação de arte era liderada pelo Movimento das Escolinhas de
Arte, “[...] a maioria delas particulares, oferecendo cursos de artes para crianças e adolescentes
e cursos de arte-educação para professores e artistas” (BARBOSA, 2012, p. 10). As “Escolinhas
de Arte” não davam habilitação superior para os professores trabalharem a partir da quinta série.
Os cursos, nas universidades, formavam apenas professores de desenho. Assim, não existia a
formação de professores polivalentes em Arte e, em 1973, em caráter emergencial, criou-se a
licenciatura curta em Educação Artística, com duração de dois anos.
Barbosa (2012) aponta dados históricos sobre a negligência dada ao ensino da Arte nos
anos de 1980. Em 1986, o Conselho Federal de Educação retirou as disciplinas de Comunicação
e Expressão dos currículos de 1º e 2º graus. O Conselho, ao aprovar essa reforma curricular,
determinou as disciplinas básicas: Português, Estudos Sociais, Ciências e Matemática. A área
de Educação Artística é exigida, entretanto, não como disciplina básica para a formação.
Barbosa (2005) levanta questões ligadas à economia de gastos com professores como
uma das justificativas para essa proposta de diminuição das disciplinas obrigatórias no currículo
escolar. Muitas escolas particulares eliminaram a disciplina para diminuir gastos com
professores. Já a elite colocava seus filhos em escolas que mantinha a arte em seu currículo. A
elite entendia a arte como processo de aprendizagem estimulante e essencial “[...] para o
32
indivíduo ultrapassar os tradicionais modos de conhecer e fazer” (BARBOSA, 2012, p. 3). Por
sua vez, os filhos dos trabalhadores eram sentenciados à ignorância criativa, crítica e artística.
Eram instruídos para o mercado do trabalho.
Esse currículo básico teve a influência do ensino básico norte-americano: ler, escrever
e contar (matematicamente)12. Esse retorno ao básico surgiu para conter os movimentos da
contracultura13 dos anos de 1960, movimento resultante de uma política norte-americana
anterior que impulsionava o desenvolvimento criativo e o contato e a produção com a Arte. Os
jovens que estavam na frente do movimento de contra cultura eram
[...] o produto da educação para o desenvolvimento da criatividade que irrompeu no
fim dos anos cinquenta depois do lançamento do Sputnik russo. Os americanos
sentindo-se inferiorizados em relação aos russos culparam sua própria educação
tecnicista pela inferioridade e investiram na educação através da arte. (BARBOSA,
2005, p. 3).
O próprio estado norte americano não conseguiu integrar o que lhe parecia estranho,
mas que era o produto de seu projeto de formação. Como forma de conter esse movimento,
surge uma forma curricular com a proposta de ensino do que seria básico para o cidadão: ler,
escrever e contar.
Para sair desse estado de exclusão da arte no ensino público, a organização histórica dos
arte-educadores, a partir de 1980, promoveu mudanças nessa visão com pressão para que o
Estado tivesse o compromisso de permanência da Arte como disciplina e que a maneira de
conceber o ensino de arte na escola fosse consolidado de maneira a esclarecer qual era o papel
da arte na educação. Com a disciplina integrada ao currículo obrigatório, os professores e os
pesquisadores da área passaram a organizar-se e a dar orientações para o que seria o ensino da
arte. A Federação de Arte-Educadores do Brasil, fundada em 1987, foi uma dessas organizações
que procurou debater a arte na educação com aprofundamentos conceituais. A terminologia
Arte-Educação “[...] surge na tentativa de conectar a Arte e a Educação, por isso a razão do
hífen e até mesmo o intuito de, com essa junção resgatar as relações significativas entre a Arte
e a Educação” (FRANGE, 2002, p. 45).
Para a reflexão sobre como, a partir dos anos de 1980, o ensino da arte tomou rumos na
busca por uma consolidação da área como saber, com conteúdos essenciais para a formação do
12
O sistema de ensino público norte-americano, nos anos de 1960, era discriminatório, fundamentado por
metodologias tecnicistas de três habilidades necessárias – ler, escrever e contar – para o trabalhador, apesar do
discurso de igualdade de oportunidades e, por outro lado, havia, ainda, a influência do clima militar ditado pela
guerra-fria.
13
Movimento dos anos de 1960 formado principalmente por jovens universitários norte-americanos que “[...]
buscando uma vida alternativa criaram uma nova música e negavam uma sociedade de alta tecnologia e sociedade
de consumo correspondente” (FEIJÓ, 2009, p. 4).
33
sujeito, a politização dos arte-educadores foi fundamental no processo de repensar o lugar da
arte no contexto da escola. Esse movimento organizou-se na Semana de Arte e Ensino em 1980
dentro da Universidade de São Paulo. Cerca de dois mil e setecentos arte-educadores criticaram
a “[...] imobilização e o isolamento do ensino da arte; política educacional para as artes e arteeducação; ação cultural do arte-educador na realidade brasileira; educação de arte-educadores,
e outros” (BARBOSA, 2012, p. 14).
Essa movimentação teve força frente ao poder público. “Mas poucas delas tiveram
tempo de desenvolver programas de pesquisa (exceto a AESP) e de aperfeiçoamento conceitual
para arte-educadores” (BARBOSA, 2003, p. 14). O movimento fomentou, também, o ensino
da arte como ensino socialmente necessário. “Não é possível o desenvolvimento de uma cultura
sem o desenvolvimento das suas formas artísticas” (BARBOSA, 2012, p. 5).
A arte é considerada área de conhecimento, mas não como disciplina nos documentos
dos anos de 1970 e 1980 e retornou ao currículo como disciplina com a Lei de Diretrizes e
Bases 9.394/96, a qual mantém a Arte obrigatória na educação básica. O ensino da arte abrange
agora o conceito de cultura e multiculturalismo nas manifestações artísticas. “Artigo 26, §2° O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação
básica de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos.” (BRASIL, 1996). Nessas
propostas de mudanças de conteúdo e de metodologias, a cultura instala-se como foco nas aulas
de arte, sendo necessário estabelecer os limites e as intersecções para que não se entenda um
sobrepondo-se ao outro - A cultura sobrepondo-se à arte. Coelho (2008) estabelece fronteiras
didáticas para os limites de cada área e suas intersecções quando possíveis.
A essência da arte a partir da modernidade é sua vocação para transgredir regras. Nessa
impossibilidade de estabelecer fronteiras do que seria arte, surge uma das pretensas definições
globalizantes de que arte é cultura.
A arte é vizinha da cultura mas as aproximações entre uma e outra acabam na zona
movediça que de algum modo delimita os territórios de uma a outra. As diferenças
entre cultura e arte são hoje mais significativas que suas semelhanças – e agora é
possível dizê-lo porque o espírito do tempo, que não existe mas está sempre aí, permite
e convoca a busca das diferenças muito mais que a das proximidades e das fusões,
essa operação típica da modernidade em todas as suas dimensões, da política à
filosófica, geradora de tantos equívocos e angústias. (COELHO, 2008, p. 117).
Nas diferenças é que se entendem as identificações do que pertence à cultura ou à arte.
Essa será a análise. Nos pontos que se fundem, encontram-se a fruição entre as duas áreas e se
têm uma produção no domínio da arte e da cultura. O foco será em pontos de distinção entre
arte e cultura que, de alguma forma, articulam-se com o ensino da arte contemporânea. A
34
análise será o entender a obra de arte e a obra de cultura e o discurso da obra de arte e da obra
de cultura.
A primeira noção tratada aqui é a diferenciação entre uma obra cultural e uma obra de
arte. A obra da cultura é coletiva, sua constituição não depende de um indivíduo. A obra de arte
é seu inverso, pode constituir-se pela “[...] marca de vários indivíduos ou, bem mais raro, de
um coletivo [...] mas, na obra de arte, o determinante é um indivíduo” (COELHO, 2008, p.
122). Estuda-se o coletivo na cultura e a partir da arte o indivíduo.
A obra da cultura surge de uma necessidade e a obra de arte surge de um desejo. “Se
cultura é necessidade, não requer vontade – menos ainda desejo. Posso querer cultura, mas a
cultura sobrevirá de um modo ou de outro. Não a arte” (COELHO, 2008, p. 125). Ensinar arte
passa a incluir o desejo e a liberdade como elemento da obra, vivenciar desejo e liberdade é um
dos princípios então de ensinar arte.
A obra da cultura é utilitária. A obra de arte não tem utilidade como arte, ou a obra de
arte é transcendente as relações com sua finalidade inicial. A obra da cultura tem alguma
finalidade, responde a necessidades sociais específicas.
Educar com arte para aprimorar o cidadão ou para produzir o cidadão é algo de enorme
estreiteza intelectual além de uma violação ao programa próprio da arte. Nesse
aspecto, se o programa para o cultural tem a ver com ética e lógica, o da arte será
essencialmente estético. (COELHO, 2008, p. 129).
Apostar em um conteúdo de risco e de instabilidade como a obra de arte contemporânea
é entrar em um cenário pouco palpável e definido. O cenário da cultura apresenta-se dentro de
tradições e características mais delimitadas. O cultural, quando se descobre, traz toda a
representação do dever ser assim. A arte não descobre, ela inventa, não tem nada dentro do
movimento de reprodução, seu processo criativo necessita de destruição. “A cultura não destrói
nunca, a cultura conserva. Não existe cultura revolucionária” (COELHO, 2008, p. 136).
A proposta de lidar com a arte na educação é uma proposta reveladora, com diversidade
de possibilidades de resolução dos problemas na produção da obra. Ao lidar com a obra da
cultura, alinha-se a verdade revelada com busca pelo totalizante como forma sintetizadora das
multiplicidades. A segunda distinção é em relação ao que é o discurso da arte e o discurso da
cultura. “O discurso da obra de cultura se faz por construção, por agregação ao que é conhecido,
do que já existe e é preservado e como tal incorporado à obra. [...] o discurso da obra de arte
em si elabora-se por rompimento com o que existe” (COELHO, 2008, p. 140). Existe o espaço
de criação na obra da cultura, entretanto, no processo criativo, o artista aprende como fazer. Na
criação em arte, desconstrói-se os modos de fazer-se.
35
O discurso da cultura articula-se com o tempo, com a tradição e com o hábito. O discurso
da arte com o tempo é o da interrupção. “A obra de arte pode durar, sem dúvida: mas o que dura
nela não é o que nela estava quando ela foi antes: em outro tempo, é outra coisa” (COELHO,
2008, p. 144). Estudar uma obra de cultura é estudar definições no tempo, estudar arte é estudar
com olhares da atualidade produções artísticas de diferentes tempos.
Essas diferenciações não impedem campos de atração entre as duas obras. Teixeira
Coelho (2008) classifica de ponto cego o espaço de tensão entre uma obra de cultura estar
prestes a virar uma obra de arte:
Entre uma extremidade e outra encontram-se obras ou fenômenos que ocupam um
ponto cego, um ponto onde não posso divisar, na coisa o que ela tem de cultura
transforma-se em arte e vice-versa, um ponto onde traços de cultura seguidamente
transformam-se em traços de arte para em seguida mostrarem-se outra vez de cultura
e logo depois outra vez em arte, repetidamente, não se exibindo nem como uma coisa
nem como outra, mas sem ocultarem de todo os fantasmas de uma coisa e outra.
(COELHO, 2008, p. 152).
A arte e a cultura na educação não se propõem como opositoras, elas trabalham com a
ideia de “justaposição de contrários”. Assim, a próxima abordagem trata de possibilidades para
o ensino da arte contemporânea com provocações dessa justaposição e das escolhas de
conteúdos de arte dentro de um mundo globalizado e midiático.
Essa obrigatoriedade do ensino da arte e suas articulações com a cultura não garante a
permanência da área em todas as etapas do ensino. Algumas escolas incluem o ensino de arte
apenas em uma etapa desse nível. A obrigatoriedade do ensino da arte não garante que a arte
seja entendida como uma disciplina com características próprias de conhecimento estético e
essencial em todas as etapas e as modalidades de ensino. “Leis tão pouco garantem um
ensino/aprendizado que torne os estudantes aptos para entender a Arte ou a imagem na condição
pós-moderna contemporânea” (BARBOSA, 2002, p. 14).
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de 1997, documento oficial que dá
indicativos sobre concepções metodológicas e curriculares, tratam a Arte como componente
essencial para a compreensão cultural, comunicação e percepção estética e ensinada com o
contato com a obra (BRASIL, 1997). De maneira poética um dos docentes faz sua reflexão
sobre o uso do termo Arte dentro dos Parâmetros Curriculares Nacionais: Eu acho que é Arte
porque a linguagem é um instrumento para você chegar à arte em si (Juliano).
O conhecimento em arte dentro dos Parâmetros Curriculares Nacionais envolve a
experiência com a obra de arte e o fazer artístico. Articulam-se, assim, a compreensão da
36
produção artística contextualizada, a percepção estética e as relações com a obra. Como
conhecimento para o estudante:
É importante que os alunos compreendam o sentido do fazer artístico, ou seja,
entendam que suas experiências de desenhar, cantar, dançar, filmar, vídeo gravar ou
dramatizar não são atividades que visam a distraí-los da “seriedade” das outras áreas.
Sabe-se que, ao fazer e conhecer arte, o aluno percorre trajetos de aprendizagem que
propiciam conhecimentos específicos sobre sua relação com o mundo. Além disso,
desenvolvem potencialidade (como percepção, observação, imaginação e
sensibilidade) que podem contribuir para a consciência do seu lugar no mundo e para
a compreensão de conteúdos das outras áreas do currículo. (BRASIL, 1997, p. 43).
Nos PCN, a área de Arte foi dividida em quatro modalidades: Artes Visuais, Música,
Teatro e Dança. Para o trabalho nessas quatro modalidades, o documento estabelece, de forma
velada, a Proposta Triangular de Ensino de Ana Mae Barbosa (descrita posteriormente neste
capítulo) como meio de ensino-aprendizado. O “[...] conjunto de conteúdos está articulado
dentro do processo de ensino e aprendizagem e explicitado por intermédio de ações em três
eixos norteadores: produzir, apreciar e contextualizar” (BRASIL, 1997, p. 49).
Barbosa (2012) critica a maneira velada com a qual foi incluída a abordagem triangular
de ensino da arte nesse documento. Para a autora, esse procedimento atrapalhou o entendimento
de sua abordagem do ensino da arte e modificou “[...] os seus componentes para que não fosse
reconhecida, o que resultou em conservadorismo” (BARBOSA, 2012, p. XXXI).
A constatação de Tourinho (2002) é de que, se a obrigatoriedade da permanência da
disciplina de Arte na Educação Básica fosse questionada, muitos tomariam posições contrárias
à legislação. Esse posicionamento é uma herança da indefinição sobre qual é o caráter da
disciplina arte na educação. Nessa disputa entre áreas, percebe-se a hierarquia das disciplinas
que “[...] ainda mantém o ensino da Arte num escalão inferior da estrutura curricular; porém,
felizmente, não decreta seu falecimento” (TOURINHO, 2002, p. 28).
Não se pretende, aqui, aprofundar as questões de Currículo, mas pensa-se ser importante
concebê-lo como uma concretização de forças dominantes, que, de alguma forma, decide o que
deve estar presente como conhecimento dentro da escola. Não se pode ser ingênuo de achar
explicações que não sejam as políticas nas escolhas de permanência de determinadas áreas e
sua carga horária. A construção do currículo é um processo social, em que interesses articulam
prioridades e os conhecimentos socialmente aceitos sobrepõem-se aos saberes estéticos.
Mognol e Pillotto (2005, p. 40) estabelecem o processo de construção do currículo “[...] em
permanente interação com a realidade, isto é, contextualizado a partir de reflexões sobre
fundamentos conceituais e as experiências do cotidiano”.
37
Nessas reflexões sobre a arte dentro de um sistema de ensino, a nomenclatura mais
utilizada, atualmente, é ensino da arte. “Arte e seu ensino não é apenas uma questão, mas muitas
questões: não um problema, mas inúmeros desafios, uma tensão instalando estados de
tensividades entre olhares, buscas e encontros aprofundados” (FRANGE, 2002, p. 47).
Em um momento de hiperlinks, de redes e onde a comunicação rompe com as fronteiras
temporais e espaciais, o ensino de arte transforma metodologias e propostas curriculares,
valoriza a integração de artistas nacionais e regionais, inclui a arte contemporânea envolvida
com questões estéticas e sensíveis mediadas por metodologias do ensino da arte. O trecho a
seguir descreve o docente dentro dessas mudanças do ensino da arte:
Na invenção de si mesmo como docente, a incerteza instaura-se de modo instigador.
O que é, afinal, sentir-se uma “esponja” que absorve livros, idéias, interrogações de
outros que passam a fazer parte da nossa própria experiência? Soma, fusão, mixagem.
A todo o momento nos pedem rótulos, e esses precisam ser definidores, identitários:
“arte-educadora” tem um peso mais político e militante, e também mais teórico;
“professora de Educação Artística ou “professora de Artística” é a professora moldada
ainda em contornos expressionistas e espontaneístas; “professora de Arte” parece
mais contemporâneo e atualizado, pode fazer pensar em mais pesquisa e estudo. No
final de contas, talvez sejamos um pouco de cada uma delas, ao mesmo tempo. A
questão é desfocar nosso olhar das purezas, das essências e de uma suposta
originalidade, livre de múltiplas referências. (LOPONTE, 2007, p. 238).
As escolhas desses professores de arte são feitas sobre seu repertório, sobre o que
conhecem e vivenciam. Assim, para um entendimento sobre a arte contemporânea, é importante
que exista formação e contato com e sobre o que se produz nas artes hoje.
2.2 AS ESCOLHAS DOS DOCENTES E O CURRÍCULO DE ARTE
O currículo é uma ferramenta importantíssima para a transformação de determinada
visão política e para a crítica a uma hegemonia dominante. Dessa maneira, o olhar que deve ser
dado para as formas de permanência que o ensino da arte teve, no decorrer da história, é um
olhar investigativo, com a pretensão de verificar jogos de poder submersos nas escolhas
determinadas.
As escolhas dos docentes devem ser analisadas dentro desse contexto. Dessa forma, são
também escolhas políticas, que devem ser éticas, quando se instaura um processo de diálogo
entre saberes docentes, discentes e de leitura de mundo. Percebe-se que os questionamentos
sobre currículo de arte permeiam as reflexões dos docentes.
Uma reflexão é sobre os conteúdos da história da arte por períodos, por períodos da
arte, os movimentos artísticos, nem por períodos, por movimentos artísticos [...] parece que
38
pegaram o livro da Graça Proença14 e tiraram o índice e colocaram um em cada série
(Juliano). Essa proposta linear de estudo da arte traz uma noção de evolução da arte. E no
desenho cronológico de conteúdos para cada série chegamos até a arte moderna. Pensar sobre
o que se ensinar em arte constitui a identidade da área dentro do currículo. O posicionamento
dos docentes em relação à disciplina renova as possibilidades do como e o que ensinar em arte.
Tourinho (2002, p. 31) elenca algumas justificativas que foram atribuídas como
possibilidades de educação por meio da arte. Entretanto, para a autora, nenhuma fundamenta a
importância da Arte como área de conhecimento. As argumentações incluem: Arte como
aprendizado da moral e da criatividade; Arte como lazer e recreação; Arte como espaço para
organização de festas cívicas e familiares; Arte utilizada como instrumento para outras
disciplinas para memorização de conteúdos; Arte como “[...] compensação oferecida para
acalmar, resignar e descansar os alunos das disciplinas consideradas ‘sérias’, importantes e
difíceis” (TOURINHO, 2002, p. 31, grifo da autora). É também como se fosse uma recreação
para eles (as aulas de arte), só que com conteúdo para eles enfrentarem (Cecília). Percebe-se
que, de alguma forma, a ideia de arte como relaxamento e lazer ainda ecoa nas falas dos
docentes.
Em outras narrativas, percebe-se uma mudança do olhar que a escola tinha em relação
à disciplina de arte. Quando eu cheguei aqui, em 2005, o olhar que se tinha para a disciplina
de artes era totalmente nulo, zero. A arte era a disciplina da bagunça, do desenho livre, da
bolinha de papel, etc. E, a partir dali, eu comecei a reeducar os meus alunos. Hoje se fala em
artes aqui, eles se remetem à professora Salete. Foi ela quem me ensinou, foi ela quem me
instigou, foi ela quem me fez olhar para a disciplina de Arte e valorizar aquele trabalho
(Salete). Essa transformação sentida pela professora em relação à disciplina de arte foi
fomentada pela importância que a professora vê na arte como forma de conhecimento e de
caráter único como disciplina, que une sensibilidade, transformação e olhar para o mundo pela
linguagem da arte. O romper com o ciclo de permanência da arte com fundamentação no lazer,
distração e instrumento para as demais disciplinas necessita de questionamentos sobre o que se
ensina em Arte.
Quando se trata do currículo de ensino de Arte, é preciso pensar que, na
contemporaneidade, Arte deixa de ser a sublime inspiração de poucos eleitos para se
tornar a possível realização de novos agenciadores de subjetividades mais harmônicas
em sua processualidade, mais interagentes em suas construções individuais e
coletivas, menos disponíveis ao controle ditatorial do sistema identitário rígido. Nesse
sentido, Arte passa a ser vida em cada um(a) e em todos(as), respeitando, mas
14
O professor refere-se ao livro Descobrindo a História da Arte, de Graça Proença. Esse livro segue uma
cronologia da história da Arte e propõe atividades didáticas.
39
reformulando o patamar historicamente identitário da escola. Arte passa a ser a
resposta à interrogação do presente, suas possibilidades e contradições, sua
multiplicidade e diversidade. Começa-se a aceitar a diferença como parte e não como
periferia. (PIMENTEL, 2002, p. 32).
A arte no currículo pensa possibilidades e contradições das construções identitárias na
escola. Os conteúdos trabalhados pelos professores para construir um currículo são escolhas de
um sujeito e constituem-se das vivências estéticas e particularidades desse sujeito como ator e
como “estudante” de Arte. Carvalho (2005, p. 104) aponta que “[...] a seleção e a organização
dos conteúdos constituem um processo de escolha e de decisão. Nenhuma dessas ações é neutra,
pois todas regulam e distribuem o que é ensinado”.
Olhar para as suas preferências encaminha às escolhas dos conteúdos e aos padrões
estéticos que serão abordados no ensino da arte pelos professores. Talvez pela formação que a
gente teve, ou talvez, é a questão do olhar, eu gosto das coisas mais clássicas, bem feitinhas,
caprichadas, os pequenos detalhes, então vai muito de teu olhar específico, né? (Salete).
O produto final perfeito satisfaz as referências estéticas dessa professora que vê a arte
contemporânea como inacabada e distante dos padrões estéticos belos do clássico. Contudo, em
outro relato, encontra-se o saborear da arte contemporânea como proposta de aproximação com
os estudantes, uma forma de instigá-los para a arte por meio das produções atuais. Como os
sujeitos são variáveis, outros olhares são possíveis. Eu prefiro trabalhar os artistas atuais, que
estão hoje fazendo (Luciana). E nessas preferências são escolhidos os conteúdos, as habilidades
e as competências esperadas.
Existem propostas de ver os alunos, a preferência deles. Eu tento trabalhar o que eu
sinto que eles vão interagir, que eles vão se interessar. Porque o que importa são eles (Cecília).
Essa postura indica um movimento de atender anseios dos estudantes e promover ações
multiculturais e de inserção do cotidiano como possibilidade de estudos da cultura e de
percepções da arte para além de espaços formais de arte. A postura da professora pede um olhar
crítico, de não atender apenas as preferências dos alunos para agradá-los, mas por meio do que
faz significado ao estudante como arte, e ampliar a rede de conhecimento que o estudante tem
sobre arte.
No repertório dos estudantes, encontram-se referencias artísticas que nem sempre
refletem a qualidade esperada pelo professor. Como no relato de uma apresentação escolar que
surpreendeu, negativamente, a professora. Em um evento cultural a gente deixou eles livres
para eles escolherem a música (Salete). Se a escolha era dos alunos provavelmente a escolha
seria dentro do repertório desses alunos. Mas a apresentação trouxe uma música que foi um
horror, cheia de palavrões. O resultado foi que a gente não vai apresentar mais, nunca mais
40
eles vão apresentar nada desse tipo na minha aula especificamente, que eles não sabem
escolher, eles não sabem ouvir, se para eles é bonito, é bonito lá fora, não na escola, na escola
você tem que ter um ouvido mais afinado e saber, tem que perguntar para a professora (Salete).
A questão que parece pertinente é: Por que escolher uma música que eles sabiam não poder
estar em um ambiente de escola? Essa liberdade de escolha foi tamanha que talvez tenha levado
a acreditar que, naquele momento, eles pudessem tudo, que seria um momento de livre
expressão, seria a possibilidade de o lá fora estar presente na escola. A proibição não esclarece
os motivos de não poderem cantar determinada música.
A escola tem resistências em olhar o que os estudantes entendem como arte, para, a
partir dessa aproximação, promover novos horizontes da produção artística e a reflexão acerca
da produção artística massificadora e midiática. Não cabe nesses muros a música que os
estudantes escutam, porque o professor tem de ter um cuidado muito grande com isso, porque
querendo ou não a escola é o lugar do conhecimento, e querendo ou não é o lugar do
conhecimento acadêmico, que a gente quer impor e não o conhecimento popular que eles
querem impor. Então, o professor tem um poder muito grande, porque a mídia está aí e ela te
provoca. Agora, cabe a você, como educador, selecionar o que é útil e o que é inútil (Salete).
E, se possível, a professora tenta ser neutra e mostrar todo o leque que a gente tem de obras e
conhecimento, o pouco que eu tenho, mais eu vou estudando e indo atrás, tento me aprimorar
e passar esse conhecimento melhor para eles e até para mim (Cecília).
Com essa narrativa, articulam-se reflexões acerca das escolhas de conteúdos e das
formas de entender o ensino da arte contemporânea. A seleção dos conteúdos sobre arte
contemporânea pode ser articulada com o cotidiano dos estudantes em um processo de
construção de currículo que permeia os sujeitos para quem se ensina. Nessa integração entre a
arte e o cenário dos estudantes, o professor pode aproveitar os interesses dos alunos para deles
partir para um estudo acadêmico com mais reflexão e entendimento da área artística; ele pode
apresentar manifestações artísticas que ampliem o significado da arte para esses estudantes. De
forma crítica, o professor vai abordar o cenário estético desse sujeito e ampliar seu olhar para
outras produções da arte.
O repertório estético dos docentes articula-se com as suas escolhas. Os sujeitos
expressam suas influências para fundamentar suas escolhas de conteúdos. Depois que eu
comecei a trabalhar com a disciplina de arte em si e comecei a estudar a disciplina de Arte, eu
me apaixonei pelo movimento surrealista. Talvez porque eu seja, tenha um pouco de
surrealismo [...], e, dentro do cubismo, eu gosto do Pablo Picasso. E gosto muito de uma obra,
“Guernica”, onde ele fragmenta, mutila a imagem em pequenos pedaços, e ali, te traz um
41
pensar na questão da tortura, do sofrimento, na questão do que o ser humano é capaz de fazer
por ambição, por querer ser e ter sempre mais. São artistas que você carrega na sua maleta e
se bobear você trabalha isso dali, Picasso, Salvador Dali, Picasso, Salvador Dali. Eles te dão
essa liberdade de expressão, talvez até seja um pouquinho até contemporâneo, porque o
contemporâneo te dá essa liberdade de expressão, essa liberdade de usar materiais diversos,
de usar o próprio corpo (Salete). O estudar arte não se resume a ler características e saber
biografias de artistas. Saber sobre arte é vivenciar a arte e expor-se a todas as percepções,
conhecimentos e emoções que ela pode nos ensinar.
As descobertas desses docentes são permeadas por estudos acadêmicos da arte. Em
nenhum dos relatos, vivências em exposições ou salões de arte são mencionadas. A experiência
com a arte na vida desses docentes faz-se pelo estudo acadêmico. E de obras, eu ainda estou
estudando, então eu não tenho um grande leque. Eu gosto muito do Miró, do Romero Britto.
Porque como eu trabalhei sempre com artesanato, a gente trabalha muito as cores e acaba me
puxando mais (Cecília). Os caminhos que esses docentes percorreram encaminham seus
processos de seleção e “[...] refletem a realidade na qual estão inseridos” (CARVALHO, 2005,
p. 105).
A eficiência e a permanência da arte como essencial na formação do aluno e do cidadão
foi afirmada pelo Estado ao ser incluída nos Parâmetros Curriculares de Arte e na LDB
9.394/96, ao lhe atribuir a mesma importância das demais disciplinas. O avanço dado à
disciplina, ao se tornar obrigatória, abre um novo desafio: a formação de professores.
A primeira tarefa do Estado é então a formação de recursos humanos, de pessoal
capacitado para decodificar e potencializar as forças que controlam a cultura,
estimular o acesso de todos à livre expressão, propiciar o desenvolvimento orgânico
das artes dentro do contexto local, valorizar as fertilizadoras trocas entre ideias e
experiências, identificar os padrões específicos de organização cultural de uma
comunidade para entender novo vocabulário e novos contextos estéticos.
(BARBOSA, 2005, p. 5).
A arte contemporânea faz parte da formação desses professores. O artista que nós
trabalhamos (refere-se a sua formação) foi Bispo do Rosário, inclusive nas minhas práticas,
após a minha formação, depois de 22 anos. Eu trabalhei com o Bispo do Rosário e com a arte
contemporânea em si (Salete). Se, na formação, essa docente encontra-se com a arte
contemporânea, dela apropria-se, e, com maior segurança, irá abordá-la e incluí-la em suas
aulas.
É na formação do docente que se apresenta a produção contemporânea como proposta
de conteúdo na disciplina de Arte, mas a maioria dos temas são feitos em cima da arte antiga
42
[refere-se a sua formação]. As escolas trabalham muito nessa área, eu queria direcionar um
pouco para a arte contemporânea (Cecília).
Essa inserção do professor no cenário da arte contemporânea necessita de uma
abordagem diferente da produção artística de outros períodos que trazem características e
definições a priori. A formação sobre a produção artística atual deve promover o entendimento
da arte como processo relacional entre o objeto, o artista e o sujeito.
O campo da arte contemporânea é de dúvidas. O novo eu ainda não tenho muito domínio
(Cecília) e não se fecha em características a serem ensinadas de forma cartesiana. A proposta
da inclusão do contemporâneo é levar dúvidas e proposições. A mudança na arte apresenta um
desafio para a mudança em seu ensino. A arte na contemporaneidade é repleta de incertezas,
não confirma teses, mas levanta dúvidas.
2.3 ESTREIA – NOVAS POSSIBILIDADES
A partir da LDB 9.934/96, a área passa a ser identificada como Arte, substituindo a
disciplina de Educação Artística. Esse foi um avanço ao entender a Arte como campo de
conhecimento equivalente as outras disciplinas do currículo escolar.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997, 1998), a dança foi incluída como
componente da disciplina de arte.
As diretrizes gerais para a prática pedagógica foram fixadas na perspectiva das artes
visuais dada a assunção dos três eixos da metodologia triangular de ensino, elencados
como produzir, apreciar e contextualizar e generalizados para as outras linguagens,
sem definir conteúdos e metodologias específicas. (SUBTIL, 2011, p. 249).
Com essa flexibilidade em relação à seleção dos conteúdos e das metodologias, a “área”
da Arte abre-se a diversas possibilidades de construção. Nesse sentido, encontra-se o debate
sobre novas metodologias e novos conteúdos a serem sistematizados para a afirmação do ensino
da arte como área.
O ensino da arte é um campo de conhecimento que se preocupa como podemos conhecer
a Arte e de que maneira podemos articular o saber em arte com as possibilidades didáticas e
metodológicas do ensino de arte.
A consciência contemporânea, em oposição ao paradigma da ciência clássica, pede
uma nova articulação do saber e um esforço de reflexão (a respeito deste saber)
fundamental. Muito esforço competente tem sido efetuado na área de ensino da Arte
por artistas, teorias da Arte, teorias de ensino-aprendizagem, professores, alunos e
cidadãos, no intuito de compreender, operacionalizar e tentar responder às seguintes
questões: 1. O que é importante ser ensinado em artes?; 2. Como os conteúdos de
43
aprendizagem em artes podem ser organizados?; 3. Como os alunos aprendem Arte?
(RIZZI, 2002, p. 64).
Esses questionamentos são sedimentados após todo o histórico da livre expressão, da
arte como componente obrigatório do Currículo Nacional de Educação Básica, das discussões
sobre a formação de professores e da organização dos arte-educadores.
Nessa constatação de necessidade de mudanças no ensino da arte no Brasil, surgem, a
partir dos anos de 1980, propostas e vertentes que serão descritas a seguir. A entrada da imagem
nas práticas em arte é um ponto fundamental para a mudança em seu foco e em seu objetivo
dentro da educação.
A introdução da imagem no ensino da arte é um marco na transformação dos processos
metodológicos e dos objetivos do ensino da arte atuais. Esse momento é definido como
momento pós-moderno do ensino da arte. Quando a proposta de ensino da arte utiliza a imagem,
ela abre espaço para além da livre expressão dos estudantes, princípio moderno de ensino. A
imagem oferece o pluralismo estético e a arte em um contexto social. Contudo, a introdução
da imagem no ensino da arte no Brasil sofre resistência de professores que acusavam a
proposta de restringir o processo criativo e livre das crianças.
Barbosa (2012), em palestra no ano de 1988, para professores, com a intenção de
convencê-los do uso de imagens nas aulas, afirma:
 Se o artista utiliza imagens de outros artistas, não temos o direito de sonega r essas
imagens às crianças.
 Se prepararmos as crianças para lerem imagens produzidas por artistas, estamos
preparando para ler imagens que as cercam em seu meio ambiente.
 A percepção pura da criança sem influência de imagens não existe realmente, uma
vez que está provado que 82% de nosso conhecimento informal vêm através de
imagens.
 No aprendizado artístico, a mimese está presente como busca de semelhança
(sentido grego) e não como cópia (sentido romano). (BARBOSA, 2012, p. 20).
O século XXI apresenta-se como o século das imagens. Não se escondem em
museus, palácios e locais privados, mas estão expostas na mídia, na rua, em áreas públicas
de acesso irrestrito. Estudar as imagens e educar o olhar implica em trazer essas imagens
estéticas, midiáticas, artísticas e cotidianas para o ensino da arte.
44
O foco do ensino da arte passa, a partir desse momento, por mudanças. Não se trata
de uma disciplina exclusivamente de técnicas, nem da liberdade de expressão livre. Agora
arte apresenta-se como expressão, cultura e linguagem com caminhos próprios
metodológicos e avaliativos. O estudo da arte contemporânea traz à tona a concepção de
uma arte híbrida.
Distinto de seu uso na Biologia, de onde o conceito foi herdado, em que se designa
“híbrido” como seres de diferentes espécies que se relacionam, entretanto estéreis, não se
reproduzem; nas Ciências Sociais, o conceito concretiza-se pelas interlocuções socioculturais
“[...] nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam
para gerar novas estruturas, objetos e práticas” (CANCLINI, 2008, p. XVIII) 15. O que é hibrido
busca sair das determinações da pureza cultural, da identidade e da busca pela autenticidade. O
conceito de hibridação modifica “[...] o modo de falar sobre identidade, cultura, diferença,
desigualdade, multiculturalismo e sobre pares organizadores dos conflitos nas ciências sociais:
tradição-modernidade, norte-sul, local-global” (CANCLINI, 2008, p. XVIII).
As estruturas híbridas na contemporaneidade designam novas fusões nos
relacionamentos sociais modernos ou pós-modernos amparados por novas tecnologias e mídias.
A hibridação, de certo modo tornou-se mais fácil e multiplicou-se quando não
depende dos tempos longos, da paciência artesanal ou erudita e, sim, da habilidade
para gerar hipertextos e rápidas edições áudio visuais ou eletrônicas. Conhecer as
inovações de diferentes países e a possibilidade de misturá-las requeria, há dez anos,
viagens freqüentes, assinaturas de revistas estrangeiras e pagar avultadas contas
telefônicas; agora se trata de renovar periodicamente o equipamento de computador e
ter um bom servidor de internet. (CANCLINI, 2008, p. XXXVI).
Hibridação é um processo de romper fronteiras entre cultura de massa, cultura erudita e
popular em uma sociedade globalizada, a qual fomenta os intercâmbios e as misturas de
culturas. Essa relação pode ser conflituosa, ao exemplo das manifestações de pichação de
monumentos ou do intercâmbio entre a cultura dos estudantes e a cultura acadêmica tradicional.
No processo de dialogar com o novo, a concepção de maior participação do
observador frente à obra artística, fundamentada na percepção estética, vem se articulando
por meio das ações de artistas cujas criações têm aberto novos caminhos para a arte e para
sua fruição. Com suas pesquisas, artistas contemporâneos procuram ampliar a extensão
sensível do ser humano, buscar novas formas de expressão ou criar suas obras em espaços
sugestivos e até virtuais (FUSARI; FERRAZ, 1999, p. 2).
15
Algumas páginas deste autor estão em algarismos romanos.
45
Barbosa (2012) aponta três objetivos para o futuro da arte/educação: a) afirmar a
importância da imagem no ensino da arte; b) ampliar a visão de arte ao incluir o cotidiano do
aluno no ensino da arte; c) refletir sobre uma “[...] forte influência dos movimentos de arte e
comunidade na arte-educação formal. Estes movimentos superam o perigo de se negar a
informação da ‘norma culta’ para a classe popular” (BARBOSA, 2012, p. 26, grifo da autora).
Surgem diferentes movimentos atuais de ensino da arte aliados a esses objetivos. A seguir, serão
descritos três desses movimentos que foram escolhidos por incluírem a arte contemporânea
como foco do ensino da arte: Abordagem/proposta Triangular de Ensino da Arte, Cultura Visual
e Interculturalidade e Estética do cotidiano.16
2.3.1 Abordagem triangular de ensino de Ana Mae Barbosa
Para iniciar a conversa, descreve-se, aqui, a proposta de ensino de arte que surge nos
anos de 1970 nos Estados Unidos: Disciplined-Based-Art Education (DBAE) (Arte-Educação
com base na disciplina). Essa abordagem de ensino foi sistematizada em 1982 por
pesquisadores do Getty Center for Education in the Arts (EUA). Entre os pesquisadores estavam
Elliot Eisner, Brent Wilson, Ralph Smith e Marjorie Wilson. Os estudos desses pesquisadores
apontaram uma queda na qualidade do ensino de arte nos Estados Unidos e a diminuição da
importância da disciplina diante de outras do currículo. Com a meta de transformar essa
tendência no ensino da arte, os pesquisadores do DBAE concluíram ser necessária a criação de
uma proposta mais formalizada do ensino da arte.
Sistematizaram, como conseqüência, a proposta DBAE que aponta para a necessidade
da inclusão da Produção de Arte, Crítica de Arte, Estética e História da Arte na
composição do currículo escolar, estabelecendo um paradigma diferente daquele da
auto-expressão criativa que dominou o universo do ensino da Arte no pós-guerra, anos
40 e 50. (RIZZI, 2002, p. 65).
Bosco (2011) esclarece os meios de trabalho da DBAE: produção artística; história da
arte e da cultura; estética; e crítica, que estruturam a Arte como disciplina. Esses quatro
elementos devem ser articulados e dar propriedade para a expressão do aluno (ver Figura 2).
16
Estas foram as propostas escolhidas para a pesquisa, mas outras propostas apresentam-se no ensino da arte, entre
elas destaca-se a A/R/Tografia, a linha voltada ao materialismo histórico e à mediação cultural.
46
Figura 2 - Relação entre as disciplinas do DBAE
• Produção
artística
• História da
arte
Participação
ativa dos
estudantes na
elaboração do
conhecimento..
Relações
estéticas e
artísticas em
um tempo e
espaço.
Amadurecimento do
julgamento
estético.
Propriedade de
falar sobre
Arte.
• Estética
• Crítica
Fonte: Elaborada pela autora com base em Bosco (2011).
Assim, a integração da produção de arte, história da arte, da crítica e da estética é o
ponto fundamental de mudança na proposta da metodologia do ensino da Arte pela DBAE,
visto que:
 Com a produção artística o aluno participa da elaboração de seu conhecimento de forma
ativa. Ele aprende a criar e analisar imagens.
 Na história da arte, “[...] o aspecto cronológico não é o mais importante, mas sim as
relações possíveis entre as produções artísticas e conceitos estéticos das diversas
épocas” (BOSCO, 2011, p. 44). Relaciona-se para os alunos o espaço e o tempo das
produções artísticas.
 O senso estético amadurece o julgamento dos estudantes. No conceito de Barbosa
(2012), a estética é o julgamento de qualidade.
 A crítica embasa os alunos para a discussão acerca da obra de arte.
Para os fundadores da DBAE, qualquer imagem utilizada em sala de aula “[...] amplia
as possibilidades de criação dos alunos que se utilizam de referências obtidas através da
apreciação para a construção de seu próprio universo de imagens e criação” (BOSCO, 2011, p.
44).
47
Uma das críticas a essa proposta é que na atualidade, em que a interdisciplinaridade
surge como essencial para a compreensão da pluriculturalidade em que os sujeitos estão
inseridos, a estreita limitação da Arte como uma disciplina reduz a promoção da inclusão
multicultural. Outro questionamento é quanto à baixa participação da produção e de expressão
do aluno (RICHTER, 2008, p. 44).
Alguns pesquisadores falam em uma apropriação da metodologia do DBAE para a
elaboração da Proposta Triangular de Ensino, sistematizada por Ana Mae Barbosa. Na 8ª edição
de seu livro A imagem no Ensino da Arte, Barbosa justifica que:
A Proposta Triangular não foi trazida (dos Estados Unidos), mas sistematizada a partir
das condições estéticas e culturais da pós-modernidade. Trazer significaria transportar
algo que já existia. Não existia o sistema metodológico baseado em ações (fazer-lercontextualizar). O DBAE é baseado em disciplinas (Estética-História-Crítica...) e por
isso muito criticado. O pensamento disciplinar é modernista. (BARBOSA, 2012, p.
XXX).
Ana Mae Barbosa, a partir dos anos de 1990, sistematiza o conhecimento em Arte com
a Proposta Triangular de Ensino de Arte. A proposta é construída no tripé que integra a
História da Arte, o fazer e a leitura, que envolve os conceitos da crítica, e “[...] princípios
estéticos ou semiológicos, ou gestálticos ou iconográficos” (BARBOSA, 2012, p. 37).
A ideia hoje do Triângulo já não atende as idas e vindas da proposta. “Parece-nos
mais adequado representá-la pela figura do ziguezague [ver Figura 3], pois os professores
nos têm ensinado o valor da contextualização tanto para o fazer quanto para o ver.”
(BARBOSA, 2012, p. XXXIII).
48
Figura 3 - Exemplo para o ziguezague da proposta de ensino da arte de Barbosa
Fonte: Elaborada pela autora com base em Barbosa (2012, p. XXXIII).
A seguir os pilares dessa abordagem: a contextualização, a leitura e o fazer.

Contextualizar
Possibilita o entendimento de que a arte acontece em determinado contexto histórico,
tempo e espaço em que se situam as manifestações artísticas. O entendimento da história
da arte não é seu ensino cronológico ou atribuir a noção de progresso das formas artísticas
conforme o tempo avança. A intenção é entender o que o cara que mora em Navegantes
vai querer saber de Mesopotâmia? (Juliano) e “[...] mostrar que a arte não está isolada de
nosso cotidiano, de nossa história pessoal” (BARBOSA, 2012, p. 20). Na fala do professor
Juliano, percebe-se que esse processo de contextualização apresenta-se como essencial na
assimilação e no entendimento de conteúdos que parecem estar longe do interesse dos
estudantes e que a história da arte pela história da arte não funciona, ela funciona na
faculdade (Juliano). Entretanto, se a formação é que possibilita vivências que serão
utilizadas nas aulas dos professores, seria justamente na formação a mudança necessária.
49
Nessa proposta de contextualização, relatada pelo professor, ele insere o objeto de
arte além da proposição histórica, “[...] mas também social, biológica, psicológica,
ecológica, antropológica etc., pois contextualizar não é só contar a vida do artista que faz
a obra, mas também estabelecer relações dessa ou dessas obras com o mundo ao redor, é
pensar sobre a obra de arte de forma mais ampla” (BASTOS, 2005, p. 143).
A contextualização de um objeto de arte auxilia o estudante no processo de dar lugar
e tempo ao que vê. Nesse movimento, abre-se espaço para a leitura entre obra e espectador.
Diante da obra de arte contemporânea, esse processo não é simplesmente de contemplação,
mas é de direcionamento a uma ação participativa diante do objeto de arte.
A observação de que a teoria e a história da arte haviam se tornado julgamentos
“estéticos objetivos, numa função a posteriori” (BARBOSA, 2012, p. 42) questionou o próprio
método por não atender as propostas da arte atual, em situações sem juízo estético final
definido, que demanda a fruição em relação à obra. Fazer julgamentos objetivos de quê? Os
padrões estéticos modernos não conseguem mais julgar a produção artística contemporânea.
A contextualização da arte contemporânea necessita da percepção e da atualização do
professor diante das coisas do mundo de hoje. É estar atento para além dos saberes dos livros,
é estar disposto e aberto ao que acontece. O contexto contemporâneo pede o desabrigo de
certezas e o espaço é aberto para contextos híbridos de interpretação, que se complementam
com as vivências sociais e estéticas dos sujeitos. Esse envolvimento com manifestações e
acontecimentos que, com um pouco de tato você consegue selecionar o que vai ser significativo
para o aluno (Juliano), aparece como forma de entender o que acontece na atualidade e
possíveis vínculos em contextos educacionais.

Ler obras de arte
A leitura da obra de arte desenvolve a habilidade de ver e descobrir as relações entre
os saberes da Arte e do mundo visual que cerca o observador e produtor da ação artística.
Envolve necessariamente as áreas de Crítica e Estética. Barbosa (2002 ) ressalta que não é
um processo de adivinhação das intenções dos artistas, mas a capacidade crítica e reflexiva
dos alunos proporem leituras acerca do que olham. “Podem ser julgadas por critérios tais
como: pertinência, coerência, possibilidade, esclarecimento, abrangência, inclusividade,
entre outros” (RIZZI, 2002, p. 67).
A leitura de imagens em uma tendência modernista é orientada para uma leitura
formal dos elementos das imagens, o que formaliza a arte. Na atualidade, a leitura articula-
50
se à interpretação do que se percebe na imagem. Para problematizar essa postura, trata-se
de entender a interpretação da imagem como uma tendência de ser a imagem uma criação
mental, decifrada por cognição. Assim, entende-se a arte como meio de linguagem.
Excluem-se, nessa proposta, as sensações e a fruição com a obra de arte.
A intencionalidade da leitura do objeto de arte não se delimita em falar de uma
pintura “[...] é construir uma metalinguagem da imagem” (BARBOSA, 2012, p. 20). A
leitura da obra de arte está intimamente ligada às questões relativas ao tempo e ao espaço.
“Em arte a relação tempo histórico-tempo individual determina os cortes sequenciais e a
interpretação do objeto” (BARBOSA, 2012, p. 96). Para Ana Mae Barbosa, existem
estudos em que as informações históricas são fundamentais para a análise estética. No
ensino pós-moderno, a história da arte implica em unir “[...] história e análise interpretativa
integrada ao trabalho plástico de construção plástica” (BARBOSA, 2012, p. 108).
A leitura da obra, e até o conceito da obra de arte contemporânea, não pede a
contemplação - o espectador é participante e construtor da obra.
O “visitante-participante” é aquele que gruda e prega no espaço e nas
relações com a imagem, ou seja, que se instala no espaço-tempo-pessoa
da arte ambiental. Trata-se não de um “espectador” porque não está em
posição de contemplação. Muito menos de um “fruidor”, um sujeito que
frui, mas de um “participador-construtor”, que pela penetração contratual
na proposição do artista, a integra, tornando-se obra. (FRANGE,1999, p.
2).
A leitura pede o encontro com a obra, pede o conhecer do que se fala. Para isso,
primeiro a gente tem de conhecer, conhecer esse novo, para depois disso, eu provocar e
instigar meu aluno a também querer conhecer o novo (Salete). A fala dessa professora
contribui para exemplificar a leitura segundo Bastos:
A leitura da obra de arte propõe uma leitura do mundo e de nós neste mundo,
uma leitura que é, na verdade, uma interpretação cultural. É bom lembrar que
não existe, segundo Umberto Eco, uma interpretação correta. O que existe são
interpretações mais ou menos adequadas, mais ou menos relacionadas com o
objeto interpretado, pois qualquer obra é aberta a diversas interpretações e
depende muito do ponto de vista, do ponto de largada do leitor/espectador.
(BASTOS, 2005, p. 143).
A leitura do objeto de arte complementa-se com as vivências do leitor. Assim, essa
leitura depende de quais vivências estéticas esse leitor expôs-se. Se ele reconhece obras
apresentadas pela mídia aberta, ou obras em espaços de arte, ou obras apresentadas pelos
professores. Essas variações no contato com a arte e sua posterior análise, também com
diferentes enfoques, podem gerar diferentes pontos de vistas e de interpretação.
51

Fazer arte
O fazer desenvolve a criação de manifestações artísticas dos alunos, da
possibilidade de experimentações dos recursos da linguagem, as técnicas existentes e a
invenção de outras formas de trabalhar a sua expressão criadora.
Pillar (2006) problematiza a forma que o fazer artístico é praticado nas atividades
artísticas. “Isto, em muitos momentos faz com que a leitura aprisione a obra, crie
significados fechados, torne-se uma atividade técnica e não prazerosa” (PILLAR, 2006,
p.16). Em muitos casos, a releitura promove um estreitamento da fruição com as obras e
uma simplificação do entendimento da produção artística. O fazer não é apenas a releitura
das obras ou a produção de cópias, mas a reconstrução, produção de um novo objeto, em
um outro conceito e com novo sentido.
O problema das releituras não é da ordem da significação. O que se lê é o que se
pensa e o que se pensa é uma criação. Ao colocar o ato de criar em segundo
plano, em função do esforço desprendido para comunicar o sentido de uma obra,
a potência criadora da arte passa a ter em papel quase imperceptível na
experiência estética. (SCHULTZ, 2011, p. 7).
As orientações sobre como se faz o desenho para a aprovação da avaliação do
professor reduz os desafios propostos em um fazer artístico atrelado ainda a padrões
estéticos consagrados da arte. A professora Cecília tem uma aluna que diz sempre:
“Professora, eu quero ser uma artista, eu quero pintar”. Então ela já desenha e eu oriento:
“Aqui tu fazes assim, dá uma mexidinha”. Eu já vou dando uma orientada para ela, mas
sempre avisando que ela precisa ter o estudo de tudo, de quem faz, de quem é a obra, como
é que foi feita para depois chegar no final. A contextualização aparece nesse relato como
um conhecer biográfico do artista para a tentativa de igualar-se a ele ou a ela em seu fazer
artístico.
No fazer artístico, há transformação, criação e interpretação. Ele não está ligado ao
conceito de reprodução, mas insere a criatividade no processo de criação ou apropriação
do objeto de arte. O fazer artístico, na Abordagem Triangular de Ensino, ficou conhecido
como releitura, termo que surge das atividades práticas com a utilização da obra de arte
como propulsora do fazer artístico do estudante. O que quer dizer releitura? Reler, ler
novamente, dar novo significado, reinterpretar, pensar mais uma vez (BASTOS, 2005, p.
145). Lamas (2005) articula que releitura é uma denominação advinda do campo da
literatura, que consiste na ação de ler de novo, ler diversas vezes. Esse termo é usado de
forma recorrente no ensino da arte e traz distorções conceituais, entendida como cópia ou
52
uma tentativa de aproximação da obra. “Não há fundamentação sobre a criação e a
apropriação” (LAMAS, 2005, p. 226).
O professor Juliano relata que a releitura foi simplificada por pegar o quadrinho,
mostrar para o aluno, conversar sobre o quadrinho e refazer o que foi visto - em uma
triangulação didática cujos princípios encerram-se na observação, na transmissão de
informações e em um refazer que, algumas vezes, é um fazer parecido com o que foi observado.
Já em um processo de ensino da Arte que utiliza a Abordagem Triangular de Ensino, o
aluno tem a possibilidade de articular seu próprio conhecimento e o professor não é mais
o transmissor de conhecimento, mas sim facilitador da aquisição; ele motiva, inova e
propõe desafios relacionados ao ensino da arte.
Barbosa afirma, em seu artigo Para que serve a Arte:
A grande ênfase na importância do ensino para o desenvolvimento dos processos de
cognição – não só em Arte mas em todas as áreas de conhecimento – se deve aos
resultados de uma pesquisa norte americana que mostrou que, por uma década, os
alunos que obtiveram os dez primeiros lugares nos exames equivalentes ao ENEM no
Brasil haviam cursado pelo menos duas disciplinas de Arte. Enquanto nos Estados
Unidos, os alunos do Ensino Médio escolhem as disciplinas, no Brasil não há
liberdade de escolha e o currículo parece prescrição médica. Portanto, nem se poderia
fazer uma pesquisa destas por aqui. A pesquisa americana despertou o interesse dos
pesquisadores em demonstrar as possibilidades de transferência de aprendizagem,
quando a Arte é aprendida mobilizando-se processos cognitivos, da imaginação ao
planejamento. (BARBOSA, 2008, p. 2).
É importante refletir quais os objetivos que a Proposta Triangular quer alcançar.
Alfabetizar para a leitura da imagem é um desses objetivos. Na sistematização da Proposta
Triangular de Ensino da Arte, ler é ensinar a decodificar por meio da gramática visual
associada ao julgamento da qualidade. O que se pretende “[...] é formar o conhecedor,
fruidor, decodificador da obra de arte” (BARBOSA, 2012, p. 24). O entendimento do
público em relação à produção visual contemporânea constitui uma sociedade artística
desenvolvida.
Barbosa (2005) amplia o olhar da importância da arte na educação para além do processo
individual de sensibilização e da criação:
Arte não é apenas básica, mas fundamental na educação de um país que se desenvolve.
Arte não é enfeite. Arte é cognição, é profissão, é uma forma diferente da palavra para
interpretar o mundo, a realidade, o imaginário, e é conteúdo. Como conteúdo, arte
apresenta o melhor trabalho do ser humano. Arte é qualidade e exercita nossa
habilidade de julgar e de formular significados que excedem nossa capacidade de dizer
em palavras. E o limite da nossa consciência excede o limite das palavras.
(BARBOSA, 2005, p. 4).
53
Eu acho mais importante o processo de criação do que o produto final em si. [...] Então
eu imagino que o processo é mais importante que o produto final. Porque eu não sou muito de
criar produção. [...] Mas quando eu faço, eu dou foco no processo (Juliano). O processo do
fazer em determinadas práticas é mais importante do que o resultado final, o objeto de produção.
Essa proposta apresenta uma preocupação com a criação do objeto e não com seu resultado
final. Nesse processo de criação, a releitura “[...] é olhar o mundo ao nosso redor e criar a partir
de tantas coisas que vemos no mundo, na arte, na TV... enfim tudo aquilo que nossa retina
registra pode ser usado” (BASTOS, 2005, p. 143).
A abordagem triangular de ensino modifica a intencionalidade do ensino da arte. Atribui
à disciplina conteúdo e estrutura em seu processo de ensino. Ana Mae Barbosa é uma das
personalidades fundamentais no processo de conquistas e de valorização da arte nos currículos
e nas práticas de ensino no Brasil e na América do Sul, estando entre as maiores do mundo.
2.3.2 Cultura Visual
A área de estudos da Cultura Visual tem sua origem nas ideias da Escola de Frankfurt,
por volta dos anos de 1960. Seus fundadores, de base marxista, dentro da teoria Crítica da
Sociedade, abrem discussões sobre os conceitos de indústria cultural e cultura de massa, com
perspectivas político-econômicas que estimulam os estudos culturais.
Nesse período de pós duas Guerras Mundiais, as teorias pós-estruturalistas fortalecem
as discussões sobre o significado de cultura, que funciona como sistema de significação. Desses
Estudos Culturais, surge o estudo do campo visual, cujo objeto é a cultura visual. “Surgem,
desta maneira, estudos sobre cinema, moda, televisão, história em quadrinhos, publicidade,
video-game, meios tecnológicos virtuais/digitais, enfim estudos sobre tudo o que poderá ser
visualmente visto e/ou sentido.” (LAMPERT, 2009, p. 37).
O estudo da Cultura Visual não é uma nova metodologia ou disciplina. Concentra-se na
“[...] construção do visual nas artes, na mídia e na vida cotidiana” (HERNÁNDEZ, 2007, p.
21). Assim, a investigação acerca da imagem estuda os significados e os contextos culturais.
O campo da Cultura Visual foi entendido como uma forma de aproximar da análise
crítica tudo o que é visto ou sentido. A produção visual é uma produção cultural presente no
cotidiano e que deve ser tratada na educação para estabelecer as relações necessárias para
compreensão da visualidade na atualidade.
A imagem, nessa concepção, não tem apenas valor estético, mas a ela é atribuído um
papel social formador de juízos de valores, com importante influência sobre o sujeito em sua
54
constituição ética e social. Ela complementa o sentido que damos ao mundo no qual vivemos.
Hernández (2007, p. 22) afirma que a cultura visual é o “[...] movimento cultural que orienta a
reflexão e as práticas relacionadas a maneiras de ver e de visualizar as representações culturais
e, em particular, refiro-me às maneiras subjetivas e intrasubjetivas de ver o mundo e a si
mesmo”.
Ao inserir as imagens cotidianas nas aulas de arte, eles puxam muito a parte dos
desenhos animados, eles querem fazer aqueles desenhos, querem reproduzir. Então, eu trago
as imagens e eles próprios fazem o desenho do jeitinho deles (Cecília). Os desenhos animados,
as propagandas, entre outras possibilidades, provocam o entendimento sobre as referências
visuais dos estudantes referentes ao estudo sobre a Cultura Visual. Dessa forma, esse campo de
imagens é ampliado e estudado criticamente. O professor faz as escolhas das imagens que serão
estudadas/lidas pelos alunos, dentro de seu repertório de imagens. Dessa maneira, faz-se “[...]
necessário refletir sobre os aspectos e tipologias procedimentais e atitudinais que farão com que
o conteúdo seja abordado” (LAMPERT, 2009, p. 145). No uso de uma abordagem como a
Cultura Visual, essa reflexão mantém-se constante e é trabalhada com a preocupação de qual
imagem é abordada no ensino da arte. Hernández justifica essa linha de estudo dentro do ensino
da arte por entender ser um desafio, à alfabetização visual crítica, permitir aos alunos:
[...] analisar, interpretar, avaliar e criar a partir da relação entre os saberes que
circulam pelos “textos” orais, auditivos, visuais, escritos, corporais e, especialmente,
pelos vinculados às imagens que saturam as representações tecnologizadas nas
sociedades contemporâneas. (HERNÁNDEZ, 2007, p. 24).
O entendimento das múltiplas definições que a imagem pode ter auxilia nas escolhas
das imagens. Na atualidade, a imagem é elemento da comunicação e, com sua ampla divulgação
e repetição, ela prolonga sua permanência no imaginário dos sujeitos. “Esta invasão de imagens
combinada com seu caráter predominantemente ‘realista’ é o que tem levado à falsa afirmação
de que as imagens comunicam de ‘forma direta’ (PILLAR, 2002, p. 75, grifos da autora),
entendendo não existir a necessidade de um estudo sobre os discursos visuais. Essa proposição
não se articula, para uma compreensão contextualizada dessas imagens, com a necessidade de
um entendimento crítico sobre as intenções das imagens vinculadas.
A imagem aqui passa a ser entendida como signo que incorpora códigos, que necessitam
de conhecimento para serem decifrados. A justificativa para uma prática artística na escola é
chamada por Hernández (2007) de “racionalidade”. Ele entende a prática artística como uma
forma de conhecimento que favorece o entendimento utilizando-se do visual. O autor diferencia
as racionalidades, por não serem hegemônicas, em:
55

Racionalidade moral: em que a prática artística promove a moral, o espiritual e o
emocional.

Racionalidade expressiva: para a arte promover a expressão das emoções.

Racionalidade cultural: o fenômeno artístico é entendido como manifestação cultural, e
os artistas representam significados de determinada época e cultura. Na racionalidade
cultural, as imagens são produções culturais.
A leitura não é apenas o decifrar códigos. Ler é o processo que envolve questões sociais,
tecnológicas e econômicas. Ela emancipa o cidadão de maneira a refletir sobre o mundo no qual
atua.
Hernández (2007) fala da importância dos “múltiplos alfabetismos” na atualidade. A
nova condição cultural estabelece redes entre múltiplas áreas de conhecimento (economia,
tecnologia, política, etc.). Para dar sentido a esse mundo, “[...] faz-se necessário repensar o que
quer dizer ‘alfabetismo’ e repensar as práticas que o alfabetismo promove” (HERNÁNDEZ,
2007, p. 59, grifo do autor).
Nessa proposta de mudança no ensino da arte na contemporaneidade, não são mais os
artistas os protagonistas do currículo, mas as temáticas instigantes e desafiadoras da atualidade.
Com a introdução de problemáticas que desvendem o mundo em que se vive e estabeleçam
narrativas com o outro, abrem-se espaços para a reflexão acerca da identidade.
A Cultura Visual bombardeia o cotidiano com simbolismos, imagens, cores ao
estabelecer uma relação do que se vê com o que se consome. Imersos nesse cenário, constituemse os cidadãos. O olhar constrói sentido no mundo contemporâneo - estabelece relações com
imagens que, de alguma forma, representem o sujeito.
Para essa transformação, os professores precisam estar com o olhar crítico diante do que
veem cotidianamente. É necessário o entendimento e estudo acerca das subjetividades nas
produções artísticas e práticas educativas inovadoras e currículos atuais. É necessário estar
atento ao mundo, aos conflitos, às inovações e às transformações. Estar informado para que se
possa fazer escolhas diante da Cultura Visual midiática, cotidiana e artística.
A escola deve ser um lugar onde o tema da visualidade na contemporaneidade possa ser
tratado independentemente do objeto de estudo ser ou não ser considerado arte. Existe a
necessidade na pós-modernidade de desconstruir “[...] pensamentos sedimentados por valores
de certo ou errado” (LAMPERT, 2009, p. 15), fomentada pela questão de como as pessoas
pensam a Arte.
56
Dentro de um entendimento amplo do que é arte, surgem imagens que requerem o olhar
aberto do professor para abordagens subjetivas e sensíveis de novos temas para o ensino da arte.
O olhar sobre o cotidiano integra as imagens aos sujeitos. Porque, às vezes, eles não têm noção.
Porque desenham muito Bob Marley, a folha da maconha. Isso eu ainda quero trabalhar com
eles. Não fechar os olhos. Trabalhar com o que eles te dão (Luciana). Tentar recolher as
imagens que os estudantes apresentam, perceber possibilidades de entender e resistir ao mundo
que se mostra é compreender a arte como representação social e cultural com proposições
estéticas, éticas e, por vezes, ideológicas. A escola de hoje “[...] não exige mais controle, mas
autonomia criativa e transgressora de forma a estabelecer uma ponte com sujeitos mutáveis em
um mundo onde o amanhã é incerto” (HERNÁNDEZ, 2007, p. 14).
Como o ensino da arte pode compreender o mundo mutável e instável na
contemporaneidade? Como dar sentido ao que rodeia os indivíduos, às suas vivências? Como
encontrar elos entre uns e outros?
[...] as narrativas continuam dando voltas como em um cata-vento e não respondem
às necessidades de dar sentido a si nem ao mundo mutável e incerto em que vivem os
aprendizes. Isso significa, por exemplo, que almejar a adaptação da Escola ao mercado
como ideal de futuro é uma narrativa errada, porque suas necessidades são mutáveis
e o diagnóstico de hoje mostra-se defasado amanhã. (HERNÁNDEZ, 2007, p. 13).
A Cultura Visual inserida no ensino da arte propõe reflexões sobre a maneira de olhar o
mundo, sobre a importância das diferentes formas de viver na sociedade contemporânea, com
um trabalho de interpretação crítica do que se vê. “Um mundo onde o que vemos tem muita
influência em nossa capacidade de opinião, é mais capaz de despertar a subjetividade e de
possibilitar inferências de conhecimento do que o que ouvimos ou lemos” (HERNÁNDEZ,
2007, p. 29).
A interpretação crítica dos novos valores estéticos contemporâneos, a organização do
indivíduo na pós-modernidade, a relação com as tecnologias e as mídias dominantes são
“conteúdos” que, por vezes, são excluídos do currículo e necessitam ser percebidos como
essenciais na formação de alunos e de professores. Ao aproximar as novas possibilidades de
referências culturais das vivências dos estudantes e dos professores, os estudos da cultura visual
aproximam os olhares dos sujeitos ao entendimento da produção artística. Nessa simbiose,
acontece a reconstrução - “Reconstrução que dá ênfase à função mediadora das subjetividades
e das relações, às formas de representação e à produção de novos saberes acerca destas
realidades” (HERNÁNDEZ, 2007, p. 37).
Nesse “destrinchar” cultural, as visões hegemônicas tornam-se questionáveis; éticas,
políticas e pedagogias dominantes passam por revisões com a intenção da democracia radical,
57
experiências nas quais é o povo que tem o poder e o exerce de forma direta, estabelecendo uma
nova narrativa dentro da escola em que “[...] o pedagógico é também uma prática política e que
não se reduz ao processo de ensino-aprendizagem” (HERNÁNDEZ, 2007, p. 38).
Como campo de investigação, a Cultura Visual analisa as práticas artísticas como
práticas sociais. A Cultura Visual busca, assim, relações com a arte.
Seguindo esta perspectiva, é possível fazer relações entre a fotografia de uma
página na Web e um retrato de Van Gogh, partindo do fato de que ambos atuam
como substituições; também se pode vincular o interior da cúpula da Capela
Sistina a uma telenovela, a partir da perspectiva de que ambas são narrações;
ou propor relações entre imagens de contextos diferentes, mas, que justapostas,
constroem uma nova narrativa. (HERNÁNDEZ, 2007, p. 51).
O campo da Cultura Visual amplia o debate sobre as obras de arte canônicas, ao propor
que essas obras dialoguem com o cotidiano, questionando o inquestionável. Essa articulação
promove a relação entre o mundo da arte e a cultura popular. Além disso, procura possibilidades
hipertextuais que “[...] relacionem as imagens que os estudantes criam ou preferem com
imagens e ideias de outros” (HERNÁNDEZ, 2007, p. 52), com a construção de uma nova
narrativa.
Os questionamentos da Cultura Visual permeiam reflexões sobre qual é a função da
imagem, o que é uma obra de arte visual, como as imagens comunicam e significam algo, qual
é a política que rege o olhar e quais os objetos e imagens pertinentes ao currículo de artes.
Nesses questionamentos, sobre a função da imagem, percebe-se que o objeto de estudo da arte
agora é marginal. É-se convidado a uma abordagem crítica diante da representação das imagens,
“[...] vinculando-a às experiências dos observadores de diferentes tempos e lugares e
favorecendo práticas de apropriação conectadas a problemáticas atuais ou emergentes
(HERNÁNDEZ, 2007, p. 56).
É interessante por meio dos questionamentos efetivar uma proposta educativa. As
respostas, sobre reflexões acerca das imagens na atualidade, levam a observações do que é
ensinar na contemporaneidade. Nesse novo momento do ensino da arte, uma das inclusões
necessárias é a aceitação de novas tecnologias e meios de comunicação como sendo canais de
informação que necessitam de uma nova forma de alfabetização. Para essa nova alfabetização,
diante de novas portas de acesso à arte, à cultura e à informação, para além do consumo, é
pressuposto o encorajamento da criatividade e de formas de expressão diversificadas, que
utilizem a multiculturalidade e as diferentes linguagens artísticas.
A proposição de Hernández (2007) acerca de um ensino que explore os estudos da
Cultura Visual estabelece narrativas cujas imagens, objetos e artefatos estejam em relação às
58
experiências cotidianas do olhar, as quais possam ser estudadas de maneira crítica, de forma a
investigar sua influência na construção da subjetividade. Além de forças de poder que se
estabelecem na vinculação de conhecimentos instituídos de maneira hegemônica que permitam
o sujeito apoderar-se de sua própria criação narrativa.
A crítica que se faz a esse movimento de ensino da arte afirma que “[...] cultura visual
é uma estratégia para compreender a vida contemporânea e não uma disciplina acadêmica”
(SARDELICH, 2006, p. 461). Visualizar a produção contemporânea não implicaria em
entendê-la. Essa substituição da Arte pela Cultura Visual restringe o entendimento das
possibilidades das imagens da arte como possibilidade de educação para contextos atuais. Não
apenas nas reflexões acerca das imagens produzidas na contemporaneidade mas nas
possibilidades que a produção da arte em todos os tempos oferece nos processos de uma
alfabetização visual para a arte contemporânea.
2.3.3 Interculturalidade e Estética do cotidiano
Ivone Mendes Richter (2008) justifica a interculturalidade no ensino da arte, no Brasil,
pela própria característica de um país igualmente plural. A autora procura pesquisar os vínculos
necessários entre o ensino da arte e a estética do cotidiano. Ela refina o enfoque com a procura
em articular a interculturalidade com o ensino da arte contemporânea a partir da realidade da
vida dos estudantes.
Com a inserção da arte contemporânea, nessa proposta, o ensino da arte na pósmodernidade apresenta-se conectado à vida, não apenas mostrando o novo, mas aceitando
releituras do passado, com a pluralidade peculiar do pós-modernismo. A arte contemporânea
busca, assim, dissolver as fronteiras entre a arte erudita e popular. Richter (2008) entende que
a estética do cotidiano e a estética da arte contemporânea relacionam-se em uma mesma linha
estética. As práticas cotidianas são apropriadas na produção de artistas contemporâneos. Essas
produções, com contextos cotidianos, são utilizadas como referência nas abordagens que
aproximam a arte da estética do cotidiano desses sujeitos.
A arte contemporânea fornece referências e tramas atuais. Ao voltar-se para o cotidiano,
a arte contemporânea, permite, por meio do artista, deslumbramentos estéticos que colocam o
sujeito dentro da obra - criam-se elos entre arte e cotidiano.
Com o olhar sobre essas experiências cotidianas e as percepções de Richter (2008, p.
15), são levantados questionamentos para o estudo do interculturalidade e a Estética do
cotidiano no ensino da arte:
59
 A estética do cotidiano no Brasil sofre a influência da pluralidade cultural?
 É conveniente abordar questões de gênero e etnia no ensino de arte na escola?
 É possível trazer para o ensino da arte a estética do cotidiano vivenciada pelos(as)
alunos(as)?
 Que tipo de ensino artístico deveria se buscar para tratar a questão multicultural de
forma positiva?
Essas perguntas irão justificar uma abordagem do ensino da arte com o olhar para quem
se ensina. Aproxima a arte dos sujeitos ao perceberem-se criadores e plateia de produções
artísticas contemporâneas.
O conceito de cultura utilizado é fundamentado por definições antropológicas e
sociológicas. A cultura na antropologia abrange não apenas a cultura ocidental branca, mas
inclui culturas “[...] antes consideradas primitivas ou exóticas. Envolve uma lógica interna, com
outras formas de representações, outras identidades, outras formas de vida social” (RICHTER,
2008). A visão de cultura na antropologia agrega hoje a percepção da cultura como um “código
simbólico” dinâmico e com um entendimento interno de pertencimento. Aliando-se a isso, o
conceito sociológico reafirma que há relações de poder, de desigualdade e de submissão quando
se estabelece uma transmissão de determinada cultura para um grupo estranho a ela.
A educação multicultural surge como uma resposta da educação frente ao
pluriculturalismo. Com propostas de, por meio da educação, promover a igualdade e o acesso
a mudanças sociais que ampliem o olhar para as diversidades e as diferenças. Seu objetivo é
demonstrar que o conhecimento é
[...] uma propriedade comum de todos os povos e de todos os grupos humanos.
Negligenciar alguma parte desse problema resulta, de um lado, em um relativismo que
afasta qualquer possibilidade de uma compreensão intercultural, ou, pelo outro lado,
uma superficialidade que enfatiza o folclórico ou o bizarro. (RICHTER, 1999, p. 2).
Essa inter-relação e a mistura de culturas é denominada por Richter (2008) de
“hibridação”. Nesse movimento, a visão torna-se mais abrangente e menos polarizada entre o
tradicional e o moderno, entre o culto, o popular e o massivo. O termo hibridação seria melhor
para conceber a ideia de multiculturalismo do que o termo mestiçagem ou sincretismo. A autora
esclarece as diferenças semânticas entre multiculturalismo e interculturalidade. A utilização de
cada termo pode variar para ir ao encontro dos interesses dos autores e respeitando a
fundamentação teórica seguida.
60
Esse termo (multiculturalismo) tem sido utilizado como sinônimo de “pluralidade ou
diversidade cultural”, indicando as múltiplas culturas hoje presentes nas sociedades
complexas. No entanto, é a denominação “multicultural” que se encontra consagrada
na literatura, tanto na área da educação quanto da arte-educação, pois é dessa forma
que a questão da diversidade vem sendo estudada e discutida há muito tempo.
(RICHTER, 2008, p.19, grifos da autora).
O estudo do multiculturalismo surge dos grupos de minoria nos Estados Unidos e na
Europa. Ele possui três objetivos distintos conforme o interesse de sua aplicação: como
processo de assimilação de uma cultura dominante, sobre a minoria; como meio de coexistência
de diferentes culturas e como processo de síntese; e no intuito de aproximação e de conquista
de competências interculturais.
Mason (2001) fundamenta o movimento multiculturalista como crítica ao
fortalecimento da visão eurocêntrica predominante nos currículos e nas práticas das escolas. O
movimento assume uma postura cultural mais diversificada com a troca de padrões
modernistas, de estéticas universais, para uma arte-educação multicultural, a qual envolve as
questões de discriminação de gênero, etnocentrismo e raça, para nessas manifestações
multiculturais encontrar o sentido da vida no mundo. “A educação multicultural é definida
como a visão de que a variação cultural deve ser representada e transmitida no sistema escolar
para que as crianças aceitem-se em qualquer sociedade” (MASON, 2001, p. 47).
O multiculturalismo costura uma colcha de retalhos com produções artísticas de grupos
de minorias que promovem a mudança no currículo e, em alguns desses pedaços, os sujeitos
reconhecem-se e refletem sobre sua situação social e sua projeção política.
A Estética do cotidiano e o multiculturalismo atribuem aos objetos e às ações do
cotidiano valor estético e compreendem a “[...] subjetividade dos sujeitos que a compõe e cuja
estética se organiza a partir de múltiplas facetas de seu processo de vida e de transformação”
(RICHTER, 2008, p. 21). Richter dá o nome de “fazer especial” a essa estética de sentido e
afirma ser uma tendência humana. Esse fazer requer a intenção ou a deliberação. Essa ação
coloca o objeto ou a atitude em esfera estética. No processo de transformação de uma ideia em
arte, ou de dar beleza a um objeto, ou “[...] ao reconhecer uma ideia ou objeto como artístico,
confere-se ou reconhece-se uma ‘especialidade’ que coloca o objeto ou a atitude em uma esfera
diferente daquela dos objetos comuns” (RICHTER, 2008, p. 22, grifo da autora). Assim, a
estética do cotidiano e o multiculturalismo levantam a questão sobre qual é o valor estético na
vida diária das pessoas. Mais por prazer e deleite, a importância das percepções da estética no
cotidiano faz-se na ampliação do que é arte. Essa abrangência obriga-nos a rever os conceitos
da arte ensinada na escola de caráter ainda “modernista” e “erudito”.
61
A relação entre multiculturalidade e a Estética do cotidiano atribui importância aos
conhecimentos e aos saberes produzidos pela história dos atores, que são seus fazeres especiais.
Essa relação inclui as diversidades da comunidade e do grupo nas vivências estéticas dos
sujeitos.
Essa postura é especialmente indicada para o ensino da arte, pois dá ênfase às
manifestações artísticas das mais diversas culturas, considerando suas visões de
mundo e seus próprios conceitos de arte, e não descuida de oportunizar o
conhecimento e o domínio dos códigos que lideraram a arte ocidental até o século XX,
mas os relativizando em suas devidas proporções perante todo o acervo cultural de
toda a humanidade. (RICHTER, 2008, p. 28).
Nas narrativas dos sujeitos desta pesquisa, encontram-se falas que, de alguma maneira,
indicam que os professores apoderam-se do entendimento da multiculturalidade, dos fazeres e
dos interesses dos estudantes como parte de sua prática pedagógica, conforme mostra a figura
4 que segue.
Figura 4 - Narrativas que representam a Estética do cotidiano e a multiculturalidade
Eu vejo que tu tens que
observar o teu aluno. O
que está bombando e
daquilo você conseguir
adequar à aula.
(Juliano).
Eles estereotipam os
alunos, como a escola é
periférica, eles vão
gostar de funk...mentira.
Quem fala isso não
conhece o aluno que
tem. (Juliano).
Eu não procuro tanto ver
o meu lado, procuro ver
mais os alunos, a
preferência deles.
(Luciana).
Fazeres dos alunos
inseridos em
práticas docentes
em arte.
Fonte: Elaborada pela autora para fins de pesquisa.
A educação multicultural é uma resposta ao pluralismo cultural que demonstra que o
conhecimento é uma propriedade de todos os “povos”. No Brasil, esse fato fomenta a
diversidade de culturas presentes no cotidiano e abre os olhos para a desigualdade igualmente
presente.
62
Em um país plural como o Brasil, esse enfoque epistemológico não restringe o estudo
apenas de nossas riquezas e diversidade cultural. Essa proposta integra também as questões
sobre as desigualdades e os preconceitos. “Existe uma grande diferença entre a diversidade
cultural, fruto da diferenciação entre as culturas e da singularidade de cada grupo social, e a
desigualdade social, fruto da relação de dominação existente em nossa sociedade” (RICHTER,
2008, p. 32).
Na arte contemporânea, a obra apresenta-se como um componente singular, particular
do artista. O estudo que integra a interculturalidade e a Estética do cotidiano tem a intenção de
ampliar as possibilidades dessa obra com o público e tornar o objeto um componente cultural e
um componente humano que faz com que pessoas envolvam-se e valorizem fazeres artísticos e
culturais de seu cotidiano. Nessa visão, arte e cultura hibridizam-se e as delimitações das
fronteiras entre as duas áreas estreitam-se (RICHTER, 2008).
Para pensarmos sobre essas mudanças no ensino da arte, com propostas de ensino das
temáticas contemporâneas da arte, é necessário compreender os conhecimentos e as identidades
em uma época pós-moderna. Entende-se que se vive em um tempo confuso, com uma “espécie
de reação ao modernismo ou de afastamento dele” (HARVEY, 2006, p. 19). Assim sendo, o
próximo capítulo tratará das questões sobre o moderno e o pós-moderno.
63
Obra de Georgia Vilela (VILELA, 2010).
64
3 DIÁLOGOS: TEMPO, ESPAÇO, ARTISTAS E PÚBLICO NO MODERNO E NO
PÓS-MODERNO
Sintonia para pressa e presságio
Escrevia no espaço.
Hoje, grafo no tempo,
na pele, na palma, na pétala,
luz do momento.
Só na dúvida que separa
o silêncio de quem grita
do escândalo que cala,
no tempo, distância, praça,
que a pausa, asa, leva
para ir do percalço ao espasmo.
Eis a voz, eis o deus, eis a fala,
eis que a luz se acendeu na casa
e não cabe mais na sala.
Paulo Leminski
Este capítulo aborda a importância da discussão sobre o moderno e o pós-moderno no
ensino da arte. As questões aqui irão, inicialmente, esclarecer a diferença entre moderno e
modernidade, passar pelo entendimento a respeito, primeiramente, do moderno depois as
questões do pós-moderno na arte e no ensino dela. As narrativas dos sujeitos da pesquisa estarão
inseridas no texto.
Entende-se a importância dessa discussão para pensar que no ensino atual da arte é
fundamental compreender como os conhecimentos e os sujeitos constituem suas experiências
dentro e fora da escola. É necessário um estudo das questões culturais para uma compreensão
sobre as artes que foram escolhidas ou não para estarem no ensino da arte atual.
Houve um tempo que era a luz do momento, “[...] eis que a luz se acendeu na casa e não
cabe mais na sala” (LEMINSKI, 2001, p. 37). “Eis a voz, eis a fala” dos sujeitos desta pesquisa
que moram no município de Navegantes, litoral Norte de Santa Catarina, onde não existe teatro,
não existe museu e são poucos os movimentos artísticos e culturais que acontecem na cidade.
Já a cidade vizinha, dividida por um rio cuja travessia é feita por balsas, é Itajaí. Essa cidade
possui um movimento teatral, com um Teatro Municipal, exposições visuais e um campo de
estudo da música que inclui uma graduação dentro da Universidade do Vale do Itajaí e o
Conservatório de Música de Itajaí.
Dentro do contexto desses sujeitos, pode-se verificar que existem espaços de vivências
com a arte em sua região e em seu cotidiano. Além do contato direto com as produções artísticas
na atualidade, o processo de globalização por meio da tecnologia promove outras possibilidades
65
de experiências estéticas. O importante é entender a arte como elemento essencial para a
docência em arte. Vivenciar cotidianamente experiências estéticas torna a arte protagonista da
existência sensível.
Guerras e atentados terroristas põem em xeque nosso futuro enquanto espécie.
Movimentos sociais e artísticos reestruturam os papéis sociais e mudam o foco de
nosso olhar. O caos já não trabalha em função da ordem? Tornamo-nos passivamente
mais humanos, diante de uma tecnologia que ameaça o próprio conceito de
humanidade. Neste contexto a arte se encarrega de protagonizar o abismo que
configura nossa existência. Moderno coexiste com não-moderno. Modernidade tardia.
Tempos hipermodernos. Idade neo barroca. Pós-modernidade. (PESSI, 2008, p. 69).
O entendimento sobre moderno e pós-moderno desperta posicionamentos antagônicos.
Pensar para quem se fala e de quem se fala pode indicar o posicionamento diante das produções
contemporâneas na arte e no ensino da arte na atualidade. Ao falar de um tempo atual, fala-se
de tempos múltiplos que se relacionam.
A discussão sobre a passagem de um período definido como moderno para outro
contexto com denominações ainda sem consensos - modernidade líquida (BAUMAN, 1998),
modernidade tardia, neomoderno, pós-modernidade -, movimenta para entender como essas
mudanças influenciam o ensino da arte. Existe uma distinção do conceito de modernidade e de
modernismo na arte. Ao usar “modernismo”, refere-se a determinado movimento da arte e da
literatura.
O modernismo, reagindo à transparência da representação realista da segunda metade
do século XIX associada à ordem social burguesa, instaurou uma crise da
representação, marcada pela auto-referencialidade e por uma defesa da autonomia da
obra de arte que lhe conferiram uma perspectiva fortemente elitista e anistórica.
(COUTINHO, 2005, p. 160).
O Modernismo refere-se a um período estético e cultural da primeira metade do século
XX. O movimento foi globalizante, uma das características da modernidade. As artes e a
literatura influenciaram, de forma diversa, o mundo inteiro. O movimento moderno estético
provocou uma reforma nas “[...] artes criando imagens para uma sociedade melhor e mais
humana, que presumivelmente estava emergindo por meio do progresso da ciência. Os artistas
representavam tal mudança ao se distanciarem das tradições artísticas ocidentais anteriores”
(EFLAND, 2005, p.174). O modernismo foi um movimento cultural e literário,
cronologicamente delimitado com postura de resistência ao passado e de propostas de
Vanguarda.
A modernidade caracteriza-se pela mudança. Viver esse período significa ambientar-se
em movimentos de aventura, onde fronteiras geográficas são rompidas e possibilita-se a
66
sensação de união entre a humanidade. Nesse contato com o que nos é externo a “[...] sensação
avassaladora de fragmentação, efemeridade e mudança caótica” (HARVEY, 2006, p. 21)
confunde-se com a procura pela universalidade e o eterno.
A modernidade nasce com a vontade de ruptura, negação da tradição e a morte de
cânones. É um projeto de visão de mundo e da autonomia da razão. Ao falar de modernidade
questões políticas e econômicas precisam ser levantadas para o entendimento desses
movimentos e para a compreensão da arte moderna. Harvey (2006) examina a modernidade
como a conjunção entre o que é efêmero e fugidio e o que é eterno e imutável na natureza
humana. Dessa tensão a arte moderna tem suas provocações, o que justifica as oscilações entre
opostos desta produção.
O projeto da modernidade surge durante o século XVIII como um esforço intelectual
dos iluministas. Seu principal foco era a ciência objetiva, a moral, a busca pelo universal e a
arte pela arte.
A idéia era usar o acúmulo de conhecimento gerado por muitas pessoas trabalhando
livre e criativamente em busca da emancipação humana e do enriquecimento da vida
diária. O domínio científico da natureza prometia a liberdade da escassez, da
necessidade e da arbitrariedade das calamidades naturais. O desenvolvimento de formas
racionais de organização social e de modos racionais de pensamento prometia a
libertação das irracionalidades do mito, da religião, da superstição, liberação do uso
arbitrário do poder, bem como do lado sombrio da nossa própria natureza humana.
Somente por meio de tal projeto poderiam as qualidades universais, eternas e imutáveis
de toda a humanidade ser reveladas. (HARVEY, 2006, p. 23).
Os princípios positivos com o qual entendia-se o mundo moderno não libertou o homem
da opressão. Campos de concentração, guerras mundiais e experiências nucleares passaram a
não justificar a tentativa de racionalizar a liberdade humana. Harvey (2006, p. 27) coloca a
Segunda Guerra mundial como “o maior evento da história da destruição criativa do
capitalismo”, pois, para os modernos, a destruição é a possibilidade para o novo.
Nesse momento entre guerras, imprimiu-se uma fase do modernismo em que a razão
iluminista não explicava a essência da natureza humana. Nietzsche, segundo Harvey (2006),
posiciona a estética acima da racionalidade e a estética torna-se “[...] um poderoso meio para o
estabelecimento de uma nova mitologia quanto àquilo que de eterno e imutável poderia referirse em meio a toda a efemeridade, fragmentação e caos patente da vida moderna” (HARVEY,
2006, p. 27).
Com a valorização da estética, no século XVIII, surge a procura por padrões e definições
para a enorme variedade cultural que veio à tona com o crescente comércio que estimulava o
contato entre as culturas. “[...] essa exploração também surgiu da mera dificuldade da tradução
67
dos princípios iluministas da compreensão racional e científica em princípios morais e políticos
apropriados à ação” (HARVEY, 2006, p. 28). O artista moderno seria reconhecido ao expressar
a universalidade e o eterno dentro do efêmero e o fragmentado da vida humana.
Na busca pela representação do imutável e eterno, o modernismo preocupava-se com a
linguagem para representar a verdade eterna.
[...] se a palavra era de fato fugidia, efêmera e caótica, o artista tinha, por essa mesma
razão, de repensar o eterno através de um efeito instantâneo, tornando a tática de
choque e a violação das continuidades esperadas vitais para fazer chegar ao destino a
mensagem que o artista procurava transmitir. (HARVEY, 2006, p. 30).
O processo de mudança artística atrelado ao racionalismo diante das visões do mundo
confere autonomia à arte, distanciando-a da religião “[...] em direção a formas cada vez mais
independentes” (ROUANET, 1987, p. 232). Constitui-se, assim, um movimento de autonomia
dos artistas.
O modernismo passa por fases. O Iluminismo achava possível e esperado uma única
resposta às dúvidas. Na arte, existiria uma única forma de representação. Antes da Primeira
Guerra Mundial, o modernismo na arte era uma reação ao método de produção, à urbanização
e ao consumo advindo das propagandas e da moda. “A crescente necessidade de enfrentar os
problemas psicológicos, sociológicos, técnicos, organizacionais e políticos da urbanização
maciça foi um dos canteiros em que floresceram movimentos modernistas” (HARVEY, 2006,
p. 34). No período anterior à explosão da Segunda Guerra Mundial, a mudança do pensamento
iluminista ocorre pelo processo de lutas de classe, e a arte absorve questões ideológicas e
políticas. O movimento entre-guerras era “heróico”, na procura por mitos abrangentes – Harvey
(2006) usa o nazismo como exemplo -, o enaltecimento das máquinas ou sua contestação
(Tempos Modernos, Charles Chaplin). Depois de 1945, tem-se o modernismo “universal” ou
“alto” quando as questões estéticas encontraram aceitação nas elites da sociedade (HARVEY,
2006).
A absorção da estética modernista pelo sistema ideológico oficial fez com que o
movimento perdesse seu caráter revolucionário, tornou-se algo tão elitista e de segregação que
nos anos de 1960 surgem os movimentos da contracultura em oposição à cultura modernista da
elite.
Embora fracassado, ao menos a partir dos seus próprios termos, o movimento de 1968
tem de ser considerado, no entanto, o arauto cultural e político da subseqüente virada
para o pós-modernismo. Em algum ponto entre 1968 e 1972, portanto, vemos o pósmodernismo emergir como um movimento maduro, embora ainda incoerente, a partir
da crisália do movimento antimoderno dos anos 60. (HARVEY, 2006, p. 44).
68
Em relação a estética as Vanguardas Artísticas apresentaram-se como um movimento
moderno de ruptura e transgressão na busca pela conquista de um projeto moderno de
sociedade. Os artistas eram o pelotão de frente que travariam uma batalha para a aceitação das
transposições que fizeram com a realidade e com a negação das manifestações artísticas de
períodos anteriores. Esse movimento alimentava-se de novidades e da negação dos movimentos
artísticos anteriores. Rejeitava os padrões da estética e os modos de expressão do passado. Os
artistas adotaram a forma em detrimento do conteúdo e do significado. Com esse
posicionamento de inovação, a arte moderna acaba por afastar o público com o desinteresse do
gosto popular pela Arte.
Nessa fase do modernismo, o entendimento do que seria arte passa a englobar questões
culturais e a pesquisar sobre as produções das crianças como uma maneira de entender o
processo “puro” de criação da arte. O professor deveria proteger o estudante de influências que
pudessem tirar a sua originalidade e apresentar culturas diferentes da sua como conteúdo de
arte.
Em relação à cultura não houve a inclusão do conhecimento de grupos de uma minoria.
“O que por um lado ampliava o campo estético, por outro colaborava para ratificar as distinções
culturais entre as formas artísticas ‘elevadas’ e as ‘vulgares’ – de povos não ocidentais e das
mulheres, por exemplo” (CAPRA, 2007, p. 26, grifos da autora).
Essa proposta estética dos modernistas “[...] podia desconectar seus espectadores,
chocar e espantar; em sua outra capacidade, de conferir distinção e estratificar, ela atraiu sempre
um número crescente de admiradores acríticos e, o que é mais importante, de compradores”
(BAUMAN, 1998, p. 127). Esses compradores de arte moderna estavam interessados em
prestígio dentro de um meio que ainda não estava inserido no cotidiano do público, não tinha
sido “educado” para o entendimento da produção da arte moderna. A arte moderna dividia seu
público “[...] em duas classes – a que pode compreender e a que não pode” (BAUMAN, 1998,
p. 125).
A concepção do conceito de “[...] vanguarda transmite a ideia de um espaço e tempo
essencialmente ordenado e de um essencial inter-ajustamento das duas ordens. Em um mundo
em que se pode falar de avant-garde, ‘para frente’ e ‘para trás’ têm, simultaneamente,
dimensões espaciais e temporais” (BAUMAN, 1998, p.121, grifos do autor). Ao falar de
contemporaneidade, não cabe a definição vanguarda, que transmite uma ideia de um tempo e
espaço essencialmente ordenado, estrutura que não se encaixa aos pensamentos dos pósmodernos. Assim, para Bauman (1998), no pós-moderno, não faz sentido a utilização do termo
vanguarda, não existe a pretensa imobilidade do passado, de criar estruturas para serem
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temporalmente repetidas e mantidas - o pós-moderno é movimento, incerteza e hibridação.
“Ninguém prepara o caminho para os outros, ninguém espera que os outros venham em
seguida” (BAUMAN, 1998, p. 122).
Na arte contemporânea17 não há tendências. Não existem grupos de artistas que
articulam técnicas e temas universais e generalistas. Utilizar o termo tendência é uma maneira
didática mais para “[...] situá-las no tempo e no espaço do que para determinar um grupo de
artistas com uma proposta estética unitária e definida” (ARAÚJO, 2005, p. 264).
Na perspectiva moderna de educação, a tendência implica na valorização das
explicações científicas e quantificáveis como verdades absolutas. Coloca a sensibilidade e a
imaginação no plano do não científico e logo não necessário como conhecimento. O foco do
olhar é a razão pura como conhecimento. Na perspectiva pós-moderna, as universalidades e as
generalidades são questionadas e as grandes narrativas passam a ser duvidadas. Pensar o ensino
da arte na atualidade “[...] é pensar numa sociedade mais diversa, distintamente dos tempos
modernos quando projetar e educar significava preparar para o futuro e carregá-lo de
expectativas” (PESSI, 2008, p. 71).
Os artistas do período moderno criam uma crise diante da representação na arte, incluem
referências pessoais e a arte pela arte. Esse posicionamento transforma a arte em uma linguagem
acessível apenas para aqueles que conseguiam estabelecer um contato com o mundo do artista
ou estavam inseridos no campo da arte. Isso gera uma perspectiva de arte elitista e excludente.
Dissociada de seu contexto histórico e de qualquer preocupação de ordem extra
estética, a obra apresentava um impulso universalizante e totalizador que a inscrevia
numa esfera aurática, centralizadora e hegemônica, calcada num princípio binário,
hierquizante, que excluía toda manifestação que não correspondesse aos parâmetros
instituídos. ... Daí os princípios que regiam o movimento, de modo geral, serem a
unidade, o fechamento, a ordem, o anseio de absoluto e a racionalidade.
(COUTINHO, 2005, p. 161).
O ensino da arte moderno concentrou-se na produção da arte, com potencial para a
criatividade e o purismo da expressão artística do estudante. A avaliação era sobre a composição
estética inserida na originalidade purista da produção. Essa livre expressão pode ser entendida
como uma conquista do período moderno. Hoje, entretanto, a expressividade não supre as
necessidades do ensino da arte. Nesse sentido, instala-se também uma necessidade de mudança
nos ideais de ensino da arte na atualidade.
17
Para Cauquelin (2005), a entrada na Arte Contemporânea acontece no momento em que passamos do regime de
consumo, da arte moderna, para o regime de comunicação, da arte contemporânea. Ela traz a figura dos
embreantes, artistas singulares, que desarmonizaram a estrutura vigente com proposições de uma nova realidade
para a arte. Para Cauquelin (2005), foram embreantes; Marcel Duchamp e Andy Warhol.
70
Bauman (1998) afirma que os modernistas agiram em nome da modernidade. Esse
pensamento revela que o modernismo surge da necessidade de que o ideal de mudança,
proposto pela modernidade, se realizasse. Os artistas modernos dispõem-se a cumprir as
promessas de um novo tempo, colocando velocidade aos acontecimentos. Eles acreditavam que
tudo o que vem depois é, ou deveria ser, melhor - o futuro estava sempre atrelado à ideia de
progresso. O passado era entendido como um movimento sempre de atraso.
O sentimento dos artistas modernos era o de romper com a arte historicamente
construída sobre os cânones estéticos da beleza e da perfeição e utilizar todas as mudanças
tecnológicas e científicas da modernidade. Esses artistas eternizaram-se como divisores de um
tempo para trás e o que estava programado para o futuro - à frente.
A arte moderna renega os padrões estabelecidos para o que seria a “arte”, rejeita a
tradição e o convencional. Entretanto, dentro do movimento das Vanguardas, os artistas não
abandonam a representação para aproximar-se da verdade. O que os artistas fazem é “[...] sob
os auspícios de uma representação melhor do que antes, e motivados pelo impulso de chegar
sempre mais perto da ‘verdade’ só temporariamente desfigurada ou escondida pelas convenções
existentes” (BAUMAN, 1998, p. 134, grifos do autor). É possível, assim, analisar o movimento
moderno artístico e literário na atualidade. De maneira didática, dividiram-se escolas,
influências e movimentos. O movimento modernista é conteúdo intensamente trabalhado no
ensino da arte no Brasil.
A definição do que é arte no modernismo encontra definições claras em períodos e
movimentos e “[...] tinha a intenção de unir toda a humanidade através da unicidade e da
superioridade do fenômeno artístico” (CAPRA, 2007, p. 25). A diversidade e a quantidade de
material sobre o modernismo presente no acervo das escolas e dos professores são maiores do
que sobre a arte contemporânea. A facilidade de acesso a esses materiais didáticos aproxima o
período das escolhas dos docentes. Até o modernismo você tem muita literatura escrita, muita
coisa, muita coisa. Então se é conveniente para o professor chegar até o modernismo que tem
muita coisa escrita, e o contemporâneo ele parte para uma coisa de conceito (Juliano).
O caráter dinâmico da produção artística contemporânea e suas temáticas pedem para
[...] um conceito que tem que se recriar a cada aula. Então buscar essa ressignificação, uma
coisa para criar um conceito é uma coisa complicada, começa por aí. E por não ter um material
já pronto, eu acho mais difícil trabalhar com o contemporâneo porque a gente tem que ver o
que é viral [...]. Mas essa criação do conceito ele exige leitura, você precisa ficar buscando
para fazer o link (Juliano). É complicado para o professor dentro de sua rotina estar nessa busca
constante por materiais novos e criando novos conteúdos para sua aula além dos períodos
71
clássicos da arte. Pensar em ensinar com arte contemporânea é entender novos conteúdos
propostos, por exemplo, dentro de temáticas atuais da arte contemporânea e até mesmo as
descobertas nas redes sociais. Os alunos aqui da escola estão todos enfiados no Facebook, o
que eles estão colocando lá eu puxo para a sala de aula (Juliano).
Nessa narrativa, três coisas chamam a atenção. As formas de estudo e o acesso às
produções contemporâneas em arte são articuladas aos meios eletrônicos e articulados com o
interesse dos estudantes. As redes sociais são hoje uma forma de comunicação entre estudantes
e docentes. A arte contemporânea para esse docente é conceitual cujo objeto artístico é
desmaterializado e substituído por descrições, frases e diagramas. A arte transforma-se em
linguagem (ROUANET, 1987, p. 268).
A forma que o docente apropria-se da produção contemporânea é sua busca pelo
domínio dentro da dimensão do presente e “[...] exposto a significantes desmembrados, sem
nenhuma relação orgânica entre si, o artista pós-moderno está privado de sentido e da história”
(ROUANET, 1987, p. 250). Para ser trabalhada pelos professores, a produção artística
contemporânea precisa ser apropriada pelos docentes. A gente vai ter de estudar mais o novo
para chegar nesse conceito e ir e vir, aí tu tens as duas opções, tu tens que ter domínio lá (no
moderno) e cá (no contemporâneo). Enquanto o novo eu não tenho muito domínio (Cecília). O
entendimento desse campo da arte, sem definições e classificações, não procura verdades
consolidadas, é instável, híbrido e impuro. Os artistas contemporâneos produzem na
pluralidade, refletem um estado de espírito da ruptura com o moderno, mais que uma realidade
cristalizada (ROUANET, 1987). A preparação do docente é fundamental para suas aulas, o
rigor em suas propostas é essencial para a qualidade de seu trabalho. Entretanto, este não
encontrará em livros didáticos características generalistas da produção contemporânea, o que
atribui um caráter relacional entre os sujeitos e a obra estudada. Os modelos de arte e de seu
juízo estético são destituídos. O encontro com o objeto de arte contemporâneo manifesta nos
sujeitos a dúvida e a confusão. A partir das definições dos conceitos sobre o período que se
chama, aqui, de pós-moderno, pretende-se esclarecer o entendimento sobre a arte
contemporânea e como ela se insere nas narrativas dos docentes.
A pós-modernidade é um tema amplamente discutido e igualmente controverso. As
correntes de pensamento divergem quanto a sua própria existência. Para Habermas (1990), a
modernidade ainda não se esgotou. O filósofo alemão nega a existência da pós-modernidade.
O ser humano consegue entender o significado de liberdade, de fraternidade e de igualdade,
mas não consegue atribuir sentido na importância dessas ações na sociedade e acabam por não
inserir essas ações em seus projetos de vida. Sabe-se do que se trata, mas sua solidificação não
72
aconteceu. Assim, Habermas (1990) afirma que a modernidade é um projeto que não se
concluiu.
A análise do modernismo como algo que desapareceu seria uma forma de afirmar que
todos os lugares, as culturas e as sociedades estão na mesma sintonia e no mesmo tempo. Essa
postura nega a própria diversidade e instabilidade do pensamento pós-moderno. Rouanet (1987)
não entende a pós-modernidade como a ruptura com a modernidade.
[...] se não há ruptura, há vontade de ruptura. Se tantos críticos e artistas perfeitamente
inteligentes acham que estamos vivendo uma época pós-moderna, é porque querem
distanciar-se de uma modernidade vista como falida e desumana. O desejo de ruptura
leva à conclusão de que essa ruptura já ocorreu. A consciência pós-moderna é
crepuscular, epigônia. Ela quer exorcizar uma modernidade doente, e não construir
um novo mundo, embalado em seu berço pelo bip de uma utopia eletrônica.
(ROUANET, 1987, p. 25).
A consciência de ruptura é a reação do mal-estar diante da modernidade, das
experiências com os horrores da guerra e com os problemas ambientais, em uma tentativa de
rejeição da modernidade que destitui o ser humano de sua humanidade.
Fala-se para quem? A comunidade acadêmica discute um novo paradigma. Os
profissionais da educação rodopiam nessa mudança sem muito tempo de refletir quais são elas.
Os estudantes vivenciam esse mundo instável e híbrido. De alguma maneira, todos se
encontram em um ciclone de novas tecnologias, novas políticas, diferentes noções de tempo e
espaço, narrativas enviesadas e formas “estranhas” de tratar seu corpo e sua identidade.
Harvey (2006) analisa o pós-modernismo com espanto pela aceitação de princípios do
modernismo: o efêmero, o fragmentado, o descontínuo e o caótico. “[...] o pós-modernismo
responde a isso de uma maneira bem particular, ele não tenta transcendê-lo, opor-se a ele e
querer definir os elementos eternos e imutáveis que poderiam estar contidos nele” (HARVEY,
2006, p. 49). O pós-modernismo aceita as vivências no caos, entretanto não acredita em
respostas racionais de viver dentro dele.
Os sentimentos modernistas podem ter sido solapados, desconstruídos, superados ou
ultrapassados, mas há pouca certeza quanto à coerência ou aos significados dos
sistemas de pensamento que possam tê-lo substituído. Essa incerteza torna
peculiarmente difícil avaliar, interpretar e explicar a mudança que todos concordam
ter ocorrido. (HARVEY, 2006, p. 47)
A preocupação com a alteridade é um dos pensamentos libertários do pós-modernismo.
“[...] a idéia de que todos os grupos têm o direito de falar por si mesmos, com sua própria voz,
73
e de ter aceita essa voz como autêntica e legítima, é essencial para o pluralismo pós-moderno”
(HARVEY, 2006, p. 52).
A linguagem e a comunicação tornam-se elementos essenciais do pensamento pósmoderno. São entendidos de forma desconstrutiva. Os textos estão em rede com outros textos
que produzem outros textos em um entrelaçamento intertextual, que transmite sentido fora do
controle do autor. “Reconhecendo isso, o impulso desconstrucionista é procurar, dentro de um
texto por outro, dissolver um texto em outro ou embutir um texto em outro” (HARVEY, 2006,
p. 54).
A tentativa de unificar a natureza humana por meio de uma única representação, como
no modernismo, é uma tentativa certa de fracasso para os pós-modernistas. Não existe um
projeto global de representação, esse projeto é derrotado. As representações são possíveis em
determinados locais de comunidades interpretativas e os “[...] sentidos tencionados e efeitos
antecipados estão fadados a entrar em colapso quando retirados desses domínios isolados,
mesmo quando coerentes com eles” (HARVEY, 2006, p. 56).
Harvey (2006) coloca como problemática pós-moderna as questões relativas à
personalidade, à motivação e ao comportamento. Fragmentada e com instabilidade na
linguagem, a personalidade pós-moderna é esquizofrênica (não no sentido clínico). Ela é
entendida como uma desordem linguística com rupturas em relação ao que se diz e a forma de
dizer o que se quer comunicar. A identidade pessoal não se identifica temporalmente à cadeia
de significados ao não estabelecer conexões com o passado, o presente e o futuro. “Isso de fato
se enquadra na preocupação pós-moderna com o significante e não com o significado, com a
participação, a performance e o happening, em vez de com um objeto de arte acabado e
autoritário, antes com as aparências superficiais do que as raízes” (HARVEY, 2006, p. 58,
grifos nossos).
A contextualização de pós-modernismo e pós-modernidade tem a função de situar a arte
contemporânea dentro de uma nova concepção do que é arte, movida pelo entendimento das
mudanças ocorridas na arte e das novas maneiras de entender a arte dentro da educação.
Há certo tempo, arte era algo facilmente diferenciado do resto de todas as outras coisas.
Quando se entende arte com conceitos modernistas, é um “[...] conceito normativo, de acordo
com o qual a ‘boa arte’ é uma tautologia, visto que nada pode, ao mesmo tempo, ser arte e ser
ruim” (DANTO, 2005, p. 579). Ao se colocar diante da arte contemporânea, a distinção do que
é arte e das coisas comuns já não parece tão distintiva. Entra-se na “poesia do lugar-comum”,
como define Danto (2005, p. 582). A entrada no pós-modernismo define-se com o
esfacelamento da estrutura hegemônica de poder e a troca do universalismo na arte pela
74
preocupação com o contexto histórico. O objeto da arte desafia os cânones da arte e apropriase deles, as questões políticas invadem as produções artísticas e as minorias agora são incluídas
na arte e na produção da arte.
O processo de globalização no pós-modernismo modifica especialmente a representação
de tempo e de espaço. “Todo meio de representação – escrita, pintura, desenho, fotografia,
simbolização através da arte ou dos sistemas de telecomunicação – deve traduzir seu objeto em
dimensões espaciais e temporais” (HALL, 2011, p. 70). Os temas da arte no pós-modernismo
abrem-se para uma proposta híbrida de linguagens com tensões desestabilizadoras sobre os
sistemas, as instituições e as problematizações e sobre o entendimento do que é o conhecimento
histórico.
O momento que se pode visualizar como uma das primeiras transformações da arte, para
sua entrada na contemporaneidade, é quando o pluralismo historicista e a diversidade estilística
tomam forma dentro das produções contemporâneas que revisitam as Vanguardas. A arte
contemporânea, assim, é inclusiva - não nega a arte do passado, como a arte moderna, mas não
idolatra os cânones artísticos.
O artista contemporâneo provoca a “[...] voz ao inefável, e uma conformação tangível
ao invisível” (BAUMAN, 1998, p. 133). O objeto de arte é mais que sua voz ou sua forma, é
um convite ao processo de interpretar e criar significados para sua obra.
O artista pós-moderno não tem limites em seu repertório, pode utilizar tanto os estilos
quanto os elementos estilísticos eruditos do passado remoto ou recente, sem restrição
nenhuma, como também elementos populares ou de culturas minoritárias ou
regionais. Isso determina à arte pós-moderna, ao contrário da popart, uma total falta
de coesão estética, que é uma de suas características. (ARAÚJO, 2005, p. 263).
A arte pós-moderna caracteriza-se pela falta de coesão e de unidade estética,
característica da arte moderna e das Vanguardas. Há na individualidade dos artistas uma
proposta estética. Nessa mudança da arte, o público também altera sua participação/apreciação
diante das obras contemporâneas. Na arte contemporânea, não há esquemas orientadores a
priori. A fruição com a obra de arte pede mais do que a observação. Existiriam regras de
categorias para interpretar a arte contemporânea? Se as regras anteriores para o entendimento e
a produção de arte não fazem sentido para a arte contemporânea, a prática com a arte
contemporânea em sala de aula distancia-se, também, dos padrões de estéticas modernistas. As
análises das produções não permeiam questões da estética como o fazer “bonito” ou que
atendam aos anseios dos docentes sobre as qualidades das produções.
75
Quando o enfoque do docente é o trabalho mais clássico, o gosto das coisas mais
clássicas, bem feitinhas, caprichadas, os pequenos detalhes (Salete) é a educação tradicional
da continuidade das grandes narrativas e das representações generalistas do período modernista
de ensino que se mantém. Essa persistência da estética clássica está talvez na formação que a
gente teve (Salete). Em uma formação que contemple efetivamente o cenário da produção
contemporânea, abre-se para o pensamento contemporâneo “sobre o devir da arte” (PESSI,
2008, p. 74).
O estranhamento diante da obra da contemporaneidade distancia sua apropriação. Os
estranhos causam mal-estar, a sociedade moderna trata de duas maneiras seus estranhos
(BAUMAN, 1998). Ela utiliza duas estratégias de aniquilamento: assimilação, em que aglutina
as diferenças e promove a conformidade; ou a antropoêmica, em que os estranhos são colocados
a margem e impedidos de se comunicarem com os do lado de dentro.
As possibilidades de incluir o ensino da arte contemporânea permeiam as questões sobre
a aceitação dos docentes que se encontram em um campo de inquietações e questionamentos
mais do que de certezas e que a compreensão do contexto presente auxilia na assimilação da
produção artística contemporânea.
A reflexão estética, ao mesmo tempo em que provoca mudanças e questionamentos,
nos induz ao movimento de identificação. Trabalhar a identidade sob o viés da estética
cria possibilidade de ação, no ensino e na formação de professores, compatíveis com
o próprio movimento da arte contemporânea. (PESSI, 2008, p. 78).
O professor ao se provocar pela arte contemporânea descobre o novo, o diferente, o que
assusta, o que provoca e o que instiga, nessa descoberta ainda tem receio do novo, ainda prefiro
chegar até o moderno (Salete). Nesse movimento, percebe-se a importância de uma formação
estética que contemple essa produção. A vivência estética proposta nesta pesquisa talvez, após
este trabalho, esta conversa [referência à vivência estética com as imagens da arte
contemporânea utilizadas como tema], pode indicar a possibilidade de colocar um pouquinho
desse contemporâneo no currículo da gente, para vivenciar estas experiências novas com os
alunos, até porque eles têm o direito de conhecer o novo também (Salete). Nesse relato,
podemos perceber que a produção artística contemporânea é ainda estranha ao docente.
Na sociedade pós-moderna assume-se o caráter de que estranhos e minorias vieram para
ficar. “[...] os tempos pós-modernos estão marcados por uma concordância quase universal de
que a diferença não é meramente inevitável, porém boa, preciosa, e precisando de proteção, de
cultivo” (BAUMAN, 1998, p. 44). Em todos os contextos históricos, existe a presença dos
76
estranhos que não se encaixam na normalidade do momento e causam mal-estar na ordem e no
tolerável.
Se os estranhos são pessoas que não se encaixam no mapa cognitivo, moral ou
estético do mundo – nem desses mapas, em dois ou em todos os três; se eles, portanto,
por sua simples presença deixam turvo o que deve ser transparente, confuso o que
deve ser uma coerente receita para a ação, e impedem a satisfação de ser totalmente
satisfatória; se eles poluem a alegria com a angustia, ao mesmo tempo em que fazem
atraente o fruto proibido; se, em outras palavras, eles obscurecem e tornam tênues as
linhas de fronteira que devem ser claramente vistas; se, tendo feito tudo isso, geram a
incerteza, que por sua vez dá origem ao mal-estar de se sentir perdido – então cada
sociedade produz esses estranhos. Ao mesmo tempo em que traça suas fronteiras e
desenha seus mapas cognitivos, estéticos e morais, ela não pode senão gerar pessoas
que encobrem limites julgados fundamentais para a sua vida ordeira e significativa,
sendo assim acusadas de causar experiências do mal-estar como a mais dolorosa e
menos tolerável. (BAUMAN, 1998, p. 27).
A compreensão das ambivalências é necessária para o entendimento do cenário
contemporâneo. As subjetividades e as escolhas dos docentes definem quais valores atuam em
sua prática docente. O docente cria seu ato dentro da construção de um ensino de arte
contemporâneo, ele está entre as margens. “Estar ‘entre’ é estar no rio, nem margem direita nem
esquerda, nem só arte nem só educação. Estar no leito do rio é o lugar da ambivalência, da arte,
da simultaneidade necessária para a abertura isenta de preconceitos ao contemporâneo” (PESSI,
2008, p. 81). Entender arte passa pelo contato com ela. E nesse contato provocar a fruição diante
do objeto artístico. No sentido de expor-se à produção artística, pode-se articular a ideia de
globalização da cultura. O espaço e o tempo não implicam nas impossibilidades de conhecer as
produções culturais. Os sujeitos desta pesquisa articulam suas identidades no contato com as
intervenções culturais globais e com as suas identidades locais.
Como os docentes articulam as imagens globalizadas e as imagens midiáticas em suas
aulas é uma forma de pensar nas escolhas e no seu posicionamento crítico diante das imagens
contemporâneas. A mídia está aí para ser usada e não para usar você [...] eu imagino que você
deva entrar em contato com a realidade local (Juliano). A educação, na atualidade, convive
com interferências da mídia que, de alguma forma, procura homogeneizar o que se escuta, se
vê e o que se deve gostar. Ao inserir no ensino a arte que é produzida, mas não é massificada,
oportuniza-se novas opções para o gosto e para as escolhas. Nesse processo de possibilitar
novos olhares para o mundo por meio da arte, fomenta-se a reflexão acerca das temáticas da
contemporaneidade tratadas nas produções da arte na atualidade.
As redes sociais tornaram-se um acesso aos gostos e às subjetividades dos sujeitos,
divulgando preferências e tendências -pode me adicionar no Facebook e você pode ver, eu
77
tenho mais de três mil pessoas lá, a maioria aluno, toda hora eu estou olhando para ver o que
eles estão curtindo, o que eles estão “favoritando” (Juliano). Nesse meio, esse professor
constrói sua percepção sobre os alunos e de possíveis encaminhamentos para suas aulas. Se
antes eram os livros, as falas, hoje os caminhos virtuais abrem novas possibilidades de acesso
à cultura. A mídia traz muita coisa boa, um leque muito grande (Salete).
Entretanto, nem tudo o que se apresenta na mídia é aceito na escola. Por outro lado,
também é difícil incluir de forma efetiva as manifestações das minorias, que, em certas
circunstâncias, representam os estudantes. O que muitas vezes é bonito para o aluno, é bacana,
você não pode usar em sala de aula, por exemplo a questão do funk, do rap, nada contra, mas
o que para eles é maravilhoso para mim é a crítica pela crítica (Salete).Todas essas produções
contemporâneas bombardeiam os canais de televisão e as mídias, ou, em oposição a essa
exposição extrema, encontram-se, nos guetos das minorias, a tensão entre uma produção em
massa da cultura e da seleção do que será usado no ensino da arte, passando pela coragem de
tratar dos temas de forma crítica, procurando significados dentro das produções e do estudo da
própria qualidade artística. Não aceitar não basta, é preciso contextualizar essas manifestações
abordando questões sociais, estéticas e culturais, não apenas nos conteúdos “preferidos” dos
docentes mas naquilo que faz parte do convívio dos estudantes.
A identidade constitui-se de forma híbrida, inserindo mudanças constantes e com a
quebra do pensamento hegemônico. Inserir o olhar de cada um é dar espaço para todos os
olhares e socializar as diferenças e descobrir o “gosto” do outro. Essa fragmentação de
identidades é o que constitui o sujeito na atualidade. Saber lidar com os estranhamentos é um
dos passos para inserir a arte contemporânea e a arte das minorias em sala. Questionar o que se
escuta e o que se vê para dar autonomia de escolha e não ser domesticado pela cultura
dominante.
Na modernidade, a razão estava na negação das realidades transcendentais. Hoje a razão
é negada por seu comprometimento com o poder, a relação da razão com o poder a torna um
agente de repressão. Se no moderno a razão libertava o sujeito da religião, do estado e da
família, hoje ela reprime o sujeito “[...] quando o poder que oprime fala em nome dela e quando
ela é percebida como a única possível” (ROUANET, 1987, p. 16). Há um novo núcleo de
verdade para o racionalismo que “[...] exige uma razão capaz de crítica e de autocrítica para
não ser repressiva” (ROUANET, 1987, p. 12).
“O que para eles é maravilhoso para mim é a crítica pela crítica” (Salete). Essa é uma
oportunidade para a efetivação desse novo núcleo - o docente entender as vivências do
estudante, com a razão crítica para não ser repressiva, estender as compreensões dentro do
78
multiculturalismo e possibilitar a autocrítica sobre o campo cultural das produções artísticas da
qual esse sujeito faz parte. Ser repressivo é unicamente usar a racionalidade que o funk e o rap
não têm qualidade artística, por isso não deve estar na escola.
Os docentes e os estudantes estão em um cenário contemporâneo onde as imagens,
dentro das propagandas, do cinema, da mídia televisiva desconstroem e reconstroem sua vida.
Cauquelin (2005) aponta como uma das diferenças entre a arte moderna e a contemporânea a
mudança da arte do consumo para a comunicação.
No estado moderno, a arte é “[...] a característica de um período econômico bem
definido, o da era industrial, de seu desenvolvimento, de seu resultado extremo em sociedade
de consumo” (CAUQUELIN, 2005, p. 27). No estado da arte contemporânea, as mudanças nos
processos e nos caminhos tecnológicos da comunicação reformulam os princípios de sua
produção e de sua divulgação. “[...] o mundo da arte, como outras atividades, foi sacudido pelas
‘novas comunicações’; sofre seus efeitos, e parece leviano tratar esses efeitos como mutações
superficiais” (CAUQUELIN, 2005, p. 27, grifos da autora). Assim, a arte moderna é própria da
era industrial e a arte contemporânea como parte da era da comunicação.
Cauquelin (2005) analisa os suportes para esse movimento intenso de comunicação. Os
estudos dos efeitos desse movimento estão relacionados às representações dos sujeitos, à
ideologia dominante, à sua operação dentro deste mundo e ao espaço para as modificações desse
sistema dominante.
A linguagem exerce papel dominante na sociedade. Ao abrir olhares e discussões sobre
quais imagens são apropriadas e quais imagens apropriam-se dos indivíduos, estes libertam os
sujeitos para novas escolhas e posicionamentos frente à indústria de comunicação.
Se o mundo circundante tem para nós alguma realidade objetiva, é a construída pela
linguagem que utilizamos. Não podemos escapar a esse universo de linguagens. O que
significa, entre outras coisas, que o desenvolvimento de linguagens artificiais e o uso
cada vez mais generalizado delas alteram nossa visão da realidade. Constroem, pouco
a pouco, outro mundo. (CAUQUELIN, 2005, p. 64).
A arte contemporânea constrói-se também dentro dessas redes de comunicação. A
mudança no entendimento do que é arte na contemporaneidade afeta os docentes de arte em sua
prática em sala de aula e suas escolhas teóricas. Como estes se posicionam frente às novas
produções, às novas tecnologias e às mídias foi um dos focos desta pesquisa. Nas falas dos
sujeitos desta pesquisa, encontram-se as compreensões que esses docentes fazem frente à
produção artística e midiática contemporânea. Suas escolhas atribuem significados ao que
incluir. Eu gosto do contemporâneo, tanto que eu tenho procurado trabalhar mais os artistas
79
que estão aí hoje [...], porque é importante que a gente saiba sobre eles, do momento deles e
tudo, mas nó temos muitos artistas fazendo sucesso, que estão vivos e que interessam conhecer
(Luciana), ou, ainda, excluí-los de seus conteúdos e das práticas dos docentes.
A cena dos artistas que estão vivos veio dos estudantes que questionaram muito isso,
que a gente só estuda os que já morreram, por que professora? (Luciana). O significado da fala
dos estudantes “estudar quem já morreu” é estudar o que já não tem significado e não tem
representatividade para eles. Só estudar isso é distanciar a arte do cenário desses estudantes.
Não se trata de negar os períodos, movimentos e estilos anteriores, afinal é possível tratar de
temas contemporâneos com produções do renascimento. Não se trata de simplesmente
substituir conteúdos, mas de incluir os temas da arte contemporânea no ensino de arte, arriscarse nesta produção incerta e cheia de espaços para significações.
As questões do período pós-moderno ainda se apresentam incertas. Se durante um
período existiam as certezas expostas em blocos que se encaixavam, hoje o solo é o da incerteza
e do desencaixe. Essa vivência dentro das incertezas não é passageira. “O mundo pós-moderno
está se preparando para a vida sob uma condição de incerteza que é permanente e irredutível.”
(BAUMAN, 1998, p. 32).
Como expressão do que é o sujeito, é necessário entender o que Stuart Hall concebe
como identidade cultural na pós-modernidade. Para Hall (2011), a identidade do sujeito na pósmodernidade rejeita a unicidade e segurança do sujeito moderno.
Ao invés disso, à medida que os sistemas de significação e representação cultural se
multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante
de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao
menos temporariamente. (HALL, 2011, p. 13).
A identidade dos docentes é imersa na cultura contemporânea ou, se excluídos dessa
vivência, reproduzem suas práticas artesanais motivadoras, em alguns casos, de sua entrada no
ensino da arte. Porque eu sempre gostei de artesanato, dei aula de artesanato e isso me levou
a escolher [refere-se à escolha pela graduação em Arte], comecei a estudar arte, como eu já
fazia artesanato juntei os dois (Cecília).A motivação para a arte veio do contato com o
artesanato e agregam novas descobertas dentro de sua formação acadêmica, pois eu sempre
gostei de artesanato [...] e eu sempre gostei muito de história, eu tenho até a intenção de fazer
futuramente uma especialização em história da arte, porque agora é a parte que eu gosto da
arte (Luciana).
Essa vivência com o artesanato, algumas vezes, é o movimento inicial para a entrada na
docência em arte. É poético entender esse fazeres especiais como potencialmente artísticos, sem
80
a visão preconceituosa de minoridade do artesanato frente às produções eruditas. A artista
Mônica Rubinho descreve com sensibilidade seu envolvimento com o artesanal.
Arte é um tipo de linguagem.
Minha influência mais sincera vêm do fazer artesanal.
Do convívio familiar com o desenvolvimento de trabalhos manuais como
costura, bordado e marcenaria.
(RUBINHO, 2001, p. 182).
Outras identidades docentes ingressam no ensino da arte por meio do acesso à formação
em programas governamentais que promovem a formação de docentes que não eram habilitados
e pela oferta de vagas para a área de Arte. Questões do mundo do trabalho articulam-se com as
escolhas; assim, resolvi fazer arte pela falta de professores habilitados nessa área e pela
existência de muita vaga [...] consegui fazer artes através do programa Magister. Por que fiz
artes? Porque eu gosto e foi oferecida essa grande oportunidade, houve uma grande economia
para mim, minha mãe jamais teria condições de me oferecer uma graduação (Salete).
A arte como trabalho, como oportunidade de emprego. Para Salete, a arte teve uma
utilidade prática, é necessária para sua sobrevivência. Existe, nesse contexto, espaço para o
sensível? Cidio Martins (2001), artista plástico, responde a essa provocação com sua definição
do que é a arte.
Arte é trabalho.
Ele pode estar materializado em objetos utilitários
Ou objetos que causem prazer,
ou ainda objetos que informem
ou formem ideias,
Dialoguem com o meio,
eduquem.
Arte é saber fazer.
(MARTINS, C., 2001, p. 165).
Os sujeitos desta pesquisa sensibilizaram-se com a arte em algum momento de suas
vidas. Suas motivações são motivações sensíveis pela arte. O artesanato é a cultura popular.
Dessa forma, nos relatos que revelam motivações ligadas ao artesanato, percebe-se a
importância dos fazeres especiais, mencionados na estética do cotidiano, para incluir a arte no
cotidiano dessas professoras. Incluir a arte na vida de sujeitos, fazer perceber que a vida é plena
com a arte.
81
Os estudantes estão expostos a imagens e a sons que, pretensamente, querem representar
os sujeitos e vender uma representação da felicidade pelo consumo. Os docentes não podem
negligenciar seu papel em tornar a atual proposta de representação da realidade temas das aulas.
Uma educação com posicionamento crítico implica o questionamento do que é
formulado pelo mercado cultural como arte. Fomentar dúvidas e questionamentos sobre o que
se vende como arte e cultura, sobre o que representam as subjetividades e os sujeitos dentro da
produção cultural contemporânea. “Isso tem a ver com o reconhecimento das artes como uma
forma de questionamento crítico-cultural, que pode levar à tomada de decisões morais”
(EFLAND, 2005, p. 185).
Hall (2011) evidencia cinco movimentos no período da modernidade tardia que não
simplesmente fragmenta o sujeito, mas o desloca. A primeira descentração refere-se ao
pensamento marxista com o deslocamento entre a essência universal do homem que é alojada
em cada sujeito individual. O segundo descentramento surge com a descoberta do inconsciente
de Freud. O terceiro é associado à linguística. O quarto é vinculado ao poder disciplinador no
trabalho de Foucault. O quinto aparece com os movimentos feministas. Para este estudo, o foco
utilizado é o terceiro - descentramento. Essa escolha acontece pela metodologia de análise, das
narrativas dos professores, cujas falas e registros dos atores são amparados pela fundamentação.
Nós podemos utilizar a língua para produzir significados de nossa cultura. A língua é
um sistema social e não um sistema individual. Ela preexiste a nós. Não podemos, em
qualquer sentido simples, ser seus autores. Falar uma língua não significa apenas
expressar nossos pensamentos mais interiores e originais; significados que já estão
embutidos em nossa língua e em nossos sistemas culturais. (HALL, 2011, p. 40).
Nas narrativas contemporâneas, há um espaço no qual outras pessoas podem relacionarse. É o espaço da relação do sujeito com a obra. Um espaço de encontros e desencontros que
procura por meio das falas uma identidade, mas sempre no campo das diferenças - sempre no
cenário de significados suplementares, local onde não há controle total.
Nesse movimento de busca por identidades que expressem verdades e diferenças que
questionam unanimidades, pode-se alinhavar a ideia de “tradução”. Esse caminho assimila a
tradição, mas, nesse processo de dar espaço às influências, assimilam-se novas identidades
culturais, marcadas por diferentes memórias e histórias.
As pessoas pertencentes a essas culturas híbridas têm sido obrigadas a renunciar ao
sonho ou a ambição de redescobrir qualquer tipo de pureza cultural “perdida” ou de
absolutismo étnico. Elas são irrevogavelmente traduzidas. A palavra “tradução”,
observa Salman Rushdie, “vem, etimologicamente, do latim, significando
“transferir”; “transportar entre fronteiras”. (HALL, 2011, p. 89).
82
Ao pensar-se na arte contemporânea como proposta de hibridação entre as linguagens,
ela seria uma maneira de solicitar que o professor de arte também tenha uma formação híbrida
ou polivalente. Poder-se-ia arriscar a entender essa mistura de linguagens ou isso se apresentaria
como mais uma dificuldade de tratar a arte contemporânea na educação. Eu jamais vou permitir
que um aluno saiba que eu não domino determinado conteúdo, jamais (Salete). Contudo, é
impossível ter todas as definições e as clarezas na produção contemporânea.
Como entender a arte na contemporaneidade se a novidade já não se liga à revolução?
As inovações não equivalem ao progresso e a rejeição da novidade não se liga necessariamente
ao obscurantismo e à reação?
O julgamento da obra contemporânea, ao não obedecer regras tradicionalmente
concebidas ou não generalizar padrões de estética a priori, oferece espaço para o inesperado.
Olhar da janela e encontrar algo que não se esperava.
A arte contemporânea parece preocupar-se, mais do que qualquer coisa, em desafiar,
raptar e derrubar tudo o que a aceitação social, o aprendizado e a formação
solidificaram em esquemas de “necessária” conexão; é como se todo o artista, e toda
obra de arte, lutasse para construir uma nova obra de arte privada, esperando e
desesperando convertê-la numa linguagem consensual e genuína, isto é, dentro de um
veículo de comunicação – mas retrocedesse em pânico num novo deserto, ainda não
domesticado pela compreensão, no momento em que o sonho chega perto de sua
realização. (BAUMAN, 1999, p. 132).
Após a criação da obra não existem regras de leitura. A obra do artista pós-moderno é
um esforço heroico de dar voz ao inefável, uma conformação tangível ao invisível. É, também,
uma demonstração de que é possível mais do que uma voz ou forma e, desse modo, é um
constante convite a unir-se no incessante processo de interpretação, que também é o processo
de criação de significado (BAUMAN, 1998, p. 134).
Todo esse processo de mudança na arte contemporânea no pós-modernismo transforma
o ensino da arte. Por que essa mudança é um desafio para os docentes de Arte? Efland (2005)
apresenta quatro diferenças entre o docente que se propõe a seguir o enfoque moderno do ensino
da arte e aquele que procura caminhos pós-modernos para o seu ensino. Os desafios que Efland
levanta podem identificar as escolhas que os docentes fazem em sua vivência dentro da prática
docente.
O primeiro desafio é entender o que é o objeto de arte na contemporaneidade. No
período moderno, arte era produzida por pessoas com talento e habilidades para fazer arte.
“Uma arte-educação baseada nessa visão enfatizaria o estudo de trabalhos que reivindicam ter
um grau de excelência definido, tanto pela sua originalidade, quanto pela pureza de sua
83
composição formal” (EFLAND, 2005, p. 177). Nas aulas de arte, os alunos eram encorajados a
serem originais em seus fazeres artísticos.
O entendimento de agregar o não erudito como objeto de arte à pós-modernidade abre
campo de apreciação do que é arte. Abre o campo dos conteúdos a serem possíveis nas aulas.
Uma arte-educação pós-moderna enfatiza a habilidade de se interpretar obras de arte
sob o aspecto do seu contexto social e cultural como principal resultado da instrução.
Isso é válido não apenas para a supostamente séria, a arte erudita, mas também para
as tendências e impactos da cultura popular e cotidiana. (EFLAND, 2005, p. 177).
Quando a arte traz manifestações culturais diversas para seu campo de leitura, ela
possibilita a crítica e o contato com as produções da cultura contemporânea.
A segunda diferença de postura diante da obra de arte é de que, para os modernistas, o
progresso da arte é o progresso da civilização. Os pós-modernos não precisam enfatizar a
produção artística recente. A arte do passado é referência para a produção atual. Nenhuma
manifestação, tanto do passado quanto do futuro, é consagrada como unânime ou é
reverenciada. O ensino da arte com propostas cronológicas como pressuposto de evolução da
arte não existe no pós-modernismo.
O terceiro ponto diverso é que a arte-educação no período moderno tinha a intenção de
aproximar o público das novas manifestações da expressão pela arte. Entretanto, havia recusa
dos professores em “[...] ensinar as técnicas tradicionais do realismo, impondo uma instrução
baseada nos elementos da composição” (EFLAND, 2005, p. 178). No período modernista, as
Vanguardas eram entendidas como uma evolução diante do realismo.
Os professores com posicionamento pós-moderno entendem o objeto da arte em seu
contexto cultural, abrangem, como exemplo, a cultura popular e folclórica. Nessa ampliação, o
cuidado faz-se nas escolhas dos professores, a seleção deve ter rigor metodológico e objetivos
claros. O realismo retorna no pós-modernismo como manifestações midiáticas e relaciona-se
com o universo de símbolos sociais e culturais.
O quarto e último ponto de diferença entre o ensino de arte com enfoque moderno e o
foco pós-moderno faz-se nas ideias sobre universalidade. Para o ensino moderno, a arte era
regida por leis universais aplicáveis a qualquer forma de produção artística em qualquer cultura.
O enfoque pós-moderno realça a pluralidade de estilos e de leituras. “Rejeitam a universalidade
da estética formalista, afirmando que obras de arte não podem ser compreendidas somente por
meio de elementos formais, mas que requerem um bom conhecimento do seu contexto cultural”
(EFLAND, 2005, p. 179).
84
O que não se altera em relação à função da arte nos períodos moderno e pós-moderno é
a função de representação das artes e que as “[...] artes são importantes pedagogicamente porque
espelham essas representações de forma a que possam ser percebidas e sentidas” (EFLAND,
2005, p. 183).
Se a construção da realidade continua a ser a missão das artes, o propósito da arteeducação, então, é contribuir para o entendimento dos panoramas social e cultural
habitados pelo indivíduo. As crianças do amanhã precisam das artes para capacitá-las
a compreender e a comunicar-se com os termos de sua sociedade, para que elas
possam ter um futuro nessa sociedade! (EFLAND, 2005, p. 183).
O que ensinar com o fim da arte? Arthur Danto (2006) esclarece que “o fim da arte” fazse pelo fim das grandes narrativas mestras da arte. Dessa mudança exige-se uma transformação
na ideia de pensar arte e pensar em formas de como tratá-la institucionalmente. Uma história
havia sido encerrada. Esgotou-se a ideia do progresso pelo tempo, das estruturais universais da
arte, das narrativas hegemônicas e dos patrões estéticos. A morte da arte abriria uma nova etapa
da história. “O que havia chegado a um fim era a narrativa, e não o tema da narrativa” (DANTO,
2006, p. 5).
O que ensinar então? Ensinar que a arte contemporânea não nega a arte do passado.
Todo artista contemporâneo pode revisitar a arte do passado. Entender que o “[...] espírito
contemporâneo foi formado no princípio de um museu em que toda a arte tem seu devido lugar,
onde não há critérios a priori sobre que aparência a arte deve ter [...]” (DANTO, 2006, p. 7).
Além disso, entender a arte contemporânea como momento de liberdade estética, estar atento
às impossibilidades de trabalhar dentro de narrativas mestras e compreender as impurezas e as
hibridizações.
Danto (2006) reflete sobre a arte pop como uma forma de problematizar a aparência da
obra de arte e as “coisas” do cotidiano na contemporaneidade.
E a arte conceitual demonstrou que não era preciso nem mesmo ser um objeto visual
palpável para que algo fosse uma obra de arte visual. Isso significava que não se
poderia mais ensinar o significado da arte por meio de exemplos. Significava que, no
que se refere às aparências, tudo poderia ser uma obra de arte e também significava
que, se fosse o caso de descobrir o que era a arte, seria preciso voltar-se da experiência
do sentido para o pensamento. Seria, em resumo, preciso voltar-se para a filosofia.
(DANTO, 2006, p. 16).
No fim, a arte passa a ser pensada pela filosofia. “Em que uma obra de arte pode consistir
de qualquer objeto a que se atribua o status de arte, suscitando a pergunta ‘Por que sou uma
85
obra de arte?’” (DANTO, 2006, p. 17). Arte não é mais definida por sua materialidade, mas
sobre o pensar sobre ela como arte.
Pensar no ensino da arte moderna ou pós-moderna, no bifurcar da ordem e da desordem
e em quais estados os docentes fundamentam-se, não é a troca de um por outro. É um
movimento de conversação e de transição. O essencial é perceber a arte presente no cotidiano,
com a inclusão da arte popular, da diversidade e “[...] entender que a arte não se diferencia da
realidade, mas sim faz parte dela” (PESSI, 2008, p. 83).
Toda essa transformação da arte, da maneira de ensiná-la, e as novas formas de tratar os
temas da arte contemporânea serão tratados no próximo capítulo. O capítulo abordará as
percepções dos sujeitos da pesquisa acerca da passagem do moderno para o contemporâneo, o
tempo, o espaço, a memória, as micropolíticas, as narrativas na arte e as identidades em seus
registros no diário coletivo e nas suas narrativas.
86
Obra de Georgia Vilela (VILELA, 2010).
87
4 ENTREATO – O INTERVALO ENTRE UM ATO E OUTRO
As múltiplas provocações do ensino da arte contemporânea, as quais perpassam espaços
físicos e emotivos, que atribuem respostas complexas ou rasas frases que não provocam mas
remetem ao estado de acomodação do que se faz diante dos temas da arte contemporânea, são
a intenção deste capítulo. Tratar dos temas da arte contemporânea passa por redes interligadas
que parecem falar de coisas que não existem para os sujeitos, mas como na imagem de Georgia
Vilela (ver página anterior) ressignificam-se ao misturar-se.
Entreato, no intervalo entre os escritos dos atores e seus registros em um diário coletivo,
irá abordar as propostas da arte contemporânea que foram organizadas em seis pequenos livros
de Kátia Canton (2009a). Os temas foram pesquisados dentro do que se produz na arte
contemporânea brasileira e permeados por análises de autores e pesquisadores da arte
contemporânea. Este capítulo trata, assim, dos temas que são apropriados pela arte
contemporânea com a intenção de pensar nas possibilidades de serem os protagonistas nas aulas
de arte. Deseja-se, dessa forma, delicadamente, tentar indicar enredos para novas propostas de
temas e olhares sobre a contemporaneidade no ensino da arte.
Os dados que estão neste capítulo foram retirados das entrevistas e de um diário coletivo
que foram respondidos pelos sujeitos da pesquisa que, provocados a pensar no assunto,
responderam aos questionamentos por meio da linguagem escrita ou de imagens sobre as
temáticas da arte contemporânea fundamentadas por Kátia Canton (2009a).
Em seis pequenos livros em modelo de livro de bolso, Kátia Canton trata dos “[...]
desdobramentos da arte contemporânea e o mundo atual” (CANTON, 2009b, p. 9). Esses livros
são de baixo custo e procuram fazer uma mediação entre as produções contemporâneas, suas
teorias e seus artistas e os leitores, os professores, os alunos e os educadores. A utilização desses
livros delimitaram o campo de interesse sobre a arte contemporânea. Foram dois os motivos
para serem escolhidos: por tratarem da arte contemporânea brasileira; e para dar foco aos temas
que seriam pesquisados. São livros de fácil leitura que trazem as reflexões sobre os
entrelaçamentos Do Moderno ao Contemporâneo (2009b), Narrativas Enviessadas (2009c),
Micropolíticas (2009d), Corpo, Identidade e Erotismo (2009e); Tempo e Memória (2009f) e
Espaço e Lugar (2009g). A análise das narrativas dos sujeitos diante desses temas procura
entender sobre o entendimento desses sujeitos do que se ensina em arte e de outras
possibilidades de conteúdos e formas de ensinar arte incluindo a arte contemporânea.
Este capítulo é composto por fundamentos acerca das temáticas apontadas por Canton
articuladas às narrativas dos sujeitos da pesquisa e sobre os dados coletados no diário coletivo.
88
Nesse sentido, estão presentes dados coletados na entrevista e no diário coletivo (ver Apêndice
A) escrito pelos professores. Nesse último instrumento de coleta de dados, não houve
identificação dos sujeitos. Para o diário coletivo, houve provocações sobre as seis temáticas
com fragmentos de textos e artistas retirados dos livros de Canton (2009a) e questões relativas
a eles. Os sujeitos poderiam escrever ou trabalhar com imagens. As imagens e os textos
presentes no diário foram costurados com a fundamentação teórica. A intenção foi perceber de
que maneira os sujeitos desta pesquisa confrontaram-se com os temas abordados pela arte
contemporânea e como eles perceberam os temas contemporâneos em suas práticas no ensino
da Arte.
O professor e os estudantes são o público diante das produções em arte contemporânea
– é um público que está:
Pouco preparado para esse entendimento, o público parece contar com o acúmulo de
suas experiências, com um certo hábito, com seu olhar ‘tarimbado’, e observa tudo
que lhe é apresentado para tentar aplicar um julgamento estético, ou, na falta dela,
poder ao menos ‘se encontrar’. (CAUQUELIN, 2005, p. 9).
O professor na qualidade de estudante de arte ou como professor-artista é um público
diferenciado. Seu envolvimento e sua exposição à arte contemporânea deveria fazer parte de
sua formação continuada. Entende-se que o cenário da arte contemporânea não é estagnado,
necessita de constante atualização, procura pelo que se produz e as novas proposições surgem
como possibilidades de novos temas e olhares para o que se trabalhar no ensino da arte.
A seguir, tratar-se-á individualmente de cada proposta para a arte contemporânea. O
início traz a reflexão sobre a passagem Do Moderno ao Contemporâneo (2009b), seguindo para
as temáticas Narrativas Enviessadas (2009c), Espaço e Lugar (2009g), Tempo e Memória
(2009f), Micropolíticas (2009d) e Corpo, Identidade e Erotismo (2009e).
A primeira reflexão sobre o que se produz em arte hoje e as mudanças nesse processo é
entender a passagem do moderno para o contemporâneo.
4.1 DO MODERNO AO CONTEMPORÂNEO
Entendendo que o período moderno da arte é intensamente trabalhado nas aulas de arte,
os professores sujeitos desta pesquisa foram questionados sobre se eles vão além desse período
e tratam da arte contemporânea em suas aulas, estabelecendo possíveis relações entre as
produções de diferentes períodos da arte, e quais as imagens modernas que marcam esses
professores.
89
Nas entrevistas, uma professora (Luciana) afirmou gostar do contemporâneo, trabalhar
mais os artistas que estão aí [...], é importante que a gente saiba sobre eles. Os outros três
professores afirmam ser uma tendência trabalhar até o Modernismo, por questão de olhar e
das referências (Salete). Outra justificativa para o trabalho até o Modernismo é ter muita
literatura escrita, muita coisa, muita coisa [...] então é conveniente para o professor chegar
até o modernismo que tem muita coisa escrita (Juliano). Essa disponibilidade de material
didático sobre o Modernismo na arte facilita sua entrada nas aulas de arte.
O instrumento da investigação sobre a passagem do moderno para o contemporâneo na
arte foram as imagens que eram referência para os professores. As imagens das figuras 5 e 6 a
seguir indicam quais imagens do modernismo foram registradas pelos professores pesquisados.
Figura 518 - Diário coletivo: Do moderno ao
contemporâneo 19
Figura 6 -Diário coletivo: Do moderno ao
contemporâneo20
Fonte: Dados da pesquisa: Diário coletivo.
18
As imagens presentes neste capítulo foram retiradas do diário coletivo (Apêndice A). Esse material foi utilizado
como forma de coleta de dados. Nele questões relativas à arte contemporânea instigavam os sujeitos da pesquisa
a responder por meio de imagens ou de textos. O diário ficava cerca de duas semanas com cada um dos quatro
participantes.
19
Transcrição do texto: “O expressionismo! Movimento artístico e literário que se caracteriza pela expressão. Não
tem preocupação com a beleza. A obra ‘O grito’, de Edward Munch, vem caracterizar tão fortemente o movimento.
Enfoque pessimista. Angústia, ruptura com a ilusão. Denunciar problemas sociais”.
20
Transcrição do texto: “A Vanguarda foi muito importante para o desenvolvimento da arte moderna no Brasil.
Inicia a total liberdade de criação, de cada modo de expressar, de cada estilo e temática, de cada pintura ou
escultura”.
90
A escolha da imagem de O Grito e do cartaz da Semana de Arte Moderna mostram a
importância do Expressionismo e do Modernismo Brasileiro como representação da ideia de
moderno na arte. O sujeito desta pesquisa, no texto, associa a liberdade de expressão em
contraponto à preocupação com a beleza nas obras de arte, ponto de mudança em relação às
produções anteriores da arte. Outras questões que representam esse movimento, expostas no
texto desse sujeito, são a ruptura com a produção de ilusão da realidade. A partir desse ponto,
a arte pode envolver-se com os problemas sociais, pois alguns pintores estão em consonância
com os acontecimentos sociais. Ao colocar essa imagem, compreende-se a importância da
“autoexpressão” no período moderno, na arte e em seu ensino.
A grande conquista da modernidade, contudo, foi a valorização da expressividade mas
que, vista isoladamente, não supre os pressupostos pertinentes ao ensino de artes da
atualidade. Hoje é necessário que sejam desenvolvidas a especificidade das
linguagens, a interpretação de imagens, a elaboração expressiva de trabalhos,
congregando os contextos cultural, espacial e temporal da sua criação. (CAPRA,
2007, p. 39)
A expressão como objeto de arte em contraponto à técnica com a premissa da beleza e
do “bem feito” aparece nesse período da arte e dá liberdade para o ensino da arte pesquisar e
avaliar as questões do processo de criação mais que o resultado final. Então quando eu vou
montar uma aula, vai ter a prática, a produção então eu penso primeiro no processo, eu acho
mais importante o processo de criação do que o produto final em si (Juliano).
O outro professor articula a imagem e o texto entre os movimentos de Vanguarda e a
Semana de Arte Moderna no Brasil, também incluindo a ideia da liberdade de criação e de
expressão. Outras referências artísticas são citadas21 nos textos do diário coletivo e sinalizam
os artistas modernos que são apresentados nas aulas de arte:
21
As caixas de textos neste capítulo são trechos escritos dentro do Diário Coletivo. Foram inseridas desta maneira
para diferenciá-las das falas dos sujeitos durante a entrevista.
91
• Eu opto por trabalhar com imagens do modernismo
brasileiro no Ensino Fundamental e no Ensino Médio
e amplio para as vanguardas europeias. Entre as
imagens que utilizo cito: as pinturas e gravuras de
Lasar Segall; as pinturas de Anita Malfatti; pinturas
de Guignard; pinturas de Cândido Portinari; Vik
Muniz; Pablo Picasso; pinturas de Frida Kahlo;
pinturas de René Magritte; ready-mades Marcel
Duchamp.
Diário coletivo
Entre eles estão os modernistas brasileiros Lasar Segall, Anita Malfatti e Cândido
Portinari. Ter uma compreensão abrangente do modernismo no Brasil vai além da compreensão
de artistas engajados em uma proposta nacionalista de fazer arte. Entender o modernismo é
conhecer artistas que também ficaram a margem das obras mais divulgadas do período
(CHIARELLI, 2002, p. 47). O projeto do Modernismo no Brasil é uma mistura entre a
influência das Vanguardas Artísticas Europeias e a “[...] experiência de ter se constituído num
clima estético de total refluxo” (CHIARELLI, 2002, p. 47). O resultado é um projeto realista
com influências das vertentes da Vanguarda. Os artistas da corrente principal do modernismo
são: Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Lasar Segall e Portinari, que, apesar de suas diferenças,
são unidos porque parte de seu repertório está relacionado à realidade do país.
Anita Malfatti é uma das artistas modernas marginalizadas, apesar de ter suas obras
reconhecidas no ensino da arte. A pintora teve uma fase modernista de influência das
Vanguardas, mas, de sua obra produzida entre 1917 e 1964, tem-se uma obra “[...] pautada por
um estrito retorno a uma visualidade anterior às Vanguardas, [...] negligenciada pela crítica
modernista” (CHIARELLI, 2002, p. 48). É pertinente pensar, diante dos artistas citados, como
são apresentados as obras e os artistas dentro de características definidas a priori ou como obras
e sujeitos com possibilidades de mudança e com variáveis dentro de sua produção.
Vik Muniz é um artista contemporâneo que aparece no texto deste professor inserido no
contexto do moderno. As fotografias de Vik Muniz retratam obras que utilizam diferentes
materiais: comida, algodão, poeira, entre outros. O artista propõe na fotografia as questões sobre
a representação da realidade. “Suas imagens suscitam, no espectador, a sensação de estranheza
92
e o questionamento da fotografia como reprodução fiel da realidade” (PERUZZO, 2009, p. 4).
Que análise se faz de Vik Muniz? Existem possibilidades de leituras? O que as fotografias
representam? Como faz uso dos materiais? Como é a técnica da fotografia? Qual é o poder da
imagem? Como seria ver a obra em seu contexto real e por meio de reproduções? O que
precisamos saber antes de ver as obras? (PERUZZO, 2009). É interessante que o professor
entenda possibilidades de leituras e releituras de obras independentemente de qual período estão
inseridas, com possibilidade de um olhar contemporâneo em uma proposta de ensino da arte
articulado ao cenário artístico atual.
Frida Kahlo aparece também na entrevista com a professora Luciana. Ela narra que ao
trabalhar com eles a Frida, que delícia que foi, eles ficaram fascinados, apaixonados, mostrei
o filme, eles assistiram ao filme, foi muito bom. Fizemos um trabalho de autorretrato inspirados
nela. A artista teve uma vida de percalços e encontrava na pintura uma forma de expurgar seu
sofrimento, principalmente em autorretratos, buscando a compreensão de si. Frida provoca o
pensamento sobre quem se é. Provoca a pensar sobre a identidade a partir da arte. A definição
de Bauman (1998) de identidade é retomada aqui para entender como necessária a condição do
jovem de compreender suas escolhas como escolhas próprias ou escolhas que podem ser sociais,
culturais ou econômicas; que a arte é também percepção de si, do outro ou de um grupo; e
entender que ao estudar a obra de um artista nela apresenta-se sua identidade.
Pablo Picasso e Magritte retomam as questões sobre o movimento das Vanguardas
Artísticas. As Vanguardas Artísticas trazem a ideia de “melhor” arte, aquela de expressão
pessoal pura, em um movimento que preconiza a ruptura com o que estava sendo feito em arte.
A compreensão sobre o movimento é importante para entender o início das mudanças que
aconteceram no decorrer da história para chegar à arte contemporânea. O surgimento de novas
categorias da arte, como Op-Art, Land-Art, Body-Art22, entre outras, seriam desdobramentos
das Vanguardas Artísticas da primeira metade do século XX (CAUQUELIN, 2005).
Em relação ao uso de imagens em uma concepção moderna do ensino da arte, o objetivo
do trabalho envolvendo Picasso e Magritte seria, por exemplo, identificar a qual estilo ou
período pertence determinado quadro - a tônica seria a análise formal da obra. Na
contemporaneidade, esse objetivo é insuficiente. Segundo Efland (2005, p. 180), no ensino pós-
22
Esses três movimentos contemporâneos da arte surgiram inspirados na liberdade das Vanguardas Artísticas. Os
artistas da Op-art pesquisam as percepções dos olhos sobre o plano e seus efeitos ópticos possíveis, com propostas
de ilusão possíveis de se fazer em uma superfície plana. Na Land-art a natureza é o local da arte. Na Body-art o
corpo é o meio de expressão, o suporte em que o artista faz sua intervenção. Percebe-se que não é representar o
corpo ou a natureza, mas interagir com esses suportes. Para saber mais sobre esses movimentos, indica-se o livro
de Michel Archer - Arte contemporânea: uma história concisa -, da editora Martins Fontes.
93
moderno da arte, “[...] o estudo deveria dar destaque à crítica, dando possibilidade aos alunos
para levantarem questões pertinentes”. Potencialmente as obras dos dois artistas apresentam
características de entender possibilidades de, por meio da linguagem visual, criar expressões
artísticas. Para além desse estudo, as obras dos artistas citados oferecem aberturas de análise do
período entre guerras, das diversidades étnicas, do hibridismo, entre inúmeros olhares possíveis.
O último artista citado no fragmento é Duchamp com seus ready-mades23. Cauquelin
(2005) chama o artista de embreante - uma figura que antecipa a arte contemporânea. O termo
refere-se a posição de transição da produção de um regime de consumo da arte para um regime
de comunicação. Duchamp ao afirmar que objetos podem ser obras de arte fortalece a intenção
de vir a ser arte. O valor não está na obra em si, mas no lugar onde é mostrada, “[...] o lugar de
exposição torna os objetos obras de arte. É ele que dá valor estético a um objeto, por menos
estético que ele seja” (CAUQUELIN, 2005, p. 94).
Os artistas modernos iniciaram a mudança nas percepções sobre o que seria a arte a
partir do início de século XX. O modernismo é uma herança para a arte contemporânea.
Ao mesmo tempo em que uma nova sensibilidade é instaurada, incitando uma
preocupação conceitual, pessoal e intimista, preocupada com narrativas, mensagens e
sentido, uma herança modernista, que busca o entendimento e o controle de aspectos
formais sofisticados não foi rejeitada pelos artistas da geração 90/2000. [...] legados
das preocupações modernistas, por sua vez incorporados pela nova geração e somados
a uma inquietude conceitual e uma busca de sentidos que se infiltram nas novas e
complexas realidades do mundo contemporâneo. (CANTON, 2001, p. 80).
Dentro desses recortes de temáticas, a contextualização da arte contemporânea articulase ao sujeito, à arte, à cultura e ao comportamento. Em uma sociedade imersa em excessos (de
consumo, de imagens e de possibilidades de acesso à comunicação), a arte apresenta-se como
mercadoria do sistema de arte. Esse mercado tenta, de alguma forma, padronizar o que é arte.
No entanto, a definição do que seria arte na atualidade aparece como sugestão à tentativa de
digerir a morte do que se entendia por arte. Essa mudança permeia as produções, envolve os
locais de acesso à arte e o entendimento não mais do que é arte, mas de qual o significado dessa
arte para os atores.
Nos fragmentos de texto a seguir, a obrigatoriedade da cronologia do ensino da arte
mostra-se vinculada ao entendimento de “evolução” da arte, o entendimento de que a arte
“Em 1913, Duchamp apresenta os primeiros ready-mades, Roda de bicicleta; anos depois, em 1917, Fonte, no
Salão dos Independentes de Nova York. Ele deixou o terreno estético propriamente tido, o ‘feito à mão’. Não mais
a habilidade, não mais o estilo – apenas ‘signos’, ou seja, um sistema de indicadores que delimitam os locais.
Expondo objetos ‘prontos’, já existentes e em geral utilizados na vida cotidiana, como a bicicleta ou o mictório
batizado de fonte, ele faz notar que apenas o lugar de exposição torna esses objetos obras de arte.” (CAUQUELIN,
2005, p. 93, grifos da autora).
23
94
produzida anteriormente (mais antiga) é inferior às produções posteriores (mais recentes). Ao
romper a cronologia, surgem possibilidades de interconexões entre períodos da arte, artistas e
temáticas, um ensino da arte voltado à cronologia, pode limitar a possibilidade de interconexão
entre produções de diferentes períodos.
• Considero que a linearidade cronológica
pode transmitir uma ideia de arte como
evolução, ou seja, provocar o
entendimento de que a arte produzida
anteriormente (mais antiga) é inferior às
produções posteriores (mais recentes).
Além disso, considero que manter um
ensino de arte voltado à cronologia, pode
limitar a possibilidade de interconexão
entre produções de diferentes períodos.
Diário Coletivo
Não se fala mais da evolução da arte e, nesse sentido, a melhoria da técnica, de quanto
mais bem feito melhor, já não corresponde à qualidade e ao valor estético do objeto de arte. Ao
entender esse processo, o professor adquire autonomia em suas escolhas, interligando períodos
e movimentos em um passeio pela arte. Além disso, é preciso compreender que, na atualidade,
a linguagem da arte é híbrida, misturada e impura; e, também, é necessário encarar o desafio de
caminhar por caminhos incertos, onde não existem barreiras de linguagens e de suportes e a
busca pelo “trabalho bem feito” não é o fim da produção. Entender as possibilidades da mistura
das linguagens é entender um dos temas da arte contemporânea.
Nessa mistura entre linguagens a experiência com arte por meio da mídia, da internet e
do contato cotidiano cultural traz a mudança de conceito de arte universal e pura tendo como
produto a obra de arte com definições clássicas de padrões de estilo. Essa alteração do
entendimento do que é arte inicia-se com o readymade de Duchamp e a arte conceitual24, que
incorporaram os processos da produção em arte como tão importantes quanto o seu produto
final - sendo arte aquilo que se define como arte.
24
Na arte conceitual, dá-se o divórcio entre a estética e a atividade artística. Arte se torna o que é designado como
arte, independente do material, do suporte ou de ser feito a mão ou já existente, “são os locais de intervenção da
obra que estão agora em questão” (CAUQUELIN, 2005, p. 134).
95
Falar da contemporaneidade é falar de algo que não existe. Não existe enquanto
consenso, mas existe materialmente. Sem esse consenso do que ensinar, as escolhas não partem
da necessidade de serem universais, entretanto significativas para os sujeitos envolvidos.
Embreante, definição de Cauquelin (2005), talvez sirva para o professor que decidir enveredar
pelo ensino e contato com o que se apresenta hoje como arte.
Outra mudança no entendimento da materialidade da arte advém do mundo da
tecnologia que transporta um campo até então virtual para um mundo real. As revoluções da
tecnologia fazem parte de nosso dia-a-dia. Essa mistura da vida real com possibilidades de
acessos irrestritos à vida do outro, a um novo entendimento de espaço e tempo é que tecem uma
rede complexa em nosso mundo cotidiano. Os artistas contemporâneos participam dessa vida,
não mais transcendental como no modernismo, mas com suas vivências dentro de um lugar com
excessos, com questões de gênero, com a política, com o outro e com si próprio. Essa arte,
assim, adquire um aspecto literal, com histórias e redes de narrações não cronológicas em
narrativas enviesadas.
4.2 NARRATIVAS ENVIESADAS
Os temas da arte contemporânea necessitam de uma compreensão além da esfera
artística, permeiam questões da Sociologia e da Antropologia, articulam tramas da cultura e
passam por vivências estéticas e artísticas. A figura 7, retirada do diário coletivo, está inserida
no contexto das narrativas enviesadas - narrativas não cronológicas que se utilizam de
linguagens híbridas. O ponto de reflexão era pensar formas contemporâneas de contar-se uma
história de maneira não linear, sem começo-meio-fim tradicional, com tempos fragmentados,
com sobreposições e deslocamentos de linguagens. Esse pensamento foi provocador para as
questões das misturas de linguagens na produção contemporânea da arte.
96
Figura 7 - Diário coletivo: Narrativas enviesadas
Fonte: Dados da pesquisa: Diário coletivo.
A imagem de pássaros presos e uma chave com outros pássaros fora da gaiola remetem
à liberdade possível dentro das narrativas que são interligadas ao contexto do sujeito. Nessa
composição entende-se a liberdade possível dentro das múltiplas formas que a arte apresentase na contemporaneidade. Ao refletir sobre os temas da arte, o professor é provocado a pensar
possibilidades de conteúdos e entrar em contato com artistas que, dentro do cenário
contemporâneo, abrem leituras para esses temas. Essa liberdade dentro das reflexões sobre as
narrativas movimenta o docente para caminhos do que ensinar em arte e de quais referências
este irá fazer uso.
A imagem da figura 7 foi escolhida por entendê-la como uma tentativa para novas
possibilidades dentro do trabalho com as temáticas da arte contemporânea. Uma mudança
sensível na maneira de entender o ensino da arte como potencializador de reflexões críticas e
poéticas das articulações que a arte faz com assuntos relevantes para os sujeitos. Ao refletir
97
sobre as narrativas enviesadas, o tempo, o espaço, a identidade e novas proposições de arte,
existe a possibilidade de pensar esses temas como geradores de novos conteúdos para as aulas.
As obras de arte contemporânea modificaram as representações das narrativas e da
estruturação do objeto de arte. “[...] os artistas contemporâneos incorporam e comentam a vida
em suas grandezas e pequenezas, em seus potenciais de estranhamento e em suas banalidades”
(CANTON, 2001, p. 30). A narrativa como temática dentro da arte contemporânea, dessa
forma, é “[...] fragmentada, indireta, que desconstrói possibilidades de uma leitura única e
linear, que se identifica com a fragmentação e a miríade de caminhos para a sua construção, tal
como na estrutura do hipertexto” (CANTON, 2001, p. 31).
O entender as narrativas enviesadas pede não mais um ensino da arte cronológico, com
um entendimento de evolução, mas um entender a arte dentro da educação com justaposições
com a cultura, com os movimentos sociais e com as problemáticas contemporâneas que
interferem na forma do sujeito relacionar-se com suas próprias vivências e com o que está fora
dele; que não constrói narrativas universais e fechadas; e com sua característica essencial, a
sensibilidade. Essencialmente, essa produção integra diferentes linguagens da arte,
impossibilitando uma divisão de categorias ou divisões de formas de expressão pela arte.
Nesse processo, as linguagens diversas da arte confundem-se. E agora eu entendi
porque colocaram Arte e não Artes [referência aos PCN] [...]. Eu acho que é Arte porque a
linguagem é um instrumento para você chegar na arte em si. Então não importa qual você use.
O fazer artístico é uma coisa, você pega a tela, a tinta e produzir uma coisa é um negócio. Mas
você compreender como entrar nesse mundo é outro. Então não importa que linguagem você
use ou de todas, contanto que você consiga fazer, que você seja o mediador de seu aluno para
entrar nessa Avallon (Juliano). Um processo híbrido que permite a uma professora formada em
artes cênicas envolver-se com a arte visual contemporânea de forma a compreender a linguagem
da arte de forma integrada em que não se pensa o que é arte, mas qual o ressignificado que a
arte tem para esse personagem. Estabelecendo redes entre leitura(s) e pintura(s) traçamos a
linha do conhecimento.
Canton (2001) fala da arte como texto. Esse excerto do diário coletivo, de alguma forma,
une linguagens em busca de um entendimento sobre o conhecimento e a forma de hibridações
possíveis na arte contemporânea.
Arte é texto. É comentário sobre o tempo e a vida, que toma o corpo de uma escritura,
tão subjetiva como o próprio alfabeto. Arte é hieróglifo, forma que clama sentido e
sensibilidade. É conhecimento, flexível, porém imprescindível - um conhecimento
que se abre ao observador como um estranho livro, em que a narrativa contida se
98
assume de acordo com seu próprio olhar. Por isso, privar-se da arte é também uma
forma de analfabetismo. (CANTON, 2001, p. 37-38).
Com o uso das narrativas temos o estranhamento: O que é arte na contemporaneidade?
A arte contemporânea apresenta-se por meio de linguagem híbrida, impura e que se relaciona
em rede de comunicação, sem uma sequência de começo-meio-fim, com o virtual relacionandose ao real, com histórias cotidianas virando objetos de arte. Nesse processo de inter-relação, as
narrativas são inseridas na obra e pedem uma leitura aberta com um público participante diante
do objeto de arte.
Ao entender as narrativas enviesadas, os docentes entendem possibilidades de interrelações da história da arte, com propostas que não precisam seguir cronologias para seu ensino,
que não apresentam uma evolução da arte e que misturam linguagens. Entender que existem
possibilidades de trabalhos em diferentes linguagens, que se unem para contar histórias que se
relacionam com questões como meio ambiente, identidade, corpo, memória, espaço e lugar e
que se apresentam como possibilidades de um ensino da arte com temáticas contemporâneas.
Essas narrativas enviesadas, assim definidas por Canton (2009c), são as maneiras
contemporâneas de contar-se uma história, de enveredar-se por tramas de fragmentos,
repetições e entrelaçamentos. É o contar uma história de forma não linear.
As palavras e seus sentidos, a memória, a herança e a tradição são elementos que
passam a ser revalorizados num mundo inundado por imagens fosforescentes,
propagandas incessantemente pela mídia. Eles formam uma narrativa que incorpora
sobreposições, fragmentações, repetições, simultaneidade de tempo e espaço – enfim,
todo o jogo que pode fornecer elementos para a criação de uma obra de sentido aberto,
que se constrói durante a relação com o outro, com o público, com o leitor, com o
observador. (CANTON, 2009c, p. 37).
A estrutura do diário coletivo teve como proposição uma narrativa enviesada. O registro
por meio de diferentes linguagens, com possibilidades de intervenção entre os sujeitos e sem
uma estrutura cronológica de questionamentos, foi usado como meio de recolher dados para a
pesquisa que seguissem propostas contemporâneas de pensar sobre a arte e seu ensino.
Como reflexão sobre a participação dos sujeitos no registro no diário, faz-se a
necessidade de entender os motivos dos registros serem tão escassos, tendo em vista que a
participação nas entrevistas foi satisfatória. Esse é um ponto para pesquisas futuras.
A narrativa de histórias articula-se às lembranças em tempos e espaços que são
retomados e habitados pela arte nas práticas desses docentes. O próximo tema traz definições
sobre como a arte modifica espaços e lugares na escola.
99
4.3 ESPAÇO E LUGAR
Nessas narrativas impuras da arte contemporânea, qual é o espaço ou o lugar da arte na
escola desses sujeitos? A provocação era pensar nas diferenças entre um espaço e um lugar e
de como a arte pode transformar a sensação de estar em um espaço.
Em uma das entrevistas, Salete salienta suas percepções de como a arte transforma o
espaço e o lugar da escola. Eu sempre exponho o trabalho dos meus alunos mensalmente,
quando a gente conclui o trabalho, a gente trabalha toda a parte teórica, depois da prática,
que eu mais gosto. E a gente termina ali o mês, o bimestre também fazendo a exposição do
trabalho dos alunos. Com essa mediação nos trabalhos desenvolvidos pela professora em suas
aulas, o espaço escolar provoca os outros alunos a parar, porque não tem como você passar na
frente do mural e não olhar (Salete).
Nessa ressignificação do espaço escolar em lugar de pertencimento, com a utilização da
produção de arte dos alunos, o docente propõe a mediação do espaço escolar de forma
diferenciada por meio da presença da produção artística, não só erudita ou acadêmica, mas de
forma diversa e sem amarras que abre lugares de autonomia para o olhar dos estudantes para
ver além das mesmices midiáticas e das imposições estéticas da beleza na arte e na sociedade.
A escola é um espaço que se propõe a oferecer mais do que se oferece na mídia sobre arte - a
escola transforma-se em um importante lugar de manifestações e estudos da arte e da cultura.
Martins, M. C. (2011, p. 1) questiona sobre a mediação cultural: “[...] não será este o
sentido da educação estética? Os territórios de arte, de arte & cultura, instigando o pensamento
rizomático, não seriam nutrição estética para ir além das obras de arte conhecidas e das
biografias dos artistas?”. A estética pós-moderna, definida por Martins (2001), como
conhecimento sensível em que a obra de arte contemporânea “[...] já não pode mais ser lida
dentro de movimentos estilísticos, nem procura mais descobrir o mundo, pois é o
prolongamento do próprio artista, com sua subjetividade mergulhada nas ambiguidades e
diversidades culturais do mundo contemporâneo” (MARTINS, 2011, p. 2).
A figura 8 que segue, retirada do diário coletivo, é uma produção do professor que faz
a reflexão sobre o conceito de espaço e de lugar. O professor divide a folha em dois, em uma
metade coloca o espaço como local amplo e, na outra metade, o lugar como representação de
suas lembranças e de sua constituição como sujeito.
100
Figura 8 - Diário coletivo: Espaço e Lugar
Fonte: Dados da pesquisa: Diário coletivo.
Nas vivências estéticas, novos espaços abrem-se e constituem-se como lugares possíveis
de habitar-se. A imagem de espaço como um lugar de sonhos, em uma distância poética que
define um lugar de encontro com suas lembranças e seus afetos. Lugares que não são apenas
salas de aulas formais, mas lugares de aprendizagem, lugares de vivências estéticas e artísticas.
No espaço, procuro o meu lugar, a procura no transcendente, do que é só meu, em outros
espaços e culturas. Ampliar as vivências acaba por constituir a identidade do sujeito. Esse texto
provoca a reflexão sobre a importância de oportunizar imagens, artes e culturas, diferentes
daquelas as quais o sujeito está acostumado.
A figura 9 a seguir, retirada do diário coletivo, é um recorte de jornal com uma imagem
de um salão com pessoas que estão apreciando a música. Esse local constitui-se um lugar não
101
formal de acesso à arte. Um encontro de sujeitos para, por meio da arte, instituir um lugar de
pertencimento.
Figura 9 - Diário coletivo: Espaço e lugar
Fonte: Dados da pesquisa: Diário coletivo.
O pensar sobre onde podemos entrar em contato com a arte e de que maneira a arte
desperta um lugar abre espaço para os locais não formais de ensino. Esse recorte de jornal
escolhido (ver Figura 9) é um espaço informal que se torna espaço de arte. Espaço participativo
que se constitui lugar de arte.
Cantando no espaço
Existem encontros
e me transformo...
Eugenio Barba (1994, p. 232).
Esses espaços são lugares de acontecimentos que se reacendem ao serem lugares onde
a arte manifesta-se. Pensar nos espaços da escola e do cotidiano como possibilidade de lugares
estéticos provoca para além dos alunos virem para aprender; eles têm de ter um lugar que eles
se sintam bem (Luciana) e nesse “[...] espaço existem encontros e me transformo” (BARBA,
1994, p. 232).
102
Ao observar esse tema, espaço e lugar, abre-se a possibilidade de pensar a arte como
canal da transformação do espaço utilizado “[...] genericamente, enquanto ‘lugar’ se refere a
uma noção específica do espaço; trata-se de um espaço particular, familiar, responsável pela
construção de nossas raízes e nossas referências no mundo” (CANTON, 2009g, p. 15). Nesse
sentido, este ato busca, no contato com as temáticas da arte contemporânea, fomentar
potencialidades de, por meio destas temáticas (espaço e lugar, memória, identidade, tempo e
espaço e as questões micropolíticas), pensar novos conteúdos e olhares para o ensino da arte redescobrir caminhos que olhem para a atualidade e a importância de refletir sobre essas
questões dentro da escola.
O espaço da arte não é restrito aos espaços institucionalizados - padronização elitista
que dá a arte um caráter excludente do cotidiano e da vida das pessoas. Nesse contexto, os
sujeitos desta pesquisa não comentaram sobre ida a espaços de arte. Entretanto, seria
interessante que percebessem que a arte apresenta-se em vivências estéticas cotidianas - não se
excluindo, aqui, a importância do contato com a arte em exposições, mostras e festivais.
Ao ocupar outros espaços públicos, os artistas contemporâneos desbravam espaços
novos para o território da arte. Ao organizar as produções de arte de estudantes ou organizar
uma exposição no lugar escolar, os docentes descobrem que:
Dialogar com esse espaço é também compor uma tapeçaria sonora, visual e tátil,
vislumbrando a diversidade idiossincrática de seus habitantes, sua arquitetura, sua
sinalização, seus códigos cotidianos. Conversas com tudo isso é abraçar o caos e se
emocionar com o estranhamento. (CANTON, 2009g, p. 23).
A concepção de espaço e de lugar definida por Certeau (1998) constitui-se elemento
reflexivo sobre os dois estados existenciais na atualidade. Um dos traços da contemporaneidade
é a contradição dos conceitos de lugar e não-lugar, locais sem significados, com os quais os
sujeitos não se relacionem embora os ocupem.
Certeau (1998) diferencia, nesse sentido, o lugar e o espaço de forma diferente de
Canton. Para ele, lugar é “[...] uma configuração instantânea de posições. Implica uma
indicação de estabilidade” (CERTEAU, 1998, p. 221), um local de passagem. No lugar os
elementos não se relacionam, acham-se um ao lado do outro e não dependem do tempo para
fazerem sentido. O lugar adquire significação a partir do momento que se atribui a ele elementos
memoráveis. Assim, espaço e lugar não são termos opostos, mas aspectos complexos da
dinâmica da sociedade.
O espaço para Certeau (1998) é a maneira que os sujeitos transformam o lugar com suas
intervenções, é um lugar praticado. Assim, “[...] a rua geometricamente definida pelo urbanismo
103
é transformada em espaço pelos pedestres” (CERTEAU, 1998, p. 202). O espaço é constituído
pelas vivências dinâmicas do indivíduo em determinado lugar, antes fisicamente imóvel e
transformado em um referencial para a memória.
Os lugares são histórias fragmentárias e isoladas em si, dos passados à legibilidade
dos outros, tempos empilhados que podem se desdobrar, mas que estão ali antes como
histórias à espera e permanecem no estado de quebra-cabeças, enigmas, enfim
simbolizações enquistadas na dor ou no prazer do corpo. (CERTEAU, 1998, p. 189).
Existe uma complementação de conceitos, que, embora divergentes, encaminham-se
para o entendimento que, por meio de intervenções em lugares/espaços, estes passam a ser
históricos para os sujeitos que a estes locais atribuem simbolismos e significâncias.
A exposição da arte no ambiente escolar provoca os outros alunos a parar, porque não
tem como você passar na frente do mural e não olhar (Salete). O entendimento do espaço não
é a sala ter tantos metros, mas [...] ter esse lance de criação, transformar aquele espaço
(Juliano), é entender que a escola, além dos alunos virem aprender, eles têm de ter um lugar
que eles se sintam bem, sabe, que eles se sintam bem (Luciana).
Se espaço e lugar permeiam relações com a memória e atribuições de significados, o
próximo tema é o tempo e a memória na produção artística contemporânea e as narrativas desses
sujeitos de suas lembranças com a arte.
4.4 TEMPO E MEMÓRIA
A proposta de tratar da memória nesta dissertação vai além dela como temática da arte
contemporânea. Ao trazer as narrativas dos professores, evocam-se imagens e experiências de
seu passado. Falar sobre suas vivências com o ensino da arte, também como alunos, falar de
seus momentos preferidos com a arte serve para pensar:
Qual a função da memória? Não reconstrói o tempo, não o anula tampouco. Ao fazer
cair a barreira que separa o presente do passado, lança uma ponte entre o mundo dos
vivos e o do além, ao qual retorna tudo o que deixou à luz do sol. Realiza uma
evocação: o apelo dos vivos, a vinda à luz do dia, por um momento, de um defunto. É
também a viagem que o oráculo pode fazer, descendo, ser vivo, ao país dos mortos
para aprender a ver o que quer saber. (BOSI, 1994, p. 89).
A memória é indissociável da ideia de tempo e nessa passagem de tempo não podemos
saber se o fato narrado é verdadeiro. A memória, para Bosi (2012, p. 198), “[...] opera com
grande liberdade, recolhendo fatos memorados no espaço e no tempo, não arbitrariamente –
mas porque se relacionam através de índices de significação comum”.
104
Na arte contemporânea, a “[...] memória deixa de ter um caráter de restauração do
passado e passa a ser a memória geradora do futuro: memória social, memória histórica e
coletiva” (BOSI, 2012, p. 198). Tempo e memória são temáticas da arte contemporânea que
provocam:
[...] vasculhar as memórias pessoais e configurar um atento olhar para dentro tornarse um movimento de resistência contra a apatia e a amnésia geradas por um
avassalador panorama externo de excessos, estabelecido pela cultura da mídia
eletrônica e cibernética que produz um máximo de informação contido em um mínimo
de tempo, gerando um estado de constante ansiedade na tentativa de acompanhar o
mutante estado dos fatos que nos são oferecidos a cada minuto. (CANTON, 2001, p.
43).
O tempo de duração das coisas na atualidade é rápido, compra-se, troca-se e joga-se fora
para outras coisas tomarem o lugar das primeiras. Esse desapego excessivo de coisas e fatos
deixa poucas obras duradouras.
Sobre a Construção de Obras Duradouras
Quanto tempo duram as obras?
Tanto quanto o preciso para ficarem prontas.
Pois enquanto dão que fazer
Não ruem.
Convidando ao esforço
Compensando a participação.
A sua essência é duradoura enquanto
Convidam e compensam.
As úteis
Pedem homens
As artísticas
Têm lugar para a arte
As sábias
Pedem sabedoria
As destinadas à perfeição
Mostram lacunas
As que duram muito
Estão sempre para cair
As planeadas verdadeiramente em grande
Estão por acabar.
Incompletas ainda
Como o muro à espera da hera
(Esse esteve um dia inacabado)
Há muito tempo, antes de vir a hera, nu!
Insustentável ainda
Como a máquina que se usa
Embora já não chegue
Mas promete outra melhor.
Assim terá de construir-se
A obra para durar como
A máquina cheia de defeitos.
Bertold Brecht (1982, p. 40).
105
Com “a máquina cheia de defeitos”, as tecnologias da informação, o uso da internet e o
estreitamento dos espaços pela possibilidade de não se estar no mesmo tempo e espaço para
comunicação, as relações entre os indivíduos são modificadas em relação ao seu tempo e ao seu
espaço. Ao receber uma carta, toda a ansiedade da espera, o correio, a letra, o tempo para a
escrita, a materialidade da carta atribuía uma aura sensível à mensagem, e a ela o tempo retorna.
A velocidade da informação, na atualidade, é outra.
O tempo contemporâneo surge como um elemento que perfura o espaço, substituindo
a sensação de objetivação cronológica por uma circularidade plena de instabilidade.
Turbulento, esse tempo parece fugaz e raso. Retira as espessuras das experiências que
vivemos no mundo, afetando inexoravelmente nossas noções de história, de memória,
de pertencimento. (CANTON, 2009f, p. 20).
Nesse tempo fugaz e raso, quais marcas da arte estão nas memórias desses sujeitos?
Essa foi a pergunta propulsora de pensar nas memórias, na identidade estética dos professores
pesquisados e nas relações dos artistas citados com a memória.
• O que me marca na arte é quando um artista
consegue, a partir das coisas mais simples,
cotidianas e corriqueiras, construir uma
obra que provoca, desestabiliza. Artistas
que marcaram minha vida: Frans
Krajcberg; Marcel Duchamp; Arthur Bispo
do Rosário; Frida Kahlo.
Diário coletivo
Alguns artistas como José Rufino e Albano Afonso usam o tema memória em suas
obras. As produções desses artistas trazem discussões sobre a influência das vivências na
identidade das pessoas. Pensar a respeito de si na elaboração do objeto de arte tem efeito de
catarse sobre a plateia que olha para sua obra. Achar-se dentro de uma obra de José Rufino
promove a materialização de percepções pessoais por meio da obra de outro.
Entre os artistas citados pelo professor: Frans Kracjberg, Marcel Duchamp, Arthur
Bispo do Rosário e Frida Kahlo; podemos analisar que, exceto Marcel Duchamp, todos de
alguma forma integram as memórias em suas obras.
A citação a seguir define a influência da memória na obra de Frans Kracjberg:
106
As obras de Frans Kracjberg são, como ele mesmo as denomina “memórias da
destruição”: imagens que visam conservar, por razões éticas e estéticas, o
desmatamento sem limites levado a cabo nas florestas brasileiras. A recusa que o autor
faz do termo obra, conceito carregado de significados no campo da história da arte e
do pensamento, expressa a recusa que Krajcberg faz da institucionalização
mercadológica de seus trabalhos. Ele prefere vinculá-los tão somente a um projeto de
ordem ética, a um imperativo de recordação e denúncia, do que vê-los colecionáveis,
absorvidos por um sistema cultural que é capaz de incorporar, neutralizando-os, os
trabalhos mais radicais, as críticas mais agudas à sociedade de consumo. (RIBEIRO,
2012, p. 12, grifos do autor).
Para Santos (2008), a vida de Bispo do Rosário não se separa de sua obra. Suas
memórias não criam materialidade para a conservação mas para sua criação. Ele traz seu tempo
“[...] da marinha, a infância, sua fase como pugilista, os nomes das pessoas que ele conviveu,
os lugares por onde andou, sua morada na Colônia, a sua religiosidade” (SANTOS, 2008, p.
98). Frida Kahlo, com uma trágica história de vida, pintou a si mesma: “Eu me pinto porque
estou muitas vezes sozinha e porque sou o assunto que conheço melhor” (KETTENMANN,
2006, p. 18).
Esses artistas registraram a memória pela arte e isso ficou marcado na identidade desses
sujeitos, o que os constitui. Nesse trecho não temos a escolha pela apreciação passiva da arte,
entretanto o que ficou de significativo foram obras de arte em seu sentido intrínseco de
transformação que provoca e desestabiliza.
Na figura 10 a seguir, a escolha do poema de Mário Quintana, O Autoretrato, para o
diário coletivo, ilustra possíveis intersecções entre memória e identidade.
107
Figura 10 - Diário coletivo: Identidade
Fonte: Dados da pesquisa: Diário coletivo.
No poema O auto retrato, escolhido como resposta para esse tema pela professora,
Mário Quintana articula a relação entre o autor e a obra, ele discute o ato de criação do artista
e o ato de recriar-se como ser humano. Ao falar de lembranças, retrata-se o outro. O criador e
sua criação fundem-se como memórias e misturam-se às escolhas e às práticas dos professores.
Nesse horizonte poético, as memórias dos estudantes constituem-se material estético para aulas
que promovem a escuta ao outro, com a valorização de minorias, que compreendem toda a
proposta de estética do cotidiano já articulada no capítulo 2 desta dissertação. Sobre as imagens
de autorretrato na arte contemporânea, Canton (2001) afirma que
[...] a autoimagem contemporânea não se constrói como mera representação narcísica.
Ao contrário, se ela mantém como uma forma de reivindicar identidade, seu foco está
na produção de um estranhamento, uma sensação de incômodo – aquele reminiscente
à sensação de se olhar no espelho e não se reconhecer. Essas emoções estão ligadas à
situação do ser humano contemporâneo, inserido numa sociedade de informação
eletrônica e virtual, pressionado pela mídia, sufocado pelas imposições velozes de
tempo e espaço que se configuram na realidade cotidiana das cidades. (CANTON,
2001, p. 68).
108
Outra professora no diário coletivo utiliza a obra de arte de Romero Britto25 para
responder às provocações sobre a temática Tempo e Memória. A obra de arte que identifica o
sujeito é o coração de Romero Britto que estabelece relações afetivas com essa professora e
aproxima-se do seu repertório de imagens (ver Figura 11).
Figura 11 - Diário coletivo: Tempo e memória
Fonte: Dados da pesquisa: Diário coletivo.
As obras de Romero Britto são de nosso tempo e refletem uma indústria da arte exposta
exaustivamente nas mídias e nos pontos de venda. A professora estabelece com o coração de
Romero Britto uma relação sentimental ao ligá-lo à sua família. A presença da família tem
relações com suas memórias, entretanto a imagem da obra de Romero Britto abre a discussão a
respeito das possibilidades de contato com a arte a que esse professor se expõe. Ao escolher a
25
Para conhecer a obra de Romero Britto acesse:<http://www.britto.com/>.
109
obra de Romero Britto para responder sobre suas memórias com a arte, que estavam articuladas
a textos sobre Albano Afonso e José Rufino (ver Apêndice A, p. 148), a professora usa como
referência uma imagem que podemos questionar ser obra de arte, publicidade ou designer,
refletindo sobre a proposta do próprio artista. As referências são as imagens de exposição
midiática e de fácil acesso. Não importa se isso é ou não arte. Entretanto, instigar o censo
comum imagético e midiático para produções artísticas que vão além das vinculadas pela
televisão e pela publicidade questiona a quais meios de exposição à arte esses professores têm
acesso e se expõem.
As escolhas desses docentes vêm de suas vivências com a arte. Vem de sua procura por
descobrir a arte e de suas provocações diante do que é apresentado como arte. A intenção aqui
não é fazer julgamento das estéticas desses professores, mas entender que as escolhas das
imagens representam o cenário artístico ao qual o professor tem acesso.
As lembranças do tempo de aula de arte dos sujeitos são de criança quando nós fazíamos
muito artesanato, não se conhecia as obras (Cecília), eu não tive aula de artes, eu tive aula de
artesanato (Juliano). Então memória mesmo de arte pouquíssima (Salete). Esse sentimento de
não ter tido aula do que se entende hoje como ensino de arte é compreendido dentro das
mudanças históricas que a área passou. Artesanato nas falas é entendido como o fazer manual,
sem relevância cultural. O artesanato não é a produção de objetos, ele tem um objetivo cultural
e deve ser contextualizado nesse cenário. A fissura entre arte e artesanato é a oposição
construída por visões pedagógicas que vinculam um ao fazer manual e outros aos conceitos
teóricos, atribuindo valoração a ambos. Para esses professores, o artesanato vivenciado nas
aulas de arte era um fazer descontextualizado de uma proposta artística e sem referências a
imagens da arte. É preciso ter atenção sobre o entendimento do ensino da arte voltado
essencialmente às obras de arte hegemônicas e ainda ao excesso de importância às referências
estéticas consagradas. Entre os artistas referenciados pelos sujeitos, encontram-se Salvador
Dali e Pablo Picasso, são artistas que você carrega na sua maleta e se bobear você trabalha
isso dali (Salete).
De que modo temos acesso às lembranças? O presente não existe sem o passado.
Bergson (1999) trabalha com a ideia de duração, em que o presente desses professores é a
continuidade de seu passado e a duração não é um instante que substitui o outro. “[...] neste
caso haveria sempre apenas o presente, não haveria prolongamento do passado no atual, não
haveria evolução, não haveria duração concreta. A duração é o progresso contínuo do passado
que rói o porvir e incha à medida que avança” (BERGSON, 2006, p. 47). Assim, o presente não
existiria sem o passado. O tempo organiza o espaço da escola ao ser entendido como propulsor
110
da própria ação do sujeito sobre o mundo. Todas as narrativas sobre lembranças e suas
influências nas práticas desses sujeitos são momentos temporais que somados formam uma
unidade indivisível.
Para Bergson (2006), a memória não é apenas a representação de lembranças ou a
atitude de recordar o passado - nesse sentido, estagnada. Um dos conceitos fundamentais do
autor é a duração, entendida enquanto “continuidade indivisível de mudança que constitui a
verdadeira duração” (BERGSON, 2006, p. 16).
A memória estaria ligada ao tempo. Portanto, é duração, um fluxo contínuo, uno e
indivisível do tempo. “A duração é o progresso contínuo do passado que rói o porvir e incha à
medida que avança. Uma vez que o passado cresce incessantemente, também se conserva
indefinidamente” (BERGSON, 2006, p. 47). O passado acompanha-nos e vai se acumulando e
o evocamos em ações presentes. “[...] o passado, em cada ação, se manifesta integralmente,
embora apenas uma pequena parte dele se torne representação, atualizando-se enquanto
lembrança” (SANTOS, 2008, p. 72).
Para recuperamos a lembrança, devemos colocar-nos no passado e trazer essa lembrança
para a memória:
Esses processos não devem ser encarados como o desdobramento de um plano prévio,
mas como processos criativos: a lembrança que se atualiza em nossa mente não
corresponde diretamente àquilo que passou, mas é criada por nós neste processo. Do
mesmo modo, as ações que podemos escolher para reagir a um estímulo não são
necessariamente retiradas de um estoque prévio, mas comportam uma gama de criação.
(SANTOS, 2008, p. 73).
O passado não deixa de existir. Quando não é requisitado não se atualiza, ficando uma
lembrança-pura, não se torna imagem-lembrança e não faz parte da memória. A imagemlembrança é atual e capaz de movimentar-se. Relembrar nossas experiências e nossas vivências
com a arte não implicam em reprodução, mas possibilitam recriar sobre elas. Essa recriação
parece ser uma das tendências da arte contemporânea, com novos suportes, novas
materialidades e o estranhamento diante do que nos parece incomum e novo.
Pensar no extremo do estranhamento é materializado pela temática corpo, identidade e
erotismo. Como é o encontro com o que se produz de incomum para o que se entendia de arte,
é a próxima análise deste ato.
4.5 CORPO, IDENTIDADE E EROTISMO
Esse tema não foi incluído exclusivamente para levantar dados sobre o que se produz
com essa temática em arte contemporânea. Ele está aqui para agregar todos os incômodos e
111
todas as inseguranças diante da materialidade da produção contemporânea. Seus
questionamentos permeiam as escolhas dos sujeitos pesquisados dentro de todo o cenário
contemporâneo com foco em novas materialidades em sua apropriação. Quais as formas de
entrar em contato com essas novas produções foi um dos eixos inseridos nessa temática. Os
dados coletados não foram os esperados pela falta de registros sobre os questionamentos.
Os temas corpo, identidade e erotismo foram tratados no diário coletivo como novas
formas de entender e produzir arte. Com o pouco retorno dos professores sobre o tema, levantase o questionamento acerca do distanciamento diante das produções contemporâneas. Essa
temática foi inserida na tentativa de entender qual é a percepção dos docentes diante da arte
contemporânea que rompe com suportes, com materiais e utiliza o ser humano em todas as suas
tensões como tema de sua produção. “A arte assume com frequência uma postura de
reivindicação: o corpo na cidade contemporânea é negado, rejeitado, neutralizado,
funcionalizado ao exagero. É apenas uma peça de um jogo abstrato, dentro de uma enorme
máquina que devora a energia” (CAUQUELIN, 2005, p. 148). O corpo, a identidade e o
erotismo levantam um dos incômodos do ser humano contemporâneo:
Sem dúvida, o nosso corpo é produto de uma educação, a qual se dá numa sociedade
e numa cultura determinadas, com seus costumes e universo simbólico específico, ou
seja, com sua interpretação do mundo e suas receitas para o viver, numa dada situação
econômica e material. Não somente o nosso corpo é moldado socialmente como
também se mostra um produto social a maneira como é visto, vivido e interpretado
por teorias, filosofias e teologias. (DUARTE JR., 2010, p. 101).
As transgressões, o estranhamento e a distorção das formas propostas por artistas
contemporâneos que trabalham com a temática do corpo, da identidade e do erotismo é o auge
das transformações da arte pelos temas que a suscitam. A degradação do corpo, as propostas de
dor e a mutilação articulam-se com a resistência ao que se proclamava arte e as demarcações
de individualidade anulando, gradativamente, as noções de privacidade. Entende-se que a
pouca participação a respeito do tema pode ser atribuída ao seu caráter transgressor.
O corpo na sociedade de consumo, em tentativas constantes da mídia, é convidado a ser
moldado em padrões estéticos da beleza: o corpo objeto. Dessas tensões, surge o corpo da arte
contemporânea, o corpo que é recebido em sala.
As provocações em relação a essa temática foram ligadas às questões da própria
identidade da arte contemporânea como possibilidades de “[...] rastrearmos nossas histórias e
abrirmos nossos diários íntimos na tentativa de nos oferecer verdadeiramente para o mundo”
(CANTON, 2009e, p. 35) e pensar sobre a identidade docente e o papel do ensino da arte
contemporânea.
112
Diante das temáticas da arte (tempo, espaço, memória, narrativas), os sujeitos da
pesquisa confrontaram e, de alguma forma, estabeleceram relações com práticas e intenções do
ensino da arte. Ao depararem-se com esse tema, apenas um dos sujeitos conseguiu escrever
sobre a interação e a motivação de utilizar a arte contemporânea em suas diferentes
materialidades em suas aulas. Entretanto, articulam-se motivos para essa falta de participação
nessa parte da pesquisa justamente pelo estranhamento e pelo distanciamento entre a produção
da arte contemporânea e o público. Um dos professores apresentou uma resposta única para
todas as questões:
• Eu
entendo
que
a
arte
contemporânea vem ao encontro de
todas as artes, para somar e dividir
todos os conhecimentos.
Diário coletivo
A generalização dessa resposta para provocação é tanta que não se consegue articular
com fundamentações acerca do ensino da arte contemporânea.
Um professor respondeu as demais questões - cujas respostas estão transcritas a seguir.
Em um de seus relatos, por exemplo, entende-se que é no contato com a obra do artista que o
professor faz suas escolhas dentro da arte contemporânea.
• Principalmente por meio das
produções
dos
artistas
contemporâneos (como tem acesso à
produção contemporânea).
Diário coletivo
Pode-se questionar qual é o contato com a produção contemporânea dos outros sujeitos.
Se na temática tempo e memória tem-se o registro de uma imagem de Romero Britto, ele não
aparece aqui. A temática corpo, identidade e erotismo não é exposta na grande mídia, ela requer
uma procura e um estudo, parte do interesse do sujeito pelo tema. O não registro de artistas
113
nesse tema pela maioria dos sujeitos levanta questionamentos sobre se os professores de arte
mantêm contato com as produções contemporâneas em arte.
Esse contato é estabelecido nas procuras do professor por artistas contemporâneos.
Constata-se isso, pois o acesso aos materiais de produções contemporâneas em arte dentro das
escolas da rede estadual de Santa Catarina ainda é pouco, como demonstra a fala do professor
que segue.
• No âmbito da escola pública o único material
didático que se refere à Arte Contemporânea
disponível é uma coleção de documentários
sobre artistas brasileiros (DVDteca Arte na
Escola), onde muitos deles têm produções
contemporâneas. Esses materiais basicamente
sustentam minha seleção de artistas e conteúdos
relacionados à Arte Contemporânea.
Diário coletivo
O material da DVDteca Arte na Escola foi distribuído nas escolas estaduais de Santa
Catarina em 2009. Trata-se de 160 documentários sobre arte brasileira, em especial arte
contemporânea, com material de apoio pedagógico ao professor. Tem base na Tecnologia
Rizomática do ensino da arte e pensa o professor como propositor de descobertas na arte.
Diante das produções artísticas contemporâneas que envolvem o corpo, a identidade e
o erotismo, qual a fruição possível e os diálogos que o professor estabelece com as obras
artísticas contemporâneas? Esse foi um dos questionamentos dentro do Diário Coletivo.
114
• A obra de arte contemporânea possibilita uma leitura
ampla, principalmente por trazer uma hibridização de
materiais e técnicas. Costumo explorar bastante os artistas
contemporâneos, principalmente nas turmas finais do
Ensino Fundamental e as turmas de Ensino Médio.
Geralmente abordo a partir de uma ou mais obras do
artista e a partir da análise dela. Depois proponho uma
atividade de produção artística que explora algum conceito,
tema ou técnica desenvolvido pelo artista. Em alguns
momentos, abordo o artista e sua produção a partir de
produção artística dos alunos.
Diário coletivo
O professor contextualiza o uso da arte contemporânea dentro da liberdade de
possibilidades de uso de materiais e técnicas. Seu trabalho articula a análise das obras e o fazer
fundamentado nas temáticas e no conceito do artista. O processo inverso também é utilizado da produção dos alunos, articula-se o estudo de artistas que utilizam os mesmos temas e
conceitos. Em todo o processo de coleta de dados, esse foi o tema que menos se obteve retorno.
Entende-se que o motivo é o estranhamento ainda causado diante da inserção da arte
contemporânea nas vivências desses sujeitos.
A escola tem potencial de ser um local de entendimento às proposições contemporâneas
com a inclusão de olhares sobre a atualidade. Ela insere o aluno em uma sociedade globalizante
e mutante, hipermidiática e contemporânea. O contato com formas artísticas atuais permite a
compreensão das vivências e vislumbra possibilidades de acesso e de significado ao que se
produz em arte.
A distância com a produção contemporânea é demonstrada pelo fato de apenas um
professor ter respondido a última pergunta do diário coletivo: Quais artistas contemporâneos
você trabalha em suas aulas? Como resposta desse professor temos: Leda Catunda, Nuno
Ramos, Amilcar de Castro, Tomie Ohtake, Maria Bonomi, Amélia Toledo, Siron Franco,
Carlos Fajardo, Bispo do Rosário e Os Gêmeos grafiteiros.
É necessário entender esses artistas, entender a arte e pensar sobre formas de dissecá-la
para utilizar a produção da arte contemporânea com todo o seu potencial de ensino.
115
Carlos Fajardo pensa sobre a arte, não apenas exerce o fazer sobre o material. “Ele
substitui a noção do artista que pinta e esculpe com as próprias mãos por uma atitude de
questionamento sobre a arte, seus materiais, particularmente sobre a superfície do objeto”
(CANTON, 2001, p. 153). Os materiais nas mãos do artista passam a dar corpo para suas
indagações sobre as coisas. No ensino desse artista não existem possibilidade de narrativas, a
questão pertinente em suas obras é a imprevisibilidade nas relações dúbias entre a natureza
humana e a contraditoriedade de suas memórias (CANTON, 2001).
Leda Catunda fez parte da emblemática exposição Como vai você, Geração 80?
realizada em 1984 na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, que retoma a
pintura em contraposição às vertentes conceituais nos anos de 1970. Uma pintura com “digitais
específicas, pessoais e até idiossincráticas” (CANTON, 2001, p. 120).
Pesquisas em torno de inovações nas técnicas pictóricas e a redescoberta do prazer
pessoal de pintar, no entanto, não surgem como mera substituição ao conceitual.
Apesar da celebração da pintura e de uma sofisticação técnica e material, a produção
dessa geração está intrinsecamente ligada a uma reflexão teórica herdada pela geração
anterior e a uma incorporação do conceitual ao matérico. (CANTON, 2001, p. 121).
Nesse encontro entre o conceito, o material e o aprender arte com o prazer de “pintar”
talvez esteja uma das identidades do ensinar arte contemporânea. Leda Catunda, em sua obra,
traz narrativas que são costuradas com a subversão de unir “o feio e o belo, o intelectual e o
doméstico” (CANTON, 2001, p. 122). Esse caráter revolucionário é uma das essências
necessárias para a inclusão da arte contemporânea como conteúdo no ensino da arte.
O relato da professora Salete na página 42 desta dissertação constata que, depois de 22
anos, a professora trouxe a arte contemporânea para suas aulas, ao trabalhar com Bispo do
Rosário, e que foi estimulada dentro de sua graduação, o que demonstra a importância de incluir
de forma efetiva o estudo da produção artística contemporânea no currículo de graduação em
arte e em formações continuadas como forma de aproximar o professor do cenário artístico
atual.
Arthur Bispo do Rosário foi negro, nordestino e pobre. Se nos capítulos anteriores falouse que a arte contemporânea trouxe a arte da minoria e da importância da desconstrução de
conteúdos da arte hegemônica, Bispo do Rosário é um artista a ser estudado, ele é a
representação dessas identidades. Interno de sanatórios do Rio de Janeiro, sua obra preenche o
vazio de sua biografia. Os caminhos da leitura de sua obra dão-se pela apropriação e pela
recriação que o artista deu as suas “catações” nos quintais dos sanatórios. O que se ensina com
a obra de Bispo do Rosário é o entendimento da arte como saber estético capaz de organizar a
identidade do sujeito dentro de seu mundo.
116
Os elementos condutores da obra de Nuno Ramos pertencem ao diálogo com a
materialidade na arte contemporânea. Mesmo com formação, os professores têm o incomodo
diante do uso de diferentes materiais na Arte Contemporânea (PADOVINI, 2012). Nuno Ramos
hibridiza materiais e linguagens diversas como a música, o cinema e a poesia, com uma
proposta de potencializar a diversidade de materiais, de suportes e de procedimentos técnicos
na criação artística. Ao abordar questões sobre a materialidade na arte contemporânea, o
professor aproxima o estudante da linguagem visual contemporânea.
Amilcar de Castro faz parte do movimento neoconcreto em arte. Ele define sua produção
em artes visuais como a forma do silêncio. Sua obra provoca a economia e a simplicidade
imaginária sem meandros narrativos, na busca pelo supersintético - busca pela síntese, o
resumo, a condensação de formas e cores em corte e dobra (MIRANDA, 2008). O poema do
artista Saber surdo sintetiza a intenção do ensino com a obra do artista:
Desconstrruir, criar...
é
ouvir
em
silêncio
atento
uma
história
antiga
que
vem
de
dentro
e
vai
contando
vagarosamente
sem
palavras
e
sem
histórias: fora não há
senão dentro
mistério claro
e
pouco tempo.
Amilcar de Castro (2002, p. 27).
Com as obras de Amilcar de Castro, abre-se a possibilidade de desconstruir para criar.
Nesse processo de recriação as histórias dos sujeitos são contadas por meio das linguagens
artísticas.
Tomie Ohtake, a dama das artes visuais, remete a questões da abstração na arte, da
multiculturalidade, da mulher, da mãe e da japonesa, ao estudo da forma e da cor. Ao preencher
117
espaços públicos, sua obra abre a discussão sobre a arte no contexto da cultura urbana. Esse
foco é artístico e é questão da contemporaneidade. Assim também é a obra de Siron Franco com
suas observações sobre a esfera social e sobre sua experimentação com a arte. Essa hibridização
entre a observação ligada “à teoria, à vida, a seu dia a dia, a dores, sucessos, mazelas, ao que se
passa dentro e ao lado” (LELIS, 2004, p. 1) e a prática com as linguagens artísticas é um dos
caminhos do ensino da arte utilizando a arte contemporânea.
Os Gêmeos grafiteiros trazem a inserção da arte da rua para a escola. Eu trabalhei com
eles o grafite, mostrei um vídeo, trouxe um grafiteiro de Balneário Camboriú, o rapaz veio com
muita boa vontade, veio, trouxe o material dele, que ele usa, trouxe as coisas dele e teve uma
interação muito legal com os alunos. Com essa ação, sinto que mudou a relação deles comigo,
mudou, mudou muito (Luciana). Se a arte procura a mudança aqui, ela se realizou com a
aproximação dos estudantes da linguagem do grafite com a mediação da professora que apostou
em propostas diferentes de ensinar arte e incorporar a produção contemporânea da região às
aulas de arte.
Faz-se a análise de apenas alguns artistas contemporâneos citados e percebe-se inúmeras
possibilidades de trabalho ligados às suas produções que estão inseridas principalmente nas
questões da materialidade na arte contemporânea. As temáticas da arte contemporânea e seu
resultado como objeto de arte promove uma mudança nas linguagens da arte. Esse professor ao
propor um trabalho com a arte contemporânea cria situações de aprendizado com experiências
estéticas em um cenário atual. No processo de ensinar arte contemporânea, o solo é de
incertezas, com alta probabilidade de respostas e questionamentos inesperados. São desafios
constantes: o professor colocar-se diante da produção contemporânea e pensar sobre o que ele
entende por arte; o estudante resolver os estímulos propostos pelo professor oriundos desse
questionamento.
O repertório do professor em arte contemporânea talvez seja o maior desafio em relação
ao ensino da arte contemporânea. A procura e o estudo da área deve ser uma constante para o
professor. Este precisa procurar, ver, ir atrás do que está sendo produzido. Com a atualização
constante de seu repertório, novas possibilidades e novos olhares surgem, e, nessa formação, a
qualidade e a forma do que se ensina melhora.
Se o corpo, a identidade e o erotismo são temas das produções atuais talvez a primeira
ação para ser inserido nas reflexões sobre o ensino da arte contemporânea seja pensar no corpo,
na identidade e nas relações com o erotismo que este professor faz. Como está o corpo na
contemporaneidade, como relacionar-se com o marketing erótico e com nossas próprias
necessidades afetivas e eróticas e de que forma constitui-se a identidade do docente apresenta-
118
se ainda como um campo de difícil acesso. Na tarefa de reconhecer o que se entende por arte
contemporânea assumindo seu caráter provocador e com as propostas mais estranhas para o que
era entendido enquanto arte apenas um dos professores teve disposição, ou coragem, de fazer
seu registro.
4.6 MICROPOLÍTICAS
Nas mudanças propostas pela arte na contemporaneidade, há temáticas que envolvem
as micropolíticas. A cena das micropolíticas coloca a política em um novo paradigma na
contemporaneidade. Elas tratam de questões cotidianas, “[...] como o gênero, a fome, a
impunidade, o direito à educação e à moradia, a ecologia, enfim, tudo aquilo que nos diz
respeito e nos faz viver em sociedade” (CANTON, 2009d, p. 15).
O questionamento sobre esse tema era a reflexão de como as questões das micropolíticas
estavam inseridas nas aulas de arte, incluídas as reflexões sobre a influência da mídia na vida
da sociedade. As micropolíticas são exploradas a partir das produções desses artistas. Partese, dessa forma, da temática utilizada pelo artista e que, de alguma forma, se relaciona com o
cenário político sob o olhar reflexivo.
• Muitos dos artistas contemporâneos
trazem estas questões em suas
produções. Assim, algumas destas
questões são exploradas a partir das
produções desses artistas.
Diário coletivo
A arte contemporânea reflete as questões sociopolíticas e, ao abordá-las no ensino de
Arte, confrontam-se questões cotidianas que determinam condições culturais, estéticas e
econômicas. Questionam-se as narrativas hegemônicas contemporâneas como o medo, a
insegurança e o terrorismo. Entender que política não é um partido ou estruturas organizadas,
entender que existe a política do cotidiano, que “[...] a vida e a gestão do corpo, da sexualidade,
da família, da escola, da relação com os saberes, com os médicos, com os psiquiatras, que tudo
isso tem uma dimensão política e que o poder não se resume a um presidente, a um ministro”
(CANTON, 2009d, p. 24). O analfabetismo político também distancia o cidadão de estar no
mundo.
119
O analfabeto político
O pior analfabeto
é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala,
nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe o custo da vida.
O preço do feijão, do peixe, da farinha,
do aluguel, do sapato e do remédio.
depende das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro
que se orgulha e estufa o peito
dizendo que odeia política.
Não sabe o imbecil que da sua ignorância política
nasce a prostituta, o menor abandonado e o pior dos
bandidos que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio.
“das empresas nacionais e multinacionais.”
Bertold Brecht (1982, p. 12).
A passagem do entendimento universal e generalista, de unificação do modernismo para
o entendimento da identidade, da fragmentação e das subjetividades do pós-modernismo reflete
na maneira de entender possibilidades da arte no contexto de seu ensino. As micropolíticas
representam uma dessas possibilidades de temas que instigam e desconfortam por tratar de
situações incômodas e que necessitam de posicionamentos diante dos acontecimentos
contemporâneos que discutem questões de gênero, econômicas, culturais e ambientais, entre
outras.
Os períodos da história da arte e seus movimentos misturam-se com os temas
contemporâneos, com leituras do mundo e com as linguagens artísticas como forma de
expressar e comunicar as questões da micropolítica. Parte-se nesse ato da necessidade do
encorajamento de práticas com a arte contemporânea e com seus temas para discutir sobre a
própria vida e entender que a arte tem a potencialidade de falar sobre o sujeito e sobre o mundo.
Pensar na arte como próxima da vida talvez seja mais difícil do que pensar na arte como
forma diferente da vida. A figura 12 a seguir representa, por meio de colagens de recortes de
jornais, as diversas questões tratadas sob o olhar das micropolíticas. Essas percepções sobre
acontecimentos da atualidade podem ser inseridas como conteúdo representado nas produções
da arte contemporânea.
120
Figura 12 -Diário coletivo: Micropolítica
Fonte: Dados da pesquisa: Diário coletivo.
As manifestações de junho de 2013, as preocupações ambientais, as dúvidas e tantos
outros elementos são cenários vivenciados pelos indivíduos e propulsores de possíveis focos
para se tratar de arte na escola. A questão para o professor é como incluir esse cenário,
apropriando-se das produções contemporâneas nas aulas. Essa prática rompe com o ensino da
história da arte e de técnicas pictóricas. É incluir o olhar para o que acontece com a busca por
artistas que inserem essas questões em suas produções e transpor essa união para as aulas de
arte.
No registro do diário coletivo, o professor entende que, quando estamos conhecendo e
lendo a vida do artista e sua trajetória e até o reconhecimento das obras, podem-se agregar
discussões sobre os temas da micropolítica. Nas leituras das obras, essas temáticas também
poderiam ser suscitadas. Dessa forma, a vida do artista e sua obra representariam as questões
sociais e políticas sob o olhar do artista, e o espectador faria a sua leitura da obra
contextualizando a vida do artista, seu posicionamento social e sua produção.
Contextualizar a arte incita entendê-la como manifestação social integrada a todas as
questões micropolíticas da contemporaneidade. As obras e a vida dos artistas podem, de alguma
forma, abranger essas questões. Artistas contemporâneos usam de suas subjetividades e
vivências para compor sua obra.
121
Na figura 13 a seguir, o professor estabelece uma relação entre a produção artística
(esculturas, textos, pinturas), a vida do artista e o cotidiano, como maneira de entender as
questões micropolíticas e de manifestar-se acerca delas pela arte.
Figura 13 - Diário coletivo: Micropolíticas26
Fonte: Dados da pesquisa: Diário coletivo.
É pertinente para os sujeitos desta pesquisa uma proposição vinda por meio da
abordagem triangular, a contextualização da arte. Existe o entendimento de que a arte resiste às
convenções e propõe a crítica sobre as questões micropolíticas.
Transcrição do texto: “Penso que de todas as formas, desde que apenas uma figura, quadro, pintura, escultura,
até na própria escrita podendo estudar suas vidas, memórias e biografias”.
26
122
A contextualização propõe que se contextualize a obra de arte não só pela via
histórica, mas também social, biológica, psicológica, ecológica, antropológica etc.,
pois contextualizar não é só contar a história da vida do artista que fez a obra, mas
também estabelecer relações dessa ou dessas obras com o mundo ao redor, é pensar
sobre a obra de arte de forma mais ampla. (BASTOS, 2005, p. 143).
Imagens de encarcerados, de políticos, de crianças e da bailarina no meio da rua,]
integram grupos e movimentos políticos que podem ser apropriados na educação para um
ensino do que se vê. Pensar dessa forma integra essa temática aos estudos da Cultura Visual,
com uma apreensão particular sobre as realidades para uma compreensão crítica do cenário
contemporâneo.
Nesse movimento de entender as provocações da micropolítica, a arte torna-se
possibilidade de expressão. Na figura 14 a seguir, as crianças estão elaborando cartazes. Junto
à imagem escolhida por um dos sujeitos, agregou-se a seguinte frase: “Através dos movimentos
artísticos é possível reivindicar direitos e conscientizar deveres...”. Nesse encaminhamento, a
arte pode ser uma ferramenta para a educação como instrumento ideológico. Entretanto, ao
pensar-se em uma educação e uma arte que provoquem a autonomia do pensamento, a
transmissão de uma ideologia configura-se mais como a manutenção de algo do que a
transformação e crítica diante das temáticas contemporâneas. O entendimento da arte a serviço
da sociedade é diminuir o potencial estético e a criação artística “[...] a uma expressão direta e
imediata de ditos interesses” (VÁZQUEZ, 2011, p. 20).
123
Figura 14 - Diário coletivo: Micropolíticas27
Fonte: Dados da pesquisa: Diário coletivo
As questões sobre micropolíticas na arte apresentam-se como horizonte de interações
entre os sujeitos e contextos sociais, um estado de encontro entre o cotidiano e a produção
artística contemporânea, um estar-junto entre o professor e o estudante. Eu quero ver como eu
posso trabalhar essas coisas, essas imagens com eles dentro de sala de aula para eles estarem
entendendo o que eles estão fazendo. Porque eles desenham muito Bob Marley, a folha de
Maconha. Isso eu ainda quero trabalhar com eles. Não fechar os olhos. Trabalhar com o que
eles te dão (Luciana).
Um dos desafios dos docentes é a busca por práticas e temas que se apresentam em
constante transformação em um mundo de perspectivas incertas. Isso por meio da produção
artística contemporânea que é a intersecção de vários campos do saber.
27
Transcrição do texto: “Através de movimentos artísticos é possível reivindicar direitos e conscientizar deveres”.
124
O território do professor é a sala de aula. Mas tanta coisa acontece fora dela. Nos recortes
percebem-se as questões políticas, ambientais, a preocupação com a educação, as manifestações
de rua; em resumo, as questões cotidianas que de alguma maneira movimentam a sociedade.
Nos registros encontra-se o que está presente na vida e que, por vezes, materializa-se na arte.
As questões micropolíticas conectam a sala de aula ao que está em seu entorno.
No quinto e último capítulo desta peça, pretende-se refletir sobre o encontro dos sujeitos
pesquisados com as temáticas da arte contemporânea, com o levantamento de reflexões sobre
a abordagem da arte contemporânea no ensino da arte e dos contextos modernos e pósmodernos.
125
5 CENA FINAL
A cena inicial de todo esse enredo foi o primeiro plano de ensino anual que fiz. Lembro28
que segui a cronologia da arte, tanto das artes visuais quanto das artes cênicas, distribuí os
períodos, suas características e intercalei práticas de artes visuais e de artes cênicas. Neste ano,
não cheguei a trabalhar com a arte contemporânea, não deu tempo dentro de uma organização
didática rígida e orientada por períodos e características da arte. Ao final daquele ano, percebi
que não ensinava arte. Se algum dos entendimentos possíveis de que a arte pode transformar,
ou emocionar, ou, de alguma forma, provocar o sujeito, e nenhum desses focos foi atingido,
não havia trabalhado arte. Apenas era um saber identificar períodos, um decorar características
e reproduzir outras produções artísticas por meio do teatro ou da arte visual. Fiquei pensando
por que a arte era importante enquanto disciplina e qual vivência estética eu queria que meus
estudantes tivessem. E o questionamento mais forte - o que se ensina em arte?
Comecei a pensar quando a arte passou a ser entendida como profissão. Lembrei de uma
instalação de Denise Stocklos com fotos, uma voz recitando não lembro o quê. Em um quarto
branco havia malas espalhadas e tudo aquilo me deixou transtornada. A sensação era de ter
entrado em um estado que tirava todos os meus apoios, como que duvidando de tudo o que
tinham me ensinado ser arte. No encontro com a arte contemporânea e suas misturas, atribuí
significados às experiências estéticas provocadas pelas obras. Esta pesquisa tem fundamentos
também nesse enredo.
Afinal, quais são as narrativas quando nos colocamos diante das temáticas que a arte
contemporânea utiliza em suas produções? Perceba a expressão “colocarmo-nos frente à arte”,
ir ao encontro dessa nova produção. Essas temáticas são enredos contemporâneos da vida
cotidiana, pensar sobre o tempo, sobre o espaço, sobre as novas linguagens e misturas na arte,
sobre nossas lembranças, nosso corpo, a identidade em um tempo que está em constante
transformação. Assim, neste processo de pesquisa pude fazer algumas constatações.
Penso sobre por que existe a resistência dos professores em participar de pesquisas sobre
educação. A razão remete à insegurança de nossa classe diante da avaliação do que está sendo
feito. De oito professores, quatro dispuseram-se a participar da investigação. Três deles falaram
de sua insegurança diante da arte contemporânea. Apenas um indicou sua preferência pela arte
que é produzida na atualidade. Esses professores foram corajosos ao serem sujeitos de uma
investigação e sinceros ao admitir suas inseguranças e suas preferências pela arte clássica.
28
Aqui retorno a primeira pessoa por serem impressões e análises pessoais sobre a pesquisa.
126
Nesse processo de coletar narrativas, essas inseguranças apareceram no diário coletivo
em perguntas referentes aos artistas contemporâneos e à arte contemporânea enquanto
conteúdo. Apenas um professor escreveu seus artistas, suas impressões sobre as possibilidades
de se trabalhar com a arte contemporânea. Encontro a resposta dessa insegurança em uma das
entrevistas que diz ser o contemporâneo o novo, o diferente, é o que assusta, o que provoca, o
que instiga, eu particularmente ainda tenho receio deste novo, ainda prefiro chegar até o
moderno (Salete).
Esse contato inicial com a arte contemporânea pode acontecer apenas durante a
formação do professor e, desse ponto de partida, o professor irá compor seu repertório e seu
entendimento sobre a produção artística atual. Nas entrevistas com os professores, os dados da
presença da arte contemporânea na graduação trazem a disciplina como modular em um
semestre específico, não sendo tratada nas outras disciplinas ou nem aparece como disciplina.
Aqui se acenam outras possibilidades de pesquisas sobre o contato do professor com o
objeto de arte contemporâneo fora do contexto escolar. Será que esse professor se sente
provocado pela arte produzida hoje para além de seu uso didático? Será que ele frequenta
espaços culturais? Lê sobre Arte? O que ele lê sobre Arte?
Quando pensei na maneira de coletar informações para essa investigação, fiquei com
receio de perguntar diretamente sobre a arte contemporânea e estar falando de algo que não
existia para os professores. Dessa forma, a entrevista foi mediada por uma vivência estética
com imagens de obras de artistas contemporâneos e procurou instigar os professores a entrar
nesse cenário na procura de informar sobre novos temas para as aulas de arte ao utilizar a arte
contemporânea. Um dos sujeitos relata positivamente essa ideia inicial quando diz que, talvez,
após esse trabalho, essa conversa a gente tente colocar um pouquinho desde contemporâneo
no currículo da gente, para estar vivenciando estas experiências novas com os alunos, até
porque eles têm o direito de conhecer o novo também (Salete).
O espaço que a arte ocupa enquanto disciplina é representado na ocupação do espaço
pela produção artística dos estudantes. Se a arte contemporânea ocupa o espaço público parando
as pessoas para olhar, os professores de arte expõem os trabalhos de seus alunos para provocar
os sujeitos da escola sobre a importância da arte como área de conhecimento. Parar essas
pessoas dentro da escola é provocar para a presença da arte neste espaço. Provoca os outros
alunos a parar, porque não tem como você passar na frente do mural e não olhar (Salete).
Este estudo dirigiu seu foco sobre as narrativas de professores de arte do município de
Navegantes sobre as temáticas que a arte contemporânea utiliza em suas produções. Com a
investigação de quatro professores que se dispuseram a participar não se pretende a
127
generalização, mas uma pequena mostra de dados, com possíveis identificações entre o leitor e
os fatos narrados.
Em suas narrativas, de suas práticas e entendimentos sobre a arte contemporânea, as
memórias sobre como haviam sido suas aulas de arte abrem reflexões sobre querer fazer
diferente do que havia sido vivenciado. A mudança do foco do que seria o ensino da arte passa
do entendimento do ensino do artesanato, entendido como o fazer manual de objetos, sem
identidade cultural, potencial criativo ou contextualização com a arte.
O entendimento do moderno e pós-moderno na arte e no ensino dela abre a discussão
sobre o que foi legitimado como arte e como essa hegemonia apresenta-se como conteúdo nas
aulas de arte. Refletir sobre concepções modernas e pós-modernas fornecem aporte para as
concepções do que se ensina em arte e a revisão do ensino da arte atual.
Nas mudanças da arte cabe a análise das metodologias do ensino da arte. A arte
contemporânea se enquadra nas propostas do ensino da arte? Apresentaram-se algumas
possibilidades, dentre outras existentes: cultura visual, abordagem triangular e estética do
cotidiano. Entretanto, se o professor não aprofundar-se nas produções contemporâneas de arte,
ela não será inserida nas aulas. A arte contemporânea necessita do olhar e da reflexão, sem a
passividade e as certezas verdadeiras diante do objeto de arte.
Com um repertório variado de arte o professor pode escolher o que levar para suas aulas.
Sobre os artistas que marcaram esses sujeitos e que utilizam em suas aulas encontramos as
seguintes referências de artistas: Romero Brito (que aparece também em uma imagem do diário
coletivo) e Miró foram citados pela professora Cecília; Salvador Dali, Pablo Picasso e o
movimento surrealista são as preferências da professora Salete; sem citar referenciais por nome
a professora Luciana indica que sua tendência é o cenário contemporâneo, mas que não utiliza
suas preferências e sim ver com os alunos as preferências deles. Eu tento trabalhar o que eu
sinto que eles vão interagir, que eles vão se interessar (Luciana); o Movimento Modernista
agrada o professor Juliano que indica sua preferência pela música. Apenas um professor citou
artistas contemporâneos com os quais trabalha: Leda Catunda, Nuno Ramos, Amilcar de Castro,
Tomie Ohtake, Maria Bonomi, Amélia Toledo, Siron Franco, Carlos Fajardo, Bispo do Rosário
e os Gêmeos grafiteiros.
Essas preferências não foram reconhecidas durante seu tempo como aluno de arte, que
para eles não tratava a arte como área de conhecimento, mas era o simples fazer manual. Esses
artistas foram introduzidos em seu repertório durante sua graduação em arte – aqui vale ressaltar
a importância da inserção da arte contemporânea no ensino superior. Outro dado levantado da
128
pesquisa é que há cinco anos não havia uma formação continuada especificamente na área de
arte na rede estadual de ensino.
A formação do repertório de arte contemporânea tem relação ao acesso a essa produção.
A mídia influencia nessas escolhas. Comprova-se isso com a presença de Romero Britto e Vik
Muniz como referência em três professores. Os demais artistas são amplamente divulgados em
livros de arte e de história. Onde está a arte contemporânea para que esses professores possam
ter acesso a ela? Como provocá-los a ir à procura das obras contemporâneas e de possibilidades
de tratar de suas temáticas no ensino da arte? Essas questões ficam...entendo que não acharia
todas as respostas dentro da pesquisa. A pesquisa não acaba aqui, abre indagações para novas
investigações. Essa dificuldade permeia o acesso e a escassez de material sobre o assunto nas
escolas e no acervo dos docentes, o que diminui o repertório e, consequentemente, as
possibilidades da inserção do ensino da arte contemporânea.
Nas entrevistas e no diário, percebi que apenas uma professora se sentia à vontade no
cenário contemporâneo da arte; as demais raramente pensavam nas possibilidades de trabalho
dentro das temáticas da arte atual. Contudo, percebi que eles sabiam da importância de tratar
do assunto nas aulas e a importância de dar ao estudante o acesso a essa produção. Duas
professoras assumiram sua insegurança e falta de conhecimento para inserir a arte
contemporânea em suas aulas e em seu repertório visual.
Nessa aceitação do que é o contemporâneo e do que se entende por arte e seu ensino, é
necessário perceber o contexto desses professores. De que forma podem se atualizar? Quais
suas análises sobre o que é a arte contemporânea e do que se ensina em arte na atualidade?
Esses são questionamentos para provocar o professor de arte diante das possibilidades do ensino
da arte contemporânea.
Incluir a arte contemporânea nas aulas de arte leva a pensar o ensino da arte na pósmodernidade. Constata-se pela fundamentação de Efland (2005), Bauman (1998), Hall (2011)
e Harvey (2006) que este é um processo de diálogo entre cultura e os saberes em arte, uma
valorização da diversidade e o processo de globalização do acesso à informação unindo
processos de vivências estéticas e produções artísticas, sem negar toda a produção artística
anterior. Nesses percursos, o professor tem a compreensão de diferentes maneiras de fazer-se
arte com uma potencialidade crítica da análise do complexo e diversificado contexto
contemporâneo.
A ocupação da arte na contemporaneidade é uma ocupação de espaços externos e
espaços pessoais. Pessoais no sentido de ocupar-se da arte, gostar da arte, impregnar-se das
129
coisas que são produzidas. Externo ao propor que as temáticas da contemporaneidade sejam
conhecidas e divulgadas.
Essa preocupação em tratar os temas e as produções da arte contemporânea nesta
pesquisa encontrou, na fundamentação de Canton (2009a), seis temas que iriam norteá-la. A
autora de maneira simples indica artistas brasileiros e suas temáticas de trabalho como
proposições de estudo da arte contemporânea. E Cauquelin (2005), crítica francesa, amplia o
entendimento do que seria a produção da arte na atualidade.
Nas descrições sobre propostas de como e o que ensinar pela arte, como disciplina,
abordagens quase metodológicas são maneiras de fazê-lo, mas a questão encontrada que
bagunça a ordem do planejar é: o que ensinar com a arte. Com aproximações e distanciamentos
entre o que é arte e o que é cultura, entende-se que nem tudo que se vê é arte e nem tudo é
cultura, mas que, em alguns instantes, podem aproximar-se. Que o lá fora da sala de aula e as
vivências estéticas podem atribuir sentido ao que se entende por arte, provocando novos olhares
sobre o cotidiano.
Como esses sujeitos que participaram desse estudo relacionam-se com a arte
contemporânea permeia a questão do acesso e da tentativa do professor de ultrapassar suas
preferências com a transgressão de um currículo estático e com conformidades para um
currículo estético e com a ousadia de pesquisar novas temáticas e inserir o que ainda é estranho
e sem definições a priori. Em alguns relatos, percebe-se o trabalho dos professores com artistas
contemporâneos. No entanto, entende-se que em um ensino pós-moderno não é apenas o artista
que se constitui material de estudo. O estudo da arte da atualidade organiza-se em narrativas
não lineares, com participação das críticas e levantamentos dos estudantes. As manifestações
artísticas são aceitas dentro de sua diversidade de materiais e de temas.
Ser professor de arte e gostar de arte permeia a busca pela compreensão das mudanças
conceituais e históricas que envolvem a arte, não apenas por preocupações didáticas, mas pela
importância das vivências estéticas com a arte contemporânea para um sujeito que escolheu o
cenário da arte como campo de imersão.
No cenário da arte contemporânea, cotidianamente aparecem mais artistas e outras
tantas produções. Assim, uma forma de delimitar o campo de estudo da pesquisa foi margear
os temas que aparecem em produções atuais. Esses temas convergem para o entendimento do
que e de como se produz arte na contemporaneidade. Uma divisão didática que procura entender
de que forma os professores da atualidade dialogam com a produção atual. Esses temas já foram
utilizados em momentos e períodos da arte, mas, na produção da arte contemporânea, carregam
130
significados e comunicações que se relacionam com as mudanças que acontecem no tempo
definido aqui como pós-moderno.
Esse tempo traz narrativas que rompem a linearidade de uma história bem contada, que,
de tão diferente, estranha. Para a Arte, já não sabemos se existe a fragmentação entre as
linguagens, tudo se hibridiza. E a disciplina de arte discute maneiras de ensinar cada uma das
linguagens. Entretanto, a estrutura de funcionamento em rede interliga e possibilita não o que
elas têm de oposição, mas onde se encontram - em um novo processo de leitura da arte.
Para ensinar arte é preciso uma sala vazia, sem nada, e nesse espaço acontecem
transformações. A arte ocupa os lugares e provoca o olhar. Explorar espaços de arte fomenta
possibilidades de entender como o contato com a arte alimenta as concepções estéticas dos
sujeitos e sensibiliza para a importância da arte e de qual pode ser sua função no lugar escolar.
A memória começa na pesquisa antes de tratar do próprio tema. Quando narramos algo
trazemos fatos e lembranças para o presente, revisitamos conceitos e pensamos a respeito de
nossa identidade docente. As obras e os objetos de artistas trazem lembranças autorais que não
querem ser estagnadas, mas geradoras de futuro. E, das lembranças narradas, propostas de
mudanças na maneira de ensinar arte e do que ensinar em arte aparecem.
O tema mais delicado para a pesquisa foi o corpo e a identidade. A intenção era dentro
desse cenário entender quais os artistas, as obras e o entendimento diante de novos suportes e
materialidades que são agregados pela arte contemporânea. Entendemos que esse tema era o de
maior transgressão diante de propostas acadêmicas de ensino da arte e podemos articular essa
transgressão à dificuldade de incluir temas estranhos e incertos, que não permeiam definições
e características padronizadas do ensino da arte.
Os temas das questões cotidianas estavam dentro de outro tema da arte: as
micropolíticas. O olhar para fora da sala para aproveitar movimentos sociais, estéticos, ligados
ao meio ambiente, à fome, a todas essas inquietações diárias, passam a integrar o conteúdo da
arte, em uma proposição de relacionar a arte às questões sociopolíticas. Nesse processo do
encontro com os professores que participaram da pesquisa com as imagens e os temas da
produção contemporânea, provoca-se para possibilidades do que ensinar em tempo da morte do
que se entendia por arte e como consequência a revisão do que se entendia o que é o ensinar
arte.
O que fica disso tudo? Nesta pesquisa, com a apropriação de narrações de outros e com
meus próprios devaneios sobre o que se ensina com a arte e de como a arte contemporânea pode
ser um desafio nessa perspectiva, a mudança acontece nas provocações aos alunos do que a arte
pode significar. Já não divido períodos ou estabeleço limites com os conteúdos, penso que a
131
palavra que pode definir melhor minha concepção de ensino da arte seja hibridação. Relacionar
períodos, buscar por temas os conteúdos, produzir com linguagens que antes não se misturava
e agora se articulam em narrativas enviesadas, não ir para a docência com tantas regras e
definições a priori, mas com repertório sobre o conteúdo que possa transpor a obviedade
midiática do que se produz em arte.
A cena final apresenta uma professora muito mais consciente dos caminhos que a arte
contemporânea pode oferecer ao ensino da arte. Ela tem sua última fala: - Ao final de todos
esses dizeres, muita coisa pode ter sido acrescentada ou mudada para quem leu ou para quem
narrou. Entretanto, a certeza que tenho sobre transformação foi a que aconteceu comigo. Uma
transposição para dentro do curso incerto do rio.
132
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138
APÊNDICES
139
LISTA DE APÊNDICES
Apêndice A: Imagens do Diário coletivo
140
Apêndice B: Roteiro com provocações acerca das temáticas da arte contemporânea
165
Apêndice C: Roteiro para entrevista mediada por uma vivência estética
168
Apêndice D: Termo de consentimento livre e esclarecido
170
Apêndice E: Transcrição das entrevistas com os professores
171
140
Apêndice A - Imagens do Diário coletivo
141
142
143
144
145
146
147
148
149
150
151
152
153
154
155
156
157
158
159
160
161
162
163
164
165
Apêndice B - Roteiro com provocações acerca das temáticas da arte contemporânea
VIVÊNCIA ESTÉTICA SOBRE ARTE CONTEMPORÂNEA
[...] A dificuldade que se enfrenta diante de uma obra de arte contemporânea está
no aparecimento de uma multiplicidade de códigos individualizados. É o fim das
narrativas antes extraídas da vida, dos textos sagrados, da literatura, da ordem de
composição com base nas regras de proporção, das harmonias musicais, da
arquitetura, etc. (PESSI, 2008, p.66).
O objetivo geral desta conversa é: Estabelecer diálogos com a Arte Contemporânea e relacionar com o
ensino da Arte. Durante o percurso irei fazer alguns questionamentos e mostrarei algumas imagens e
vídeos para dialogarmos.
No primeiro bloco usaremos os livros Temas da Arte Contemporânea de Katia Canton. São seis os temas
abordados: Do Moderno ao Contemporâneo, Espaço e Lugar, Narrativas Enviesadas, Tempo e Memória,
Da Política às Micropolíticas e Corpo, Identidade e Erotismo.
No segundo bloco, iremos conversar sobre as narrativas dominantes e como elas influenciam nossas
escolhas e nos formam como sujeitos históricos.
No terceiro bloco, os referenciais utilizados e os materiais didáticos disponíveis sobre a Arte
Contemporânea serão o foco da pesquisa.
Registraremos nossas memórias e percepções em um diário coletivo.
Agradeço muito sua participação e tenho certeza que esse espaço de diálogo irá agregar conhecimento
e novos saberes à nossa prática.
Contato: [email protected]
Tema 1 – Do Moderno ao Contemporâneo
Com o passar do tempo, a arte moderna, que buscava sobretudo a experimentação, sofre
um desgaste. Ela se torna tão experimental que acaba por afastar-se do público, que passa
a achar suas manifestações ora estranhas, ora inquietantes e de difícil compreensão.
Diferentemente da tradição do novo, que engendrou experiências que tomaram corpo a
partir do século XX com as Vanguardas, a arte contemporânea que surge na continuidade
da era moderna se materializa a partir de uma negociação constante entre a arte e vida,
vida e arte. Nesse campo de forças, artistas contemporâneos buscam sentido, mas o que
finca seus valores e potencializa a arte contemporânea são as inter-relações entre as
diferentes áreas do conhecimento humana. (CANTON, 2009b, p.49).
Que imagens das Vanguardas e do Modernismo usamos?
Tema 2 – Espaço e Lugar
Os termos espaço e lugar têm o mesmo significado? Na verdade, cada um deles designa
uma relação singular com as circunstâncias e os objetos, segundo o pensamento de
Anthony Giddens. Para esse sociólogo britânico, a palavra “espaço” é utilizada
genericamente, enquanto “lugar” se refere a uma noção específica do espaço: trata-se de
166
um espaço particular, familiar, responsável pela construção de nossas raízes e nossas
referências no mundo. (CANTON, 2009g, p. 15)
Linguagem analisada: Grafite.
Artista observada: Sonia Guggisberg.
Tema 3 – Tempo e Memória
Suas memórias da Arte...
Artistas:
José Rufino e Albano Afonso.
No texto Desenhos ao Léthe, José Rufino conta sua experiência:
Março de mil novecentos e noventa. Carregando na bagagem centenas de cartas escritas
ao longo de décadas para o meu avô, eu chegava a São Paulo para uma estadia de dois
anos. Ao mesmo tempo em que fazia mestrado em Paleontologia, encapsulado num
apartamento no alto de Sumaré, dava prosseguimento a uma jornada já iniciada no final
dos anos oitenta, uma espécie de estratigráfica de toda a correspondência, lendo
relatórios íntimos de parentes vivos e mortos, e separando, cada vez com mais audácia,
certos tipos de envelopes para dar continuidade às intervenções com desenhos, colagens,
e aquarelas, já iniciada na Paraíba. [...] Ao mesmo tempo em que trabalhava nos
envelopes, iniciei a leitura das cartas. No início, um pouco acanhado por violar histórias
e emoções tão particulares. Aos poucos fui penetrando naquele mundo de pequenas
falhas, fraquezas, vaidades, encontros e desencontros. A primeira sensação foi frustração
e impotência diante da ciclicidade de sentimentos recorrentes naquelas cartas. Estaria
fadado a ser o responsável por uma historiografia familiar? Responderia pelo resto da
vida como guardador do Estatuto das intimidades? (p. 40-41).
Albano Afonso:
A minha questão da memória vem quase sempre da história da arte, vem do início do
retrato. Na minha cabeça, o modo como a gente se vê hoje vem do modo como os artistas
retratavam a si próprios e aos outros, ou seja, essa memória vem do acúmulo de
informações no tempo, e que depois as pessoas retratam na pintura e na fotografia, por
exemplo, assimilando esse repertório histórico da história da arte.
Tema 4 – Micropolíticas
Artistas e pensadores substituem a noção de Política, com “P” maiúsculo mesmo, pelas
micropolíticas – a saber, uma atitude focada em questões mais específicas e cotidianas,
como gênero, a fome, a impunidade, o direito à educação e à moradia, a ecologia, enfim,
tudo aquilo que nos diz respeito e nos faz viver em sociedade.
Artistas: Eduardo Srur e Rosana Paulino. (rede)
De que formas as micropolíticas são inseridas no ensino da Arte?
Tema 5 – Narrativas Enviesadas
Ponto de reflexão:
[...] proponho o conceito de narrativas enviesadas para comentar uma forma particular e
167
contemporânea de contar histórias.
A modernidade do século XX, com suas propostas de vanguarda que libertaram a arte da
representação do real e desembocaram na geometrização e na simplificação formal até a
abstração, modificou nossa noção de narrativa ou estruturação de uma obra ou um texto.
As narrativas enviesadas contemporâneas também contam histórias, mas de modo não
linear. No lugar do começo-meio-fim tradicional, elas se compões a partir de tempos
fragmentados, sobreposições, repetições, deslocamentos. Elas narram, porém não
necessariamente resolvem as próprias tramas.
Na prática, a ideia é discutir uma produção artística que surge no cenário internacional,
incluindo o Brasil, sobretudo a partir de meados dos anos 1990. Trata-se de um tipo de
obra ou texto que dá indícios de contar uma história, mas que recusa a criar uma narrativa
cujo sentido seja fechado em si mesmo, ou seja, que possa ter linearidade.
Artistas: Georgia Vilela e Vítor Mizael.
Tema 6 – Corpo, Identidade e Erotismo
A arte assume com frequência uma postura de reinvindicação: o corpo na cidade
contemporânea é negado, rejeitado, neutralizado, funcionalizado ao exagero. É apenas
uma peça de um jogo abstrato, dentro de uma enorme máquina que devora a energia. O
artista reivindica então um “direito ao corpo”, à emoção carnal, mesmo que tenha de
passar pelo sofrimento, o inaceitável, o feio, o sujo, mesmo o pavoroso. Como qualquer
corpo, do qual ela seria a expressão, a obra é efêmera, convive com a escatologia, o
dejeto e o lixo. [...]. (CAUQUELIN, 2005, p.148).
Questionamentos Finais:
Como se dá a apropriação dos temas da arte contemporânea?
Qual a fruição possível ao observar uma obra de arte contemporânea (de estudo e de
leitura?
Como nós professores (as) estabelecemos diálogos com a produção contemporânea?
Quais narrativas esta produção promove?
Quais artistas contemporâneos você trabalha com seus alunos(as)?
168
Apêndice C - Roteiro para entrevista mediada por uma vivência estética
1) Roteiro das falas: Do moderno ao contemporâneo, não apresentou nenhuma obra modernista,
mas fez a reflexão sobre a estagnação do ensino da arte no período modernista e quais seriam
os motivos dessa parada. Em qual momento da cronologia da Arte as aulas estacionam?
A respeito do primeiro tema do moderno ao contemporâneo, na nossa prática, em sala de
aula, esse período do modernismo ele é bem marcante. Então, até que ponto a gente
consegue, na História da arte, passar desse momento do Moderno e chegar até ao
Contemporâneo?
2) Levantar reflexões sobre Espaço e Lugar. Foram apresentadas imagens das obras Bolhas
urbanas, 2006, de Sônia Guggisber. A conversa indagava sobre de que maneira o ensino da
Arte pode transformar o espaço da escola em lugar de pertencimento e quais seriam os
lugares esquecidos na escola.Com relação ao espaço e lugar (relativas às obras de Sonia
Guggisberg), como que a Arte pode transformar o espaço da escola num lugar?
3) Sobre o tema Tempo e memória, foram apresentados dois vídeos. Um sobre a obra de José
Rufino (http://www.youtube.com/watch?v=ag6Ye6ub_As) e outro sobre Albano Afonso
(http://www.youtube.com/watch?v=6-GeeFiCgXI). O questionamento foi acerca de suas
memórias de ensino da Arte. Quais imagens são afetivamente essenciais ao Ensino da Arte?
Como a memória pessoal influencia nas escolhas das imagens que o professor usa em sala
de aula? A próxima questão relativa ao tempo e a memória (questões relativas às obras de
José Rufino e Albano Afonso). Eu vou fazer três perguntas - elas têm relação uma com a
outra e, daí, conversamos. Primeira pergunta é como as nossas memórias influenciam nas
nossas escolhas do que mostrar para o aluno, o que trabalhar com o aluno? Outra questão é
quais os artistas que marcaram vocês, quem você tem como referência, de quem você gosta?
E daí como estas lembranças estão presentes na aula, na verdade estas nossas lembranças
são as nossas escolhas, as nossas preferências.
4) Como quarto foco, foi apresentada a ideia de micropolíticas. A pergunta principal é de que
maneira questões de gênero, ecologia, entre outras são inseridas no ensino da Arte. Os
artistas apresentados foram Eduardo Srur, com as obras Caiaque (2006), Pets (2008) e
Labirinto (2012) e Rosana Paulino, Ainda a lamentar (2011), Proteção extrema contra a dor
e o sofrimento e com as obras da série Bastidores (1997).
Agora as questões do tema quatro, que são as questões da micropolítica. Como que a mídia
entra na sala de aula, quais são as imagens, as músicas, que os alunos trazem para dentro da
sala de aula. O que eles comentam com vocês, no desenho deles, que traço, que objeto, que
personagem dessa mídia dominante, a massa que eles trazem para dentro da sala de aula.
Então, como a mídia influencia os trabalhos na sala de aula, o que eles trazem para você de
bagagem? (referente às obras de Eduardo Srur e Rosana Paulino).
5) O tema Narrativas enviesadas trouxe obras de Georgia Vilela, série Comprometida para
Sempre (2006) e Vitor Mizael, série Autorretratos (2004). A conversa levantou questões
relativas às diferentes linguagens da arte e a polivalência dos professores(as) de arte.
Do tema Narrativas Enviesadas. A arte contemporânea mistura as linguagens e o professor
de arte tem a questão da polivalência, artes visuais, teatro dança e música. Existe uma
maneira de você trabalhar essas diversas linguagens?
6) Corpo, identidade e erotismo foram representados por trecho de vídeo de Marina Abranovic
169
(http://www.youtube.com/watch?v=ZJIVCZ8H0M0)
e
Lilian
Bardon
(http://www.youtube.com/watch?v=CLNyI27xjOE). Neste último bloco, procuramos
refletir sobre a linguagem da arte contemporânea e seu estranhamento pelo público. Como o
professor(a) se apropria dos temas da Arte Contemporânea? Quais os caminhos de fruição
ao observarmos/sentirmos a obra contemporânea? Como professores(as) estabelecem
diálogos com a produção de arte atual? Quais narrativas essa produção promove? Quais
artistas esses docentes utilizam para propor reflexões acerca das temáticas da arte
contemporânea?
170
Apêndice D - Termo de consentimento livre e esclarecido
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Rua Uruguai, 458, Cx. Postal 360 - CEP 88302-202 - Itajaí -SC –
Fone/Fax (047)3341-7516 – www.univali.br/ppge
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE
Esclarecimentos
Este é um convite para você participar da pesquisa As narrativas dos professores(as) sobre Arte
Contemporânea, que tem como pesquisador responsável Andréia Regina Bazzo
Esta pesquisa pretende estabelecer diálogos com a Arte Contemporânea e relacioná-los com o ensino da
Arte. O motivo que nos leva a fazer este estudo é para perceber como a linguagem da arte contemporânea dialoga
com os professores (as) e como se insere no ensino da Arte.
Como metodologia de coleta de dados serão gravadas as narrativas durante entrevista e vivência estética
e, para agregar dados, será feito um diário coletivo entre os participantes da pesquisa que trará questionamentos e
espaços para relatos dos sujeitos.
Durante todo o período da pesquisa você poderá tirar suas dúvidas ligando para (47) 9991 4790 ou pelo
e-mail [email protected].
Você tem o direito de recusar a participar ou retirar seu consentimento em qualquer fase da pesquisa, sem
nenhum prejuízo para você.
Os dados que você irá fornecer-nos serão confidenciais e serão divulgados apenas em congressos ou
publicações científicas, não havendo divulgação de nenhum dado que possa lhe identificar. Esses dados serão
guardados pelo pesquisador responsável por essa pesquisa em local seguro e por um período de 5 anos.
Este documento foi impresso em duas vias. Uma ficará com você e a outra com o pesquisador responsável,
Andréia Regina Bazzo.
Após ter sido esclarecido sobre os objetivos, importância e o modo como os dados serão coletados nessa
pesquisa, concordo em participar da pesquisa Narrativas dos professores(as) sobre Arte Contemporânea e
autorizo a divulgação das informações por mim fornecidas em congressos e/ou publicações científicas desde que
nenhum dado possa me identificar.
Navegantes,
Assinatura do participante da pesquisa
171
Apêndice E - Transcrição das entrevistas com os professores
Investigadora:
Cecília:
Investigadora:
Cecília:
Investigadora:
Cecília:
Investigadora
Cecília:
Investigadora
Cecília:
Investigadora
Cecília:
Investigadora
Cecília:
Investigadora
Cecília:
Investigadora
Entrevista com Cecília em julho de 2013
Então, eu gostaria que você se apresenta-se: onde você está estudando, se têm a disciplina de
Arte Contemporânea e há quantos anos você está na docência em Arte.
Meu nome é Cecília, estou começando agora na disciplina de Arte. Porque eu sempre gostei de
artesanato, dei aula de artesanato e isso me levou a escolher. Porque eu sempre adorei dar aula,
né, desde pequena eu gostei muito. Mas eu não consegui entrar no caminho. Agora com o filho
criado eu disse, vou para o meu caminho. Comecei a estudar arte, como eu já fazia artesanato
eu juntei os dois. Acho importante conversar porque eu estou aprendendo ainda, estou fazendo
faculdade, estou no quarto período, estou muito satisfeita, é bem o que eu queria, estou me
esforçando bastante, porque é difícil.
Trabalhar e estudar é difícil.
Mas eu gosto muito, estou me dando bem, estou adorando.
E você tem uma matéria específica sobre arte contemporânea?
É, nós saímos agora da musicalização e estamos entrando na arte contemporânea. Não teve
muito tempo ainda, mas eu achei bem interessante, trabalhou alguns artistas.
E é uma aula que trabalha só arte contemporânea?
Não, tem vários temas. Até porque a maioria dos temas são feitos em cima da arte antiga. As
escolas trabalham muito nessa área, eu queria direcionar um pouco para a arte contemporânea.
Eu estou gostando, estou começando agora. O pouco que eu conheci eu estou gostando, eu tive
que mudar. Minha formação é lá no Uniasselvi. E eu entrei na arte por isso, o artesanato, sempre
adorei artesanato. E com a vinda da arte nas escolas, porque teve uma época que tinha pouco e
agora graças a Deus voltou e voltou com tudo para ficar. Eu achei que era a oportunidade que
eu teria para juntar o que eu sabia de artesanato com a arte.
E o Estado deu alguma formação?
Não, até agora não. Eu corro atrás, faço curso, vou atrás de professores que já tem formação, já
tem graduação, para me orientar, fazer curso com eles, particular, né.
A respeito do primeiro tema do moderno ao contemporâneo, na nossa prática, em sala de aula
esse período do modernismo ele é bem marcante. Então, até que ponto a gente consegue, na
história da arte, passar desse momento do Moderno e chegar até ao Contemporâneo?
É, na verdade, é uma chance que a gente vai ter de estudar mais o novo para chegar nesse
conceito e ir e vir, aí tu tens as duas opções, tu tens que ter domínio lá e cá. Enquanto o novo
eu não tenho muito domínio, né?
Com relação ao espaço e lugar [relativas às obras de Sonia Guggisberg], como que a Arte pode
estar transformando o espaço da escola num lugar?
Como eu não tenho tanta experiência, eu vou na experiência da nossa amiga [refere-se à
professora que trabalha na mesma escola com maior tempo de magistério], que é o melhor
caminho, né. Eu estou aprendendo bastante até agradeço a ela. Com isso eu vou me
direcionando para o que eu realmente quero. E ser uma boa professora de arte e demonstrar que
a arte é tão forte quanto uma matéria, com o peso que é o Português e a Matemática. Que a arte
veio com tudo mesmo, para fortificar a história toda. É também como se fosse uma recreação
para eles, só que com conteúdo para eles enfrentarem, de repente serem artistas. Eu tenho uma
aluna do segundo ano que ela diz sempre pra mim: “Professora, eu quero ser uma artista, eu
quero pintar”. Mas eu disse: “Para tu seres uma artista, para tu pintares, tu tens que aprender,
tu tens que ter o conhecimento. Do conhecimento tu vais para a arte de matéria, né”, eu disse
pra ela, né. “Primeiro vais aprender agora e mais adiante tu vais seguindo o teu caminho que tu
queres”. Então ela já desenha, ela faz sempre bastante desenho eu oriento: “Aqui tu fazes assim
né, dá uma mexidinha”. Eu já vou dando uma orientada para ela, mas sempre avisando ela que
ela precisa ter o estudo de tudo, de quem faz, de quem é a obra, como é que foi feita para depois
chegar no final, né? Estou bem contente assim. E com a experiência da Salete [outra professora
da escola] que está me valorizando muito. Eu tive uma boa escolha, né?
Teve, lógico. Porque é muito difícil a gente trabalhar sozinha.
Muitas me questionaram: porque não ficaste com as trinta horas lá do São José? Ah! Eu acho
que foi um momento assim que tocou alguma coisa em mim e disse não, divide porque a divisão
vai ter a união para ti.
Vai agregar.
172
Cecília:
Investigadora
Cecília:
Investigadora
Cecília:
Investigadora
Cecília:
Investigadora
Cecília:
Investigadora
Cecília:
Foi, foi.
A próxima questão relativa ao tempo e a memória. Eu vou fazer três perguntas que têm relação
uma com a outra e daí conversamos [Questões relativas às obras de José Rufino e Albano
Afonso]. Primeira pergunta é como as nossas memórias influenciam nas nossas escolhas do que
mostrar para o aluno, o que trabalhar com o aluno? Outra questão é quais os artistas que
marcaram vocês, quem você tem como referência, de quem você gosta? E daí como que essas
lembranças estão presentes na aula, na verdade essas nossas lembranças são as nossas escolhas,
as nossas preferências. Então, as questões: como as suas memórias influenciam em suas
escolhas? Os artistas, as imagens marcantes na história da arte para você? E como essas
lembranças estão na sua prática docente?
Como eu estou começando agora, de criança nós fazíamos muito artesanato, não se conhecia
obras. Era papel, lápis e canetinha, sempre assim, ou tipo de reciclagem, usava muita
reciclagem na época. Eu sou de 63 então né... eu acho que é muito valoroso eu estar na
faculdade hoje com a idade que eu estou, já é um grande passo tanto pra mim, quanto para
muita gente. Eu digo para meus alunos: “Vejam a idade que eu estou e ainda estou estudando.
E vocês com o tempo que vocês têm de sobra, que eu não tive a oportunidade que vocês estão
tendo. Então aproveitem e agarrem isso, né”? Eu acho que é um grande ensinamento para eles.
Verem que a minha idade não é barreira para nada. E de obras, eu estou ainda estudando, então
eu não tenho um grande leque. Eu gosto muito do Miró, do Romero Britto. Porque como eu
trabalhei sempre com artesanato e a gente trabalha muito as cores e acaba me puxando mais.
Mas eu também tento ser neutra e mostrar todo o leque que a gente tem de obras e
conhecimento, o pouco que eu tenho, mais eu vou estudando e indo atrás, tento me aprimorar
e passar esse conhecimento melhor para eles e até para mim.
Agora as questões do tema quatro, que são as questões da micropolítica. Como que a mídia
entra na sala de aula, quais são as imagens, as músicas, que os alunos trazem para dentro da
sala de aula. O que eles comentam com vocês, no desenho deles, que traço, que objeto, que
personagem dessa mídia dominante, a massa que eles trazem para dentro da sala de aula. Então,
como a mídia influencia os trabalhos na sala de aula, o que eles trazem para vocês de bagagem?
[Referente às obras de Eduardo Srur e Rosana Paulino].
Eu vou dar a visão das séries iniciais que é onde eu dou Arte. Eles puxam muito a parte dos
desenhos. Eles querem fazer aqueles desenhos, querem reproduzir. Então eu trago as imagens
e eles próprios fazem o desenho do jeitinho deles. Às vezes, eu não entendo o que eles fazem.
Eu pergunto: “O que você desenhou? “Ah, isso aqui é o Bob Esponja”. Às vezes, tu nem vês o
Bob Esponja ali, mas a alegria deles é tão grande de saber que fez um quadradinho, botou um
olhinho e virou pra ele um Bob Esponja que tu acabas concordando e dizendo pra ele “mas se
tu puxar uma perninha aqui”. Então tu vais trabalhando aquilo ali. Então ele olha e fala: “Não,
agora virou um Bob Esponja mesmo”, então ele já viu de outra forma.
Aproveitando a imagem que ele traz?
É. O entusiasmo dele de querer desenhar aquele personagem que ele tanto gosta. Tem um
menino do primeiro ano que é fanático por dragão, dinossauro. Então, assim, estudando linhas
quebradas, ele disse: “Posso desenhar um dinossauro com aquele negócio nas costas”. Então
ele detalhou direitinho como é o dinossauro, como era o nome dele. Eu disse: “Então vamos
ver como você vai fazer para desenhar”. Claro que não ficou perfeito, ele é do primeiro ano,
né, mas eu falei para ele: “Arruma aqui, puxa ali”. Quando ele olhou ele disse: “Ai, que lindo
que ficou, posso fazer outro?”. Então dali ele já fez o segundo e já ficou melhor. Então eu sigo
isso.
Utilizar o que eles trazem?
Isso.
Do tema Narrativas Enviesadas a arte contemporânea mistura as linguagens e o professor de
arte tem a questão da polivalência, artes visuais, teatro dança e música. Existe uma maneira de
você trabalhar essas diversas linguagens?
O meu trabalho é mais em cima de Artes Plásticas, até porque eu trabalhei sempre com
artesanato, então eu tenho habilidades de mãos. Mas agora no terceiro bimestre, eu peguei um
vídeo que uma amiga minha me deu, de música bem interessante que tem todos os ritmos.
Então, assim, pelo menos para eles conhecerem aquele tipo de ritmo, para aquele tipo de
música. A música hoje está muito embolada, rap essas coisas. Tem muita coisa sobre música,
então, para eles verem o clássico que é um tipo de música mais calma, tranquila. Têm muitos
que vão apreciar, têm muitos que vão “Ah... isso aí é do tempo da senhora”. Mas para eles
saberem que com o tempo a coisa vai e volta, daqui a pouco essas músicas mais enérgicas vão
diminuindo o compasso, acho interessante isso. Esse vídeo tem todos os sons, acho muito
173
interessante, a bateria e os instrumentos também. Que vai dar à possibilidade deles terem uma
pincelada sobre a musicalização, claro que eu não sou... estou no começo, eu vou trazer isso
até para eles verem um pouco da musicalização, claro não domino, mas eu vou trazendo e vou
tentando me colocar sabendo me colocar, para eles entenderem alguma coisa.
Investigadora:
Salete:
Investigadora:
Salete:
Investigadora:
Salete:
Investigadora:
Salete:
Entrevista com Salete realizada em julho de 2013
Então, eu gostaria que você se apresenta-se: onde você está estudando, se têm a disciplina de
Arte Contemporânea e há quantos anos você está na docência em Arte.
Eu me chamo Salete, já tenho 24 anos de Magistério. Resolvi fazer Artes pela falta de
professores habilitados nesta área e pela existência de muita vaga. Foi o que me levou a procurar
este caminho, até então eu trabalhava com a disciplina de Matemática e pensava em fazer
formação em Matemática. Consegui fazer Artes através do Programa Magister. Acredito que
deva ter sido a única turma [era um programa emergencial] com 50 professores. A Instituição
pela qual me formei foi a FURB. Nós fazíamos o emergencial, sexta e sábado e nas férias de
julho, janeiro e fevereiro. Por que eu fiz artes? Porque eu gosto, né, e porque foi oferecida essa
grande oportunidade. Houve uma grande economia para mim, sendo que a minha mãe jamais
teve condições de me oferecer uma graduação. Eu já tinha 12 anos de magistério, quando
resolvi então correr atrás e consegui fazer esta graduação. Eu me sinto feliz muito feliz até
porque, como eu já havia dito, é uma disciplina que oferece muito.
E neste programa existia a disciplina específica de arte contemporânea ou ela estava solta em
outras disciplinas?
Não, nós tínhamos uma disciplina específica de arte contemporânea. O artista que a gente
trabalhou foi Bispo do Rosário, inclusive nas minhas práticas, após a minha formação, depois
de 22 anos, eu trabalhei com o Bispo do Rosário e com a arte contemporânea em si. Mas agora
eu trabalho mais com o clássico. Penso eu que, talvez pela formação que a gente teve, ou talvez,
é questão do olhar, eu gosto das coisas mais clássicas, bem feitinhas, caprichadas, os pequenos
detalhes, então vai muito de teu olhar específico, né? E o contemporâneo você agrega a
qualquer material. Tem que se ter um olhar diferenciado para a arte contemporânea. Talvez seja
falha minha enquanto professora habilitada em Artes ou a questão de olhar e gostar. Eu prefiro
o clássico, o acadêmico e não o contemporâneo.
A respeito do primeiro tema do moderno ao contemporâneo, na nossa prática, em sala de aula,
esse período do modernismo ele é bem marcante. Então, até que ponto a gente consegue, na
história da arte, passar desse momento do Moderno e chegar até ao Contemporâneo?
Eu penso que a gente tem a tendência de trabalhar até o Moderno, por questão do olhar, das
nossas vivências. O contemporâneo ele é o novo, o diferente, é o que assusta, o que provoca, o
que instiga. Eu particularmente ainda tenho receio deste novo, ainda prefiro chegar até o
Moderno. O novo a gente, lógico que, talvez, após este trabalho, esta conversa [referência à
vivência estética com imagens da arte contemporânea referentes aos temas contemporâneos], a
gente tente colocar um pouquinho desde contemporâneo no currículo da gente, para estar
vivenciando estas experiências novas com os alunos, até porque eles têm o direito de conhecer
o novo também. Mas, para isso, primeiro a gente tem que se conhecer, conhecer esse novo, para
depois disto eu provocar e instigar meu aluno a também querer conhecer o novo.
Com relação ao espaço e lugar [relativas às obras de Sonia Guggisberg], como que a Arte pode
estar transformando o espaço da escola num lugar?
Olha, eu tenho a experiência de magistério, como eu falei, há 24 anos, trabalhei com outras
disciplinas até 2002. Quando eu comecei a trabalhar com Artes, ainda não era habilitada, né,
mas eu sempre provoquei o meu aluno a mostrar aquilo que ele sabe fazer, e então na disciplina
de Artes você tem que instigar o aluno e depois você tem que mostrar o trabalho que ele fez
para ele se sentir valorizado e para que a disciplina de Arte também seja valorizada perante os
seus colegas de trabalho. E quando eu cheguei aqui em 2005, o olhar que se tinha para a
disciplina de artes, era totalmente nulo, zero. A arte era a disciplina da bagunça, do desenho
livre, da bolinha de papel, etc., etc. E a partir dali eu comecei a reeducar os meus alunos. Hoje
se fala em artes aqui no São José, eles se remetem a professora Salete. Foi ela que me ensinou,
foi ela que me instigou, foi ela que me fez olhar para a disciplina de Arte e valorizar aquele
trabalho.
Então, eu sempre exponho o trabalho dos meus alunos mensalmente, quando a gente conclui o
trabalho, a gente trabalha toda a parte teórica depois a prática, que eu mais gosto. E a gente
termina ali o mês, o bimestre também, fazendo a exposição do trabalho dos alunos. Então a
gente ocupa um espaço bastante grande, geralmente aquele mural central. A gente ocupa com
174
Investigadora:
Salete:
Investigadora:
Salete:
Investigadora:
Salete:
os trabalhos do quinto ano até o sétimo ano, que são as séries que eu estou trabalhando este
ano. Então eles gostam e admiram. Provoca os outros alunos a parar, porque não tem como
você passar na frente do mural e não olhar. Então os pequenininhos, lá do primeiro aninho
param e olham, os grandes do médio param e olham, os professores me parabenizam pelo
trabalho. Eu, quando eu chego à sala de aula, eu sempre repasso isso para o meu aluno. Vocês
estão de parabéns, o trabalho foi admirado, o trabalho foi visto, então vocês são capazes, eles
têm que saber que eles são capazes de criar, lógico que a gente ajuda. Como eu disse, eu sou
mais clássica, então eu digo aqui, ajeito ali e tal e tal até que aquilo se torne um belo trabalho
artístico. Ok? Seria isso.
A próxima questão é relativa ao tempo e a memória [questões relativas às obras de José Rufino
e Albano Afonso]. Eu vou fazer três perguntas. Elas têm relação uma com a outra e daí
conversamos. A primeira pergunta é como as nossas memórias influenciam nas nossas escolhas
do que mostrar para o aluno, o que trabalhar com o aluno. Outra questão é: Quais os artistas
que marcaram vocês, quem você tem como referência, de quem você gosta? E daí como estas
lembranças estão presentes na aula? Na verdade, estas nossas lembranças são as nossas
escolhas, as nossas preferências. Então as questões: como as suas memórias influenciam suas
escolhas? Quais artistas, imagens marcantes da arte são para você? E como estas lembranças
estão na sua prática docente?
Bom, as memórias que eu tenho do meu tempo de infância relacionada à arte são pouquíssimas.
Eu entrei na escola em 79. Arte era desenho livre, te davam uma folha de papel, lápis de cor e
você fazia qualquer rabisco e aquilo ali era arte, sem nenhum significado, simplesmente para
passar o tempo, isto é arte. E foi assim até em 2002 quando eu peguei pela primeira vez a
disciplina de arte. Queria saber o que era a disciplina de Arte, o que ela te propõe. O que eu
poderia propor para o meu aluno além de fazer igual a todos aqueles que passaram por mim,
nas minhas vivências, que fizeram comigo: folha de papel, lápis e rabisco? Então, como eu
sempre gostei muito de desenho, não tinha experiência nenhuma, eu comecei a ensinar o meu
aluno a observar uma determinada imagem e a fazer o desenho de observação e ali eu trabalhei
com a monocromia, policromia, com o pontilhismo, com manchas, com pontos, coisas que eu
ia a pesquisando aqui e ali e ia colocando em prática. Com o passar do tempo, a gente foi cursar,
como já havia dito, a disciplina de Arte e o olhar mudou. Então eu sei que eu tenho que trabalhar
a teoria, toda a questão da parte histórica para depois então eu chegar à prática, que eu já fazia
muito bem com os meus alunos. Então, memória mesmo de arte pouquíssima. Agora, depois
que eu comecei a trabalhar com a disciplina de arte em si e comecei a estudar a disciplina de
Arte, eu me apaixonei pelo movimento surrealista. Talvez porque eu seja... tenha um pouco de
surrealismo. Eu amo Salvador Dali, ele é o meu artista predileto, desde o renascimento até o
cubismo, surrealismo até chegar lá no moderno, eu amo Salvador Dali, as imagens as obras as
pinturas dele te remetem a um pensar a uma junção de coisas que te fazem refletir e te dá
liberdade para o aluno juntar. Porque eu posso criar um animal com corpo de girafa, uma cauda
de peixe, uma cabeça de cavalo. Então ele te dá essa liberdade, essa liberdade de expressão. E,
além do movimento do surrealismo, eu gosto muito do movimento do cubismo, e dentro do
cubismo eu gosto do Pablo Picasso. E gosto muito de uma obra Guernica, onde ele fragmenta,
mutila a imagem em pequenos pedaços e ali te traz um pensar na questão da tortura, do
sofrimento, na questão do que o ser humano é capaz de fazer por ambição, por querer ser e ter
sempre mais. São artistas que você carrega na sua maleta e se bobear você trabalha isso dali,
Picasso salvador Dali Picasso Salvador Dali. Eles te dão essa liberdade de expressão, talvez até
seja um pouquinho até contemporâneo, porque o contemporâneo te dá essa liberdade de
expressão, essa liberdade de usar materiais diversos, de usar o próprio corpo, né, e o Dali
também faz isso quando ele começa a montar a obra dele, com um pedacinho de cada coisa até
transformar em um todo. Então os artistas principais seriam esses, os movimentos e os artistas.
E a última questão?
Acho que você acabou respondendo é de que forma as lembranças estão na sua prática.
Então, tá tudo junto nesta resposta. Seria isso.
Agora as questões do tema quatro, que são as questões da micropolítica. Como que a mídia ela
entra na sala de aula. Quais são as imagens, as músicas que os alunos trazem para dentro da
sala de aula? O que eles comentam com vocês, no desenho deles, que traço, que objeto, que
personagem dessa mídia dominante, a massa que eles trazem para dentro da sala de aula? Então,
como a mídia influencia os trabalhos na sala de aula, o que eles trazem para você de bagagem?
[referente às obras de Eduardo Srur e Rosana Paulino].
Olha, a mídia ela te traz muita coisa, um leque muito grande, e o aluno, o que muitas vezes para
ele é bonito, é bacana, você não pode usar na sala de aula. Por exemplo, a questão do funk, do
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Investigadora:
Salete:
Investigadora:
Juliano:
Investigadora:
rap, nada contra, mas o que para eles é maravilhoso para mim é uma crítica pela crítica. É a
questão do olhar de cada um. Já aconteceu no ano passado. A gente tentou deixar eles livres
para escolher uma música para uma apresentação. Não recordo a data específica, mas eu havia
deixado eles livres para escolherem a música. Então, eles escolheram uma música que foi um
horror, cheia de palavrões, cheia de... E aquilo ali me deixou super irritada, acabei ficando
estressada e acabei dizendo “[...] não a gente não vai apresentar mais, nunca mais vocês vão
apresentar nada deste tipo na minha aula especificamente, que vocês não sabem escolher, vocês
não sabem ouvir, se para vocês é bonito é bonito lá fora, não na escola, na escola você tem que
ter um ouvido mais afinado e saber, tem que perguntar pra professora, - professora essa aqui eu
posso utilizar? Não, não pode. Por que não pode? Por que esta instigando isso, isso e isso, né?”
Então a mídia ela provoca, provoca muito, mas de tudo aquilo que é apresentado para você ali
na sala de aula coletar, sugar o que é bom, às vezes é complicado. Porque você acaba se
tornando aquele professor chato, que é enérgico que não deixa nada, que contigo não pode nada,
isso e aquilo. Da mesma maneira a questão, por exemplo, das novelas. Elas abordam alguns
temas que são interessantes. Você pode parar e conversar com seu aluno e até fazer uma
apresentação, lá em cima [refere-se ao palco], utilizando uma peça de, uma música, alguma
coisa neste sentido. Mas eu penso que o professor ele tem que ter um cuidado muito grande
com isso porque querendo ou não a escola é o lugar do conhecimento, e querendo ou não é o
lugar do conhecimento acadêmico, que a gente quer impor e não o conhecimento popular que
eles querem impor. Então, o professor tem um poder muito grande, porque a mídia está aí e ela
te provoca, agora cabe a você enquanto educador selecionar o que é útil e o que é inútil. Seria
isso.
Do tema Narrativas Enviesadas. A arte contemporânea, ela mistura as linguagens e o professor
de arte tem a questão da polivalência, artes visuais, teatro dança e música. Existe uma maneira
de você trabalhar essas diversas linguagens?
Olha eu penso que, como você mesmo falou, o professor de Arte é habilitado em Arte. Você é
habilitado em Arte, você é habilitado numa determinada parte da arte, digamos assim da arte.
Eu sou habilitada em Artes Plásticas. É lógico que na minha vivência, no meu dia a dia eu vou
puxar para as artes plásticas, para a história da arte, é isto que eu gosto, foi ali que eu me
habilitei. Eu não vou trabalhar música. Teatro alguma coisa, mas música nem pensar. Porque
eu não sou habilitada em música, eu não vou fazer de conta com o meu aluno – “Ah, agora
vamos aprender sobre música tatata”. Você contar como é a música clássica, como é a música
erudita é uma coisa. Você ensinar música e outra situação completamente diferente, eu não sou
habilitada em música. Se eu disser para você que eu trabalho música eu estaria mentindo, se eu
disser que eu trabalho teatro, pouquíssimo, se eu disser que eu trabalho artes plásticas trabalho
e muito. A minha prática é a visual. É ali que eu me habilitei, é ali que eu sei o que eu estou
fazendo, eu sei o que eu estou mostrando para o meu aluno, o que eu vou cobrar do meu aluno,
então, por isso eu cobro muito, o que eu sei, o que eu tenho conhecimento, o que eu não tenho
conhecimento eu não arrisco. Eu jamais vou permitir que um aluno saiba que eu não domino
um determinado conteúdo, jamais. Eu prefiro que ele saia daqui dizendo que não aprendeu nada
de música do que ele saia daqui dizendo que a professora Salete foi lá e enrolou ensinando
música. Eu ensino aquilo que eu sei que eu aprendi relacionado às Artes Plásticas. É o que eu
trabalho. É falha do professor de Artes? Não sei? Nós não somos polivalentes, não existe um
professor de português polivalente, porque que tem que ser o professor de arte polivalente? Por
que ele tem que dominar a música, a plástica e o teatro? São três vertentes. Penso que a gente
deveria escolher uma, eu fiz, eu fiz a minha escolha, então eu vou puxar para as artes plásticas
sempre.
Entrevista com Juliano realizada em julho de 2013
Eu queria que você dissesse seu nome, quanto tempo de docência e em qual instituição você se
formou.
Meu nome é Juliano, eu me formei em 2002, está fazendo 11 anos agora que eu terminei, e eu
estudei na UNIPLAC, em Lages, é a Universidade do Planalto Catarinense. Minha turma foi a
primeira turma de música da universidade. E que eu dou aula em escola foi quando eu entrei
na faculdade mesmo, eu comecei a dar aula em escola particular. Mas que eu dou aula mesmo,
de entrar em contato com o aluno, desde os quinze anos de idade. Meu primeiro aluno de música
foi com 14 anos, foi meu primeiro aluno de violino.
E na UNIPLAC, ela tinha uma disciplina de Arte Contemporânea?
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Tinha, com o professor Marcos Holler, ele é do CEART da UDESC. Então, nós tivemos toda
a história da arte, que foram, acho, que oito módulos e três de arte contemporânea, mas voltado
à música, história da arte, mas voltada à música.
E a sua escolha pela docência em arte, o que te motivou a buscar a formação em arte?
Foram duas coisas. Primeiro que no Oeste é o pai que manda. Já era dito que eu seria médico e
não tinha escolha. E com seis anos de idade eu comecei a fazer aula de piano e metido com
música, com sete anos eu comecei a fazer aula de violino. O piano parou, fiquei até os 13, 14
anos de idade e o violino continuou. E com 14 anos, a lei era outra e eu comecei a trabalhar no
BESC, no Banco do Estado, trabalhei até os 17 anos de idade. E com 17 anos de idade, 17 para
18, em maio, eu fiz o concurso para o Banco do Brasil, no final daquele mesmo ano eu me
efetivei no Banco do Brasil. Bom, efetivo no Banco do Brasil eu tinha feito técnico bancário,
que meu pai tinha mandado e estava fazendo faculdade de administração por causa do banco.
Quando terminou o estágio probatório no banco eu disse não, não é isso que eu quero já estava
entrando para a carteira de gerência de contas, estas coisas que tem no Banco do Brasil, mas
não é o que eu quero, meu negócio é fazer música, é tocar, é ensinar na verdade. Eu não sou
muito de recital, não é pra mim. E um belo dia eu cheguei em casa, com a minha carta de
exoneração do Banco.
Teu pai enlouqueceu...
Queria me matar, nossa, a última vez que eu levei uma surra do meu pai foi aí[risos]. Ele me
arrancou os cabelos. “Você, que vagabundo...”. Nesta época eu prestei vestibular de novo, não
tinha faculdade de música ainda em Lages, então eu prestei para Artes Visuais e eu fiz pelo
sistema ACAFE. Na época, tinha um negócio do sistema ACAFE que o melhor colocado podia
escolher o curso que faria e eu, por uma sorte, fiquei em primeiro lugar no sistema ACAFE,
então eu podia escolher. O pai falava: “Vai fazer medicina vai fazer medicina”. Não. Ele não
me olhou na cara até 2005, foi bem drástico. “Vai embora da minha casa, vagabundo não fica
na minha casa. Quer fazer música vai viver de música”. Nisto eu já tinha aluno de música. E eu
fui com a cara e a coragem, e, nesse meio tempo, por ter sido a primeira turma de artes visuais,
minha professora de música era a Lucia Helena Mellin Bentin de Lages. Aí nós pegamos e
entramos com um projeto na faculdade de um curso de música, e, aí, eu fiz a migração depois
de dois anos de artes visuais, para a música, e, desde lá, não teve nenhum ano que eu fiquei sem
aluno de música, que eu fiquei sem dar recital. Deu certo. E 2005/2006, não me lembro direito,
foi na mudança de governo que teve em Lages. Nessa época eu era diretor da Fundação Cultural
de Lages, mudou o governo, cargo de confiança. Eu dividia a escola da Fundação Cultural e
tinha a minha escola de música. O que aconteceu, entrando o governo novo, eles chamaram um
professor de Florianópolis e para se desfazer dos pelegos, eles abaixaram a mensalidade, tipo
de R$100,00 abaixaram para R$ 20,00. Todos os meus alunos saíram da escola e foram para a
Fundação. Foi o que me fez vir para o litoral. Aí o que apareceu de concurso eu fiz e que eu me
efetivei no CAIC em Itajaí. Daí vim de mala e cuia para o litoral.
Mas você está no CAIC em Itajaí ainda?
Não, não, eu fiquei em Itajaí até 17 de setembro de 2007, 17 de setembro eu assumi a vaga em
Itapema e fiquei até agora [refere-se ao seu vínculo com o município de Itapema].
Agora, eu vou te mostrar algumas imagens de arte contemporânea e nós vamos tratar de um
primeiro tema que é do Moderno ao Contemporâneo. Então, se você percebe ou se na sua
própria prática o Ensino da Arte dá uma parada, um stop no Período Moderno ou se ele avança
para o contemporâneo.
Eu ou uma visão geral?
Se quiser falar dos dois. Se você tiver essa visão geral.
Eu vejo que até o Modernismo você tem muita literatura escrita, muita coisa, muita coisa.
Então, para um professor, se a gente for pensar em nós professores do estado, agora que está
entrando um leva nova de professores. E querendo ou não o cargo público dá uma certa
comodidade para a pessoa, não digo tanto para os de arte, mas nas outras disciplinas a pessoa
se acomoda, eu tô com a vida feita. Então se é conveniente para o professor chegar até o
modernismo que tem muita coisa escrita e o contemporâneo ele parte para uma coisa de
conceito. Pra tu fazeres arte contemporânea, tu precisas de um conceito que tem que se recriar
a cada aula. Então, buscar essa ressignificação, uma coisa para criar um conceito é uma coisa
complicada, começa por aí. E por não ter um material já pronto, eu acho mais fácil trabalhar
com o contemporâneo, porque a gente tem que ver o que é viral, os alunos aqui da escola estão
todos enfiados no Facebook, o que eles estão colocando lá eu puxo para a sala de aula. Mas
essa criação do conceito ele exige leitura, você precisa ficar buscando para fazer o link.
Você que constrói.
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É muito fácil eu pegar uma Graça Proença, texto, quadro e prova. É muito fácil, mas eu vejo
assim também que não só no modernismo, nosso currículo do estado ele é por períodos, os
períodos da arte, os movimentos artísticos, nem por período por movimentos artísticos, de tal a
pré-história de tal até tal. Então parece que pegaram o livro da Graça Proença e tiraram o índice
e colocaram um em cada série. E mesmo assim os alunos não tem embasamento para isso, ou
não foi trabalhado ou foi trabalhado e não tinha significado nenhum. Então, eu acho assim que
não funciona. Mesmo se você for trabalhar Egito, tu tens que puxar e usar desta coisa
contemporânea, a contemporaneidade está acontecendo agora, o próprio nome diz né, tu tens
que usar isso aí para criar significado naquilo. Não adianta falar de faraó, de pirâmide, de
aqueduto, sei lá, se o guri não tem noção daquilo e não chama para a realidade. Por exemplo,
no primeiro ano, nós estávamos falando da Mesopotâmia. O que o cara que mora em
Navegantes vai querer saber de Mesopotâmia? Teve o Juliano que saiu bem louco por aí, não
conheço a cidade, tirando foto de prédio, da praia do Gravatá, São Domingos e de são não sei
o que, para tentar criar um conceito puxar e jogar Mesopotâmia depois. Então eu acho que a
história da arte pela história da arte não funciona, ela funciona na faculdade.
O segundo tema, tratado por Canton, é espaço e lugar, eu trouxe esta artista Sônia Guggisberg
que ela pega essas bolhas e coloca num espaço vazio, esquecido.
Transforma o espaço num lugar.
Isso transforma o espaço num lugar. São os espaços que você não percebe que você cruza todo
dia e não se dá conta. Então, eu queria que você comentasse como a Arte pode transformar o
espaço num lugar dentro da escola? Se é possível.
Sabe que eu estava percebendo uma coisa. Porque eu dou assessoramento para a o pessoal da
arquitetura, às vezes, eu vejo que eles assim são muito técnicos. Eles têm que ver que a sala
tem que ter tantos metros, mas eles não têm esse lance de criação, transformar aquele espaço.
Por exemplo, foi no semestre passado tinha um rapaz que pediu para eu assessorar ele no TCC,
ele tinha escolhido fazer um cemitério e tinha toda uma funcionalidade, nenhum defunto ia ficar
fora de lá só que era uma coisa vazia, era tudo funcional, milimetricamente, só que não era
eloquente. Então, eu imagino que o aluno, se ele vai saber quem foi o Vivaldi, quem foi a
Tarsila do Amaral, vai pintar o Abaporu, igual vem dezenas de alunos com o trabalho pronto –
“ó professor” - mimeografado dez Abaporus, um na quinta, um na sexta, um na sétima, um na
oitava, não me importa isso. O importante é que quando ele olhe, eu até usei esse exemplo no
terceiro ano, se você está usando uma calça jeans azul e uma camisa branca, por que tu estás
usando isso aí? Por que você colocou essa cor? Por que você gosta? Então eu vejo que o aluno
tem que sair daqui com uma visão estética, nem visão estética, mas senso estético desenvolvido
para ele escolher por ele mesmo as coisas. Percebe. A escola tem na disciplina de arte,
sinceramente, os escritores talvez eles vão discordar, mas eu não me importo, eu tenho grandes
ressalvas contra Ana Mae Barbosa, porque ela fala da pedagogia triangular de ensino. Você
pega o quadrinho mostra para o aluno, conversa sobre o quadrinho e refaz.
Na época foi bom, porque não se fazia nem isso.
Mas, para nós, não funciona mais, é bitolado, é quadrado. É triangular, mas o triângulo dela
virou um quadradinho de oito. Então o que acontece, eu não acho graça nisto daí. Eu quando
estudei na faculdade eu dizia isto: “Puts, mas que saco”.
Por que na verdade os conteúdos não mudaram, criou-se uma proposta, uma metodologia, mas
o que você vai ensinar. Continua engavetado, continua engessado.
O aluno ele vai ter que sair com o senso estético aflorado, porque se ele for ser, sei lá, um
marceneiro, ele vai pensar duas vezes: “Ah, mas eu faço mesa quadrada, mas porque que eu
estou fazendo mesa quadrada?”. Pela própria simples função dela. Como esses dias, a gente foi
fazer um mapa conceitual e daí eu disse: “Não, eu quero ver como eles estão de livre expressão,
bem anos 70” [risos]. Soltei os lápis de cor e falei é assim: “Peguem e eu quero que vocês
destaquem daí”. Eles pegaram amarelo com vermelho. Tá, daí eles colocaram triângulo
retângulo. “E vocês acham que destacam? Mas por quê?” [referindo-se a sua intervenção com
os alunos]. Eles têm que sair com essa visão estética mais apurada, não precisa nem sair por aí
dizendo isto é mais legal. Mas que eles tenham essa vontade, que essa vontade não fique na
mesmice. O que é perigoso, porque pode ficar só nisso. Então é uma coisa que fica puxa e solta,
tu cais na tradicionalização e tem que ir soltando. Então, eu imagino que a escola tem essa
função de dar o primeiro empurrão, como tudo, né? A escola dá um empurrão em tudo, então
dar assim a primeira sensibilizada. Isso parece contemporâneo (refere-se às imagens das obras
de Sônia Guggisberg), mas é da década de setenta, né? Eles pegaram esse negócio de envolver
algo nessa bolha, fizeram isso na ilha de Manhattan, em torno de toda a ilha de Nova York, eles
envolveram ela como uma boia de plástico em volta da ilha.
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Tem várias coisas que vieram antes, são os predecessores.
Então, eu vejo assim, olha que coisa, olha vamos revestir de plástico, é plástico só, mas tem o
conceito, é o conceito que importa.
Claro, vamos para a próxima? Agora é tempo e memória. Vamos assistir a dois vídeos de dois
artistas. José Rufino com um trabalho com as suas memórias e que também se apropria das
memórias dos outros. E o outro é o Albano Afonso, ele trabalha com as suas memórias da arte
europeia e da sua própria memória. É um vídeo de 1, 2 minutos...
Bom, agora são três perguntas. Os próprios artistas, você vê que eles ocupam as memórias
deles, na sua produção. Então, você pensando na sua memória da arte, de suas professoras de
arte que você vivenciou na escola. São as perguntas: como suas memórias influenciam as suas
escolhas? O professor de arte tem esse poder de escolher, de trazer essas imagens. Quais artistas
você gosta, seu gosto pessoal, do que você gosta? E destas lembranças nas suas práticas.
Eu não tive aula de artes. Eu tive aula de artesanato. Quando eu estudei na quinta série,
educação artística, eu tive aula da quinta série até a oitava série, e era o professor de matemática
que dava. Então, nós fazíamos assim, bem aquilo que eu lembro bandeira de São João, todo o
ano era o que nós fazíamos. E nós fazíamos e desenho, desenho, desenho. Tanto que na oitava
série a professora disse: - Quero que vocês façam um desenho valendo nota. Eu desenhava bem
e fazia o desenho para todo mundo e o meu eu resolvi fazer diferente. Tinha um álbum que eu
escutava do Aerosmith, Nine Live, era um CD que eu escutava, e envolta dele, na borda era
todo circundado com as cenas do Kama Sutra, todas as cenas do Kama Sutra, todas as posições
possíveis e no meio dois caras transando, os dois com cabeça de gato, Nine Live o nome do
CD. Quer saber eu vou fazer isso dali. Peguei e fiz. Entreguei o meu, fiz com nanquim e ela
voltou: - Maravilhoso. Ela escreveu maravilhoso era bem isso que eu esperava. Ela nem olhou
o trabalho. Então, quando eu vou montar uma aula, vai ter a prática, a produção então eu penso
primeiro no processo, eu acho mais importante o processo de criação do que o produto final em
si. Então, por exemplo, lá em Itapema a gente fez uma instalação. E estes alunos que eu estou
formando agora no nono ano, eles estão comigo desde a terceira série. E estes dias eu mexendo
em um HD, que eu tinha queimado meu computador eu vi as fotos deles pequenos, todos
crianças. E aí coloquei no Facebook: - “Olha, vocês eram todos crianças...” e toda aquela coisa,
comentam. E aí eles: - “É mais a gente não assiste mais Xuxa”. Aí tive um clic, Xuxa, aí tem
alguma coisa. Eu tenho que usar isso aí, porque vai ser legal. E, nessa mesma semana, teve
aquele negócio do ambiental, a semana do meio ambiente. Uma coisa me chamou atenção, que
eles falavam, falavam, falavam do meio ambiente, mas papel a dar com o rolo, tudo novo, papel
novo, tinta nova, isopor e tudo aquilo. Bom, vamos unir tudo aquilo. Os professores de arte têm
a característica de pegar e reutilizar o material. Eu disse: “Eu não vou fazer eu quero tudo novo,
tudo novo para contestar isso”. Daí pensamos na Xuxa. Aí, eu levei fotos, os materiais e os
vídeos do Youtube desde os anos 80 das partes para ver o que chamava mais atenção. E eles
chegaram à conclusão que, até o início da década de 90, o que mais marcava o “Xou” da Xuxa
com “x”, era o pompom. Então, veja, teve todo esse negócio da semana do meio ambiente,
então, agora, nós vamos ser ecologicamente incorretos, nós fizemos três mil Pompoms, tudo
novo. A diretora ficou louca, por que eu gastei uns oito rolos de TNT, mas novo. Aí o que a
gente fez, distribuímos e fizemos uns móbiles e deixamos dependurados na entrada, totalmente
incorreto. Matei uns 10 dinossauros para fazer isso, de tanto petróleo que usei. Todo mundo,
mas o que é isso? Os alunos do nono ano, depois de fazer tudo isso ainda explicaram para os
mais novos, os menores, do primeiro e segundo anos, que não conheceram isso. E montaram
uma animação e chegaram ao resultado. Então pompom pendurado todo mundo pode fazer,
mas isso, o processo. O processo que eu não tive na escola, na escola era você tem que fazer
isso, faz um desenho pra mim. E você tinha que olhar e fazer aquele desenho lindo maravilhoso
e eu fazendo pornografia pra ela e ela não olhava. Então, eu imagino que o processo é mais
importante que o produto final. Porque eu não sou muito de criar muita produção.
Porque nós de Itapema temos uma apostila para cumprir, tem que ter caderno preenchido,
caderno cheio, tem que ter resumo, mapa conceitual, então depois que está preenchido o
protocolo, para não levar advertência, eu pego e faço este tipo de coisa. Mas quando eu faço,
eu dou foco no processo, coisa que eu não tive na escola, era: “Façam uma maquete”. “Do
quê?”. “De qualquer coisa, do que vocês quiserem, vamos fazer bandeirinha de São João”.
E quais são os artistas que você gosta?
Assim, em música, quando você toca uma música de verdade, você cria um diálogo com o
autor. Tu estás tocando minueto em sol menor de Beethoven, Beethoven está falando pra ti e
você está sentindo. Tanto que eu não toco Beethoven, porque eu não me sinto bem, quando eu
estou estudando aquilo eu fico insuportável. Eu estou insuportável porque o cara era assim, e
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Investigadora:
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Investigadora:
eu tenho que me sentir assim para fazer aquela música daquele jeito. Um dos motivos que eu
não toco em concerto, porque ele exige muito disso, e eu não tenho uma boa disposição para
entrar e sair disso, então eu prefiro lecionar. Eu vou entrar num concerto com a camerata de
Florianópolis, eles vão tocar Beethoven, vão tocar Schumann, todo aquele povo do romantismo,
que é bem famosinho, que tem as peças mais famosas, e eu não vou ficar bem, eu sei, porque
no final do conservatório de música, eu tive que tocar isso e eu fiquei mal, dois anos fazendo
isso e eu fiquei uma pessoa insuportável. Eu cheguei a essa conclusão me observando, nós
criamos um diálogo com o autor, algumas pessoas como eu não sabem fechar a portinha e
deixar lá, isso se espalha. Mas isso é uma das características dos artistas da Semana da Arte
Moderna. Isso marcou bastante, depois a coisa da boemia e que criou este estigma. Eu, pra me
fazer bem, eu prefiro me afeiçoar com a música, a música barroca, que é aquele clima uma
coisa que fica interessante pra mim e interessante pra quem ouve. Então vai lá do Couperin até
Vivaldi e fica naquilo. Começou a entrar em Mozart, início do classicismo, já não me agrada.
Para mim hoje eu sou um músico que toca e prefere tocar música Barroca. Porque fica naquela
atmosfera do Barroco que até se assemelha a arte visual. Mas de visual, por conviver muito
com o pessoal da arquitetura, eu parto mais para a arquitetura moderna, do modernismo, eu
gosto muito do modernismo no Brasil, modernismo brasileiro. Então, o pessoal que influenciou
o modernismo brasileiro, mas não o final dele, o começo, então, isso me agrada bastante, aquela
coisa do homem com máquinas de viver, de morar, isso me agrada bastante. Mas isso não me
é eloquente, tão eloquente quanto a música. Quando você me vê carrancudo é que eu tô com
um aluno avançado, eu tô com um que este beirando isto.
O tema quatro, você já falou um pouco sobre isso, estas são imagens da Rosana Paulino e do
Eduardo Srur, que são as questões de gênero, de meio ambiente, ela traz a mulher, ser mulher
e ser negra, no país não deve ser nada fácil. Você já falou um pouco da questão do meio
ambiente, da Xuxa, contou essa história da Xuxa. E, então, como estas questões, que a mídia
traz muito forte dos estereótipos, isso vem para a sala de aula. De que maneira o professor de
arte trata disso, isola, transforma, como a mídia influencia o seu trabalho?
É como você entrar no meio de um canil rodeado de sarna e não sair se coçando. Tu tens que
ter um shampoo muito bom. A mídia está aí pra ser usada e não para usar você. Então, pode
abrir, me adiciona no Facebook e você pode ver, eu tenho mais de três mil pessoas lá, a maioria
aluno. Porque toda hora eu estou olhando para ver o que eles estão curtindo, o que eles estão
favoritando, o que eles estão isto e o que eles estão aquilo. A rede Globo perdeu um pouco da
força que ela tinha sobre a adolescência por causa dos tablets, smartphones, sei lá, eles deram
uma boa adiantada nisso. Eu imagino que você deve entrar em contato. Tem muita gente que
fala, em Itapema também, você tem que entrar em contato com a realidade local. Eu moro no
bairro Morretes, que, do lado de lá da BR e tem a escola que é a mais antiga que é o Bento
Garcia e tem a mais nova que é o Francisco Heitor Alves. Eles estereotipam os alunos, como a
escola é periférica, eles vão gostar de funk, eles vão gostar... mentira. Mentira absoluta, por que
tem a sexualidade, mentira, mentira. Quem fala isso não conhece o aluno que tem. Então, eu
vejo que tu tens que observar teu aluno. Ver o que está na moda, o que está bombando e daquilo
você conseguir adequar. Por exemplo, estas marchas e paralisações eu vou olhar, eu vou olhar
porque eu ainda vou usar. Eu fui em uma para ver qual era, fui na de Balneário Camboriú. Fui
depois na de Itapema e fiquei observando. É muito rico porque observando, porque é modinha,
é moda. Observando esse modismo que com um pouco de tato você consegue selecionar o que
vai, vai ser significativo para o aluno. Eu imagino que assim, é a história do canil, tu tens que
entrar lá e não pode deixar se contaminar. Tem que conectar tem que curtir, mas isso, como um
atrativo para o aluno.
Tem que eu ainda não consegui, o Galo Frito, de Balneário Camboriú, que posta vídeo na
internet. Eu acho eles extremamente lascivos, eles falam pornografias, palavrão, tudo, tudo,
tudo e os alunos adoram. É o que está na moda agora, então tenho que usar aquilo para poder
amarrar eles. Aqui ainda não, porque, por serem menos aulas, você não consegue fazer estas
amarras de forma mais concreta. Mas aquilo que Paulo Freire falava que a relação do opressor
com o oprimido tem que ser misturada, tem que, às vezes, oprimir pra ser oprimido pra ver
como funciona. Então, eu imagino que tem que ser assim: olhar a mídia, olhar a cultura de
massa e retirar o que você acha que vai ser atrativo para eles e mostrar o que pode ser diferente,
funciona sempre? Não. Às vezes, eu digo”: Ah, é assim então vocês vão ver quem eu sou. Da
página 103 a página 107 - resumo, Mapa conceitual e dez questões”. “É isso mesmo... a
explicação está aqui e amanhã é a prova dez questões descritivas, com cinco linhas”.
E é mais sofrido pra gente.
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Luciana:
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Luciana:
Claro, porque eu adoraria estar conversando com os alunos como eu estou conversando contigo
agora, mas não dá para fazer. Coisa que aqui ainda dá para fazer, por ser uma cidade menor.
Eu não sei, o terceiro 6, o segundo 5 e o primeiro 7 ainda dá pra fazer uma discussão, não
precisa ser a fórceps. Eles vão agregando então é mais fácil, mas os outros ainda dão mais
trabalho.
A última questão são as narrativas enviesadas. A questão da polivalência, na verdade, você
mistura. Esta artista Georgia Vilela, ela mistura desenhos e palavras, uma mistura de
linguagens, as misturas de suas memórias reais, de memórias que não existiram que você pode
usar verdades e mentiras. Mas a minha questão é sobre a possibilidade de você em diversas
linguagens dentro da disciplina de artes. A sua formação, na verdade, você tem duas formações,
talvez fique mais fácil, mas se isso existe, se a polivalência no ensino da arte você concretiza?
Estão reformulando os PCN e agora eu entendi porque colocaram Arte e não Artes.
Você já leu aquele livro As brumas de Avallon?
Não, eu vi o filme.
Para entrar lá na ilha, a mulher tinha que levantar os braços e abaixar e dissipava a fumaça, a
bruma, a cerração que tinha. Eu acho que é Arte porque a linguagem é um instrumento para
você chegar na arte em si. Então, não importa qual que você use. O fazer artístico é uma coisa,
você pegar a tela, a tinta e produzir uma coisa é um negócio. Mas você compreender como
entrar nesse mundo é outro. Então, não importa que linguagem você use ou de todas, contando
que você consiga fazer, que você seja o mediador do seu aluno pra essa entrada nessa Avallon,
tu és a sacerdotisa que levanta os braços, então. Eu tinha uma briga muito grande quando entrei
em Itapema, eu vou ensinar música. Mas não importa. Porque a Arte é maior que a música, arte
é maior que a pintura, e a arte é maior que o teatro. Aquela coisa que você sente quando sobe
no palco, o que você sente aquilo é a arte se manifestando em ti. O aluno não vai fazer isso, ao
meu ver ele não precisa fazer isso. Mas ele tem que entender como chegar lá. Então, eu não me
importo, porque eu toda vida vou puxar pra música, porque é a minha formação eu estudo isso
todos os dias, eu toco violino três horas todos os dias religiosamente, desde que eu me conheço
por gente, então eu vou puxar para isso daí. Mas aquilo que eu estou sentindo, eu acho que ali
é a arte se manifestando. E a música é só um instrumento. Agora eu entendo isso, mas para
amadurecer esse conhecimento de por que colocaram Arte e não Artes. Não importa muito,
contando que você consiga ser um meio para o aluno chegar naquilo. Então, polivalência,
especialização eu imagino que, não sei como, que seria interessante que fosse a faculdade de
arte, agora não sei como você vai fazer isso. Eu sei que as vezes eu consigo fazer com o meu
aluno. Mas na formação é que está do professor. Porque imagina estas coisas que a gente está
discutindo, você vê em mestrado, em doutorado. Agora pensa naquele que está fazendo a
universidade 1 ou 2 vezes por semana, está aprendendo a fazer gravura. Eu vejo assim,
polivalência faço, eu tenho um tanto de leitura posso adquirir mais um tanto. Só não me peçam
para enfeitar a escola, que daí é comprar briga. Se tiver um motivo e daí, porque o professor de
arte tem um certo ego né, se for para desenvolver um projeto vai, mas o fazer por fazer não.
Última pergunta o estado tem feito formação continuada em Arte?
No estado eu não fiz nenhuma ainda.
Entrevista com Luciana realizada em julho de 2013
Gostaria que você se apresenta-se: onde você está estudando, se têm a disciplina de Arte
Contemporânea e a quantos anos você está na docência em Arte?
Bom, meu nome é Luciana. Fazem dois anos que eu estou na escola, especificamente nesta
escola e eu estudo na Uniasselvi.
Eu optei por fazer artes visuais porque eu sempre me identifiquei com a arte, eu sempre gostei,
sempre ... na verdade, eu sempre gostei de artesanato eu me identificava muito com essa parte
de Artes e eu sempre gostei muito de história. Eu tenho até a intenção de fazer futuramente uma
especialização em história da arte, porque é a parte que eu gosto da arte.
E você tem na sua formação uma disciplina Arte Contemporânea ou ela é trabalhada em alguma
outra disciplina?
Especificamente... eu não ... eu sei assim, eu estou no terceiro semestre e agora que nós estamos
mesmo em artes, agora a gente está em metodologia e ensino da arte, depois vai vir história da
arte, história do Brasil. Agora eu não lembro se tem Arte contemporânea especifica, não sei,
mas acredito que sim [a entrevistada está na mesma faculdade da entrevistada Cecília, mas em
semestres diferentes].
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Investigadora:
Luciana:
Investigadora:
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Luciana:
Bom, a primeira questão trata do moderno ao contemporâneo. Então, a pergunta que eu vou
fazer para você é se existe uma tendência natural de trabalhar até o período moderno, até o
modernismo. A minha pergunta é se paramos no modernismo, se realmente é isso. Por ser um
momento importante na história da arte no Brasil, enfim a gente acaba parando no modernismo
ou é uma impressão falsa que o contemporâneo está na sala de aula.
Eu gosto do contemporâneo, eu gosto.
E você trabalha? Você vai além?
Eu trabalho, tanto que eu tenho procurado trabalhar mais os artistas que estão aí hoje, que estão
vivos, né. Por que eles (alunos) questionaram muito isto: “Por que a gente só estuda os que já
morreram. Por que professora?”. Porque é importante que a gente saiba sobre eles, do momento
deles e tudo, mas nós temos muitos artistas hoje fazendo sucesso que estão vivos e que é
interessante a gente conhecer. É tanto que eu trabalhei com eles Romero Britto, Vik Muniz,
sabe, tivemos a oportunidade de trabalhar o grafite.
Eu quero até fotografar e usar na parte que fala de espaço e lugar, eu quero que você fale sobre
esta experiência que você teve.
Foi muito bom.
A segunda questão é exatamente isso. Eu tenho aqui uma artista que eu queria mostrar que é a
Sonia Guggisberg. Ela faz o seguinte: ela coloca estas bolhas gigantes em espaços que não são
usados e ela faz a distinção entre espaço que é local que não te pertence e lugar que é o de
pertencimento, onde você cria raízes. E a pergunta que eu tenho para fazer é esta: como
transformar o espaço da escola em lugar através da arte? E eu queria que você contasse um
pouquinho do que você fez aqui na escola.
Então, eu sinto que a escola, além dos alunos virem para aprender, eles têm que ter um lugar
que eles se sintam bem, sabe, que eles se sintam bem. É tanto que eu tenho vontade de fazer
um espaço de biblioteca, já até falei, mas vamos ver...Mas aí trabalhei o grafite, mostrei um
vídeo para eles, trouxe um grafiteiro de Balneário Camboriú, o rapaz veio com muita boa
vontade, veio trouxe o material dele, que ele usa, trouxe as coisas dele e teve uma interação
muito legal com os alunos.
E mudou a relação dos alunos com a escola?
Eu sinto que mudou sim. Eu sinto que mudou a relação deles comigo, mudou, mudou muito.
Depois que nós trabalhamos o grafite eu fui trabalhar com eles a Frida, que delícia que foi, eles
ficaram fascinados, apaixonados, mostrei o filme, eles assistiram ao filme, foi muito bom.
Fizemos um trabalho de autorretrato inspirados por ela.
Eu fico bem feliz de ver trabalhos diferentes.
Eu amo o que eu faço.
Eu também...
É cansativo, é desgastante, tem dias que a gente vem derrubada, mas eu A M O [Aqui a
professora pede para ser mais rápido, pois precisa ir para uma reunião].
Quando você mostra alguma coisa nas aulas de arte, suas memórias e a sua preferência se
manifestam, você escolhe. Eu queria que você falasse das suas memórias das suas aulas de arte,
das suas memórias e de como elas influenciam suas escolhas, os seus artistas preferidos, ou
momentos da arte preferidos que você traz também para os alunos e de que forma estas
lembranças estão no seu dia a dia na sala de aula? Então seria suas preferências, seus artistas
preferidos, as memórias que você tem de suas aulas de arte e como isso influencia na sua prática.
[Com referência às obras de José Rufino e Albano Afonso).
Como eu disse, eu prefiro trabalhar os artistas atuais, que estão hoje fazendo, e eu não procuro
tanto ver o meu lado procuro mais ver os alunos à preferência deles. Eu tento trabalhar o que
eu sinto que eles vão interagir, que eles vão se interessar. Porque o que importa é eles, entendeu.
Às vezes, assim, quando eu fui trabalhar a Frida, eu imaginei que não iam ter interesse, por ela
ser mais do passado, mas eu vi o filme e comentei o filme com eles e quando nós fomos ver o
filme eles ficaram fascinados. Amaram o filme e eu vi que eles gostaram. Mas eu não vejo só
a minha preferência, sabe, eu não procuro trabalhar só a minha preferência. Quando eu fui
trabalhar o grafite, eles me perguntaram se a gente ia pintar lá fora. “Olha gente eu não sei se
vai dar, vamos ver se o diretor vai deixar”. Eu fui, conversei com o diretor, ele autorizou.
Quando eu falei, eles rapidinho providenciaram tinta, providenciaram tudo, foi muito bom. E
assim o que eu gosto mesmo são os atuais, os contemporâneos, eu não sou muito do passado
também não. Eu aprendo, gosto de ver, tem muita coisa bonita mas eu prefiro os atuais. Outra
coisa que eu mostrei para eles é o Museu de Inhotim.
Que ótimo.
Amaram. Eles têm vontade até de ir lá.
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Investigadora:
Luciana:
Investigadora:
Luciana:
Investigadora:
Luciana:
Outra questão é o que a mídia acaba influenciando e eles trazem pra dentro da sala de aula e de
que maneira você lida com isso. Novelas, funk, Bob esponja da vida, então o que eles trazem
desta mídia dominante para dentro da sala e de que maneira você encara. (Referente às questões
de micropolíticas com os artistas Eduardo Srur e Rosana Paulino).
Então, isso é uma coisa que tem me chamado a atenção realmente. Eu tenho percebido que
quando eles vão fazer algum desenho, que eu peço alguma coisa, eles vão fazer aquele desenho
do nazismo. Eu quero ver como que eu posso trabalhar essas coisas, essas imagens com eles
dentro de sala de aula para eles estarem entendendo o que eles estão fazendo.
Não só reproduzir.
Não só reproduzir. Mas, o porquê e o que eles estão reproduzindo. Aquele desenho, qual é o
significado, porquê, às vezes, eles não têm nem noção. Porque desenham muito Bob Marley, a
folha da maconha. Isso eu ainda quero trabalhar com eles. Não fechar os olhos. Trabalhar com
o que eles te dão.
Na arte se fala muito do professor polivalente. A arte contemporânea tem essa mistura de
linguagens, que são as narrativas enviesadas. Na sua prática, você também trabalha as diversas
linguagens da arte ou, se por ter optado pelas artes visuais, você acaba optando mais pelas artes
visuais?
Querendo ou não, é. A gente foca mais nas visuais. Acho que é uma tendência da gente. Acho
que é natural, eu faço Artes Visuais é o que me chama atenção. Igual na história da arte, eles
não têm interesse em lembrar datas, eles querem saber de coisas que estão acontecendo hoje. E
a gente vai por isso mesmo nas Artes Visuais, está tudo ligado hoje, no mundo deles.
183
ANEXO
184
Anexo A - Imagens de artistas que tratavam das temáticas
Espaço e lugar
Sonia Guggisberg - Bolhas urbanas, 2006
Tempo e Memória
José Rufino - Carta de areia, 1999
Vídeo www.youtube.com/watch?v=ag6Ye6ub_As
185
Albano Afonso - Autorretrato com Goya, 2001
Vídeowww.youtube.com/watch?v=6-GeeFiCgXI
Micropolíticas
Rosana Paulino - Bastidores, 1997
Eduardo Srur - Caiaques, 2006
186
Narrativas enviesadas
Georgia Vilela – Sem título
Vítor Mizael – Autorretrato, 2004
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narrativas de professores sobre as temáticas da arte contemporânea