ANAIS DO IX SEMINÁRIO NACIONAL DE LITERATURA HISTÓRIA E MEMÓRIA –
LITERATURA NO CINEMA e
III Simpósio Gêneros Híbridos da Modernidade – Literatura no cinema
Linguagem e sentido no trailer cinematográfico
NATH, Silvana. UNIOESTE (Universidade Estadual do Oeste do Paraná)
SILVA, Acir Dias da. (Orientador)
RESUMO: Neste artigo temos por objetivo compreender a concepção de drama, linguagem,
efeitos de sentido e memória na pós-modernidade, identificando como estes aspectos
aparecem nos trailers e em trechos das obras fílmicas “Ana Karênina” (1948), diretor Julien
Duvivier e “Elvira Madigan” (1967), diretor Bo Wideberg. Tomando como escopo teórico
principal, os pressupostos teóricos de Ismail Xavier, Milton José de Almeida e Robert Stam,
além de outros autores que tratam dos respectivos temas, sendo estes fundamentais para
compreender o vínculo existente entre a obra fílmica e o trailer enquanto micro-narrativa,
estabelecendo relação com o contexto histórico-social na qual estão inseridas. Através deste
artigo analisaremos além da linguagem, as imagens e sons presentes nas respectivas obras
cinematográficas, nas quais em poucos minutos são apresentados fragmentos de uma obra que
levam anos para se efetivar e serem lançadas. Este trabalho trata-se de uma pesquisa
eminentemente bibliográfica e cinematográfica que visa compreender a disposição destas
informações tanto no trailer quanto na obra fílmica em sua integridade.
PALAVRAS-CHAVE: Drama; Linguagem; Efeitos de sentido.
ABSTRACT: In this article we have for objective to understand the conception of drama,
language, effect of sense and memory in after-modernity, identifying as these aspects appear
in trailers and in parts of the film workmanships “Ana Karênina” (1948), director Julien
Duvivier and “Elvira Madigan” (1967), director Bo Wideberg. Taking as main theoretical
target, the estimated theoreticians of Ismail Xavier, Milton Jose de Almeida and Robert Stam,
beyond other authors who deal with the respective subjects, being these basic ones to
understand the existing bond between the film workmanship and the trailer while micronnarrative, being established relation with the description-social context in which they are
inserted. Through this article we will analyze beyond the language, the images and sounds
gifts in the respective cinematographic workmanships, in which in few minutes they are
presented parts of a workmanship that they take years to accomplish themselves and to be
launched. This work is about an eminently bibliographical and cinematographic research that
aims in such a way to understand the disposal of this information in the trailer how much in
the film workmanship in its integrity.
KEYWORDS: Drama; Language; Effect of sense.
Para compreender a linguagem e os efeitos de sentido no trailer cinematográfico e
em fragmentos das obras fílmicas a que se propõe neste artigo, centramo-nos principalmente
nos estudos teóricos de Milton José de Almeida, Robert Stam e Ismail Xavier, considerando
como fundamental as diferentes concepções por eles apresentadas acerca do drama, da
linguagem e dos efeitos de sentido representados pelas imagens e sons que compõem as obras
“Anna Karênina” e “Elvira Madigan”.
Nesta perspectiva, busca-se desvendar dentro da produção cultural, os objetivos da
construção e da produção do trailer cinematográfico, enquanto produto fornecido à sociedade
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como forma de possibilitar o acesso do público à cultura cinematográfica, mesmo que, de
forma sucinta. O trailer pode ser compreendido como uma ferramenta utilizada pela mídia
para divulgação dos filmes que serão apresentados ao público, cujo objetivo principal é atrair
a audiência e a receptividade, incitando a apreciação das pessoas à obra na sua integridade.
O trailer pode ser caracterizado então, como um objeto mercadológico que é
utilizado de forma “fantástica” para divulgação do que é produzido pela mídia, de forma a
atrair a audiência do telespectador, assim como o cinema e a televisão, que também são
utilizados pela sociedade capitalista e a indústria cultural, sob a perspectiva de divulgar o que
produzem, mas também de exercer certo domínio sobre a população, de forma a tornar a
sociedade alienada quanto aos aspectos, políticos, culturais e econômicos, pois a cada nova
produção cultural, a indústria cultural vai moldando o indivíduo, seus gostos, atitudes,
vontades e desejos.
Sob este panorama observa-se o que Almeida coloca sobre o cinema e a televisão,
O cinema e a televisão [...] são indústrias grandes, com divisão e
hierarquização de trabalho, poder, e interesses de mercado e de política
social, que produzem para o consumo geral, como muitas outras. Sua
produção complexa e cara tornam-a inacessível para qualquer um
(ALMEIDA, 1994, p. 24).
Neste sentido verifica-se que a televisão e o cinema não estão inertes das
perspectivas de lucro e da conquista do telespectador, pois estão a serviço da indústria
cultural, que apresenta como objetivos, fornecer aos homens critérios para sua orientação e
critérios de comportamento, submetendo os indivíduos ao conformismo, que substitui a
consciência dos reais valores transmitidos pela indústria cultural, e esta, atinge sua meta que é
manter a dependência e a servidão dos homens, pois ao mesmo tempo em que ela oferece uma
compensação também os deixa frustrados nesta felicidade ilusionista que é oferecida, ao
impedir a formação de indivíduos autônomos, independentes e com capacidade de tomar
decisões de forma consciente (Adorno, 1994, p. 92 -99). A partir desta comunicação que há
entre telespectador e televisão, observa-se o que Ferraz coloca sobre este aspecto,
O filme é o modo de estabelecer uma relação de comunicação com o sujeito
filmado, em que o discurso verbal, o olhar, as sensações, as percepções
possibilitam uma relação que é corporal e mediada pela câmera. No
momento das filmagens, sujeito e objeto tomam parte da mesma obra [...] o
filme é um modo de mostrar para o outro como eu o vejo e o espaço entre o
sujeito que filma e o sujeito filmado é um espaço em que a consciência é
criada [...] um intervalo entre o sentido das coisas e a sua verdade, uma
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distância sem a qual o sentido seria fixado e a verdade congelada
(FERRAZ, 2009, p.274).
Ao compreender o filme como uma relação de comunicação entre diferentes sujeitos
não se pode omitir que as imagens apresentadas no filme, bem como seu conteúdo, são
elaboradas pelo homem e expressam a relação deste com o mundo e com o outro, o aparelho
que ele utiliza funciona como catalisador de situações e sujeitos que são encenados para
compor e efetivar o filme.
Analisar o trailer cinematográfico requer atenção quanto aos objetivos do período
histórico e social no qual esta micro-narrativa está inserida e até mesmo à sociedade a qual
pertence, compreendendo que em poucos minutos são apresentados fragmentos de uma obra
que levam anos para se efetivar e serem lançadas, além de que apresentam metas a serem
atingidas quanto à propaganda e divulgação deste trabalho, fatores estes que estão vinculados
ao pós-modernismo, pois incorporam formas para encontrar uma expressão técnica, material e
comercial, conforme Jameson cita em sua obra, que o pós-modernismo representa uma
fascinação pelas paisagens comerciais, pelos filmes hollywoodianos, pelas produções
literárias e discursos teóricos, aspectos formais de uma cultura que busca um novo tipo de
vida social e econômica, sociedade esta de consumo, da mídia e dos espetáculos que expressa
uma ordem social do capitalismo tardio (In: Kaplan, 1993, p.27).
Nesta perspectiva, vale salientar que o trailer apresenta com exclusividade a função
de atingir o objetivo da mídia, que é a propaganda e o consumo. Com relação aos trailers que
serão estudados neste artigo observa-se que ambos apresentam de certa forma este panorama
mercadológico, porém não fica evidente com tanta intensidade, pois o trailer do filme “Anna
Karênina” apenas apresenta um pequeno fragmento da obra, de forma a deixar o telespectador
curioso ao observar o olhar da protagonista, que os leva para a perspectiva do olhar dramático,
ou seja, de que algo irá acontecer, os próprios aspectos simbólicos, a névoa, o vento, a
estação, o trem, o olhar tenso, reportam para uma perspectiva melodramática no decorrer da
narrativa, conforme se observará adiante.
Quanto ao trailer do filme “Elvira Madigan”, este também apresenta traços
mercadológicos, pois mostra apenas as cenas principais, numa tela restrita ao som do
Concerto Nº21 de Mozart, não apresenta a voz dos personagens e nem mesmo deixa explicito
o final, levando o telespectador a acreditar que é um filme romântico com um possível “final
feliz”, deixando-os com várias interrogações com relação à narrativa filmica, incentivando o
público a assistir para conferir a preciosidade da obra.
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Ao considerar o trailer como um objeto da indústria cultural e pertencente ao pósmodernismo, o mesmo está vinculado à propaganda, é voltado para a perspectiva do lucro que
transforma e orienta para direções políticas, ou como coloca Jameson, “os dois aspectos do
pós-modernismo [...] a transformação da realidade em imagens e a fragmentação do tempo
numa série de presentes perpétuos” (In: KAPLAN, 1993, p.43), aspectos estes que estão
evidentes nos trailers abordados na seqüência.
Para analisar a linguagem do cinema, como observa Robert Stam esta se caracteriza
como sendo,
[...] rica e sensorialmente composta, o cinema, enquanto meio de
comunicação, está aberto a todos os tipos de simbolismo e energias
literárias e imagísticas, a todas as representações coletivas, correntes
ideológicas, tendências estéticas e ao infinito jogo de influências no cinema,
nas outras artes e na cultura de modo geral (2008, p. 24).
Quanto à linguagem do trailer cinematográfico verifica-se que esta é diferente da
linguagem do filme, pois o trailer não pode perder de vista seu objetivo primordial que é
atingir o ápice de vendas na bilheteria, considerando mais o aspecto publicitário do que a
criação artística.
Ao analisar o trailer do filme “Anna Karênina” e “Elvira Madigan”, observa-se que
ambos são compostos com maior ênfase por imagens e sons, apresentando pouco diálogo
entre os personagens, de forma que grande parte das mensagens são transmitidas através de
expressões faciais, pelo olhar e pelos gestos que instigam e induzem o telespectador à
compreensão do que está implícito através das imagens e do som.
Neste momento salientamos o valor do “olhar” que em ambas as protagonistas dos
trailers estudados, representam diferentes aspectos do ponto de vista dramático, pois segundo
Xavier,
O confronto entre olhar e cena, compõe essa dialética de absorção e
exibicionismo que marca a tradição hollywoodiana e também outros
contextos em que está presente uma perfomance pautada pelas regras da
representação consolidadas ao longo do século XVIII (2003, p. 15).
A representação visual é vista como natural, é uma estrutura política e estética que
está presente ideologicamente por meio de aparelhos que captam as imagens do real, através
da câmera cinematográfica, de forma a transmitir as imagens mais próximas possíveis do real,
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demonstrando através da experiência que tudo o que é mostrado é enviado ao olho (Almeida,
1999, p. 129 – 130).
Os olhos humanos, portanto, são sensíveis e viciosos e podem tender para a
construção ou não de imagens e locais que podem ou não ser inesquecíveis, e, através das
imagens e palavras podem ser apresentados aspectos da memória, ou de uma situação vivida
ou imaginada pelo protagonista para se tornar uma imagem real e natural.
Sendo assim, ao ver o cinema sob a Perspectiva 28, esta desabilita a forma como o
olho humano visualiza o mundo real que resiste ao poder, considerando este poder como
alegórico (Almeida, 1999, p. 131).
Sendo assim, a compreensão da linguagem estará associada à construção e
elaboração do enredo, ao identificar neste contexto a ideologia, o discurso, a metáfora e os
efeitos de sentido que compõem a totalidade da obra na busca da compreensão discursiva, ao
considerar que a linguagem e a ideologia se constituem na construção do discurso e
evidenciam-se através dos efeitos de sentido. Neste panorama é indispensável compreender
que toda palavra tem um significado, ou um sentido e que ela não existe aleatoriamente, mas
representa algo teoricamente e ideologicamente, podendo mudar de sentido conforme o
contexto no qual é utilizada e de quem a emprega.
Quanto ao conceito de ideologia, é necessário compreendê-lo melhor conforme
segue,
[...] um conjunto de idéias e representações que servem para justificar e
explicar a ordem social, as condições de vida do homem e as relações que
ele mantém com os outros homens, [...] a ideologia é “falsa consciência”
[...] a ideologia está contida no objeto, no social, não podendo, portanto, ser
reduzida à consciência. Ela existe independentemente da consciência dos
agentes sociais. É uma forma fenomênica da realidade, que oculta as
relações mais profundas e expressa-as de um modo invertido. A inversão da
realidade é ideologia (FIORIN, 2003, p. 28 – 29).
Através deste conceito de ideologia, entende-se que ela está implícita no discurso e
para que o sujeito atinja um nível coerente de compreensão, interpretação e produção de
sentidos, ele deve ter conhecimento das intenções do autor e do mundo que o cerca. Assim
sendo, entende-se que cada sujeito fará uma leitura especifica de determinado discurso, ao
considerar o conhecimento de mundo por ele assimilado e adquirido e especialmente a
28
Compreende-se como Perspectiva “as formas que o observador-espectador vai interpretar como IMAGENS
do real” (ALMEIDA, 1999, p. 139).
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Formação Discursiva29 na qual esse sujeito está inserido. Neste sentido é importante verificar
o que Fiorin propõe sobre o discurso,
[...] o discurso [...] também é determinado por coerções ideológicas [...] a
consciência é constituída a partir dos discursos assimilados por cada
membro de um grupo social e se o homem é limitado por relações sociais,
não há uma individualidade de espírito nem uma individualidade discursiva
absoluta (2003, p. 36).
Neste sentido, entende-se que o discurso não se apresenta isolado, neutro, pois está
permeado por outros discursos e por diferentes concepções de percepção, de acordo com o
sujeito que a ele tem acesso. Mediante esta exposição buscaremos compreender tais aspectos
teóricos a partir das análises a que se propõe.
Além da linguagem discursiva é imprescindível analisar também os efeitos de
sentido que permeiam as obras, como as imagens e sons que apresentam um significado
amplo e rico para a compreensão do conteúdo e da ideologia evidenciadas nas obras de arte,
seja o cinema, a literatura, a pintura, a música, ou outra expressão cultural.
Este aspecto é discutido por Almeida
A oralidade liga-se às produções em imagens e sons por muitos fios, mas
principalmente pelo seu realismo e pela sucessividade no tempo: cadeia de
imagens em movimento sucessivo/cadeia de sons sucessivos, compondo um
processo metonímico de significação (1994, p. 9).
A linguagem então vai além das palavras, mas pode ser representada pelas diversas
imagens e sons, expressões faciais, elementos temporais, gestos, cores, todos estes aspectos
podem ser vistos e ouvidos na imaginação criativa que pode ir muito além do que está
explicito na obra. No que diz respeito às imagens e sons é importante salientar o que Stam
apresenta em sua obra,
O cinema, enquanto meio de comunicação, está aberto a todos os tipos de
simbolismo e energias literárias e imagísticas, a todas as representações
coletivas, correntes ideológicas, tendências estéticas e ao infinito jogo de
influências, no cinema [...] a trilha da imagem “herda” a história da pintura
e as artes visuais, ao passo que a trilha do som “herda” toda a história da
música, do diálogo e a experimentação sonora (2008, p. 24).
29
A noção de Formação Discursiva [...] é básica na Análise de Discurso, pois permite compreender o
processo de produção dos sentidos, a sua relação com a ideologia e também dá ao analista a possibilidade de
estabelecer regularidades no funcionamento do discurso [...] representam no discurso as formações ideológicas.
Desse modo, os sentidos sempre são determinados ideologicamente (ORLANDI, 2005, p. 43).
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Quanto ao som, Almeida apresenta a sua função na obra fílmica,
Os sons da fala numa sociedade oral são globais, são signos inteiros,
glóbulos sonoros que são utilizados para que se diga o que se vê, sente,
ama, pensa, etc. São contínuos, ininterruptos; seus silêncios são pausar
altamente significantes e cessam por vontade do falante ou do ouvinte
(1994, p. 17).
Neste sentido é indispensável compreender a importância do som mediante a
produção de sentidos, conforme se observará nas análises que se seguem.
O filme “Anna Karênina”, do Diretor Julien Duvivier (1948), pertence ao gênero
Drama e conta a história de Anna Karênina, uma mulher casada que desafia todas as
convenções da época ao se apaixonar por um conde do exército russo, Vronski. Anna se rende
a este amor, ao tornar-se amante de Vronski, abandona o filho e o marido, que resiste em darlhe o divórcio, afinal, enquanto funcionário do governo, ele está a serviço do Estado, cuja
ordem é conservar/manter a ordem, a moral e os bons costumes, e como castigo à mulher que
o traiu, proíbe-a de ver seu filho.
Ilustração 1: Fotograma do Filme Anna Karenina, 1948.
Anna vive um romance condenado que rompe com os paradigmas da sociedade
respeitável e da aristocracia que já está em decadência, e, cujo desfecho trágico representa o
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anseio por um novo tipo de sociedade que já está nascendo mediante a trágica morte da
protagonista.
Em meio a este conflito é importante salientar que as obras dramáticas, segundo
Xavier, “são típicas de períodos de transição e mudanças técnico-econômicas aceleradas que
nos forçam a interrogar nossas visões sobre a identidade e valores comuns” (In: RAMOS
(org.), 2004, p. 377).
“Anna Karênina” representa através do drama da protagonista, “uma paixão que está
relacionada ao sofrimento, pois para que exista e perdure são necessários obstáculos
estruturais que determinam o final infeliz” (OROZ, 1999, p.65). Este fator fica explicito na
paixão que Anna sente por Vronski, sentimento este que segue apenas o princípio do prazer,
associado com o desejo e realização tanto sexual quanto pessoal. A paixão não tem
continuidade, é abominada pela sociedade e leva à infelicidade e à separação, e,
consequentemente à morte existencial da protagonista, pois a paixão acaba por ser mais
importante que o amor.
Neste sentido nos utilizaremos da discussão de Silvia Oroz sobre o sentimento da
paixão,
A paixão gera desejo, o que é censurável e está em contradição com a moral
social; é melhor acabar com o sujeito provocador e reorganizar-se de acordo
com as normas reguladoras. [...] O desejo é algo tão pecaminoso que não
faz parte do mundo aceito (1999, p.68).
Este sentimento avassalador que leva Anna a abandonar o marido e o filho, não faz
parte do contexto dos costumes morais da sociedade da época, os princípios da moral deviam
ser respeitados, talvez por isso, que “Anna Karênina” irá representar a ruptura com este
sistema vigente deste momento histórico.
Quanto ao trailer analisado, observamos além da linguagem, os efeitos de sentido:
imagens e sons, que o permeiam compreendendo que os significados destes conceitos em um
filme representam,
[...] um conjunto de sons e imagens que, ao seu término, compôs um
sentimento e uma inteligência sobre ele [...] a relação do filme com a
linguagem não é uma relação funcional ou uma relação parecida com, mas
filme e linguagem/oralidade unem-se num universo em que pessoas e
histórias compõem um mundo significativo (ALMEIDA, 1994, p.11).
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Os sons, as falas e as imagens constroem a subjetividade no telespectador, mesmo
que ele não perceba, mas há valores que estão sendo interpelados em sua consciência através
da percepção e da apreciação da obra filmica.
O trailer inicia com o toque do sino que, segundo Chevalier e Gheerbrant é a
“percepção do som [...] o ruído dos sinos [...] tem um poder de exorcismo e de purificação [...]
afasta as influências malignas ou adverte da sua aproximação [...] evoca a posição de tudo o
que está suspenso entre o céu e a terra” (2003, p. 835).
Este símbolo, portanto, nos conduz à compreensão dos conflitos, da destruição e da
morte, temas estes que serão evidenciados na seqüência da obra, principalmente quando
aparece a estação, o trem, o momento final, a morte, o toque do sino sempre estará presente
como um prelúdio de possíveis acontecimentos, como a paixão avassaladora que se origina na
estação, o reencontro e a morte, acontecimentos que se desencadeiam na estação de trem.
A estação de embarque e desembarque do trem, segundo Chevalier e Gheerbrant,
representa “o ponto de partida da evolução das nossas novas atividades [...] chegar a uma
etapa do nosso destino” (2003, p. 897), a partir deste conceito, verifica-se que a protagonista
Anna Karênina representa a ruptura com a aristocracia decadente da época na busca pela
evolução, ascensão e construção de uma nova sociedade que viesse redimir a intensidade com
que a moral era vista. Esses aspectos ficam evidentes através das constantes passagens da
protagonista pela estação de trem, devido às viagens que realizava, representadas pela busca
constante de mudança daquele sistema político vigente.
Ao analisar a viagem como “a busca da verdade, da paz, da procura e da descoberta
espiritual [...] do desejo de mudança interior, necessidade de experiências novas [...]
insatisfação que leva à busca e à descoberta de novos horizontes [...] fuga de si mesmo”
(CHEVALIER E GHEERBRANT, 2003, p. 951 – 952), é possível compreender as freqüentes
viagens de Anna como a busca pelo seu destino, a inconformidade com a rotina e com a
insensibilidade do marido, a ânsia por novas conquistas, por algo que trouxesse sentido e
objetivo para sua vida, que lhe mostrasse razões para lutar e viver numa sociedade mais justa,
mais igualitária e mais humana.
As viagens só se consolidam através do trem, meio de locomoção de grandes
viagens da época, o trem representa a “imagem da vida social e coletiva [...] simboliza uma
evolução psíquica, uma tomada de consciência que prepara uma nova vida” (CHEVALIER E
GHEERBRANT, 2003, p. 897).
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“Anna Karênina” representa a imagem da sociedade daquela época, e, quando ela
entra em conflito com sua existência, nega a sociedade na qual está inserida, negando seus
valores e preceitos, ocorrendo então a sua desestruturação social, sua decadência seguida da
morte, morte dos valores morais e éticos daquele momento histórico.
A análise de todos estes símbolos imagéticos converge para o aspecto da evolução e
da ruptura, assim como a névoa que aparece não só no trailer, mas em vários momentos do
filme, que segundo Chevalier e Gheerbrant, é “o símbolo de uma fase de evolução [...]
quando as formas antigas estão desaparecendo e ainda não foram substituídas [...] período
transitório [...] precede revelações importantes” (2003, p. 634 – 635). Este conceito simbólico
nos leva à percepção de que a névoa aparece sempre na estação e em momentos promíscuos
da vida da protagonista, como os momentos que se seguem, quando Anna conhece o conde
Vronski na estação, quando ela está voltando para sua cidade e o mesmo antecipa seu retorno
proporcionando um encontro proposital na estação, e também, na cena final quando a
protagonista desce do trem e caminha em direção aos trilhos que a levarão à morte, à cada
uma destas cenas citadas, a névoa se intensifica cada vez mais evidenciando a aproximação da
transitoriedade desta sociedade.
Juntamente com a névoa há outro elemento temporal, o vento, que...
“é o símbolo de vaidade, de instabilidade [...] é o regulador dos equilíbrios
cósmicos e morais [...] os ventos também são instrumentos da força divina,
dão vida, castigam, ensinam, são sinais [...] anunciam que um evento
importante está para acontecer, uma mudança surgirá” (CHEVALIER E
GHEERBRANT, 2003, p. 935 – 936).
Mediante esta significação podemos compreender que em todos os momentos em
que há névoa, há também o vento que vêm a complementar e enfatizar este momento de
transitoriedade e de sinal, anunciando a mudança, o surgimento de uma nova sociedade com
novos valores morais. No momento final do filme assim como a névoa, o vento se intensifica
mostrando que a mudança já está acontecendo e se estabelecendo nesta sociedade moral e
começa a se efetivar na construção de uma nova sociedade que venha a ser mais realista, e,
esse realismo já começa a fazer parte através das expressões faciais da protagonista que
revelam a repulsa aos valores morais, a rebeldia e a busca incessante do rompimento com
estas tradições.
Esta nova sociedade se efetiva através da morte da protagonista que representa a
transposição pela morte, pela dor, ou seja, é a morte daquela sociedade e o surgimento de
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outra, que só é possível devido à desestruturação de Anna Karênina que irá representar a
desestruturação social.
O filme “Elvira Madigan”, Diretor Bo Widerberg (1967), pertence ao gênero Drama
e conta a história de uma artista circense dinamarquesa Elvira Madigan, que morreu aos 21
anos com um tiro de seu amante, este era um tenente que abandona a mulher, os dois filhos e
o exército para fugir com a jovem, por quem está apaixonado, abre mão de sua carreira,
posição social e família. Os dois fogem para viver este amor proibido, porém ao se depararem
com a falta de dinheiro e comida, os dois acabam vagando sem uma direção certa e
indefinida, e por fim ao não conseguirem emprego acabam fazendo um pacto de morte, que
culmina com o amante dando-lhe um tiro e logo em seguida se matando.
Ilustração 2: Fotograma do filme Elvira Madigan, 1967.
Durante o filme, desde os encontros imaturos, até os momentos de desespero
mediante as dificuldades é permeado pelo Concerto Nº 21 de Mozart
Tanto o filme quanto seu trailer apresentam um colorido magnífico em tons da arte
impressionista, é quase semelhante a uma tela do artista Renoir em movimento, é belo e
inesquecível. Neste sentido observa-se o que Yates nos coloca sobre a percepção das imagens,
“as imagens das coisas que melhor se fixam em nossa mente são aquelas que foram
transmitidas pelos sentidos, e [...] o mais sutil é o da visão” (2007, p. 20).
O filme e o trailer iniciam com uma criança/menina que usa um vestido vermelho e
brinca num campo lindo simbolizando a “inocência [...] a pureza [...] a criança é espontânea,
tranqüila, concentrada, sem intenção ou pensamentos dissimulados” (CHEVALIER E
GHEERBRANT, 2003, p. 302), enquanto que a cor vermelha, que evidencia-se tanto no
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vestido da menina quanto na cor da lã do tricô que Elvira está fazendo no decorrer de vários
momentos da narrativa, representa o “mistério da vida [...] incita à vigilância [...] inquieta
[...] é proibição lançada sobre as pulsões sexuais [...] é condição da vida” (CHEVALIER E
GHEERBRANT 2003, p. 944), sob esta perspectiva pode-se compreender que ambos os
significados simbólicos se complementam ao representarem a inocência e a tranqüilidade
enquanto que o vermelho é a cor do mistério, da inquietação, da dúvida, da incerteza, da
ingenuidade mediante a decisão tomada num momento de pureza, fica evidente a ideologia de
acreditar que é possível construir uma história de amor deixando de lado seus antecedentes,
sua história, suas lembranças, suas experiências, sua família, sem a necessidade de uma base
sólida quanto ao aspecto financeiro e de sustentabilidade, a ilusão de que o amor será eterno,
mesmo mediante as dificuldades.
Quando o protagonista une suas mãos com as mãos de Elvira ao deitarem-se no
chão, simbolicamente este gesto representa a “entrega da própria liberdade, ou melhor,
desistir dela, confiando-a a outra pessoa, é abandonar a própria força” (CHEVALIER E
GHEERBRANT, 2003, p. 592), ou seja, este gesto de união representa o abandono ao que já
passou, uma entrega mútua, o início de uma nova vida onde ambos estarão unidos pelas forças
do destino que os aguarda.
Outro aspecto relevante que permeia toda a obra e o trailer, é a música que
“desempenha um papel mediador para alargar as comunicações [...] ela comanda a ordem
instrumental. Ela será a arte de atingir a perfeição” (CHEVALIER E GHEERBRANT, 2003,
p. 627). A música está presente em diversos momentos do filme, onde o diálogo é substituído
pela música, pelos gestos e atitudes. Ela tem a capacidade de mediar os conflitos, as angústias
e o desespero dos protagonistas.
O olhar da protagonista, segundo Chevalier e Gheerbrant “é carregado de todas as
paixões da alma e dotado de um poder mágico, que lhe confere uma terrível eficácia. O olhar
é o instrumento que [...] mata, fascina, fulmina, seduz, assim como exprime [...] o olhar
aparece como o símbolo e instrumento de uma revelação” (2003, p. 653). Neste sentido o
olhar da protagonista, mais especificamente nos momentos evidenciados no trailer, nos
conduz à compreensão dos seus anseios, das suas angústias, nos leva a sublimidade de ver as
coisas sob uma perspectiva mais serena e menos egocêntrica, mesmo mediante o desespero da
atitude final, a morte, deixa o telespectador consciente que mediante aquela situação a melhor
saída seria aquela, a morte dos dois, o fim de uma paixão descontrolada que os levou a não
pensar nas conseqüências trágicas desta paixão que arrebatou seus corações, em um dos
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momentos finais seu olhar sobre o amante demonstra certo desespero mediante aquela
situação, ou seja, é a busca incessante por uma solução.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisar as diferentes formas em que a linguagem se manifesta numa obra fílmica,
que pode ser através de imagens, sons, músicas, palavras, gestos... é fator preponderante para
a compreensão dos aspectos que constituem a construção desta obra, portanto observa-se o
que Almeida escreve sobre o significado do filme,
O significado de um texto/filme é o todo, amálgama desse conjunto de
pequenas partes, em que cada uma não é suficiente para explicá-lo, porém
todas são necessárias e cada uma só tem significação plena em relação a
todas as outras (ALMEIDA, 1994, p.29).
As relações existentes entre os diferentes efeitos de sentido nos levam a
compreender as diferentes significações dos elementos explícitos e implícitos na obra, de
forma a levar o telespectador a alcançar um significado histórico, estético e de linguagem a
partir de diferentes cenas e seqüências imagéticas.
Neste sentido compreende-se que ao construírem-se as micro-narrativas, há a
necessidade de ressaltar a presença de imagens, sons, diálogos que venham a realmente
conquistar e despertar o interesse do público que a ele tem acesso, levando-o a contemplar a
obra na sua integridade, na sua essência, desvendando seus aspectos históricos e sociais que
estão implícitos no decorrer de toda a originalidade da obra.
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Linguagem e sentido no trailer cinematográfico NATH, Silvana