ANAIS DO IX SEMINÁRIO NACIONAL DE LITERATURA HISTÓRIA E MEMÓRIA – LITERATURA NO CINEMA e III Simpósio Gêneros Híbridos da Modernidade – Literatura no cinema Linguagem e sentido no trailer cinematográfico NATH, Silvana. UNIOESTE (Universidade Estadual do Oeste do Paraná) SILVA, Acir Dias da. (Orientador) RESUMO: Neste artigo temos por objetivo compreender a concepção de drama, linguagem, efeitos de sentido e memória na pós-modernidade, identificando como estes aspectos aparecem nos trailers e em trechos das obras fílmicas “Ana Karênina” (1948), diretor Julien Duvivier e “Elvira Madigan” (1967), diretor Bo Wideberg. Tomando como escopo teórico principal, os pressupostos teóricos de Ismail Xavier, Milton José de Almeida e Robert Stam, além de outros autores que tratam dos respectivos temas, sendo estes fundamentais para compreender o vínculo existente entre a obra fílmica e o trailer enquanto micro-narrativa, estabelecendo relação com o contexto histórico-social na qual estão inseridas. Através deste artigo analisaremos além da linguagem, as imagens e sons presentes nas respectivas obras cinematográficas, nas quais em poucos minutos são apresentados fragmentos de uma obra que levam anos para se efetivar e serem lançadas. Este trabalho trata-se de uma pesquisa eminentemente bibliográfica e cinematográfica que visa compreender a disposição destas informações tanto no trailer quanto na obra fílmica em sua integridade. PALAVRAS-CHAVE: Drama; Linguagem; Efeitos de sentido. ABSTRACT: In this article we have for objective to understand the conception of drama, language, effect of sense and memory in after-modernity, identifying as these aspects appear in trailers and in parts of the film workmanships “Ana Karênina” (1948), director Julien Duvivier and “Elvira Madigan” (1967), director Bo Wideberg. Taking as main theoretical target, the estimated theoreticians of Ismail Xavier, Milton Jose de Almeida and Robert Stam, beyond other authors who deal with the respective subjects, being these basic ones to understand the existing bond between the film workmanship and the trailer while micronnarrative, being established relation with the description-social context in which they are inserted. Through this article we will analyze beyond the language, the images and sounds gifts in the respective cinematographic workmanships, in which in few minutes they are presented parts of a workmanship that they take years to accomplish themselves and to be launched. This work is about an eminently bibliographical and cinematographic research that aims in such a way to understand the disposal of this information in the trailer how much in the film workmanship in its integrity. KEYWORDS: Drama; Language; Effect of sense. Para compreender a linguagem e os efeitos de sentido no trailer cinematográfico e em fragmentos das obras fílmicas a que se propõe neste artigo, centramo-nos principalmente nos estudos teóricos de Milton José de Almeida, Robert Stam e Ismail Xavier, considerando como fundamental as diferentes concepções por eles apresentadas acerca do drama, da linguagem e dos efeitos de sentido representados pelas imagens e sons que compõem as obras “Anna Karênina” e “Elvira Madigan”. Nesta perspectiva, busca-se desvendar dentro da produção cultural, os objetivos da construção e da produção do trailer cinematográfico, enquanto produto fornecido à sociedade Seminário Nacional de Literatura, História e Memória (9. : 2009 : Assis – SP) ISSN: 2175-943X Páginas 786-799 ANAIS DO IX SEMINÁRIO NACIONAL DE LITERATURA HISTÓRIA E MEMÓRIA – LITERATURA NO CINEMA e III Simpósio Gêneros Híbridos da Modernidade – Literatura no cinema como forma de possibilitar o acesso do público à cultura cinematográfica, mesmo que, de forma sucinta. O trailer pode ser compreendido como uma ferramenta utilizada pela mídia para divulgação dos filmes que serão apresentados ao público, cujo objetivo principal é atrair a audiência e a receptividade, incitando a apreciação das pessoas à obra na sua integridade. O trailer pode ser caracterizado então, como um objeto mercadológico que é utilizado de forma “fantástica” para divulgação do que é produzido pela mídia, de forma a atrair a audiência do telespectador, assim como o cinema e a televisão, que também são utilizados pela sociedade capitalista e a indústria cultural, sob a perspectiva de divulgar o que produzem, mas também de exercer certo domínio sobre a população, de forma a tornar a sociedade alienada quanto aos aspectos, políticos, culturais e econômicos, pois a cada nova produção cultural, a indústria cultural vai moldando o indivíduo, seus gostos, atitudes, vontades e desejos. Sob este panorama observa-se o que Almeida coloca sobre o cinema e a televisão, O cinema e a televisão [...] são indústrias grandes, com divisão e hierarquização de trabalho, poder, e interesses de mercado e de política social, que produzem para o consumo geral, como muitas outras. Sua produção complexa e cara tornam-a inacessível para qualquer um (ALMEIDA, 1994, p. 24). Neste sentido verifica-se que a televisão e o cinema não estão inertes das perspectivas de lucro e da conquista do telespectador, pois estão a serviço da indústria cultural, que apresenta como objetivos, fornecer aos homens critérios para sua orientação e critérios de comportamento, submetendo os indivíduos ao conformismo, que substitui a consciência dos reais valores transmitidos pela indústria cultural, e esta, atinge sua meta que é manter a dependência e a servidão dos homens, pois ao mesmo tempo em que ela oferece uma compensação também os deixa frustrados nesta felicidade ilusionista que é oferecida, ao impedir a formação de indivíduos autônomos, independentes e com capacidade de tomar decisões de forma consciente (Adorno, 1994, p. 92 -99). A partir desta comunicação que há entre telespectador e televisão, observa-se o que Ferraz coloca sobre este aspecto, O filme é o modo de estabelecer uma relação de comunicação com o sujeito filmado, em que o discurso verbal, o olhar, as sensações, as percepções possibilitam uma relação que é corporal e mediada pela câmera. No momento das filmagens, sujeito e objeto tomam parte da mesma obra [...] o filme é um modo de mostrar para o outro como eu o vejo e o espaço entre o sujeito que filma e o sujeito filmado é um espaço em que a consciência é criada [...] um intervalo entre o sentido das coisas e a sua verdade, uma Seminário Nacional de Literatura, História e Memória (9. : 2009 : Assis – SP) ISSN: 2175-943X Páginas 786-799 ANAIS DO IX SEMINÁRIO NACIONAL DE LITERATURA HISTÓRIA E MEMÓRIA – LITERATURA NO CINEMA e III Simpósio Gêneros Híbridos da Modernidade – Literatura no cinema distância sem a qual o sentido seria fixado e a verdade congelada (FERRAZ, 2009, p.274). Ao compreender o filme como uma relação de comunicação entre diferentes sujeitos não se pode omitir que as imagens apresentadas no filme, bem como seu conteúdo, são elaboradas pelo homem e expressam a relação deste com o mundo e com o outro, o aparelho que ele utiliza funciona como catalisador de situações e sujeitos que são encenados para compor e efetivar o filme. Analisar o trailer cinematográfico requer atenção quanto aos objetivos do período histórico e social no qual esta micro-narrativa está inserida e até mesmo à sociedade a qual pertence, compreendendo que em poucos minutos são apresentados fragmentos de uma obra que levam anos para se efetivar e serem lançadas, além de que apresentam metas a serem atingidas quanto à propaganda e divulgação deste trabalho, fatores estes que estão vinculados ao pós-modernismo, pois incorporam formas para encontrar uma expressão técnica, material e comercial, conforme Jameson cita em sua obra, que o pós-modernismo representa uma fascinação pelas paisagens comerciais, pelos filmes hollywoodianos, pelas produções literárias e discursos teóricos, aspectos formais de uma cultura que busca um novo tipo de vida social e econômica, sociedade esta de consumo, da mídia e dos espetáculos que expressa uma ordem social do capitalismo tardio (In: Kaplan, 1993, p.27). Nesta perspectiva, vale salientar que o trailer apresenta com exclusividade a função de atingir o objetivo da mídia, que é a propaganda e o consumo. Com relação aos trailers que serão estudados neste artigo observa-se que ambos apresentam de certa forma este panorama mercadológico, porém não fica evidente com tanta intensidade, pois o trailer do filme “Anna Karênina” apenas apresenta um pequeno fragmento da obra, de forma a deixar o telespectador curioso ao observar o olhar da protagonista, que os leva para a perspectiva do olhar dramático, ou seja, de que algo irá acontecer, os próprios aspectos simbólicos, a névoa, o vento, a estação, o trem, o olhar tenso, reportam para uma perspectiva melodramática no decorrer da narrativa, conforme se observará adiante. Quanto ao trailer do filme “Elvira Madigan”, este também apresenta traços mercadológicos, pois mostra apenas as cenas principais, numa tela restrita ao som do Concerto Nº21 de Mozart, não apresenta a voz dos personagens e nem mesmo deixa explicito o final, levando o telespectador a acreditar que é um filme romântico com um possível “final feliz”, deixando-os com várias interrogações com relação à narrativa filmica, incentivando o público a assistir para conferir a preciosidade da obra. Seminário Nacional de Literatura, História e Memória (9. : 2009 : Assis – SP) ISSN: 2175-943X Páginas 786-799 ANAIS DO IX SEMINÁRIO NACIONAL DE LITERATURA HISTÓRIA E MEMÓRIA – LITERATURA NO CINEMA e III Simpósio Gêneros Híbridos da Modernidade – Literatura no cinema Ao considerar o trailer como um objeto da indústria cultural e pertencente ao pósmodernismo, o mesmo está vinculado à propaganda, é voltado para a perspectiva do lucro que transforma e orienta para direções políticas, ou como coloca Jameson, “os dois aspectos do pós-modernismo [...] a transformação da realidade em imagens e a fragmentação do tempo numa série de presentes perpétuos” (In: KAPLAN, 1993, p.43), aspectos estes que estão evidentes nos trailers abordados na seqüência. Para analisar a linguagem do cinema, como observa Robert Stam esta se caracteriza como sendo, [...] rica e sensorialmente composta, o cinema, enquanto meio de comunicação, está aberto a todos os tipos de simbolismo e energias literárias e imagísticas, a todas as representações coletivas, correntes ideológicas, tendências estéticas e ao infinito jogo de influências no cinema, nas outras artes e na cultura de modo geral (2008, p. 24). Quanto à linguagem do trailer cinematográfico verifica-se que esta é diferente da linguagem do filme, pois o trailer não pode perder de vista seu objetivo primordial que é atingir o ápice de vendas na bilheteria, considerando mais o aspecto publicitário do que a criação artística. Ao analisar o trailer do filme “Anna Karênina” e “Elvira Madigan”, observa-se que ambos são compostos com maior ênfase por imagens e sons, apresentando pouco diálogo entre os personagens, de forma que grande parte das mensagens são transmitidas através de expressões faciais, pelo olhar e pelos gestos que instigam e induzem o telespectador à compreensão do que está implícito através das imagens e do som. Neste momento salientamos o valor do “olhar” que em ambas as protagonistas dos trailers estudados, representam diferentes aspectos do ponto de vista dramático, pois segundo Xavier, O confronto entre olhar e cena, compõe essa dialética de absorção e exibicionismo que marca a tradição hollywoodiana e também outros contextos em que está presente uma perfomance pautada pelas regras da representação consolidadas ao longo do século XVIII (2003, p. 15). A representação visual é vista como natural, é uma estrutura política e estética que está presente ideologicamente por meio de aparelhos que captam as imagens do real, através da câmera cinematográfica, de forma a transmitir as imagens mais próximas possíveis do real, Seminário Nacional de Literatura, História e Memória (9. : 2009 : Assis – SP) ISSN: 2175-943X Páginas 786-799 ANAIS DO IX SEMINÁRIO NACIONAL DE LITERATURA HISTÓRIA E MEMÓRIA – LITERATURA NO CINEMA e III Simpósio Gêneros Híbridos da Modernidade – Literatura no cinema demonstrando através da experiência que tudo o que é mostrado é enviado ao olho (Almeida, 1999, p. 129 – 130). Os olhos humanos, portanto, são sensíveis e viciosos e podem tender para a construção ou não de imagens e locais que podem ou não ser inesquecíveis, e, através das imagens e palavras podem ser apresentados aspectos da memória, ou de uma situação vivida ou imaginada pelo protagonista para se tornar uma imagem real e natural. Sendo assim, ao ver o cinema sob a Perspectiva 28, esta desabilita a forma como o olho humano visualiza o mundo real que resiste ao poder, considerando este poder como alegórico (Almeida, 1999, p. 131). Sendo assim, a compreensão da linguagem estará associada à construção e elaboração do enredo, ao identificar neste contexto a ideologia, o discurso, a metáfora e os efeitos de sentido que compõem a totalidade da obra na busca da compreensão discursiva, ao considerar que a linguagem e a ideologia se constituem na construção do discurso e evidenciam-se através dos efeitos de sentido. Neste panorama é indispensável compreender que toda palavra tem um significado, ou um sentido e que ela não existe aleatoriamente, mas representa algo teoricamente e ideologicamente, podendo mudar de sentido conforme o contexto no qual é utilizada e de quem a emprega. Quanto ao conceito de ideologia, é necessário compreendê-lo melhor conforme segue, [...] um conjunto de idéias e representações que servem para justificar e explicar a ordem social, as condições de vida do homem e as relações que ele mantém com os outros homens, [...] a ideologia é “falsa consciência” [...] a ideologia está contida no objeto, no social, não podendo, portanto, ser reduzida à consciência. Ela existe independentemente da consciência dos agentes sociais. É uma forma fenomênica da realidade, que oculta as relações mais profundas e expressa-as de um modo invertido. A inversão da realidade é ideologia (FIORIN, 2003, p. 28 – 29). Através deste conceito de ideologia, entende-se que ela está implícita no discurso e para que o sujeito atinja um nível coerente de compreensão, interpretação e produção de sentidos, ele deve ter conhecimento das intenções do autor e do mundo que o cerca. Assim sendo, entende-se que cada sujeito fará uma leitura especifica de determinado discurso, ao considerar o conhecimento de mundo por ele assimilado e adquirido e especialmente a 28 Compreende-se como Perspectiva “as formas que o observador-espectador vai interpretar como IMAGENS do real” (ALMEIDA, 1999, p. 139). Seminário Nacional de Literatura, História e Memória (9. : 2009 : Assis – SP) ISSN: 2175-943X Páginas 786-799 ANAIS DO IX SEMINÁRIO NACIONAL DE LITERATURA HISTÓRIA E MEMÓRIA – LITERATURA NO CINEMA e III Simpósio Gêneros Híbridos da Modernidade – Literatura no cinema Formação Discursiva29 na qual esse sujeito está inserido. Neste sentido é importante verificar o que Fiorin propõe sobre o discurso, [...] o discurso [...] também é determinado por coerções ideológicas [...] a consciência é constituída a partir dos discursos assimilados por cada membro de um grupo social e se o homem é limitado por relações sociais, não há uma individualidade de espírito nem uma individualidade discursiva absoluta (2003, p. 36). Neste sentido, entende-se que o discurso não se apresenta isolado, neutro, pois está permeado por outros discursos e por diferentes concepções de percepção, de acordo com o sujeito que a ele tem acesso. Mediante esta exposição buscaremos compreender tais aspectos teóricos a partir das análises a que se propõe. Além da linguagem discursiva é imprescindível analisar também os efeitos de sentido que permeiam as obras, como as imagens e sons que apresentam um significado amplo e rico para a compreensão do conteúdo e da ideologia evidenciadas nas obras de arte, seja o cinema, a literatura, a pintura, a música, ou outra expressão cultural. Este aspecto é discutido por Almeida A oralidade liga-se às produções em imagens e sons por muitos fios, mas principalmente pelo seu realismo e pela sucessividade no tempo: cadeia de imagens em movimento sucessivo/cadeia de sons sucessivos, compondo um processo metonímico de significação (1994, p. 9). A linguagem então vai além das palavras, mas pode ser representada pelas diversas imagens e sons, expressões faciais, elementos temporais, gestos, cores, todos estes aspectos podem ser vistos e ouvidos na imaginação criativa que pode ir muito além do que está explicito na obra. No que diz respeito às imagens e sons é importante salientar o que Stam apresenta em sua obra, O cinema, enquanto meio de comunicação, está aberto a todos os tipos de simbolismo e energias literárias e imagísticas, a todas as representações coletivas, correntes ideológicas, tendências estéticas e ao infinito jogo de influências, no cinema [...] a trilha da imagem “herda” a história da pintura e as artes visuais, ao passo que a trilha do som “herda” toda a história da música, do diálogo e a experimentação sonora (2008, p. 24). 29 A noção de Formação Discursiva [...] é básica na Análise de Discurso, pois permite compreender o processo de produção dos sentidos, a sua relação com a ideologia e também dá ao analista a possibilidade de estabelecer regularidades no funcionamento do discurso [...] representam no discurso as formações ideológicas. Desse modo, os sentidos sempre são determinados ideologicamente (ORLANDI, 2005, p. 43). Seminário Nacional de Literatura, História e Memória (9. : 2009 : Assis – SP) ISSN: 2175-943X Páginas 786-799 ANAIS DO IX SEMINÁRIO NACIONAL DE LITERATURA HISTÓRIA E MEMÓRIA – LITERATURA NO CINEMA e III Simpósio Gêneros Híbridos da Modernidade – Literatura no cinema Quanto ao som, Almeida apresenta a sua função na obra fílmica, Os sons da fala numa sociedade oral são globais, são signos inteiros, glóbulos sonoros que são utilizados para que se diga o que se vê, sente, ama, pensa, etc. São contínuos, ininterruptos; seus silêncios são pausar altamente significantes e cessam por vontade do falante ou do ouvinte (1994, p. 17). Neste sentido é indispensável compreender a importância do som mediante a produção de sentidos, conforme se observará nas análises que se seguem. O filme “Anna Karênina”, do Diretor Julien Duvivier (1948), pertence ao gênero Drama e conta a história de Anna Karênina, uma mulher casada que desafia todas as convenções da época ao se apaixonar por um conde do exército russo, Vronski. Anna se rende a este amor, ao tornar-se amante de Vronski, abandona o filho e o marido, que resiste em darlhe o divórcio, afinal, enquanto funcionário do governo, ele está a serviço do Estado, cuja ordem é conservar/manter a ordem, a moral e os bons costumes, e como castigo à mulher que o traiu, proíbe-a de ver seu filho. Ilustração 1: Fotograma do Filme Anna Karenina, 1948. Anna vive um romance condenado que rompe com os paradigmas da sociedade respeitável e da aristocracia que já está em decadência, e, cujo desfecho trágico representa o Seminário Nacional de Literatura, História e Memória (9. : 2009 : Assis – SP) ISSN: 2175-943X Páginas 786-799 ANAIS DO IX SEMINÁRIO NACIONAL DE LITERATURA HISTÓRIA E MEMÓRIA – LITERATURA NO CINEMA e III Simpósio Gêneros Híbridos da Modernidade – Literatura no cinema anseio por um novo tipo de sociedade que já está nascendo mediante a trágica morte da protagonista. Em meio a este conflito é importante salientar que as obras dramáticas, segundo Xavier, “são típicas de períodos de transição e mudanças técnico-econômicas aceleradas que nos forçam a interrogar nossas visões sobre a identidade e valores comuns” (In: RAMOS (org.), 2004, p. 377). “Anna Karênina” representa através do drama da protagonista, “uma paixão que está relacionada ao sofrimento, pois para que exista e perdure são necessários obstáculos estruturais que determinam o final infeliz” (OROZ, 1999, p.65). Este fator fica explicito na paixão que Anna sente por Vronski, sentimento este que segue apenas o princípio do prazer, associado com o desejo e realização tanto sexual quanto pessoal. A paixão não tem continuidade, é abominada pela sociedade e leva à infelicidade e à separação, e, consequentemente à morte existencial da protagonista, pois a paixão acaba por ser mais importante que o amor. Neste sentido nos utilizaremos da discussão de Silvia Oroz sobre o sentimento da paixão, A paixão gera desejo, o que é censurável e está em contradição com a moral social; é melhor acabar com o sujeito provocador e reorganizar-se de acordo com as normas reguladoras. [...] O desejo é algo tão pecaminoso que não faz parte do mundo aceito (1999, p.68). Este sentimento avassalador que leva Anna a abandonar o marido e o filho, não faz parte do contexto dos costumes morais da sociedade da época, os princípios da moral deviam ser respeitados, talvez por isso, que “Anna Karênina” irá representar a ruptura com este sistema vigente deste momento histórico. Quanto ao trailer analisado, observamos além da linguagem, os efeitos de sentido: imagens e sons, que o permeiam compreendendo que os significados destes conceitos em um filme representam, [...] um conjunto de sons e imagens que, ao seu término, compôs um sentimento e uma inteligência sobre ele [...] a relação do filme com a linguagem não é uma relação funcional ou uma relação parecida com, mas filme e linguagem/oralidade unem-se num universo em que pessoas e histórias compõem um mundo significativo (ALMEIDA, 1994, p.11). Seminário Nacional de Literatura, História e Memória (9. : 2009 : Assis – SP) ISSN: 2175-943X Páginas 786-799 ANAIS DO IX SEMINÁRIO NACIONAL DE LITERATURA HISTÓRIA E MEMÓRIA – LITERATURA NO CINEMA e III Simpósio Gêneros Híbridos da Modernidade – Literatura no cinema Os sons, as falas e as imagens constroem a subjetividade no telespectador, mesmo que ele não perceba, mas há valores que estão sendo interpelados em sua consciência através da percepção e da apreciação da obra filmica. O trailer inicia com o toque do sino que, segundo Chevalier e Gheerbrant é a “percepção do som [...] o ruído dos sinos [...] tem um poder de exorcismo e de purificação [...] afasta as influências malignas ou adverte da sua aproximação [...] evoca a posição de tudo o que está suspenso entre o céu e a terra” (2003, p. 835). Este símbolo, portanto, nos conduz à compreensão dos conflitos, da destruição e da morte, temas estes que serão evidenciados na seqüência da obra, principalmente quando aparece a estação, o trem, o momento final, a morte, o toque do sino sempre estará presente como um prelúdio de possíveis acontecimentos, como a paixão avassaladora que se origina na estação, o reencontro e a morte, acontecimentos que se desencadeiam na estação de trem. A estação de embarque e desembarque do trem, segundo Chevalier e Gheerbrant, representa “o ponto de partida da evolução das nossas novas atividades [...] chegar a uma etapa do nosso destino” (2003, p. 897), a partir deste conceito, verifica-se que a protagonista Anna Karênina representa a ruptura com a aristocracia decadente da época na busca pela evolução, ascensão e construção de uma nova sociedade que viesse redimir a intensidade com que a moral era vista. Esses aspectos ficam evidentes através das constantes passagens da protagonista pela estação de trem, devido às viagens que realizava, representadas pela busca constante de mudança daquele sistema político vigente. Ao analisar a viagem como “a busca da verdade, da paz, da procura e da descoberta espiritual [...] do desejo de mudança interior, necessidade de experiências novas [...] insatisfação que leva à busca e à descoberta de novos horizontes [...] fuga de si mesmo” (CHEVALIER E GHEERBRANT, 2003, p. 951 – 952), é possível compreender as freqüentes viagens de Anna como a busca pelo seu destino, a inconformidade com a rotina e com a insensibilidade do marido, a ânsia por novas conquistas, por algo que trouxesse sentido e objetivo para sua vida, que lhe mostrasse razões para lutar e viver numa sociedade mais justa, mais igualitária e mais humana. As viagens só se consolidam através do trem, meio de locomoção de grandes viagens da época, o trem representa a “imagem da vida social e coletiva [...] simboliza uma evolução psíquica, uma tomada de consciência que prepara uma nova vida” (CHEVALIER E GHEERBRANT, 2003, p. 897). Seminário Nacional de Literatura, História e Memória (9. : 2009 : Assis – SP) ISSN: 2175-943X Páginas 786-799 ANAIS DO IX SEMINÁRIO NACIONAL DE LITERATURA HISTÓRIA E MEMÓRIA – LITERATURA NO CINEMA e III Simpósio Gêneros Híbridos da Modernidade – Literatura no cinema “Anna Karênina” representa a imagem da sociedade daquela época, e, quando ela entra em conflito com sua existência, nega a sociedade na qual está inserida, negando seus valores e preceitos, ocorrendo então a sua desestruturação social, sua decadência seguida da morte, morte dos valores morais e éticos daquele momento histórico. A análise de todos estes símbolos imagéticos converge para o aspecto da evolução e da ruptura, assim como a névoa que aparece não só no trailer, mas em vários momentos do filme, que segundo Chevalier e Gheerbrant, é “o símbolo de uma fase de evolução [...] quando as formas antigas estão desaparecendo e ainda não foram substituídas [...] período transitório [...] precede revelações importantes” (2003, p. 634 – 635). Este conceito simbólico nos leva à percepção de que a névoa aparece sempre na estação e em momentos promíscuos da vida da protagonista, como os momentos que se seguem, quando Anna conhece o conde Vronski na estação, quando ela está voltando para sua cidade e o mesmo antecipa seu retorno proporcionando um encontro proposital na estação, e também, na cena final quando a protagonista desce do trem e caminha em direção aos trilhos que a levarão à morte, à cada uma destas cenas citadas, a névoa se intensifica cada vez mais evidenciando a aproximação da transitoriedade desta sociedade. Juntamente com a névoa há outro elemento temporal, o vento, que... “é o símbolo de vaidade, de instabilidade [...] é o regulador dos equilíbrios cósmicos e morais [...] os ventos também são instrumentos da força divina, dão vida, castigam, ensinam, são sinais [...] anunciam que um evento importante está para acontecer, uma mudança surgirá” (CHEVALIER E GHEERBRANT, 2003, p. 935 – 936). Mediante esta significação podemos compreender que em todos os momentos em que há névoa, há também o vento que vêm a complementar e enfatizar este momento de transitoriedade e de sinal, anunciando a mudança, o surgimento de uma nova sociedade com novos valores morais. No momento final do filme assim como a névoa, o vento se intensifica mostrando que a mudança já está acontecendo e se estabelecendo nesta sociedade moral e começa a se efetivar na construção de uma nova sociedade que venha a ser mais realista, e, esse realismo já começa a fazer parte através das expressões faciais da protagonista que revelam a repulsa aos valores morais, a rebeldia e a busca incessante do rompimento com estas tradições. Esta nova sociedade se efetiva através da morte da protagonista que representa a transposição pela morte, pela dor, ou seja, é a morte daquela sociedade e o surgimento de Seminário Nacional de Literatura, História e Memória (9. : 2009 : Assis – SP) ISSN: 2175-943X Páginas 786-799 ANAIS DO IX SEMINÁRIO NACIONAL DE LITERATURA HISTÓRIA E MEMÓRIA – LITERATURA NO CINEMA e III Simpósio Gêneros Híbridos da Modernidade – Literatura no cinema outra, que só é possível devido à desestruturação de Anna Karênina que irá representar a desestruturação social. O filme “Elvira Madigan”, Diretor Bo Widerberg (1967), pertence ao gênero Drama e conta a história de uma artista circense dinamarquesa Elvira Madigan, que morreu aos 21 anos com um tiro de seu amante, este era um tenente que abandona a mulher, os dois filhos e o exército para fugir com a jovem, por quem está apaixonado, abre mão de sua carreira, posição social e família. Os dois fogem para viver este amor proibido, porém ao se depararem com a falta de dinheiro e comida, os dois acabam vagando sem uma direção certa e indefinida, e por fim ao não conseguirem emprego acabam fazendo um pacto de morte, que culmina com o amante dando-lhe um tiro e logo em seguida se matando. Ilustração 2: Fotograma do filme Elvira Madigan, 1967. Durante o filme, desde os encontros imaturos, até os momentos de desespero mediante as dificuldades é permeado pelo Concerto Nº 21 de Mozart Tanto o filme quanto seu trailer apresentam um colorido magnífico em tons da arte impressionista, é quase semelhante a uma tela do artista Renoir em movimento, é belo e inesquecível. Neste sentido observa-se o que Yates nos coloca sobre a percepção das imagens, “as imagens das coisas que melhor se fixam em nossa mente são aquelas que foram transmitidas pelos sentidos, e [...] o mais sutil é o da visão” (2007, p. 20). O filme e o trailer iniciam com uma criança/menina que usa um vestido vermelho e brinca num campo lindo simbolizando a “inocência [...] a pureza [...] a criança é espontânea, tranqüila, concentrada, sem intenção ou pensamentos dissimulados” (CHEVALIER E GHEERBRANT, 2003, p. 302), enquanto que a cor vermelha, que evidencia-se tanto no Seminário Nacional de Literatura, História e Memória (9. : 2009 : Assis – SP) ISSN: 2175-943X Páginas 786-799 ANAIS DO IX SEMINÁRIO NACIONAL DE LITERATURA HISTÓRIA E MEMÓRIA – LITERATURA NO CINEMA e III Simpósio Gêneros Híbridos da Modernidade – Literatura no cinema vestido da menina quanto na cor da lã do tricô que Elvira está fazendo no decorrer de vários momentos da narrativa, representa o “mistério da vida [...] incita à vigilância [...] inquieta [...] é proibição lançada sobre as pulsões sexuais [...] é condição da vida” (CHEVALIER E GHEERBRANT 2003, p. 944), sob esta perspectiva pode-se compreender que ambos os significados simbólicos se complementam ao representarem a inocência e a tranqüilidade enquanto que o vermelho é a cor do mistério, da inquietação, da dúvida, da incerteza, da ingenuidade mediante a decisão tomada num momento de pureza, fica evidente a ideologia de acreditar que é possível construir uma história de amor deixando de lado seus antecedentes, sua história, suas lembranças, suas experiências, sua família, sem a necessidade de uma base sólida quanto ao aspecto financeiro e de sustentabilidade, a ilusão de que o amor será eterno, mesmo mediante as dificuldades. Quando o protagonista une suas mãos com as mãos de Elvira ao deitarem-se no chão, simbolicamente este gesto representa a “entrega da própria liberdade, ou melhor, desistir dela, confiando-a a outra pessoa, é abandonar a própria força” (CHEVALIER E GHEERBRANT, 2003, p. 592), ou seja, este gesto de união representa o abandono ao que já passou, uma entrega mútua, o início de uma nova vida onde ambos estarão unidos pelas forças do destino que os aguarda. Outro aspecto relevante que permeia toda a obra e o trailer, é a música que “desempenha um papel mediador para alargar as comunicações [...] ela comanda a ordem instrumental. Ela será a arte de atingir a perfeição” (CHEVALIER E GHEERBRANT, 2003, p. 627). A música está presente em diversos momentos do filme, onde o diálogo é substituído pela música, pelos gestos e atitudes. Ela tem a capacidade de mediar os conflitos, as angústias e o desespero dos protagonistas. O olhar da protagonista, segundo Chevalier e Gheerbrant “é carregado de todas as paixões da alma e dotado de um poder mágico, que lhe confere uma terrível eficácia. O olhar é o instrumento que [...] mata, fascina, fulmina, seduz, assim como exprime [...] o olhar aparece como o símbolo e instrumento de uma revelação” (2003, p. 653). Neste sentido o olhar da protagonista, mais especificamente nos momentos evidenciados no trailer, nos conduz à compreensão dos seus anseios, das suas angústias, nos leva a sublimidade de ver as coisas sob uma perspectiva mais serena e menos egocêntrica, mesmo mediante o desespero da atitude final, a morte, deixa o telespectador consciente que mediante aquela situação a melhor saída seria aquela, a morte dos dois, o fim de uma paixão descontrolada que os levou a não pensar nas conseqüências trágicas desta paixão que arrebatou seus corações, em um dos Seminário Nacional de Literatura, História e Memória (9. : 2009 : Assis – SP) ISSN: 2175-943X Páginas 786-799 ANAIS DO IX SEMINÁRIO NACIONAL DE LITERATURA HISTÓRIA E MEMÓRIA – LITERATURA NO CINEMA e III Simpósio Gêneros Híbridos da Modernidade – Literatura no cinema momentos finais seu olhar sobre o amante demonstra certo desespero mediante aquela situação, ou seja, é a busca incessante por uma solução. CONSIDERAÇÕES FINAIS Analisar as diferentes formas em que a linguagem se manifesta numa obra fílmica, que pode ser através de imagens, sons, músicas, palavras, gestos... é fator preponderante para a compreensão dos aspectos que constituem a construção desta obra, portanto observa-se o que Almeida escreve sobre o significado do filme, O significado de um texto/filme é o todo, amálgama desse conjunto de pequenas partes, em que cada uma não é suficiente para explicá-lo, porém todas são necessárias e cada uma só tem significação plena em relação a todas as outras (ALMEIDA, 1994, p.29). As relações existentes entre os diferentes efeitos de sentido nos levam a compreender as diferentes significações dos elementos explícitos e implícitos na obra, de forma a levar o telespectador a alcançar um significado histórico, estético e de linguagem a partir de diferentes cenas e seqüências imagéticas. Neste sentido compreende-se que ao construírem-se as micro-narrativas, há a necessidade de ressaltar a presença de imagens, sons, diálogos que venham a realmente conquistar e despertar o interesse do público que a ele tem acesso, levando-o a contemplar a obra na sua integridade, na sua essência, desvendando seus aspectos históricos e sociais que estão implícitos no decorrer de toda a originalidade da obra. REFERENCIAS: ADORNO, Theodor W. Sociologia. (Org.) Gabriel Cohn. São Paulo: Ática, 1994. ALMEIDA, Milton José de. Imagens e sons: A nova cultura oral. São Paulo: Cortez, 1994. ______________________. Cinema, arte da memória. Campinas, SP: Autores Associados, 1999. CHEVALIER, Jean. GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. 18ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003. FERRAZ, Ana Lúcia Marques Camargo. Modos de ver a classe trabalhadora. In: BARBOSA, Andréa. CUNHA, Edgar Teodoro da. HIKIJI, Rose Satiko Gitirana (orgs.). Imagemconhecimento: Antropologia, cinema e outros diálogos. Campinas, São Paulo: Papirus, 2009. Seminário Nacional de Literatura, História e Memória (9. : 2009 : Assis – SP) ISSN: 2175-943X Páginas 786-799 ANAIS DO IX SEMINÁRIO NACIONAL DE LITERATURA HISTÓRIA E MEMÓRIA – LITERATURA NO CINEMA e III Simpósio Gêneros Híbridos da Modernidade – Literatura no cinema FIORIN, José Luiz. Linguagem e Ideologia. 7ª ed. São Paulo: Editora Ática, 2003. JAMESON, Fredric. O pós-modernismo e a Sociedade de Consumo. In: KAPLAN, E. Ann (org.). O mal-estar no pós-modernismo: teorias e práticas. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993. ORLANDI, Eni P. Análise de Discurso: Princípios & Procedimentos. 6ª ed. Campinas, São Paulo: Pontes, 2005. OROZ, Silvia. Melodrama: Cinema de lágrimas da América Latina. 2ª ed. Rio de Janeiro: Funarte, 1999. RAMOS, Fernão Pessoa (org). Teoria Contemporânea do cinema. Vol I. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2005. STAM, Robert. 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