conversando
Dr.ª Ana Sofia
Baptista
A empatia
constrói
Por Sofia Sá da Bandeira
S
entia-me um pouco expectante em relação ao encontro
que iria ter com a Dr.ª Ana
Sofia Baptista na Unidade de
Saúde Familiar do Dafundo.
Sabia que se tratava de uma Unidade de
Saúde Familiar constituída por um grupo
de médicos, enfermeiros, administrativos e auxiliares que tem como objectivo
principal prestar cuidados de saúde mais
humanizados e próximos dos utentes.
Sabia também, pelo relato de pessoas que
requisitam estes serviços, que se tratava
de um espaço diferente. Encontramo-nos
à hora combinada junto à porta do elevador do edifício. Acabei de chegar de
uma visita ao domicílio» diz Ana Sofia
apertando-me a mão. Fará muitas outras
ao longo da semana. «Trata-se de pessoas
que se encontram acamadas ou que têm
alguma dificuldade em se deslocarem até
à Unidade de Saúde», diz numa voz que
transparece suavidade. Fico, instintivamente, com a sensação de estar perante
alguém que gosta daquilo que faz. Convida-me a visitar o espaço e mostra-mo ao
pormenor com um orgulho de quem ali
investiu tempo, trabalho e afecto. Sente-se naquele espaço de cuidado de saúde
um ambiente raro, dir-se-ia um cenário
de um filme que não acreditaríamos existir na realidade. Percorremos a sala de
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pediatria, o gabinete de vacinação,
o compartimento de apoio às grávidas e saúde materna e os gabinetes
dos colegas a quem se dirige numa
entoação que revela consideração e
entendimento. “Somos uma equipa
muito unida, aliás, o sucesso desta
Unidade de Saúde depende disso.
Cada um tem a sua função específica,
mas, o trabalho é de interajuda. Só
assim é possível mesmo no meio da
crise, que nos obriga a certas restrições, as coisas funcionarem. Há um
grande empenhamento de todos, um
grande esforço humano.”
Entramos no seu gabinete, a minha
atenção é imediatamente desviada
para um placard perto da secretária. Fotografias, rostos de crianças e
adolescentes, um ou outro adulto,
contemplam-nos com expressões
risonhas na parede. “São lembranças
que me vão dando os pacientes, muitos deles, vi-os nascer”, diz Ana Sofia
num sorriso sensibilizado enquanto
veste a sua bata branca. Pergunto-lhe
se sempre desejou ser médica, ri, diz
que não, que, em criança, queria ser
bailarina ou caixa de supermercado,
a paixão pela medicina veio depois,
sim, foi qualquer coisa que veio mais
tarde e que veio de dentro, qualquer
coisa de inato que foi crescendo.
Conta que teve também a sorte de
encontrar pessoas especiais, “pessoas
que exerciam esta profissão, pessoas
muito humanas, com quem tive o privilégio de trabalhar, que me marcaram e que foram e serão sempre um
exemplo.” Depois, a sua experiência
“O mais
importante no
ser humano é a
empatia. É preciso
desenvolver a
capacidade de
nos pormos na
pele do outro.”
diária em contacto com situações, por
vezes, bem dramáticas, aprofundou a
sua sensibilidade, fê-la olhar a vida
numa perspetiva mais lúcida e vigilante. “Aprendi, por exemplo, a lidar
melhor com a realidade da morte, a
não receá-la, a aceitá-la como uma
realidade que faz parte da vida. À
medida que o tempo passa, o final
da vida é qualquer coisa que se vai
integrando de uma forma cada vez
mais natural em mim. O que não quer
dizer que me tenha tornado insensível, não, a minha percepção da morte
é que mudou, posso até dizer que
acabou por fortalecer a minha fé.”
Quando lhe pergunto qual a qualidade que considera mais importante
num ser humano, sobretudo num
profissional da medicina que lida
com pessoas particularmente fragilizadas, a resposta é pronta: “A empatia. Sem empatia não se constrói nada
de positivo. É preciso ter compaixão
pela realidade do outro, no verdadeiro sentido do termo, desenvolver
a capacidade de nos pormos na pele
do outro, tentar sempre chegar à sua
humanidade mais profunda. E, claro,
darmos o melhor de nós em cada
momento, mesmo quando estamos
fatigados, mesmo quando temos problemas de ordem pessoal.” O convite
constante à sua capacidade de atenção, à faculdade de escutar é imenso.
Quantas vezes, por detrás de um sintoma físico, pode estar um pedido de
escuta, um desejo de romper silêncios, um pouco de atenção?
Ana Sofia parece ser daquelas médicas que todos gostaríamos de ter,
mãe de filhos ainda pequenos, dividindo-se entre mil actividades, tenta
sempre arranjar tempo para dar uma
palavra, ir ao encontro de quem
a procura. Não o faz numa relação
desigual, numa atitude de superioridade ou de infantilização do paciente.
Pelo contrário, explica que está particularmente atenta a este aspecto, a
uma pergunta pode até responder
com outra pergunta, “gosto de pôr o
paciente a pensar, de lhe perguntar
a opinião sobre a sua própria situação, de o ajudar a tornar-se mais
consciente da sua realidade e das
soluções, de o tornar ciente da sua
corresponsabilidade. Afinal de contas,
este trabalho, no sentido da cura, é
feito numa relação a dois.”
Quando saio, vêm-me à memória as
palavras de Madre Teresa numa entrevista dada a um jornal americano em
meados dos anos 70. Dizia ela, que a
maior doença dos nossos dias não é
nem a tuberculose, nem a lepra, mas
a sensação de não se ser querido, de
não se ser cuidado pelos outros, a terrível sensação de se ser posto de lado.
Dá que pensar.
DEZemBRO2013
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