1 UNIDADE I INTRODUÇÃO A FISIOLOGIA: FISIOLOGIA CELULAR E GERAL Ø Organização Funcional do Corpo Humano e Controle do "Meio Interno" Ø A Célula e seu Funcionamento Ø Controle Genético da Síntese de Proteínas, do Funcionamento e da Reprodução Celular 2 CAPÍTULO I Organização Funcional do Corpo Humano e Controle do "Meio Interno" A fisiologia tenta explicar os fatores físicos e químicos responsáveis pela origem, desenvolvimento e progressão da vida. Cada tipo de vida, desde o mais simples vírus até a maior árvore ou o complexo ser humano, possui características funcionais próprias. Portanto, o vasto campo da fisiologia pode ser dividido cm fisiologia virai, fisiologia bacteriana, fisiologia celular, fisiologia vegetal, fisiologia humana, e em muitas outras áreas. Fisiologia humana. Na fisiologia humana, estamos interessados nas características e mecanismos específicos do corpo humano que o tornam um ser vivo. O simples fato de que permanecemos vivos está quase além de nosso controle, pois a fome nos faz procurar alimento e o medo, a buscar abrigo. As sensações de frio nos levam a produzir calor e outras forças nos levam a procurar companhia e a reproduzir. Assim, o ser humano é, na verdade, um autômato, e o fato de sermos seres que sentem, que têm sentimentos e conhecimento c parte dessa seqüência automática da vida; esses atributos especiais nos permitem viver sob condições extremamente variáveis que, de outra forma, impossibilitariam a vida. AS CÉLULAS COMO AS UNIDADES VIVAS DO CORPO A unidade viva fundamental do corpo é a célula e cada órgão é um agregado de muitas células diferentes, mantidas unidas por estruturas intercelulares de sustentação. Cada tipo de célula é especialmente adaptado para a execução de uma função determinada. Por exemplo, os glóbulos vermelhos do sangue, um total de 25 trilhões de células, transportam oxigênio dos pulmões para os tecidos. Embora esse tipo de célula talvez seja o mais abundante, é possível que existam outros 75 trilhões de células. Todo o corpo é formado, então, por cerca de 100 trilhões de células. Embora as inúmeras células do corpo possam, muitas vezes, diferir acentuadamente entre si, todas apresentam determinadas características básicas que são idênticas. Por exemplo, em todas as células, o oxigênio reage com carboidratos, gordura ou proteína para liberar a energia necessária ao funcionamento celular. Ainda mais, os mecanismos gerais para a transformação dos nutrientes em energia são, em termos básicos, os mesmos em todas as células e, igualmente, todas as células eliminam os produtos finais de suas reações químicas para os líquidos onde ficam imersas. Quase todas as células também têm capacidade de se repro- duzir e, sempre que células de determinado tipo são destruídas por qualquer causa, as células remanescentes do mesmo tipo regeneram, com muita freqüência, novas células até que seja restabelecido seu número adequado. O LÍQUIDO EXTRACELULAR - O MEIO INTERNO Cerca de 56% do corpo humano são compostos de líquidos. Embora a maior parte desse líquido fique no interior das células — e seja chamado de liquido intracelular —, cerca de um terço ocupa os espaços por fora das células e é chamado de liquido extracelular. O líquido extracelular se movimenta continuamente por todo o corpo. É transportado rapidamente no sangue circulante e, em seguida, misturado entre o sangue e os líquidos teciduais por difusão através das paredes capilares. No líquido extra-celular ficam os íons c os nutrientes necessários às células, para manutenção da vida celular. Por conseguinte, todas as células partilham de um mesmo ambiente, o líquido extracelular, razão por que esse líquido extracelular é chamado de meio interno do corpo, ou milieu intérieur, expressão criada, há pouco mais de 100 anos, pelo grande fisiologista francês do século XIX, Claude Bernard. As células são capazes de viver, crescer e desempenhar suas funções específicas enquanto estiverem disponíveis, nesse ambiente interno, as concentrações adequadas de oxigênio, glicose, diversos íons, aminoácidos, substâncias gordurosas e outros constituintes. Diferenças entre os líquidos extra e intracelulares. O líquido extracelular contém grandes quantidades de íons sódio, cloreto e bicarbonato, mais os nutrientes para as células, tais como oxigênio, glicose, ácidos graxos c aminoácidos. Também contém dióxido de carbono que está sendo transportado das células até os pulmões para serem excretados, além de outros produtos celulares que, igualmente, estão sendo transportados para o rim, onde vão ser excretados. O líquido intracelular difere, de forma significativa, do líquido extracelular; em especial, contém grandes quantidades de íons potássio, magnésio e fosfato, em lugar dos íons sódio e cloreto presentes no líquido extracelular. Essas diferenças são mantidas por mecanismos especiais de transporte de íons através das membranas celulares. Esses mecanismos são discutidos no Cap. 4. 3 MECANISMOS "HOMEOSTÁTICOS" DOS PRINCIPAIS SISTEMAS FUNCIONAIS HOMEOSTASIA A palavra homeostasia é usada pelos fisiologistas para significar manutenção das condições constantes, ou estáticas, do meio interno. Em essência, todos os órgãos e tecidos do corpo exercem funções que ajudam a manter essas condições constantes. Por exemplo, os pulmões fornecem oxigênio para o líquido extracelular para repor o que está sendo consumido pelas células; os rins mantêm constantes as concentrações iônicas e o sistema gastrintestinal fornece nutrientes. Grande parte deste texto está relacionado ao modo como cada órgão ou tecido contribui para a homeostasia. Para iniciar esta discussão, serão descritos, resumidamente, os diferentes sistemas funcionais do corpo e seus mecanismos homeostáticos; em seguida, será apresentada a teoria básica dos sistemas de controle que atuam harmoniosamente entre si. OS SISTEMAS DE TRANSPORTE DO LÍQUIDO EXTRACELULAR - O SISTEMA CIRCULATÓRIO O líquido extracelular é transportado para todas as partes do corpo em duas etapas distintas. A primeira depende do movimento do sangue ao longo do sistema circulatório, e a segunda, do movimento de líquido entre os capilares sanguíneos e as células. A Fig. 1.1 mostra a circulação geral do sangue. Todo o sangue contido na circulação percorre todo o circuito em cerca de um minuto em média, no repouso, e até seis vezes por minuto quando a pessoa está extremamente ativa. Conforme o sangue circula pelos capilares, ocorre troca contínua de líquido extracelular entre a parte de plasma do sangue e o líquido intersticial que preenche os espaços entre as células: os espaços intercelulares. Esse processo é mostrado na Fig. 1.2. Note que os capilares são porosos, de modo que grandes quantidades de líquido e de seus constituintes em solução podem difundir, nos dois sentidos, entre o sangue e os espaços teciduais, como indicado pelas setas na figura. Esse processo de difusão é causado pela movimentação cinética das moléculas, tanto no plasma como no líquido intersticial. Isto é, o liquido e as moléculas em solução estão continuamente em movimento e saltando em todas as direções no interior do próprio líquido e também através dos poros e pelos espaços teciduais. Quase que nenhuma célula fica distante mais de 25 a 50 m de um capilar, o que assegura a difusão de quase todas as substâncias do capilar para a célula dentro de poucos segundos. Assim, o líquido extracelular, por todo o corpo, tanto o do plasma como o do líquido contido nos espaços intercelulares, está sendo continuamente misturado, o que garante sua homogeneidade quase total. ORIGEM DOS NUTRIENTES DO LÍQUIDO EXTRACELULAR Sistema respiratório. A Fig. 1.1 mostra que, cada vez que o sangue circula pelo corpo, ele também flui pelos pulmões. Nos alvéolos, o sangue capta oxigênio, ganhando, dessa forma, o oxigênio necessitado pelas células. A membrana entre os alvéolos e o lúmen dos capilares pulmonares tem espessura de apenas 0,4 a 2,0 m e o oxigênio se difunde, através dessa membrana, para o sangue exatamente da mesma maneira como a água e os íons se difundem através dos capilares teciduais. Tubo gastrintestinal. Grande parte do sangue que é bombeada pelo coração também passa pelas paredes dos órgãos gastrintestinais. Aí, diversos nutrientes dissolvidos, incluindo carboidratos, ácidos graxos, aminoácidos e outros, são absorvidos para O líquido extracelular. Fígado e outros órgãos que desempenham funções primariamente metabólicas. Nem todas as substâncias absorvidas do tubo gastrintestinal podem ser usadas, na forma em que foram absorvidas, pelas células. O fígado modifica as composições químicas dessas substâncias, transformando-as em formas mais utilizáveis, e outros tecidos do corpo — as células adiposas, a mucosa gastrintestinal, os rins e as glândulas endócrinas — ajudam a modificar Fig 1.1 Organização geral do sistema circulatório. Fig. 1.2 Difusão de líquido através das paredes capilares e pelos espaços intersticiais. 4 as substâncias absorvidas ou as armazenam, até que sejam necessárias no futuro. Sistema musculoesquelético. Algumas vezes, é levantada a questão: como é que o sistema musculoesquelético participa nas funções homeostáticas do corpo? A resposta a ela é óbvia e simples. Se não fosse por esse sistema, o corpo não se poderia deslocar para um local apropriado no tempo adequado, a fim de obter os alimentos necessários para sua nutrição. O sistema musculoesquelético também gera a motilidade usada na proteção contra os ambientes adversos, sem o que todo o corpo, junto com os demais mecanismos homeostáticos, poderia ser destruído instantaneamente. REMOÇÃO DOS PRODUTOS FINAIS DO METABOLISMO Remoção do dióxido de carbono pelos pulmões. Ao mesmo tempo que o sangue capta oxigênio nos pulmões, o dióxido de carbono está sendo liberado do sangue para os alvéolos, e o movimento respiratório do ar, para dentro e para fora dos alvéolos, transporta esse gás para a atmosfera. O dióxido de carbono é o mais abundante de todos os produtos finais do metabolismo. Os rins. A passagem de sangue pelos rins remove a maioria das substâncias que não são necessárias às células. De forma especial, essas substâncias incluem os diferentes produtos finais do metabolismo celular, além do excesso de íons e de água que podem ter-se acumulado no líquido extracelular. Os rins realizam sua função, primeiro, ao filtrarem grandes quantidades de plasma, pelos glomérulos, para os túbulos e, em seguida, reabsorverem para o sangue as substâncias que o corpo necessita — como glicose, aminoácidos, quantidades apropriadas de água e muitos íons. Contudo, a maior parte das substâncias que não são necessárias ao corpo, especialmente os produtos finais do metabolismo, como a uréia, é pouco reabsorvida e, como resultado, elas passam pelos túbulos renais para serem eliminadas na urina. REGULAÇÃO DAS FUNÇÕES CORPORAIS O sistema nervoso. O sistema nervoso é formado por três constituintes principais: o componente sensorial, o sistema nervoso central (ou componente integrativo) e o componente motor. Os receptores sensoriais detectam o estado do corpo ou o estado de seu ambiente. Por exemplo, os receptores, presentes por toda a pele, denotam cada e todas as vezes que um objeto toca a pessoa em qualquer ponto. Os olhos são órgãos sensoriais que dá à pessoa uma imagem visual da área que a cerca. O sistema nervoso central é formado pelo encéfalo e pela medula espinhal. O encéfalo pode armazenar informações, gerar pensamentos, criar ambições e determinar quais as reações que serão executadas pelo corpo em resposta às sensações. Os sinais apropriados são, em seguida, transmitidos, por meio do componente motor do sistema nervoso, para a efetivação dos desejos da pessoa. Um grande componente do sistema nervoso é chamado de sistema autonômico. Ele atua ao nível subconsciente e controla muitas funções dos órgãos internos, inclusive o funcionamento do coração, os movimentos do tubo gastrintestinal e a secreção de diversas glândulas. O sistema de regulação endócrina. Existem dispersas no corpo oito glândulas endócrinas principais, secretoras de substâncias químicas, os harmônios. Os hormônios são transportados pelo líquido extracelular até todas as partes do corpo, onde vão participar da regulação do funcionamento celular. Por exemplo, os hormônios tireóideos aumentam a velocidade da maioria das reações químicas celulares. Dessa forma, o hormônio tiróideo deter mina a intensidade da atividade corporal. A insulina controla o metabolismo da glicose, os hormônios do córtex supra-renal controlam o metabolismo iônico e protéico, e o hormônio paratiróideo controla o metabolismo ósseo. Assim, os hormônios formam um sistema de regulação que complementa o sistema nervoso. O sistema nervoso, em termos gerais, regula, principalmente, as atividades motoras e secretoras do corpo, enquanto o sistema hormonal regula, de modo primário, as funções metabólicas. REPRODUÇÃO Por vezes, a reprodução não é considerada como uma função homeostática. Todavia, a reprodução participa da manutenção das condições estáticas, por produzir novos indivíduos que vão tomar o lugar dos que morreram. Isso talvez pareça um uso permissivo do termo homeostasia, mas, na verdade, ilustra que, em última instância, todas as estruturas do corpo, em essência, são organizadas de forma a manter a automaticidade e a continuidade da vida. OS SISTEMAS DE CONTROLE DO CORPO O corpo humano contém literalmente milhares de sistemas de controle. Os mais intricados deles são os sistemas genéticos de controle, atuantes em todas as células, para regular o funcionamento intracelular e, também, todas as funções extracelulares. Este tópico é discutido no Cap. 3. Muitos outros sistemas de controle atuam ao nível dos órgãos, para regular o funcionamento de partes distintas desses órgãos; outros atuam ao nível de todo o corpo, para regular as inter-relações entre os órgãos. Por exemplo, o sistema respiratório, atuando em associação com o sistema nervoso, regula a concentração de dióxido de carbono no líquido extracelular. O fígado e o pâncreas regulam a concentração de glicose no líquido extracelular. Os rins regulam a concentração dos íons hidrogênio, sódio, potássio, fosfato e muitos outros no líquido extracelular. EXEMPLOS DE MECANISMOS DE CONTROLE Regulação das concentrações de oxigênio e de dióxido de carbono no líquido extracelular. Dado que o oxigênio é uma das principais substâncias necessárias para as reações químicas no interior das células, é muito importante que o corpo disponha de mecanismo especial de controle para manter uma concentração de oxigênio constante e quase invariável no líquido extra - celular. Esse mecanismo depende, principalmente, das características químicas da hemoglobina, presente em todos os glóbulos vermelhos do sangue. A hemoglobina se combina com o oxigênio enquanto o sangue circula pelos pulmões. Em seguida, conforme o sangue passa pelos capilares teciduais, a hemoglobina não libera o oxigênio no líquido tecidual, caso ele já contenha teor elevado de oxigênio, mas, se a concentração de oxigênio estiver baixa, será liberado oxigênio em quantidade suficiente para restabelecer a concentração tecidual adequada de oxigênio. Dessa forma, a regulação da concentração de oxigênio nos tecidos depende, primariamente, das características químicas da própria hemoglobina. Essa regulação recebe o nome de função tamponadora de oxigênio da hemoglobina. A concentração de dióxido de carbono no líquido extracelular é regulada de forma bastante diferente. O dióxido de carbono é um dos principais produtos finais das reações oxidativas das células. Se todo o dióxido de carbono formado nas células pudesse se acumular nos líquidos teciduais, a ação de massa 5 do próprio dióxido de carbono interromperia, em pouco tempo, todas as reações liberadoras de energia das células. Felizmente, um mecanismo nervoso controla a expiração do dióxido de carbono pelos pulmões e, dessa forma, mantém concentração constante e relativamente baixa de dióxido de carbono no líquido extracelular. Em outras palavras, a concentração elevada de dióxido de carbono excita o centro respiratório, fazendo com que a pessoa respire mais freqüentemente e com maior amplitude. Isso aumenta a expiração de dióxido de carbono e, por conseguinte, acelera sua remoção do sangue e do líquido extracelular, e esse processo continua até que sua concentração retorne ao normal. Regulação da pressão arterial. Vários sistemas distintos contribuem para a regulação da pressão arterial. Um deles, o sistema barorreceptor, é exemplo excelente e muito simples de um mecanismo de controle. Na parede da maioria das grandes artérias da parte superior do corpo - e, de modo especial, na bifurcação da artéria carótida comum e no arco aórtico - existem numerosos receptores neurais que são estimulados pelo estiramento da parede arterial. Quando a pressão arterial se eleva, esses barorreceptores são estimulados de forma excessiva, quando, então, são transmitidos impulsos para o bulbo, no encéfalo. Aí, esses impulsos inibem o centro vasomotor, o que, por sua vez, reduz o número de impulsos transmitidos, pelo sistema nervoso simpático, para o coração e para os vasos. Essa diminuição dos impulsos provoca menor atividade de bombeamento pelo coração e maior facilidade para o fluxo de sangue pelos vasos periféricos; esses dois efeitos provocam o abaixamento da pressão arterial até seu valor normal. De modo inverso, queda da pressão arterial relaxa os receptores de estiramento, permitindo que o centro vasomotor fique mais ativo que o usual, o que provoca a elevação da pressão arterial ate seu valor normal. Faixas normais de variação dos constituintes importantes do liquido extracelular O Quadro 1,1 enumera os constituintes mais importantes - junto com suas características físicas - do líquido extracelular, alem de seus valores normais, faixas normais de variação e limites máximos que podem ser mantidos, sem morte, por curtos períodos. Deve ser notado, de forma especial, como é estreita a faixa normal de variação para cada um desses constituintes. Valores fora dessa faixa são, em geral, causa ou resultado de doença. Ainda mais importantes são os limites que, quando ultrapassados, podem levar à morte. Por exemplo, aumento da temperatura corporal de apenas 6 a 7°C acima da normal pode, muitas vezes, gerar um ciclo vicioso de aumento do metabolismo celular que, literalmente, destrói as células. Também deve ser notada a faixa muito estreita para o equilíbrio ácido-básico do corpo, Quadro 1.1 Alguns constituintes importantes e as características físicas do líquido extracelular, sua faixa normal de variação e seus limites não letais aproximados Limites Valor Faixa não-letais normal normal aproximados Unidades Oxigênio 40 35-45 10-1.000 mm Hg Dióxido de carbono 40 35-45 5-80 mm Hg Íon sódio 142 138-146 115-175 mmol/l Íon potássio 4,2 3,8-5,0 1,5-9,0 mmol'l Íon cálcio 1,0-1,4 0,5-2,0 mmoi'i 1,2 Íon cloreto 108 103-112 70-130 mmol/l Íon bicarbonato 24-32 8-45 mmol/l 28 Glicose 75-95 20-1.500 mmol/l 85 Temperatura corporal 37,0 37,0 18,3-43,3 "C Ácido-básico 7,4 7,3-7,5 6,9-8,0 pH com valor normal do pH de 7,4 e valores letais 0,5 abaixo e acima desse valor normal. Outro fator especialmente importante é o íon potássio, pois, sempre que sua concentração cai até menos de um terço da normal, a pessoa tende a ficar paralisada, devido à incapacidade dos nervos de transmitir os sinais nervosos e, caso chegue a aumentar até duas ou mais vezes a normal, é muito possível que o músculo cardíaco fique gravemente deprimido. Por outro lado, quando a concentração do íon cálcio cai abaixo da metade da normal, a pessoa fica suscetível de apresentar contrações tetânicas nos músculos de todo o corpo, devido à geração espontânea de impulsos nervosos nos nervos periféricos. Quando a concentração de glicose fica reduzida a menos da metade da normal, a pessoa, com muita freqüência, apresenta intensa irritabilidade mental e, por vezes, até convulsões. Assim, a análise desses exemplos deve levar à apreciação extrema da importância e, até mesmo, da necessidade de grande número de sistemas de controle, mantenedores do corpo funcionando no estado de saúde; a ausência ou falta de um desses controles pode resultar em doença grave e até em morte, CARACTERÍSTICAS DOS SISTEMAS DE CONTROLE Os exemplos antes apresentados de mecanismos de controle homeostáticos são apenas uns poucos das muitas centenas a milhares existentes no corpo; todos eles possuem determinadas características comuns. Essas características comuns serão explicadas nas páginas seguintes. A natureza de feedback negativo da maioria dos sistemas de controle A maior parte dos sistemas de controle do corpo atua pelo processo de feedback negativo, que pode ser melhor explicado por revisão de alguns dos sistemas de controle homeostáticos apresentados acima. Na regulação da concentração de dióxido de carbono, uma concentração elevada de dióxido de carbono no líquido extracelular provoca aumento da ventilação pulmonar e isso, por sua vez, produz redução da concentração de dióxido de carbono, dado que os pulmões conseguem excretar maior quantidade de dióxido de carbono para fora do corpo. Em outras palavras, a concentração elevada provoca redução dessa concentração, o que é negativo em relação ao estímulo inicial. De modo inverso, caso a concentração de dióxido de carbono caia até valores muito baixos, isso vai produzir aumento por feedback dessa concentração. Essa resposta também é negativa em relação ao estímulo inicial. Nos mecanismos reguladores da pressão arterial, a elevação da pressão causa uma série de reações que resultam em redução da pressão, ou a queda da pressão causa uma série de reações que resultam em elevação da pressão. Nos dois casos, os efeitos são negativos em relação ao estímulo inicial. Por conseguinte, em termos gerais, se algum fator aumenta ou diminui muito, um sistema de controle ativa um feedback negativo, que consiste em uma série de alterações que fazem com que esse fator retorne a determinado valor médio, mantendo, assim, a homeostasia. O "ganho" de um sistema de controle. O grau de eficácia com que um sistema de controle mantém as condições constantes é determinado pelo ganho do feedback negativo. Por exemplo, admita-se que grande volume de sangue foi transfundido em pessoa cujo sistema de controle dos barorreceptores para a pressão não esteja atuando, e que a pressão arterial se eleve de seu valor normal de 100 mm Hg até 175 mm Hg. Em seguida, admita-se que esse mesmo volume de sangue seja transfundido na mesma pessoa, quando seu sistema barorreceptor estiver 6 atuante e, nesse caso, a pressão só se eleva por 25 mm Hg. Assim, o sistema de controle por feedback produziu "correção" de -50 mm Hg, isto é, de 175 mm Hg para 125 mm Hg. Contudo, ainda persiste um aumento da pressão de +25 mm Hg, o que é chamado de "erro", e que significa que o sistema de controle não é 100% eficaz em impedir a variação da pressão. O ganho do sistema pode ser calculado pelo uso da seguinte relação: Ganho = Correção Erro Assim, no exemplo acima, a correção é de -50 mm Hg e o erro que persiste é de +25 mm Hg. Por conseguinte, o ganho do sistema barorreceptor dessa pessoa, para controle de sua pressão arterial é —50 dividido por +25, o que é igual a 2. Isso quer dizer que um fator extrínseco que tenda a aumentar ou a diminuir a pressão arterial só exerce efeito de cerca de dois terços do que teria caso o sistema de controle não estivesse atuando. Os ganhos de outros sistemas fisiológicos de controle são muito maiores que o do sistema barorreceptor. Por exemplo, o ganho do sistema regulador da temperatura corporal é de cerca de -33. Por conseguinte, pode-se ver que o sistema de controle da temperatura corporal é muito mais eficaz que o sistema barorreceptor. O feedback positivo — os cicios viciosos e morte causados por feedback positivo Poderá ser feita a seguinte pergunta: Por que, em essência, todos os sistemas de controle do corpo atuam por mecanismo de feedback negativo, e não por feedback positivo? Todavia, se for considerada a natureza do feedback positivo, imediatamente será visto que o feedback positivo nunca leva à estabilidade, mas, sim, à instabilidade e, muitas vezes, à morte. A Fig. 1.3 apresenta um caso em que pode ocorrer morte por feedback positivo. Essa figura apresenta a eficiência de bombeamento do coração, mostrando que o coração de pessoa normal bombeia cerca de 5 litros de sangue por minuto. Contudo, se a pessoa perder, subitamente, 21 de sangue, a quantidade de sangue restante no corpo fica reduzida a nível tão baixo que chega a ser insuficiente para um bombeamento eficaz pelo coração. Como resultado, a pressão arterial cai e o fluxo de sangue para o músculo cardíaco, por meio dos vasos coronários, também diminui. Isso resulta em enfraquecimento do coração, com redução ainda maior do bombeamento, decréscimo adicional do fluxo sanguíneo coronário e enfraquecimento ainda maior do coração. Esse ciclo se repete indefinidamente até a morte. Deve ser notado que cada ciclo de feedback resulta em enfraquecimento adicional do coração. Em outras palavras, o estímulo inicial provoca seu próprio aumento, o que é um feedback positivo. O feedback positivo é melhor conhecido como "ciclo vicioso", mas, na verdade, um grau moderado de feedback positivo pode ser compensado por mecanismos de controle por feedback negativo do corpo, situação na qual não se desenvolverá ciclo vicioso. Por exemplo, se a pessoa do exemplo acima só perdesse 11, e não 2 1, os mecanismos normais de feedback negativo de controle do débito cardíaco e da pressão arterial poderiam anular o feedback positivo, e a pessoa poderia se recuperar, como mostrado pela curva tracejada da Fig. 1.3. Fig. 1.3 Morte causada por feedback positivo quando 21 de sangue são removidos da circulação. do feedback positivo. Quando um vaso sanguíneo é rompido e começa a formação do coágulo, diversas enzimas, chamadas de fatores de coagulação, são ativadas no interior do próprio coágulo. Algumas dessas enzimas atuam sobre outras enzimas, ainda inativas, presentes no sangue imediatamente adjacente ao coágulo, ativando-as e produzindo coagulação adicional. Esse processo persiste até que a rotura do vaso fique ocluída e não mais ocorra sangramento. Infelizmente, por vezes, esse processo pode ficar descontrolado e produzir coágulos indesejados. Na verdade, é isso que desencadeia a maioria dos ataques cardíacos agudos, causados por coágulo que se forma cm placa aterosclerótica em artéria coronária e que cresce até ocluir completamente essa artéria. O parto é outro exemplo de participação de feedback positivo. Quando as contrações uterinas ficam suficientemente intensas para empurrar a cabeça do feto contra a cérvix, o estiramento da cérvix emite sinais, por meio do próprio músculo uterino, até o corpo do útero, que responde com contrações ainda mais intensas. Assim, as contrações uterinas distendem a cérvix e o estiramento da cérvix produz mais contrações. Quando esse processo fica suficientemente intenso, o feto nasce. Caso não sejam suficientemente intensas, essas contrações cessam, para reaparecer alguns dias depois. Finalmente, outro importante uso do feedback positivo é representado pela geração de sinais neurais. Isto é, quando a membrana de uma fibra nervosa é estimulada, isso causa pequeno influxo de íons sódio, através dos canais de sódio da membrana neural, para o interior da fibra. Esses íons sódio que penetram na fibra modificam o potencial de membrana, o que causa abertura de mais canais, levando a maior variação do potencial, abertura de mais canais adicionais, e assim por diante. Assim, de um início bem pequeno, ocorre explosão do influxo de sódio que gera o potencial de ação. Por sua vez, esse potencial de ação excita a fibra nervosa em ponto adiante, o que faz com que esse processo progrida ao longo de todo o comprimento da fibra. Contudo, vai-se aprender que, em cada um desses processos onde o feedback positivo é útil, o próprio feedback positivo faz parte de processo global de feedback negativo. Por exemplo, no caso da coagulação do sangue, o processo de coagulação por feedback positivo é um processo de feedback negativo para a manutenção do volume normal de sangue. E o feedback positivo que gera os sinais neurais permite que os nervos participem em muitos milhares de sistemas de controle por feedback negativo. 7 Alguns tipos mais complexos de sistemas de controle - os sistemas adaptativos de controle Adiante, quando se estudar o sistema nervoso, será visto que esse sistema contém um emaranhado de sistemas de controle interconectados. Alguns desses sistemas são sistemas de feedback simples, como os que foram discutidos até aqui. Contudo, muitos não o são. Por exemplo, vários movimentos do corpo são tão rápidos que, simplesmente, não há tempo suficiente para que os sinais neurais trafeguem das partes periféricas do corpo até o encéfalo e voltem para a periferia, para regular esses movimentos. Por conseguinte, o encéfalo utiliza um princípio, chamado de controle por feed-forward, para produzir as contrações musculares desejadas. Então, sinais nervosos sensoriais, originados nas partes era movimento, informam o encéfalo de se o movimento apropriado, planejado pelo encéfalo, foi ou não executado. Caso não tenha sido, o encéfalo corrige os sinais de feed-forward que envia para os músculos na próxima vez em que esse movimento vier a ser executado. Então, mais uma vez, se for preciso correção adicional, ela será feita para os movimentos subseqüentes. Isso é chamado de controle adaptativo. Em determinado sentido, é óbvio que o controle adaptativo nada mais é que um feedback negativo retardado. Assim, pode-se ver como são complexos alguns dos sistemas de controle por feedback encontrados no corpo. Em termos literais, a vida da pessoa depende de todos eles. Por conseguinte, grande parte deste texto será dedicada à discussão desses mecanismos protetores da vida. RESUMO - A AUTOMATICIDADE DO CORPO O objetivo deste capítulo foi o de destacar, primeiro, a organização geral do corpo e, segundo, os meios pelos quais as diferentes partes do corpo funcionam em harmonia. Para resumir, o corpo c, na verdade, uma ordem social com cerca de 100 trilhões de células, organizada em diferentes estruturas funcionais, algumas das quais são chamadas órgãos. Cada estrutura funcional contribui com sua cota para a manutenção das condições homeostáticas do líquido extracelular, que é chamado de ambiente interno. Enquanto as condições normais forem mantidas no ambiente interno, as células do corpo continuarão a viver e a funcionar adequadamente. Dessa forma, cada célula se beneficia da homeostasia e, por sua vez, contribui com sua cota para a manutenção dessa homeostasia. Essa interação recíproca resulta em automaticidade contínua do corpo, que perdurará até que um ou mais sistemas funcionais percam sua capacidade de contribuir com sua cota de funcionamento. Quando isso acontece, todas as células do corpo sofrem. A disfunção extrema leva à morte, enquanto a disfunção moderada causa doença. REFERENCIAS Adolph, E. F.: Physiological integrations in action. The Physiologist, 25:<Suppl.) 1. 1982. Adolph, E. F.: Physiological adaptat ions: Hypertrophies and superfunctions. Am. Sei., 60:608,1972. Bernard, C: Lecturea on the Phenomena of Life Common to Animal» and Plants. Springfield, III., Charles C Thomas, 1974. Brown, J. H. U. (ed.): Engineering Principies in Physiology. Vols. 1 and 2. New York, Academic Press, 1973. Bruni, C, et ai. (eds.): Systems Theory in Immunology. New York, Springer- Verlag, L979. Bryant, P. J., and Simpson, P.: Intrinsic and extrinsic contrai of growth in developing organs. Q. Rev. Biol., 59:387, 1984. Burattini, R., and Borgdorff, P.: Closed-loop baroreflex control of total pe- ripheral resistance in the cat: Identification of gains by aid of a model. Cardiovasc. Res., 18:715, 1984. Cannon, W. B.: The Wisdom of the Body. New York, W. W. Norton & Co.,1932. Frisancho, A. R.: Human Adaptation. St. Louis, C. V. Mosby Co., 1979. Gann, D. S., et ai.: Neural interaction in control of adrenocorticotropin. Fed. Proc., 44:161, 1985. Guyton, A. C: Arterial Pressure and Hypertension. Philadelphia, W. B. Saunders Co., 1980. Guyton, A. C, andColeman, T. G.: Quantitative analyaisof thepathophysi- ology of hypertension. Circ. Res., 14:1-1, 1969. Guyton, A. C, et a).: Dynamics and Control of the Body Fluids. Philadelphia, W. B. Saundera Co., 1975. Huffaker, C. B. (ed.): Biological Control. New York, Plenum Preás, 1974. Iberall, A. S., and Guyton, A. C. (ede.): Proc. Int. Symp. on Dynamics and Controls in Physiological Systema. Regulatíon and Control in Phyaiological Systems. ISA, Pittsburgh, 1973. Jones, R. W.: Principies of Biological Regulation: An Introduction to Feedback Systems. New York, Academic Preás, 1973. Klevecz, R. R.( et ai.: Cellular clocks and oscillators. Int. Rev. Cytol., 86: 97, 1984. Krieger, D. T., and Aschoff, J.: Endocrine and other biological rhythms. In DeOroot, L. H., et ai. (eds.): Endocrinology, Vol. 3. New York, Grune & Stratton, 1979, p. 2079. Mclntosh, J. E. A., and Mclntosh, R. P.: Mathematical Modeling and Com- puters in Endocrinology. New York, Springer-Verlag, 1980. Milhorn, H. T.: The Application of Control Theory to Phyaiological Systems. Philadelphia, W. B. Saunders Co., 1966. Miller, S. L., and Orgel, L. E.: The Origins of Life on the Earth. Englewood Cliffs, N.J., Prentice-Hall, 1974. Piva, F., et ai.: Regulation of hypothalamic and pituitary function: Long, short, and ultrashort feedback loops. In DeGroot, L. J., et ai. (eds.): Endocrinology. Vol. 1. New York, Grune & Stratton, 1979, p. 21. Randall, J. E.: Mie roço mputers and Physiological Simulation. 2d Ed. New York, Raven Presa, 1987. Randall, J. E., Microcomputera and Phyaiological Simulation. Reading, Mass., Addison-Wesley Publishing Co., 1980. Reeve, E. B., and Guyton, A. C: Physical Bases of Circulatory Transport: Regulation and Exchange. Philadelphia, W. B. Saunders Co., 1967. Rusak, B., and Zucker, Li Neural regulation of circadian rhythms. Physiol. Rev., 59:449, 1979. Stein, J. F.: Role of the cerebellum in the visual guidance of movement. Nature 323:217, 1986. Sweetser, W.: Human Life {AgingandOld Age). New York, Arno Press, 1979. Thompson, R. F.: The neurobiology of learning and memory. Science, 233:941, 1986. Toates, F. M.: Control Theory in Biology and Experimental Pâychology. London, Hutchinaon Education Ltd., 1975. Weston, L.: Body Rhythm: The Circadian Rhythms Within You. New York, Harcourt Brace Jovanovich, 1979. Yates, F. E. (ed.): SelfOrganizing Systems. New York, Plenum Publishing Corp., 1987. 8 CAPÍTULO 2 A Célula e seu Funcionamento Cada uma das 75 a 100 trilhões de células do corpo humano é uma estrutura viva que pode sobreviver indefinidamente e, em muitos casos, até se reproduzir, desde que os líquidos que a banham contenham os nutrientes adequados. Para a compreensão do funcionamento dos órgãos e das demais estruturas que compõem o corpo humano, é essencial que, primeiro, se conheça a organização básica da célula e o funcionamento de suas partes componentes. ORGANIZAÇÃO DA CÉLULA Uma célula típica, como vista ao microscópio óptico, é apresentada na Fig. 2.1. Seus dois constituintes principais são o núcleo e o citoplasma. O núcleo é separado do citoplasma pela membrana nuclear, enquanto o citoplasma é separado dos fluidos circundantes pela membrana celular. As diferentes substâncias que compõem a célula são chamadas, em conjunto, de protoplasma. Esse protoplasma é formado, em sua maior parte, por cinco substâncias básicas: água, eletrólitos, proteínas, lipídios e carboidratos. Água. O principal meio líquido da célula é a água, presente em concentrações que variam entre 75 e 85%. Muitas substâncias químicas celulares estão dissolvidas na água, enquanto outras ficam em suspensão, sob forma particulada ou membranosa. As reações químicas ocorrem entre as substâncias químicas dissolvidas ou nas superfícies limitantes entre as partículas ou membranas em suspensão e a água. Eletrólitos. Os eletrólitos mais importantes da célula são o potássio, o magnésio, o fosfato, o sulfato, o bicarbonato, e pequenas quantidades de sódio, cloreto e cálcio. Esses eletrólitos serão discutidos em maior detalhe no Cap. 4, onde serão apresentadas as relações entre os líquidos intra e extracelular. Os eletrólitos fornecem as substâncias químicas inorgânicas para as reações celulares. Também são necessários para a operação de diversos mecanismos celulares de controle. Por exemplo, os eletrólitos, atuando ao nível da membrana celular, permitem a transmissão dos impulsos eletroquímicos nas fibras nervosas e musculares, enquanto os eletrólitos intracelulares determinam a velocidade de numerosas reações catalisadas por enzimas, imprescindíveis ao metabolismo celular. Proteínas. Após a água, a substância mais abundante na maioria das células é a proteína que, normalmente, representa de 10 a 20% da massa celular. Essa proteína pode ser dividida em duas classes distintas, as proteínas estruturais e as proteínas globulares, que são, em sua maioria, enzimas. Para se ter idéia do que se quer dizer por proteínas estruturais, apenas será preciso notar que o couro é formado, quase que inteiramente, por proteína estrutural. As proteínas dessa classe existem nas células sob forma de filamentos longos e finos que são, em si mesmos, polímeros de muitas moléculas protéicas. O uso mais freqüente desses filamentos intracelulares é no mecanismo contrátil de todos os músculos. Contudo, outros desses filamentos também ocorrem organizados nos microtúbulos que formam os "citoesqueletos" de organetas como os cílios e o fuso mitótico das células em mitose. No ambiente extracelular, as estruturas fibrilares aparecem nas fibras de colágeno e elásticas do tecido conjuntivo, dos vasos sanguíneos, dos tendões, ligamentos etc. Por outro lado, as proteínas globulares formam classe inteiramente distinta de proteínas, compostas, em gerai, por moléculas protéicas únicas ou, no máximo, por agregado de poucas moléculas, tendo forma globular, e não fibrilar. Essas proteínas são, em sua maioria, as enzimas celulares e, no que diferem das proteínas fibrilares, são, com muita freqüência, solúveis nos líquidos das células ou são parte ou aderem a estruturas membranosas no interior das células. As enzimas entram em contato direto com outras substâncias no interior celular, quando catalisam as reações químicas. Por exemplo, as reações químicas que degradam a glicose em seus componentes e, em seguida, os combinam com o oxigênio, para gerar dióxido de carbono e água, ao mesmo tempo que liberam energia para o funcionamento celular, são catalisadas por várias enzimas protéicas. Lipídios. Os lipídios são formados por diversos tipos diferentes de substâncias, consideradas como pertencentes a uma mesma classe por terem a propriedade comum de serem solúveis em solventes de gorduras. Os tipos mais importantes dos lipídios são os fosfolipídios e o colesterol, que representam cerca de 2% da massa celular total. A importância especial dos fosfolipídios e do colesterol é a de que são quase insolúveis em água e, portan- Fig. 2.1 Estrutura de uma célula como é vista ao microscópio óptico. 9 to, são usados na formação de barreiras membranosas, separadoras dos diversos compartimentos intracelulares. Além dos fosfolipídios e do colesterol, algumas células contêm grandes quantidades de trigricerídeos, também chamados de gordura neutra. Nas chamadas células adiposas, os triglicerídios representam, muitas vezes, até 95% da massa celular. A gordura armazenada nessas células representa o principal depósito de nutriente armazenador de energia que pode ser mobilizado e utilizado como energia sempre que o corpo necessitar. Carboidratos. Em geral, os carboidratos têm pequena participação no funcionamento estrutural da célula, exceto como parte das moléculas de glicoproteínas, mas têm participação fundamental na nutrição celular. A maioria das células humanas não mantém grandes depósitos de carboidratos que, em geral, representam cerca de 1% de sua massa total. Contudo, o carboidrato, sob forma de glicose, sempre está presente no líquido extracelular circundante, de modo a ser facilmente disponível para a célula. Na maioria das situações, a célula armazena pequena quantidade de carboidrato, sob forma de glicogênio, um polímero insolúvel da glicose e que pode ser rapidamente utilizado para suprir as necessidades energéticas da célula. A ESTRUTURA FÍSICA DA CÉLULA A célula não é, simplesmente, um saco cheio de líquido, enzimas e substâncias químicas; também contem estruturas físicas, extremamente organizadas, muitas delas chamadas organelas, e a natureza física de cada uma delas é tão importante para o funcionamento celular como o são seus constituintes químicos. Por exemplo, sem uma das organelas, as mitocôndrias, mais de 95% do suprimento energético da célula cessaria imediatamente. Algumas das organelas principais são mostradas na Fig. 2.2, incluindo a membrana celular, a membrana nuclear, o retículo endoplasmático, o aparelho de Golgi, as mitocôndrias, os lisossomas e os centríolos. AS ESTRUTURAS MEMBRANOSAS DAS CÉLULAS Em essência, todas as organelas celulares são revestidas por membranas, formadas, em sua maior parte, por lipídios e por proteínas. Essas membranas incluem a membrana celular, a membrana nuclear, a membrana do retículo endoplasmático e as membranas das mitocôndrias, dos lisossomas e do aparelho de Golgi, além de várias outras. Os lipídios dessas membranas formam barreiras que impedem o livre deslocamento da água e das substâncias solúveis em água entre os diferentes compartimentos da célula. As moléculas de proteína, por sua vez, penetram, com certa freqüência, através de toda a espessura dessas membranas, o que interrompe a continuidade da barreira lipídica e, por conseguinte, forma pertuitos para a passagem de substâncias específicas através dessas membranas. Também, muitas das proteínas das membranas são enzimas que catalisam muitas reações químicas diferentes, que serão discutidas adiante neste capítulo e nos subseqüentes. A membrana celular A membrana celular, que reveste inteiramente toda a célula, é uma estrutura muito delgada e elástica, com espessura entre Fig. 2.2 Reconstrução de uma célula típica, mostrando as organelas internas no citoplasma e no núcleo. 10 7,5 e 10 nanômetros. É formada quase que exclusivamente por proteínas e lipídios. Sua composição aproximada é de 55% de proteínas, 25% de fosfolipídios, 13% de colesterol, 4% de outros lipídios c 3% de carboidratos. A barreira lipídica da membrana celular. A Fig. 2.3 apresenta a membrana celular. Sua estrutura básica é uma bicamada lipídica, que é uma película delgada de lipídios, com a espessura de duas moléculas, contínua por sobre toda a superfície celular. Dispersas nessa película lipídica, existem moléculas de proteínas globulares. A bicamada lipídica é formada quase que inteiramente por fosfolipídios e por colesterol. Parte das moléculas de fosfolipídios c de colesterol é solúvel em água, isto é, hidrofílica, enquanto outra parte só é solúvel em gordura, isto é, hidrofóbica. O radical fosfato dos fosfolipídios é hidrofílico e os ácidos graxos são hidrofóbicos. O colesterol contém um radical hidroxila que é hidrossolúvel e um núcleo esteróide que ê solúvel em gordura. Como as partes hidrofóbicas dessas moléculas são repelidas pela água mas se atraem mutuamente, essas moléculas possuem tendência natural para se alinharem umas às outras, como mostrado na Fig. 2.3, com suas frações graxas ocupando a região central da membrana e com suas regiões hidrofílicas voltadas para sua superfície, em contato com a água que as banha. A bicamada lipídica da membrana representa importante barreira, impermeável às substâncias comuns, hidrossolúveis, tais como íons, glicose, uréia e outras. Por outro lado, as substâncias solúveis em gordura, como o oxigênio, dióxido de carbono e álcool, podem atravessar facilmente essa região da membrana. Característica especial da bicamada lipídica é a de ser um fluido, e não um sólido. Por conseguinte, partes dessa membrana podem, literalmente, fluir de um ponto a outro, ao longo da superfície dessa membrana. As proteínas e outras substâncias dissolvidas ou flutuando na bicamada lipídica tendem a se difundir para todas as áreas da membrana celular. As proteínas da membrana celular. A Fig. 2.3 apresenta massas globulares flutuando na bicamada lipídica. São proteínas da membrana, a maioria das quais é formada por glicoproteínas. São encontrados dois tipos de proteínas: as proteínas integrais, que atravessam toda a espessura da membrana, e as proteínas periféricas, que ficam apenas presas à superfície da membrana. sem atravessá-la. Muitas das proteínas integrais formam canais (ou poros) estruturais, pelos quais podem difundir as substâncias hidrossolúveis, especialmente os íons, entre os líquidos intra a extracelular. Contudo, essas proteínas apresentam propriedades seletivas que produzem difusão diferencial de algumas substâncias mais que de outras. Outras proteínas integrais atuam como proteínas carreadoras para o transporte de substâncias na direção oposta à natural de sua difusão, o que é chamado de "transporte ativo". Outras, ainda, são enzimas. As proteínas periféricas ocorrem quase inteiramente na face interna da membrana e, normalmente, ficam presas a uma das proteínas integrais. Essas proteínas periféricas atuam quase que exclusivamente como enzimas. Os carboidratos da membrana — o "glicocálise" celular. Os carboidratos da membrana aparecem, de modo quase invariável, em combinação com proteínas e lipídios, sob a forma de glicoproteínas e de glicolipídios. Na verdade, a maioria das proteínas integrais é composta de glicoproteínas e cerca de um décimo das moléculas lipídicas é de glicolipídios. A fração "glico" dessas moléculas, quase que invariavelmente, proemina na face externa da célula, chegando a ficar pendurada para fora da célula. Muitos outros compostos carboidratos, chamados proteoglicanos, formados principalmente por carboidratos unidos entre si por pequenos núcleos protéicos, podem, por vezes, também ocorrer frouxamente ligados à superfície externa da célula. Assim, toda a superfície externa da célula é, muitas vezes, inteiramente revestida por capa de carboidrato, chamada de glicocálice. Os radicais carboidratos presos à superfície externa da célula desempenham diversas funções importantes: (1) muitos deles têm carga negativa, o que dá, à maioria das células, uma carga global negativa em sua superfície, o que repele qualquer coisa que também seja portadora de carga negativa; (2) o glicocálice de muitas células se fixa ao glicocálice de outras células, o que serve para fixar (ou unir) as células entre si; (3) muitos desses carboidratos atuam como substâncias receptoras para a fixação de hormônios, como a insulina, e, ao fazê-lo, ativam proteínas integrais que, por sua vez, ativam uma cascata de enzimas intracelulares; e (4) alguns participam de reações imunes, como discutido no Cap. 34. Fig. 2.3 Estrutura da membrana celular, mostrando que é composta, principalmente, de bicamada lipídica, com grande número de moléculas de proteína protruindo através dessa bicamada. Também existem moléculas de carboidrato presas às moléculas de proteína na face externa da membrana, além de moléculas adicionais de proteína em sua face interna. (De Lodish e Rothman: The assembly of cell membranes, Sei, Amer., 240:48, 1979. Copyright 1979 by Scientific American Inc. Todos os direitos reservados.) 11 O CITOPLASMA E SUAS ORGANELAS O citoplasma é cheio de partículas e organelas dispersas, com tamanhos que vão de poucos nanômetros até muitos micrômetros. Aparte líquida clara do citoplasma, onde ficam dispersas essas partículas e organelas, é chamada de citosol; ele contém muitas proteínas, eletrólitos, glicose e quantidades diminutas de compostos lipídicos dissolvidos. A região do citoplasma imediatamente abaixo da membrana celular contém, com muita freqüência, um emaranhado de microfilamentos, formado, em sua maior parte, por fibrilas de actina. Essa estrutura forma um sistema de sustentação semi-sólido, com a consistência de gel, para a membrana celular. Essa região do citoplasma é chamada de córtex ou de ectoplasma. A parte do citoplasma que fica entre o córtex e a membrana nuclear é líquida e chamada de endoplasma. Ocorrem, dispersos no citoplasma, gotículas de gordura neutra, grânulos de glicogênio, ribossomas, grânulos secretórios e cinco organelas especialmente importantes: o retículo endoplasmático, o aparelho de Golgi, as mitocôndrias, os lisossomas e os peroxissomas. O retículo endoplasmático A Fig. 2.2 mostra, no citoplasma, uma rede de estruturas tubulares e vesiculares achatadas, chamada de retículo endoplasmático. Os túbulos e as vesículas se intercomunicam. Por outro lado, suas paredes são formadas por membranas de bicamada lipídica, contendo grande quantidade de proteínas, como ocorre na membrana celular. A área total da superfície dessa estrutura em determinadas células — como, por exemplo, as hepáticas — pode chegar até a 30 ou 40 vezes maior que a de toda a superfície celular. Um detalhe da estrutura de pequena parte do retículo endoplasmático é mostrado na Fig. 2.4. O espaço no interior dos túbulos e das vesículas é cheio com a matriz endoplasmática, um meio líquido que difere do encontrado por fora do retículo endoplasmático. Micrografias eletrônicas mostram que o espaço no interior do retículo endoplasmático está conectado ao espaço entre as duas membranas da dupla membrana nuclear. As substâncias sintetizadas em outras regiões da célula penetram nesse espaço do retículo endoplasmático e são levadas até outras partes da célula. Por outro lado, a imensa área da superfície desse retículo, além dos múltiplos sistemas enzimáticos presentes em suas membranas, compõe o maquinário para fração importante das funções metabólicas da célula. Ribossomas e o retículo endoplasmático granular. Existem, fixadas à superfície externa de muitos trechos do retículo endoplasmático, pequenas partículas granulares, denominadas ribossomas Fig. 2.4 Estrutura do retículo endoplasmático. (Modificado de De Robertis, Saez e De Robertis: Cell Biology. 6. ed. Philadelphia, W.B. SaundersCo., 1975.) Nas regiões do retículo endoplasmático onde isso ocorre, esse retículo é chamado de retículo endoplasmático granular. Os ribossomas são formados por mistura de ácido ribonucléico (ARN) e de proteínas e atuam na síntese de proteínas pelas células, como discutido adiante neste capítulo e no seguinte. O retículo endoplasmático agranular. Parte do retículo endoplasmático não tem ribossomas fixados a ele. Essa parte é chamada de retículo endoplasmático agranular, ou liso. O retículo agranular atua na síntese de substâncias lipídicas e de muitos outros processos enzimáticos das células. O aparelho de Golgi O aparelho de Golgi, mostrado na Fig. 2.5, é intimamente relacionado ao retículo endoplasmático. Possui membranas semelhantes às do retículo endoplasmático agranular. Em geral, é formado por quatro a cinco camadas empilhadas de vesículas fechadas, delgadas e achatadas, situadas próximo ao núcleo. Esse aparelho é muito proeminente nas células secretoras; nelas fica situado no lado da célula por onde são extrudadas as substâncias secretórias. O aparelho de Golgi funciona associado ao retículo endoplasmático. Como mostrado na Fig. 2.5, pequenas "vesículas de transporte", também chamadas vesículas de retículo endoplasmático ou, simplesmente, vesículas RE, são formadas, de forma contínua, pelo retículo endoplasmático e, em seguida, se fundem com o aparelho de Golgi. Desse modo, as substâncias são transferidas do retículo endoplasmático para o aparelho de Golgi. As substâncias transferidas são, em seguida, processadas no aparelho de Golgi, para formar lisossomas, vesículas secretórias ou outros componentes citoplasmáticos, discutidos adiante neste capítulo. Os lisossomas Os lisossomas são organelas vesiculares, formadas pelo aparelho de Golgi e que, em seguida, ficam dispersas por todo o citoplasma. Os lisossomas formam um sistema digestivo intracelular que permite que a célula digira e, por conseguinte, remova substâncias e estruturas indesejadas, em especial estruturas estranhas ou lesadas, tais como bactérias. O lisossoma, mostrado na Fig. 2.2, difere muito de uma célula para outra, mas, em geral, tem diâmetro entre 250 e 750 nm. É limitado por membrana de bicamada lipídica típica e seu interior é cheio de pequenos grânulos, com diâmetro entre 5 e 8 nm, que são agregados protéicos de enzimas hidrolíticas (digestivas). Uma enzima hidrolítica Fig. 2.5 Um típico aparelho de Golgi e sua relação com o retículo endoplasmático e com o núcleo. 12 é capaz de degradar um composto orgânico em dois ou mais componentes, por combinar um hidrogênio, derivado da água, com parte desse composto, e peia combinação da hidroxila da molécula de água com outra parte desse composto. Por exemplo, a proteína é hidrolisada para formar aminoácidos, enquanto o glicogênio é hidrolisado para formar glicose. Mais de 50 hidrolases ácidas já foram identificadas nos lisossomas, e as principais substâncias que essas organelas podem hidrolisar são as proteínas, os ácidos nucléicos, os mucopolissacarídeos, os lipídios e o glicogênio. Comumente, a membrana que envolve o lisossoma impede que as enzimas hidrolíticas de seu interior entrem em contato com as outras substâncias no interior celular. Todavia, numerosas e diversas condições celulares podem romper a membrana de, pelo menos, alguns lisossomas, o que produz a liberação dessas enzimas. Como resultado, essas enzimas degradam as substâncias orgânicas com que entram em contato, produzindo substâncias muito difusíveis, como aminoácidos e glicose. Algumas das funções mais específicas dos lisossomas são discutidas adiante neste capítulo. Os peroxissomas Os peroxissomas são, cm termos físicos, semelhantes aos lisossomas, mas diferem deles por dois aspectos importantes: primeiro, admite-se que sejam formados pelo retículo endoplasmático liso, e não pelo aparelho de Golgi; segundo, as enzimas em seu interior são oxidases, e não hidrolases. Diversas dessas oxidases são capazes de combinar o oxigênio com o íon hidrogênio para formar peróxido de hidrogênio (H2O2). O peróxido de hidrogênio, por sua vez, é composto altamente oxidante e que atua associado à catalase, outra enzima oxidase presente em alta concentração nos peroxissomas, na oxidação de muitas substâncias que, de outra forma, intoxicariam a célula. Por exemplo, a maior parte do álcool ingerido por uma pessoa é detoxificado pelos peroxissomas das células hepáticas por esse mecanismo. O mecanismo oxidativo peróxido de hidrogênio catalase também é usado para finalidades funcionais específicas da célula, tais como a degradação de ácidos graxos a acetil-CoA que, em seguida, é utilizado como energia pela célula. Vesículas secretárias Uma das funções importantes de muitas células é a secreção de substâncias especiais. Quase todas as substâncias secretórias desse tipo são formadas pelo sistema retículo endoplasmáticoaparelho de Golgi e são, em seguida, liberadas pelo aparelho de Golgi no citoplasma no interior de vesículas de armazenamento, chamadas vesículas secretórias ou grânulos secretários. A Fig. 2.6 mostra vesículas secretórias típicas no interior de células acinares pancreáticas, armazenando proenzimas protéicas (enzimas que ainda não foram ativadas); essas proenzimas vão ser, algum tempo depois, secretadas através de membrana celular externa para o dueto pancreático e, por meio dele, atingem o duodeno, onde vão ser ativadas e desempenhar suas funções digestivas. Fíg. 2.6 Grânulos secretórios nas células acinares do pâncreas. Ainda mais, as mitocôndrias ficam concentradas nas regiões celulares que são responsáveis pela maior fração de seu metabolismo energético. Por outro lado, o tamanho das mitocôndrias é muito variável, assim como sua forma; algumas têm diâmetro de apenas poucas centenas de nanômetros, com forma globular, enquanto outras podem ter até 1 m de diâmetro e comprimento de 7 m, com forma filamentosa ou ramificada. A estrutura básica da mitocôndria é mostrada na Fig. 2.7, onde aparece formada, em sua maior parte, por duas membranas de dupla camada lipídica: uma membrana externa e outra membrana interna. Muitas pregas da membrana interna formam as cristas, sobre as quais ficam presas enzimas oxidativas. Além disso, a cavidade interna de cada mitocôndria c cheia com matriz contendo grande quantidade de enzimas dissolvidas, que são necessárias para a extração de energia dos nutrientes. Essas enzimas atuam associadas às enzimas oxidativas das cristas, para efetuar a oxidação dos nutrientes, do que resulta a formação de dióxido de carbono e água. A energia liberada c utilizada na síntese de substância com alta energia, chamada trifosfato de adenosina (ATP). Em seguida, o ATP é transportado para fora da mitocôndria, difundindo-se por toda a célula e liberando sua energia sempre e onde for necessário para a execução das funções celulares. Os detalhes da síntese do ATP pelas mitocôndrias são apresentados no Cap. 67 e algumas das importantes funções do ATP são apresentadas adiante neste capítulo. As mitocôndrias são auto-replicativas, o que significa que uma mitocôndria pode dar origem a uma segunda, a uma terceira, e assim por diante, sempre que houver necessidade celular de As mitocôndrias As mitocôndrias são chamadas de "usinas" celulares. Sem elas, as células seriam incapazes de extrair quantidades significativas de energia dos nutrientes e do oxigênio, e, como conseqüência, para todos os efeitos práticos, cessaria todo o funcionamento celular. Como mostrado na Fig. 2.2, essas organelas são encontradas disseminadas por quase todo o citoplasma, mas seu número total varia desde menos de cem até vários milhares, dependendo da quantidade de energia exigida pela célula. Fig. 2.7 Estrutura da mitocôndria. (Modificado de De Robertis, Saez e De Robertis, Ceil Bivlogy. 6. ed. Philadelphia, W.B. Saunders Co., 1975.) 13 quantidades aumentadas de ATP. Na verdade, as mitocôndrias contêm ácido desoxirribonucléico (ADN) semelhante ao encontrado no núcleo. No capítulo seguinte, será destacado que o ADN é a substância básica do núcleo, controladora da replicação celular. Essa substância desempenha função semelhante na mitocôndria, porém não idêntica, visto que, no processo de replicação mitocondrial, muitas proteínas e lipídios que já foram formados no citoplasma são incorporados às mitocôndrias, quando estas aumentam de volume e produzem brotamentos, que são as novas mitocôndrias. Estruturas filamentosas e tubulares das células As proteínas fibrilares da célula estão, em geral, organizadas em filamentos ou túbulos. Tais estruturas têm origem como moléculas protéicas precursoras, sintetizadas pelos ribossomas e que aparecem, inicialmente, dissolvidas no citoplasma. Aí, elas polimerizam para formar filamentos. Já foi destacada a presença freqüente de grande número de filamentos de actina na zona externa do citoplasma, a região chamada de ectoplasma, dando sustentação elástica à membrana celular. Também, nas células musculares, os filamentos ocorrem organizados em mecanismo contrátil especializado que é a base da contração muscular em todo o corpo, como discutido em detalhe no Cap. 6. Um tipo especial de filamento, formado por moléculas polimerizadas de tubulina, é usado por todas as células para a construção de estruturas tubulares, os microtúbulos. Quase invariavelmente, eles são formados por 13 protofilamentos de tubulina, paralelos entre si, formando círculo, compondo longo cilindro oco, com diâmetro de cerca de 25 nm e comprimento que varia de 1 a muitos micrômetros. Tais cilindros aparecem, com freqüência, sob forma de feixes, o que lhes confere, em conjunto, considerável resistência estrutural. Contudo, os microtúbulos são estruturas rígidas, que quebram se forem dobradas em demasia. A Fig. 2.8 mostra microtúbulos típicos, extraídos do flagelo de um espermatozóide. Outro exemplo de microtúbulo é a estrutura mecânica tubular dos cílios, que lhes confere resistência estrutural, que se irradiam desde o citoplasma celular até a ponta do cílio. Por outro lado, os centríolos e o fuso mitótico das células em mitose são formados por microtúbulos rígidos. Dessa forma, uma função primária dos microtúbulos é a de atuar como um citoesqueleto, formando estruturas físicas rígidas para determinadas regiões celulares. Mas o citoplasma, com freqüência se escoa (flui) na vizinhança dos microtúbulos, o que poderia ser explicado pelo movimento dos braços que se projetam para fora dos microtúbulos. O NÚCLEO O núcleo é o centro controlador da célula. De modo resumido, o núcleo contém grande quantidade de ADN, a que se chamou, por muitos anos, genes. Os genes determinam as características das enzimas protéicas do citoplasma e, por esse meio, regulam as atividades citoplasmáticas. Também controlam a reprodução; os genes, primeiro, se reproduzem e, após isso, a célula se divide por processo especial, chamado mitose, para formar duas células filhas, cada uma recebendo um dos dois conjuntos de genes. Todas essas atividades nucleares são apresentadas em detalhes no próximo capítulo. A imagem microscópica do núcleo não dá muitos indícios sobre os mecanismos que usa para o desempenho de suas atividades. A Fig. 2.9 apresenta a imagem, por microscópio óptico, do núcleo na interfase (o período entre as mitoses), com o material que se cora intensamente, a cromatina, presente em todo o nucleoplasma. Durante a mitose, a cromatina fica facilmente identificável como os cromossomas extremamente estruturados, que podem ser observados com facilidade pelo microscópio óptico, como discutido no Cap. 3. O envelope nuclear O envelope nuclear é, com freqüência, denominado membrana nuclear. Contudo é, na verdade, formado por duas membranas distintas, uma por dentro da outra. A membrana externa é contínua com o retículo endoplasmático, c o espaço entre as duas membranas nucleares também é contínuo com o compartimento no interior do retículo endoplasmático. O envelope nuclear é atravessado por vários milhares de poros nucleares. Esses poros são muito grandes, com quase 10 nm de diâmetro. Contudo, grandes complexos de proteínas ficam presos às bordas desses poros, de modo que seus orifícios centrais Fig. 2.8 Microtúbulos dissecados do flagelo de espermatozóide. (De Porter: Ciba Foundation Symposium: Principies of Biomolecuhr Organizaiion. Boston, Little, Brown & Co, 1966) 14 Fig. 2.9 Estrutura do núcleo. têm, apenas, 9 nm de diâmetro. Mesmo assim, esses poros são suficientemente grandes para permitir a passagem de moléculas com peso molecular de até 44.000 com relativa facilidade; moléculas com peso molecular abaixo de 15.000 os atravessam com extrema rapidez. Nucléolos Os núcleos da maioria das células contêm uma ou mais estruturas que se coram levemente, chamadas nucléolos. O nucléolo, ao contrário da maioria das organelas discutidas até aqui, não apresenta membrana limitante. Pelo contrário, é, simplesmente, uma estrutura que contém grande quantidade de ARN e de proteínas dos tipos encontradas nos ribossomas. O nucléolo fica muito aumentado quando a célula está sintetizando ativamente proteínas. Os genes de cinco cromossomas distintos sintetizam o ARN e o armazenam no nucléolo, a partir de ARN fibrilar frouxo que, depois, se condensa para formar as "subunidades" granulares dos ribossomas. Estas, por sua vez, são transportadas através dos poros da membrana nuclear até o citoplasma, onde se agregam para formar os ribossomas "maduros" que desempenham papel fundamental na formação de proteínas, tanto no citoplasma como em associação com o retículo endoplasmático, como será discutido em mais detalhes no capítulo seguinte. COMPARAÇÃO DA CÉLULA ANIMAL COMAS FORMAS PRÉ-CELULARES DE VIDA Muitos de nós imaginam que a célula seja a forma mais simples de vida. Todavia, a célula é organismo muito complexo e que exigiu muitas centenas de milhões de anos para se desenvolver depois que a forma inicial da vida, um organismo semelhante aos vírus atuais, primeiro apareceu na terra. A Fig. 2.10 mostra as dimensões relativas dos menores vírus conhecidos, de um vírus grande, de uma rickettsia, de uma bactéria e de uma célula nucleada, esta célula tendo diâmetro 1.000 vezes maior que o do menor vírus e, por conseguinte, com volume 1bilhão de vezes maior que o desse vírus. Como conseqüência, o funcionamento e a organização anatômica da célula também são muitíssimo mais complexos que o do vírus. O constituinte essencial do vírus, responsável por ele ser vivo, é o ácido nucléico, envolto por capa de proteína. Esse ácido nucléico é formado pelos mesmos constituintes básicos (ADN e ARN) encontrados nas células de mamíferos e será capaz de se reproduzir caso existam condições adequadas. Assim, um vírus é capaz de propagar sua linhagem, de geração a geração, e, portanto, é uma estrutura viva, do mesmo modo como o são uma célula e um organismo humano. Com a evolução da vida, outras substâncias químicas, além dos ácidos nucléicos e simples proteínas, passaram a fazer integralmente parte do organismo, e funções especializadas começaram a se desenvolver em diferentes partes do vírus. Surgiram, assim, uma membrana, formada Fig. 2.10 Comparação entre as dimensões de organismos pré-celulares e uma célula típica do corpo humano. a seu redor, e uma matriz fluida, por dentro dessa membrana. No interior dessa matriz, desenvolveram-se substâncias químicas especializadas para a execução de funções especiais; muitas enzimas protéicas surgiram, capazes de catalisar reações químicas e, como conseqüência, de determinar as atividades desse organismo. Em estágios mais avançados, de modo especial, nos estágios de rickettsia e de bactéria, organelas se desenvolveram no interior do organismo, representadas por estruturas físicas de agregados químicos, capazes de executar funções de forma bem mais eficiente que as substâncias químicas dispersas por toda a matriz fluida. Finalmente, na célula nucleada, ocorreu o desenvolvimento de organelas ainda mais complexas, a mais importante delas sendo o próprio núcleo. O núcleo distingue esse tipo celular de todas as outras formas mais inferiores de vida; essa estrutura estabelece um centro de controle de todas as atividades celulares e permite uma reprodução muito precisa de novas células, geração após geração, cada nova célula possuindo, em essência, a mesma estrutura de seu progenitor. SISTEMAS FUNCIONAIS DA CÉLULA No restante deste capítulo, serão discutidos diversos sistemas funcionais representativos da célula, que a tornam um organismo vivo. INGESTÃO PELA CÉLULA - ENDOCITOSE Se a célula vai viver e crescer, ela deverá obter nutrientes e outras substâncias dos líquidos que a banham. A maioria das substâncias atravessa a membrana por difusão e por transporte ativo, discutidos em detalhe no Cap. 4. Contudo, grandes partículas atingem o interior da célula por meio de função especializada da membrana celular, chamada endocitose, As duas formas principais de endocitose são a pinocitose e a fagocitose. Pinocitose significa ingestão de vesículas extremamente pequenas, contendo líquido extracelular. Fagocitose significa ingestão de grandes partículas, tais como bactérias, células ou restos de tecido em degeneração. Pinocitose. A pinocitose ocorre continuamente na membrana da maioria das células, mas de modo especialmente rápido em algumas células. Por exemplo, nos macrófagos, ocorre de forma tão rápida que cerca de 3% da membrana total dessas células são engolfados, sob forma de vesículas, a cada minuto. Mesmo assim, visto que as vesículas pinocíticas são muito pequenas, com diâmetros de 100 a 200 nm, elas só podem, em geral, ser vistas ao microscópio eletrônico. A pinocitose representa o único meio pelo qual algumas macromoléculas bastante grandes, tais como a maioria das moléculas; 15 em seguida, de forma progressiva, mais e mais receptores da membrana se fixam aos ligandos das partículas, tudo isso ocorrendo, de modo abrupto, como o fechamento de um zíper. 3. Filamentos de actina, além de outros, também contrateis, circundam a partícula engolfada e se contraem, em torno de sua margem externa, o que empurra a partícula mais para dentro. 4. As proteínas contráteis, então, destacam a vesícula fagocítica, deixando-a no interior celular, do mesmo modo pelo qual são formadas as vesículas pinocíticas. DIGESTÃO DE SUBSTÂNCIAS ESTRANHAS PELAS CÉLULAS — A FUNÇÃO DOS LISOSSOMAS Fig. 2.11 Mecanismo da pinocitose Quase imediatamente após a chegada de vesícula pinocítica ou fagocítica no interior celular, um ou mais lisossomas se prendem a ela c despejam seu conteúdo de hidrolases ácidas em seu interior, como mostrado na Fig. 2.12. Dessa forma, é formada uma vesícula digestiva, onde as hidrolases iniciam a hidrólise das proteínas, do glicogênio, dos ácidos nucléicos, dos mucopo-lissacarídios e outras substâncias contidas na vesícula. Os produtos dessa digestão são moléculas pequenas de aminoácidos, glicose, fosfatos etc que, em seguida, difundem-se através da membrana, para o citoplasma. O que resta da vesícula, chamado de corpo residual, representa as substâncias indigeríveis. Na maioria dos casos, eles são excretados, através da membrana celular, pelo processo denominado exocitose, que é, em essência, o oposto da endocitose. É por isso que os lisossomas são chamados de órgãos digestivos das células. Regressão dos tecidos e autólise celular. Muitas vezes, os tecidos do corpo regridem de tamanho. Por exemplo, isso ocorre no útero, após o parto, nos músculos, durante períodos longos de inatividade, e nas glândulas mamarias, ao término do período de amamentação. Os lisossomas são responsáveis por grande parte dessa regressão. Contudo, o mecanismo pelo qual a falta de atividade de um tecido leva a aumento da atividade dos lisossomas ainda é desconhecido. Outro papel muito especial dos lisossomas é o da remoção de células lesadas ou da parte do tecido onde existam células lesadas — células lesadas por calor, por frio, por trauma, por agentes químicos, ou por qualquer outro fator. A lesão celular causa rotura dos lisossomas, e as hidrolases liberadas começam imediatamente a digerir as substâncias orgânicas das cercanias. Se a lesão for pequena, apenas uma parte da célula será removida, seguida por seu reparo. Todavia, se a lesão for grave, toda a célula será digerida, processo que é chamado de autólise. Desse modo, toda a célula será removida e, comumente, uma nova cuias de proteína podem entrar nas células. Na verdade, a velocidade de formação das vesículas pinocíticas fica aumentada quando essas macro moléculas se fixam à membrana celular. A Fig. 2.11 mostra as etapas sucessivas da pinocitose, a partir de três moléculas que se fixam à membrana celular. Geralmente, essas moléculas se prendem a receptores na superfície da membrana celular, que são específicos para os tipos de proteínas que vão ser absorvidas. Esses receptores, na maioria dos casos, ficam concentrados em pequenas depressões da membrana celular, denominadas depressões espessadas. Na face interna da membrana celular, por baixo dessas depressões, existe uma malha de uma proteína fibrilar, chamada de clatrina, além de filamentos contrateis de actina e de miosina. Uma vez tendo ocorrido a fixação das moléculas de proteína a seus receptores, as propriedades da superfície da membrana se alteram, de modo que toda a depressão se invagina para dentro da célula e as proteínas contrateis fazem com que seus bordos se fechem, englobando as proteínas fixadas e pequena quantidade de líquido extracelular. Imediatamente após, a porção invaginada da membrana se solta da superfície celular, formando uma vesícula pinocítica. Permanece ainda como mistério o mecanismo que faz com que a membrana celular passe pelas contorções necessárias para formar as vesículas pinocíticas. Contudo, esse processo necessita de energia, vinda do interior da célula; essa energia é suprida pelo ATP, substância rica em energia, discutida adiante neste capítulo. Por outro lado, também necessita da presença de íons cálcio no líquido extracelular, que, provavelmente, reagem com os filamentos contrateis, por baixo da depressão, para gerar a força que leva à separação da vesícula da membrana celular. Fagocitose. A fagocitose ocorre quase que do mesmo modo que a pinocitose, exceto que envolve grandes partículas, e não moléculas. Apenas determinados tipos celulares têm capacidade fagocítica, de forma mais acentuada os macrófagos teciduais e alguns glóbulos brancos. A fagocitose tem início quando proteínas ou grandes polissacarídios da superfície da partícula que vai ser fagocitada — isto é, uma bactéria, uma célula morta ou qualquer outro detrito tecidual — fixam-se a receptores na superfície do fagócito. No caso das bactérias, elas estão, geralmente, ligadas a anticorpos específicos, e são esses anticorpos que se prendem aos receptores fagocíticos. Essa intermediação por anticorpos é chamada de opsonizaçâo, e é discutida nos Caps. 33 e 34. A fagocitose ocorre nas seguintes etapas: 1. Os receptores da membrana celular fixam-se aos ligandos superficiais da partícula. 2. As bordas da membrana em torno desses pontos de fixação se evaginam, dentro de fração de segundo, cercando a Fig. 2.12 Digestão das substâncias contidas nas vesículas pinocíticas partícula; pelas enzimas dos lisossomas. 16 célula do mesmo tipo, formada por reprodução mitótica de célula vizinha, toma o lugar da que foi removida. Os lisossomas também contêm agentes bactericidas, capazes de matar as bactérias antes que possam causar lesão à célula. Esses agentes incluem a lisozima, que dissolve a membrana da célula bacteriana, a lisoferrina, que fixa ferro e outros metais imprescindíveis para o crescimento bacteriano, e ácido, em pH de cerca de 5,0, que ativa as hidrolases e também inativa alguns dos sistemas metabólicos bacterianos. Os lisossomas também armazenam enzimas que podem iniciar a digestão de agregados lipídicos e dos grânulos de glicogênio, tornando o lipídio c o glicogênio disponíveis para a utilização em outras regiões da célula e, até mesmo, do corpo. Na ausência dessas enzimas, o que resulta de distúrbios genéticos ocasionais, ocorre, muitas vezes, acúmulo de quantidades muito grandes de lipídios ou de glicogênio nas células de muitos órgãos, especialmente nas do fígado, o que leva à morte precoce. Outras funções do retículo endoplasmático. Outras funções importantes do retículo endoplasmático — e, de novo, especialmente do retículo liso — são: 1. Contém as enzimas que controlam a degradação do glicogênio, quando esse composto é usado para energia. 2. Contém número muito grande de enzimas que são capazes de detoxificar as substâncias que estão lesando as células, como os medicamentos; esse resultado é obtido por coagulação, hidrólise, conjugação com ácido glicurônico e por outros meios. Funções sintéticas do aparelho de Golgi. Embora a principal função do aparelho de Golgi seja a de processar substâncias já formadas no retículo endoplasmático, essa estrutura também tem capacidade para sintetizar determinados carboidratos que não podem ser formados no retículo endoplasmático. Isso é particularmente verdadeiro para o ácido siálico e para a galactose. Além disso, o aparelho de Golgi pode formar polímeros sacarídios muito grandes e fixados a quantidades muito pequenas de proteína; os mais importantes são o ácido hialurônico e o SÍNTESE E FORMAÇÃO DE ESTRUTURAS condroiti-nossulfato. Entre as muitas funções desses dois CELULARES PELO RETÍCULO ENDOPLASMÁTICO E polímeros no corpo merecem destaque: (1) são os principais componentes dos proteoglicanos secretados no muco e em outras PELO APARELHO DE GOLGI secreções glandulares: (2) são os principais componentes da A grande extensão do retículo endoplasmático e do aparelho substância fundamental que preenche os espaços intersticiais, de Golgi, especialmente nas células secretoras, já foi destacada. atuando como "recheio" entre as fibras de colágeno e as Essas duas estruturas são formadas, principalmente, por células; e (3} são os principais componentes da matriz orgânica membranas de bicamada lipídica, e suas paredes são literalmente das cartilagens e dos ossos. cravejadas de enzimas protéicas que catalisam a síntese de Processamento das secreções endoplasmáticas pelo aparelho muitas das substâncias necessárias às células. de Golgi — a formação de vesículas. A Fig. 2.13 resume as Em geral, a maior parte dessa síntese começa no retículo principais funções do retículo endoplasmático e de aparelho de endoplasmático, mas a maioria dos produtos que são aí formados Golgi. À medida que as substâncias vão sendo formadas no é transferida para o aparelho de Golgi, onde passam por retículo endoplasmático — em especial, proteínas —, elas são processamento adicional, antes de serem liberados no transportadas pelos túbulos até as regiões do retículo citoplasma. Mas, primeiro, deve-se notar quais os produtos que endoplasmático liso situadas mais próximas ao aparelho de são sintetizados em regiões especiais do retículo Golgi. Nesse ponto, pequenas vesículas de transporte se endoplasmático e do aparelho de Golgi. destacam, de modo contínuo, e difundem para as partes mais Formação de proteínas pelo retículo endoplasmático profundas do aparelho de Golgi. No interior dessas vesículas granular. O retículo plasmático granular é caracterizado pela ficam as proteínas e outros produtos sintetizados. presença de grande número de ribossomas presos à face externa Instantaneamente, essas vesículas se fundem com o aparelho de da membrana do retículo. Como discutido no capítulo seguinte, Golgi e despejam seu conteúdo nos espaços vesiculares dessa as moléculas de proteína são sintetizadas no interior da estrutura estrutura. Aí são adicionados radicais adicionais de carboidrato ribossômica. Ainda mais, os ribossomas extrudam muitas das a essas secreções. Por outro lado, é função muito importante do moléculas de proteína sintetizadas, não para o citosol, mas, ao aparelho de Golgi a de compactar as secreções do retículo contrário, através da parede do retículo endoplasmático, para a endoplasmático em "pacotes" muito concentrados. Conforme as matriz endoplasmática. secreções migram para as camadas mais externas do aparelho de Quase tão rapidamente como as moléculas de proteína Golgi, essa compactação e o processamento continuam; chegam à matriz endoplasmática, as enzimas da parede do finalmente, vesículas, tanto grandes como pequenas, se destacam retículo endoplasmático as modificam. Primeiro, quase todas as continuamente do aparelho de Golgi, levando consigo moléculas são imediatamente glicosiladas, isto é, conjugadas com radicais de carboidratos, para formar glicoproteínas. Portanto, essencialmente, todas as proteínas endoplasmáticas são glicoproteínas, diferindo das proteínas formadas pelos ribossomas no citosol, que são, em sua maioria, proteínas livres. Segundo, as proteínas são ligadas entre si e dobradas, para formar moléculas mais compactas. Síntese de lipídios pelo retículo endoplasmático, em especial, pelo retículo endoplasmático liso. O retículo endoplasmático também sintetiza lipídios, especialmente, fosfolipídios e colesterol. Eles são rapidamente incorporados à bicamada lipídica do próprio retículo endoplasmático, o que permite que esse retículo cresça continuamente. Isso ocorre, sobretudo na região lisa do retículo endoplasmático. Para impedir que o retículo endoplasmático cresça além dos limites da célula, pequenas vesículas — denominadas vesículas do retículo endoplasmático, ou vesículas transportadoras — desprendem-se continuamente do retículo liso; será visto Fig. 2.13 Formação de proteínas, lipídios e vesículas celulares pelo adiante que a maioria dessas vesículas migra, com muita retículo endoplasmático e pelo aparelho de Golgi, rapidez, para o aparelho de Golgi. 17 as substâncias secretórias compactadas, e, em seguida, difundem-se para fora da célula. Para se ter idéia do decurso temporal desses processos: quando uma célula glandular é imersa em solução com aminoácidos radioativos, moléculas de proteína radioativa recém-formadas podem ser detectadas no retículo endoplasmático após 3 a 5 minutos; dentro de 20 minutos, essas proteínas recém-formadas estão presentes no aparelho de Golgi e, dentro de 1 a 2 horas, essas proteínas radioativas são secretadas da superfície celular. Tipos de vesículas formadas pelo aparelho de Golgi — vesículas secretoras e lisossomas. Em célula intensamente secretora, as vesículas formadas pelo aparelho de Golgi são, em sua grande maioria, vesículas secretárias, contendo especialmente as substâncias protéicas que vão ser secretadas pela superfície celular. Essas vesículas se difundem para a superfície das células, onde se fundem com a membrana celular e esvaziam seu conteúdo no exterior, pelo processo chamado exocitose, que é, em essência, o oposto da endocitose. Na maioria dos casos, a exoeitose é estimulada pela entrada de íons cálcio na célula; esses íons cálcio interagem com a membrana vesicular — por mecanismo ainda não esclarecido — para provocar sua fusão com a membrana. Por outro lado, parte das vesículas é destinada à utilização intracelular. Por exemplo, regiões especializadas do aparelho de Golgi formam os lisossomas, já discutidos. Acredita-se que as membranas dessas regiões especializadas contenham receptores químicos que fazem com que as hidrolases ácidas se fixem a elas. Desse modo, essas enzimas são concentradas e, em seguida, liberadas do aparelho de Golgi sob forma de vesículas lisossômicas. Outro tipo de vesícula, formado por mecanismo análogo, é o doperoxissoma. Contudo, acredita-se que este tipo de vesícula seja formado no retículo endoplasmático liso, junto com a formação das vesículas de transporte, e não pelo aparelho de Golgi. Aqui, de novo, receptores especiais na membrana do retículo endoplasmático, provavelmente, atraem e fixam as enzimas oxidativas que vão ser liberadas, sob forma concentrada, nos peroxissomas. Fig. 2.14 Formação de trifosfato de adenosina (ATP) na célula, mostrando que a maior parte do ATP é formada nas mitocôndrias. a energia liberada na direção adequada. Quase todas essas reações oxidativas ocorrem dentro das mitocôndrias e a energia liberada é usada principalmente para formar ATP. Em seguida, o ATP, e não os nutrientes originais, é usado em toda a célula para energizar quase todas as reações metabólicas intracelulares. Características funcionais do ATP A fórmula do ATP é a seguinte: Utilização de vesículas intracelulares para recomposição das membranas celulares. Muitas das vesículas vão, finalmente, fundir-se com a membrana celular ou com as membranas de quaisquer outras estruturas intracelulares, como a mitocôndria ou o próprio retículo endoplasmático. Isso, obviamente, aumenta a extensão dessas membranas e as recompõe, à medida que vão sendo destruídas. Por exemplo, a membrana celular perde parte considerável de sua substância cada vez que forma vesícula fagocítica ou pinocítica, e são as vesículas do aparelho de Golgi que continuamente a recompõem. Assim, em resumo, o sistema de membranas do retículo endoplasmático c do aparelho de Golgi representa órgão intensamente metabólico, capaz de formar tanto novas estruturas celulares como as substâncias secretórias que vão ser extrudadas pela célula. EXTRAÇÃO DA ENERGIA DOS NUTRIENTES — A FUNÇÃO DAS MITOCÔNDRIAS As principais substâncias de onde a célula extrai energia são o oxigênio e um ou mais tipos de alimento — carboidrato, gordura e proteína. No corpo humano, em termos essenciais, os carboidratos são convertidos em glicose antes que atinjam as células, as proteínas são convertidas em aminoácidos, e as gorduras, em ácidos graxos. A Fig. 2.14 mostra o oxigênio e os nutrientes — glicose, aminoácidos e ácidos graxos — entrando todos na célula. Uma vez no interior, esses nutrientes reagem quimicamente com o oxigênio, sob ação de diversas enzimas — controladoras da velocidade dessas reações — e direcionam O ATP é um nucleotídio formado pela base nitrogenada adenina, a pentose ribose e por três radicais fosfato. Os dois últimos radicais fosfato são ligados ao resto da molécula por ligações chamadas de ligações fosfato de alta energia. Cada uma dessas ligações contém cerca de 12.000 calorias de energia por mole de ATP, nas condições físicas do corpo (nas condiçõespadrão, cerca de 7.300 cal, que é muito mais que a energia armazenada na ligação química média de outros compostos orgânicos, o que justifica a denominação "ligação de alta energia". Ainda mais, a ligação fosfato de alta energia é muito lábil, de modo que pode ser rompida instantaneamente por demanda, sempre que for necessária energia para a promoção de outras reações celulares. Quando o ATP libera sua energia, é liberado um radical de ácido fosfórico e formado difosfato de adenosina (ADP). Em 18 seguida, a energia liberada dos nutrientes celulares faz com que o ADP e o ácido fosfórico se recombinem, para gerar novo ATP; esse processo se repete continuamente. Por essa razão, o ATP foi chamado de moeda energética da célula, pois pode ser gasto e refeito repetitivamente, em geral, com tempo de renovação de apenas uns poucos minutos no máximo. Processos químicos na formação do ATP — o papel das mitocôndrias. Ao entrar nas células, a glicose é submetida à ação de enzimas do citoplasma que a convertem em ácido pirúvico (é o processo chamado de glicólise). Pequena quantidade de ADP é convertida em ATP pela energia liberada por essa conversão, mas essa quantidade é responsável por menos de 5% do metabolismo energético global da célula. De longe, a maior parte do ATP formado na célula o é nas mitocôndrias. Os ácidos pirúvico e graxo, além da maior parte dos aminoácidos, são convertidos no composto acetil-CoA na matriz das mitocôndrias. Por sua vez, esse composto sofre a ação de outra série de enzimas da matriz mitocondrial, sendo decomposto em seqüência de reações químicas, chamadas, em conjunto, de ciclo do ácido cítrico ou ciclo de Krebs. Essas reações são explicadas em detalhe no Cap. 67. No ciclo do ácido cítrico, a acetil-CoA é degradada a seus componentes básicos, átomos de hidrogênio e dióxido de carbono. O dióxido de carbono, por sua vez, difunde-se para fora das mitocôndrias e, eventualmente para fora da célula. Mas, por outro lado, os átomos de hidrogênio são extremamente reativos e, por fim, vão combinar-se com o oxigênio que difundiu para as mitocôndrias. Essa reação libera quantidade muito grande de energia, que é usada pelas mitocôndrias na conversão de grande quantidade de ADP em ATP. Os processos dessas reações são muito complexos, exigindo a participação de grande número de enzimas protéicas que são parte integral das cristas membranosas que proeminam para a matriz mitocondrial. O evento inicial é a remoção de um elétron do átomo de hidrogênio, convertendo-o em íon hidrogênio. O evento final é o movimento desses íons através de grandes proteínas globulares, denominadas ATP sintetase, que fazem protrusão, como maçanetas, das membranas das cristas mitocondriais. A ATP sintetase é uma enzima que utiliza a energia do movimento do íon hidrogênio para promover a conversão de ADP em ATP, enquanto, ao mesmo tempo, os íons hidrogênio reagem com o oxigênio para formar água. Finalmente, o recém-formado ATP é transportado para fora das mitocôndrias, indo para todas as regiões do citoplasma e do nucleoplasma, onde é usado para energizar o funcionamento da célula. Esse processo global de formação do ATP é chamado de mecanismo quimiosmótico para a formação de ATP. Os detalhes químicos e físicos desse mecanismo são apresentados no Cap. 67, e muitas das funções metabólicas do ATP no corpo são apresentadas nos Caps. 67 a 71. Uso do ATP no funcionamento celular. O ATP é usado para promover três categorias principais do funcionamento celular; (1) transporte através de membranas, (2) síntese de compostos químicos em toda a célula, e (3) trabalho mecânico. Esses três tipos distintos de uso do ATP são mostrados nos exemplos da Fig. 2.15: (1) fornecimento de energia para o transporte de sódio através da membrana celular, (2) promoção da síntese de proteínas pelos ribossomas, e (3) fornecimento da energia necessária para a contração muscular. Além do transporte de sódio através de membranas, a energia do ATP é necessária, direta ou indiretamente, para o transporte dos íons potássio, cálcio, magnésio, fosfato, cloreto, urato, hidrogênio e muitos outros íons e diversas substâncias orgânicas. O transporte através de membranas é tão importante para o funcionamento celular que algumas células — como, por exemplo, as células tubulares renais — utilizam até 80% do ATP formado nelas exclusivamente para esse fim. Fig. 2.15 Uso de trifosfato de adenosina para prover energia para três processos principais do funcionamento celular: (1) transporte através de membrana, (2) síntese de proteínas, e (3) contração muscular. Além de sintetizar proteínas, as células também produzem fosfolipídios, colesterol, purinas, pirimidinas e grande número de outras substâncias. A síntese de quase todos os compostos químicos exige energia. Por exemplo, uma só molécula de proteína pode conter vários milhares de aminoácidos, ligados entre si por ligações peptídicas; a formação de cada uma dessas ligações exige a rotura de quatro ligações de alta energia; dessa forma, muitos milhares de moléculas de ATP (ou do composto comparável, trifosfato de guanosina [GTP]) devem liberar sua energia para cada molécula de proteína formada. Na verdade, algumas células chegam a utilizar até 75% do ATP formado nelas na síntese de compostos químicos; isso é especialmente válido durante a fase de crescimento celular. A última utilização principal do ATP é o fornecimento de energia para células especializadas, para produção de trabalho mecânico. Será visto no Cap. 6 que cada contração muscular exige o consumo de quantidades imensas de ATP. Outras células realizam trabalho mecânico de outra forma, em especial os movimentos ciliar e amebóide, descritos adiante neste capítulo. A fonte de energia para todos estes tipos de trabalho mecânico é o ATP. Portanto, para resumir, o ATP está sempre disponível para liberar sua energia, de forma rápida e quase explosiva, sempre que for necessário na célula. Para repor o ATP usado pela célula, numerosas reações químicas, distintas e mais lentas, degradam os carboidratos, gorduras e proteínas, e a energia nelas liberada é usada na formação de novo ATP. Cerca de 95% desse ATP é formado nas mitocôndrias, o que explica a designação das mitocôndrias como as "usinas" da célula. LOCOMOÇÃO AMEBÓIDE DAS CÉLULAS De longe, o tipo mais importante de movimento celular que ocorre no corpo é o das células musculares especializadas que formam os músculos esquelético, cardíaco e liso que, em conjunto, representam quase 50% de toda a massa corporal. O funcionamento especializado dessas células é descrito nos Caps. 6 a 9. Todavia, existem dois outros tipos de movimento, encontrados em outras células: a locomoção amebóide e o movimento ciliar. Locomoção amebóide significa o movimento de toda a célula em relação a seu substrato, como, por exemplo, o movimento dos glóbulos brancos através dos tecidos. Contudo, seu nome advém do fato de as amebas se deslocarem por esse mecanismo, representando excelente modelo para o estudo desse fenômeno. 19 Contudo, outras células se afastam da substância quimiotáxica, o que é chamado de quimiotaxia negativa. Mas, como é que a quimiotaxia controla a direção da locomoção amebóide? Embora ainda não exista resposta definitiva, é sabido que o lado da célula que fica mais exposto à substância quimiotáxica passa por modificações de sua membrana que influenciam a protrusão de pseudópodos. CÍLIOS E MOVIMENTOS CILIARES Fig. 2.16 Movimento amebóide por uma célula. Tipicamente, o movimento amebóide começa pela protrusão de um pseudópodo por uma das extremidades da célula. O pseudópodo se projeta para longe da célula, fixando-se, então, sobre nova área do tecido, e. por fim, o restante da célula se desloca em direção do pseudópodo. A Fig. 2.16 mostra esse processo, apresentando uma célula alongada, cuja extremidade direita é um pseudópodo. A membrana dessa extremidade celular está continuamente se deslocando para a frente e a membrana da extremidade esquerda a está acompanhando, seguindo o movimento celular. Mecanismo da locomoção amebóide. A Fig. 2.16 apresenta o princípio geral do movimento amebóide. Basicamente, ele resulta de exocitose contínua que forma nova membrana na extremidade anterior do pseudópodo e de endocitose, também contínua, nas regiões média e posterior da célula. Além disso, outro efeito é indispensável para o movimento para a frente da célula. Esse efeito é a fixação do pseudópodo aos tecidos circundantes, de modo que ele fica preso em sua posição de avanço, enquanto o restante da célula é (racionado em direção a esse ponto de fixação. Essa fixação é efetuada pelas proteínas receptoras que revestem o interior das vesículas exocíticas. Quando essas vesículas passam a fazer parte da membrana do pseudópodo, elas se abrem, de modo que seu interior fica evertído para o exterior, contactando ligandos nos tecidos circundantes. Um dos importantes ligandos é uma proteína, denominada fihrinectina, presa às fibras colágenas dos tecidos. Na outra extremidade da célula, a atividade endocítica afasta os receptores de seus ligandos, para formar vesículas endocíticas. Em seguida, no interior da célula, essas vesículas fluem na direção do pseudópodo, onde são usadas para formar nova membrana para esse pseudópodo. O que ainda permanece obscuro no processo do movimento amebóide é a fonte de energia, responsável pelo fluxo de vesículas, da extremidade endocítica para a ponta do pseudópodo. Parte dela poderia resultar da contração dos filamentos de actina e de miosina no ectoplasma das células, contraindo a célula em sua extremidade posterior e, lateralmente, empurrando as vesículas e o citoplasma para a extremidade do pseudópodo. Tipos de células que apresentam locomoção amebóide. No corpo humano, as células mais comuns que apresentam movimento amebóide são os glóbulos brancos, que se deslocam do sangue para os tecidos, sob forma de macrófagos ou micrófagos teciduais. Contudo, muitos tipos de células podem apresentar locomoção amebóide em circunstâncias específicas. Por exemplo, os fibroblastos invadem qualquer área lesada para participar de seu reparo, e até mesmo algumas das células germinais da pele, embora, na maioria das situações, sejam células inteiramente sésseis, deslocam-se para uma área cortada para reparar a fenda. Finalmente, a locomoção celular é de importância especial no desenvolvimento do feto, pois as células embrionárias podem migrar, por longas distâncias, desde seus locais primordiais de origem até novas áreas, durante o desenvolvimento de estruturas especiais. Controle da locomoção amebóide — "quimiotaxia". O fator mais importante que, em geral, desencadeia a locomoção amebóide é o processo chamado de quimiotaxia. Ele resulta do aparecimento de determinadas substâncias químicas nos tecidos. O composto químico gerador da quimiotaxia é chamado de substância quimiotáxica. A maioria das células que apresentam locomoção amebóide se desloca em direção ã substância quimiotáxica — isto é, de área onde sua concentração seja baixa, para outra onde seja alta —, o que é chamado de quimiotaxia positiva. O segundo tipo de movimento celular — o movimento ciliar — é semelhante ao de uma chicotada dos cílios que revestem a superfície das células. Isso só ocorre em duas regiões do corpo humano: nas superfícies internas das vias respiratórias e das trompas uterinas (trompas de Falópio) no aparelho reprodutor. Na cavidade nasal e nas vias aéreas inferiores, o movimento em chicotada dos cílios promove o movimento da camada de muco, com velocidade de 1 cm/min, em direção à faringe, removendo, assim, não apenas o muco dessas vias, mas todas as partículas que ficaram retidas nesse muco. Nas trompas uterinas, os cílios promovem o lento movimento de líquido do óstio para a cavidade uterina; é esse movimento de líquido que leva o óvulo até o útero. Como mostrado na Fig. 2.17, um cílio parece um pêlo curvado, com ponta aguda, que se projeta por 2 a 4 um da superfície celular. Muitos cílios se projetam de cada célula — por exemplo, cerca de 200 cílios se projetam da superfície de cada célula epitelial das vias aéreas respiratórias. O cílio é recoberto por expansão da membrana celular e é sustentado por 11 microtúbulos: nove túbulos duplos, situados em tomo da periferia, e dois túbulos simples, localizados em sua porção central, como mostrado no corte transverso da figura. Cada cílio se origina de estrutura situada imediatamente abaixo da membrana celular, chamada de corpo basal do cílio. O flagelo do espermatozóide tem organização semelhante à do cílio; na verdade, tem quase que o mesmo tipo de estrutura e o mesmo tipo de mecanismo contrátil. Todavia, o flagelo é bem mais longo e se move em ondas quase sinusoidais, em vez de em movimentos de chicotada. No detalhe da Fig. 2.17 é mostrado o movimento de um cílio. O cílio se move para a frente de forma abrupta e rápida, 10 a 20 vezes por segundo, curvando-se acentuadamente em seu ponto de emergência da superfície celular. Em seguida, move-se para trás, bem lentamente como em uma chicotada. O movimento rápido para frente empurra o líquido adjacente à célula na direção do movimento do cílio, e o movimento lento de chicotada, na direção oposta, pouco atua sobre o líquido. Como resultado, o líquido c continuamente propelido na direção do movimento rápido para frente. Dado que a maioria das células ciliadas apresenta grande número de cílios em sua superfície, e dado que todas as células têm seus cílios orientados na mesma direção, isso representa meio muito eficaz para o deslocamento de líquido ao longo de uma superfície. Mecanismo do movimento ciliar. Embora nem todos os aspectos do movimento ciliar já tenham sido esclarecidos, sabemos o que se segue. Primeiro, os nove túbulos duplos são interligados entre si por um complexo de pontes transversas protéicas; esse complexo total de túbulos e de pontes transversas é chamado de axonema. Segundo, mesmo após remoção da membrana e destruição dos outros elementos do cílio, exceto o axonema, o cílio ainda pode mover-se em determinadas condições. Terceiro, existem duas condições essenciais para a continuidade do batimento do axonema, após remoção das outras estruturas do cílio: (1) presença de ATP, e (2) condições iônicas adequadas, incluindo, de modo especial, concentrações adequadas de magnésio e de cálcio. Quarto, durante o movimento rápido para frente, os túbulos da face anterior do cílio deslizam para diante, em direção à ponta do cílio, enquanto os túbulos da face posterior permanecem imóveis. Quinto, três braços, formados por uma proteína dotada de atividade ATPase, chamada dineí-na, unem cada conjunto de túbulos periféricos ao seguinte. A partir desta informação básica, foi postulado que a liberação de energia do ATP, ao entrar em contato com a ATPase dos braços de dineína, faz com que esses braços "engatinhem" ao longo da superfície dos pares de túbulos adjacentes. Se esse engatinhar ocorrer em direção ã extremidade do cílio, nos túbulos anteriores, enquanto os posteriores ficam estacionários, obviamente o resultado será uma curvatura. Não é conhecido o mecanismo de controle da contração ciliar. Contudo, os cílios de determinadas células geneticamente anormais não contém os dois túbulos simples centrais, e esses cílios não se movem. Portanto. 20 Fig. 2.17 Estrutura e funcionamento do cílio. (Modificado de Satir: Cilia; Sei. Amer., 204:108. 1961. Copyright 1961 by Scientific American Inc. Todos os direitos reservados.) é presumido que algum sinal, talvez eletroquímico, seja transmitido ao longo desses dois túbulos para ativar os braços de dineína. REFERÊNCIAS Almers, W., and Stirling, C: Diatribution of transport proteins over animal cell membranea. J. Membr. Biol., 77:169, 1984. Baker, P. F., and Knight, D. E.: Chemiosmotic hypotheses of exocytosis: A critique. Biosci. Rep., 4:285, 1984. Balaban, R. S.: The application of nuclear rnagnetic resonance to the Btudy of cellular physiology. Am. J. Physiol., 246:ClO, 1984. Bershadsky, A. D., and Vasiliev, J. M.: Cytoakeleton. New York, Plenum Publishing Corp., 1988. Bcttger, W. J., and McKeehan, W. L.: Mecbanisms of cellular nutrítion. PhyBiol. Rev., 66:1, 1986. Blachley, J. E., et ai.: The harmful effects of ethanol on ion transport and cellular respiration. Am. J. Med. ScL, 289:22,1985. Bohr, D. F.: Cell membrane in hypertension. News in PhyBiol. Sei., 4;85, 1989. Boyd, A., and Simon, M.: Bacterial chemotaxís. Annu. Rev. Physiol., 44:501, 1982. Brazy, P. C, and Mandei, L. J.: Does availability of inorganic phosphate regulate cellular oxidative metabolism? News Phyaiol. Sei., 1:100,1986. Case, R. M: The role of Ca"" storea in secretion. Cell-Calcium, 5:89, 1984. Cereijido, M., et ai.: Tight junction: Barrier between higher organisms and environment. New Phyaiol. Sei., 4:72,1989. Chien, S. (ed.): Molecular Biology in Physiology. New York, Raven Presa, 1988. Correia, J. J-, and Williams, R. C, Jr: Mechanisms ofassembly and disas- sembly of microtubules. Annu. Rev. Biophya. Bioeng., 12:211, 1983. Dean, R. T., et ai.: Effects of exogenous aminea on mammalian cells, with particular reference to membrane flow. Biochem. J., 217:27,1984. DeMello, W. C. (ed.): Cell-to-Cell Communication. New York, Plenum Publishing Corp., 1987. DeRobertis, E. D. P., and DeRobertÍB, E. M. F., Jr.: Cell and Molecular Biology. 8th Ed. Philadelphia, Lea & Febiger, 1987. Dowben, R. M. (ed.): Cell and Muscle Motility. New York, Plenum Publising Corp. 1983. Fawcett, D. W.; Bloom & Fawcett: A Textbook of Hiatology. llth Ed. Phila delphia, W. B. Saunders Co., 19S6. Fawcett, D. W.: The Cell. 2nd Ed. Philadelphia, W. B. Saunders Co., 1981. Fine, R. E., and Ockleford, C. D.: Supramolecular cytology of coated veaicles. Int. Rev. Cyto)., 91:1, 1984. Fitzgerald, P. G.: Gap junction heterogeneity in liver, heart, and lenR. News in Physiol. Sei,, 3:206, 1988. Frankel, R. B.: Magnetic guidance of organisms. Annu. Rev. Biophys. Bioeng., 13:85, 1984. (ioldstein, D. B.: The eftectB of druga on membrane fluidity. Annu. Rev. Pharmacol. Toxicol., 24:43, 1984. Green, H., and Barrandon, Y.: Cultured epidennal cells and their use in the generation of epidermis. News in Physiol. Sei., 3:53, 1988. Hoffman, E. K., and Simonsen, L. O.: Membrane mechanisms in volume and pH regulation in vertebrate cella. Phyaiol. Rev., 69:315, 1989. Holizman, E.: Lysosomea, New York, Plenum Publishing Corp., 1989. Hubbard, A. L., et ai.: Biogenesis of endogenous plasma membrane proteína in epithelian cells. Ann. Rev. Physiol., 51:755,1989. Kornfeld, S.: Trafficking of lyaosomal enzymes. FASEB J., 1:462, 1987. Kudlow, J. E., et ai. (eds.): Biology of Growth Factors. New York, Plenum Publishing Corp., 1988. Lane, M. D., et ai.: The mitochondrion updated. Science, 234:526, 1986. Lemastera, J. J., et ai. (eds.): Integration of Mitochondrial Function. New York, Plenum Publishing Corp., 1988. Low, M. G.: Glycosylphosphatidylinositol: A versatile anchor for cell surface proteína. FASEB J., 3:1600, 1989. Machlin, L. J., and Bendich, A.: Freeradical tissuedamage: Protective roleof antioxidant nutrients. FASEB J., 1:441, 1987. Macnab, R. M., and Aizawa, S.-L: Bacterial motility and the bacterial 11 age I- lar motor. Annu. Rev. Biophys. Bioeng., 13:51,1984. Malhotra, S. K.: The Plasma Membrane. New York, John Wiley & Sons, 1983. McCloskey, M., and Poo, M. M.: Protein diffusion in cell membranea: Some biological implications. Int. Rev. Cytol., 87:19, 1984. Moore, A. L., and Beechey, R. B. {eds.): Plant Mitochondria. New York, Plenum Publishing Corp., 1987. Porter, K. R., and Bonneville, M. A.: Fine Structure of Cells and Tissues. 4th Ed. Philadelphia, Lea & Febiger, 1973. Rodriguez-Boulan, E., and Salas, P. J. I.: Externai and internai aignals for epithelial cell aurface polarization. Ann. Rev. Physiol., 51:741,1989. Schachter, D.: Fluidity and function of hepatocyte plasma membranea. He- patology, 4:140, 1984. Sowers, A. E. (ed.): Cell Fusion. New York, Plenum Publishing Corp., 1987. Thomas, K. A.: Fibroblaat growth factors. FASEB J., 1:434, 1987. van der Laarse, W. J., et ai.: Energetics at the single cell levei. News in PhyBiol. Sei., 4:91,1989. Wade, J. B.: Role of membrane fusion in hormonal regulation of epithelial transport. Ann. Rev. Physiol., 48:213, 1986. Wall, D. A., and Maack, T.: Endocytic uptake, transport, and catabolism of proteins by epithelial cells. Am. J. Phyaiol., 24&C12, 19S5. Wheatley, D. N.: On the possible ímportance of an intracellular circulation. Life-Sci., 36:299, 1985. WilHngham, M. C, and Pastan, I.: Endocytosia and exocytosia: Current concepts of veaicle traffic in animal cells. Int. Rev. Cytol., 92:51, 1984. 21 CAPÍTULO 3 Controle Genético da Síntese de Proteínas, do Funcionamento e da Reprodução Celular Virtualmente todas as pessoas sabem que os genes controlam a hereditariedade dos pais aos filhos, mas a maioria das pessoas não compreende que esses mesmos genes controlam a reprodução e o funcionamento dia-a-dia das células. Os genes controlam o funcionamento celular ao determinarem quais as substâncias que serão sintetizadas pela célula — que estruturas, quais enzimas, quais compostos químicos. A Fig. 3.1 mostra um esquema geral do controle genético. Cada gene, que é um ácido nucléico, chamado de ácido desoxirribonucléico (ADN), controla, automaticamente, a formação de outro ácido nucléico o ácido ribonucléico (ARN), que se difunde por toda a célula e controla a formação de proteínas específicas. Algumas dessas proteínas são proteínas estruturais que, associadas a diversos lipídios e carboidratos, formam a estrutura de muitas das organelas discutidas no Cap. 2. Mas, de longe, as proteínas são, em sua maioria, enzimas que catalizam as diferentes reações químicas que ocorrem nas células. Por exemplo, as enzimas promovem as reações oxidativas que fornecem energia para as células e, também, promovem a síntese de diversos compostos químicos, tais como lipídios, glicogênio, trifosfato de adenosina (ATP) etc. Para a formação de cada proteína celular, só existe, em geral, um par de genes em cada célula. Tem sido estimado que as células humanas teriam mais de 100.000 desses pares de genes, o que significa que até 100.000 proteínas diferentes podem ser formadas nas diferentes células, embora não todas por uma mesma célula, por razões que serão discutidas adiante neste capítulo. Fig. 3.1 Esquema geral de como os genes controlam o funcionamento OS GENES Grande número de genes — ligados entre si, formando uma fileira — fica contido em moléculas de ADN, formadas por filamentos duplos helicoidais, cujo peso molecular é medido em bilhões. Um segmento muito curto de uma dessas moléculas é mostrado na Fig. 3.2. Essa molécula é formada por vários compostos químicos simples, dispostos segundo um padrão regular que é explicado nos parágrafos seguintes. As unidades básicas do ADN. A Fig. 3.3 mostra os compostos químicos básicos que participam na formação do ADN. Esses compostos incluem (1) ácido fosfórico. (2) um açúcar, chamado desoxirribose, e (3) quatro bases nitrogenadas (duas purinas, adenina e guanina, e duas pirimidinas, timina e citosina). Os dois filamentos helicoidais são formados pelo ácido fosfórico e pela desoxirribose, representando o arcabouço da molécula do ADN, enquanto as bases ficam entre os dois filamentos, ligando-os. Os nucleotídios. A primeira etapa na formação do ADN é a combinação de uma molécula de ácido fosfórico, uma molécula de desoxirribose e uma molécula de uma das quatro bases, para compor um nucleotídio. Dessa forma, são formados quatro nucleotídios, um para cada uma das bases: ácidos desoxiadenílico, desoxitimidílico, desoxiguanílico e desoxicitidílico. celular. A Fig. 3.4 apresenta a estrutura química do ácido adenílico, enquanto a Fig. 3.5 mostra os símbolos simples que representam os quatro nucleotídios básicos do ADN. Organização dos nucleotídios para formar o ADN. A Fig. 3.6 mostra o modo pelo qual números múltiplos de nucleotídios se combinam para formar o ADN. Note-se que essa combinação ocorre de modo tal que o ácido fosfórico e a desoxirribose ocupam posições alternadas nos dois filamentos, e esses filamentos são unidos entre si por ligações fracas Fig. 3.2 A estrutura helicoidal de dois filamentos do gene. Os filamentos externos são formados por ácido fosfórico e pelo açúcar desoxirribose. As moléculas internas unindo os dois filamentos da hélice são bases de purina e de pirimidina; elas determinam o "código" do gene. 22 Fig 3.4 O ácido desoxiadenílico, um dos que compõem o ADN. Fig. 3.3 As unidades básicas do ácido desoxirribonucléico (ADN). Fig. 3.5 Combinações das unidades básicas do ADN, para formar os nucleotídios. ({P = ácido fosfórico; D = desoxirribose.) As quatro bases dos nucleotídios são A (adenina); T" (timina); G (guanina); e C(citosina). Esses quatro tipos de nucleotídios formam o ADN. entre as bases de purina e de pirimidina. Mas deve ser cuidadosamente notado que: 1. a base purina adenina sempre se liga à base pirimidina timina, e 2. a base purina guanina sempre se liga à base pirimidina ciíosina. Assim, na Fig. 3.6, a seqüência dos pares complementares de bases é CG, CG, GC, TA, CG, TA.GC, AT e AT. Contudo, essas bases são interligadas por pontes de hidrogênio muito fracas, representadas na figura por linhas tracejadas. Devido à fraqueza dessas ligações, os dois filamentos podem separar-se facilmente, e o fazem durante o curso de seu funcionamento na célula. Agora, para colocar o ADN em sua perspectiva física adequada, basta que as duas extremidades sejam apanhadas e torcidas, para formar uma hélice. Em cada volta completa da hélice da molécula de ADN existem 10 pares de nucleotídios, como mostrado na Fig. 3.2. O CÓDIGO GENÉTICO A importância do ADN reside em sua capacidade de controlar a formação de outras substâncias pela célula. Isso é realizado por meio do chamado código genético. Quando os dois filamentos da molécula de ADN são separadas, as bases de purina e de pirimidina ficam expostas. pois se projetam lateralmente de cada filamento. São essas bases proeminentes que formam o código. Estudos experimentais, realizados nos últimos anos, demonstraram que o código genético é composto de "trincas" (triptets) sucessivas de bases — isto é, o grupo de três bases em seqüência forma uma palavra do código. As trincas sucessivas controlam, eventualmente, a seqüência dos aminoácidos de uma molécula de proteína, durante sua síntese na célula. Note-se, na Fig. 3.6, que cada filamento da molécula de ADN tem seu próprio código genético. Por exemplo, o filamento superior tem, da esquerda para a direita, o código genético GGC, AGA e CTT, as trincas estando separadas por setas. Ao se acompanhar esse código genético nas Figs. 3.7 e 3.8 será notado que essas três trincas são responsáveis pela colocação sucessiva dos três aminoácidos, prolina, serina e ácido glulâmico, na molécula de proteína. ARN— O PROCESSO DE TRANSCRIÇÃO Dado que quase todo o ADN fica no núcleo da célula e, todavia, a maior parte do funcionamento celular ocorre no citoplasma, deve existir algum meio para que os genes do núcleo possam controlar as reações 23 Químicas no citoplasma. Isso é realizado pela intermediação de outro tipo de ácido nucléico, o ARN, cuja formação é controlada pelo ADN do núcleo. Nesse processo, o código ê transferido para o ARN, o que é chamado de transcrição. O ARN, então, difunde-se do núcleo, passando pelos poros nucleares, para o compartimento citoplasmático, onde controla a síntese de proteína. Síntese de ARN Durante a síntese do ARN, os dois filamentos do ADN se separam durante certo tempo: em seguida, um dos filamentos é usado como molde para a síntese das moléculas de ADN. As trincas do código do ADN promovem a formação de trincas complementares do código no ARN (chamadas códons); esses códons, por sua vez, controlam a seqüência dos aminoácidos de uma proteína que vai ser, subseqüentemente, sintetizada no citoplasma. Quando um filamento de ADN é usado dessa maneira para a formação do ARN, o outro filamento permanece inativo. Cada filamento de ADN em um cromossoma é molécula tão grande que pode conter o código para 4.000 genes em média. As unidades básicas do ARN. As unidades básicas do ARN são as mesmas do ADN, exceto por duas diferenças. Primeiro, o açúcar desoxirribose não faz parte do ARN, Em seu lugar, existe outro açúcar, com composição ligeiramente diferente, a ribose. Segundo, a timina é substituída por outra pirimidina, o uracit. Formação dos nucleotídios do ARN. Inicialmente, as unidades básicas do ARN formam nucleotídios de forma idêntica à descrita acima para a síntese do ADN. Também aqui, quatro nucleotídios são usados na formação do ARN. Esses nucleotídios contêm as bases adenina, guanina, áiosina e uracii. Note-se que essas são as mesmas bases do ADN, exceto pelo uracil substituir a timina. Ativação dos nucleotídios. A etapa seguinte na síntese do ARN é a ativação dos nucleotídios. Isso ocorre pela incorporação de dois radicais fosfato a cada nucleotídio, do que resulta a formação de trifosfatos. Esses dois últimos radicais fosfato são unidos ao nucleotídio por ligações fosfato de alia energia, derivadas do ATP da célula. O resultado desse processo de ativação é que grandes quantidades de energia ficam disponíveis para cada nucleotídio, e essa energia é usada para promover as reações químicas subseqüentes, do que resulta a formação da cadeia de ARN. Montagem da molécula de ARN a partir de nucleotídios ativados, usando o filamento de ADN como molde — o processo de "transcrição". A montagem da molécula de ARN é mostrada na Fig. 3.7, sob a influência da enzima ARNpolimemse. Esta é uma enzima muito grande e apresenta muitas propriedades funcionais, necessárias para a formação da molécula de ARN. Essas propriedades funcionais são as seguintes: 1. No filamento de ADN, imediatamente antes do gene inicial. existe uma seqüência de nucleotídeos, chamada de promotor. A ARN polimerase contém uma estrutura complementar apropriada, que reconhece esse promotor e se liga a ele. Esta é a etapa essencial para a formação da molécula de ARN. 2. Uma vez que a ARN polimerase tenha-se ligado ao promotor. ela faz com que cerca de duas voltas da hélice de ADN se destorçam e, em seguida, se separem. 3. Após isso, a ARN polimerase passa ao longo do filamento de ADN, temporariamente destorcendo e separando os filamentos de ADN a cada estágio de sua passagem. Conforme passa, ela vai formando a molécula de ARN pelas seguintes etapas; 4. Primeiro, provoca a formação de pontes de hidrogênio entre as bases sucessivas do filamento de ADN e as bases dos nucleotídios complementares presentes no nucleoplasma. 5. Em seguida, e um de cada vez, a ARN polimerase remove dois dos três radicais fosfato de cada um dos nucleotídios do ARN, liberando Base do ARN grandes quantidades de energia das ligações fosfato de alta energia que são rompidas; essa energia é usada na formação de ligações covalentes entre o radical fosfato restante no nucleotídio com a ribose da extremidade crescente da molécula de ARN. 6. Quando a ARN polimerase atinge o fim do gene ou grupo de genes, ela encontra nova seqüência de nucleotídios do ADN, chamada de seqüência de terminação da cadeia; isso faz com que a ARN polimerase se afaste do filamento de ADN. Em seguida, essa polimerase pode prender-se a outro trecho do mesmo ou de outro filamento de ADN, podendo ser usada repetidamente na formação de novas moléculas de ARN. 7. Conforme o novo filamento de ARN é formado, suas pontes de hidrogênio com o molde de ADN são rompidas, porque o filamento complementar de ADN tem energia de ligação, o que força o afastamento do novo filamento de ARN e promove a reunião dos dois filamentos de ADN. Como resultado, a molécula de ARN fica solta no núcleo plasma. Deve ser lembrado que existem quatro tipos distintos de bases do ADN e, também, quatro tipos distintos de bases nucleotídicas de ARN. Ainda mais, essas bases só interagem entre si por combinações específicas. Portanto, o código presente no filamento de ADN é transmitido, sob forma complementar, para a molécula de ARN. As bases dos nucleotídios de ribose se combinam com as bases dos de desoxirribose da seguinte forma: Base do ADN guanina citosina adenina timina .............................................................................. ............................................................................ .............................................................................. ............................................................................ citosina guanina uracii adenina Após a liberação das moléculas de ARN no nucleoplasma, elas ainda devem passar por processamento adicional, antes de ir para o citoplasma. A razão disso é que o ARN recém-transcrito contém muitas seqüências indesejáveis de nucleotídios de ARN. Alguns deles ocorrem nas duas extremidades do filamento de ARN e muitos outros ficam no meio do filamento; esse material indesejável constitui, provavelmente, mais de 9H% de todo o filamento. Felizmente, várias enzimas do nucleoplasma apresentam a capacidade de remover essas seqüências indesejáveis e, em seguida, de juntar os segmentos que sobraram, processo chamado de recomposição do ARN (ARN-splicing). Após isso, o ARN fica pronto para ser usado na formação de proteína. Existem três tipos distintos de ARN, cada um com papel independente e completamente diferente na formação das proteínas. Fig. 3.7 Combinação dos nucleotídios de ribose com um filamento de ADN para formar uma molécula de ácido ribonucléico (ARN) que transfere o código do ADN do gene para o citoplasma. A ARN polimerase se desloca ao longo do filamento de ADN e constrói a molécula de ARN. 24 Fig. 3.8 Parte da molécula de ácido ribonucléico,'mostrando três palavras do "código", CCG, UCU e GAA, que representam os três aminoácidos prolina, serina e ácido glutâmico. Esses tipos são: 1. ARN mensageiro, que transporta o código genético até o citoplasma, para o controle da formação das proteínas; 2. ARN transportador, que transforma os aminoácidos ativados até os ribossomas, onde vão ser usados na montagem das moléculas de proteínas; e 3. ARN ribossômico, que, junto com cerca de 75 proteínas diferentes, formam os ribossomas, as estruturas físicas e químicas onde ocorre realmente a montagem das moléculas de proteína. O ARN MENSAGEIRO — OS "CÓDONS" As moléculas de ARN mensageiro são longos filamentos simples de ARN que existem em suspensão no citoplasma. Essas moléculas são formadas por centenas a milhares de nucleotídios, dispostos em filamento único, contendo os códons que são exatamente complementares às trincas do código dos genes. A Fig. 3.8 mostra pequeno segmento da molécula de ARN mensageiro. Seus códons são CCG, UCU e GAA. Esses são os códons para os aminoácidos prolina, serina e ácido glutâmico. A transcrição desses códons é mostrada na Fig. 3.7. Os códons do ARN para os diferentes aminoácidos. O Quadro 3.1 apresenta os códons do ARN para os 20 aminoácidos encontrados nas moléculas de proteína. Note-se que a maioria desses aminoácidos é representada por mais de um códon; também, existe um códon sinalizando "comece a produzir uma molécula de proteína", e três códons sinalizando "pare de produzir a molécula de proteína". No Quadro 3.1, esses dois tipos de códons são designados como Cl (início da cadeia) e CT (término da cadeia). O ARN TRANSPORTADOR — OS "ANTICÓDONS" Outro tipo de ARN com papel essencial na síntese de proteínas é chamado ARN transportador, por transportar as moléculas de aminoácidos até as moléculas de proteína ã medida que essa proteína está Quadro 3.1 Códons do ARN para os diferentes aminoácidos e para o começo e fim Aminoácido Ácido aspártico Ácido glutãmico Alanína Arginina Asparagina Cisteína Fenilalanina Glicina Glutamina Histidina Isoleucina Leucina Usina Metionina Prolina Serina Tirosina Treonina Triptofano Valina Começo (Cl) Fim (CT) sendo sintetizada. Cada tipo de ARN transportador se combina, especificamente, com um dos 20 aminoácidos que podem ser incorporados às proteínas. O ARN transportador atua, assim, como um carreador para o transporte de tipo específico de aminoácido até os ribossomas, onde estão sendo formadas as moléculas de proteína. Nos ribossomas, cada tipo específico de ARN transportador reconhece determinado códon no ARN mensageiro, como descrito a seguir, e, portanto, entrega o aminoácido adequado no local apropriado da cadeia da molécula de proteína em formação. O ARN transportador, contendo cerca de 80 nucleotídios, é molécula relativamente pequena, em comparação com o ARN mensageiro. Ele é uma cadeia dobrada em forma de folha de trevo, semelhante à mostrada na Fig. 3.9. Uma das extremidades da molécula sempre contém ácido adenílico; é nessa extremidade que o aminoácido transportado se fixa ao radical hidroxila da ribose do ácido adenílico. Enzima específica provoca essa fixação para cada tipo de ARN transportador; essa mesma enzima também determina que tipo de aminoácido vai fixar-se ao tipo respectivo de ARN transportador. Como a função do ARN transportador c a de produzir a fixação de aminoácido específico à cadeia em formação da proteína, é essencial que cada tipo de ARN transportador também possua especificidade para um códon determinado do ARN mensageiro. O código específico do ARN transportador, que permite seu reconhecimento de um códon específico é, de novo, uma trinca de bases nucleotídicas, chamada de anticódon. Essa trinca fica localizada, aproximadamente, no meio da molécula do ARN transportador (na pane mais inferior da estrutura em forma de folha de trevo mostrada na Fig. 3.9). Durante a formação de uma molécula de proteína, as bases do anticódon se fixam fracamente, por meio de pontes de hidrogênio, com as bases dos códons do ARN mensageiro. Desse modo, os aminoácidos correspondentes são alinhados, um após outro, ao longo da cadeia de ARN mensageiro, o que estabelece a seqüência apropriada de aminoácidos da molécula de proteína. O ARN RIBOSSÔMICO O terceiro tipo de ARN na célula é ARN ribossômico; constitui cerca de 60% dos ribossomos. O restante do ribossomo é formado por proteína, contendo cerca de 75 tipos diferentes de proteínas, tanto proteínas estruturais como enzimas necessárias para a produção de moléculas de proteína. O ribossomo é a estrutura química do citoplasma onde vai, efetivamente, ocorrer à síntese de proteínas. Contudo, sempre atua em associarão com os dois outros tipos de ARN: o ARN transportador carreia os aminoácidos até os ribossomos, para serem incorporados à molécula de proteína em formação, enquanto o ARN mensageiro fornece a informação necessária para o sequenciamento dos aminoácidos, na ordem correta para cada tipo de proteína que vai ser formada. Os ribossomas de células nucleadas são formados por duas subunidades físicas, denominadas subunidade pequena, contendo uma molécula de ARN e 33 proteínas, e a subunidade grande, com três ARNs e mais de 40 proteínas. Códons do ARN GAU GAA GCU CGU AAU UGU UUU GGU CAA CAU AUU CUU AAA AUG CCU UCU UAU ACU UGG GUU AUG UAA GAC GAG GCC CGC AAC UGC UUC GGC CAG CAC AUC CUC AAG GCA CGA GCG CGG GGA GGG AUA CUA CCC UCC UAC ACC GUC UAG AGA AGG CUG UUA UUG CCA UCA CCG UCG AGC AGU ACA ACG GUA GUG UGA Fig. 3.9 Mecanismo de como uma molécula de proteína é formada nos ribossomas, em associação com o ARN mensageiro e o ARN transportador. 25 Embora só se tenha conhecimento parcial do mecanismo da síntese de proteínas pelos ribossomas, é sabido que o ARN mensageiro e o ARN transportador se complexam, inicialmente, com a subunidade pequena. Em seguida, a subunidade grande fornece a maioria das enzimas que promovem a formação das ligações peptídicas entre os aminoácidos sucessivos. Dessa forma, os ribossomas funcionam como uma fábrica, onde são produzidas as moléculas de proteína. Formação dos ribossomas no nucléolo. Os genes do ADN para a formação de ribossomas ficam localizados em cinco pares diferentes de cromossomas no núcleo e cada cromossoma contém muitas duplicatas desses genes, devido à grande quantidade de ARN ribossômico que é necessária para o funcionamento celular. À medida que o ARN ribossômico é formado, ele se acumula no nucléolo, estrutura especializada situada ao lado dos cromossomas. Quando grandes quantidades de ARN ribossômico estão sendo formadas, o nucléolo aparece como uma grande estrutura, enquanto, nas células que sintetizam quantidades muito pequenas de proteína, o nucléolo pode ser inaparente. O ARN ribossômico é especificamente processado no nucléolo e combinado a "proteínas ribossômicas" para formar condensações granulares que são as subunidades primordiais dos ribossomas. Essas subunidades são, então, liberadas pelo nucléolo e transportadas, através dos grandes poros do envelope nuclear, para quase todas as partes do citoplasma. Só após essas subunidades terem chegado ao citoplasma é que são unidas para formar os ribossomas adultos e funcionais. Por conseguinte, as proteínas não são formadas no núcleo, pois o núcleo não contém ribossomas maduros. FORMAÇÃO DAS PROTEÍNAS NOS RIBOSSOMAS — O PROCESSO DE "TRADUÇÃO" Quando uma molécula de ARN mensageiro entra em contato com um ribossoma, ele a percorre em toda sua extensão, a partir de extremidade predeterminada da molécula de ARN, que é especificada por uma seqüência apropriada de bases do ARN. Em seguida, como mostrado na Fig. 3.9, enquanto o ARN mensageiro passa pelo ribossoma. é formada a molécula de proteína — um processo chamado de tradução. Nele, o ribossoma lê o código do ARN mensageiro, da mesma forma como uma fita é "lida11 ao passar pela cabeça de reprodução do toca-fitas. Então, quando é atingido o códon de término (ou de "término da cadeia"), é sinalizado o fim da molécula de proteína que é liberada no citoplasma. Polirribussomas. Uma só molécula de ARN mensageiro pode formar moléculas de proteína em diversos e diferentes ribossomas ao mesmo tempo, com o filamento de ARN passando ao ribossoma seguinte a medida que sai do anterior, como mostrado na Fig. 3.9. Obviamente, as moléculas de proteína estarão em etapas diferentes de formação em cada ribossoma. Como resultado, existem, freqüentemente, grupos de ribossomas com cerca de 3 a 10 ribossomas presos ao mesmo tempo à mesma molécula de ARN mensageiro, Esses grupos de ribossomas são chamados de pofirribossomas. Deve ser especialmente notado que um ARN mensageiro pode promover a formação de molécula de proteína em qualquer ribossoma, por não existir qualquer especificidade do ribossoma para determinado tipo de proteína. O ribossoma é simplesmente, a estrutura onde ocorrem às reações químicas. Fixação dos ribossomas ao retículo endoplasmático. No capítulo anterior, foi notado que muitos ribossomas ficam presos ao retículo endoplasmático. Isso só ocorre após os ribossomas terem iniciado a formação das moléculas de proteína. Essa fixação acontece porque as extremidades iniciais de algumas moléculas de proteína contêm seqüências de aminoácidos que se fixam, imediatamente, a sítios receptores específicos do retículo endoplasmático; isso permite que essas moléculas atravessem a parede do retículo, atingindo sua matriz. Isso ocorre enquanto a molécula de proteína ainda está sendo formada no ribossoma, o que puxa o ribossoma para o retículo endoplasmático, do que resulta a aparência "granular" desse retículo. A Fig. 3.10 apresenta a relação funcional do ARN mensageiro com o ribossoma e, também, o modo como esse ribossoma se fixa à membrana do retículo endoplasmático. Note-se que o processo de tradução está ocorrendo em diversos ribossomas ao mesmo tempo, em resposta a um só filamento de ARN mensageiro. E também deve ser notado que as cadeias polipeptídicas recém-formadas passa através da membrana do retículo endoplasmático para atingir sua matriz. Todavia, também deve ser notado que, exceto em células glandulares, formadoras de grande número de vesículas secretórias contendo proteínas, a maioria das proteínas formadas nos ribossomas é liberada diretamente no citosol. Essas são as enzimas e as proteínas estruturais da célula. Etapas químicas da síntese de proteínas. Algumas das reações químicas que ocorrem durante a síntese de moléculas de proteína são mostradas na Fig. 3.11. Essa figura mostra as reações representativas para três aminoácidos distintos, AA2, AA2 e AA3. As etapas dessas reações são as seguintes: (1) cada aminoácido é ativado por um processo químico onde o ATP se combina com o aminoácido para formar um complexo de monofosfato de adenostna com aminoácido, rompendo duas ligações fosfato de alta energia; (2) o aminoácido ativado, contendo excesso de energia, combina-se, então, com seu ARN transportador especifico, para formar um complexo aminoácido-ARNt, liberando, ao mesmo tempo, o monofosfato de adenosina; (3) o ARN transportador, carreando o aminoácido complexado, entra, em seguida, em contato com a molécula de ARN mensageiro no ribossoma, o que situa seu aminoácido na seqüência correta para a formação da molécula de proteína. Então, sob a influência da enzima peptidiltransferase, uma das proteínas do ribossoma, são formadas ligações peptídicas entre os aminoácidos sucessivos, o que, progressivamente, alonga a cadeia da proteína. Essas etapas químicas exigem a energia de duas ligações fosfato de alta energia, o que eleva para quatro o total de ligações fosfato de alta energia necessárias à incorporação de um aminoácido na cadeia de proteína. Dessa forma, a síntese de proteína é um dos processos com maior consumo de energia da célula. Ligação peptídica. Os aminoácidos sucessivos da cadeia de proteínas são unidos entre si segundo a reação típica: Nesta reação química, um radical hidroxila é removido da COOH de um aminoácido, enquanto um hidrogênio é removido do radical NH; do outro. O que é removido forma água e os dois sítios reativos dos Fig. 3.10 Concepção artística da estrutura dos ribossomas e de sua relação funcional com o ARN mensageiro, com o ARN transportador e com o retículo endoplasmático, durante a formação de moléculas de proteína. (De Bloom e Fawcett: A Textbook of Histology. 10. ed. Philadelphia, W.B SaundeTS Co., 1975.) 26 e o outro é chamado de regulação enzimática, responsável pelo controle do nível da atividade das enzimas na célula. REGULAÇÃO GENÉTICA Fig. 3.11 Eventos químicos na formação de uma molécula de proteína. dois aminoácidos sucessivos reagem entre si, do que resulta a formação de uma só molécula. Esse processo é chamado de ligação peptídica. SÍNTESE DE OUTRAS SUBSTÂNCIAS PELA CÉLULA Os muitos milhares de enzimas protéicas formadas pelo mecanismo descrito acima controlam, em essência, todas as demais reações químicas que ocorrem nas células. Essas enzimas promovem a síntese de lipídios, glicogênio, purinas, pirimidinas e centenas de outras substâncias. Muitos desses processos sintéticos, relacionados ao metabolismo dos carboidratos, lipídios e proteínas, são discutidos nos Caps. 67 a 69. É por meio dessas diferentes substâncias que são realizadas muitas das funções celulares. CONTROLE DA FUNÇÃO GENÉTICA E DA ATIVIDADE BIOQUÍMICA DAS CÉLULAS Do que foi discutido até aqui, fica claro que os genes controlam tanto o funcionamento físico como o químico das células. Contudo, a ativação dos próprios genes também deve ser controlada; de outro modo, algumas partes da célula poderiam crescer excessivamente ou algumas reações químicas poderiam ocorrer de modo desmesurado, podendo matar a célula. Felizmente, cada célula é dotada de potentes mecanismos internos de controle por feedback que mantêm as diversas operações funcionais da célula em ritmo e intensidade adequados entre si. Para cada gene ou para cada pequeno grupo de genes (100.000 no total) existe, pelo menos, um desses mecanismos de feedback. Os menores vírus têm contribuído imensamente para a nossa compreensão do funcionamento celular, por terem dimensões suficientemente pequenas para permitir que os biólogos elucidem quase que os detalhes mais precisos de seu funcionamento, molécula a molécula. Em um nível pouco mais alto, as bactérias também são muito valiosas, em especial a bactéria Escherichia coli, muito abundante nas fezes. A maior parte do que vai ser discutido nas páginas que se seguem foi aprendida por experimentos com essas formas mais inferiores de vida. Infelizmente, contudo, a célula nucleada é tão complexa que só agora se está começando a compreender os mecanismos especiais de controle que foram desenvolvidos por essa forma mais elevada de vida. Para exemplificar a diferença de complexidade entre a célula nucleada (chamada de eucarioto) e a célula não-nucleada (chamada de procariota), basta mencionar que o eucarioto do ser humano contém 1.000 vezes mais ADN que a bactéria E. Coli. Basicamente, existem dois métodos diferentes para o controle das atividades bioquímicas da célula. Um deles é chamado de regulação genética, responsável pelo controle das atividades dos próprios genes, O opéron do procariota e seu controle da síntese bioquímica — a função do "promotor". A síntese de produto bioquímico celular exige, geralmente, uma série de reações, e cada uma dessas reações é catalisada por enzima protéica especial. A formação de todas as enzimas necessárias para os processos sintéticos é, muitas vezes, controlada por uma seqüência de genes, localizados em série, um após outro, no mesmo filamento de ADN cromossômico. Esse trecho do filamento de ADN é denominado opéron, e os genes responsáveis pela formação da enzima respectiva são chamados de genes estruturais. Na Fig. 3.12, são mostrados três genes estruturais em um opéron e vê-se que eles controlam a formação de três enzimas específicas, usadas em determinado processo de síntese bioquímica. Agora, deve ser notado na figura o segmento do filamento de ADN designado promotor. É formado por uma série de nucleotídios que têm afinidade específica pela ARN polimerase, como já discutido. A polimerase deve fixar-se a esse promotor antes que possa percorrer o filamento de ADN para sintetizar o ARN. Portanto, o promotor é o elemento essencial na ativação do opéron. Controle do opéron por "proteína repressora" - o "operador repressor". Também deve ser notada na Fig. 3.12 a faixa adicional de nucleotídios situada no meio do promotor. Essa região é chamada de operador repressor porque uma proteína repressora pode fixar-se a ela e impedir a fixação da ARN polimerase ao promotor, o que impede a transcrição dos genes. Proteína reguladora desse tipo é chamada de proteína repressora. Contudo, cada proteína reguladora repressora existe, em geral, sob duas formas alostéricas, uma capaz de se prender ao operador e reprimir a transcrição e outra que não se fixa. Isto é, por exemplo, uma das formas pode ser uma proteína linear, enquanto a outra pode ser dobrada no meio. Apenas uma dessas formas pode reprimir o operador. Por sua vez, diversas substâncias não-protéicas da célula, como determinados metabólitos celulares, podem combinar-se com essa proteína repressora, alterando sua forma. A substância que ao se combinar com a proteína repressora modifica sua forma, fazendo-a capaz de se combinar com o operador e, assim, de interromper a transcrição, é chamada de substância repressora ou substância inibidora. Por outro lado, a substância que ao se combinar com a proteína repressora altera sua forma, tornando-a incapaz 6e se fixar ao operador, é chamada de substância ativadora ou substância indutora, pois ela ativa — ou induz — o processo da transcrição pela remoção da proteína repressora. Para ilustrar o controle da transcrição gênica por proteína repressora, basta um exemplo, O sacarídio lactose não está, nas condições usuais, disponível para a bactéria E.coli, como substrato alimentar. Por conseguinte, geralmente a bactéria não vai sintetizar as enzimas necessárias à degradação metabólica da lactose. Todavia, quando está disponível, a lactose induz alteração conformacional alostérica em proteína repressora, fazendo com que ela abandone sua fixação em operador repressor Fig. 3.12 Funcionamento do opéron no controle da biossíntese. Notar que o produto sintetizado exerce feedback negativo; inibidor do funcionamento do próprio opéron e, desse modo, controlando automaticamente a concentração do produto sintetizado. 27 do opéron que transcreve para as enzimas metabólicas necessárias. Como resultado, o opéron fica desreprimido e, dentro de poucos minutos, as enzimas adequadas estão presentes na bactéria para produzir a degradação da lactose. Em seguida, à medida que o teor de lactose na célula começa a baixar, a intensidade da síntese enzimática começa a diminuir até retornar ao nível adequado à disponibilidade inicial de lactose. Assim, fica evidente a lógica da existência de tais sistemas reguladores na célula. Controle do opéron por uma "proteína ativadora" — o "operador ativador". Note, agora, na Fig. 3.12, outro operador, chamado de operador ativador, situado ao lado mas à frente do promotor. Quando uma proteína reguladora se fixa a esse operador, ela ajuda a atrair a ARN polimerase para o promotor, ativando. assim, o promotor. Por conseguinte, uma proteína reguladora desse tipo é chamada de proteína atiradora. O opéron pode ser ativado ou inibido, por meio do operador ativador, por mecanismo exatamente oposto ao do controle pelo operador repressor. Controle por feedback negativo do opéron. Finalmente, deve ser notado na Fig. 3.12 que a presença de quantidade crítica de um produto sintetizado na célula pode provocar inibição, por feedback negativo, do opéron responsável por sua síntese. Isso pode ocorrer por fazer com que proteína reguladora repressora se fixe ao operador repressor ou por fazer com que a proteína reguladora ativadora quebre sua ligação com o operador ativador. Nos dois casos, o opéron fica inibido. Portanto, uma vez que o produto necessário que é sintetizado atinja qualidade suficientemente abundante, o opéron fica inativado. Por outro lado. quando esse produto sintetizado é degradado na célula, com baixa de sua concentração, o opéron volta a ficar ativo. Dessa forma, a concentração desse produto é controlada automaticamente. Outros mecanismos para o controle da transcrição pelo opéron. Foram identificadas, com muita rapidez, nos últimos anos diversas variantes do mecanismo básico de controle do opéron. Sem entrar em detalhes, podemos enumerar algumas delas: 1. Um opéron é, muitas vezes, controlado por gene regulador localizado em outro ponto do complexo genético do núcleo. Isto é, o gene regulador causa a formação de proteína reguladora que, por sua vez, atua como substância ativadora ou repressora, para controlar o opéron. 2. Ocasionalmente, muitos e diferentes opérons são controlados, ao mesmo tempo, pela mesma proteína reguladora. Em alguns casos, a mesma proteína reguladora atua como ativadora para um opéron e repressora para outro. Quando diversos opérons são controlados simultaneamente dessa maneira, todos os opérons que atuam em conjunto formam um reguton. 3. Alguns opérons são controlados não ao nível de seu ponto inicial de transcrição no filamento de ADN, mas, pelo contrário, em ponto mais adiante desse filamento. Por vezes, esse controle não ocorre no próprio filamento de ADN, mas, sim, durante o processamento das moléculas de ARN no núcleo, antes de serem liberadas no citoplasma; ou, raramente, o controle pode ocorrer ao nível da tradução do ARN pelos ribossomas. 4. Nos eucariotos, o ADN nuclear fica restrito a unidades estruturais específicas, chamadas cromossomas. E, no interior de cada cromossoma, o ADN ocorre enrolado em torno de pequenas proteínas, chamadas historias, que, por sua vez, são ainda mais compactadas por outras proteínas. Enquanto o ADN está nesse estado compactado, ele não pode atuar para formar ARN. Contudo, múltiplos mecanismos de controle estão sendo identificados, capazes de fazer com que trechos selecionados do cromossoma sejam descompactados, região após região, de modo a permitir a transcrição do ARN. Assim, no eucarioto, são usadas ordens de controle ainda mais elevadas para o estabelecimento da função celular adequada. Além disso, sinais vindos de fora da célula, como alguns hormônios, podem ativar regiões cromossômicas determinadas, o que produz o maquinário químico necessário para funções específicas. Devido à existência de até 100.000 genes diferentes em cada célula humana, o grande número de modos como a atividade genética pode ser controlada não é surpreendente. Os sistemas de controle genético são especialmente importantes para a regulação das concentrações intracelulares de aminoácidos, de derivados de aminoácidos e os substratos intermediários do metabolismo dos carboidratos, lipídios e proteínas. CONTROLE DA ATIVIDADE ENZIMÁTICA Além de controlarem o sistema regulador genético, algumas das enzimas intracelulares podem ser, por sua vez, controladas por ativadores ou inibidores intracelulares. Isso representa, portanto, uma segunda categoria de mecanismos que permitem o controle das funções bioquímicas celulares. Inibição enzimática. Algumas das substâncias químicas formadas nas células exercem efeito direto de feedback, ao inibirem os sistemas enzimáticos que as sintetizam. Quase sempre, o produto sintetizado atua sobre a primeira enzima da seqüência, e não nas enzimas subseqüentes, em geral se fixando diretamente a essa enzima e provocando alteração conformacional alostérica que a inativa. Pode ser facilmente reconhecida a importância da inativação da primeira enzima: isso impede o acúmulo de produtos intermediários que não vão ser utilizados. Esse processo de inibição enzimática é outro exemplo de controle por feedback negativo: é responsável pelo controle das concentrações intracelulares de alguns aminoácidos, purinas, pirimidinas, vitaminas e outras substâncias. Ativação enzimática. As enzimas que normalmente estão inativas ou que foram inativadas por alguma substância inibidora podem ser, muitas vezes, ativadas. Exemplo disso é a ação do monofosfato de adenosina cíclico (AMPc) produzindo a clivagem do glicogênio, com liberação de moléculas de glicose, para formar ATP rico em energia, como discutido no capítulo anterior. Quando a célula é depletada da maior parte de seu ATP, começa a ser formada grande quantidade de AMPc, como produto da degradação do ATP; a presença desse AMPc indica que as reservas celulares de ATP caíram a níveis muito baixos. Todavia, o AMPc ativa imediatamente a enzima degradadora do glicogênio, a fosforilase, liberando moléculas de glicose que são metabolizadas com muita rapidez, e sua energia é usada para a restauração das reservas de ATP. Assim, nesse caso, o AMPc atua como ativador enzimático e, por conseguinte, ajuda a regular a concentração intracelular de ATP. Outro exemplo interessante de ativação e de inibição enzimática ocorre na formação das purinas e das pirimidinas. Essas substâncias são demandadas pela célula, em quantidades aproximadamente iguais, para a síntese de ADN e de ARN. Quando as purinas são formadas, elas inibem as enzimas necessárias à formação adicional de purinas. Todavia, elas ativam as enzimas que vão participar da formação de pirimidinas Inversamente, as pirimidinas inibem as enzimas necessárias à sua própria formação, enquanto ativam as enzimas para formação de purinas. Desse modo, existe contínua interação cruzada entre os sistemas de síntese para essas duas substâncias, do que resultam quantidades quase iguais das duas, a qualquer momento, nas células. Para resumir, existem dois meios principais para a célula regular as proporções e concentrações adequadas dos diferentes constituintes celulares: (1) o mecanismo de regulação genética, e (2) o mecanismo da regulação enzimática Os genes tanto podem ser ativados como inibidos e, de igual modo, os sistemas enzimáticos também podem ser ativados ou inibidos. Com maior freqüência, esses sistemas reguladores atuam por meio de sistemas de controle por feedback que, continuamente, monitorizam a composição bioquímica das células, efetuando as correções que forem necessárias. Mas, por vezes, substâncias vindas de fora da célula (em especial, alguns dos hormônios que serão discutidos adiante, neste texto) também podem controlar as reações bioquímicas intracelulares, por ativarem ou inibirem um ou mais sistemas de controle intracelular. REPRODUÇÃO CELULAR A reprodução celular é outro exemplo do papel difuso e ubíquo que o sistema genético do ADN desempenha em todos os processos vitais. Os genes e seus mecanismos reguladores determinam as características de crescimento de todas as células e, também, se e quando essas células se dividirão para formar novas células. Desse modo, o todo importante sistema genético controla cada etapa do desenvolvimento do ser humano, desde a célula única do óvulo fertilizado até o corpo totalmente funcionante. Assim, se é que existe um tema central para a vida, ele é o sistema genético do ADN. O ciclo vital da célula. O ciclo vital de uma célula é o período de tempo que vai de uma reprodução celular até a seguinte. Quando as células de mamíferos não estão inibidas e se reproduzindo tão rapidamente quanto podem, esse ciclo vital dura de 10 a 30 horas. E terminado por uma série de eventos físicos distintivos, chamada mitose, do que resulta a divisão dessa célula em duas novas células filhas. Os eventos (ou etapas) da mitose estão representados na Fig. 3.13 e serão descritos adiante. A verdadeira fase de mitose, contudo, só dura 30 minutos, 28 Fig. 3.13 Etapas da reprodução celular. A, B e C, prófase; D, prometáfase; E, metáfase; F, anáfase; Ge H, teldfase. (Redesenhadode Mazia: How celta divide. Sei. Amer., 205:102, 1961. Copyright by Scientific American Inc. Todos os direitos reservados.) de modo que mais de 95% do ciclo vital, mesmo de células com reprodução rápida, são representados pelo intervalo entre mitoses sucessivas, e que é chamado de interfase. Na verdade, exceto em condições especiais de reprodução celular acelerada, fatores inibitórios inibem ou interrompem, quase sempre, o ciclo vital desinibido da célula. Por conseguinte, os ciclos vitais das diferentes células do corpo têm durações que variam entre o mínimo de 10 horas, para as células estimuladas da medula óssea, até o máximo de toda a sobrevida do corpo humano, para as células nervosas e musculares estriadas. REPLICAÇÃO DO ADN, A ETAPA INICIAL DA REPRODUÇÃO CELULAR Como ocorre para quase todos os eventos importantes da célula, a reprodução começa no próprio núcleo. A primeira etapa é a replicação (duplicação) de todo o ADN nos cromossomas. Só após isso ter ocorrido é que pode ter início a mitose. O ADN começa a ser duplicado cerca de 5 a 10 horas antes da mitose e termina dentro de 4 a 8 horas. O ADN só é duplicado uma vez, de modo que o resultado final é a formação de duas réplicas precisas de todo o ADN. Essas réplicas, por sua vez, vão ser o ADN das duas células filhas que vão ser formadas na mitose. Após a replicação do ADN, existe um período de 1 a 2 horas, antes que, abruptamente, comece a mitose. Contudo, mesmo durante esse breve período, já começam a ocorrer alterações preliminares que vão levar à mitose. Eventos químicos e físicos da replicação do ADN. O ADN é replicado de modo quase análogo à transcrição do ARN, a partir do ADN, exceto por algumas diferenças importantes: 1. Os dois filamentos de ADN de cada cromossoma são replicados, e não apenas um deles. 2. Os dois filamentos inteiros da hélice de ADN são replicados de uma ponta a outra e não apenas pequenos trechos de cada um como ocorre na transcrição de ARN pelos genes. 3. As principais enzimas para a replicação do ADN são um complexo enzimático, chamado ADNpolimerase, que é comparável à ARN polime- rase. Ele se fixa ao filamento molde de ADN e se desloca ao longo dele, enquanto outra enzima, ADN ligase, produz ligação entre os sucessivos nucleotídios entre si, usando ligações fosfato de alta energia para energizar essas ligações. 4. A formação de cada novo filamento de ADN ocorre, a um só tempo, em centenas de segmentos ao longo dos dois filamentos da hélice até que todo o filamento seja replicado. Então, as extremidades das subunidades são unidas entre si pela enzima ADN ligase. 5. Cada filamento recém-formado de ADN permanece fixado, por pontes de hidrogênio fracas, ao filamento original de ADN, que foi usado como molde. Por conseguinte, são formadas duas novas hélices de ADN que são cópias exatas uma da outra e que ainda permanecem enroladas entre si. 6. Dado que as hélices de ADN em cada cromossoma têm cerca de 6 cm de comprimento e apresentam milhões de voltas em cada hélice, seria impossível que as duas novas hélices de ADN que foram formadas se desenrolassem uma da outra, sem a assistência de mecanismo especial. Esse mecanismo depende de enzimas que, a determinados intervalos cortam a hélice longitudinalmente, produzem a rotação de cada segmento, o suficiente para provocar a separação e, em seguida, reformam a hélice. Desse modo, as duas novas hélices são desenroladas. Reparo e "revisão" do ADN. Durante o período de 1 hora, ou pouco mais, entre a replicação do ADN e o começo da mitose, ocorre período muito ativo de reparo e "revisão" dos filamentos de ADN. Isto é, onde quer que nucleotídios inadequados tenham sido unidos a nucleotídios do filamento molde original, enzimas especiais removem a área defeituosa e a substituem por nucleotídios complementares corretos. Isso é efetuado pelas mesmas ADN polimerases e ADN ligases que foram usadas no processo de replicação. Esse processo de reparo é chamado de revisão do ADN. Devido a esse reparo e revisão, o processo de transcrição quase nunca comete erros. Quando ocorre erro, ele é chamado de mutação; o que causará, por sua vez, a formação de proteína anormal pela célula, muitas vezes resultando em funcionamento irregular da célula e, por vezes, até em morte celular. Contudo, devido à precisão do processo de transcrição, já foi calculado que cada gene humano sofre mutação uma vez a cada 200.000 anos de vida humana. Não obstante, quando se pensa que existem 100.000 ou mais genes no genoma humano e que o período entre duas gerações sucessivas é de cerca de 30 anos, ainda poderiam ser esperadas até 10 mutações na passagem do genoma do genitor a seu filho. Felizmente, todavia, cada genoma humano é representado por dois conjuntos distintos de cromossomas com genes quase idênticos, de modo que um gene funcional de cada par está, quase sempre, disponível para a criança, apesar das mutações. OS CROMOSSOMAS E SUA REPLICAÇÃO As hélices de ADN no núcleo ficam contidas nos cromossomas. A célula humana contém 46 cromossomas dispostos em 23 pares. A maior parte dos genes nos dois cromossomas de cada par são idênticos ou quase idênticos entre si, de modo que é dito que, em geral, os diferentes genes também existem aos pares, embora, por vezes, isso não aconteça. No cromossoma, além do ADN, também existe grande quantidade de proteínas, grande parte delas sendo historias, moléculas pequenas com carga positiva. As histonas se dispõem em grande número de estruturas, em forma de bobinas, na parte central do cromossoma. Os segmentos sucessivos de cada hélice de ADN se enroscam, seqüencialmente, em torno dessas bobinas. Então, durante a mitose, essas bobinas sucessivas são empurradas, umas contra as outras, o que permite que a molécula de ADN, extremamente longa — com comprimento linear de 6 cm e peso molecular de cerca de 60 bilhões —, possa assumir a forma enrolada e dobrada do cromossoma mitótico, com comprimento de apenas alguns micrômetros, 1/10.000 do comprimento do ADN desenrolado. Os núcleos de histona têm provavelmente papel importante na regulação da atividade do ADN, visto que, enquanto o ADN estiver densamente enrolado, não pode funcionar como molde para a formação de ARN ou para a replicação de novo ADN. Ainda mais, algumas das proteínas reguladoras são capazes de descondensar o enrolamento do ADN nas histonas e permitir que pequenos segmentos formem, a cada vez, o ARN. Assim, essa é uma ordem mais superior de regulação do que os tipos que foram discutidos antes. Algumas proteínas não-histonas também são componentes impor- 29 tantes dos cromossomas, funcionando como proteínas estruturais cromossômicas e, em relação ao maquinário da regulação genética, como ativadoras, inibidoras e enzimas. A replicação dos cromossomas, em sua totalidade, ocorre durante poucos minutos, imediatamente após a replicação das hélices de ADN; as novas hélices de ADN captam novas moléculas de proteína, à medida que forem necessárias. Nessa etapa, os dois cromossomas recém formados são chamados de cromátides. Eles permanecem temporariamente unidos entre si (até o momento da mitose) no ponto chamado de centro-mero, localizado próximo ao centro de cada cromátide. MITOSE O processo pelo qual a célula se divide em duas novas células é chamado de micose. Desde que cada cromossoma tenha sido replicado para formar dois cromátides, a mitose ocorre, automaticamente, em cerca de 1 ou 2 horas. O aparelho mitótico. Um dos primeiros eventos da mitose ocorre no citoplasma, durante a fase final da interfase na fase inicial da prófase. nas ou perto das pequenas estruturas chamadas de centríolos. Como mostrado na Fig. 3.13, dois pares de centríolos ficam próximos um do outro, perto de um dos pólos do núcleo. (Esses centríolos, como o ADN e os cromossomas, foram replicados na interfase, em geral pouco antes da replicação do ADN.) Cada centríolo é estrutura cilíndrica e pequena, com cerca de 0,4 fim de comprimento e diâmetro de 0,15 fjm, formada principalmente por nove estruturas tubulares paralelas, dispostas em forma de cilindro. Em cada par, os centríolos ficam em ângulo reto entre si. Pouco antes do início da mitose, os dois pares de centríolos começam a se afastar. Isso decorre da polimerização sucessiva da proteína dos microtúbulos, o que os faz crescer entre os dois pares de centríolos, do que resulta seu afastamento. Ao mesmo tempo, outros microtúbulos crescem radialmente a partir de cada par de centríolos, formando uma estrela cheia de pontas, denominadas áster, em cada extremidade da célula. Algumas dessas pontas, ou espinhas, penetram no núcleo e participam na separação dos dois conjuntos de cromátides durante a mitose. O complexo de microtúbulos unindo os dois pares de centríolos é chamado de fuso, e todo o conjunto de microtúbulos, mais os dois pares de centríolos, constitui o aparelho mitótico. Prófase. A primeira etapa da mitose, denominada próftue, é mostrada na Fig. 3.13.A, B e C. Enquanto o fuso esta se formando, os cromossomas do núcleo, que na interfase são compostos de filamentos frouxamente enrolados, condensam-se em cromossomas bem-definidos. Prometáfase. Durante essa etapa (Fig. 3.13D), o envelope nuclear se rompe. Ao mesmo tempo, um novo conjunto de microtúbulos começa a crescer para fora, a partir de pequena região condensada de cada cromátide, chamada de cinetócoro, situada na face externa do centrômero, região de união dos dois cromátides. Esses novos microtúbulos, por sua vez, fixam-se ou interagem com os microtúbulos dos dois ásteres do aparelho mitótico, com um cromátide se fixando ao áster de uma das extremidades celulares, enquanto o outro se fixa ao áster da extremidade oposta. Metáfase. Durante a metáfase (Fig. 3.13E), os dois ásteres do aparelho mitótico são ainda mais afastados pelo crescimento adicional do fuso mitótico. Simultaneamente, os cromátides são intensamente tracionados, pelos microtúbulos fixados a eles, para o centro preciso da célula, onde se alinham para formar a placa equatorial do fuso mitótico. Anáfase. Durante essa fase (Fig. 3.13F), os dois cromátides de cada cromossoma são afastados um do outro ao nível do centrômero. O modo preciso de como isso é realizado pelo sistema microtubular ainda não é conhecido; contudo, sabe-se que os microtúbulos contêm actina, além de tubulina; a actina é uma das proteínas contrateis do músculo. Por conseguinte, foi presumido que os microtúbulos poderiam se contrair ou que os túbulos cromossômicos poderiam interagir de forma deslizante com os microtúbulos do áster, gerando a forma de tração. Independentemente do mecanismo, todos os 46 pares de cromátides são separados, formando dois conjuntos distintos de 46 cromossomas filhos. Um desses conjuntos é tracionado em direção a um dos ásteres mitóticos e o outro em direção ao áster do pólo oposto da célula em divisão. Telófase. Na telófase (Fig. 3.13Ge H), os dois conjuntos de cromossomas filhos já estão completamente separados. Em seguida, o aparelho mitótico se dissolve e nova membrana nuclear se forma em torno de cada conjunto de cromossomas; essa membrana se origina de partes do retículo endoplasmático já presentes no citoplasma. Pouco depois, a célula se divide em duas, na região entre os dois novos núcleos. Isso é causado por um anel contrátil de microfilamentos (formados por actina e, provavelmente, por miosina, as duas proteínas contrateis do músculo) que se forma na junção das duas células em desenvolvimento e as separa. CONTROLE DO CRESCIMENTO E DA REPRODUÇÃO CELULARES Todos sabemos que certas células crescem e se reproduzem, como, por exemplo, as células hemopoéticas da medula óssea, as células das camadas germinativas da pele e do epitélio do intestino. Contudo, muitas outras células, tais como as musculares lisas, podem não se reproduzir por muitos anos. Algumas células, como os neurônios e a maioria das células musculares estriadas, não se reproduzem durante toda a vida de uma pessoa. Em determinados tecidos, a falta, ou número insuficiente, de alguns tipos de células faz com que essas células cresçam c se reproduzam muito rapidamente até que seu número volte a ser o apropriado. Por exemplo, sete oitavos do fígado podem ser removidos cirurgicamente, e as células do oitavo remanescente irão crescer e se reproduzir até que a massa hepática retorne praticamente ao normal. O mesmo acontece com quase todas as células glandulares, com o epitélio intestinal, células da medula óssea, tecido subcutâneo e quase que qualquer outro tecido, exceto para células muito diferenciadas, como as nervosas e musculares. Sabe-se muito pouco sobre os mecanismos que mantêm números adequados dos diferentes tipos de células do corpo. Contudo, experimentos já demonstraram três modos como o crescimento pode ser controlado. Primeiro, o crescimento, muitas vezes, é controlado por fatores de crescimento, produzidos em outras partes do corpo. Alguns desses fatores circulam no sangue, mas outros se originam em tecidos adjacentes. Por exemplo, as células epiteliais de diversas glândulas, como as do pâncreas, não crescem quando falta um fator de crescimento, produzido pelo tecido conjuntivo subjacente da glândula. Segundo, a maior parte das células normais pára de crescer quando elas deixam de ter espaço para tal. Isso ocorre quando as células são mantidas em cultura de tecidos; as células crescem até entrarem em contato com objeto sólido, quando cessa o crescimento. Terceiro, muitas vezes, as células mantidas em cultura de tecidos param de crescer quando quantidades diminutas de suas próprias secreções são deixadas acumular no seu meio de cultura. Isso também poderia representar mecanismo de feedback negativo para o controle do crescimento. Regulação das dimensões celulares. As dimensões celulares são reguladas quase que inteiramente pela quantidade de ADN funcional no núcleo. Se não ocorrer replicação do ADN, a célula cresce até determinado tamanho e, após esse tamanho, não mais se altera. Por outro lado, é possível, pelo uso da substância colchicina, impedir a formação do fuso mitótico e, portanto, a mitose, embora continue a replicação do ADN. Nesse caso, o núcleo passa a conter maior quantidade de ADN que a normal c a célula cresce ate dimensões proporcionalmente maiores. Admite-se que isso resulte, simplesmente, da produção aumentada de ARN e de proteínas celulares, o que, por sua vez, faria com que a célula crescesse até maior tamanho. DIFERENCIAÇÃO CELULAR Característica especial do crescimento e da divisão celular é a da diferenciação celular, o que implica alteração das propriedades físicas e funcionais das células, à medida que proliferam no embrião, para formar as diferentes estruturas corporais. A primeira — e a mais simples — teoria que buscava explicar a diferenciação foi a de que a composição genética do núcleo sofreria modificações, ao correr das gerações sucessivas de células, de tal modo que uma célula filha herdasse um conjunto distinto de genes do que o recebido pela outra célula filha. Todavia, essa teoria mostrou-se errônea em muitos aspectos, mas, de forma especialmente ilustrativa, pelo simples experimento seguinte. O núcleo de célula da mucosa intestinal de rã, quando transplantado em óvulo (também de rã) cujo núcleo original havia sido previamente removido, pode, muitas vezes, levar ã formação de rã inteiramente normal. Isso demonstra que até mesmo a célula da mucosa intestinal, que é célula relativamente bem-diferenciada, ainda contém toda a informação 30 genética necessária para o desenvolvimento de todas as estruturas necessárias do corpo da rã. Por conseguinte, ficou claro que a diferenciação resulta não de perda de genes, mas, sim, da repressão seletiva de diferentes opérons genéticos. Na verdade, micrografias eletrônicas sugerem que alguns segmentos das hélices de ADN, enroladas em torno dos núcleos de histona, ficam tão condensados que não mais podem desenroscar-se para formar moléculas de ARN. Uma sugestão para a causa desse efeito é a seguinte: suponha-se que um gene regulador no genoma comece, em determinado estágio da diferenciação celular, a produzir proteína reguladora que produza ativação por feedback positivo, desse mesmo gene regulador. Esse feedback positivo causaria a produção continuada dessa proteína, que, daí para diante, seria produzida permanentemente; mas essa proteína reguladora reprimiria outro grupo selecionado de genes. Como resultado, os genes reprimidos nunca voltariam a funcionar. Independentemente do mecanismo, a maioria das células adultas do corpo humano produz entre 8.000 e 10.000 proteínas, em vez das 100.000 ou mais que, potencialmente, poderiam ser produzidas caso todos os genes estivessem ativos. Experimentos embriológicos também demonstram que determinadas células do embrião controlam a diferenciação das células adjacentes. Por exemplo, o cordamesoderma primordial é chamado de organizador primário do embrião, por representar um foco em torno do qual se desenvolve o resto do embrião, Ele se diferencia no eixo mesodérmico, contendo os somitas, com disposição segmentar, e, como resultado de induções nos tecidos circundantes, determina a formação de praticamente todos os órgãos do corpo. Outro exemplo de indução ocorre quando as vesículas ópticas em desenvolvimento entram em contato com o ectoderma da cabeça, fazendo com que se espesse — para formar a placa do cristalino — e se dobre para dentro, dando origem ao cristalino do olho. Conseqüentemente, grande parte do embrião se desenvolve à custa dessas induções, uma parte do corpo agindo sobre outra e esta, por sua vez, aluando ainda sobre outras. Desse modo, embora nossa compreensão da diferenciação celular ainda seja muito grosseira, conhecemos muitos mecanismos distintos de controle pelos quais essa diferenciação poderia ocorrer. CÂNCER O câncer é causado em todos (ou quase todos) os casos por mutação ou por ativação anormal de genes celulares que controlam o crescimento e a mitose celular. Esses genes anormais são chamados de oncogenes. Apenas fração diminuta das células do corpo que sofreram mutações leva ao câncer. Existem diversas razões para isso. Primeiro, a maioria das células mutantes tem menor capacidade de sobrevivência que as células normais e, como resultado, simplesmente, elas morrem. Segundo, apenas algumas das células mutantes que sobreviveram perdem os controles normais de feedback que impedem o crescimento excessivo. Terceiro, as células que são potencialmente cancerígenas são, com grande freqüência, destruídas pelo sistema imune do corpo, antes que possam formar um câncer. Isso ocorre do seguinte modo: a maioria das células mutantes produz proteínas anormais em seus corpos celulares, devido a seus genes alterados, e essas proteínas estimulam o sistema imune do corpo, fazendo com que ele produza anticorpos ou linfócitos sensibilizados contra as células cancerígenas, e assim as destrua. A confirmação dessa explicação é dada pelo fato de que as pessoas cujo sistema imune foi suprimido, como, por exemplo, as tratadas com imunossupressores, após transplante de rim ou de coração, têm probabilidade várias vezes maior de desenvolver câncer. Mas, o que causa os genes alterados? Quando se leva em conta que muitos trilhões de novas células são formadas anualmente, em cada corpo humano, essa pergunta poderia ser melhor formulada do modo seguinte: Por que nós não desenvolvemos literalmente milhões ou bilhões de células cancerígenas? A resposta é dada pela incrível precisão com que os filamentos de ADN cromossômico são replicados em cada célula antes da mitose e, também, devido ao processo de "revisão" que corta e repara qualquer filamento anormal de ADN antes que o processo mitótico seja deixado prosseguir. Contudo, apesar de todas essas precauções, é provável que uma célula recém-formada em alguns poucos milhões de células seja portadora de características mutantes significativas. Dessa forma, é necessário apenas o acaso para que ocorram mutações, de modo que se pode supor que grande número de cânceres seja simplesmente resultado de uma infeliz ocorrência. Todavia, a probabilidade de ocorrência de mutações pode ser aumentada de muitas vezes quando a pessoa é exposta a determinados fatores químicos, físicos ou biológicos. Alguns deles são os seguintes: 1. E bem conhecido que a radiação ionizante, tal como raios X, raios gama e partículas irradiadas por substâncias radioativas, e até mesmo a radiação ultravioleta podem predispor ao câncer. Os íons formados nas células teciduais, por efeito dessas radiações, são muito reativos e podem romper os filamentos de ADN, causando, assim, muitas mutações. 2. Compostos químicos de certos tipos também apresentam muita propensão para causar mutações. Historicamente, foi descoberto, há muito tempo, que diversos derivados dos corantes de anilina apresentam elevada probabilidade de causar câncer, de modo que os operários da indústria química produtora desses compostos, caso não sejam protegidos, têm predisposição especial para o câncer. As substâncias químicas capazes de produzir mutações são denominadas carcinogênicas. Os carcinógenos que, de longe, causam o maior número de mortes em nossa sociedade atual são os presentes na fumaça dos cigarros. Eles causam cerca de um quarto de todas as mortes por câncer. 3. Os irritantes físicos também podem causar câncer, como, por exemplo, a abrasão continuada do revestimento do tubo digestivo por alguns tipos de alimento. A lesão dos tecidos provoca a rápida substituição mitótica das células. Quanto mais rápidas forem as mitoses, maior será a probabilidade de mutações. 4. Em muitas famílias ocorre forte tendência hereditária para o câncer. Provavelmente, isso resulta do fato de que a maioria dos cânceres depende de mais de uma mutação, antes que o câncer se forme. Nas famílias especialmente predispostas ao câncer, presume-se que um ou mais genes do genoma herdado já sofreram mutações. Portanto, número bem menor de mutações adicionais deve ocorrer nessas pessoas antes que um câncer comece a crescer. 5. Em animais de experimentação, certos tipos de vírus podem causar determinados tipos de câncer, inclusive leucemia. Ocasionalmente, isso pode ocorrer por um de dois modos. Primeiro, no caso dos vírus de ADN, o filamento de ADN no vírus pode inserir-se diretamente em um dos cromossomas e, assim, causar a mutação que leva ao câncer. No caso dos vírus de ARN, alguns deles são portadores da enzima transcriptase reversa, que permite a transcrição do ADN a partir do ARN. Em seguida, o ADN transcrito se insere no genoma das células do animal, levando ao câncer. Contudo, apesar da demonstração de que o câncer virótico pode ocorrer em animais, ainda não foi comprovado que o câncer se propaga por esse mecanismo nos seres humanos, nem que o câncer seja contagioso, passando de uma pessoa a outra. Característica invasiva da célula cancerosa. As três diferenças principais entre uma célula normal e outra cancerosa são: (1) A célula cancerosa não respeita os limites normais do crescimento celular; a razão disso é que as células cancerosas não necessitam dos fatores de crescimento, como ocorre para as células normais. (2) As células cancerosas são muito menos aderentes entre si que as células normais. Como resultado, tendem a vagar através dos tecidos, a entrar na circulação e a serem transportadas para todo o corpo, onde formam ninhos para novos e numerosos crescimentos cancerosos. (3) Alguns cânceres são capazes de produzir fatores angiogênicos que produzem o crescimento de vasos sanguíneos para e no câncer, o que garante o fornecimento de nutrientes necessários para o crescimento do câncer. Por que as células cancerosas matam? A resposta a essa pergunta é, em geral, muito simples. O tecido canceroso compete com os tecidos normais pelos nutrientes. Visto que as células cancerosas continuam a proliferar indefinidamente, seu número se multiplicando dia após dia, pode ser facilmente compreendido que as células cancerosas, dentro de pouco tempo, exigirão toda a nutrição disponível para o corpo. Como resultado, os tecidos normais, gradativamente sofrem morte nutricional. REFERÊNCIAS Bojaj, M., and Blundell, T.: Evolution andthe tertiary strueture of proteins. Annu. Rev. Biophys. Bioeng., 13:453, 1984. Reers, R. F.(ed):CellFusion. GeneTratisfer and Transformation. New York, Raven Press, 1984. Bownes, M.: Differentiation of Cells. New York, Methuen, Inc., 19&5. Bradshaw, R. A., and Prentia, S.: Oncogenes and Growth Factors. New York, Elsevier Science PubliehkigCo., 1987. Bryant, P. J., and Simpson, P.: Inthnsic and extrinaic control of growth in developing organs. Q. Rev. Biol., 59:387, 1984. 31 Busch, H. (ed.}; The Cell Nucleus, Nuclear Particles. New York, Academic Press, 1981. Cohn, W. E. (ed.): Progress in Nucleic Acid Reaearch and Molecular Biology. DNA: Multiproteln Interactions. New York, Academic Press, 1981. Davidson, R.: Somatic Cell Genética. New York, Van Nostrand Reinhold, 1984. DeRerondo, A. M. {ed.): New Approaches in Eukaryotic DNA Replication. New York, Plenum Publishing Corp., 1983. Echols, H.: Multiple DNAprotein interactions governing high-precision DNA transactinns. Science, 233:1050, 1986. Fojt, J. L.: Conteraplating the human genome. BioScience, 37:457, 1987. Garvey, E. P., and Santi, D. V.: Stable amplified DNA in drug-resistant Leishmania exista as extrachrnmosomal circles. Science, 233:535, 1986. Go, N.: Theoretical studies of protein folding. Annu. Rev. Biophys. Bioeng., 12:183, 1983. Hall, A.: Oncngenes — implications for human câncer: A review. J. R. Soe. Med., 77:410, 1984. Horton, J. D. (ed.): Development and Differentiation of VertebrateR. New York, Elsevier/North-Holland, 1980. Hunt, T. (ed.): DNA Makes RNA Makes Protein. New York, Elsevier Science Publishing Co., 1983. Klevecz, R. R., et ai.: Cellular clocks and oscillators. Int. Rev. CytoL, 86:97, 1984. Kornberg, A.: DNA Replication. San Francisco, W. H. Freeman, 1980. Kucherlapati, R., and Skoultchi, A. I.: Introduction of purified genes into mammalian cells. CRC Crit. Rev. Biochem., 16:349, 1984. Kulaev, J. S. (ed.}: Environmental Regulationof Microbial Metabolism. New York, Academic Press, 1985. Maçara, I. G.: Oncogenes and cellular signal transduetion. Phyaiol. Rev., 69:797, 1989. Margalit, H., et ai.: Initiation of DNA replication in bactéria: Analysis of an autorepressor control model. J. Theor. Biol., 111:183, 1984. Marx, J. L.: Zipping up DNA binding proteins. Science, 240:1732, 1988. Nomura, M., et ai.: Regulation of the Bynthesie of riboaomes and ribosomal components. Annu. Rev. Biochem., 53:75, 1984. Nora, J. J., and Fraser, F. C: Medicai Genetics: Principies and Practice. 3rd Ed. Philadelphia, Lea & Febiger, 1989. Ohiendnrf, D. H., and Matthews, B. W.: Structural studies of protein-nucleic acid interactions. Annu. Rev. Biophys. Bioeng., 12:259, 1983. Orcutt, B. D., et ai.: Protein and nucleic acid sequence database systems. Annu. Rev. Biophys. Bioeng., 12:419, 1983. Pabo, C. O., and Sauer. R. T.: Prntein-DNA recognition. Annu. Rev. Biochem., 53:293, 1984. Raff.E.C: Genetics ofmicrotubule systems. J. Cell. Biol., 99:1, 1984. Rigler, R., and Wintermeyer, W.: Dynamics of tRNA. Annu. Rev. Biophys. Bioeng., 12:475, 1983. Schimke, R. T.: Gene amplification in cultured animal cells. Cell, 37:705,1984. Schleif, R.: DNA looping. Science, 240:127, 1988. Schlesinger, D. H. (ed.): Macromolecular Sequencing and Synthesis: Selectèd Methods and Applications. New York, Alan R. Liss, Inc., 1988. Schopf, J. W.: The evolution of the earliest cells. Sei. Am., 239:110, 1978. Scriver, C. R., et ai. (eda.): TheMetabolicBaaiaof Inheríted Disease. 6thEd. New York, McGraw Hill Book Co., 1989. Smith.H. S., et ai.: The biology ofbreast câncer at the cellular levei. Biochem. Biophys. Acta, 738:103, 19&4. Stofiler, G., and Stoffler-Meilicke, M.: Immunoelectron microscopy of ribosomes. Annu. Rev. Biophys. Bioeng., 13:303, 1984. Thomas, K. A.: Fibrobtast growth factors. FASEB J. 1:434, 1987. Thompson, M. W., et ai.: Genetics in Medicine. 5th Ed. Philadelphia, W. B. Saunders Co., 1989. Varmus, H. E.: Oncogenes and transcriptional control. Science, 238:1337, 1987. Weiss, L., et ai.: Interactions of câncer cells wíth the microvasculature during metastasis. FASEB J., 2:12,1988. 32 UNIDADE II FISIOLOGIA DA MEMBRANA, DO NERVO E DO MÚSCULO Ø Transporte de íons e de Moléculas Através da Membrana Celular Ø Potenciais de Membrana e Potenciais de Ação Ø Contração do Músculo Esquelético Ø Excitação da Contração do Músculo Esquelético: Ø Transmissão Neuromuscular e Acoplamento Excitação-Contração Ø Contração e Excitação do Músculo Liso 33 CAPÍTULO 4 Transporte de Íons e de Moléculas Através da Membrana Celular A Fig. 4.1 apresenta a composição aproximada do líquido extracelular, situado por fora das membranas celulares, e do líquido intracelular, que fica no interior das células. Note-se que o líquido extracelular contém grandes quantidades de sódio, mas apenas pequenas quantidades de potássio. Exatamente o oposto ocorre no líquido intracelular. Ao mesmo tempo, o líquido extracelular contém grande quantidade de cloreto, enquanto o líquido intracelular só o tem em pequenas quantidades. Mas as concentrações de fosfatos—em essência, todos são metabólitos intermediários orgânicos — e de proteínas no líquido intracelular são consideravelmente maiores que as do líquido extracelular. Todas essas diferenças são extremamente importantes para a vida da célula. O objetivo deste capítulo é o de explicar como essas diferenças são produzidas pelos mecanismos de transporte das membranas celulares. A barreira lipídica e as proteínas de transporte da membrana celular A estrutura da membrana celular foi discutida no Cap. 2 e apresentada na Fig. 2.3. Ela é composta, quase que inteiramente, da bicamada lipídica, com grande número de moléculas de proteína flutuando no lipídio, muitas delas atravessando toda a espessura dessa bicamada, como mostrado na Fig. 4.2. A bicamada lipídica não é miscível com os líquidos extra e intracelular. Por conseguinte, ela representa barreira ao movimento da maioria das moléculas de água e das substâncias hidrossolúveis entre os compartimentos dos líquidos extra e intracelulares. Contudo, como indicado pela seta à esquerda da Fig. 4.2, algumas substâncias conseguem atravessar essa bicamada, entrando na célula ou saindo dela, passando diretamente pela substância lipídica. Por outro lado, as moléculas de proteína apresentam propriedades de transporte inteiramente diferentes. Suas estruturas moleculares interrompem a continuidade da bicamada lipídica e, portanto, formam via alternativa através da membrana celular. A maioria dessas proteínas penetrantes é, como resultado, formada por proteínas de transporte. As diferentes proteínas vão atuar por modos distintos. Algumas contêm espaços aquosos, ao longo de toda a sua molécula, e permitem o livre movimento de determinados íons e moléculas; são denominadas proteínas de canal. Outras, chamadas de proteínas carreadoras, fixam-se às substâncias que vão ser transportadas, e alterações conformacionais dessas moléculas de proteína movem as substâncias, ao longo dos interstícios da molécula, até o outro lado da membrana. Tanto as proteínas de canal como as proteínas carreadoras são extremamente seletivas quanto ao tipo (ou tipos) de moléculas ou íons que podem atravessar a membrana. Difusão versus transporte ativo. O transporte através da membrana celular, seja diretamente, pela bicamada lipídica, ou por meio de proteínas, ocorre por um dos dois processos básicos, a difusão (também chamada de "transporte passivo") e o transporte ativo. Embora existam numerosas variantes distintas desses dois processos básicos, como veremos adiante neste capítulo, a difusão implica movimento molecular aleatório da molécula da substância pelos espaços intermoleculares da membrana ou em combinação com proteína carreadora. A energia causadora da difusão é a energia do movimento cinético normal da matéria. Pelo contrário, o transporte ativo implica o movimento de íons ou outras substâncias, em combinação com proteína carreadora, mas, além disso, contra um gradiente de energia, como, por exemplo, de um estado de baixa concentração para outro de alta concentração, processo que exige outra fonte de energia além da cinética para que ocorra o movimento. Vamos explicar em maiores detalhes a física e a físico-química básicas desses dois processos distintos. DIFUSÃO Todas as moléculas e íons dos líquidos corporais, inclusive tanto as moléculas de água como as das substâncias em solução, estão continuamente em movimento, cada partícula seguindo percurso próprio. O movimento dessas partículas constitui o que os físicos chamam de calor — quanto mais intenso for essa movimentação, maior será a temperatura — e esse movimento nunca cessa, sob quaisquer condições, exceto na temperatura do zero absoluto. Quando uma molécula em movimento, A, se aproxima de outra molécula estacionária, B, as forças eletrostáticas e internucleares da molécula A repelem a molécula B, transferindo parte da energia do movimento para a molécula B. Conseqüentemente, a molécula B ganha energia cinética de movimento, ao mesmo tempo em que a molécula A tem seu movimento lentificado, pois perdeu parte de sua energia cinética. Assim, como mostrado na Fig. 4.3, cada molécula de uma solução pula por entre as outras moléculas, primeiro em determinada direção, em seguida em outra, e assim por diante, aleatoriamente, bilhões de vezes a cada segundo. 34 Fig. 4.2 Vias de transporte através da membrana celular e os mecanismos básicos de transporte. lidade do oxigênio, do nitrogênio, do dióxido de carbono e dos álcoois é muito alta, de modo que todos esses compostos são capazes de se dissolver diretamente na bicamada lipídica e se difundir através da membrana celular, de modo idêntico ao da difusão em solução aquosa. Por motivos óbvios, a velocidade Fig. 4.1 Composição química dos líquidos extras e de difusão dessas substâncias através da membrana é diretamente intracelulares. proporcional às suas lipossolubilidades. Quantidades Esse contínuo movimento de moléculas por entre as extremamente grandes de oxigênio podem ser transportadas por outras, nos líquidos e nos gases, é chamado difusão. Os íons se difundem do mesmo modo como moléculas, e até mesmo esse modo; como resultado, o oxigênio chega ao interior da partículas colóides em suspensão se difundem do mesmo modo, célula como se a membrana celular não existisse. Transporte de água e de outras moléculas insolúveis em exceto por sua difusão ocorrer bem mais lentamente que as lipídios. Embora a água seja extremamente insolúvel nos substâncias moleculares, devido às suas grandes dimensões. lipídios da membrana, ela, não obstante, atravessa facilmente a membrana celular; em parte, ela passa, de modo direto, através DIFUSÃO ATRAVÉS DA MEMBRANA CELULAR da bicamada lipídica e, em sua maior parte, pelas proteínas de A difusão através da membrana celular é dividida em dois canal. A rapidez com que a água pode atravessar a membrana subtipos distintos, chamados de difusão simples e difusão celular é, na verdade, surpreendente. Como exemplo, a facilitada. A difusão simples é o movimento cinético molecular quantidade total de água que se difunde, nas duas direções, de moléculas ou íons através de pertuito da membrana ou dos através da membrana da hemácia, a cada segundo, é, espaços intermoleculares, sem necessidade de fixação a aproximadamente, 100 vezes maior que o volume da hemácia. A razão para a grande intensidade da difusão de água através proteínas carreadoras da membrana. A velocidade dessa difusão é da bicamada lipídica ainda não foi determinada, mas acredita-se determinada pela quantidade existente da substância, pela que as moléculas de água sejam suficientemente pequenas e que velocidade do movimento cinético e pelo número de pertuitos da sua energia cinética seja grande o bastante para que elas possam, membrana através dos quais a molécula ou íon pode passar. Por simplesmente, penetrar como projéteis na parte lipídica da outro lado, a difusão facilitada implica a interação das membrana, antes que sua característica "hidrofóbica" consiga moléculas ou íons com proteína carreadora que facilita sua detê-las. Outras moléculas insolúveis em lipídios também podem passagem através da membrana, provavelmente por se fixar quimicamente a ela e se deslocar, através da membrana, nessa atravessar a bicamada lipídica do mesmo modo como a água, desde que sejam suficientemente pequenas. forma fixada. A difusão simples pode ocorrer através da membrana por dois percursos: pelos interstícios da bicamada lipídica ou pelos canais aquosos de algumas proteínas de transporte, como mostrado à esquerda da Fig. 4.2. Difusão simples através da bicamada lipídica Difusão de substâncias lipossolúveis. Em estudos experimentais, os lipídios das células foram separados das proteínas e, em seguida, reconstituídos, formando membranas artificiais, constituídas por uma bicamada lipídica, sem qualquer das proteínas de transporte. Por meio dessas membranas artificiais, foram determinadas as propriedades de transporte das bicamadas lipídicas. Um dos fatores mais importantes que determinam com que rapidez uma substância irá atravessar essa bicamada lipídica é a lipossolubilidade da substância. Por exemplo, a lipossolubi- Fig. 4.3 Difusão de uma molécula de um líquido, durante um bilionésimo de segundo. 35 Todavia, à medida que suas dimensões aumentam, sua capacidade de penetração cai acentuadamente. Por exemplo, o diâmetro da molécula da uréia é apenas 20% maior que o da de água. Contudo, sua penetração através da membrana celular é cerca de mil vezes menor que a da água. Mesmo assim, tendose em mente a extraordinária velocidade de penetração da água, essa velocidade ainda permite o transporte rápido da uréia através da membrana celular. A molécula de glicose, com diâmetro três vezes maior que o da molécula de água, atravessa a bicamada lipídica com velocidade 100 mil vezes menor que a da água, o que demonstra que as únicas moléculas insolúveis em lipídios capazes de penetrar na bicamada lipídica são as de menores dimensões. Incapacidade de íons de se difundirem através da bicamada lipídica. Muito embora a água e outras moléculas muito pequenas, sem carga, possam difundir-se facilmente através da bicamada lipídica, os íons — mesmo os mais pequenos, como os íons hidrogênio, sódio, potássio e outros — só penetram na bicamada lipídica com velocidades cerca de 1 milhão de vezes menores que a da água. Por conseguinte, qualquer transporte significativo desses íons através da membrana celular deve ocorrer pelos canais nas proteínas, como será discutido mais adiante. A razão para essa impenetrabilidade da bicamada lipídica aos íons é a carga elétrica dos íons; ela impede o movimento iônico por dois modos distintos: (1) a carga elétrica dos íons faz com que várias moléculas de água se prendam a esses íons, formando íons hidratados. Isso aumenta, de muito, as dimensões dos íons, o que, por si só, impede a penetração da bicamada lipídica; (2) o que é ainda mais importante à carga elétrica do íon interage com as cargas da bicamada lipídica do seguinte modo: deve ser lembrado que cada metade da bicamada é formada por lipídios "polares", portadores de excesso de cargas positivas, voltados para a superfície da membrana; como resultado, quando um íon dotado de carga tenta penetrar na barreira elétrica positiva Ou negativa, ele é, instantaneamente, repelido. Para resumir, o Quadro 4.1 apresenta as permeabilidades relativas da bicamada lipídica a diversos tipos de moléculas ou a íons de diferentes diâmetros. Deve ser especialmente notada a diminuta permeância dos íons, devida a suas cargas elétricas, e a fraca permeância da glicose, devida a seu diâmetro molecular. Também deve ser notado que o glicerol penetra na membrana com facilidade quase igual à da uréia, embora seu diâmetro seja quase o dobro. A razão disso é seu discreto grau de lipossolubilidade. Portanto, as substâncias podem difundir-se diretamente, por esses canais, de uma das faces da membrana até a outra. Todavia, esses canais protéicos são distinguidos por duas características importantes: (1) muitas vezes, eles são seletivamente permeáveis a determinadas substâncias, e (2) muitos desses canais podem ser abertos ou fechados por meio de comportas. Permeabilidade seletiva dos diferentes canais protéicos. A maioria (mas não todos) dos canais protéicos é muito seletiva para o transporte de um ou mais íons ou moléculas. Isso resulta das características do próprio canal, tais como seu diâmetro, sua forma e a natureza das cargas elétricas nas suas superfícies internas. Como exemplo, um dos mais importantes canais protéicos , o chamado canal de sódio, com diâmetro calculado de apenas 0,3 por 0,5 nm, tem, em suas superfícies internas, fortes cargas negativas, como representado pelos sinais de menos no interior do canal protéico na parte superior da Fig. 4.4. Postulase que essas fortes cargas negativas atraiam os íons sódio, com mais intensidade do que outros íons fisiologicamente importantes, para o interior dos canais, devido ao menor diâmetro iônico do sódio não-hidratado. Uma vez no interior do canal, os íons sódio podem difundir-se em qualquer direção, segundo as leis da difusão. Por conseguinte, o canal de sódio 6 especificamente seletivo para a passagem dos íons sódio. Por outro lado, outro grupo de canais protéicos é seletivo para o transporte de potássio, como mostrado na parte inferior da Fig. 4.4. Esses canais, com diâmetros calculados menores que os dos canais de sódio, da ordem de 0,3 por 0,3 nm, não contêm cargas negativas. Como resultado, não existem forças atrativas fortes que puxem os íons para o interior dos canais, e os íons não são retirados das moléculas de água que os hidratam. A forma hidratada do íon potássio é muito menor que a forma hidratada do íon sódio porque o íon sódio tem todo um conjunto orbital de elétrons a menos que o íon potássio, o que permite A difusão simples através dos canais das proteínas e as "comportas" desses canais. As proteínas de canais são consideradas como contendo pertuitos aquosos pelos interstícios dessas moléculas protéicas. Na verdade, a reconstrução tridimensional por computadores de algumas dessas proteínas demonstrou a existência de canais, em forma de tubos, que se estendem entre as duas extremidades da molécula, nas faces extra e intracelular da membrana. Quadro 4.1 Relações entre os diâmetros efetivos das diferentes substâncias para suas permeabilidades nas bicamadas lipídicas. Substância Diâmetro Molécula de água 0,3 Permeabilidade Relativa 1,0 Molécula de uréia 0,36 0,006 Íon cloreto hidratado 0,386 0,00000001 Íon potássio hidratado 0,396 0,0000000006 Íon sódio hidratado 0,512 0,0000000002 Glicerol 0,62 0,0006 Glicerol 0,86 0,000009 Fig. 4.4 O transporte dos íons sódio e potássio pelos canais protéicos. Também são mostradas as alterações conformacionais das moléculas de proteína dos canais que abrem ou fecham as "comportas" desses canais. 36 ao íon sódio atrair número bem maior de moléculas de água do que o potássio. Por conseguinte, os íons hidratados de potássio, menores, podem passar facilmente por esse canal mais estreito, ao passo que os íons sódio são rejeitados, o que, de novo, causa permeabilidade seletiva para um tipo de íon. As comportas dos canais protéicos. A existência de comportas nos canais protéicos representa meio de controle da permeabilidade desses canais. Isso é mostrado nas partes superior e inferior da Fig. 4.4, para os íons sódio e potássio. Acredita-se que essas comportas sejam, efetivamente, projeções em forma de comporta da molécula da proteína de transporte, que podem ocluir a abertura do canal ou que podem ser afastadas dessa abertura, como resultado de alteração conformacional da forma da própria molécula protéica. Nos canais de sódio, essa comporta abre e fecha na face externa da membrana celular, enquanto, no canal de potássio, ela abre e fecha na face interna. A abertura e o fechamento das comportas são controlados por dois modos principais: 1. Comportas voltagem-dependentes. Nesse mecanismo, a conformação molecular da comporta depende do potencial elétrico através da membrana celular. Por exemplo, quando existe forte carga negativa no interior da membrana celular, os canais de sódio permanecem fortemente fechados; por outro lado, quando o interior da membrana celular perde sua carga negativa, as comportas se abrem, permitindo a passagem de quantidades imensas de sódio para o interior da célula, por meio dos poros de sódio (até que outro grupo de comportas, situadas nas extremidades citoplasmáticas dos canais, se feche, como é explicado no Cap. 5). Essa é a causa básica dos potenciais de ação dos nervos, responsáveis pelos sinais neurais. As comportas de potássio também abrem quando o interior da membrana celular fica carregado positivamente, mas essa resposta é bem mais lenta que a das comportas de sódio. Esses eventos são discutidos no capítulo seguinte. 2. Comportas ligando-dependentes. Algumas comportas dos canais protéicos são abertas quando outra molécula se fixa à proteína; isso produz alteração conformacional da molécula de proteína que abre ou fecha a comporta. Elas são chamadas de comportas ligando-dependentes, e a substância que se fixa à pro teína é o ligando. Um dos exemplos mais importantes de com portas ligando-dependentes é o efeito da acetilcolina sobre o chamado canal de acetilcolina. Essa substância abre a comporta desse canal, criando um poro com diâmetro de cerca de 0,65 nm que permite a passagem de todas as moléculas e íons positivos com diâmetros menores que o do poro. Essa comporta é especial mente importante na transmissão de sinais de uma célula nervosa a outra (Cap. 45) e de uma célula nervosa à célula muscular (Cap. 7). O estado-aberto e o estado-fechado dos canais com comportas. A Fig. 4.5 apresenta uma característica especialmente importante dos canais com comportas voltagem-dependente. Essa figura apresenta dois registros da corrente elétrica que flui por canal de sódio isolado, quando existia gradiente de potencial — de aproximadamente 25 milivolts — através da membrana. Deve ser notado que o canal conduz a corrente de modo tudo-ou-nada. Isto é, a comporta do canal se abre ou fecha abruptamente, cada abertura ou fechamento ocorrendo em poucos milionésimos de segundo. Isso demonstra a rapidez com que podem ocorrer alterações conformacionais na forma das comportas dos canais protéicos. Em determinado valor do potencial, o canal pode permanecer fechado todo o tempo, ou quase todo o tempo, enquanto em outro nível de voltagem ele pode ficar aberto todo o tempo, ou quase todo o tempo. Contudo, nas voltagens intermediárias, as comportas tendem a se abrir e fechar intermitentemente, como mostrado no registro superior, o que permite fluxo médio de corrente, entre o mínimo e o máximo. O método de fixação de placa para o registro do fluxo de corrente iônica através de canais isolados. Pode-se questionar como é tecnicamente possível o registro do fluxo de corrente iônica por canais isolados, como mostrado na Fig. 4.5. Isso é conseguido pelo método de "fixação de placas", representado na Fig. 4.5B. De modo muito simples, uma micro-pipela, cuja ponta tenha diâmetro da ordem de 1 a 2 txm é encostada na face externa da membrana celular. Em seguida, é feita sucção pelo interior da pipeta, de modo a puxar a membrana ligeiramente para o interior da ponta da pipeta. Isso cria um anel de vedação na zona Fig. 4.5 A, Registro do fluxo de corrente através de canal de sódio voltagem-dependente, isolado, demonstrando o caráter de tudo-ou-nada de abertura do canal. B, O método de "fixação de placa" para o registro do fluxo de corrente através de canal protéico isolado; à esquerda, o registro é feito em "placa" de membrana, ainda na célula; à direita, o registro é feito em placa de membrana que foi removida da célula. 37 onde as bordas da pipeta entram em contato com a membrana celular. O resultado é a formação de diminuta "placa" de membrana, através da qual pode ser registrado o fluxo de corrente. De modo alternativo, como mostrado à direita da Fig. 4.5B, a pequena placa de membrana, na ponta da pipeta, pode ser removida da célula. A pipeta com sua placa é, então, introduzida em solução salina. Isso permite a alteração, conforme desejado, das concentrações tônicas no interior da pipeta e na solução externa. Por outro lado, a voltagem entre as duas faces da placa de membrana pode ser estabelecida e mantida em qualquer valor — isto é, ela pode ser "fixada" em uma determinada voltagem. Felizmente, tem sido possível a obtenção de placas suficientemente pequenas para que nelas só exista canal protéico único. Ao se variar às concentrações dos diferentes íons e a voltagem através da membrana celular, podem ser determinadas as características de transporte desse canal, bem como as propriedades de suas comportas. Difusão facilitada A difusão facilitada também é chamada de difusão mediada por carreador, porque uma substância transportada por esse modo não é capaz, na maioria das vezes, de atravessar a membrana, a não ser com a participação de proteína carreadora específica. Isto é, o carreador facilita a difusão da substância para o outro lado. A difusão facilitada difere da difusão simples por um canal aberto do seguinte modo, muito importante: embora a velocidade da difusão por um canal aberto aumente na proporção direta da concentração da substância difusora, na difusão facilitada à velocidade da difusão tende a um máximo, denominado Vmáx com o aumento da concentração da substância. Essa diferença entre a difusão simples e a difusão facilitada é ilustrada na Fig. 4.6, mostrando que, à medida que a concentração da substância aumenta, a velocidade da difusão simples continua a aumentar proporcionalmente, mas também mostra a limitação da difusão facilitada ao valor de Vmáx. O que limita a velocidade da difusão facilitada? Uma provável razão é o mecanismo representado na Fig. 4.7. Essa figura mostra uma proteína carreadora com canal suficientemente largo para transportar uma molécula específica até certo ponto, mas não através de toda a membrana. Fig. 4.6 Efeito da concentração de uma substância sobre a intensidade de difusão, através de membrana, onde ocorre difusão simples, e através de membrana onde ocorre difusão facilitada. Isso demonstra que a difusão facilitada tende a uma intensidade máxima, denominada VMÁX Fig. 4.7 Um mecanismo proposto para a difusão facilitada. Ela também mostra um "receptor" com capacidade fixadora nessa proteína carreadora. A molécula que vai ser transportada entra no canal e é fixada. Em seguida, dentro de fração de segundo, ocorre alteração conformacional na proteína carreadora, de modo que o canal passa a ficar aberto para o lado oposto da membrana. Porque a força fixadora do receptor é fraca, o movimento térmico da molécula fixada provoca sua liberação e sua conseqüente liberação para o lado oposto. Obviamente, a velocidade com que as moléculas podem ser transportadas por esse mecanismo nunca pode ser maior que a velocidade com que a molécula da proteína carreadora pode alternar-se, em seus dois estados, por meio de alterações conformacionais. Note-se, especialmente, que esse mecanismos permite que a molécula transportada se "difunda" em ambas as direções através da membrana. Entre as mais importantes substâncias que atravessam a membrana por difusão facilitada devem ser citadas a glicose e a maioria dos aminoácidos. No caso da glicose, sabe-se que a molécula carreadora tem peso molecular de cerca de 45.000; ela é capaz de transportar vários outros monossacarídios com estruturas semelhantes à da glicose, inclusive a manose, a galactose, a xilose e a arabinose. Por outro lado, a insulina é capaz de aumentar a velocidade da difusão facilitada por até 10 a 20 vezes. Esse é o principal mecanismo pelo qual a insulina controla a utilização de glicose pelo corpo, como discutiremos no Cap. 78. FATORES QUE INFLUENCIAM A VELOCIDADE EFETIVA DA DIFUSÃO Neste ponto, já está evidente que muitas substâncias diferentes podem difundir-se tanto através da bicamada lipídica como por meio dos canais protéicos da membrana celular. Contudo, deve ser claramente entendido que as substâncias que se difundem em uma direção também podem fazê-lo na direção oposta. Em geral, o que é importante para a célula não é a quantidade total que se difunde nas duas direções, mas a diferença entre as difusões nas duas direções, que é definida como a velocidade efetiva da difusão em uma direção. Os fatores que a influenciam são (1) a permeabilidade da membrana, (2) a diferença de concentração da substância difusora entre as duas faces da membrana, (3) a diferença de pressão através da membrana, e (4) no caso dos íons, a diferença de potencial elétrico entre as duas faces da membrana. 38 Permeabilidade da membrana. A permeabilidade da membrana para determinada substância é expressa como a intensidade efetiva da difusão dessa substância, através de área unitária da membrana, em função de diferença unitária de concentração (quando não existem diferenças elétricas ou de pressão). Os diversos fatores que influenciam a permeabilidade da membrana celular são: 1. A espessura da membrana — quanto maior, mais lenta será a difusão. 2. A lipossolubilidade — quanto maior for a solubilidade da substância nos lipídios da membrana celular, maior será a quantidade de substância que pode dissolver-se nessa membrana e, conseqüentemente, que vai atravessá-la. 3. O número de canais protéicos pelos quais a substância pode passar — a velocidade da difusão é diretamente proporcional ao número de canais por unidades de área. 4. A temperatura — quanto maior for a temperatura, maior vai ser o movimento térmico das moléculas e dos íons em solução, de modo que a difusão aumenta na proporção direta com a temperatura. 5. O peso molecular da substância difusora — isso tem efeito complexo; a velocidade do movimento térmico de uma substância Fig. 4.8 Efeito da diferença de concentração (A), da diferença dissolvida é proporcional à raiz quadrada de seu peso molecular. Por outro lado, à medida que o diâmetro molecular se aproxima de potencial elétrico (B) e da diferença de pressão (C) sobre a difusão do diâmetro do canal, a resistência aumenta de forma muito efetiva de moléculas e de tons, através de membrana celular. acentuada, de modo que, freqüentemente, uma membrana pode ser centenas a milhões de vezes mais permeável às pequenas A carga positiva atrai os íons negativos, ao mesmo tempo que a moléculas que às grandes, como é evidente pelos valores relativos carga negativa os repele. Por conseguinte, ocorre difusão constantes do Quadro 4.1. efetiva da esquerda para a direita. Após muito tempo, grande O coeficiente de difusão. Outro fator que influencia a quantidade de íons negativos terá passado para o lado direito velocidade total da difusão é a área da membrana. Como (caso se despreze, momentaneamente, o efeito perturbador dos resultado, para a determinação da permeabilidade total de uma íons positivos da solução), criando a condição mostrada no membrana celular, deve-se multiplicar sua permeabilidade (que painel direito da Fig. 4.8B, onde se desenvolveu diferença de mede o movimento da substância por área unitária da concentração de direção oposta à da diferença de potencial membrana) pela área total da membrana. Essa permeabilidade elétrico. Obviamente, essa diferença de concentração tende total define o coeficiente de difusão; sua relação com a agora a mover os íons para a esquerda, enquanto a diferença de permeabilidade é dada por: potencial elétrico tende a movê-los para a direita. Quando a diferença de concentração aumentar o suficiente, esses dois D=PxA efeitos se contrabalançam exatamente. Na temperatura corporal normal (37°C), a diferença elétrica capaz de contrabalançar com onde D é o coeficiente de difusão, P é a permeabilidade e A exatidão dada diferença de concentração de íons univalentes — é a área total. como o sódio (Na+), o potássio (K+) ou cloreto (Cl) — pode ser Efeito da diferença de concentração. A Fig. 4.8A determinada pela seguinte relação, chamada de equação de apresenta uma membrana celular, separando soluções de uma Nernst: substância em alta concentração na face externa e baixa concentração na interna. A velocidade com que a substância se difunde para o interior é proporcional à concentração de suas moléculas no exterior, pois é essa a concentração que determina quantas moléculas irão de encontro à abertura externa dos FEM (em milivolts) = ± 61 log C1 canais a cada segundo. Por outro lado, a velocidade com que as moléculas se difundem para o exterior é proporcional à sua C2 concentração no interior da membrana. Por conseguinte, é onde FEM é a força eletromotriz (a voltagem) entre as faces óbvio que a difusão efetiva para o interior da célula é proporcional à concentração externa menos a concentração 1 e 2 da membrana, C, é a concentração no lado 1 e Q é a concentração no lado 2. A polaridade da voltagem na face 1, interna, ou seja: nesta equação, é + para os íons negativos e — para os íons Difusão efetiva D (Ce - Ci) positivos. Essa relação é extremamente importante para a compreensão da transmissão dos impulsos nervosos, razão por onde Ce é a concentração externa, Q é a concentração interna que será discutida de modo muito mais detalhado no Cap. 5. e D é o coeficiente de difusão da membrana para a substância. Efeito de potencial elétrico sobre a difusão de íons. Caso seja aplicado um potencial elétrico através da membrana, como mostrado na Fig. 4.8B, os íons, devido à sua carga elétrica, atravessarão a membrana, mesmo quando não existirem diferenças de concentração para impulsioná-los. Assim, no painel esquerdo da figura, a concentração de íons negativos é exatamente igual nos dois lados da membrana, mas foi aplicada carga positiva no lado direito dessa membrana e carga negativa no lado esquerdo, criando gradiente elétrico através dela. 39 Efeito de diferença de pressão. Por vezes, pode desenvolverse diferença considerável de pressão entre as duas faces de uma membrana. Isso ocorre, por exemplo, na membrana capilar, onde existe pressão da ordem de 20 mm Hg maior no interior do capilar que em seu exterior. Por pressão se entende a soma das forças de todas as diferentes moléculas que atingem uma área de superfície em dado instante. Portanto, quando a pressão é maior em uma das faces de uma membrana que na outra, isso significa que a soma das forças das moléculas que atingem os canais dessa face da membrana é maior que a da outra face. Isso pode resultar de maior número de moléculas atingindo a membrana a cada segundo, ou de maior energia cinética da molécula média que atinge a membrana. Em qualquer dos casos, maiores quantidades de energia ficam disponíveis para causar o movimento efetivo das moléculas da região de maior para a de menor pressão. Esse efeito é mostrado na Fig. 4.8C, que mostra um pistão criando alta pressão em uma das faces de membrana celular, o que provoca difusão efetiva, através da membrana, para o outro lado. OSMOSE ATRAVÉS DE MEMBRANAS SELETIVAMENTE PERMEÁVEIS A DIFUSÃO EFETIVA DE ÁGUA A água é, de longe, a substância mais abundante que se difunde através da membrana celular. Deve ser lembrado que, regra geral, a quantidade de água que se difunde, nas duas direções, através da membrana da hemácia, a cada segundo, corresponde à cerca de 100 vezes o próprio volume da hemácia. Contudo, normalmente, a quantidade que se difunde nas duas direções é tão precisamente balanceada que não ocorre qualquer movimento efetivo de água. Como resultado, o volume dessa célula permanece constante. Contudo, sob certas circunstâncias, pode desenvolver-se uma diferença de concentração para a água através de uma membrana, exatamente do mesmo modo como isso pode ocorrer para outras substâncias. Quando isso acontece, ocorre, realmente, movimento efetivo de água através da membrana celular, fazendo com que a célula murche ou inche, na dependência da direção desse movimento efetivo. Esse processo de movimento efetivo da água, causado por diferença de concentração da própria água, é chamado de osmose. Para dar um exemplo de osmose, vamos admitir as condições mostradas na Fig. 4.9, com água pura em um dos lados da membrana celular e solução de cloreto de sódio no outro. Consultando-se o Quadro 4.1, vê-se que as moléculas de água atravessam facilmente a membrana, enquanto o sódio e o cloreto só a atravessam com grande dificuldade. Fig. 4.9 Osmose através de membrana celular quando é colocada uma solução de cloreto de sódio em um dos lados da membrana e água no lado oposto. Portanto, a solução de cloreto de sódio é, na realidade, uma mistura de moléculas permeantes de água e de íons nãopermeantes de sódio e cloreto; a membrana é dita seletivamente permeável (ou "semipermeável) à água, mas não aos íons sódio e cloreto. Todavia, a presença do sódio e do cloreto deslocou parte das moléculas de água e, portanto, reduziu a concentração das moléculas de água a valor menor que na água pura. Como resultado, no exemplo da Fig. 4.9, maior número de moléculas de água atinge os canais da face esquerda, em contato com a água pura, que à direita, onde a concentração de água está diminuída. Assim, ocorre movimento efetivo de água do lado esquerdo para o direito — isto é, há osmose da água pura para a solução de cloreto de sódio. Pressão osmótica Se, na Fig. 4.9, fosse aplicada pressão à solução de cloreto de sódio, a osmose da água para essa solução poderia ser lentificada, interrompida ou invertida. A quantidade de pressão necessária para interromper precisamente a osmose é denominada pressão osmótica da solução de cloreto de sódio. O princípio da oposição à osmose por uma diferença de pressão é mostrado na Fig. 4.10, onde uma membrana seletivamente permeável separa duas colunas de líquido, uma contendo água e a outra contendo solução aquosa de um soluto qualquer a que a membrana não é permeável. A osmose da água do compartimento B para o A faz com que os níveis das colunas líquidas fiquem progressivamente mais afastados até que, eventualmente, se desenvolva diferença de pressão suficientemente intensa para impedir o efeito osmótico. Nesse ponto, a diferença de pressão entre as duas faces da membrana é a pressão osmótica da solução contendo o soluto não-difusível. A importância do número de partículas osmóticas (ou da concentração molar) para a determinação da pressão osmótica. A pressão osmótica exercida pelas partículas de uma solução sejam elas moléculas ou íons, é determinada pelo número de partículas por unidade de volume do líquido, e não pela massa dessas partículas. A razão disso é que cada partícula da solução, Fig. 4.10 Demonstração da pressão osmótica entre as duas faces de membrana semipermeável. 40 independentemente de sua massa, exerce, em média, a mesma quantidade de pressão sobre a membrana. Isto é, todas as partículas estão se chocando entre si, em média com a mesma energia. Se algumas partículas apresentarem maior energia cinética de movimento que outras, seu impacto com as partículas de menor energia transferirá parte de sua energia para estas, o que diminui o teor de energia das partículas com muita energia, ao mesmo tempo que aumenta esse teor nas partículas com pouca energia, o que leva, ao longo do tempo, à equalização do teor de energia de todas as partículas. Por conseguinte, as partículas maiores, com mais massa (m) que as partículas menores, deslocam-se com menor velocidade (v), enquanto as partículas menores se movem com mais velocidade, de modo que suas energias cinéticas médias (k), definidas pela equação K= MV2 2 serão iguais para todas as partículas. Como resultado, em média, a energia cinética de cada molécula ou íon que atinge a membrana vai ser aproximadamente a mesma, independente de suas dimensões moleculares. Como conseqüência, o fator que determina a pressão osmótica de uma solução é a concentração dessa solução em termos do número de suas partículas (o que é o mesmo que a concentração molar, no caso de moléculas não-dissociadas), e não em termos da massa do soluto."Osmolalidade" — O osmol. Como a quantidade de pressão osmótica exercida por um soluto é proporcional à concentração do soluto, expressa em número de moléculas ou de íons, o uso da concentração do soluto em função de sua massa não tem qualquer valor na determinação da pressão osmótica. Para expressar essa concentração em termos do número de partículas, é usada a unidade osmol, em lugar de gramas. Um osmol é o número de moléculas em uma molécula-grama de soluto não-dissociado. Assim, 180 g de glicose, que correspondem a uma molécula-grama dessa substância, são iguais a 1 osmol, porque a glicose não se dissocia. Por outro lado, caso o soluto se dissocie em dois íons, 1 molécula-grama desse soluto equivale a 2 osmóis, visto que o número de partículas osmoticamente ativas passa a ser o dobro daquele do soluto não-dissociado. Por conseguinte, 1 molécula-grama de cloreto de sódio, 58,5 g, é igual a 2 osmóis. Uma solução que contenha / osmol de soluto dissolvido em 1 quilograma de água tem osmolalidade de 1 osmol por quilograma e a solução que contenha VIM» osmol dissolvido por quilograma tem osmolalidade de 1 miliosmol por quilograma (1 mOsm/ kg). A osmolalidade normal dos líquidos extra e intracelular é de cerca de 300 mOsm/kg. Relação entre a osmolalidade e a pressão osmótica. Na temperatura normal do corpo, 37ºC, a concentração de 1 osmol por litro produzirá - pressão osmótica de 19.300 mm Hg na solução. De igual modo, a concentração de 1 miliosmol por litro é equivalente à pressão osmótica de 19,3 mm Hg. Multiplicandose esse valor pela concentração de 300 miliosmóis dos líquidos corporais, obtém-se uma pressão osmótica total calculada para esses líquidos de 5.790 mm Hg. O valor medido, no entanto, é, em média, de 5.500 mm Hg. A razão dessa diferença é que muitos dos íons nos líquidos celulares tais como os de sódio e cloreto, são fortemente atraídos uns pelos outros; conseqüentemente, eles não conseguem deslocar-se livremente por esses líquidos, criando todo o seu potencial osmótico. Como resultado, em média, a verdadeira pressão osmótica dos líquidos corporais é de cerca de 0,93 do valor calculado. O termo "osmolaridade". Devido à dificuldade de se medir quilogramas de água em uma solução, o que é necessário para a determinação da os- molalidade usa-se, geralmente, outro termo, "osmolaridade", quando a concentração osmolar é expressa como osmóis por litro de solução, e não osmóis por quilograma de água. Embora, em sentido estrito, sejam os osmóis por quilograma de água os determinantes da pressão osmótica, não obstante, para soluções diluídas, como as encontradas no corpo, as diferenças quantitativas entre osmolaridade e osmolalidade são menores que 1%. Visto que é muito mais fácil a medida da osmolaridade que a da osmolalidade, ela se tornou prática comum em quase todos os experimentos fisiológicos. TRANSPORTE ATIVO Do que foi discutido até agora, é evidente que nenhuma substância pode difundir-se contra um "gradiente eletroquímico"', que é a soma de todas as forças difusionais que agem sobre a membrana — as forças geradas pelas diferenças de concentração, de potencial elétrico e de pressão. Isto é, muitas vezes é dito que as substâncias não podem difundir-se "ladeira acima". Contudo, é por vezes necessária grande concentração de uma substância no líquido intracelular, embora o líquido extracelular só contenha quantidade diminuta dela. Isso é verdade, por exemplo, para os íons potássio. De modo inverso, é importante a manutenção de outros íons muito baixa no interior da célula, apesar de suas concentrações no líquido extracelular serem muito altas. Isso é especialmente verdade para os íons sódio. Obviamente, nenhum desses dois efeitos poderia ocorrer pelo processo da difusão simples, pois ela tende sempre a equilibrar as concentrações nas duas faces da membrana. Ao contrário, alguma fonte de energia deve provocar o movimento "ladeira acima" dos íons potássio, para o interior da célula, e, também, o movimento dos íons sódio, igualmente "ladeira acima", mas para fora da célula. Quando a membrana celular transfere moléculas ou íons "ladeira acima" contra um gradiente de concentração (ou "ladeira acima" contra gradiente elétrico ou de pressão), o processo é chamado de transporte ativo. Entre as diferentes substâncias que são transportadas ativamente, através das membranas celulares, estão os íons sódio, potássio, cálcio, ferro, hidrogênio, cloreto, iodeto, urato, diversos e distintos açúcares e a maioria dos aminoácidos. Transporte ativo primário e secundário. O transporte ativo é dividido em dois tipos, segundo a fonte de energia utilizada para o transporte. São chamados de transporte ativo primário e de transporte ativo secundário. No transporte ativo primário, a energia é derivada diretamente da degradação do trifosfato de adenosina (ATP) ou de qualquer outro composto de fosfato rico em energia. No transporte ativo secundário, a energia é derivada, secundariamente, de gradientes iônicos que foram criados, em primeiro lugar, por transporte ativo primário. Nos dois casos, o transporte depende de proteínas carreadoras, que atravessam toda a espessura da membrana, como acontece na difusão facilitada. Contudo, no transporte ativo, a proteína carreadora funciona de modo distinto do carreador da difusão facilitada, pois ela é capaz de transferir energia para a substância transportadas, a fim de que possa mover-se contra o gradiente eletroquímico. Vamos apresentar alguns exemplos de transporte ativo primário e secundário e explicar, com mais detalhes, os princípios de seu funcionamento. Transporte ativo primário – A “bomba” de sódiopotássio Entre as substâncias que são transportadas por transporte ativo primário estão os íons sódio, potássio, cálcio, hidrogênio, cloreto e alguns outros. Todavia, nem todas essas substâncias são transportadas pelas membranas de todas as células. Ainda mais, algumas das bombas funcionam em membranas intrace- lulares em vez de (ou além de) nas membranas da superfície 41 das células, como na membrana do retículo sarcoplasmático das células musculares e em uma das duas membranas das mitocôndrias. Não obstante, todas funcionam, essencialmente, com o mesmo mecanismo básico. O mecanismo de transporte ativo que foi estudado mais detalhadamente é a bomba de sódio-potássio, o processo de transporte que bombeia os íons sódio para fora, através da membrana celular, enquanto, ao mesmo tempo, bombeia os íons potássio de fora para dentro. Essa bomba está presente em todas as células do corpo e é a responsável pela manutenção das diferenças de concentração de sódio e de potássio através da membrana celular, além de estabelecer um potencial elétrico negativo no interior das células. Na verdade, veremos no capítulo seguinte que essa bomba é à base do funcionamento nervoso de transmissão de sinais nervosos por todo o sistema nervoso. A Fig. 4.11 apresenta os componentes básicos da bomba Na+-K+. A proteína carreadora é um complexo de duas proteínas globulares distintas, uma maior, com peso molecular de cerca de 100.000, e outra menor, com peso molecular de 55.000. Embora não seja conhecida a função da proteína menor, a maior tem três características específicas que são importantes para o funcionamento da bomba: 1. Apresenta três sítios de fixação para os íons sódio, situa dos na parte da molécula que protrui para o interior da célula. 2. Tem dois sítios de fixação para os íons potássio em sua face externa. 3. A parte interna dessa proteína, adjacente ou muito próxima dos sítios de fixação de sódio, tem atividade de ATPase. Agora, para descrever o funcionamento da bomba: quando três íons sódio se fixam na parte interna da proteína carreadora e dois íons potássio se fixam à parte externa, a função ATPase da proteína é ativada. Isso cliva uma molécula de ATP, transformando-a em difosfato de adenosina (ADP) e liberando a energia de uma ligação fosfato rica em energia. Acredita-se que essa energia provoque alteração conformacional da molécula da proteína carreadora, o que expulsa o sódio para o exterior e trazendo o potássio para o interior. Infelizmente, o mecanismo preciso dessa alteração conformacional do carreador ainda não foi identificado. Importância da bomba Na+-K+ para o controle do volume celular. Uma das mais importantes funções da bomba Na+-K+ é a de controlar o volume das células. Sem essa função da bomba, a maioria das células iria inchar até estourar. O mecanismo para o controle do volume é o seguinte: no interior da célula existe grande número de proteínas e de outros compostos orgânicos que não podem sair dela. A maior parte desses compostos tem para impedir que isso aconteça é a bomba Na+-K+. Note-se, de novo, que esse mecanismo bombeia dois íons Na+ para o exterior, enquanto bombeia dois íons J+ para o interior. Por outro lado, a membrana é bem menos permeável ao sódio que ao potássio, de modo que, quando os íons sódio estão no exterior, eles têm forte tendência a permanecer aí. Assim, isso representa perda contínua e efetiva de substâncias iônicas para fora da célula, o que produz tendência osmótica oposta para deslocar a água para fora da célula. Ainda mais, quando a célula começa a inchar, isso ativa, automaticamente, a bomba Na+-K+, o que transfere mais íons para o exterior, levando água com eles. Por conseguinte, a bomba Na+-K+, exerce papel permanente de vigilância para a manutenção do volume normal da célula. A natureza eletrogênica da bomba Na+-K+. O fato de a bomba Na+-K+, transportar três íons sódio para o exterior, em troca de dois íons potássio transportados para o interior, implica a efetiva transferência de uma carga positiva para o exterior, a cada ciclo da bomba. Obviamente, isso gera positividade no exterior da célula, mas cria déficit de íons positivos no interior celular; isto é, ela produz negatividade nesse interior. Como resultado, a bomba Na+-K+ é dita eletrogênica, por criar um potencial elétrico através da membrana como conseqüência de seu bombeamento. A bomba de cálcio Outro mecanismo, igualmente muito importante, de transporte ativo primário é o da bomba de cálcio. Os íons cálcio são mantidos, normalmente, em concentrações extremamente baixas no citosol intracelular, de cerca de 10.000 vezes menor que no líquido extracelular. Isso é realizado por duas bombas de cálcio. Uma delas fica na membrana celular e bombeia cálcio para fora da célula. A outra bombeia cálcio para o interior de uma ou mais das organelas vesiculares do interior celular, como o retículo sarcoplasmático das células musculares e as mitocôndrias de todas as células. Nos dois casos, a proteína carreadora atravessa toda a espessura da membrana e também funciona como ATPase, com a mesma capacidade de desdobrar o ATP, como tem a ATPase das proteínas carreadoras de sódio. As duas proteínas carreadoras diferem pelo fato de esta proteína carreadora ter sítio de fixação para o cálcio, e não para o sódio. Saturação do transporte ativo O transporte ativo fica saturado de modo idêntico ao da saturação da difusão facilitada, como mostrado na Fig. 4.6. Quando a concentração da substância a ser transportada é pequena, a intensidade do transporte aumenta, em proporção direta, com o aumento da concentração. Todavia, com concentrações muito elevadas, o transporte tende a um valor máximo, chamado de Vmax, como ocorre na difusão facilitada. A saturação é causada pela limitação da velocidade com que as reações químicas de fixação, liberação e alterações conformacionais do carreador podem ocorrer. Energética do transporte ativo Fig. 4.11 Mecanismo proposto para a bomba de sódiopotássio. carga negativa e, como conseqüência, eles agregam ao seu redor grande número de íons positivos. Todas essas substâncias atuam, então, no sentido de provocar osmose de água para o interior da célula; se isso não fosse impedido, a célula iria inchar, indefinidamente, até estourar. Todavia, o mecanismo normal A quantidade de energia necessária para transportar ativamente uma substância através de membrana (sem levar em conta a energia perdida com o calor nas reações químicas) é determinada pelo grau a que a substância é concentrada durante o transporte. 42 Tomando como base a energia necessária para aumentar a concentração da substância por 10 vezes, será necessário consumo de três vezes mais energia para aumentar sua concentração por 100 vezes. Em outras palavras, a energia necessária é proporcional ao logaritmo do grau a que é concentrada a substância, como definido pela relação seguinte: C1 Energia (em calorias por osmol) - 1.400 log — C2 Isto é, em termos de calorias, a quantidade de energia necessária para concentrar por 10 vezes 1 osmol de uma substância é de cerca de 1.400 calorias e, por 100 vezes, 2.800 calorias. Pode-se ver que o consumo de energia para aumentar a concentração de substâncias no interior celular, ou para a remoção de substâncias para o exterior, contra gradiente de concentração, pode ser muito grande. Algumas células, como as que revestem os túbulos renais e certas células glandulares, consomem até 90% de sua energia nesse tipo de atividade. Transporte ativo secundário — co-transporte e contratransporte Quando os íons sódio são transportados para fora das células por transporte ativo primário, forma-se, na maioria das vezes, um gradiente de concentração de sódio muito intenso — concentração muito elevada no exterior e muito baixa no interior. Esse gradiente representa um reservatório de energia, visto que o excesso de sódio, no exterior da célula, tende sempre a se difundir para o interior. Sob condições adequadas, essa energia de difusão do sódio pode, literalmente, puxar outras substâncias, junto com o sódio, através da membrana. Esse fenômeno é chamado de co-transporte; é uma das formas do transporte ativo secundário. Para que o sódio possa levar consigo outras substâncias, é necessário um mecanismo de acoplamento. Isso é realizado por meio de outro tipo de proteína carreadora da membrana celular. Neste caso, o carreador atua como ponto de fixação para o íon sódio e para as substâncias que vão ser co-transportadas. Uma vez tendo acontecido a fixação dos dois, ocorre alteração conformacional da proteína carreadora e o gradiente de energia do sódio faz com que tanto o íon sódio como a substância cotransportada sejam transferidos juntos para o interior da célula. No contratransporte, de novo, os íons sódio tendem a se difundir para o interior da célula, devido a seu intenso gradiente de concentração. Contudo, neste caso, a substância que vai ser transportada está no interior da célula e deve ser transportada para o exterior. Por conseguinte, o íon sódio se fixa à proteína carreadora em sua extremidade que se projeta para fora, na face externa da membrana, enquanto a substância que vai ser contratransportada se fixa à projeção interna da proteína carreadora. Uma vez tendo acontecido a fixação dos dois, ocorre nova alteração conformacional, com a energia do íon sódio o transferindo para o interior e levando a outra substância a se deslocar para o exterior. Co-transporte do sódio com glicose ou com aminoácidos. A glicose e muitos aminoácidos são transportados para o interior das células contra gradientes muito intensos de concentração; o mecanismo disso é o sistema de co-transporte mostrado na Fig. 4.12. Deve ser notado que a proteína carreadora para esse transporte tem dois sítios de fixação em sua extremidade externa, um para o sódio e outro para a glicose. Por outro lado, a concentração de sódio é muito elevada no exterior e muito baixa no interior, o que dá a energia para o transporte. É propriedade especial dessa proteína transportadora que a alteração conformacional que permite a transferência do sódio para o interior só pode ocorrer quando uma molécula de glicose também se fixa Fig. 4.12 Mecanismo proposto para o co-transporte sódio-glicose. a ela. Quando os dois estão fixados, a alteração conformacional ocorre de modo automático e tanto o sódio como a glicose são transportados, ao mesmo tempo, para o interior da célula. Esse é, portanto um mecanismo de co-transporte sódio-glicose. O co-transporte de sódio com aminoácidos ocorre de modo idêntico ao da glicose, exceto pela utilização de conjunto diverso de proteínas de transporte. Já foram identificados cinco tipos distintos de proteínas de transporte para aminoácidos, cada um responsável pelo transporte de um subtipo de aminoácidos com características moleculares específicas. O co-transporte de sódio com glicose ou aminoácidos ocorre, de forma especial, nas células epiteliais do tubo intestinal e dos túbulos renais, participando na absorção dessas substâncias para o sangue, como discutiremos em outros capítulos. Outros dois importantes mecanismos de co-transporte são (1) o co-transporte de sódio-potássio-dois cloretos, que possibilita a transferência de dois íons cloreto, junto com um íon sódio e um íon potássio, para o interior da célula, todos se movendo na mesma direção, e (2) co-transporte potássio-cloreto, que possibilita a passagem de íons potássio e cloreto, juntos, do interior para o exterior celular. Outros tipos de co-transporte, encontrados, pelo menos, em algumas células, incluem os cotrans-portes de íons iodeto, de íons ferro e de íons urato. Contratransporte de sódio e íons cálcio e íons hidrogênio. Dois mecanismos especialmente importantes de contratransporte são os de contratransporte sódio-cálcio e contratransporte sódiohidrogênio, O contratransporte de cálcio existe em todas — ou quase todas — as membranas celulares, com o íon sódio se movendo para o interior e os íons cálcio para o exterior, ambos fixados à mesma proteína transportadora, em sistema de contratransporte. Isso acontece adicionalmente ao transporte primário de cálcio, encontrado em alguns tipos celulares. O contratransporte sódio-hidrogênio existe em diversos tecidos. Exemplo especialmente importante ocorre no túbulo proximal dos rins, onde os íons sódio se movem do lúmen tubular para o interior das células tubulares, ao mesmo tempo que os íons hidrogênio são transferidos para o lúmen. Esse mecanismo é crucial para a regulação dos íons hidrogênio nos líquidos corporais, como é discutido em maiores detalhes no Cap. 30. Outros mecanismos de contratransporte incluem as trocas de cátions, de íons cálcio ou sódio, em uma das faces da membrana, por íons magnésio ou potássio, na outra, e as trocas de ânions, íons cloreto se movendo em uma direção, e íons bicarbonato ou sulfato se movendo na direção oposta. TRANSPORTE ATIVO ATRAVÉS DE LÂMINAS CELULARES Em muitas regiões do corpo, as substâncias devem ser transportadas através de toda a espessura de lâminas formadas por muitas células, e não, simplesmente, através de uma membrana celular. 43 Fig. 4.13 Mecanismo básico para o transporte ativo através de toda a espessura de uma lâmina celular. Esse tipo de transporte ocorre no epitélio intestinal, no epitélio dos túbulos renais, no epitélio de todas as glândulas exócrinas, no epitélio da vesícula biliar, na membrana do plexo coróide cerebral e em muitas outras membranas. O mecanismo básico do transporte de substâncias através de lâminas celulares é o de (1) haver transporte ativo através da membrana celular, em uma das extremidades da célula e, em seguida, (2) haver difusão simples ou facilitada, através da membrana, na extremidade oposta da célula. A Fig. 4.13 mostra o mecanismo para o transporte de íons sódio através do epitélio do intestino, da vesícula biliar e dos túbulos renais. Essa figura mostra que as células epiteliais são unidas entre si, ao nível de seu pólo luminal, por meio de junções fechadas que bloqueiam, principalmente, a difusão dos íons sódio pelos espaços entre as células. Contudo, as superfícies luminais dessas células são muito permeáveis aos íons sódio e à água. Por conseguinte, os íons sódio e a água se difundem com grande facilidade para o interior dessas células. Então, nas membranas basais e laterais das células, os íons sódio são ativamente transportados para o líquido extracelular. Isso gera intenso gradiente de concentração de sódio através dessas membranas, o que, por sua vez, provoca a osmose da água. Assim, o transporte ativo de sódio, através das superfícies basolaterais das células epiteliais, provoca não apenas o transporte dos íons sódio, mas também, ao mesmo tempo, o de água. Ainda mais, qualquer outra substância que esteja acoplada por co-transporte ao sódio pode ser também transportada. Por exemplo, as cargas positivas dos íons sódio puxam, em geral, os íons cloreto, com carga negativa, junto com o sódio. De igual modo, quando a glicose (ou aminoácidos) é co-transportada com o sódio, através da superfície luminal da célula, a concentração intracelular de glicose aumenta. Então, essa glicose é transportada, por difusão facilitada, através das membranas basolaterais dessas células, atingindo, finalmente, o líquido extracelular, junto com os íons sódio, os íons cloreto e a água. Esses são os mecanismos pelos quais quase todos os nutrientes, os íons e outras substâncias são absorvidos do intestino para o sangue; também representam o meio como essas mesmas substâncias são reabsorvidas do filtrado glomerular pelos túbulos renais. REFERENCIAS Agnew, W. S.: Voltage-regulated aodium channel molecules. Annu. Rev. Physiol., 46:517, 1984. Almere, W., and Stirling, C: Distribution of tranaport proteína over animal membranes. J. Membr. Biol-, 77:169, 1984. Andreoli,T.E.,etal. (eds.): Physiologyof Membrane Disorders.2ndEd. New York, Plenum Publishing Corp,, 1986. Auerbach, A., and Sacha, F.: Patch clamp studies of single ionic channels. Annu. Rev. Biophys. Bioeng., 13:269,1984. Barry, P. H., and Diamond, J. M.: EffectB of unstirred layere on membrane phenomena. Phyaiol. Rev., 64:763, 1984. Bíggio, G., and Costa, E. (eds.): Chloride Channels and Their Modulation by Neurotransmitters and Drugs. New York, Raven Press, 1988. Blachley, J. E., et ai.: The harmful effects of ethanol on ion transport and cellular respiration. Am. J. Med. Sei., 289:22, 1985. Bohr, D. F.: Cell membrane in hypertension. News Physiol. Sei., 4:85, 1989. Bretag, A. H.: Muscle chloride channels. Phyaiol. Rev., 67:618,1987. Cereijido, M., et ai.: Tight junction: Barrier between higher organisms and environment. News Physiol. Sei., 4:72, 1989. Chasis, J. A., and Shohet, S. B.: Red ceílbiochemical anatomy and membrane propertiea. Annu. Rev. Physiol., 49:237, 1987. Deuticke, B., and Haest, C. W. M.: Lipid modulation of transport proteins in vertebrate cell membranes. Annu. Rev. Physiol., 49:221,1987. Dinno, M. A., and Armstrong, W. M. (eds.): Membrane Biophysics III: Biológica! Transport. New York, Alan R. Lisa, Inc., 1988. DiPolo, R., and Beauge, L.; The calcium purap and sodium-calcium exchange in squid axons. Annu. Rev. Physiol., 45:313,1983. Donowitz, M., and Welsh, M. J.: Ca>+ and cyclic AMP in regulation of intestinal Na, K, and Cl transport. Annu. Rev. Physiol., 48:135, 1986. Ellis, D.: Na-Ca exchange in cardiac tissues. Adv. Myocardiol., 5:295, 1985. Finkelstein, A., et ai.: Osmotic swelling of vesicles. Annu. Rev. Physiol., 48:135, 1986. Flatman, P. W.: Magnesium tranaport across cell membranea. J. Membr. Biol., 80:1, 1984. Forgac, M.: Structure and function of vacuolar class of ATP-driven proton pumps. Phyaiol. Rev., 69:765, 1989. Gadsby, D. C: The Na/K pump of cardiac cells. Annu. Rev. Biophys. Bioeng., 13:373, 1984. Haas, M.: Properties and diveraity of Na-KMembranes and Their Functional Implications. New York, Plenum Publishing Corp., 1988. HofTmann, E. K., and Simonsen, L. 0.: Membrane mechanisins in volume and pH regulation in vertebrate cells. Physiol. Rev., 69:315, 1989. Ive3, H. E., and Rector, F. C, Jr.: Proton transport and cell function. J. Clin. Invest., 73:285, 1984. Jacobson, K., et ai.: Lateral diffusion of proteína in membranes. Annu. Rev. Phyaiol., 49:163, 1987. Jennings, M. L.: Kinetics and mechanism of anion tranaport in red blood cells. Annu. Rev. Physiol., 47:519, 1985. Kaplan, J. H.: Ion movements through the sodium pump. Annu. Rev. Physiol., 47:535, 1985. Kim, C. H., and Tedeschi, H. (eds.): Advances in Membrane Biochemiatry and Bioenergetics. New York, Plenum Publishing Corp., 1987. Latorre, R., et ai.: Varieties of calcium-activated potassium channelB. Annu. Rev. Physiol., 51:385, 1989. Lauger, P.: Dynamics of ion transport systems in membranes. PhyBiol. Rev., 67:1296, 1987. Lear, J. D., et ai.: Synthetic amphiphilic peptide models for protein ion channels. Science, 240:1177, 1988. Lemer, J.: Cell membrane amino acid transport processes in the domestic fowl (Gallus domesticus). Comp. Biochem. Physiol., 78:205,1984. Lindermann, B.: Fluctuation analysis of sodium channels in epthelia. Annu. Rev. Physiol., 46:497, 1984. Macey.R. I.: Transport ofwater and ureain red blood cells. Am. J. Physiol., 246:C195, 1984. Malhotra. S. K.: The Plasma Membrane. New York, John Wiley & Sons, 1983. Miller, C: Ion channels in liposomes. Annu. Rev. Physiol., 46:549, 1984. Miller, C: Integral membrane channels: Studies in model membranea. Phys- ioi. Rev., 63:1209, 1983. Narahashi, T.: Ion Channels. New York, Plenum Publishing Corp., 1988. Parker, J. D., and Berkowitz, L. R.: Physiologically instruetive genetic variants involving the human red cell membrane. Physiol. Rev., 63:261,1983. Petersen, 0. H.: Potassium channeia and fluid secretion. News Physiol. Sei.,1:92, 1986. Petereen, O. H., and Petersen, C. C. H.: Thepatch-clamp technique: Recording ionic currents through single pores in the cell membrane. News Physiol. Sei., 1:5, 1986. Reuter, H.: Modulation of ion channels byphosphorylation and secondmes-sengera. News Physiol. Sei., 2:168, 1967. Reuter, H.: Ion channels in cardiac cell membranes. 44 Annu. Rev. Physiol., 46:473, 1984. Rudel, R., and Lehmann-Horn, F.: Membrane changes in cells from myo- tonia patients. Physiol. Rev., 65:310, 1985. Sakmann, B., and Neher, E.: Patch clamp techniques for studying ionic channels in excitable membranes. Annu. Rev. Physiol., 46:455, 1984. Salkoff, L. B., and Tonouye, M. A.: Genetics of ion channels. Physiol. Rev.,66:301, 1986. Schatzmann, H. J.: The calcium pump of the surface membrane and of the sarcoplaaraic reticulum. Annu. Rev. PhyBÍol., 51:473, 1989. Schatzmann, H. J.: The red cell calcium pump. Annu. Rev. Phyaiol., 445:303, 1983. Schultz, S. G.: A cellular model for active sodium absorption by mammalian cólon. Annu. Rev. Physiol., 46:435, 1984. Schwartz, G. J., and Al-Awqati, Q.: Regulation of transepithelia H* transport by exocytoaia and endocytosía. Annu. Rev. Physiol., 48:153, 1986. Smíth, P. L., and McCabe, R. D.: Mechanism and regulation of transcellular potaasium transport by the cólon. Am. J. Physiol., 247:G445, 1984. Stein, W. D. (ed.): The Ion Pumpa: Structure, Function, and Regulation. 45 CAPÍTULO 5 Potenciais de Membrana e Potenciais de Ação Existem diferenças de potencial elétrico através das membranas de praticamente todas as células do corpo, e algumas células, como as nervosas e musculares, são "excitáveis isto é, capazes de autogerar impulsos eletroquímicos em suas membranas e, na maioria dos casos, utilizar esses impulsos para a transmissão de sinais ao longo das membranas. Em outros tipos de células, tais como as glandulares, os macrófagos e as células ciliadas, outras classes de variação dos potenciais de membrana têm, provavelmente, participação ativa no controle de muitos aspectos do funcionamento celular. Todavia, o que será discutido neste capítulo está relacionado aos potenciais de membrana gerados, no repouso e durante a atividade, pelas células nervosas e musculares. A FÍSICA BÁSICA DOS POTENCIAIS DE MEMBRANA OS POTENCIAIS DE MEMBRANA CAUSADOS PELA DIFUSÃO A Fig. 5.1A e B apresenta uma fibra nervosa sob condições em que não ocorre transporte ativo de sódio e de potássio. Na Fig. 5. IA, a concentração de potássio é muito elevada no interior da membrana, enquanto é muito baixa no exterior. Vamos admitir que, nesse caso, a membrana seja muito permeável aos íons potássio, mas não seja permeável a qualquer outro íon. Devido ao grande gradiente de concentração de potássio, dirigido do interior para o exterior, existe forte tendência para o potássio se difundir para o lado de fora. À medida que isso acontece, esses íons transportam cargas positivas para o exterior, o que cria estado de eletropositividade por fora da membrana e de etetronegatividade em seu interior, causado pelos ânions negativos que aí permanecem e que não se difundem para fora junto com o potássio. Essa nova diferença de potencial repele os íons positivos de potássio, na direção oposta, do exterior para o interior. Dentro de cerca de um milissegundo, essa variação do potencial fica suficientemente intensa para bloquear qualquer difusão adicional de íons de potássio para o exterior, apesar do elevado gradiente de concentração desse íon. Nas maiores fibras nervosas normais de mamíferos, a diferença de potencial necessária para esse efeito é da ordem de 94 mV, com a negatividade no interior da membrana da fibra. A Fig. 5.1B apresenta o mesmo fenômeno que a Fig. 5. IA, mas, agora, com concentração elevada de íons sódio por fora da membrana e muito baixa em seu interior. Esses íons também têm carga positiva e, aqui, a membrana é extremamente permeável aos íons sódio, mas impermeável a qualquer outro íon. A difusão dos íons sódio para o interior resulta em potencial de membrana com polaridade invertida, negatividade interna e positividade interna. De novo, o potencial de membrana aumenta o suficiente, em milissegundos, para bloquear a continuação da difusão efetiva de íons sódio para o interior; todavia, neste caso, nas fibras nervosas de maior calibre de mamíferos, a diferença de potencial necessária é de 61 mV, com a positividade no interior da fibra. Assim, nos dois painéis da Fig. 5.1, vemos que a diferença de concentração de íons, através de membrana seletivamente permeável, pode, em condições adequadas, ser causa de um potencial de membrana. Em algumas seções adiante, veremos que muitas das alterações rápidas dos potenciais de membrana observados durante o curso da transmissão de impulsos no nervo e no músculo resultam da ocorrência desse tipo de potenciais de difusão, de variação muito rápida. Relação do potencial de difusão com a diferença de concentração — a equação de Nernst. O nível do potencial através da membrana, capaz de impedir, com exatidão, a difusão efetiva de um íon, em qualquer direção, é chamado de potencial de Nernst para esse íon. O valor desse potencial é determinado pela proporção entre as concentrações do íon nos dois lados da membrana — quanto maior for essa proporção, maior será a tendência do íon a se difundir em uma direção e, como resultado, maior será o potencial de Nernst. A seguinte equação, chamada de equação de Nernst, pode ser usada para o cálculo do potencial de Nernst para qualquer íon monovalente na temperatura normal do corpo de 37°C: FEM (em milivolts) = ± 61 log Concentração interna Concentração externa Ao se usar esta relação, admite-se que o potencial por fora da membrana sempre permaneça exatamente em zero e o potencial de Nernst que é calculado é o que vigora no interior da membrana. Por outro lado, o sinal do potencial é positivo (+) quando o íon em questão é negativo e negativo (-) quando esse íon é positivo. Por exemplo, quando a concentração de um íon positivo 46 Fig. 5.1 A, Desenvolvimento de um potencial de difusão através de membrana celular, causado pela difusão de íons potássio, do interior para o exterior, através de membrana que só é" seletivamente permeável aos íons potássio. B, Desenvolvimento de um potencial de difusão quando a membrana só é permeável aos íons sódio. Notar que o potencial interno da membrana é negativo, pela difusão dos íons potássio, e positivo quando a difusão é de íons sódio, devido à direção oposta dos gradientes de concentração desses dois íons. (digamos, o íon potássio) no interior for 10 vezes maior que no exterior, e como o logaritmo de 10 é 1, o valor calculado para o potencial de Nernst será de -61 mV no interior da membrana. Cálculo do potencial de difusão quando a membrana é permeável a vários íons diferentes Quando a membrana é permeável a vários e diversos íons, o potencial de difusão que se desenvolve depende de três fatores: (1) a polaridade da carga elétrica de cada íon; (2) a permeabilidade da membrana (P) para cada íon; e (3) as concentrações (C) dos íons respectivos, dentro (i) e fora (e) da membrana. Então, pela seguinte relação, chamada de equação de Goldman, ou de equação de Goldman-Hodgkin-Katz, podese calcular o valor do potencial de membrana vigente no interior da membrana quando dois íons positivos monovalentes, sódio (Na+) e potássio (K+), e um íon negativo, também monovalente, o cloreto (Cl"), são participantes: Vamos, agora, analisar a importância e o significado desta equação. Primeiro, os íons sódio, potássio e cloreto são os íons com participação mais importante no desenvolvimento dos potenciais de membrana nas fibras nervosas e musculares, bem como nas células neuronais do sistema nervoso central. O gradiente de concentração de cada um desses íons, através da membrana, ajuda na determinação da voltagem do potencial de membrana. Segundo, o grau de importância de cada íon, na determinação da voltagem, é proporcional à permeabilidade da membrana para esse íon. Assim, caso a membrana seja impermeável aos íons potássio e cloreto, o potencial de membrana será totalmente dependente apenas do gradiente de concentração dos íons sódio, e o potencial resultante será exatamente igual ao potencial de Nernst para o sódio. O mesmo princípio permanece válido para cada um dos outros dois íons, caso a membrana fique seletivamente permeável para apenas um dos dois. Terceiro, um gradiente de concentração iônica, do interior para o exterior da membrana, vai produzir eletronegatividade no interior dessa membrana. A razão disso é que os íons positivos se difundem para o exterior, quando sua concentração interna é maior que a externa. Isso carrega cargas positivas para fora, mas deixa os ânions negativos não-difusíveis no interior. O efeito exatamente oposto ocorre quando existe gradiente de íon negativo. Isto é, um gradiente do íon cloreto, do exterior para o interior, produz negatividade no interior da célula, porque os íons cloreto, com carga negativa, se difundem para o interior, ao mesmo tempo que os íons positivos ficam do lado de fora. Quarto veremos adiante que as permeabilidades dos canais de sódio e de potássio passam por variações muito rápidas, durante a condução do impulso nervoso, enquanto a permeabilidade dos canais de cloreto não se altera de muito nesse processo. Por conseguinte, as variações das permeabilidades ao sódio e ao potássio são as principais responsáveis pela transmissão dos sinais pelos nervos, o que é o assunto do resto deste capítulo. MEDIDA DO POTENCIAL DE MEMBRANAS O método para a medida do potencial de membrana é simples em teoria, mas, muitas vezes, difícil na prática, devido às dimensões diminutas da maioria das fibras. A Fig. 5.2 mostra pequena pipeta, cheia de solução eletrolítica concentrada (KC1), que é impalada, através da membrana celular, até o interior da fibra. Em seguida, outro eletródio, chamado de "eletródio indiferente", é colocado nos líquidos intersticiais, e a diferença de potencial entre o interior e o exterior da fibra é medida por meio de voltímetro adequado. Esse voltímetro é, na realidade, um aparelho eletrônico muito sofisticado, capaz de medir voltagens bastantes reduzidas, apesar de haver resistência extremamente elevada ao fluxo elétrico pela ponta da micropipeta. que tem, em geral, diâmetro inferior a 1 µm e resistência que pode atingir um bilhão de ohms. Para o registro de variações rápidas do potencial de membrana, durante a transmissão de impulsos nervosos, o microeletródio é ligado a um osciloscópio, como explicado adiante, neste capítulo. A MEMBRANA CELULAR COMO UM CAPACITADOR ELÉTRICO Em cada uma das figuras usadas até agora, as cargas iônicas negativas e positivas que geram o potencial de membrana foram mostradas como dispostas em contato com a membrana, e nada se falou da sua disposição em outras partes dos líquidos, nem do interior da fibra nervosa, ou fora dela, no líquido intersticial. Contudo, a Fig. 5.3 mostra isso, destacando que, exceto na região adjacente à própria membrana celular, as cargas negativas e positivas estão precisamente em igualdade. Isso é chamado de princípio da neutralidade elétrica; isto é, para cada íon positivo, existe, na vizinhança, outro íon, negativo, para neutralizá-lo; de outra forma, seriam gerados potenciais elétricos de bilhões de volts nesses líquidos. Quando cargas positivas são bombeadas para fora da membrana, essas cargas positivas se alinham ao longo da face externa da membrana, enquanto em sua face interna se alinham os ânions que permaneceram no interior da fibra. Fig. 5.2 Medida do potencial de membrana de fibra nervosa por meio de micropipeta. 47 Fig. 5.3 Distribuição dos íons com cargas positivas e negativas no líquido intersticial que banha uma fibra nervosa e no líquido no interior da fibra; notar a disposição em dipolos das cargas negativas na superfície interna da membrana e das cargas positivas na face externa, No painel inferior são mostradas as variações abruptas do potencial de membrana, ao nível da membrana, nos dois lados da fibra. Isso cria uma camada de dipolos, de cargas positivas e negativas, entre as faces externa e interna da membrana, mas permanece igual número de cargas positivas e negativas nas outras regiões dos líquidos. Esse é o mesmo efeito observado quando as placas de capacitador (ou condensador) elétrico são eletricamente carregadas — isto é, o alinhamento de cargas negativas e positivas nos lados opostos da membrana dielétrica do capacitador. Por conseguinte, a bicamada lipídica da membrana celular funciona, na realidade, como o dielétrico do capacitador da membrana celular, do mesmo modo como mica papel ou Mylar funcionam como dielétrico em capacitadores elétricos. Por ser a membrana celular extremamente fina (de 7 a 10 nm), sua capacitância é imensa, em relação à sua área — cerca de 1 microfarad por centímetro quadrado. A parte inferior da Fig. 5.3 mostra o potencial elétrico que vai ser registrado em cada ponto na ou próximo da membrana de fibra nervosa, começando do lado esquerdo da figura e progredindo para a direita, Enquanto o eletródio estiver por fora da membrana neural, o potencial que vai ser registrado será zero, que é o potencial do líquido extracelular. Em seguida, quando o eletródio atravessar a camada do dipolo elétrico na membrana celular, o potencial diminuirá, imediatamente, até -90 mV. De novo, o potencial de membrana permanece em valor estável enquanto o eletródio passa pelo interior da fibra, mas volta a zero, ao passar pela região oposta da membrana. O fato de a membrana funcionar como um capacitor tem um ponto de importância especial: para que seja criado um potencial negativo no interior da membrana, basta o transporte de número de íons positivos suficientes para a produção da camada elétrica de dipolos do nível da própria membrana. Todos os íons remanescentes no interior da fibra ainda podem ser íons positivos e negativos. Como resultado, apenas um número extremamente reduzido de íons precisa ser transferido para produzir o potencial normal de —90 mV no interior da fibra nervosa — apenas cerca de 1/5.000,000 a 1/100.000.000 das cargas positivas totais do interior da fibra precisa ser transferido. Também, número igualmente diminuto de íons positivos se deslocando do exterior para o interior pode inverter o potencial de —90 mV para até +35 mV dentro de intervalo de tempo da ordem de 1/10. 000 de segundo. Esse rápido deslocamento de íons, dessa forma, gera os sinais nervosos que iremos discutir em seções subseqüentes deste capítulo. de cerca de -90 mV. Isto é, o potencial no interior da fibra é 90 mV mais negativo que o potencial do líquido intersticial, por fora da fibra. Nos parágrafos seguintes, vamos explicar todos os fatores que determinam o valor desse potencial, mas, antes de fazê-lo, devemos descrever as propriedades de transporte da membrana neural em repouso para o sódio e o potássio. Transporte ativo dos íons sódio e potássio através da membrana - a bomba sódio-potássio. Primeiro, devemos nos lembrar do que foi discutido no capítulo precedente, que todas as membranas celulares do corpo apresentam uma potente bomba sódio-potássio e que essa bomba, continuamente, bombeia sódio para o exterior e potássio para o interior. Devemos nos lembrar, ainda, que essa é uma bomba eletrogênica, pois mais cargas positivas são bombeadas para fora que para dentro (três íons Na + para o exterior para cada dois íons K + para o interior), deixando déficit efetivo de íons positivos no interior; isso é o mesmo que criar carga negativa no interior da membrana celular. Essa bomba sódio-potássio também é causa dos imensos gradientes de concentração para o sódio e o potássio através da membrana neural em repouso. Esses gradientes são os seguintes: Na+ Na+ K+ K+ (externa): (interna): (externo): (interno): 142 mEqA 14 mEq/1 4 mEq/1 140 mEq/1 As proporções entre esses dois íons, do interior para o exterior, são: Na+ interior / Na + exterior = 0,1 K+ interior / K+ exterior = 35,0 Vazamento de sódio e de potássio através da membrana neural. A direita na Fig. 5.4 é mostrada uma proteína de canal da membrana celular, pela qual os íons sódio e potássio podem vazar, denominada canal de "vazamento" para sódiopotássio. Na verdade, existem diversos tipos distintos de proteínas desse tipo, com características diferentes de vazamento. Contudo, a ênfase recai sobre o vazamento de potássio, porque, em média, os canais são muito mais permeáveis ao potássio que ao sódio, cerca de 100 vezes mais. Veremos adiante que essa permeabilidade diferencial é extremamente importante para a determinação do valor do potencial de membrana normal em repouso. O POTENCIAL DE MEMBRANA EM REPOUSO DOS NERVOS O potencial de membrana das fibras nervosas de grande calibre, quando elas não estão transmitindo sinais nervosos, é Fig. 5.4 As características funcionais da bomba Na+-K+ e dos canais de "vazamento" para o potássio. 48 ORIGEM DO POTENCIAL DE MEMBRANA EM REPOUSO NORMAL A Fig. 5.5 apresenta os fatores importantes para o estabelecimento do potencial de membrana em repouso normal de -90 mV. Eles são os seguintes: Contribuição do potencial de difusão do potássio. Na Fig. 5.5A, admitimos que o único movimento de íons através da membrana seja por difusão de íons potássio, como mostrado pelos canais abertos para o potássio, entre o interior da membrana e o exterior. Devido à proporção muito alta entre as concentrações interna e externa desse íon, da ordem de 35 para 1, o potencial de Nernst correspondente a essa proporção é de -94 mV, dado que o logaritmo de 35 é 1,54 e esse valor multiplicado por -61 dá -94 mV. Por conseguinte, caso os íons potássio fossem o único fator causador do potencial de repouso, esse potencial de repouso também seria igual a -94 mV, como mostrado na figura. Contribuição da difusão do sódio através da membrana neural. A Fig. 5.5B mostra a adição da reduzida permeabilidade da membrana neural aos íons sódio, causada pela diminuta difusão de íons sódio pelos canais de vazamento K+ -Na+. A proporção entre os íons sódio do interior e do exterior é de 0,1 e isso dá um valor calculado para o potencial de Nernst para o interior da membrana de +61 mV. Mas também é mostrado na Fig. 5.5B o potencial de Nernst para a difusão do potássio de -94 mV. Como eles interagem entre si e qual vai ser o potencial resultante? Isso pode ser respondido por meio da equação de Goldman, descrita antes. Todavia, de modo intuitivo, pode-se ver que, se a membrana for muito permeável ao potássio, mas pouco permeável ao sódio, é lógico que a difusão de potássio terá contribuição muito maior para o potencial de membrana que a difusão do sódio. Na fibra nervosa normal, a permeabilidade da membrana ao potássio é cerca de 100 vezes maior que para o sódio. Se for usado esse valor na equação de Goldman. obtém-se valor para o potencial interno da membrana de -86 mV, como mostrado à direita da figura. Contribuição da bomba Na+- K+ Finalmente, na Fig. 5.5C, é mostrada a contribuição adicional da bomba Na+-K+. Nessa figura, ocorre bombeamento contínuo de três íons sódio para o exterior, e de dois íons potássio para o interior da membrana. O fato de serem bombeados mais íons sódio para o exterior que de potássio para o interior resulta em perda continuada de cargas positivas pelo interior da membrana, o que causa grau adicional de negatividade (de cerca de - 4 mV) do interior, além da que poderia ser explicada apenas por difusão. Por conseguinte, como mostrado na Fig. 5.5C, o potencial de membrana efetivo, com todos esses fatores atuando ao mesmo tempo, é de -90 mV. Em resumo, apenas os potenciais de difusão, causados pela difusão de potássio e de sódio, produziriam um potencial de membrana da ordem de - 86 mV, quase que todo ele resultante da difusão de potássio. Além disso, cerca de - 4 mV adicionais representam a contribuição para o potencial de membrana da bomba eletrogênica de Na + -K+, dando o potencial efetivo de membrana de -90 mV. O potencial de membrana em repouso nas grandes fibras musculares esqueléticas é, aproximadamente, o mesmo que o das fibras nervosas mais calibrosas, em torno de -90 mV. Contudo, nas fibras nervosas mais delgadas c nas menores fibras musculares — por exemplo, as do músculo liso —, bem como em muitos neurônios do sistema nervoso central, o potencial de membrana pode ser de apenas -40 a -60 mV, em vez de -90 mV. O POTENCIAL DE AÇÃO NEURAL Fig, 5.5 Desenvolvimento do potencial de membrana em repouso, em fibras nervosas, sob três condições distintas: A, quando o potencial de membrana é causado apenas pela difusão de potássio; B quando o potencial de membrana é causado pela difusão de íons sódio e potássio; C, quando o potencial de membrana é causado pela difusão conjunta de íons sódio e potássio, mais o bombeamento desses dois íons pela bomba Na--K+. Os sinais neurais são transmitidos por meio de potenciais de ação, que são variações muito rápidas do potencial de membrana. Cada potencial de ação começa por modificação abrupta do potencial de repouso negativo normal para um potencial positivo e, em seguida, termina com modificação quase tão rápida para o potencial negativo. Para conduzir um sinal neural, o potencial de ação se desloca, ao longo da fibra nervosa, até atingir seu término. O painel superior da Fig. 5.6 apresenta as alterações que ocorrem na membrana durante o potencial de ação, com transferência de cargas positivas para o interior no seu início e retorno dessas cargas positivas para o exterior ao seu fim. O painel inferior retrata graficamente as alterações sucessivas do potencial de membrana, durante alguns poucos décimos milésimos de segundo, mostrando o início explosivo do potencial de ação e sua restauração em tempo quase tão rápido. As fases sucessivas do potencial de ação são as seguintes: Fase de repouso. É o potencial de membrana em repouso, antes que comece o potencial de ação. Diz-se que a membrana está "polarizada" durante esta fase, devido ao elevado potencial de membrana presente. 49 Fig. 5.6 Potencial de ação típico, registrado pelo método mostrado no painel superior da figura. Fase de despolarização. Em determinado momento, a membrana fica, abruptamente, muito permeável aos íons sódio, o que permite a entrada de grande número de íons sódio para o interior do axônio. O estado "polarizado" normal de - 90 mV é perdido, com o potencial variando rapidamente na direção da positividade. Isso é chamado de despolarização. Nas fibras nervosas mais calibrosas, o potencial de membrana "ultrapassa" (overshoots) o valor zero, e fica positivo, mas, nas fibras mais finas e em muitos neurônios do sistema nervoso central, o potencial apenas fica próximo do valor zero, e não o ultrapassa para ficar positivo. Fase de repolarização. Dentro de poucos décimos milésimos de segundo após a membrana ter ficado extremamente permeável aos íons sódio, os canais de sódio começam a se fechar, enquanto os canais de potássio se abrem mais que o normal. Então, a rápida difusão dos íons potássio para o exterior restaura o potencial de membrana negativo normal do repouso. Isso é chamado de repolarização da membrana. Para explicar com mais detalhes os fatores responsáveis pelos processos de despolarização e de repolarização, precisamos, agora, explicar as características especiais de outros dois tipos de canais para o transporte através da membrana neural: os canais de sódio e de potássio voltagem-dependentes. OS CANAIS DE SÓDIO E DE POTÁSSIO VOLTAGEM DEPENDENTES O agente necessário para a produção da despolarização e da repolarização da membrana neural, durante o potencial de ação, é o canal de sódio voltagem-dependente. Contudo, o canal de potássio voltagem dependente também tem participação importante ao aumentar a rapidez da repolarização da membrana. Esses dois canais voltagem - dependentes existem juntamente com a bomba Na+ -K+ e os canais de vazamento Na+ K+. O canal de sódio voltagem-dependente — "ativação" e "inativação" do canal O painel superior da Fig. 5.7 apresenta o canal de sódio voltagem-dependente em três estados distintos. Esse canal tem Fig. 5.7 Características dos canais de sódio e potássio voltagemdependentes, mostrando a ativação e a inativação dos canais de sódio, mas apenas a ativação dos canais de potássio, que só ocorre quando o potencial de membrana varia de seu valor negativo normal em repouso para um valor positivo. duas comportas, uma próxima à extremidade externa do canal, chamada de comporta de ativação, e outra próxima à extremidade interna, chamada de comporta de inativação. A esquerda é mostrado o estado dessas duas comportas no período normal de repouso, quando o potencial de membrana é de —90 mV. Nesse estágio, a comporta de ativação fica fechada, o que impede o acesso de qualquer íon sódio ao interior da fibra por meio desses canais. Por outro lado, as comportas de inativação estão abertas, não constituindo, nesse estágio, qualquer impedimento à passagem de íons sódio. Ativação do canal de sódio. Quando o potencial de membrana fica menos negativo que durante o período de repouso, passando de -90 mV para zero, ele passa por uma voltagem. em geral entre -70 e -50 mV, que provoca alteração conformacional da comporta de ativação, fazendo com que ela se abra. Isso é chamado de estado ativado; durante ele, os íons sódio podem literalmente jorrar por esses canais, aumentando a permeabilidade ao sódio da membrana por até 500 a 5.000 vezes. Inativação do canal de sódio. Na extrema direita do painel superior da Fig. 5.7 é mostrado o terceiro estado do canal de sódio. O mesmo aumento da voltagem que abre a comporta de ativação também fecha a comporta de inativação. Contudo, o fechamento da comporta de inativação só ocorre após alguns décimos milésimos de segundo da abertura da comporta de ativação. Isto é, a alteração conformacional que modifica o canal de inativação para a posição fechada é um processo mais lento, enquanto a alteração conformacional que abre a comporta de ativação é muito rápida. Como resultado, após o canal de sódio ter ficado aberto por alguns décimos milésimos de segundo, ele se fecha e os íons sódio não mais podem jorrar para o interior da membrana. A partir desse momento, o potencial de membrana começa a variar em direção ao valor vigente no estado de repouso da membrana, o que constitui o processo de repolarização. Característica muito importante do processo de inativação 50 do canal de sódio é a de que a comporta de inativação não voltará a se abrir até que o potencial de membrana retorne até (ou bastante próximo) o valor do potencial de membrana de repouso inicial. Como conseqüência, não é possível nova abertura dos canais de sódio até que a fibra nervosa se tenha repolarizado. Os canais de potássio voltagem dependentes e sua ativação O painel inferior da Fig. 5.7 apresenta o canal de potássio voltagem-dependente em dois estados distintos: durante o estado de repouso e próximo ao término do potencial de ação. Durante o estado de repouso, o canal de potássio fica fechado, como mostrado à esquerda da figura, e os íons potássio são impedidos de passar por esse canal para o exterior. Quando o potencial de membrana começa a aumentar, a partir de -90 mV, em direção ao zero, essa variação de voltagem provoca alteração conformacional, abrindo o canal e permitindo aumento da difusão do potássio por ele. Contudo, devido à lentidão com que esses canais de potássio se abrem, eles ficam abertos apenas a partir do momento em que os canais de sódio começam a ser inativados e, portanto, se fechando. Assim, a diminuição do influxo de sódio para a célula, com aumento simultâneo do efluxo de potássio, acelera de muito o processo da repolarização, levando, dentro de poucos décimos milésimos de segundo, à recuperação completa do potencial de membrana de repouso. O método de estudo para a medida do efeito da voltagem sobre a abertura e fechamento dos canais voltagem-dependentes - a "fixação de voltagem". Os estudos originais que levaram à nossa compreensão quantitativa dos canais de sódio e de potássio foram tão engenhosos que levaram à outorga de Prêmios Nobel aos cientistas responsáveis, Hodgkin e Hux-ley. A parte fundamental desses estudos é mostrada nas Figs. 5.8 e 5.9. A Fig. 5.8 mostra o equipamento usado nesses experimentos, chamado de fixador de voltagem, que foi usado para medir o fluxo de íons pelos diferentes canais. Ao se usar esse equipamento, dois eletródios são introduzidos na fibra nervosa. Um deles destina-se à medida da voltagem do potencial de membrana. A outra é usada para conduzir corrente elétrica, tanto para dentro, como para fora da fibra nervosa. Esse equipamento é usado do seguinte modo: o experimentador escolhe a voltagem que deseja produzir no interior da fibra nervosa. Em seguida, ajusta a parte eletrônica do equipamento para a voltagem desejada, o que, automaticamente, faz com que ocorra injeção de eletricidade positiva ou negativa, por meio do eletródio de corrente, na intensidade necessária para manter a corrente, como medida pelo eletródio de voltagem, no valor escolhido pelo experimentador. Por exemplo, quando o potencial de membrana é subitamente aumentado de -90 mV até zero, os canais de sódio e potássio voltagem-dependentes se abrem. Fig. 5.8 O método de "fixação de voltagem" para o estudo do fluxo de íons por seus canais específicos. e os íons sódio e potássio começam a jorrar pelos canais. Para contrabalançar o efeito desses movimentos iônicos sobre o potencial fixado, é injetada corrente elétrica, automaticamente, por meio do eletródio de corrente do fixador de voltagem, para manter a voltagem intracelular em zero. Para que isso possa ocorrer, a corrente injetada deve ser exata-mente igual, mas com a polaridade inversa, ao fluxo efetivo de corrente através dos canais da membrana. Para a medida de quanto fluxo de corrente está ocorrendo a cada instante, o eletródio de corrente é ligado a um osciloscópio que registra o fluxo de corrente, como mostrado na tela do osciloscópio na figura. Finalmente, o experimentador ajusta as concentrações dos íons aos valores desejados, tanto no interior como por fora da fibra, e repete a medida. Isso pode ser feito com bastante facilidade quando são usadas fibras nervosas muito calibrosas, obtidas de crustáceos, em especial o axônio gigante da lula que, por vezes, chega a ter diâmetro de 1 mm. Quando o sódio é o único íon permeante nas soluções interna e externa que banham o axônio da lula, esse método de fixação de voltagem só mede o fluxo de corrente pelos canais de sódio. Quando o único íon permeante é o potássio, só é medido o fluxo de corrente pelos canais de potássio. Outro método para estudo do fluxo de íons por canais com características específicas é por bloqueio de um tipo de canal de cada vez. Por exemplo, os canais de sódio podem ser bloqueados pela toxina tetro-dotoxina, quando aplicada à superfície externa da fibra nervosa, onde ficam as comportas de ativação do sódio. Inversamente, o tetraetilamônio bloqueia os poros de potássio, quando c aplicado ã superfície interna da fibra nervosa. A Fig. 5.9 mostra as variações típicas da condutância dos canais de sódio e potássio voltagem-dependentes, quando se faz o potencial de membrana variar subitamente, por meio do fixador de voltagem, de -90 mV para +10 mV e, 2 ms depois, de volta a -90 mV. Deve ser notada a abertura abrupta dos canais de sódio (estágio de ativação) dentro de fração muito pequena de milissegundo após o potencial de membrana ter atingido o valor positivo. Contudo, durante aproximadamente o milissegundo seguinte, os canais de sódio se fecham de forma automática (estágio de inativação). Agora, note-se a abertura (ativação) dos canais de potássio. Eles se abrem lentamente e só atingem o estado de abertura total após o fechamento quase completo dos canais de sódio. Ademais, uma vez abertos os canais de potássio, eles permanecem abertos por toda a duração do potencial de membrana positivo c não se fecham até que o potencial de membrana tenha retornado a valor muito negativo. Finalmente, devemos lembrar que os canais voltagem-dependentes passam muito rapidamente do estado aberto para o fechado, e vice-versa, como mostrado na Fig. 4.5, Então, como as curvas da Fig. 5.9 são tão regulares? A resposta é que essas curvas representam o fluxo de íons sódio e potássio por literalmente milhares de canais ao mesmo tempo. Alguns se abrem para determinada voltagem, outros em outro valor, e assim por diante. De igual forma, alguns são inativados em pontos distintos do ciclo que outros. Assim, as curvas mostradas representam a soma algébrica dos fluxos iônicos por muitos canais. Fig. 5.9 Variações típicas da condutância dos canais iônicos para o sódio e o potássio, quando o potencial de membrana é aumentado de seu valor normal de repouso de —90 mV para um valor positivo de +10 mV, durante 2 ms. Esta figura demonstra que os canais de sódio se abrem (ativação) e fecham (inativação) em tempo menor que 2 ms, enquanto, nesse período, os canais de potássio só se abrem (ativação). 51 SUMÁRIO DOS EVENTOS QUE CAUSAM O POTENCIAL DE AÇÃO A Fig. 5.10 apresenta, de modo sumário, os eventos seqüenciais que ocorrem durante e logo após o potencial de ação. Eles são os seguintes: Na parte inferior da figura são apresentadas as variações da condutância da membrana aos íons sódio e potássio. Durante o período de repouso, antes do início do potencial de ação, a condutância do potássio é mostrada como sendo de 50 a 100 vezes maior que a do sódio. Isso é causado pelo maior vazamento de íons potássio que de íons sódio pelos canais de vazamento. Todavia, com o início do potencial de ação, os canais de sódio ficam instantaneamente ativados, permitindo aumento de 5.000 vezes da condutância do sódio. Em seguida, o processo de inativação fecha os canais de sódio dentro de fração de milissegundo. O início do potencial de ação também leva à ativação, pela voltagem, dos canais de potássio, fazendo-os abrir em fração de milissegundo após a abertura dos canais de sódio. E, ao término do potencial de ação, o retorno do potencial de membrana a seu estado negativo faz com que os canais de potássio se fechem, voltando a seu estado original, o que só ocorre após breve retardo. Na parte média da Fig. 5.10 c mostrada a proporção entre as condutâncias do sódio e do potássio, instante a instante, du- rante todo o potencial de ação e, acima disso, o próprio potencial de ação. Durante a fase inicial do potencial de ação, essa proporção aumenta por mais de 1.000 vezes. Por conseguinte, número muito maior de íons sódio está fluindo para o interior da fibra que de íons potássio para o exterior. E isso que faz com que o potencial de ação se torne positivo. Em seguida, os canais de sódio começam a ficar inativados, enquanto os canais de potássio se abrem, de modo que a proporção entre as condutâncias varia, passando a uma condutância muito maior do potássio que do sódio. Isso permite perda muito rápida de íons potássio para o exterior, enquanto, em essência, não há fluxo de íons sódio para o interior. Como conseqüência, o potencial de ação retorna rapidamente a sua linha de base. O pós-potencial "positivo" Também deve ser notado na Fig. 5.10 que o potencial de membrana fica ainda mais negativo que o potencial de membrana de repouso original, durante alguns milissegundos, após o término do potencial de ação. Estranhamente, isso é chamado de pós-potencial "positivo", uma designação errônea, pois o pós-potencial positivo é, na realidade, mais negativo que o potencial de repouso. A razão para esse pós-potencial ser chamado de "positivo" é que, historicamente, as primeiras medidas do potencial foram feitas na superfície externa da membrana da fibra nervosa, e não em seu interior; quando medido dessa forma, esse pós-potencial causa deflexão positiva no registro, e não uma deflexão negativa. A causa do pós-potencial positivo é, em grande parte, que muitos canais de potássio permanecem abertos após o processo de repolarização da membrana ter-se completado. Isso permite que excesso de íons potássio se difunda para fora da fibra nervosa, deixando déficit extra de íons positivos no interior, o que implica negatividade. PARTICIPAÇÃO DE OUTROS ÍONS NO POTENCIAL DE AÇÃO Fig. 5.10 Variações da condutância para o sódio e o potássio, durante um potencial de ação. Note-se que a condutância para o sódio aumenta por vários milhares de vezes, durante as fases iniciais do potencial de ação, enquanto a do potássio só aumenta por cerca de 30 vezes, durante as fases finais e por breve período após o término do potencial de ação. (Estas curvas foram traçadas a partir dos resultados experimentais publicados de Hodgkin e Huxley, mas transpostos do axônio de lula para os potenciais de fibras nervosas calibrosas.) Até agora, discutimos apenas a participação dos íons sódio e potássio na geração do potencial de ação. Contudo, pelo menos três outros tipos de íons devem ser levados em conta. Eles são: Os íons impermeantes com carga negativa (ânions), no interior do axônio. No interior do axônio existem muitos íons com carga negativa que não podem passar pelos canais. Eles incluem moléculas de proteína, muitos compostos orgânicos de fosfato, compostos sulfatados e muitos outros. Devido a não poderem sair da fibra, qualquer déficit de íons positivos no interior da membrana leva a excesso de íons negativos impermeantes. Por conseguinte, esses íons negativos impermeantes são responsáveis pelas cargas negativas no interior da fibra, sempre que houver déficit de íons potássio com carga positiva ou de outros íons positivos. Íons cálcio. As membranas celulares de quase todas — se não de todas — as células do corpo contêm uma bomba de cálcio semelhante à bomba de sódio. Como ocorre com a bomba de sódio, essa bomba de cálcio bombeia os íons cálcio do interior para o exterior da membrana (ou para o retículo endoplasmático), criando gradiente de cálcio de cerca de 10.000 vezes, deixando concentração interna de íons cálcio da ordem de 10-7 molar, contrastando com a concentração externa de cerca de 10-3 molar. Além disso, também existem canais de cálcio voltagemdependentes. Esses canais são pouco permeáveis aos íons sódio, além de serem permeáveis aos íons cálcio; quando abertos, tanto os íons cálcio como os íons sódio fluem para o interior da fibra. Por isso, esses canais são, por vezes, chamados de canais Ca+ + -Na+. Os canais de cálcio têm ativação muito lenta, necessitando de tempo 10 a 20 vezes maior para serem ativados que os canais de sódio. Essa é a razão de serem, com muita freqüência, denominados canais lentos, para distinguilos dos canais de sódio, chamados de canais rápidos. Os canais de cálcio são muito numerosos no músculo cardíaco e no músculo liso. Na verdade, em alguns tipos de músculo liso, os canais rápidos de sódio são bastante raros, de modo que seu potencial de ação é causado quase que totalmente pela ativação dos canais lentos de cálcio. Aumento da permeabilidade dos canais de sódio quando existe déficit de íons cálcio. A concentração de íons cálcio no líquido intersticial também exerce efeito intenso sobre o valor da voltagem em que os canais de sódio ficam ativados. 52 . Quando existe déficit de íons cálcio, os canais de sódio são ativados (abertos) por aumento bastante pequeno do potencial de membrana, acima de seu nível normal de repouso. Como resultado, a fibra fica extremamente excitável, por vezes disparando repetitivamente, sem qualquer provocação, em vez de permanecer no estado de repouso. Na verdade, basta que a concentração de íons cálcio baixe por 30 a 5(1% abaixo da normal para que ocorra atividade espontânea em muitos nervos periféricos, causando, muitas vezes, a "telania" muscular que pode chegar a ser fatal, devido à contração tetânica dos músculos respiratórios. O modo provável de os íons cálcio influenciarem os canais de sódio é o seguinte. Esses íons parecem fixar-se às extremidades externas da molécula de proteína do canal de sódio. Por sua vez, as cargas positivas desses íons cálcio alteram o estado elétrico da própria proteína do canal e, dessa forma, aumentam o valor da voltagem necessária para abrir a comporta. Íons cloreto. Os íons cloreto vazam através da membrana em repouso de modo idêntico ao do vazamento de pequenas quantidades de íons potássio e íons sódio. Na fibra nervosa comum, a intensidade do vazamento de íons cloreto é apenas a metade da difusão de íons potássio. Por conseguinte, deve ser feita a pergunta: por que não consideramos os íons cloreto em nossa explicação do potencial de ação? A resposta é que o íon cloreto funciona passivamente no processo. E, também, a permeabilidade dos canais de vazamento de cloreto não se altera de forma significativa durante o potencial de ação. No estado normal de repouso da fibra, os -90 mV no interior da fibra repelem a maior parte dos íons cloreto que tendem a entrar nela. Como resultado, a concentração de íons cloreto no interior da fibra é de apenas 3 a 4 mEq/l, enquanto a concentração externa é da ordem de 103 mEqA. O potencial de Nemst para essa proporção entre as concentrações do íon cloreto é exatamente igual ao potencial de membrana de -90 mV, que seria previsto para um íon que não é bombeado ativamente. Durante o potencial de ação, pequenas quantidades de íon cloreto chegam efetivamente a se difundir para o interior da fibra, devido a perda temporária da negatividade interna. Esse movimento do cloreto serve para alterar ligeiramente o momento de ocorrência das variações sucessivas de voltagem durante o potencial de ação, mas não modifica o processo fundamental. GERAÇÃO DO POTENCIAL DE AÇÃO Ate este ponto, explicamos a variação das permeabilidades ao sódio e ao potássio da membrana e o desenvolvimento do próprio potencial de ação, mas ainda não explicamos o que produz o potencial de ação. A resposta a isso, como se segue, é muito simples. Um feedback positivo abre os canais de sódio. Primeiro, enquanto a membrana da fibra nervosa permanecer sem sofrer qualquer perturbação, nenhum potencial de ação ocorre no nervo normal. Contudo, se algum fator produzir uma elevação inicial suficiente do potencial de membrana, a partir do valor de -90 mV, em direção ao zero, essa elevação da voltagem irá fazer com que muitos canais de sódio voltagem-dependentes comecem a se abrir. Isso permite o influxo rápido de íons sódio, o que produz elevação ainda maior do potencial de membrana, abrindo, assim, número ainda maior de canais de sódio voltagemdependentes e resultando em jorro mais intenso de íons sódio para o interior da fibra. Obviamente, esse processo é um ciclo vicioso de feedback positivo que, caso esse feedback seja suficientemente intenso, irá prosseguir até que todos os canais de sódio voltagem-dependentes fiquem ativados (abertos). Em seguida, dentro de fração de milissegundo, a elevação do potencial de membrana produz o início da inativação dos canais de sódio, além da abertura dos canais de potássio, e o potencial de ação logo chega a seu fim. Limiar para a geração do potencial de ação. Não ocorrerá um potencial de ação até que a elevação do potencial de membrana seja suficientemente grande para criar o ciclo vicioso descrito no parágrafo anterior. Em geral, é necessária elevação abrupta da ordem de 15 a 30 mV. Por conseguinte, aumento súbito do potencial de membrana., em fibra calibrosa, de - 90 mV até cerca de - 65 mV será capaz, na maioria das vezes, de deflagrar o desenvolvimento explosivo do potencial de ação. Esse nível de 65 mV é, conseqüentemente, chamado de limiar para a estimulação. Acomodação da membrana — falta de atividade apesar da elevação da voltagem. Se o potencial da membrana se elevar de forma muito lenta — durante vários milissegundos, em vez de em fração de milissegundo —, as comportas lentas de inativação dos canais de sódio terão tempo suficiente para se fecharem ao mesmo tempo que as comportas de ativação estiverem se abrindo. Como resultado, a abertura das comportas de ativação não será tão eficaz para promover o aumento do fluxo de íons sódio, como ocorre normalmente. Portanto, o aumento lento do potencial interno de uma fibra nervosa vai exigir voltagem limiar mais elevada ou impede, completamente, a geração de potencial de ação; por vezes, até mesmo com elevações da voltagem até zero ou com voltagem positiva. Esse fenômeno é chamado de acomodação da membrana ao estímulo. PROPAGAÇÃO DO POTENCIAL DE AÇÃO Nos parágrafos precedentes, discutimos o potencial de ação como se ele ocorresse em ponto único da membrana celular. Contudo, um potencial de ação gerado em qualquer ponto de uma membrana excitável excita, geralmente, as regiões adjacentes da membrana, resultando na propagação desse potencial de ação. O mecanismo disso é mostrado na Fig. 5.11. A Fig. 5.11A mostra uma fibra nervosa normal cm repouso, enquanto a Fig. 5.11B mostra fibra que foi excitada em sua região média — isto é, essa porção média, subitamente, passou a apresentar permeabilidade aumentada para o sódio. As setas indicam o "circuito local" do fluxo de corrente entre as regiões despolarizadas da membrana e as áreas adjacentes da membrana em Fig. 5.11 Propagação dos potenciais de ação nas duas direções, em fibra condutora. 53 repouso; cargas elétricas positivas, carreadas pelos íons sódio que se difundem para o interior, fluem para o interior da fibra, através da região despolarizada e, em seguida, por vários milímetros, ao longo da parte central do axônio. Essas cargas positivas aumentam a voltagem, por distância de 1 a 3 mm nas fibras calibrosas, até valor acima do valor limiar da voltagem para geração do potencial de ação. Por conseguinte, os canais de sódio nessas novas áreas ficam imediatamente ativados e, como mostrado na Fig. 5.11C e D, o explosivo potencial de ação se propaga. Em seguida, essas novas áreas despolarizadas produzem novos circuitos locais de fluxo de corrente cm pontos mais distantes da membrana, causando mais e mais despolarizações. Dessa forma, o processo da despolarização trafega ao longo de toda a extensão da fibra. A transmissão do processo de despolarização ao longo de fibra nervosa ou muscular é chamada de impulso nervoso ou muscular. Direção da propagação. É óbvio, como mostrado na Fig. 5.11, que uma membrana excitável não apresenta direção única de propagação, o potencial de ação podendo passar nas duas direções a partir do ponto estimulado — e até mesmo pelas ramificações de uma fibra nervosa — até que toda a membrana seja despolarizada. O princípio do tudo-ou-nada. É igualmente óbvio que, uma vez tendo sido produzido um potencial de ação, em algum ponto da membrana de fibra normal, o processo de despolarização irá se propagar, se as condições forem adequadas, por toda a membrana e, caso as condições não sejam adequadas, poderá não se propagar. Isso é chamado de princípio do tudo-ou-nada e é aplicável a todos os tecidos excitáveis normais. Todavia, ocasionalmente, o potencial de ação poderá atingir região da membrana onde não será capaz de gerar voltagem suficiente para estimular a área seguinte da membrana. Quando isso ocorre, a propagação da despolarização cessa. Por conseguinte, para que ocorra a propagação continuada de um impulso, a proporção entre o potencial de ação e o limiar deve ser sempre maior que 1. Isso é chamado de fator de segurança para a propagação. Fig. 5.12 Produção de calor por fibra nervosa, durante o repouso e sob freqüência crescente de estimulação. A Fig. 5.12 mostra que a fibra nervosa produz calor em excesso, o que representa medida de seu consumo de energia, quando aumenta a freqüência dos impulsos. Característica especial da ATPase da bomba sódio-potássio é que o grau de sua atividade fica fortemente estimulado quando ocorre acúmulo excessivo de íons sódio no interior da membrana celular. Na verdade, a atividade de bombeamento aumenta, aproximadamente, em proporção ao cubo da concentração de sódio. Isto é, conforme a concentração interna de sódio aumenta de 10 para 20 mEq/1, a atividade da bomba não fica, simplesmente, duplicada, mas, ao contrário, aumenta por cerca de oito vezes. Por conseguinte, pode ser facilmente compreendido como o processo de "recarga" da fibra nervosa pode entrar rapidamente em ação, sempre que as diferenças de concentração dos íons sódio e potássio, através da membrana, RESTABELECIMENTO DOS GRADIENTES IÔNICOS começarem a "desaparecer". DO SÓDIO E DO POTÁSSIO APÓS OS POTENCIAIS DE O PLATÔ DE ALGUNS POTENCIAIS DE AÇÃO AÇÃO - A IMPORTÂNCIA DO METABOLISMO ENERGÉTICO Em alguns casos, a membrana excitável não se repolariza imediatamente após a despolarização, mas, pelo contrário, o A transmissão de cada impulso ao longo da fibra nervosa potencial permanece em platô, com valor próximo ao do potencial reduz, por quantidade infinitesimal, as diferenças de em ponta, durante muitos milissegundos antes do começo da concentração do sódio e do potássio entre o interior e o exterior repolarização. Um desses platôs é mostrado na Fig. 5.13; pode da membrana, devido à difusão de sódio para dentro, durante a ser facilmente notado que o platô prolonga de muito a duração despolarização, e à difusão de potássio para fora, durante a do período de despolarização. Esse tipo de potencial de ação repolarização.Para um só potencial de ação, esse efeito c tão ocorre nas fibras musculares do coração, onde o platô dura por diminuto que não pode ser medido. Na verdade, de 100.000 a até dois ou três décimos de segundo e faz com que a contração 50.000.000 de impulsos podem ser transmitidos por uma fibra do músculo cardíaco dure por igual período de tempo. nervosa — esse número depende do calibre da fibra e de A causa do platô é uma combinação de diversos fatores outros fatores — antes que as diferenças de concentração distintos. tenham diminuído a ponto de interromper a condução dos Primeiro, no músculo cardíaco, dois tipos diferentes de potenciais de ação. Contudo, mesmo assim, com o correr do canais participam do processo de despolarização: (1) os canais de tempo, passa a ser necessário o restabelecimento das diferenças sódio voltagem-dependentes usuais, chamados de canais rápidos, de concentração de sódio e de potássio através da membrana. e (2) canais de cálcio voltagem-dependentes, com ativação lenta, Isso é efetivado pela ação da bomba Na+ -K+, exatamente da e, por isso, chamados de canais lentos — estes canais permitem, mesma maneira como foi descrita antes, neste capítulo, para o principalmente, a difusão de íons cálcio, mas também deixam estabelecimento original do potencial de repouso. Isto é, os íons passar pequena quantidade de íons sódio. sódio que se difundiram para o interior da célula, durante o A ativação dos canais rápidos produz o potencial em potencial de ação, e os íons potássio que se difundiram para o ponta do potencial de ação, enquanto a ativação lenta mas exterior são retornados a seus locais originais pela bomba Na+- prolongada dos canais lentos é responsável, principalmente, K+. Visto que esta bomba exige energia para operar, esse pelo platô do potencial de ação. processo de "recarga" da fibra nervosa é metabolicamente ativo, Um segundo fator, responsável, em parte, pelo platô, é que usando energia do sistema do trifosfato de adenosina da célula. os canais de potássio voltagem-dependentes são, em diversos casos, de ativação lenta, muitas vezes não se abrindo até o fim 54 Fig. 5.13 Potencial de ação de fibra de Purkinje, mostrando o "platô" do platô. Isso retarda o retorno do potencial de membrana a seu valor de repouso. Mas, então, essa abertura dos canais de potássio, ao mesmo tempo que os canais lentos começam a se fechar, provoca o retorno rápido do potencial de ação, de seu valor do platô até o valor negativo de repouso, explicando a deflexão descendente rápida ao término do potencial de ação. RITMICIDADE DE ALGUNS TECIDOS EXCITÁVEIS - A ATIVIDADE REPETITIVA Atividade repetitiva autogerada, ou ritmicidade, ocorre normalmente no coração, na maioria dos músculos lisos e em muitos neurônios do sistema nervoso central. É essa atividade rítmica que produz o ritmo cardíaco, o peristaltismo e os eventos neuronais do tipo do controle rítmico da respiração. Por outro lado, todos os outros tecidos excitáveis podem apresentar atividade repetitiva caso seus limiares para estimulação fiquem suficientemente diminuídos. Por exemplo, até mesmo fibras nervosas e musculares esqueléticas, que são, normalmente, muito estáveis, podem apresentar atividade repetitiva quando imersas em solução contendo veratrina ou quando a concentração de íons cálcio cai abaixo de um valor crítico. O processo de reexcitação necessário para a ritmicidade. Para que ocorra ritmicidade, a membrana, mesmo em seu estado natural, já deve ser suficientemente permeável aos íons sódio (ou aos íons cálcio e sódio, pelos canais lentos de cálcio) para permitir a despolarização automática da membrana. Assim, a Fig. 5.14 mostra que o potencial de membrana "cm repouso" é de apenas - 60 a - 70 mV. Essa voltagem não é suficiente para manter os canais de sódio e de cálcio fechados. Em outras palavras, (1) existe influxo de íons sódio e de íons cálcio; (2) isso aumenta, ainda mais, a permeabilidade da membrana; (3) quantidade ainda maior de íons flui para o interior; (4) a permeabilidade aumenta mais, e assim por diante, levando ao processo regenerativo da abertura dos canais de sódio e de cálcio, até que seja gerado um potencial de ação. Em seguida, após o término do potencial de ação, a membrana se repolariza. Mas, pouco depois, recomeça o processo de despolarização, e novo potencial de ação ocorre espontaneamente. Esse ciclo se repete por várias vezes e resulta na excitação rítmica autogerada do tecido excitável. Contudo, por que a membrana não se despolariza imediatamente após se ter repolarizado, só o fazendo após retardo de quase um segundo, antes da geração do potencial de ação seguinte? Fig. 5.14 Potenciais de ação rítmicos, semelhantes aos registrados no centro de controle do ritmo cardíaco. Notar sua relação com a condutância para o potássio e com o estado de hiperpolarização. A resposta a isto pode ser dada fazendo-se referência à Fig. 5.10, que mostra que, próximo ao término de todos os potenciais de ação, e persistindo por breve período após esse término, a membrana fica excessivamente permeável ao potássio. Esse efluxo excessivo de íons potássio transfere número extremamente elevado de cargas positivas para fora da membrana, criando, no interior da fibra, negatividade consideravelmente maior que a que ocorreria, durante breve período, após o potencial de ação precedente ter terminado, deslocando, assim, o potencial de membrana para valor mais próximo do potencial de Nernst para o potássio. Esse é o estado chamado de hiperpolarização, que é mostrado na Fig. 5.14. Enquanto esse estado persistir, não ocorrerá reexcitação; mas, gradativamente, a condutância excessiva do potássio (e o estado de hiperpolarização) diminui até desaparecer, como mostrado nessa figura, o que permite que o potencial de membrana aumente até atingir o limiar para excitação; então, subitamente, aparece novo potencial de ação: esse ciclo ocorre repetitivamente. ASPECTOS ESPECIAIS DA TRANSMISSÃO DE SINAIS EM TRONCOS NERVOSOS Fibras nervosas mielínicas e amielínicas. A Fig. 5.15 apresenta corte transversal de um típico tronco nervoso pequeno, mostrando muitas fibras nervosas calibrosas que ocupam a maior parte da área desse corte transverso Todavia, se essa figura for examinada com cuidado, poderão ser notadas muitas fibras, bem mais delgadas, intercaladas entre as mais calibrosas. Essas fibras mais calibrosas são fibras mielínicas, enquanto as mais delgadas são amielínicas. Um tronco nervoso típico contém cerca de duas vezes mais fibras amielínicas que mielínicas. A Fig 5.16 mostra uma fibra mielínica típica. A pane central dessa fibra é o axônio, c a membrana desse axônio que representa a verdadeira membrana condutora. O interior do axônio é ocupado pelo axoplasma, que é líquido intracelular bastante" viscoso. Circundando o axônio existe a bainha de mielina que, muitas vezes, é bem maior que o próprio axônio e que, a intervalos de cerca de 1 a 3 mm, ao longo de toda a extensão do axônio, é interrompida pelos nodos de Ranvier. A bainha de mielina é formada, em torno do axônio, pelas células de Schwann do seguinte modo: a membrana de uma célula de Schwann, inicialmente, circunda o axônio. Em seguida, essa célula gira em torno do axônio por muitas voltas, depositando múltiplas camadas de sua membrana celular, que contém a substância lipídica esfingomielina. Essa substância é excelente isolante, capaz de diminuir o fluxo iônico através da membrana por cerca de 5.000 vezes, ao mesmo tempo que reduz a capacitância da membrana por 50 vezes. Contudo, no ponto de junção entre duas células de Schwann sucessivas, ao longo do axônio, persiste pequena região não-isolada, com apenas cerca de 2 a 3 µm de extensão, por onde os íons podem fluir, com facilidade, do líquido extracelular para o interior do axônio. Essa região é o nodo de Ranvier. Condução "saltatória", de nodo a nodo, nas fibras mielínicas. 55 Fig. 5.15 Corte transverso de pequeno tronco nervoso, contendo fibras mielínicas e amielínicas. Muito embora os íons não possam fluir com intensidade significativa através das espessas bainhas de mielina dos nervos mielinizados, eles podem fluir com grande facilidade pelos nodos de Ranvier. Por conseguinte, os potenciais de ação só podem ocorrer nos nodos. Assim, os potenciais de ação são conduzidos de nodo para nodo, como mostrado na Fig. 5.17; esse processo é chamado de condução saltatória. Isto é, a corrente elétrica flui pelos líquidos extracelulares que circundam a fibra, mas também pelo axaplasma, de nodo a nodo, excitando seqüencialmente os sucessivos nodos. Assim, o impulso nervoso salta ao longo da fibra, o que deu origem à designação de "saltatória". A condução saltatória é importante por duas razões. Primeira, por fazer com que a despolarização salte por sobre longos trechos, ao longo do eixo da fibra nervosa; esse mecanismo aumenta de muito a velocidade da transmissão neural nas fibras mielinizadas por até 5 a 50 vezes. Segundo, a condução saltatória conserva energia para o axônio, pois apenas os nodos despolarizam, permitindo perda de íons cerca de 100 vezes menor do que a que seria necessária, caso não ocorresse condução saltatória e, como resultado, exigindo pouca atividade metabólica para o restabelecimento das diferenças de concentração de sódio e potássio, através da membrana celular, após uma série de impulsos nervosos. Outra característica da condução saltatória nas grandes fibras mielínicas é a seguinte: o excelente isolamento criado pela membrana de mielina e a redução de 50 vezes da capacitância da membrana permitem Flg. 5.16 Função da célula de Schwann no isolamento das fibras nervosas. A, O enrolamento da membrana da célula de Schwann em torno de axônio calibroso, para formar a bainha de mielina da fibra nervosa mielínica. (Modificado de Leeson e Leeson: Hutohgy, Philadelphia, W.B. SaundersCo., 1919.) B, Evaginação da membrana e do citoplasma de célula de Schwann em torno de várias fibras nervosas amielínicas. Fig. 5.17 Condução saltatória em axônio mielínico. 56 que o processo de repolarização ocorra com transferência muito reduzida de íons. Assim, ao término do potencial de ação, quando os canais de sódio começam a fechar, a repolarização ocorre de modo tão rápido que, em geral, os canais de potássio ainda não estão abertos em número significativo. Como resultado, a condução do impulso nervoso por fibra nervosa mielínica é efetuada, quase que inteiramente, pelas variações seqüenciais dos canais de sódio voltagem-dependentes, com contribuição muito pequena dos canais de potássio. VELOCIDADE DE CONDUÇÃO NAS FIBRAS NERVOSAS A velocidade de condução nas fibras nervosas varia desde o mínimo de 0,5 m/s, nas fibras amielínicas mais delgadas, até cerca de 100 m/s (o comprimento de um campo de futebol em um segundo), nas fibras mielínicas mais calibrosas. Em termos aproximados, essa velocidade de condução aumenta em proporção direta com o diâmetro nas fibras mielínicas e com a raiz quadrada do diâmetro da fibra nas amielínicas. EXCITAÇÃO — O PROCESSO DE PRODUÇÃO DO POTENCIAL DE AÇÃO Basicamente, qualquer fator que faça com que os íons sódio possam fluir para o interior, através da membrana, em número significativo, irá deflagrar a abertura regenerativa, automática, dos canais de sódio. Isso pode resultar de perturbação mecânica da membrana, de efeitos químicos sobre a membrana ou da passagem de eletricidade através da membrana. Todos esses processos ocorrem em diferentes territórios do corpo para a produção de potenciais de ação nos nervos e nos músculos: a pressão mecânica para a excitação de terminações nervosas sensoriais da pele, os neurotransmissores químicos para a transmissão de sinais de um neurônio para outro, no sistema nervoso central, c a corrente elétrica para a transmissão de sinais entre as células musculares do coração e do intestino. Com o objetivo de compreensão do processo da excitação, vamos começar pela discussão dos princípios da estimulação elétrica. Excitação de fibra nervosa por eletródio metálico com carga negativa. O método mais comum para excitar um nervo ou músculo, no laboratório, é o de aplicar eletricidade à superfície do nervo ou do músculo por meio de dois pequenos eletródios, um dos quais tem carga negativa e o outro, carga positiva. Quando isso é feito, verifica-se que a membrana excitável é estimulada pelo eletródio negativo. A causa desses efeitos é a seguinte. Deve ser lembrado que o potencial se inicia com a abertura dos canais de sódio voltagem dependentes. Ainda mais, esses canais são abertos pela diminuição da voltagem através da membrana. A corrente negativa que passa pelo eletródio negativo reduz, imediatamente, a voltagem fora da membrana, reduzindo-a até bem próximo da voltagem negativa no interior da fibra. Isso reduz a voltagem através da membrana, permitindo a ativação dos canais de sódio, disso resultando um potencial de ação. Inversamente, no anódio a injeção de cargas positivas, por fora da membrana neural, aumenta a diferença de voltagem através da membrana, e não a diminui. Isso causa estado de "hiperpolarização", que diminui a excitabilidade da fibra. O limiar para excitação e os "potenciais locais agudos". Estímulo elétrico fraco pode não ser capaz de excitar uma fibra. Todavia, à medida que o estímulo é progressivamente aumentado, é atingido um ponto onde vai ocorrer a excitação. A Fig. 5.18 mostra os efeitos de estímulos sucessivos com intensidades crescentes. Estímulo muito fraco {(ponto A) faz com que o potencial de membrana varie de -90 para —85 mV, mas essa variação não é suficiente para que se desenvolva o processo regenerativo automático do potencial de ação. No ponto B, o estímulo é mais intenso, mas, de novo, ainda insuficiente. Não obstante, esses estímulos são capazes de alterar localmente o potencial de membrana por até um milissegundo ou mais, após cada um desses estímulos fracos. Essas variações locais do potencial são chamadas de potenciais locais agudos, e, quando não são capazes de produzir potenciais de ação, são referidos como potenciais subliminares agudos. No ponto C da Fig. 5.18, o estímulo é ainda mais forte. Aí, o potencial local apenas atingiu o valor necessário para a produção de potencial de ação, que é chamado de valor limiar, mas o potencial de ação só ocorre após certo tempo, que é chamado de "período latente". No ponto D, o estímulo é ainda mais forte, o potencial local é maior Fig. 5.18 Efeito dos estímulos sobre o potencial de membranas excitáveis, mostrando o desenvolvimento de "potenciais subliminares agudos", quando os estímulos ficam abaixo do valor limiar necessário para produzir um potencial de ação. e o potencial de ação ocorre a intervalo menor que o período latente. Assim, essa figura mostra que até mesmo um estímulo muito fraco sempre causa variação locai de potencial na membrana, mas que a intensidade do potencial local deve atingir um valor limiar para que seja produzido um potencial de ação. O "período retratário" durante o qual novos potenciais de ação não podem ser produzidos Um novo potencial de ação não pode ser produzido enquanto a membrana estiver despolarizada pelo potencial de ação precedente. A razão disso é que, logo depois que se inicia um potencial de ação, os canais de sódio (ou de cálcio, ou os dois) ficam inativados e qualquer quantidade de sinal excitatório que seja aplicada a esses canais nessa fase não irá abrir as comportas de inativação. A única condição que as reabrirá é o retorno do potencial de ação ao valor (ou quase) do potencial de membrana em repouso. Então, dentro de pequena fração de segundo, as comportas de inativação dos canais se abrem, e novo potencial de ação poderá ser produzido. O intervalo de tempo durante o qual não pode ser produzido outro potencial de ação, mesmo com estímulo muito forte, é chamado de período refratário absoluto. Esse período, para as grandes fibras mielínicas, é da ordem de 1/2. 500 de segundo. Portanto, pode ser facilmente calculado que essa fibra poderá transmitir, no máximo, 2.500 impulsos por segundo. Após o período refratário absoluto, existe um período refratário relativo, com duração entre um quarto e um meio da do período absoluto. Durante ele, estímulos mais fortes que os normais são capazes de excitar a fibra. Essa refratariedade relativa tem duas causas: (1) durante ela, alguns canais de sódio ainda não retornaram de seu estado de inativação, e (2) nela, os canais de potássio ainda estão, em geral, inteiramente abertos, produzindo estado de hiperpolarização, que dificulta a estimulação da fibra. INIBIÇÃO DA EXCITABILIDADE — "ESTABILIZADORES" E ANESTÉSICOS LOCAIS Contrastando com os fatores que aumentam a excitabilidade neural, existem outros, chamados de fatores estabilizadores da membrana, que podem diminuir a excitabilidade. Por exemplo, alta concentração extracelular de íons cálcio diminui a permeabilidade da membrana, ao mesmo tempo que também diminui sua excitabilidade. Por isso, os íons cálcio são ditos "estabilizadores". De igual modo, baixa concentração de íons potássio no líquido extracelular, por ter efeito direto de redução da permeabilidade dos canais de potássio, também atua como estabilizadora, reduzindo a excitabilidade da membrana. Ainda mais, na doença hereditária designada como paralisia periódica familiar, a concentração extracelular do íon potássio fica, muitas vezes, tão reduzida que a pessoa chega, na verdade, a ficar paralisada, mas retorna ao normal, instantaneamente, após administração venosa de potássio. 57 Anestésicos locais. Entre os mais importantes estabilizadores, são incluídas muitas substâncias usadas na clínica como anestésicos locais, como a procaína, a tetracaína e muitas outras. A maioria deles atua diretamente sobre as comportas de ativação dos canais de sódio, fazendo com que sua abertura fique dificultada e, portanto, reduzindo a excitabilidade da membrana. Quando a excitabilidade fica tão reduzida a ponto da proporção entre a. força do potencial de ação e o limiar de excitabilidade (chamada de "fator de segurança") ser menor que 1, 0, o potencial de ação não é capaz de atravessar a área anestesiada. REGISTRO DOS POTENCIAIS DE MEMBRANA E DE AÇÃO O osciloscópio de raios catódicos. Antes, neste capítulo, chamamos atenção para a rapidez com que o potencial de membrana varia no curso do potencial de ação. Na verdade, todo o complexo do potencial de ação, nas fibras nervosas calibrosas, ocorre em menos de 1/1. 000 de segundo. Em algumas figuras deste capítulo são mostrados medidores elétricos para o registro dessas variações de potencial. Todavia, deve ser entendido que qualquer sistema de medida capaz de registrar essas variações de potencial deve ter respostas muito rápidas. Para os objetivos práticos, o único tipo comum de sistema de medida capaz de registrar com precisão essas variações muito rápidas do potencial de membrana é o osciloscópio de raios catódicos. A Fig. 5.19 apresenta os componentes básicos do osciloscópio de raios catódicos. O tubo de raios catódicos, em si, é composto basicamente por um canhão de elétrons e por uma superfície fluorescente contra a qual são lançados os elétrons. No ponto atingido pelos elétrons, a superfície fluorescente brilha. Se o feixe de elétrons é movido através da superfície, o ponto brilhante também o faz, traçando linha fluorescente ao longo dela. Além do canhão de elétrons e da superfície fluorescente, o tubo de raios catódicos também dispõe de dois conjuntos de placas eletricamente carregadas, um desses conjuntos situado nos dois lados do feixe de elétrons e o outro acima e abaixo dele. Circuitos de controle eletrônico apropriados fazem variar a voltagem dessas placas, de modo que o feixe de elétrons possa ser deslocado para cima ou para baixo, em resposta aos sinais elétricos que vêm dos eletródios de registro nos nervos. Também, o feixe de elétrons pode ser passado horizontalmente ao longo da superfície fluorescente ("varredura") com velocidade constante. Esses dois efeitos dão origem ao registro mostrado na face do tubo de raios catódicos, com uma linha de tempo horizontal e a variação de voltagem, nos eletródios dos nervos, no plano vertical. Deve ser notado, na extremidade esquerda, o pequeno artefato do estímulo, causado pelo estímulo elétrico usado para produção do potencial de ação; em seguida, aparece o próprio potencial de ação. Registro do potencial de ação monofásico. Em todo este capítulo. Fig. 5.19 O osciloscópio de raios catódicos, usado para o registro de potenciais de ação transientes, Fig. 5.20 Registro de potenciais de ação bifásicos as figuras apresentaram o potencial de ação "monofásico". Para o registro desses potenciais, uma micropipeta com eletródio, mostrada no início do capítulo, na Fig. 5.2, foi introduzida no interior da fibra. Em seguida, à medida que o potencial de ação se propaga ao longo da fibra, foram registradas as variações de potencial no interior da fibra, como mostrado nas Figs. 5.6, 5.10 e 5.13. Registro do potencial de ação bifásico. Quando se deseja registrai os impulsos em todo um tronco nervoso, não é possível a introdução de eletródios no interior das fibras desse tronco. Portanto, o método usual de registro é a colocação de dois eletródios por fora das fibras. Contudo, o registro que é obtido nessas condições é bifásico, pelas seguintes razoes: quando um potencial de ação que se propaga ao longo das fibras atinge o primeiro eletródio, este fica com carga negativa, enquanto o segundo ainda não é afetado. Isso faz com que o osciloscópio registre deflexão negativa. Em seguida, com a continuação da propagação do potencial de ação, ocorre um momento em que a membrana por sob o primeiro eletródio fica repolarizada, enquanto o segundo eletródio fica negativo e o osciloscópio registra deflexão na direção oposta. Assim, um registro como o mostrado na Fig. 5.20, obtido por osciloscópio, apresenta variação de potencial, primeiro em uma direção e, em seguida, na oposta. REFERÊNCIAS Agnew, W. S.: Voltage-regulated sodium channel molecules. Annu. Rev. Phyaiol., 45:517, 1984. Armstrong, C. M.: Sodium channels and gating currenta. Physiol. Rev.,61:644,1981. Auerbach, A., and Sachs, F.: Patch clamp studies of single ionic channels. Annu. Rev. Biophys. Bioeng., 13:269,19R4. Riggio, G., and Costa, E.: Chloride Channels and Their Modulation by Neurotransmitters and Drugs. New York, Raven Press, 1988. Bretag, A. H.: Muscle chloride channels. Phyaiol. Rev., 67:1987. Byrne, J. H., and Schultz, S. G.: An Introduction to Membraní Transportand Bioelectricity. New York, Raven Press, 1988. Clausen, T\: Regulation of active Na+-K+ transport in skeletal muacle. Physiol. Rev., 66:542, 1986. Cole, K. S.: Electrodiffusion modela for the membrane of aquid giant sxon. Physiol. Rev., 45:340, 1965. Cooper, S. A.: New peripherally-acting oral analgesic agente. Annu. Rev.Pharmacol. Toxicol., 23:617, 1983. DeWeer, P., et ai.: Voltage dependence of the Na-K pump. Annu. Rev. Physiol., 50:225, 1988. DiFrancesco, D., and Noble, D.: A model of cardiac electrical activity incorporating tonic pumps and concentration changes. Phil. Trans. R. Soe. Lond. (BioU, 307:353, 1985. DiPolo, R., and Beauge, L.: The calcium pump and aodium-calcium exchange in squid axons. Annu. Rev. Physiol., 45:313, 1983. French, R. J., and Horn, R.: Sodium channel gating: Models, mimies, and moditiers. Annu. Rev. Biophys. Bioeng., 12:319,1983. Garty, H., and Benos, DJ.: Characteriatics and regulatory mechanUms of the amiloride-blockable Na+ channel. Phyaiol. Rev,, 68:309, 198S. Grinnell, A. D., et ai. (eds.): Calcium and Ion Channel Modulation. New York, Plenum Publishing Corp., 1988. Hille, B.: Gating in sodium channels of nerve. Annu. Rev. Physiol., 38:139, 1976. Hodgkin, A. L.: The Conduction of the Nervous Impulse. Springfíeld, 111- Charles C Thomas, 1963. Hodgkin, A. L., and Horowicz, P.: The etfect of sudden changes in ionic concentrationa on the membrane potential of smgle muscle fibera. J. Physiol. (Lond.), 153:370, 1960. Hodgkin, A. L., and Huxley, A. F.: Movement of sodium and potaaaium ions during nervous activity. Cold Spr. Harb. Symp. Quant. Biol., 17:43, 1952. Hodgkin, A. L., and Huxley, A. F.: Quantitative deacription of membrane current and its application to conduction and excitation in nerve. J. Physiol. (Lond), 117:500, 1952. Kapían, J. H.: lon movements through the sodium pump. Annu. Rev. PhyBiol., 47:535, 1985. Katz, B.: Nerve, Muscle, and Synapse. New York, McGraw-Hill, 1968. Keynes, R. D.: lon channels in the nerve-cell membrane. Sei. Am., 240:126, 1979. 58 Kostyuk, P. C: Intracellularperfusion of nerve cells and itseffectaon membrane currents. Phyaiol. Rev., 64:435, 1984, Krueger, B. K.: Toward an understanding of strueture and function of ion channels. FASEB J., 3:1906,1989. Latorre, R., and Alvarez, O.: Voltage-dependent channels in lipid bilayer membranea. Physíol. Rev., 61:77, 1981. Latorre, R., et ai.: K+ channels gated by voltage and ions. Annu. Rev. Phy8iol., 46:485, 1984. Levitan,I. B.: Modulationof ion channels in neutrons and other cells. Annu. Rev. Neurosci., 11:119, 1988. Malhotra, S. K.: The Plasma Membrane. New York, John Wiley & Sons, 1983. Miller, R. J.: Multiple calcium channels and neuronal function. Science, 235:46, 1987. Moody, W., Jr.: Effects of intraceliular H+ on the electrical properties of excitable cells. Annu. Rev. Neuroaci., 7:257, 1984. Naftalin, R. J.: The thermostaties and thermodynamics of cotransport. Biochem. Biophys. Acta., 778:155, 1984. Narahashi, T.: Ion Channela. New York, Plenuro Publishing Corp., 1988. Requeria, J.: Calcium tranaport and regulation in nerve fibera. Annu. Rev. Biophys. Bioeng., 12:237, 1983. Reuter, H.: Modulation of ion channeis by phosphorylation and second mes- Bengers. News Physiol. Sei., 2:168, 1987. Rogart, R.: Sodium channels in nerve and muscle membrane. Annu. Rev. Physiol., 43:711, 1981. Ross, W. N.: Changes in intraceliular calcium during neuron activity. Annu. Rev. Physiol., 51:491, 1989. Sakmann, B., and Neher, E.: Patch clamp techniques for studying ionic channels in excitable membranes. Annu. Rev. Physiol., 46:455, 1984. Schubert, D.: Developmental Biology of Cultured Nerve, Muscle and Glia. New York, John Wiley & Sons, 1964. Schwartz, W., and Passow, H.: Caa+activated K+ channels in erythrocytes and excitable cells. Annu. Rev. Physiol., 45:359, 1983. Shepherd, G. M.: Neurobiology. New York, Oxford University Press, 1987. Sjodi, R. A.: Ion Transport in Skeletal Muscle. New York, John Wiley & Sons, 1982. Skene, J. H. P.: Axonal growthassociated proteins. Ann. Rev. Neurosci., 12:127, 1989. Snell, R. M. (ed.>: Transcellular Membrane Potentials and Ionic Fluxes. New York, Gordon Press Pubs., 1984. Sperelakis, N.: Hormonal and neurotransmitter regulation of Ca infiux through voltage-dependent slow channels in cardiac muscle membrane. Membr. Biochem., 5:131, 1984. Stefani, E., and Chiarandmi, D. J.: Ionic channels in skeletal muscle. Annu. Rev. Phyaiol., 44:357, 1982. Swadlow, H. A., et ai.: Modulalion of impulse conduction along the axonal tree. Annu. Rev. Biophys. Bioeng., 9:143, 1980. Trimmer, J. A., and Agnew, W. S.: Molecular diversity of voltage-sensitive Na channels. Annu. Rev. Physiol., 51:401, 1989. Tsien, R. W.: Calcium channels in excitable cell membranes. Annu. Rev. Physiol., 45:341, 1983. Ulbricht, W.: Kinetics of drug action and equilibrium results at the node of Ranvier. Physiol. Rev.. 61:785. 1981. Vinores, S., and Guroff, G.: Nerve growth factor: Mechanicsms of action. Annu. Rev. Biophys. Bioeng., 9:223, 1980. Weiss, D.C. (ed.): Axinplasmir Transport in Physiologyand Pathology. New York, típringer-Verlag, 1982. Windhager, E. E., and Taylor, A.: Regulatory role of intracellular calcium ions in epithelial Na transport. Annu. Rev. Physiol., 45:519, 1983. Wright, E. M.: Electrophysiology of plasma membrane vesicles. Am. J. Physiol., 246:F363, 1984. Zigmond, R. E., andBowers, C. W.: Influenceof nerve activity on the macromolecular content of neurons and their etfector organs. Annu. Rev. Physiol., 43:673. 1981. 59 CAPÍTULO 6 Contração do Músculo Esquelético Cerca de 40% do corpo são compostos por músculos esqueléticos e quase outros 10% são formados por músculos liso e cardíaco. Muitos dos princípios básicos da contração são comuns a todos esses tipos de músculos, mas, neste capítulo, será discutido principalmente o funcionamento do músculo esquelético; o funcionamento especializado do músculo liso é discutido no Cap. 8 e o do músculo cardíaco, no Cap. 9. ANATOMIA FUNCIONAL DO MÚSCULO ESQUELÉTICO A FIBRA MUSCULAR ESQUELÉTICA A Fig. 6.1 apresenta a organização do músculo esquelético, mostrando que todos os músculos esqueléticos são compostos por numerosas fibras, com diâmetros variando entre 10 e 80 µm. Por sua vez, cada uma dessas fibras é formada por diversas subunidades, cada uma menor que a outra, também mostradas na Fig. 6.1, que serão discutidas nos parágrafos subseqüentes. Na maioria dos músculos, as fibras se estendem por todo o comprimento do músculo; exceto por cerca de 2% delas, são inervadas por terminação nervosa única, localizada perto do meio da fibra. O sarcolema. O sarcolema é a membrana celular da fibra muscular. Contudo, o sarcolema é formado por uma verdadeira membrana celular, chamada de membrana plasmática, e por revestimento externo, composto de fina camada de material polissacarídico, contendo numerosas fibrilas finas de colágeno. Na extremidade da fibra muscular, esse revestimento superficial do sarcolema se funde com uma fibra tendinosa e essas fibras tendinosas se unem, formando feixes, até comporem um tendão muscular que se insere no osso. Miofíbrilas: os filamentos de actina e de miosina. Cada fibra muscular contém de muitas centenas a vários milhares de miofibrilas, representadas pelos numerosos círculos vazios na vista em corte transverso da Fig. 6.1C. Cada miofibrila (Fig. 6.1D e E), por sua vez, contém, lado a lado, cerca de 1.500 filamentos de miosina e 3.000 filamentos de actina, que são grandes moléculas poliméricas, responsáveis pela contração muscular. Esses filamentos são apresentados, em vista longitudinal, na microfotografia eletrônica da Fig. 6.2 e são representados, esquematicamente, na Fig. 6.1 (partes E a L). Nesses esquemas, os filamentos grossos são os de miosina e os finos, os de actina. Deve ser notado que os filamentos de actina e de miosina se interdigitam em parte, o que faz com que as miofibrilas apresentem faixas alternadas escuras e claras. As faixas claras só contém filamentos de actina e são chamadas de faixas I, por serem isotrópicas à luz polarizada. As faixas escuras contêm os filamentos de miosina além das extremidades dos filamentos de actina e são chamadas de faixas A por serem anisotrópicas à luz polarizada. Também devem ser notadas as pequenas projeções laterais dos filamentos de miosina. Elas são chamadas de pontes cruzadas: proeminam da superfície dos filamentos de miosina, por toda sua extensão, exceto na sua parte mais central. E a interação entre essas pontes cruzadas e os filamentos de actina que produz a contração. A Fig. 6.1E também mostra que as extremidades dos filamentos de actina estão presos ao chamado disco Z. A partir desse disco, os filamentos se estendem, nas duas direções, para se interdigitar com os filamentos de miosina. O disco Z, que é formado por proteínas filamentosas diferentes das dos filamentos de actina e de miosina, passa de miofibrila a miofibrila, fixando-as entre si, ao longo de toda a espessura da fibra muscular. Por conseguinte, toda a fibra muscular apresenta faixas claras e escuras, como acontece com a miofibrila. Essas faixas dão ao músculo esquelético e cardíaco sua aparência "estriada". A região de uma miofibrila (ou de toda uma fibra muscular) situada entre duas linhas Z consecutivas é chamada de sarcômero. Quando a fibra nervosa está em seu comprimento normal de repouso, completamente estirada, o sarcômero tem extensão de cerca de 2 µm. Nesse comprimento, os filamentos de actina se sobrepõem totalmente aos filamentos de miosina e começam a se sobrepor uns aos outros. Veremos adiante que, nesse comprimento, o sarcômero também é capaz de gerar sua força máxima de contração. O sarcoplasma. As miofibrilas, no interior da fibra muscular, ficam suspensas em uma matriz, chamada de sarcoplasma, formada pelos constituintes intracelulares usuais. O líquido do sarcoplasma contém grandes quantidades de potássio e de magnésio, de fosfato e de enzimas protéicas. Também está presente número imenso de mitocôndrias que ficam entre e paralelas as miofibrilas, situação indicativa da grande necessidade das miofibrilas em contração de quantidade elevada de trifosfato de adenosina (ATP), formado nas mitocôndrias. O retículo sarcoplasmático. Também existe no sarcoplasma um extenso retículo endoplasmático, chamado, na fibra muscular, de retículo sarcoplasmático. Esse retículo apresenta organização especial, muito importante para o controle da contração muscular, o que é discutido no capítulo seguinte. A microfotografia eletrônica da Fig. 6.3 mostra a disposição desse retículo sarcoplasmático c indica como pode ser extenso. Os tipos de músculo de contração mais rápida possuem retículo sarcoplasmático extremamente longo, indicando que essa estrutura é importante para a produção de contração muscular rápida, o que será também discutido adiante. 60 Fig. 6.1 Organização do músculo esquelético, do nível macroscópico ao molecular, f, G, He /são cortes transversais nos níveis indicados. (Desenho de Sylvia Colard Keene; modificado de Fawcett: Bloom and Fawcett: A lextbook ofhistotogy. Philadelphia, W. B. Saunders Co., 1986). O MECANISMOGERAL DACONTRAÇÃO MUSCULAR O desencadeamento e decurso de uma contração muscular ocorre segundo as etapas sucessivas seguintes: 1. Um potencial de ação percorre um axônio motor até suas terminações nas fibras musculares. 2. Em cada terminação, há secreção de pequena quantidade da substância neurotransmissora, chamada acetilcolina. 3. A acetilcolina atua sobre área localizada da membrana da fibra muscular, abrindo numerosos canais protéicos acetilcolina dependentes. 4. A abertura desses canais acetílcolina-dependentes permite o influxo de grande quantidade de íons sódio para o interior da membrana da fibra muscular, no ponto da terminação nervosa. Isso produz um potencial de ação na fibra muscular. 5. O potencial de ação se propaga ao longo da membrana da fibra muscular do mesmo modo como o faz nas membranas neurais. 6. O potencial de ação despolariza a membrana da fibra muscular e também penetra profundamente no interior dessa fibra. Aí, faz com que o retículo sarcoplasmático libere, para as miofibrilas. grande quantidade de íons cálcio, que ficam armazenadas em seu interior. 7. Os íons cálcio geram forças atrativas entre os filamentos de actina e de miosina, fazendo com que deslizem um em direção ao outro, o que constitui o processo contrátil. 8. Após uma fração de segundo, os íons cálcio são bombeados de volta para o retículo sarcoplasmático, onde permanecem armazenados até que ocorra novo potencial de ação muscular; termina a contração muscular.Vamos agora descrever o mecanismo do processo contrátil, mas, no capítulo seguinte, retornaremos aos detalhes da excitação muscular. MECANISMOMOLECULARDACONTRAÇÃO MUSCULAR Mecanismo de deslizamento da contração. A Fig. 6.4 apresenta o mecanismo básico da contração muscular. Na parte de cima, mostra o estado relaxado de um sarcômero e, na parte de baixo, seu estado contraído. No estado relaxado, as extremidades dos filamentos de actina derivados de dois discos Z consecutivos se superpõem apenas discretamente, enquanto, ao mesmo tempo, se sobrepõem completamente aos filamentos de miosina. 61 Fig. 6.2 Microfotografia eletrônica das miofibrilas de músculo, mostrando os detalhes da organização dos filamentos de actina e de miosina. Devem ser notadas as mitocôndrias, situadas entre as miofibrilas. (De Fawcett: The Cell. Philadelphia, W.B. Saunders Co., 1981.) Por outro lado, no estado contraído, os filamentos de actina foram tracionados para a parte média, de modo que ficam, nesse estado, bem mais sobrepostos que antes. Também, os discos Z foram puxados, pelos filamentos de actina, até as extremidades dos filamentos de miosina. Na verdade, os filamentos de actina podem ser tracionados tão intensamente que as extremidades dos filamentos de miosina chegam a ficar dobradas durante as contrações muito fortes. Assim, a contração muscular é causada por mecanismo de deslizamento dos filamentos. Mas, o que faz com que os filamentos de actina deslizem, em direção central, por entre os filamentos de miosina? Isso é o resultado de forças mecânicas geradas pela interação das pontes cruzadas dos filamentos de miosina com os filamentos de actina, como discutiremos nas seções seguintes. Nas condições de repouso, essas forças estão inibidas, mas, quando o potencial de ação se propaga ao longo da membrana da fibra muscular, ele provoca a liberação de grande quantidade de íons cálcio no sarcoplasma que banha as miofibrilas. Por sua vez, esses íon cálcio ativam as forças Fig. 6.3. Retículo sarcoplasmático em torno das miofribrilas mostrandos, em corte transverso, os túbulos T ( setas). Que levam ao exterior da membrana da fibra e que contém líquido extracelular. 62 Fig. 6.4 Os estados relaxado e contraído de unia miofibrila, mostrando o deslizamento dos filamentos de actina (em preto) pelos espaços entre os filamentos de miosina (em vermelho). Entre os filamentos, dando início à contração, mas também é necessária energia para que a contração possa seguir seu curso. Essa energia é derivada das ligações de alta energia do ATP, que é degradado a difosfato de adenosina (ADP), para liberar a energia necessária. Nas seções seguintes, vamos descrever o que se sabe sobre os detalhes dos processos moleculares da contração. Para dar início a essa discussão, vamos, primeiro, caracterizar os detalhes dos filamentos de miosina e de actina. CARACTERÍSTICAS MOLECULARES FILAMENTOS CONTRÁTEIS DOS O filamento de miosina. O filamento de miosina é composto por numerosas moléculas de miosina, cada uma com peso molecular de cerca de 480.000. A Fig. 6.5A apresenta uma dessas moléculas isolada; à parte B mostra o modo de organização dessas moléculas para formar um filamento de miosina, bem como sua interação em um dos lados com as extremidades de dois filamentos de actina. A molécula de miosina é formada por seis cadeias polipeptídicas — duas cadeias pesadas, cada uma com peso molecular de 200.000, e quatro cadeias leves, cada uma com peso molecular de cerca de 20.000. As duas cadeias pesadas se enrolam, de modo espiralado, uma em torno da outra, para formar uma dupla hélice. Contudo, uma das extremidades de cada uma dessas cadeias se dobra para formar uma massa protéica globular, chamada de cabeça da miosina. Dessa forma, existem duas cabeças livres, situadas uma ao lado da outra, em uma das extremidades da molécula em dupla hélice da miosina; a porção alongada dessa dupla hélice é chamada de cauda. As quatro cadeias leves também fazem parte das cabeças de miosina, duas para cada cabeça. Essas cadeias leves participam do controle do funcionamento da cabeça, durante o processo de contração. O filamento de miosina é formado por 200 ou mais moléculas individuais de miosina. A parte central de um desses filamentos é mostrada na Fig. 6.5B, com as caudas das moléculas de miosina presas entre si para formar o corpo do filamento, enquanto muitas cabeças das moléculas pendem para fora e para os lados desse corpo. Também, parte da porção helicoidal de cada molécula de miosina, junto com a cabeça, estende-se para o lado, formando, assim, um braço que afasta a cabeça do corpo, como mostrado na figura. Esses braços e a cabeça proeminentes formam, em seu conjunto, as pontes cruzadas. Acredita-se que cada ponte cruzada seja flexível em dois pontos, chamados de dobradiças; Fig. 6.5 A, A molécula de miosina. B, A combinação de muitas moléculas de miosina para formar um filamento de miosina. Também são mostradas as pontes cruzadas e a interação entre as cabeças das pontes cruzadas e os filamentos adjacentes de actina. um fica localizado onde o braço se afasta do corpo do filamento de miosina e o outro, onde as duas cabeças se prendem ao braço. O braço dobrável permite que as cabeças sejam muito afastadas do corpo do filamento de miosina ou que sejam trazidas para muito próximo dele. As cabeças dobráveis são consideradas como tendo participação no próprio processo de contração, como discutiremos nas seções seguintes. O comprimento total de cada filamento de miosina é muito uniforme, quase que exatamente 1,6 µm. Contudo, deve ser notado que não existem cabeças de pontes cruzadas no centro verdadeiro do filamento de miosina, em extensão de cerca de 0,2µm, devido ao fato de os braços dobráveis se estenderem para as extremidades do filamento, a partir desse centro; conseqüentemente, só existem caudas das moléculas de miosina nesse centro, e não existem cabeças. Agora, para completar esse quadro, o filamento de miosina é, por sua vez, torcido, de modo que cada grupo consecutivo de pontes cruzadas fica axialmente deslocado do grupei anterior por 120 graus. Isso assegura que as pontes cruzadas se estendam em todas as direções em torno do filamento. Atividade de ATPase da cabeça de miosina. Outra característica da cabeça de miosina, essencial para a contração muscular, é que ela atua como uma enzima do tipo ATPase. Como veremos adiante, essa propriedade permite que a cabeça clive ATP e utilize a energia derivada das ligações fosfato de alta energia desse ATP para energizar o próprio processo da contração. O filamento de actina. O filamento de actina também é complexo. É formado por três constituintes protéicos: actina, tropo-miosina e troponina. O arcabouço do filamento de actina é uma molécula da proteína actina-F com dois filamentos, mostrada pelos dois filamentos mais claros da Fig. 6.6. Esses dois filamentos formam hélice, do mesmo modo como acontece com a molécula de miosina, mas com uma volta completa a cada 70 nm. Cada filamento da dupla hélice da actina-F é composto de moléculas polimerizadas de actina-G, cada uma com peso molecular de cerca de 42.000. Existem aproximadamente 13 dessas moléculas em cada revolução de um dos filamentos da hélice. 63 Agora, vamos discutir o papel dos íons cálcio. Em presença de grandes quantidades de íons cálcio, o efeito inibitório da troponina-tropomiosina sobre os filamentos de actina fica inibido. Esse mecanismo ainda é desconhecido, mas uma hipótese é a seguinte: quando os íons cálcio reagem com a troponina C — e cada uma dessas moléculas pode fixar-se fortemente a até quatro íons cálcio, mesmo quando estes estão presentes em quantidades diminutas —, admite-se que o complexo da troponina sofra alteração conformacional que, de algum modo, traciona a molécula de tropomiosina e, supostamente, a empurra mais profundamente para o fundo do sulco entre os Fig. 6.6 O filamento de actina, formado por dois filamentos helicoidais dois filamentos de actina. Isso "descobre" os sítios ativos da de actina-F e por moléculas de tropomiosina que se encaixam actina, o que permite o desenvolvimento da contração. Embora frouxamente nos sulcos entre os filamentos de actina. Preso a uma das esse seja um mecanismo hipotético, ele enfatiza, todavia, que a extremidades de cada molécula de tropomiosina existe um complexo de relação normal entre o complexo troponina-tropomiosina e a troponina que inicia a contração. actina é modificada pelos íons cálcio, produzindo nova condição que leva à contração. Interação entre o filamento "ativado" de actina e as pontes Em cada molécula de actina-G está fixada uma molécula de cruzadas da miosina — a teoria do "sempre em frente" da ADP. Acredita-se que essas moléculas de ADP representem o contração. Tão logo o filamento de actina seja ativado pelos íons sítio ativo dos filamentos de actina, com que interagem os cálcio, as cabeças das pontes cruzadas imediatamente são filamentos de miosina para produzir a contração muscular. Os fixadas aos sítios ativos do filamento de actina e isso, de sítios ativos dos dois filamentos de actina-F ocorrem alguma maneira, faz com que aconteça a contração. Embora escalonados, de modo que, ao longo de todo o filamento de ainda seja desconhecido o modo preciso como essa interação actina, existe um sítio ativo a cada 2,7 nm. entre as pontes cruzadas e a actina produz a contração, foi Cada filamento de actina tem comprimento aproximado de proposta uma hipótese baseada em evidências consideráveis, que 1 µm. As bases desses filamentos são fortemente fixadas nos foi chamada de teoria do "sempre em frente [walk-along] (ou discos Z, enquanto as duas extremidades proeminam, nas duas teoria da cremalheira) da construção. direções, para os sarcômeros adjacentes, situando-se nos espaços A Fig. 6.7 apresenta o mecanismo postulado para o "sempre entre as moléculas de miosina, como mostrado na Fig. 6.4. em frente". A figura mostra as cabeças de duas pontes cruzadas As moléculas de tropomiosina. Os filamentos de actina se fixando e se soltando dos sítios ativos do filamento de actina. contêm outra proteína, a tropomiosina. Cada molécula de Acredita-se que, quando uma cabeça se prende a um sítio ativo, tropomiosina tem peso molecular de 70.000 e comprimento de 40 essa fixação produz, ao mesmo tempo, profundas alterações nas nm. Essas moléculas estão frouxamente fixadas aos filamentos forças intermoleculares entre a cabeça e o braço da ponte cruzada. de actina-F e enroladas, de forma espiralada, ao longo dos O novo alinhamento de forças força a cabeça a se inclinar, em lados da hélice de actina-F. No estado de repouso, acredita-se direção do braço, trazendo junto o filamento de actina. Essa que as moléculas de tropomiosina fiquem sobrepostas aos sítios inclinação da cabeça é chamada de movimento de tensão [power ativos dos filamentos de actina, de modo a impedir que ocorra strake]. Em seguida, imediatamente após a inclinação, a cabeça, atração entre os filamentos de actina c de miosina, para de modo automático, solta-se do sítio ativo, voltando à sua produção de contração. Cada molécula de tropomiosina recobre posição perpendicular normal. Nessa posição, ela se fixa a cerca de sete sítios ativos. novo sítio ativo, localizado cm ponto mais adiante do filamento Troponina e sua participação na contração muscular. Ainda de actina; então, a cabeça se inclina de novo, para novo existe outra molécula de proteína, chamada troponina, que ocorre movimento de tensão, e o filamento de actina se desloca um fixada próximo da extremidade de cada molécula de pouco mais. Desse modo, as cabeças das pontes cruzadas se tropomiosina. Ela é, na verdade, um complexo de três inclinam e se endireitam, seguindo sempre em frente ao longo subunidades protéicas, frouxamente interligadas, cada uma com do filamento de actina, em direção ao centro do filamento de participação específica no controle da contração muscular. Uma miosina. dessas subunidades (troponina I) tem forte afinidade pela Acredita-se que cada ponte cruzada atue actina, outra (troponina T) a tem pela tropomiosina e a independentemente de todas as outras, cada uma se fixando e terceira (troponina C), pelos íons cálcio. Acredita-se que esse tracionando em ciclo contínuo, mas aleatório. Por complexo fixe a tropomiosina a actina. Também é admitido que conseguinte, quanto maior for o número de pontes cruzadas a forte afinidade da troponina pelos íons cálcio desencadeie o em contato com os filamentos de actina, em dado momento, processo contrátil, como explicado na seção seguinte. maior será, teoricamente, a força da contração. ATP como fonte de energia para a contração - as etapas Interação da miosina, dos filamentos de actina e químicas do movimento das cabeças da miosina. Quando o músdos íons cálcio para a produção da contração Inibição do filamento de actina pelo complexo troponina-tropomiosina; ativação pelos íons cálcio. Um filamento puro de actina, desprovido do complexo troponinatropomiosina, fixa-se fortemente a moléculas de miosina, em presença de íons magnésio e ATP, ambos normalmente abundantes na miofibrila. Contudo, se for adicionado o complexo troponina-tropomiosina, essa fixação não mais ocorre. Por conseguinte, acredita-se que os sítios ativos no filamento normal de actina no músculo relaxado estejam inibidos ou fisicamente recobertos pelo complexo troponina-tropomiosina. Conseqüentemente, esses sítios não podem fixar os filamentos de miosina para produzir a contração. Antes que a contração possa ocorrer, o efeito inibitório do complexo troponinatropomiosina deve ser, por sua vez, inibido. Fig. 6.7 O mecanismo "sempre em frente" para a contração do músculo 64 culo se contrai sob o efeito de uma carga, é realizado trabalho e é necessária energia. Grandes quantidades de ATP são clivadas, para formar ADP durante o processo da contração. Ainda mais, quanto mais trabalho for realizado pelo músculo, maior será a quantidade clivada de ATP, o que é chamado de efeito Fenn. Embora ainda não seja conhecido de modo preciso como o ATP é utilizado para fornecer a energia para a contração, foi sugerida a seqüência que se segue para o mecanismo desse processo: 1. Antes que comece a contração, as cabeças das pontes cruzadas fixam ATP. A atividade de ATPase das cabeças da miosina cliva, imediatamente, o ATP, embora os produtos dessa clivagem — ADP e Pi — permaneçam presos à cabeça. Nesse estado, a conformação da cabeça é tal que ela se estende perpendicularmente em direção ao filamento de actina, embora ainda não se fixe a ele. 2. Em seguida, quando o efeito inibitório do complexo troponina-tropomiosina for, por sua vez, inibido pelos íons cálcio, os sítios ativos do filamento de actina ficam descobertos, o que permite a fixação das cabeças de miosina a eles, como mostrado na Fig. 6.7. 3. A ligação entre a cabeça da ponte cruzada e o sítio ativo do filamento de actina provoca alteração conformacional da cabeça, fazendo com que ela se incline em direção ao braço da ponte cruzada. Isso produz o movimento de tensão para tracionar o filamento de actina. A energia que ativa o movimento de tensão é a que já está armazenada, como uma mola "engatilhada", pela alteração conformacional da cabeça, quando a molécula de ATP foi clivada. 4. Uma vez tendo ocorrido a inclinação da cabeça, isso permite a liberação do ADP e do Pi que estavam, até então, presos à cabeça; no local de onde foi liberado o ADP, prende-se outra molécula de ATP. Essa fixação, por sua vez, provoca o desprendimento da cabeça da actina. 5. Após a cabeça ter-se desprendido da actina, também é clivada a nova molécula de ATP, e a energia novamente "engatilha" a cabeça de volta a sua posição perpendicular, pronta para iniciar novo ciclo de movimento de tensão. 6. Então, quando a cabeça engatilhada, com sua energia armazenada derivada do ATP clivado, fixa-se a novo sítio ativo no filamento de actina, ela torna-se desengatilhada, gerando novo movimento de tensão. 7. Dessa forma, o processo se repete por várias vezes, até que os filamentos de actina puxem os discos Z até que pressionem as extremidades dos filamentos de miosina ou até que a carga que atua sobre o músculo seja demasiadamente grande para impedir qualquer tracionamento adicional. Fig. 6.8 Relação comprimento-tensão para um sarcômero isolado, mostrando a força máxima de contração ocorrendo quando o sarcômero tem comprimento entre 2,0 e 2,2µm. No canto superior à direita, são mostradas as posições relativas dos filamentos de actina e de miosina, para diferentes comprimentos do sarcômero, do ponto A ao ponto D. (Modificado de Gordon, Huxley e Julian: The length-tension diagram of single vertebrate striated muscle fibers. J. Physiol., 77/.-28P, 1964.) Nesse ponto, o filamento de actina já se sobrepôs a todas as pontes cruzadas do filamento de miosina, mas ainda não atingiu o centro desse filamento. Com encurtamento ainda maior, o sarcômero mantém tensão máxima até o ponto B, com comprimento desse sarcômero de cerca de 2,0 µm. Nesse ponto, as extremidades dos filamentos de actina começam a se sobrepor umas às outras, além de estarem sobrepostas aos filamentos de miosina. Quando o comprimento do sarcômero cai de 2,0 µm para cerca de 1,6 /ira, no ponto A, a força da contração diminui. É nesse ponto que os dois discos Z do sarcômero entram em contato com as extremidades dos filamentos de miosina. Então, à medida que a contração prossegue, com comprimentos do sarcômero ainda menores, as extremidades dos filamentos de miosina são dobradas, como mostrado na figura, e a força da contração diminui abrupta e aceleradamente. Esse esquema demonstra que a contração máxima ocorre quando existe grau máximo de sobreposição entre os filamentos de actina e as pontes cruzadas dos filamentos de miosina, e confirma a hipótese de que, quanto maior for o número de pontes cruzadas a puxar o filamento de actina, maior será a força de contração. Efeito do comprimento do músculo sobre a força de contração GRAU DE SUPERPOSIÇÃO DOS FILAMENTOS DE ACTINA E DE MIOSINA - EFEITO SOBRE A TENSÃO QUE É DESENVOLVIDA PELO MÚSCULO EM CONTRAÇÃO A Fig. 6.8 mostra o efeito do comprimento do sarcômero e do grau de superposição dos filamentos de actina e de miosina sobre a tensão ativa que é desenvolvida durante a contração de uma fibra muscular. À direita são apresentados diferentes graus de superposição dos filamentos de actina e de miosina, em diversos comprimentos do sarcômero. Nesse esquema, o ponto D marca o afastamento do filamento de actina além da extremidade do filamento de miosina, sem qualquer superposição. Nesse ponto, a tensão desenvolvida pelo músculo ativado é zero. Em seguida, à medida que o sarcômero se encurta e os filamentos de actina começam a se sobrepor aos de miosina, começa o desenvolvimento de tensão, com aumento progressivo, até que o comprimento do sarcômero diminua para cerca de 2,2 µm. nos músculos íntegros. A curva superior da Fig. 6.9 é semelhante à curva da Fig. 6.8, mas é obtida de músculos íntegros, em vez de fibra muscular isolada. O músculo íntegro contém grande quantidade de tecido conjuntivo; por outro lado, os sarcômeros, em diferentes partes do músculo, não se contraem necessariamente de modo sinerônico. Como resultado, a curva tem dimensões algo diferentes das amostras para a fibra muscular isolada, mas, não obstante, sua forma é a mesma. Deve ser notado, na Fig. 6.9, que, quando o músculo está em seu comprimento normal de repouso, que corresponde a comprimento do sarcômero de cerca de 2 µm, sua contração tem força máxima. Caso o músculo seja estirado até comprimento muito acima do normal antes da contração, esse músculo vai gerar elevada tensão de repouso, antes que ocorra a contração; essa tensão resulta das forças elásticas do tecido conjuntivo, do sarcolema, dos vasos sanguíneos, dos nervos etc. Contudo, o aumento da tensão durante a contração, chamado de tensão ativa, fica progressivamente menor, se o músculo for estirado além 65 ENERGÉTICADACONTRAÇÃOMUSCULAR Produção de trabalho durante a contração muscular Quando um músculo se contrai, sob ação de carga, ele realiza trabalho. Isso significa que é transferida energia do músculo para a carga externa, por exemplo, para elevar um objeto a uma altura maior ou para sobrepujar resistência a movimento. Em termos matemáticos, o trabalho é definido pela seguinte relação: W =C x D Fig. 6.9 Relação entre o comprimento do músculo e a força de contração. onde W é o trabalho produzido, C é a carga e D é a distância percorrida, sob ação da carga. A energia necessária para a realização do trabalho é derivada das reações químicas, nas células musculares, durante a contração, como descreveremos nas seções seguintes. Fontes de energia para a contração muscular de seu comprimento normal — isto é, até comprimento do sarcômero maior que cerca de 2,2µm. Na figura, isso é mostrado pelo menor comprimento da seta. RELAÇÃO ENTRE A VELOCIDADE DE CONTRAÇÃO E A CARGA Um músculo se contrai de forma extremamente rápida quando sua contração não sofre oposição de qualquer carga - para um músculo médio, a contração máxima é atingida dentro de 0,1 s. Contudo, quando são aplicadas cargas, a velocidade de contração diminui progressivamente à medida que a carga for aumentada, como mostrado na Fig. 6.10. Quando a carga aumenta até igualar a força máxima que pode ser gerada pelo músculo, a velocidade de contração é zero, e não ocorre contração, apesar da ativação das fibras musculares. Essa velocidade decrescente em função do aumento da carga ê causada pelo fato de que a carga imposta a um músculo em contração é uma força inversa que se opõe à força contrátil gerada pela contração do músculo. Por conseguinte, a força efetiva disponível para produzir a velocidade de encurtamento fica diminuída proporcionalmente. Fig. 6.10 Relação entre a carga e a velocidade de contração em músculo esquelético com 8 cm de comprimento. Já vimos que a contração muscular depende da energia fornecida pelo ATP. A maior parte dessa energia é necessária para pôr em ação o mecanismo de "sempre em frente" por meio do qual as pontes cruzadas puxam os filamentos de actina, mas pequenas quantidades são necessárias para (1) bombear cálcio do sarcoplasma para o retículo sarcoplasmático, ao término da contração, e (2) bombear íons sódio e potássio, através da membrana da fibra muscular, para manter o ambiente iônico adequado para a propagação dos potenciais de ação. Contudo, a concentração de ATP presente na fibra muscular, da ordem de 4 milimolar, só é suficiente para manter a contração por, no máximo, 1 a 2 segundos. Felizmente, após o ATP ter sido clivado a ADP, como descrito no Cap. 2, o ADP é refosforilado, para formar novo ATP, em fração de segundo. Existem várias fontes de energia para essa fosforilação. A primeira fonte de energia que é utilizada para reconstituir o ATP é o composto fosfocreatina, que contém uma ligação fosfato de alta energia semelhante à do ATP. Essa ligação fosfato de alta energia da fosfocreatina contém quantidade pouco maior de energia livre que a do ATP, como discutiremos em maiores detalhes nos Caps. 67 a 72. Como resultado, a fosfocreatina é clivada de imediato e a energia liberada provoca a ligação de novo íon fosfato ao ADP, para reconstituir o ATP. Todavia, o teor de fosfocreatina também é muito reduzido — apenas cinco vezes maior que o do ATP. Como conseqüência, a energia combinada do ATP e da fosfocreatina armazenados no músculo só c capaz de manter a contração máxima do músculo por cerca de 7 a 8 segundos. A mais importante fonte de energia a seguir, usada para reconstituir tanto o ATP como a fosfocreatina, é o glicogênio previamente armazenado nas células musculares. A rápida degradação enzimática do glicogênio a ácido pirúvico e ácido lático libera energia que é utilizada para converter ADP em ATP e esse ATP pode ser usado diretamente para energizar à contração muscular ou para reconstituir a fosfocreatina. A importância desse mecanismo de "glicólise" é dupla. Primeiro, as reações glicolíticas podem ocorrer até mesmo na ausência de oxigênio, de modo que a contração muscular pode ser mantida, por breve período, na falta de oxigênio. Segundo, a velocidade com que é formado o ATP, pelo processo glicolítico, é duas vezes e meia maior que a da formação de ATP pela reação dos nutrientes celulares com oxigênio. Todavia, infelizmente, ocorre acúmulo de muitos produtos finais da glicólise nas células musculares, de modo que a glicólise, isoladamente, só pode manter a contração muscular máxima por cerca de 1 minuto. 66 A última fonte de energia é o processo do metabolismo oxidativo. Isso significa a combinação de oxigênio com os diversos nutrientes celulares para formar ATP. Mais de 95% de toda a energia utilizada pelos músculos em contrações continuadas de longa duração derivam dessa fonte. Os nutrientes que são consumidos são os carboidratos, as gorduras e as proteínas. Para a atividade muscular de duração extremamente longa — de algumas horas —, a maior proporção da energia que é consumida deriva, em sua maior parte, das gorduras. Os detalhes dos mecanismos desses processos energéticos são discutidos nos Caps. 67 a 72. Além disso, a importância dos diversos mecanismos para liberação de energia em diferentes atividades esportivas é discutida no Cap. 81, que versa sobre a fisiologia do esporte. Eficiência da contração muscular. A "eficiência" de uma máquina ou de um motor é calculada como a porcentagem da energia consumida que é transformada em trabalho, e não em calor. A porcentagem da energia consumida pelo músculo (a energia química dos nutrientes) que pode ser convertida em trabalho é de menos de 20 a 25%, o restante sendo transformado em calor. A razão para essa baixa eficiência é que cerca da metade da energia dos nutrientes é perdida na formação de ATP e apenas cerca de 40 a 45% da energia do próprio ATP podem ser, posteriormente, transformados em trabalho. Só pode ser conseguida eficiência máxima quando o músculo se contrai com velocidade moderada. Se o músculo se contrair muito lentamente ou sem que ocorra algum movimento, são liberadas grandes quantidades de calor de manutenção durante o processo da contração, mesmo se estiver sendo realizado pouco ou nenhum trabalho, o que diminui a eficiência. Por outro lado, se a contração for muito rápida, grande parte da energia será consumida para vencer o atrito viscoso no interior do próprio músculo, e isso também reduz a eficiência da contração. Comumente, a eficiência máxima é obtida quando a velocidade da contração é de cerca de 30% da velocidade máxima. CARACTERÍSTICAS DA CONTRAÇÃO DE TODO O MÚSCULO Muitas características da contração muscular podem ser especialmente demonstradas pela produção de abalos musculares isolados. Isso pode ser conseguido por estimulação breve do nervo que vai para o músculo ou pela passagem de estímulo elétrico de curta duração pelo próprio músculo, o que produz contração única e abrupta do músculo, que dura fração de segundo. Contrações isométrica e isotônica. Uma contração muscular é dita isométrica quando o músculo não se encurta durante a contração e é dita isotônica quando ele se encurta, com a tensão desenvolvida pelo músculo permanecendo constante. Os métodos para o registro desses dois tipos de contração muscular são mostrados na Fig. 6.11. No método isométrico, o músculo se contrai contra um transdutor Fig. 6.11 Sistemas para o registro de contrações isotônicas e isométricas. de força, sem que varie seu comprimento, como mostrado à direita da Fig. 6.11. No método isotônico, o músculo se encurta sob ação de uma carga constante. Isso é mostrado à esquerda da figura, que apresenta o músculo levantando um prato cheio de pesos. Obviamente, as características da contração isotônica dependem da carga contra a qual o músculo vai contrair-se, bem como da inércia da carga. Por outro lado, o método isométrico só permite o registro, em sentido estrito, da variação da força da própria contração muscular. Como resultado, é usado com maior freqüência o método isométrico para a comparação entre as características funcionais dos diversos tipos de músculo. O componente elástico em série da contração muscular. Quando as fibras musculares se contraem sob ação de uma carga, as partes do músculo que não se contraem — os tendões, as extremidades do sarcolema das fibras musculares por onde se fixam aos tendões e, talvez, os braços dobráveis das pontes cruzadas — são ligeiramente estiradas, à medida que aumenta a tensão. Conseqüentemente, o músculo vai encurtar-se por mais de 3 a 5% para compensar o estiramento desses elementos. Os elementos do músculo que são estirados durante a contração formam o componente elástico em série desse músculo. CARACTERÍSTICAS DOS ABALOS ISOMÉTRICOS REGISTRADOS EM DIFERENTES MÚSCULOS O corpo apresenta músculos esqueléticos de tamanho muito variado - desde o minúsculo músculo estapédio, no ouvido médio, com poucos milímetros de comprimento e cerca de 1 mm de diâmetro, até o imenso quadríceps, meio milhão de vezes maior que o estapédio. Ademais, as fibras desses músculos podem ter diâmetro que varia do mínimo de 10 µm até o máximo de 80 µm. Finalmente, a energética da contração muscular varia consideravelmente de um músculo para outro. Por conseguinte, não surpreende que as características da contração muscular difiram entre todos esses músculos. A Fig. 6.12 mostra as contrações isométricas de três tipos distintos de músculos esqueléticos: um músculo ocular, cuja contração dura menos que 1/40 de segundo; e o músculo gastrocnêmio, com contração durando cerca de1/15 de segundo; e o músculo solear com contração durando 1/5 de segundo. É interessante que as durações de contração sejam adaptadas ao funcionamento dos músculos respectivos. Os movimentos oculares devem ser extremamente rápidos para manter a fixação dos olhos sobre objetos específicos, e o músculo gastrocnêmio deve contrair-se de forma moderadamente rápida para permitir velocidade suficiente dos movimentos das pernas, do tipo correr ou pular, enquanto o músculo solear está relacionado, de modo prioritário, à contração lenta para a sustentação contínua do corpo contra a ação da gravidade. Fibras musculares rápidas e lentas. Como discutiremos em maior detalhe no Cap. 84, sobre a fisiologia do esporte, cada músculo do corpo é formado por combinação das chamadas fibras musculares rápidas e lentas, existindo outras fibras com características intermediárias entre esses dois extremos. Os músculos que reagem muito rapidamente são Fig. 6.12 Duração das contrações isométricas de diferentes tipos de músculos de mamíferos, mostrando o período latente da contração entre o potencial de ação e a contração muscular. 67 compostos por grande maioria de fibras rápidas, com número muito pequeno de fibras do tipo lento. Inversamente, os músculos que respondem de forma lenta, com contração longa, são compostos por maioria de fibras lentas. As diferenças entre esses dois tipos de fibras são as seguintes: Fibras rápidas: (1) fibras muito maiores para uma maior força de contração; (2) retículo sarcoplasmático extenso, para a liberação rápida de íons cálcio, para desencadear a contração; (3) grande quantidade de enzimas glicolíticas para a liberação rápida de energia pelo processo glicolítico; (4) vascularização pouco extensa, pela importância secundária do metabolismo oxidativo; (5) pequeno número de mitocôndrias, igualmente por ser o metabolismo oxidativo secundário. Fibras lentas: (1) fibras menores; (2) também inervado por fibras nervosas mais finas; (3) vascularização bem mais extensa, com muitos capilares para fornecimento de quantidades adicionais de oxigênio; (4) número muito grande de mitocôndrias, permitindo a manutenção de alto nível do metabolismo oxidativo; (5) as fibras contêm grande quantidade de mioglobina, proteína contendo ferro, semelhante à hemoglobina das hemácias. A mioglobina se combina com o oxigênio, armazenando-o até que seja necessário, e acelera de muito o transporte de oxigênio para as mitocôndrias. A mioglobina dá ao músculo lento uma coloração avermelhada, razão desses músculos serem chamados de músculos vermelhos, enquanto sua falta, nos músculos rápidos, os faz serem chamados de músculos brancos. A partir dessas descrições, pode-se ver que as fibras rápidas são adaptadas para contrações musculares muito rápidas e fortes, como as que ocorrem nos saltos e na corrida curta. As fibras lentas são adaptadas para a atividade muscular prolongada e contínua, como a de sustentação do corpo contra a gravidade e atividades esportivas de longa duração, como a maratona. MECÂNICA DA CONTRAÇÃO MUSCULAR ESQUELÉTICA A unidade motora Cada motoneurônio que emerge da medula espinhal inerva numerosas fibras musculares: esse número depende do tipo de músculo. Todas as fibras musculares inervadas por uma só fibra nervosa motora formam a chamada unidade motora. Em geral, os músculos pequenos, que reagem rapidamente e cujo controle deve ser bastante precisa, têm unidades motoras com poucas fibras musculares (até apenas duas a três fibras nos músculos laríngeos). Por outro lado, os músculos grandes, que não precisam de controle muito exato, como, por exemplo, o músculo gastroenemio, podem ter unidades motoras com várias centenas de fibras musculares. Um valor médio para todos os músculos do corpo pode ser tomado como sendo de cerca de 100 fibras musculares em cada unidade motora. As fibras musculares de uma unidade motora não ficam todas grupadas no músculo, mas, pelo contrário, ficam dispersas por todo o músculo, em microfeixes de 3 a 15 fibras. Por conseguinte, esses microfeixes ocorrem intercalados com outros microfeixes de diversas unidades motoras. Essa interdigitação permite que as unidades motoras distintas se contraiam em apoio umas às outras, e não de forma total como se fossem segmentos isolados. Ele é importante por permitir a gradação da força muscular, durante uma contração fraca, em etapas pequenas; essas etapas ficam progressivamente maiores quando são necessárias grandes imensidades de força. A causa do princípio do tamanho é que as unidades motoras pequenas são ativadas por fibras nervosas motoras bastante delgadas e os pequenos motoneurônios da medula espinhal são, de longe, muito mais excitáveis que os grandes, de modo que, naturalmente, eles são excitados em primeiro lugar. Outra característica importante da somação de fibras múltiplas é que as diferentes unidades motoras são ativadas de modo assincrônico pela medula espinhal, de modo que a contração se alterna entre diversas unidades motoras, umas se contraindo após outras, o que permite uma contração contínua e uniforme, mesmo sob baixas freqüências do sinal neural. Somacão por freqüência e tetanização. A Fig. 6.13 apresenta os princípios da somação por freqüência e da tetanização. À esquerda são mostrados abalos isolados ocorrendo consecutivamente, produzidos por baixas freqüências de estimulação. Em seguida, à medida que essa freqüência aumenta, é atingido um momento em que cada nova contração ocorre antes do término da precedente. Como resultado, a segunda contração é parcialmente somada à anterior, de forma que a força total da contração aumenta progressivamente com a intensificação da freqüência de estimulação. Quando essa freqüência atinge um nível crítico, as contrações sucessivas são tão rápidas que, verdadeiramente, se fundem entre si, e a contração aparece como uniforme e contínua, como mostrado na figura. Isso é chamado de tetanização. Com freqüências ainda mais elevadas, a força da contração atinge seu máximo, de modo que qualquer aumento adicional da freqüência não produzirá qualquer aumento da força contrátil. Isso decorre de que existem suficientes íons cálcio no sarcoplasma, até mesmo no intervalo entre os potenciais de ação, para manter o estado de contração máxima, sem permitir o relaxamento entre os potenciais de ação. Força máxima de contração. A força máxima das contrações tetânicas de músculo operando em seu comprimento normal 6, em média, de 3 a 4 kg/cm2 de músculo. Uma vez que o músculo quadríceps pode chegar a ter 40 centímetros quadrados em sua barriga, ele poderá exercer tensão, sobre o tendão patelar, de até 350 kg. Podese facilmente compreender como, por vezes, um músculo pode desinserir seu tendão do osso. Variações da força muscular no início da contração — o fenômeno da escada (treppe). Quando um músculo começa a se contrair após longo período de repouso, sua força inicial de contração pode ser de apenas a metade da que será após os 10 a 50 abalos seguintes. Isto é, a força da contração aumenta até ser atingido um platô, um fenômeno conhecido como o efeito de escada ou treppe. Embora ainda não sejam conhecidas» todas as causas possíveis para o efeito de escada, acredita-se que, primariamente, seja devido a aumento do teor de íons cálcio no citosol, decorrente da liberação desses íons pelo retículo sarcoplasmático a cada potencial de ação e da incapacidade de recaptação imediata desses mesmos íons. Contrações musculares com torça diferente — somação da força Somação significa a adição de todas as contrações individuais dos abalos para aumentar a intensidade da contração muscular global. A somação pode ocorrer por dois modos distintos: (1) pelo aumento do número de unidades motoras que se contraem a um só tempo, o que é chamado de somação de fibras múltiplas, e (2) pelo aumento da freqüência da contração, o que é chamado de somação por freqüência ou tetanização. Somação de fibras múltiplas. Quando o sistema nervoso central envia um sinal fraco para contrair determinado músculo, as unidades motoras com fibras pequenas e em menor número são estimuladas preferencialmente às maiores unidades motoras. Em seguida, à medida que aumenta a intensidade do sinal neural, são estimuladas as unidades motoras progressivamente maiores, sendo que as unidades motoras muito grandes chegam a desenvolver, muitas vezes, mais de 50 vezes a força contrátil das unidades motoras menores. Isso é chamado de princípio do tamanho. Fig. 6.13 Somação por freqüência e tetanização. 68 Tônus do músculo esquelético Mesmo quando os músculos estão em repouso, ainda persiste certo grau de tensão. Isso é chamado de tônus muscular. Visto que as fibras musculares esqueléticas não se contraem sem que exista um verdadeiro potencial de ação para estimulá-las (exceto em algumas condições patológicas), o tônus do músculo esquelético é totalmente dependente de impulsos nervosos originados na medula espinhal. Esses impulsos, por sua vez, são, em parte, controlados por impulsos transmitidos do encéfalo para os motoneurônios anteriores correspondentes e, em parte, por impulsos que se originam dos fusos musculares localizados no próprio músculo. Esses dois mecanismos são discutidos em relação aos fusos musculares e ao funcionamento da medula espinhal no Cap. 54. Fadiga muscular Contrações fortes e prolongadas de um músculo levam ao estado bem conhecido de fadiga muscular. Estudos em atletas mostraram que a fadiga muscular aumenta quase em proporção direta com a intensidade da depleção do glicogênio muscular. Por conseguinte, a maior parte da fadiga resulta, com muita probabilidade, simplesmente da incapacidade dos processos contrateis e metabólicos das fibras musculares de produzir, de modo contínuo, a mesma quantidade de trabalho. Todavia, experimentos demonstraram que a transmissão do sinal neural através da placa motora, que é discutida no capítulo seguinte, pode ficar diminuída após atividade muscular prolongada, o que diminuiria ainda mais a contração muscular. A interrupção do fluxo sanguíneo para um músculo em contração produz fadiga muscular quase total em um minuto ou pouco mais, devido à perda óbvia do fornecimento de nutrientes - em especial, a falta de oxigênio. Os sistemas de alavanca do corpo Obviamente, os músculos atuam pela aplicação de tensão a seus pontos de inserção nos ossos e, estes, por sua vez, formam vários tipos de sistemas de alavanca. A Fig. 6.14 apresenta o sistema de alavanca ativado pelo músculo bíceps para elevar o antebraço. Se for admitido que um músculo bíceps volumoso tenha área de seção transversa de 15 cm2, ele seria capaz de desenvolver uma força máxima de contração da ordem de 131 kg. Quando o antebraço forma precisamente um ângulo reto com o braço, a inserção do tendão do bíceps fica cerca de 5 cm adiante do fulcro do cotovelo, e o comprimento total da alavanca formada pelo antebraço é de 35 cm. Por conseguinte, a quantidade de potência elevatória que o bíceps poderá ter, ao nível da mão, seria apenas de um sétimo da força de 131 kg, ou seja, 19 kg. Quando o membro superior está em sua posição de extensão completa, a inserção do bíceps fica abem menos que 5 cm anterior ao cotovelo, e a força com que o antebraço pode ser movido para a frente é bem menor que 19 kg. Resumindo, a análise dos sistemas de alavanca do corpo depende de (1) conhecimento preciso do ponto de inserção muscular, (2) sua distância do fulcro da alavanca, (3) o comprimento do braço da alavanca, e (4) a posição dessa alavanca. Obviamente, o corpo pode realizar muitos e diferentes tipos de movimento, alguns exigindo grande força, outros grandes distâncias de deslocamento. Por essa razão, existem todas as variedades de músculos; alguns são longos e se contraem por grandes distâncias, outros são curtos, mas têm grandes áreas de seção transversa, e são capazes de desenvolver grandes forças contrateis durante pequenos encurtamentos. O estudo dos diferentes tipos de músculos, dos sistemas de alavancas e de seus movimentos é chamado de cinesiologia e é área muito importante da fisioanatomia humana. "Posicionamento" de parte do corpo pela contração de músculos antagonistas nos lados opostos de uma articulação - "Coativação" dos músculos antagonistas Virtualmente, todos os movimentos do corpo são causados pela contração simultânea dos músculos antagonistas nos lados opostos das articulações. Isso é chamado de co-ativação dos músculos antagonistas e é controlado pelos mecanismos motores do encéfalo e da medula espinhal. A posição de cada parte distinta do corpo, como, por exemplo, a de um membro, é determinada pelo grau relativo de contração dos grupos de músculos antagonistas. Por exemplo, vamos admitir que um membro seja colocado no ponto médio de sua faixa de movimento. Para que isso seja conseguido, os músculos antagonistas são excitados aproximadamente com igual intensidade. Deve ser lembrado que um músculo estirado se contrai com mais força que um músculo retraído, como aparece na Fig. 6.9, que mostra a força máxima de contração para o comprimento total do músculo, e quase nenhuma força para a metade do comprimento normal do músculo. Por conseguinte, o músculo antagonista mais longo se contrai com maior força que o músculo mais curto. Conforme o membro se move para o ponto médio, a força do músculo mais longo diminui, ao mesmo tempo que a do músculo mais curto aumenta, até que as duas forças fiquem perfeitamente iguala das. É nesse ponto que cessa o movimento do membro. Assim, ao variar a proporção entre os graus de ativação dos músculos antagonistas, o sistema nervoso direciona o posicionamento do membro. Veremos no Cap. 54 que o sistema nervoso motor também possui mecanismos adicionais muito importantes para compensar as diferentes cargas impostas aos músculos durante esse processo de posicionamento. REMODELAGEM DO MÚSCULO PARA ATENDER A SUA FUNÇÃO Todos os músculos do corpo estão sob remodelamento contínuo para que melhor possam atender o que lhes é exigido. Seus diâmetros são modificados, seus comprimentos são alterados, suas forças são variadas, suas vascularizações são modificadas e, até mesmo, os tipos de suas fibras são mudados, pelo menos, em pequeno grau. Esse processo de remodelagem é, muitas vezes, bastante rápido, ocorrendo dentro de poucas semanas. Na verdade, experimentos têm demonstrado que, até mesmo em condições normais, as proteínas contráteis do músculo podem ser totalmente substituídas uma vez a cada 2 semanas. Hipertrofia e atrofia musculares Fig. 6.14 O sistema de alavanca ativado pelo músculo bíceps Quando a massa total de um músculo aumenta, ocorre a hipertrofia muscular. Quando essa massa diminui, o processo é chamado de atrofia muscular. Virtualmente, toda hipertrofia muscular é resultado da hipertrofia das fibras musculares isoladas, o que é chamado, simplesmente, de hipertrofia das fibras. Em geral, isso ocorre em resposta à contração do músculo com força máxima ou quase máxima. Ocorre hipertrofia muito mais acentuada quando o músculo é estirado durante o processo contrátil. Bastam apenas umas poucas dessas contrações, a cada dia, para que ocorra hipertrofia quase máxima dentro de 6 a 10 semanas. Infelizmente, ainda é desconhecido o modo como as contrações fortes levam a hipertrofia. Todavia, é sabido que a velocidade da síntese das proteínas contrateis do músculo é muito maior durante o desenvolvimento da hipertrofia que a velocidade de sua degradação, do que resulta aumento progressivamente maior do número de filamentos de actina e de miosina nas miofinrilas. 69 Por sua vez, as miofibrilas se dividem no interior de cada fibra muscular, para formar novas miofibrilas. Dessa forma, é esse grande aumento do número de miofibrilas adicionais que produz a hipertrofia das fibras musculares. Junto com o aumento do número de miofibrilas, os sistemas enzimáticos que fornecem energia também aumentam. Isso é especialmente verdade para as enzimas da glicólise, permitindo um fornecimento rápido de energia durante as contrações» musculares fortes, durante breves períodos. Quando um músculo permanece inativo por longos períodos, a velocidade de degradação das proteínas contrateis, bem como a redução do número de miofibrilas, é maior que a velocidade com que são repostas. Como resultado, ocorre atrofia muscular. Ajuste do comprimento muscular. Ocorre outro tipo de hipertrofia quando os músculos são estirados além de seu comprimento normal. Isso faz com que sejam adicionados novos sarcômeros nas extremidades das fibras musculares onde elas se fixam aos tendões. Na verdade, a adição desses novos sarcômeros pode ser bastante rápida, até de vários sarcômeros a cada minuto, demonstrando a grande rapidez desse tipo de hipertrofia. Inversamente, quando um músculo permanece retraído a comprimento menor que o seu normal por longos períodos, os sarcômeros nas extremidades das fibras desaparecem de modo igualmente rápido. É por esses processos que os músculos são continuamente remodelados para terem o comprimento adequado para uma contração muscular apropriada. Hiperplasia das Fibras musculares. Sob condições muito raras de geração de força muscular extrema, já foi observado aumento do número de fibras musculares, mas de apenas uns poucos pontos percentuais, além da hipertrofia das fibras. Esse aumento do número de fibras é chamado de hiperplasia das fibras. Quando ocorre, seu mecanismo é o da divisão longitudinal de fibras previamente hipertrofiadas. Remodelagem das fibras "lentas" em corredores de maratona Os músculos muito rápidos, de ação tipo mola, como o gastrocnêmio, só podem manter alto nível de força contrátil por períodos muito curtos de tempo de atividade contínua. Por conseguinte, os chamados músculos lentos, tais como o solear, são usados para as atividades prolongadas, tais como a corrida de maratona. Esses músculos não se hipertrofiam tanto como os músculos rápidos. Na verdade, eles são remodelados por outro modo. A atividade prolongada, por períodos de muitas horas a cada dia, causa, além de hipertrofia das fibras, de discreta a moderada, as seguintes alterações que aumentam a capacidade das fibras de utilizarem os nutrientes: 1. Aumento da mioglobina em cada fibra, para o transporte de oxigênio para as mitocôndrias. 2. Número muito aumentado de mitocôndrias para formar quantidades muito maiores de ATP. 3. Quantidades aumentadas de enzimas oxidativas nessas mitocôndrias para provocar maior intensidade do metabolismo oxidativo, o que aumenta ainda mais a produção de ATP. 4. Intenso crescimento de capilares no próprio músculo, resultando em menor espaçamento desses capilares por entre as fibras musculares, de modo que o oxigênio e outros nutrientes possam ser rápida e facilmente fornecidos durante os períodos prolongados de atividade. Efeitos da desnervação muscular Quando um músculo fica privado de sua inervação, ele deixa de receber os sinais contrateis necessários para manter suas dimensões normais. Como resultado, a atrofia começa quase imediatamente. Após cerca de 2 meses, começam a aparecer alterações degenerativas nas próprias fibras musculares. Se houver reinervação, ocorrerá restauração completa da função até, nas condições usuais, 3 meses; mas, após esse período, a capacidade de restauração funcional fica progressivamente menor, com perda definitiva de função após 1 a 2 anos. Nas etapas finais da atrofia de desnervação, a maior parte das fibras musculares já está destruída e substituída por tecido fibroso e gorduroso. As fibras remanescentes são formadas por longa membrana celular, com fileira de núcleos de células musculares, mas desprovidas de propriedades contráteis e sem capacidade de regeneração de miofibrilas, caso ocorra reinervação. Infelizmente, o tecido fibroso que toma o lugar das fibras musculares durante a atrofia de desnervação apresenta tendência a se retrair durante muitos meses, o que é chamado de contratura. Por conseguinte, um dos mais importantes problemas na prática da fisioterapia é a de impedir que os músculos atróficos venham a desenvolver contraturas debilitantes e desfigurantes. Isso é conseguido pelo estiramento diário dos músculos ou pelo uso de aparelhos que mantenham os músculos estirados durante o processo da atrofia. Recuperação da contração muscular na poliomielite: desenvolvimento de unidades macromotoras. Quando algumas fibras nervosas para um músculo são destruídas, com conservação de algumas, como ocorre freqüentemente na poliomielite, as, fibras remanescentes apresentam brotamentos de seus axônios que vão originar novos ramos axônicos, que, por sua vez, vão formar muitas ramificações novas, que, em seguida, inervam muitas das fibras musculares paralisadas. Disso resulta a formação de unidades motoras muito grandes, chamadas de unidades macromotoras, que chegam a conter número de fibras musculares cinco vezes maior que o número normal para cada motoneurônio da medula espinhal. Isso, obviamente, reduz a precisão do controle que deve existir sobre os músculos, mas, não obstante, permite que os músculos readquiram sua força. RIGOR MORTIS Várias horas após a morte, todos os músculos do corpo passam para um estado de contratura que é chamado de rigor mortis; isto é, o músculo se contrai e fica rígido, mesmo sem potenciais de ação. Essa rigidez é causada pela perda total de ATP, que é necessário para a separação das pontes cruzadas dos filamentos de actina durante o processo de relaxamento. Os músculos permanecem em rigor até que as proteínas musculares sejam destruídas, o que, em geral, é causado por autólise por enzimas liberadas dos lisossomas, cerca de 15 a 25 horas após a morte; esse processo é mais rápido nas temperaturas elevadas. REFERÊNCIAS Clausen, T.: Regulation ofactive Na*-K+transport in skeletal muscle. Physiol. Rev., 66:542, 1986. DiDonato, S., et ai. (eds.): Molecular Genetics of Neurological and Neuromuscular Diseaae. New York, Raven Press, 1988. Engel, A. G., and Banker, B. Q. (eds.): Myology. New York, McGraw-Hill Book Co., 1986. Freund, H.-J.: Motor unit and muscle activity in voluntary motor control. Physiol. Rev., 63:387, 1983. Goldman, Y. E.: Kinetics of the actomyosin ATPase in muacle fibers. Annu. Rev. Physiol., 49:637, 1987. Goldman, Y. E., and Brenner, B. (eda.): General introduetion. Annu. Rev. Physiol., 49:629, 1987. Gowitzke, B. A., et ai.: Scientific Bases of Human Movement. Baltimore, Williams & Wilkins, 1988. Hasselbach, W., and Oetliker, H.: Energetics andelectrogenícity of the sarcoplasmic reticulum calcium pump. Annu. Rev. Physiol., 45:325, 1983. Haynes, D, H., and Mandveno, A.: Computer modeling of Ca1 -Mg2 ATPase of sarcoplasmic reticulum. PhyBiol. Rev., 67:244, 1987. Homsher, E.: Muscle enthalpy produetion and its relationship to actomyosin ATPaae. Annu. Rev. Physiol., 49:673, 1987. Huang, C. L. H.: Intramembrane charge movements in skeletal muscle. Physiol. Rev., 68:1197, 1988. Huxley, A. F.: Muscular Contraction. Annu. Rev. Phyaiol., 50:1, 1988. Hrnrley, A. F., and Gordon, A. M.: Striation patterns in active and passive shortening of muscle. Nature (Lond.), 193:280, 1962. Huxley, H. E., and Faruqi, A. R.: Time-resolved x-ray diffraction studies on vertebrate striated muscle. Annu. Rev. Biophys. Bioeng., 12:381, 1983. Ikemoto, N.: Structure and function of the calcium pump protein of sarcoplasmic reticulum. Annu. Rev. Physiol., 44:297,1982. Johnson, E. W. (ed.): Practical Electromyography. Baltimore, Williama & Wilkins, 1988. Kodama, T.: Thermodynamic analysia of muscle ATPase mechanisms. Physiol. Rev., 65:476,1986. Kolata, G.: Metabolic catch-22 of exercise regimens. Science, 236:146,1987. Korn, E. D.: Actin polymerization and its regulation by proteins from nonmuscle cells. Physiol. Rev., 62:672, 1982. Korn, E. D., et ai.: Actin polymerization and ATP hydrolysis. Science, 238:638, 1987. Laufer, R., et aí.: Regulation of acetylcholine receptor bíoayntheaia durin motor endplate morphogenesis. News Physiol. Sei., 4:5, 1989. Martonosi, A. N.: Mechanisms of Ca** release from sarcoplaamic reticulum of skeletal muscle. Physiol. Rev., 64:1240,1984. Morgan, D. L., and Proiske, U.: Vertebrate slow muscle: Its structure, pattern of innervation, and mechanical properties. Physiol. Rev., 64:103,1984. Morkin, E.: Chronic adaptations in contractile proteína: Genetic regula tion. Annu. Rev. Physiol., 49:545, 1987. Oho, S. J.: Electromyography: Neuromuscular Transmission Studies. Baltimore, Williams & Wilkins, 1988. Partridge, L. D.,andBenton, L. A.: Muscle, the motor. In Brooks, V. B. (ed.): 70 Handbook of Physiology. Sec. 1, Vol. II. Bethesda, American Phyaiologícal Society, 1981, p. 43. Pollack, G. H.: The cross-bridge theory. Phyaiol. Rev., 63:1049, 1983. Rash, J.: Neuromuscular Atlas. New York, Prager Publishers, 1984. Ringel, S. P.: Neuromuscular D ia or dera: A Guide for Patient and Family. New York, Raven Press, 1987. Rios, E., and Pizarro, G.: Voltage senso rs and calcium channels ofexcitation contraction coupling. News Physiol. Sei., 3:223, 1988. Rogart, R.: Sodium channels in nerve and muscle membrane. Annu. Rev. Physiol., 43:711, 1981. Rowland, L. P.,etal. (eds.): Molecular Geneticsin Diaeases of Brain, Nerve, and Muscle. New York, Oxford University Presa, 1989. Rudel. R., and Lehmann-Horn, F.: Membrane changes in cells from myotonia patients. Physiol. Rev , 65:310,1985. Sohafer, R. C: Clinicai Biomechanics: Musculoskeletal Actions and Reactions. Baltimore, Williams & Wilkins, 1986. Schubert, D.: Developmental Biology of Cultured Nerve, Muscle and Glia. New York, John Wiley & Sons, 1984. Sjodin. R. A.: lon Transport in Skeletal Muscle. New York, John Wiley & Sons, 1982. Soderberg, G. L.: KinesioloKy. Baltimore, Williams & Wilkins, 1986. Stcfani, E., and Chiarandini, D. J.: Ionic channels in skeletal muscle. Annu. Rev. Physiol., 44:357, 1982. Steinbach, J. H.: Structural and functional diversity in vertebrate skeletal muscle nicotinic acetylcholine receptors. Annu. Rev. Physiol., 51:353, 1989. Sugi, H., and Pollack, G. H. (eds.): Molecular Mechanism of Muscle Contraction. New York, Plenum Publishing Corp., 1988. Swynghedauw, B.: Developmental and functional adaptation of contractile proteins in cardiac and skeletal muscles. Physiol. Rev., 66:710, 1986. Tnoman, D. D.; Spectroscopic probes of muscle crossbridge rotatíon. Annu. Rev. Physiol., 49:691, 1987. Vergara, J., and Asotra, K.: The chemical Transmission mechanism of excitation-contraction coupling in skeletal muscle. News Physiol. Sei., 2:lfi2, 1987. Wingrad, S.: Regulation of cardiac contractile proteins. Correlations be tween physiology and biochemistry. Circ. Res., 55:565, 1984. 71 CAPÍTULO 7 Excitação da Contração do Músculo Esquelético: Transmissão Neuromuscular e Acoplamento Excitação-Contração. TRANSMISSÃO DOS IMPULSOS DOS NERVOS PARA AS FIBRAS MUSCULARES ESQUELÉTICAS: A PLACA MOTORA As fibras musculares esqueléticas são inervadas por fibras mielínicas grossas, originadas nos grandes motoneurônios da ponta anterior da medula espinhal. Como notado no capítulo anterior, cada uma dessas fibras nervosas em geral se ramifica extensamente e estimula de três a várias centenas de fibras musculares esqueléticas. A terminação nervosa forma uma junção, chamada de placa motora (ou junção neuromuscular), e o potencial de ação na fibra muscular se propaga nas duas direções, dirigindo-se para as suas extremidades. Com exceção de cerca de 2% das fibras musculares, só existe uma dessas junções em cada fibra muscular. Anatomia fisiológica da junção neuromuscular — a "placa motora". A Fig. 7.1 partes A e B, apresenta uma junção neuromuscular entre uma fibra mielínica calibrosa e uma fibra muscular esquelética. A fibra nervosa se ramifica, próximo de sua extremidade, formando numerosas terminações nervosas, que se invaginam na fibra muscular, embora permaneçam inteiramente por fora da membrana plasmática dessa fibra muscular. Toda a estrutura resultante é revestida por uma ou mais células de Schwann que a isolam dos líquidos circundantes. A Fig. 7.1 C mostra um esquema derivado de microfotografias eletrônicas da junção entre terminação axônica única e a membrana da fibra muscular. A invaginação da membrana é chamada de goteira sináptica e o espaço entre a terminação axônica e a membrana da fibra é a fenda sináptica. A fenda sináptica tem largura de 20 a 30 nm e é revestida por uma lâmina basal, formada por fina camada de fibras reticulares esponjosas, através da qual se difunde o líquido extracelular. No fundo dessa goteira existem dobras menores da membrana muscular, chamadas de pregas subneurais, que aumentam de muito a área da superfície sobre a qual vai atuar o transmissor sináptico. Na terminação nervosa existem muitas mitocôndrias que fornecem energia, principalmente para a síntese do transmissor excitatório acetileolina que, por sua vez, excita a fibra muscular. A acetileolina é sintetizada no citoplasma da terminação, sendo rapidamente absorvida para o interior de numerosas e pequenas vesículas sinápticas; nas condições normais, existem cerca de 300.000 dessas vesículas em cada terminação axônica de placa motora. Fixada à matriz da lâmina basal existe grande quantidade da enzima acetilcolinesterase, que é capaz de destruir a acetileolina, o que vai ser explicado adiante em maiores detalhes. Secreção de acetileolina pelas terminações nervosas Quando um impulso nervoso invade a junção neuromuscular, cerca de 300 vesículas de acetileolina são liberadas pelas terminações axônicas na goteira sináptica. A Fig. 7.2 apresenta alguns detalhes desse mecanismo, mostrando imagem ampliada de uma goteira sináptica com a membrana neural acima e a membrana muscular com suas fendas subneurais abaixo. Existem na superfície interna da membrana neural barras densas lineares, mostradas em corte transverso na Fig. 7.2. De cada lado de uma barra densa existem partículas protéicas que atravessam toda a membrana, e que são consideradas como formando canais de cálcio voltagem-dependentes. Quando o potencial de ação se propaga por toda a terminação, esses canais se abrem, permitindo a difusão de grande quantidade de cálcio para o interior da terminação. Os íons cálcio, por sua vez, exercem influência atrativa sobre as vesículas de acetileolina, puxando-as para a membrana neural adjacente às barras densas. Algumas dessas vesículas se fundem com a membrana neural e esvaziam seu conteúdo de acetileolina na goteira sináptica pelo mecanismo de exoeitose. Embora alguns dos detalhes descritos acima ainda sejam especulativos, sabe-se que o estímulo efetivo para fazer com que a acetileolina seja liberada das vesículas é o influxo de íons cálcio. Ainda mais, o esvaziamento das vesículas ocorre na membrana adjacente às barras densas. Efeito da acetilcolina para abrir os canais iônicos acetilcolina- dependentes. A Fig. 7.2 mostra muitos receptores para acetilcolina na membrana muscular; na realidade, esses receptores são canais iônicos acetilcolina-dependentes, localizados, em sua quase totalidade, próximo à entrada das pregas subneurais, situadas imediatamente abaixo da área das barras densas, onde a acetilcolina é liberada na fenda sináptica. Cada receptor é um grande complexo protéico, com peso molecular total de 275.000. O complexo é formado por cinco subunidades protéicas, que atravessam toda a espessura da membrana, uma ao lado da outra, formando um círculo que circunda um canal tubular. 72 Fig. 7.1 Diferentes aspectos da placa motora terminal. A, Seção longitudinal através da placa motora. B, Visão superficial da placa motora. C, Aspecto à micrografia eletrônica dos pontos de contato entre uma das terminações axonais e a membrana da fibra muscular, representando a área retangular mostrada em A. (De Bloom e Fawcett, como modificado de R. Couteaux: A Textbook of Histology. Philadelphia, W. B. Saunders Company, 1975.)- Esse canal permanece contraído até que a acetilcolina se fixe a uma de suas subunidades. Isso provoca alteração conformacional, abrindo o canal, como mostrado na Fig. 7.3; no painel superior, o canal está fechado, no inferior, aberto pela fixação de molécula de acetilcolina. Quando aberto, o canal de acetilcolina tem diâmetro de cerca de 0,65 nm, suficientemente grande para permitir a passagem de todos os íons positivos importantes — sódio (Na+), potássio (K+) e cálcio (Ca++) — com muita facilidade. Por outro lado, os íons negativos, como os íons cloreto, não passam por ele, devido às fortes cargas negativas presentes em sua abertura externa. Contudo, na prática, quantidade muito maior de íons sódio do que de qualquer outro íon passa pelos canais de acetilcolina, por duas razões. Primeira, só existem dois íons positivos em concentração suficientemente alta para terem importância: os Fig. 7.2 Liberação de acetilcolina pelas vesículas sinápticas na membrana neural da placa motora. Notar a grande proximidade dos locais de liberação com os receptores para acetilcolina nas bocas das pregas subneurais. Fig. 7.3 O canal da acetilcolina: acima, no estado fechado; abaixo, apôs fixação de acetilcolina, uma alteração conformacional abriu o canal, permitindo entrada de sódio em excesso na fibra muscular, excitando a contração. Notar as cargas negativas na boca do canal que impedem a entrada de íons negativos. 73 íons sódio, no líquido extracelular, e os íons potássio, no líquido intracelular. Segunda, o potencial muito negativo vigente na face interna da membrana muscular, de cerca de - 80 a - 90 mV, puxa os íons sódio, com carga positiva, para o interior da fibra, ao mesmo tempo que impede o efluxo dos íons potássio, quando estes tentam sair. Por conseguinte, como mostrado no painel inferior da Fig. 7.3, o resultado efetivo da abertura dos canais acetilcolinadependentes é o de permitir a passagem de grande número de íons sódio para o interior da fibra, carregando com eles muitas cargas positivas. Isso gera um potencial local no interior da fibra, chamado de potencial da placa, que leva a um potencial de ação na membrana muscular, produzindo, assim, a contração muscular. Destruição da acetilcolina liberada pela acetilcolineslerase. A acetilcolina, uma vez que tenha sido liberada na fenda sináptica, continua a ativar os receptores para a acetilcolina, enquanto persistir na fenda. Contudo, ela é rapidamente removida por dois mecanismos. (1) A maior parte da acetilcolina é destruída pela enzima acetilcolinesterase, que, em sua maior parte, ocorre fixada à lâmina basal, a fina camada esponjosa de tecido conjuntivo que enche a fenda sináptica entre o terminal pré-sináptico e a membrana muscular póssináptica. (2) Pequena quantidade de acetilcolina se difunde para fora da fenda sináptica, não mais sendo disponível para atuar sobre a membrana da fibra muscular. Todavia, no intervalo de tempo extremamente breve em que a acetilcolina permanece na fenda sináptica — no máximo de uns poucos milissegundos -, a acetilcolina é quase sempre suficiente para excitar a fibra muscular. Então, a rápida remoção dessa acetilcolina impede a reexcitação muscular, após a fibra ter-se recuperado do primeiro potencial de ação. O "potencial da placa" e a excitação da fibra muscular esquelética. O influxo abrupto dos íons sódio para o interior da fibra muscular, conseqüente à abertura dos canais de acetilcolina, faz com que o potencial de membrana, na área localizada da placa motora, varie, em direção à positividade. por até 50 a 75 mV, gerando um potencial locai, chamado de potencial da placa. Deve ser lembrado do Cap. 5 que o aumento súbito do potencial de membrana por mais de 15 a 30 mV é suficiente para desencadear o feedback positivo, efeito da ativação dos canais de sódio, o que leva à compreensão de que o potencial de placa causado pela estimulação por acetilcolina é, em condições normais, mais que suficiente para desencadear um potencial de ação na fibra muscular. A Fig. 7.4 mostra como o potencial de placa pode produzir um potencial de ação. Essa figura mostra três potenciais de placa distintos. Os potenciais da placa A e C são fracos demais para provocar um potencial de ação, mas, não obstante, produzem os pequenos potenciais locais mostrados na figura. Como contraste, o potencial da placa B é bem mais forte e provoca a ativação de canais de sódio em número suficiente para que o efeito auto-regenerativo do influxo crescente de íons sódio, para o interior da fibra, inicie um potencial de ação. O pequeno potencial da placa no ponto A foi produzido pelo envenenamento da fibra muscular com curare, substância que impede a ação excitatória da acetilcolina sobre os canais de acetilcolina, ao competir com a própria acetilcolina pela fixação ao seu receptor. O outro pequeno potencial da placa, no ponto C, resultou da aplicação de toxina botulínica, uma toxina bacteriana que reduz a liberação de acetilcolina pelas terminações nervosas. O "fator de segurança" para a transmissão na placa motora fadiga da junção. Comumente, cada impulso que chega à placa motora provoca um potencial de placa que é de três a quatro vezes maior que o necessário para estimular a fibra muscular. Por conseguinte, diz-se que a placa motora normal tem um fator de segurança muito alto. Todavia, a estimulação artificial da fibra nervosa, com freqüências acima de 100 por segundo, durante vários minutos, costuma diminuir o número de vesículas de acetilcolina liberadas a cada impulso, de modo que muitos desses impulsos deixam de atingir a fibra muscular. Isso é chamado de fadiga da placa motora, e é análoga à fadiga das sinapses no sistema nervoso central. Sob as condições normais de funcionamento, a fadiga da placa motora só ocorreria raríssimas vezes e, assim mesmo, nos níveis mais extenuantes da atividade muscular. Fig. 7.4 Potenciais de placa motora. A, Potencial de placa terminal reduzido, registrado num músculo curarizado, demasiado fraco para deflagrar um potencial de ação. B, Potencial normal de placa motora produzindo um potencial de ação no músculo. C, Potencial de placa motora reduzido causado pela toxina botulínica que diminui a liberação de acetilcolina na placa, novamente muito fraco para deflagrar um potencial de ação no músculo. Biologia molecular da formação e da liberação de acetilcolina Uma vez que a placa motora é suficientemente grande para ser estudada com facilidade, ela é uma das poucas sinapses do sistema nervoso em que a maior parte dos detalhes da transmissão química já foi elucidada. Nessa junção, a formação e a liberação da acetilcolina ocorrem nas seguintes etapas; 1. Numerosas vesículas pequenas, com diâmetro de cerca de 40 nm, são formadas no aparelho de Golgi, no corpo celular do motoneurônio da medula espinhal. Essas vesículas são, então, transportadas pela "torrente" do axoplasma pela parte central do axônio, desde o corpo celular até a placa motora, na extremidade da fibra muscular. Cerca de 300.000 dessas vesículas são coletadas nas terminações nervosas de uma só placa terminal. 2. A acetilcolina é sintetizada no citosol das terminações das fibras nervosas, mas é, em seguida, transportada através de suas membranas para o interior das vesículas, onde fica armazenada de forma extrema mente concentrada, com cerca de 1.000 moléculas de acetilcolina em cada vesícula. 3. Em condições de repouso, ocasionalmente uma vesícula se funde com a membrana superficial da terminação nervosa, liberando seu conteúdo de acetilcolina na goteira sináptica. Quando isso ocorre, aparece um potencial miniatura de placa, com amplitude de 1 mV e duração de poucos milissegundos, restrito à área localizada da fibra muscular, devido à ação desse "pacote" de acetilcolina. 4. Quando um potencial de ação invade a terminação nervosa, ele induz ã abertura de muitos canais de cálcio na membrana dessa terminação, visto que ela contém muitos canais.de cálcio voltagemdependentes. Como resultado, a concentração de íons cálcio, no interior da terminação, aumenta por cerca de 100 vezes, o que, por sua vez, intensifica a fusão das vesículas de acetilcolina com a membrana da terminação por cerca de 10.000 vezes. Quando uma vesícula se funde, sua superfície externa atravessa a membrana celular, do que resulta a exoeitose da acetilcolina para a goteira sináptica. Em geral, para cada potencial de ação, ocorre rotura de 200 a 300 vesículas. Em seguida, ainda na goteira sináptica, a acetilcolina é degradada, pela acetilcolinesterase, em íon acetato e em colina; essa colina é ativamente reabsorvida pela terminação neural, para ser reutilizada na síntese de acetilcolina. Toda essa seqüência leva de 5 a 10 ms. 5. Após cada vesícula ter liberado seu conteúdo de acetilcolina, a membrana da vesícula passa a fazer parte da membrana celular. Contudo, o número de vesículas disponíveis na terminação neural é suficiente para permitir a transmissão de apenas alguns milhares de impulsos nervosos. Por conseguinte, para a continuidade do funcionamento da placa motora, as vesículas devem ser recuperadas da membrana celular. Essa 74 recuperação é realizada pelo processo de endocitose, que foi explicado no Cap. 2. Dentro de poucos segundos após o término do potencial de ação, "depressões revestidas" aparecem na superfície da membrana da terminação neural, induzidas pelas proteínas contrateis do citosol, em especial pela proteína catrina, que fica fixada por baixo da membrana nas áreas das vesículas originais. Dentro de 20 segundos, essas proteínas se contraem c fazem com que essas depressões passem para o interior da terminação, formando novas vesículas. Dentro de mais poucos segundos, a acetílcolina é transportada para o interior dessas vesículas, que ficam, assim, prontas para novo ciclo de liberação de acetilcolina. Substâncias que atuam sobre a transmissão na placa motora. Substâncias que estimulam a fibra muscular por ação semelhante à da acetilcolina. Muitos compostos distintos, incluindo a metacolina, o carbacol e a nicotina, têm o mesmo efeito sobre a fibra muscular que a acetilcolina. A diferença entre esses compostos e a acetilcolina é que eles não são degradados pela acetilcolinesterase, ou o são apenas muito lentamente, de modo que, quando aplicados à fibra muscular, sua ação persiste por muitos minutos, podendo durar várias horas. Esses compostos atuam por produzir áreas localizadas de despolarização na placa motora, onde ficam localizados os receptores para a acetilcolina. Então, a cada vez que a fibra muscular fica repolarizada em algum outro ponto, essas áreas despolarizadas, em virtude de seu vazamento de íons, induzem novos potenciais de ação, o que leva a estado de espasmo. Substâncias que bloqueiam a transmissão na placa motora. Um grupo de compostos, conhecidos como substâncias curare miméticas, pode impedir a passagem dos impulsos da placa motora para o músculo. Assim, a D-tubocurarina atua sobre a membrana por competir com a acetilcolina pelos receptores da membrana, de modo que a acetilcolina não pode aumentar a permeabilidade dos canais de acetilcolina o suficiente para desencadear uma onda de despolarização. Substâncias que estimulam a placa motora por inativação da acetilcolinesterase. Três compostos particularmente bem conhecidos, a neostigmina, a fisostigmina e o diisopropil-fluorofosfato, inativam a acetilcolinesterase, de modo que a colinesterase presente normalmente nas sinapses não hidrolisa a acetilcolina liberada na placa motora. Como resultado, a quantidade de acetilcolina aumenta a cada impulso nervoso sucessivo, de forma que quantidades excessivas de acetilcolina podem ficar acumuladas e, então, estimular repetitivamente a fibra muscular. Isso provoca espasmos musculares, até mesmo quando só uns poucos impulsos atingem o músculo; isso pode levar à morte por espasmo laríngeo, que sufoca a pessoa. A neostigmina e a fisostigmina se fixam à acetilcolinesterase, inativando-a por várias horas, após o que elas são deslocadas da acetilcolinesterase, que volta a ficar ativa. Por outro lado, o diisopropilfluorofosfato, que tem uso militar potencial como um gás "dos nervos" muito potente produz inativação da acetilcolinesterase por várias semanas, o que o torna um composto particularmente letal. Miastenia gravis A doença miastenia gravis, com incidência de uma entre cada 20.000 pessoas, faz com que o paciente fique paralisado pela incapacidade das placas motoras de transmitir sinais da fibra nervosa para as fibras musculares. Em situações patológicas, foram demonstrados anticorpos contra as proteínas carreadoras acetileolina-dependentes na maioria dos pacientes. Por conseguinte, acredita-se que a miastenia gravis é, na maior parte dos casos, doença auto-imune em que os pacientes desenvolveram anticorpos contra seus próprios canais iônicos acetileolina-dependentes. Independentemente da causa, os potenciais de placa que aparecem nas fibras musculares são por demais fracos para estimular com intensidade adequada as fibras musculares. Se a doença for suficientemente grave, o paciente morre de paralisia — de modo especial por paralisia dos músculos respiratórios. Contudo, a doença pode ser controlada pelo uso de neostigmina ou de qualquer outro composto com ação anticolines-terasica. Isso permite o acúmulo de maiores quantidades de acetilcolina na fenda sináptica. Dentro de minutos, algumas dessas pessoas paralisadas podem começar a atuar de forma quase normal. O POTENCIAL DE AÇÃO MUSCULAR Quase tudo o que foi discutido no Cap. 5 sobre o desencadeamento e a propagação de potenciais de ação nas fibras nervosas também é inteiramente aplicável às fibras musculares esqueléticas, exceto por diferenças quantitativas. Alguns dos aspectos quantitativos característicos dos potenciais musculares são os seguintes: 1. Potencial de repouso da membrana: aproximadamente, - 80 a - 90 mV nas fibras esqueléticas - o mesmo que nas fibras mielínicas mais calibrosas. 2. Duração do potencial de ação: de 1 a 5 ms no músculo esquelético — cerca de cinco vezes maior que nas fibras nervosas mielínicas mais calibrosas. 3. Velocidade de condução: de 3 a 5 m/s — cerca de 1/18 da medida nas grossas fibras nervosas mielínicas que inervam o músculo esquelético. Propagação do potencial de ação para o interior da fibra muscular por meio do sistema de túbulos transversos A fibra muscular esquelética é tão grossa que os potenciais de ação que se propagam por sua membrana superficial produzem fluxo de corrente quase nulo na profundidade dessas fibras. Contudo, para que ocorra contração, essas correntes elétricas devem penetrar ate a vizinhança imediata de todas as miofibrilas. Isso é conseguido pela transmissão dos potenciais de ação pelos túbulos transversos (túbulos T) que atravessam toda a espessura da fibra muscular, de um lado a outro. Os potenciais de ação nos túbulos T, por sua vez, fazem com que o retículo sarcoplasmático libere íons cálcio na vizinhança imediata de todas as miofibrilas, e esses íons cálcio, então, induzem à contração. Esse processo global é chamado de acoplamento excitação-contração. Vamos, agora, descrevê-lo com muito mais detalhe. ACOPLAMENTO EXCITAÇÃO-CONTRAÇÃO O sistema túbulo transverso-retículo sarcoplasmático A Fig. 7.5 mostra diversas miofibrilas envoltas pelo sistema túbulo T-retículo sarcoplasmático. Os túbulos transversos são muito delgados e seu percurso é transversal as miofibrilas. Começam na membrana celular e atravessam, de um lado a outro, toda a espessura da fibra muscular, até sua face oposta. Não é mostrado na figura que esses túbulos se ramificam e se interconectam, para formar verdadeiros planos de túbulos T, interligados por entre todas as diferentes miofibrilas. Também, deve ser notado que, onde os túbulos T se originam da membrana celular, eles ficam abertos para o exterior. Conseqüentemente, eles se comunicam com o líquido que banha a fibra muscular, contendo líquido extracelular em seus lumens. Em outras palavras, os túbulos T são extensões internas da membrana celular. Por conseguinte, quando um potencial de ação se propaga pela membrana de uma fibra muscular, ele também se propaga, por meio dos túbulos T, para a profundidade interior da fibra muscular. As correntes do potencial de ação, em torno desses túbulos T, induzem a contração muscular. A Fig. 7.5 também mostra o retículo sarcoplasmático, representado em vermelho. Ele é composto por duas estruturas: (1) os longos túbulos longitudinais, com percurso paralelo ao das miofibrilas e que terminam em (2) grandes câmaras, chamadas de cisternas terminais, acopladas aos túbulos transversos. Quando 75 Fig. 7.5 Sistema retículo sarcoplasmático-túbulo transverso. Observem-se lúbuhs longitudinais que terminam em grandes cisternas. As cisternas, por sua vez, entram em contato com os túbulos transversos. Observe-se também que os túbulos transversos se comunicam com o exterior da membrana celular. Esta ilustração foi desenhada a partir do músculo de rã. que apresenta um túbulo transverso por sarcômero, localizado na linha Z. Um arranjo semelhante é encontrado em músculo cardíaco de mamífero, sendo que o músculo esquelético de mamífero, no entanto, apresenta dois túbulos transversos por sarcômero localizados nas junções A-I. (De Bloom e Fawcett: A Textbook of Histology. Philadelphia. W. B. Saunders Company. 1986. Modificado de Pea-chey: J. Cell BioL, 25:209, 1965. Desenhado por Sylvia Colard Keene.) a fibra muscular é cortada longitudinalmente, para microfotografias eletrônicas, a imagem resultante mostra esse acoplamento das cisternas aos túbulos transversos, o que dá ao conjunto a aparência de uma tríade, com um pequeno túbulo central e uma grande cisterna de cada lado. Isso é mostrado na Fig. 7.5 e também aparece na microfotografia eletrônica da Fig. 6.3. Nos músculos de animais inferiores, como a rã, existe rede única de túbulos T para cada sarcômero localizada ao nível do disco Z, como mostrado na Fig, 7.5. O músculo cardíaco também apresenta esse tipo de sistema de túbulos T. Contudo, no músculo esquelético de mamíferos, existem duas redes de túbulos T para cada sarcômero, localizados próximo das duas extremidades dos filamentos de miosina, que são os locais onde são geradas as forças mecânicas efetivas da contração muscular. Dessa forma, o músculo esquelético de mamífero é otimamente organizado para a excitação rápida da contração muscular. das a esse túbulo T. Nesses pontos, cada cisterna projeta pés de juntura que se prendem à membrana do túbulo T, presumivelmente facilitando a passagem de algum sinal do túbulo T para a cisterna. É possível que esse sinal seja a corrente elétrica do próprio potencial de ação. Contudo, também existem razões para se acreditar que esse sinal poderia ser químico ou mecânico. Qualquer que seja a natureza desse sinal, ele provoca a abertura rápida de muitos canais de cálcio nas membranas das cisternas e nos túbulos longitudinais do retículo sarcoplasmático que as continuam. Esses canais permanecem abertos por poucos milissegundos; durante esse período, os íons cálcio, responsáveis pela contração muscular, são liberados no sarcoplasma que banha as miofibrilas. Os íons cálcio que são, assim, liberados pelo retículo sarcoplasmático se difundem até as miofibrilas adjacentes, onde vão se fixar fortemente a troponina C, como descrito no capítulo anterior, e isso induz à contração muscular. A bomba de cálcio para a remoção dos tons cálcio do líquido LIBERAÇÃO DE ÍONS CÁLCIO PELO RETÍCULO SARCOPLASMÁTICO Uma das características especiais do retículo sarcoplasmático é que ele contém íons cálcio em concentrações muito elevadas, e muitos desses íons são liberados quando o túbulo T adjacente é excitado. A Fig. 7.6 mostra que o potencial de ação do túbulo T produz fluxo de corrente através das pontas das cisternas acopla- sarcoplasmático. Uma vez tendo ocorrido a liberação de íons cálcio pelo retículo sarcoplasmático e sua difusão até as miofibrilas, a contração muscular vai ocorrer enquanto os íons cálcio permanecerem em concentração elevada no líquido sarcoplasmático. Todavia, uma bomba de cálcio continuamente ativa situada nas paredes do retículo sarcoplasmático bombeia os íons cálcio do líquido sarcoplasmático para o interior dos túbulos sarcoplas-máticos. Essa bomba é capaz de concentrar os íons cálcio no interior do retículo sarcoplasmático por cerca de 10.000 vezes. 76 Fig. 7.6 Acoplamento excitação-contraçáo no músculo, mostrando um potencial de ação que causa a liberação de íons cálcio do retículo sarcoplasmático e a sua recaptação por uma bomba de cálcio. Além disso, existe no interior desse retículo uma proteína, chamada 3e calsequestrina, que pode fixar quantidade de cálcio 40 vezes maior que a existente no estado iônico, o que gera aumento da capacidade de armazenamento do cálcio de 40 vezes. Assim, essa transferência maciça de cálcio para o retículo sarcoplasmático produz depleção quase total dos íons cálcio no líquido que banha as miofibrilas. Por conseguinte, exceto imediatamente após um potencial de ação, a concentração de íons cálcio nas miofibrilas é mantida em valor extremamente baixo. O "pulso" excitatório de íons cálcio. A concentração normal (de menos de 10- 7 molar) dos íons cálcio no citosol que banha as miofibrilas é pequena demais para induzir à contração. Por conseguinte, no estado de repouso, o complexo troponina-tropomiosina mantém os filamentos de actina inativos, mantendo o estado relaxado do músculo. Por outro lado, a excitação completa do sistema túbulo Tretículo sarcoplasmático provoca liberação de quantidade suficiente de íons cálcio para aumentar sua concentração no líquido miofibrilar até 2 x 10 -4 molar, que é cerca de 10 vezes maior que o teor necessário para induzir a contração máxima do músculo (aproximadamente, 2 X 10-5 molar). Imediatamente após, a bomba de cálcio volta a depletar os íons cálcio. Esse "pulso" de cálcio na fibra muscular esquelética típica dura cerca de 1/20 de segundo, embora sua duração possa ser várias vezes maior em certos tipos de fibras musculares esqueléticas e também várias vezes menor em outros (no músculo cardíaco, esse pulso de cálcio dura até 1/3 de segundo, devido à longa duração do potencial de ação cardíaco). É durante esse pulso de cálcio que ocorre a contração. Caso a contração deva continuar por período mais prolongado, deve ser desencadeada uma série desses pulsos, por seqüência continuada de potenciais de ação repetidos, como discutido no capítulo anterior. REFERÊNCIAS Ver referências dos Caps. 5 e 6. 77 CAPÍTULO 8 Contração e Excitação do Músculo Liso CONTRAÇÃO DO MÚSCULO LISO Nos dois capítulos anteriores, a discussão versou sobre o músculo esquelético. Vamos, agora, passar para o músculo liso, formado por fibras bem menores — em geral, com diâmetro de 2 a 5 µm e comprimento de apenas 20 a 500 µm — em relação ao músculo esquelético, com fibras de diâmetro 20 vezes maior e comprimento milhares de vezes maior. Não obstante, muitos dos princípios básicos da contração se aplicam tanto ao músculo liso como ao músculo esquelético. O que é mais importante, essencialmente as mesmas forças atrativas entre os filamentos de miosina e de actina geram a contração no músculo liso, como fazem no músculo esquelético, mas a organização física interna das fibras do músculo liso é inteiramente diferente, como será mostrado adiante. TIPOS DE MÚSCULO LISO O músculo liso encontrado em um órgão é diferente do presente nos demais por vários aspectos: dimensões físicas, organização em feixes ou camadas, resposta a diversos tipos de estímulos, características de inervação e de função. Todavia, para simplificar, o músculo liso é geralmente dividido em dois tipos principais, mostrados na Fig. 8.1: o músculo liso multiunitário e o músculo liso de uma só unidade. Músculo liso multiunitário. Esse tipo de músculo liso é formado por fibras independentes de músculo liso. Cada fibra atua de modo completamente independente das demais e, muitas vezes, é inervada por terminação nervosa única, como acontece com as fibras musculares esqueléticas. Ademais, as superfícies externas dessas fibras, como as das fibras musculares esqueléticas é revestida por fina camada de uma substância "semelhante à membrana basal", uma mistura de fibrilas de colágeno e de proteoglicanos que participa do isolamento da fibra de suas vizinhas. A característica mais importante das fibras do músculo liso multiunitário é que cada fibra pode contrair-se independentemente das outras, e elas são controladas, em grande parte, por sinais neurais. Isso contrasta com o controle predominante nos músculos lisos viscerais, por estímulos nãoneurais. Característica adicional é a de que só muito raramente esses músculos apresentam contrações espontâneas. Alguns exemplos de músculo liso multiunitário são as fibras musculares lisas do músculo ciliar do olho, a íris do olho, a membrana nictitante que recobre o olho em alguns animais inferiores e os músculos piloeretores que produzem a ereção dos pêlos, quando estimulados pelo sistema nervoso simpático. Músculo liso de uma só unidade. A expressão "de uma só unidade" gera confusão por não significar fibras musculares únicas. Ao contrário, ela define grande massa de centenas a milhões de fibras musculares que se contraem juntas, como uma só unidade. Essas fibras ocorrem em geral em feixes ou camadas e suas membranas celulares são aderentes entre si, em diversos pontos, de modo que a força gerada por uma fibra muscular pode ser transmitida à seguinte. Além disso, as membranas celulares são unidas por muitas junções abertas, o que permite o fluxo de íons de uma célula a outra, de modo que o potencial de ação se propaga de uma fibra para a seguinte, fazendo com que todas as fibras musculares se contraiam a um só tempo. Esse tipo de músculo liso também é chamado de músculo liso sincicial, devido as interconexões entre suas fibras. Dado que esse tipo de músculo é encontrado na parede da maioria das vísceras do corpo - inclusive no intestino, vias biliares, ureteres, útero e muitos vasos sanguíneos —, ele também é, muitas vezes, referido como músculo liso visceral. O PROCESSO CONTRÁTIL NO MÚSCULO LISO A base química para a contração do músculo liso O músculo liso contém tanto filamentos de actina como de miosina, ambos com características químicas semelhantes às dos filamentos de actina e de miosina do músculo esquelético. Todavia, ele não contém troponina, de modo que o mecanismo para o controle da contração é inteiramente diferente. Isso será discutido em detalhe em seção subseqüente deste capítulo. Estudos químicos mostraram que a actina e a miosina extraídas do músculo liso interagem entre si de modo quase idêntico ao da actina e miosina extraídas do músculo esquelético. Ainda mais, o processo contrátil é ativado pelos íons cálcio e o trifosfato de adenosina (ATP) é degradado a difosfato de adenosina (ADP) para o fornecimento de energia para a contração. Por outro lado, existem diferenças importantes entre a organização física do músculo liso e a do músculo esquelético, bem como diferenças no acoplamento excitação-contração, no controle do processo da contração pelos íons cálcio, na duração da contração e na quantidade de energia necessária para o processo contrátil. A base física da contração do músculo liso O músculo liso não apresenta a disposição estriada dos filamentos de actina e de miosina encontrada nos músculos esqueléticos. Durante muito tempo foi impossível identificar, mesmo em microfotografias eletrônicas, qualquer organização específica na célula muscular lisa que pudesse explicar sua contração. 78 Fig. 8.1 O músculo liso multiunitário e o de uma só unidade. Contudo, usando-se métodos especiais de preparação para microscopia eletrônica, foi possível a sugestão da organização física mostrada na Fig. 8.2. Ela mostra grande número de filamentos de actina presos aos chamados corpos densos. Alguns desses corpos densos estão fixados à membrana celular. Outros ocorrem dispersos no interior da célula e são mantidos em seus lugares por malha de proteínas estruturais que os interconecta. Deve ser notado na Fig. 8.2 que alguns dos corpos densos fixados à membrana de células adjacentes estão interligados por pontes de proteínas intracelulares. É principalmente por meio dessas interligações que a força da contração é transmitida de uma célula para a seguinte. Espalhados entre os numerosos filamentos de actina existem alguns filamentos de miosina. Esses filamentos de miosina têm diâmetro mais de duas vezes maior que o dos filamentos de actina. Quando vistos em corte transverso, em microfotografias eletrônicas, podem ser contados até 15 vezes mais filamentos de actina que de miosina. Parte dessa diferença é causada pelo fato de que a proporção entre os comprimentos dos filamentos de actina e de miosina, no músculo liso, é bem maior que a encontrada no músculo esquelético. Por conseguinte, a probabilidade de se ver um excesso de filamentos de actina é bem maior. Não obstante, fica-se impressionado com a raridade dos filamentos de miosina em relação aos de actina. A direita da Fig. 8.2 é mostrada a estrutura sugerida das unidades contrateis isoladas das células musculares lisas, com grande número de filamentos de actina se irradiando de dois corpos densos; esses filamentos se sobrepõem a filamento único de miosina, situado a meia distância entre os dois corpos densos. É óbvio que essa unidade contrátil é semelhante à unidade contrátil do músculo esquelético, sem, contudo, apresentar a regularidade estrutural característica deste último; na verdade, os corpos densos do músculo liso desempenham o mesmo papel dos discos z do músculo esquelético Comparação entre as contrações do músculo liso e do músculo esquelético Embora o músculo esquelético se contraia com muita rapidez, a maioria das contrações do músculo liso resulta em contrações tônicas prolongadas, algumas vezes perdurando por horas e até por dias. Por conseguinte, pode ser previsto que as características tanto físicas como químicas das contrações dos músculos. Fig. 8.2 A estrutura física do músculo liso. A fibra na parte superior esquerda da figura mostra filamentos de actina irradiando de "corpos densos". O detalhe à direita da fibra inferior apresenta as inter-relações entre os filamentos de miosina e os de actina. lisos difiram das contrações dos músculos esqueléticos. Algumas dessas diferenças são as seguintes: Ciclos lentos das pontes cruzadas. A duração dos ciclos das pontes cruzadas no músculo liso — isto é, sua fixação a actina, em seguida seu desligamento dessa actina, e nova fixação para outro ciclo — é muito, mas muito maior no músculo liso que no músculo esquelético; na verdade, a freqüência desses ciclos no músculo liso é, no máximo, de 1/100 a 1/300 da do músculo esquelético. Contudo, admite-se que a fração de tempo em que as pontes cruzadas permanecem presas aos filamentos de actina, que é o principal fator determinante da força de contração, é muito maior no músculo liso. Uma razão possível para esses lentos ciclos é a de que as cabeças de miosina conteriam menos atividade de ATPase que no músculo esquelético, de modo que a degradação do ATP, energizadora dos movimentos das cabeças, ficaria muito reduzida, com diminuição correspondente da freqüência dos ciclos. Energia necessária para manter a contração do músculo liso. Apenas de 1/10 a 1/300 da energia consumida na manutenção 79 de uma mesma tensão de contração é necessária no músculo liso, em relação ao músculo esquelético. Também isso é considerado como resultando da longa fixação de cada ciclo e de apenas uma molécula de ATP ser necessária para cada ciclo, independente de sua duração. Essa economia na utilização de energia pelo músculo liso é extremamente importante para a economia global de energia do corpo, dado que órgãos como os intestinos, a bexiga urinária e outras vísceras devem manter sua contração muscular tônica durante todo o dia. Lentidão do desenvolvimento da contração e do relaxamento do músculo liso. Um tecido muscular liso típico começa a se contrair dentro de 50 a 100 ms após ter ficado excitado, atinge sua contração máxima após 1/2 s e começa a apresentar declínio de sua força de contração decorridos outros 1 a 2 s, o que dá um tempo total de contração de 1 a 3 s. Isso corresponde à duração cerca de 30 vezes maior que a medida para um músculo esquelético médio. Contudo, devido à multiplicidade de tipos de músculos lisos, a contração de alguns pode durar apenas 0,2 s, enquanto a de outros pode ser de até 30 s. O lento início da contração do músculo liso c sua prolongada contração são, provavelmente, causados pela lentidão da fixação e do desligamento das pontes cruzadas. Além disso, o início da contração, em resposta aos íons cálcio, chamado de mecanismo de acoplamento excitação-contração, é muito mais lento que no músculo esquelético, como será discutido adiante. Força da contração muscular. Apesar do número relativamente pequeno de filamentos de miosina no músculo liso e da duração prolongada dos ciclos das pontes cruzadas, a força máxima de contração que pode ser desenvolvida pelo músculo liso é, muitas vezes, bem maior que a do músculo esquelético chegando até a 4 a 6 kg/cm2 da área da seção transversa do músculo liso, em comparação a 3 a 4 kg para o músculo esquelético. Postula-se que essa grande força atrativa seja resultante do prolongado período de fixação das pontes cruzadas da miosina aos filamentos de actina. Encurtamento percentual do músculo liso durante a contração. Característica do músculo liso, que muito o distingue do músculo esquelético, é a capacidade de se encurtar por porcentagem muito maior de seu comprimento que o músculo esquelético, enquanto mantém quase que a força total da contração. O músculo esquelético tem comprimento utilizável para encurtamento de cerca de um terço de seu comprimento estirado, enquanto o músculo liso pode, muitas vezes, encurtarse efetiva-mente por mais de dois terços de seu comprimento estirado. Isso permite ao músculo Uso o desempenho de funções especialmente importantes nas vísceras ocas, permitindo que o intestino, a bexiga, os vasos sanguíneos e outras estruturas internas do corpo variem seus diâmetros luminais desde valores muito grandes até quase zero. Por que essa diferença entre o músculo liso e o músculo esquelético? A resposta a esta pergunta não é conhecida em sua totalidade, mas parecem existir duas razões prováveis. Primeira, é possível que algumas unidades contrateis do músculo liso apresentem superposição ótima entre os filamentos de actina e de miosina para determinados comprimentos do músculo, enquanto outras unidades a teriam em comprimentos diferentes desse músculo, não existindo sincronia entre todas as unidades contrateis, como acontece normalmente no músculo esquelético. Como resultado, pode ser atingido alto grau de encurtamento. Segunda, os filamentos de actina são muito mais longos no músculo liso que no esquelético. Como resultado, esses filamentos podem ser puxados por sobre os filamentos de actina por distância muito maior, no caso do músculo Uso em contração, do que pode ser durante a contração do músculo esquelético. O mecanismo de “tranca” para a manutenção de contrações muito prolongadas do músculo liso. Uma vez que se tenha desenvolvido uma contração total no músculo liso, o grau de ativação desse músculo pode ser, em geral, reduzido a nível bem abaixo do inicial sem que, todavia, o músculo perca sua força total de contração. Ainda mais, a energia consumida para manter essa contração é, freqüentemente, minúscula algumas vezes, de apenas 1/300 da energia necessária para manter uma contração contínua comparável no músculo esquelético. Isso é chamado de mecanismo de “tranca”. Esse mesmo efeito ocorre em grau mínimo no músculo esquelético, muitíssimo menor que no músculo liso. A importância do mecanismo de tranca é a de que ele permite a manutenção de contração tônica prolongada, no músculo liso, por horas e horas, com consumo mínimo de energia. Por outro lado, quase nenhum sinal excitário, de fontes neurais ou hormonais, é necessário. A causa do fenômeno de tranca é, fora de qualquer dúvida, relacionada ao prolongado período de fixação das pontes cruzadas de miosina aos filamentos de actina. Entretanto, desconhece-se por que esse mecanismo é mais evidente em certos tipos de músculo liso que em outros, bem como por que sua intensidade pode variar. Relaxamento por estresse do másculo liso. Outra característica muito importante do músculo liso, em especial do tipo visceral de músculo liso encontrado em muitos órgãos ocos, é sua capacidade de retornar quase que a sua força original de contração segundos ou minutos após ter sido alongado ou encurtado. Por exemplo, aumento súbito do volume de líquido contido na bexiga urinária provoca aumento substancial e imediato da pressão vesical. Contudo, durante os 15 s seguintes, apesar do contínuo estiramento da parede da bexiga, a pressão retorna quase que a seu valor inicial. Se, em seguida, o volume for novamente aumentado, o mesmo efeito torna a ocorrer. Quando o volume é abruptamente diminuído, a pressão cai, de início, a valores muito baixos, retornando após alguns segundos a seu valor original. Esse fenômeno é chamado de relaxamento por estresse. Sua importância óbvia é a de permitir que órgãos ocos mantenham aproximadamente a mesma pressão no interior de seus lumens, independentemente do comprimento de suas fibras musculares. O fenômeno do relaxamento por estresse está, provavelmente, relacionado ao fenômeno da tranca. Quando o músculo é inicialmente estirado, o fenômeno da tranca resiste à alteração do comprimento. Todavia, com os ciclos sucessivos das cabeças de miosina, durante os segundos a minutos subseqüentes, as cabeças se desligam é voltam a se prender em pontos mais afastados dos filamentos de actina. Por conseguinte, em função do tempo, o comprimento do músculo se modifica, embora a tensão do músculo retorne até quase seu valor inicial, visto que o número das pontes cruzadas de miosina, causadoras da força contrátil, permanece muito próximo do que havia antes. REGULAÇÃO DA CONTRAÇÃO PELOS ÍONS CÁLCIO Como é válido para o músculo esquelético, o fator desencadeante na maioria das contrações do músculo liso é um aumento da concentração intracelular de íons cálcio. Esse aumento pode ser causado por estimulação da fibra nervosa para a fibra muscular lisa, por estimulação hormonal, por estiramento da fibra e, até mesmo, por alteração do ambiente químico da fibra. Todavia, o músculo liso não contém troponina, a proteína reguladora que é ativada pelos íons cálcio para promover a contração do músculo esquelético. Pelo contrário, a contração do músculo liso é ativada por mecanismo inteiramente diferente, que é o seguinte: Combinação dos íons cálcio com a "calmodulina" — ativação 80 da miosina quinase e fosforilação da cabeça da miosina. Em lugar da troponina, as células do músculo liso contêm grande quantidade de outra proteína reguladora, denominada calmodulina. Embora essa proteína seja semelhante à troponina, por reagir com quatro íons cálcio, ela difere no modo como desencadeia a contração. A calmodulina faz isso por ativar as pontes cruzadas de miosina. Essa ativação e a contração subseqüente ocorrem nas seguintes etapas: 1. Os íons cálcio se fixam a calmodulina. 2. A combinação calmodulina-cálcio se fixa, então, e ativa a miosina quinase, uma enzima fosforilativa. 3. Uma das cadeias leves de cada cabeça de miosina, chama da de cadeia regulatória, fica fosforilada, em resposta à miosina quinase. Quando essa cadeia não está fosforilada, não ocorre o ciclo de fixação-desligamento da cabeça. Mas quando a cadeia regulatória está fosforilada, a cabeça adquire a capacidade de se fixar ao filamento de actina e seguir por todo o processo do ciclo, o que resulta em contração muscular. Término da contração — o papel da "miosina fosfatase". Quando a concentração de cálcio cai abaixo de seu nível crítico, todas as etapas descritas acima se invertem de modo automático, exceto pela fosforilação da cabeça de miosina. Essa inversão exige ação de outra enzima, a miosina fosfatase, que remove o fosfato da cadeia leve regulatória. Então, o ciclo é interrompido e cessa a contração. O tempo necessário para o relaxamento da contração muscular é, portanto, determinado, em grande parte, pela quantidade de miosina fosfatase ativa na célula. abordaremos, primeiro, o controle neural da contração do músculo liso, seguido pelo controle hormonal e pelos outros meios de controle. AS JUNÇÕES MÚSCULO LISO NEUROMUSCULARES DO Anatomia fisiológica das junções neuromusculares do músculo liso. As junções neuromusculares do tipo encontrado nas fibras do músculo esquelético não são encontradas no músculo liso. Em seu lugar, fibras nervosas autonômicas, que inervam o músculo liso, em geral se ramificam difusamente por sobre uma lâmina de fibras musculares, como mostrado na Fig. 8.3. Na maioria dos casos, essas fibras não fazem contato direto com as fibras musculares lisas, mas formam junções difusas que secretam seus transmissores no líquido intersticial, a alguns nanômetros e até a alguns micrômetros de distância das células musculares; então a substância transmissora se difunde para as células. Ademais, onde existem muitas camadas de células musculares, as fibras nervosas, muitas vezes, só inervam a camada mais externa, e a excitação muscular passa dessa camada mais externa até as mais internas pela propagação do potencial de ação pela massa muscular ou por difusão subseqüente da substância transmissoras. Os axônios que inervam as fibras musculares lisas também não têm os botões terminais do tipo encontrado nas placas motoras das fibras musculares esqueléticas. Em seu lugar, a maioria dos finos terminais axônicos apresenta múltiplas Um possível mecanismo para a regulação do varicosidades ao longo de sua extensão. Nesses pontos, as fenômeno de tranca células de Schwann são interrompidas, de modo que a substância transmissora pode ser secretada através da parede dessas Devido à importância do fenômeno de tranca no músculo varicosidades. Nessas varicosidades existem vesículas, liso e por ser esse fenômeno o determinante da manutenção semelhantes às da placa motora dos músculos esqueléticos, a longo prazo do tônus de muitos órgãos contendo músculo liso, contendo a substância transmissora. Contudo, contrastando com muitas tentativas já foram feitas para explicar o fenômeno da as vesículas das junções dos músculos esqueléticos, que só tranca. Entre os muitos mecanismos propostos, um dos mais contêm acetileolina, as vesículas das terminações das fibras simples é o que se segue. nervosas autonômicas contêm acetileolina em algumas e, em Quando a miosina quinase e a miosina fosfatase são muito outras, norepinefrina. intensamente ativadas, a freqüência dos ciclos das cabeças de Em alguns casos, e de forma particular no tipo multiunitário miosina fica muito aumentada, e também aumenta a velocidade de músculo liso, as varicosidades jazem diretamente sobre a da contração. Em seguida, à medida que a ativação das enzimas membrana da fibra muscular, com separação dessa membrana declina, a freqüência dos ciclos diminui, mas, ao mesmo tempo, de apenas 20 a 30 nm — a mesma distância da fenda a menor ativação também faz com que as cabeças de miosina sináptica das junções do músculo esquelético. Essas junções por fiquem fixadas aos filamentos de actina por proporção contato atuam de modo idêntico ao das junções crescentemente maior da duração do ciclo. Por conseguinte, o neuromusculares do músculo esquelético, e o período latente número de cabeças fixadas ao filamento de actina, em da contração dessas fibras musculares lisas é determinado instante, permanece muito grande. Visto que é o consideravelmente menor que o das fibras estimuladas pelas número de cabeças fixadas à actina o determinante da força de junções difusas. contração, a tensão é mantida, ou "trancada"; contudo, muito pouca energia é usada, porque o ATP não é degradado a ADP, exceto nas raras ocasiões em que uma cabeça é desligada. CONTROLE NEURAL E HORMONAL CONTRAÇÃO DO MÚSCULO LISO DA Embora o músculo esquelético seja ativado exclusivamente pelo sistema nervoso, o músculo liso pode ser estimulado a se contrair por múltiplos tipos de sinais: por sinais neurais, por estimulação hormonal, e por vários outros meios. A razão principal para essa diferença é que a membrana do músculo liso contém muitos tipos distintos de proteínas receptoras, capazes de desencadear o processo contrátil. Outras proteínas receptoras são capazes de inibir a contração do músculo liso, o que representa outra diferença do músculo esquelético. Portanto, nesta seção. Fig. 8.3 Inervação do músculo liso. 81 Substâncias transmissoras excitatórias e inibitórias na junção neuromuscular do músculo liso. A acetilcolina e a norepinefrina são duas substâncias distintas sabidamente secretadas pelos nervos autonômicos que inervam o músculo liso. A acetilcolina é uma substância transmissora excitatória para os músculos lisos de determinados órgãos, embora também seja substância inibitória para as fibras musculares lisas de outros órgãos. Quando a acetilcolina excita uma fibra muscular, a norepinefrina em geral a inibe. Inversamente, quando a acetilcolina inibe uma fibra, a norepinefrina em geral a excita. Por que essas respostas diferentes? A resposta é que tanto a acetilcolina como a norepinefrina excitam ou inibem o músculo liso por primeiro se fixarem a uma proteína receptora na superfície da membrana da célula muscular. Por sua vez, esse receptor controla a abertura ou fechamento de canais iônicos ou controla qualquer outro meio para a ativação ou inibição da fibra muscular lisa. Além disso, algumas dessas proteínas receptoras são receptores excitatórios, enquanto outras são receptores inibitórios. Assim, é o tipo de receptor que determina se o músculo liso será excitado ou inibido e também determina qual dos dois transmissores, a acetilcolina ou a norepinefrina, será eficaz na produção da excitação ou da inibição. Esses receptores são discutidos em mais detalhes no Cap. 60, em relação ao funcionamento do sistema nervoso autonômico. POTENCIAIS DE MEMBRANA E POTENCIAIS DE AÇÃO NO MÚSCULO LISO Potenciais de membrana do músculo liso. O valor, em termos quantitativos, do potencial de membrana do músculo liso é variável de um tipo de músculo liso para outro, além de também depender das condições momentâneas do músculo. Contudo, no estado normal de repouso, o potencial de membrana é, em geral, de - 50 a - 60 mV, isto é, cerca de 30 mV menos negativo que no músculo esquelético. Potenciais de ação no músculo liso de uma só unidade. No músculo liso de uma só unidade, os potenciais de ação ocorrem pelo mesmo modo como no músculo esquelético. Contudo, na maioria, se não em todos os tipos de músculo liso multiunitário, não ocorrem, normalmente, potenciais de ação, como discutido em seção subseqüente. Os potenciais de ação do músculo liso visceral ocorrem sob duas formas: (1) potenciais em ponta [spikes] e (2) potenciais de ação com platôs. Potenciais em ponta. Potenciais de ação em ponta típicos, semelhantes aos registrados no músculo esquelético, ocorrem na maioria dos tipos de músculo liso de uma só unidade. A duração desse tipo de potencial de ação é de cerca de 10 a 50 ms, como mostrado na Fig. 8.4A e B. Tais potenciais de ação podem ser induzidos por muitos modos, como, por exemplo, por estimulação elétrica, pela ação de hormônios sobre o músculo liso, pela ação de substâncias transmissoras das fibras nervosas ou pela geração espontânea da própria fibra muscular, como descrito adiante. Potenciais de ação com platôs. A Fig. 8.4C apresenta um potencial de ação com platô. O início desse potencial de ação é semelhante ao de típico potencial de ação em ponta. Contudo, em vez da rápida repolarização da membrana da fibra muscular, essa repolarização é retardada por várias centenas a vários milhares de milissegundos. A importância do platô é que ele pode ser o responsável por contrações por períodos prolongados que ocorrem em alguns tipos de músculo liso, como o do ureter, do útero, sob certas condições, e de alguns tipos de músculo liso vascular. (Também, esse tipo de potencial de ação é encontrado nas fibras do músculo cardíaco que apresenta período prolongado de contração, como será discutido nos dois próximos capítulos.) Fig. 8.4 A, Um típico potencial de ação (potencial em agulha) de um músculo liso deflagrado por um estímulo externo. B, Uma série de potenciais de ação em agulha produzidos por ondas elétricas rítmicas lentas que ocorrem espontaneamente nos músculos lisos da parede intestinal. C, Potencial de ação com platô em uma fibra muscular lisa do útero. A importância dos canais de cálcio na geração do potencial de ação do músculo liso. A membrana da célula muscular lisa contém número muito maior de canais de cálcio voltagem-dependentes do que a fibra muscular esquelética, mas número muitíssimo menor de canais de sódio voltagem-dependentes. Como resultado, o sódio tem participação mínima, se é que a tem, na geração do potencial de ação na maioria dos músculos lisos. Em seu lugar, o fluxo de cálcio para o interior da fibra é o principal responsável pelo potencial de ação. Isso ocorre do mesmo modo auto-regenerativo dos canais de sódio das fibras nervosas e das fibras musculares esqueléticas. Contudo, os canais de cálcio abrem com lentidão muito maior do que o fazem os canais de sódio. Isso explica, em grande parte, os lentos potenciais de ação das fibras musculares lisas. Outra característica importante da entrada de cálcio para o interior da célula, durante o potencial de ação, é que esse mesmo cálcio atua diretamente sobre o mecanismo contrátil do músculo liso, para desencadear a contração, como discutido acima. Dessa forma, o cálcio desempenha duas funções a um só tempo. Potenciais ondulatórios lentos no músculo liso de uma só unidade e a geração espontânea de potenciais de ação. Alguns músculos lisos são auto-excitatórios. Isto é, surgem os potenciais de ação no próprio músculo liso, sem que atue um estímulo extrínseco. Em geral, isso está associado a um ritmo ondulatório lento básico do potencial de membrana. Processo ondulatório lento típico desse tipo no músculo liso visceral do intestino é mostrado na Fig. 8.4B. A própria onda lenta não é um potencial de ação. Não é um processo auto-regenerativo que se propaga progressivamente ao longo das membranas das fibras musculares. É, todavia, uma propriedade local das fibras do músculo liso que compõem a massa muscular. 82 A causa desse ritmo ondulatório lento é desconhecida; uma das propostas já formuladas é a de que as ondas lentas seriam causadas por aumento e diminuição do bombeamento de sódio através da membrana, para fora da célula; o potencial de membrana ficaria mais negativo quando o sódio fosse bombeado rapidamente e menos negativo quando a bomba de sódio ficasse menos ativa. Outra proposta é a de que as condutâncias dos canais iônicos aumentariam e diminuiriam ritmicamente. A importância das ondas lentas repousa no fato de que podem desencadear potenciais de ação. Por si mesmas, as ondas lentas são incapazes de provocar contrações musculares, mas quando o potencial da onda lenta se eleva acima do nível de aproximadamente - 35 mV (o limiar aproximado para a indução de potenciais de ação na maioria dos músculos lisos viscerais), aparece um potencial de ação que se propaga pela massa muscular, quando, então, ocorre contração. A Fig. 8.4B mostra esse efeito, apresentando um ou mais potenciais de ação no pico de cada onda lenta. Esse efeito, obviamente, pode promover uma serie de contrações rítmicas da massa de músculo liso. Por conseguinte, as ondas lentas são, muitas vezes, referidas como ondas marcapasso. No Cap. 62 será mostrado que esse tipo de atividade controla as contrações rítmicas do intestino. Excitação do músculo liso visceral pelo estiramento. Quando o músculo liso visceral (de uma só unidade) é suficientemente estirado, na maioria das vezes podem ser gerados potenciais de ação espontâneos. Isso resulta de combinação dos potenciais das ondas lentas normais com uma redução da negatividade do potencial de membrana, causada pelo próprio estiramento. Essa resposta ao estiramento permite que um órgão oco que seja excessivamente distendido se contraia de modo automático e, como resultado, possa resistir ao estiramento. Por exemplo, quando o intestino é hiperdistendido por seu conteúdo, uma contração local automática muitas vezes provoca onda peristáltica que desloca o conteúdo da área de intestino hiperdistendida. Despolarização do músculo liso multiunitário sem potenciais de ação. As fibras musculares lisas do músculo liso multiunitário normalmente só se contraem, na maior parte das vezes, em resposta a estímulos neurais. As terminações nervosas secretam acetileolina para alguns tipos de músculos lisos multiunitários e norepinefrina para outros. Nos dois casos, essas substâncias transmissoras causam despolarização da membrana da célula muscular lisa e essa resposta causa, por sua vez, a contração. Contudo, com muita freqüência, não são gerados potenciais de ação. A razão disso é que as fibras são por demais pequenas para gerarem um potencial de ação. (Quando potenciais de ação são induzidos no músculo liso visceral de uma só unidade, cerca de 30 a 40 fibras musculares lisas devem despolarizar-se ao mesmo tempo antes que seja gerado um potencial de ação propagado.) Todavia, mesmo sem um potencial de ação nas fibras musculares lisas multiunitárias, a despolarização local, chamada de "potencial de junção", causada pela substância neural transmissora, propaga-se "eletrotonicamente" por toda a fibra, o que é necessário para desencadear a contração muscular. CONTRAÇÃO DO MÚSCULO LISO SEM POTENCIAIS DE AÇÃO - O EFEITO DOS FATORES TECIDUAIS LOCAIS E DOS HORMONIOS Provavelmente, 50% ou mais de todas as contrações musculares lisas são induzidos, não por potenciais de ação, mas por fatores estimulatórios atuando diretamente sobre o mecanismo contrátil do músculo liso. Os dois tipos de fatores não-neurais e não-dependentes de potenciais de ação estimulatórios ativos mais freqüentemente envolvidos são (1) fatores teciduais locais c (2) diversos hormônios. Contração do músculo liso em resposta a fatores teciduais locais. No Cap. 17 será discutido o controle da contração das arteríolas, metarteríolas e esfíncteres pré-capilares. Nessas estruturas, as menores quase não possuem inervação. Todavia, seu músculo liso é extremamente contrátil, respondendo rapidamente a variações das condições locais do líquido intersticial que as banha. Desse modo, um potente sistema de controle por feedback regula o fluxo sanguíneo para essa área localizada de tecido. Alguns dos fatores controladores específicos são os seguintes: 1. Falta de oxigênio nos tecidos locais provoca o relaxa mento do músculo liso e produz, conseqüentemente, vasodilatação. 2. Excesso de dióxido de carbono provoca vasodilatação. 3. Aumento da concentração do íon hidrogênio também provoca aumento da vasodilatação. Outros fatores, como a adenosina, o ácido lático, aumento dos íons potássio, redução da concentração de íons cálcio e redução da temperatura corporal, também produzem vasodilatação local. Efeitos de hormônios sobre a contração do músculo liso. A maioria dos hormônios circulantes influencia a contração do músculo liso pelo menos em algum grau, e alguns exercem efeitos muito potentes. Entre os hormônios circulantes mais importantes com influência sobre a contração, então norepinefrina, epinefrina, acetileolina, angioíensina, vasopressina, ocitocina, serotonina e histamina, Um hormônio provoca contração do músculo liso quando a membrana de suas células contém receptores excitatórios hormônio-dependentes para esse hormônio. Contudo, caso o hormônio produza inibição, em lugar da contração, os receptores da membrana da célula muscular lisa serão receptores inibitórios, e não excitatórios. Excitação ou inibição do músculo liso causada por hormônios ou por fatores teciduais locais. Alguns receptores para hormônios, na membrana da célula muscular lisa, abrem canais de sódio ou de cálcio, despolarizando a membrana pelo mesmo mecanismo da estimulação neural. Ocasionalmente, mas não sempre, podem ser produzidos potenciais de ação, ou os potenciais rítmicos preexistentes podem ser acentuados. Contudo, em muitos casos ocorre despolarização sem potenciais de ação; não obstante, até mesmo essa despolarização está associada a influxo de íons cálcio para o desencadeamento da contração. A ativação de outros receptores da membrana inibe a contração. Isso é efetivado pelo fechamento dos canais de sódio ou de cálcio, o que impede a entrada desses íons positivos, ou pela abertura de canais de potássio, o que permite a saída dos íons positivos de potássio para o exterior; nos dois casos, ocorre aumento da negatividade no interior da célula muscular, um estado chamado de hiperpolarização. Algumas vezes, a contração ou a inibição é desencadeada por hormônios sem que ocorra qualquer alteração do potencial de membrana. Nesses casos, o hormônio em geral ativa um receptor da membrana que não abre qualquer canal iônico, mas, ao invés, promove uma alteração interna na fibra muscular, tal como a liberação de íons cálcio retículo sarcoplasmático, o que induz a contração. Ou, para inibir a contração, são conhecidos outros mecanismos receptores que ativam a enzima adenil ciclase ou a guanil ciclase na membrana celular; parte dessa enzima proemina para o interior da célula e causa formação de AMP cíclico ou de GMP cíclico, que são chamados de segundos mensageiros. Por sua vez, o AMP cíclico ou GMP cíclico exercem muitos efeitos, um dos quais é o de alterar o grau de fosforilação de diversas enzimas que, indiretamente, inibem a contração. 83 De modo especial, são afetadas a bomba que transporta os íons cálcio do sarcoplasma para o retículo sarcoplasmático e a bomba da membrana celular que transporta os íons cálcio para fora da célula; esses efeitos reduzem a concentração intracelular de íons cálcio, inibindo, assim, a contração. Infelizmente, não se sabe como a maior parte dos fatores teciduais locais que não são hormônios, como, por exemplo, a falta de oxigênio, o excesso de dióxido de carbono, ou variações da concentração de íons hidrogênio, excitam ou inibem a contração do músculo liso. Contudo, os mecanismos possíveis incluem variações do potencial de membrana da célula, variações da permeabilidade da membrana celular, alterações do mecanismo contrátil intracelular ou alguma combinação desses mecanismos. FONTE DOS ÍONS CÁLCIO QUE CAUSAM A CONTRAÇÃO, TANTO ATRAVÉS DA MEMBRANA CELULAR QUANTO POR LIBERAÇÃO PELO RETÍCULO SARCOPLASMÁTICO Embora o processo contrátil do músculo liso, como no músculo esquelético, seja ativado pelos íons cálcio, a fonte dos íons cálcio difere, pelo menos parcialmente, no músculo liso; a diferença é que o retículo sarcoplasmático, de onde é virtualmente derivado todo o íon cálcio para a contração do músculo esquelético, é, muitas vezes, apenas rudimentar na maior parte do músculo liso. Assim, na maioria dos tipos de músculo liso, quase todos os íons cálcio responsáveis pela contração entram para o interior da célula muscular, vindos do líquido extracelular, durante o potencial de ação. Existe concentração relativamente alta de íons cálcio no líquido extracelular, maior que 10-3M, em comparação com a menor que 10-7 M no sarcoplasma da célula, e, como foi destacado antes, o potencial de ação do músculo liso é causado, em sua maior parte, pelo influxo de íons cálcio para o interior da célula muscular. Visto que as fibras musculares lisas são extremamente diminutas (em comparação com as dimensões das fibras musculares esqueléticas), esses íons cálcio podem difundir-se para todas as regiões do músculo liso e induzir o processo contrátil. O tempo necessário para essa difusão é, em geral, de 200 a 300 ms e é chamado de período latente, antes que se inicie a contração; esse período latente é cerca de 50 vezes maior que o da contração do músculo esquelético. Todavia, ainda pode entrar cálcio adicional para o interior da fibra muscular lisa, por meio dos canais de cálcio ativados por hormônio, e esse cálcio também induz a contração. Em geral, a abertura desses canais não causa um potencial de ação e, por vezes, quase nenhuma alteração do potencial de repouso da membrana, visto que a bomba de sódio, na membrana celular, transporta quantidade suficiente de íons sódio para manter um potencial de membrana quase normal. Mesmo assim, a contração continua enquanto esses canais de cálcio estiverem abertos, dado que são os íons cálcio, e não a variação do potencial de membrana, que causam a contração. Esse é um meio pelo qual ocorre à contração do músculo liso, sem alteração significativa do potencial de membrana da célula. Papel do retículo sarcoplasmático. musculares lisas contêm retículo Algumas Fig. 8.5 Túbulos sarcoplasmáticos de fibra muscular lisa, mostrando suas inter-relações com as invaginações da membrana celular, denominadas cavéolos. Em geral, quanto mais extenso for o retículo sarcoplasmático na fibra do músculo liso, maior será a rapidez com que ela se contrai, presumivelmente porque o influxo de cálcio, através da membrana celular, é muito mais lento que a liberação interna de íons cálcio pelo retículo sarcoplasmático. Efeito da concentração extracelular de íons cálcio sobre a contração do músculo liso. Embora a concentração de íons cálcio no líquido extracelular tenha efeito quase nulo sobre a força de contração do músculo esquelético, isso não é verdade para a maioria dos músculos lisos. Quando a concentração de íons cálcio no líquido extracelular cai até valor baixo, a contração do músculo liso, em geral, quase cessa. Na verdade, após vários minutos de imersão em meio com baixo cálcio, até mesmo o retículo sarcoplasmático das fibras musculares lisas perde seu conteúdo de cálcio. Por conseguinte, a força de contração do músculo liso é muito dependente da concentração de íons cálcio no líquido extracelular. Será mostrado no capítulo seguinte que isso também é válido para o músculo cardíaco. células sarcoplasmático moderadamente desenvolvido. A Fig. 8.5 mostra um exemplo apresentando diversos túbulos sarcoplasmáticos situados próximo à membrana celular. Pequenas invaginações da membrana, chamadas de cavéolos, entram em contato com as superfícies desses túbulos. Admite-se que os cavéolos representem análogo rudimentar do sistema de túbulos T do músculo esquelético. Quando um potencial atinge as invaginações dos cavéolos, isso parece excitar a liberação de íons cálcio pelos túbulos sarcoplasmáticos, do mesmo modo como os potenciais de ação, nos túbulos T do músculo esquelético, também produzem liberação de íons cálcio. A bomba de cálcio. Para que ocorra o relaxamento dos elementos contrateis do músculo liso, é necessário que sejam removidos os íons cálcio. Essa remoção é realizada por bombas de cálcio que transportam os íons cálcio para fora da fibra muscular lisa, lançando-os de volta para o líquido extracelular ou transportando-os para o interior do retículo sarcoplasmático. Contudo, essas bombas têm funcionamento muito lento, em comparação com a bomba de ação rápida do retículo sarcoplasmático do músculo esquelético. Por conseguinte, a duração da contração do músculo liso é, muitas vezes, da ordem de segundos, e não de centésimos a décimos de segundo, como ocorre no músculo esquelético. 84 REFERENCIAS Bennett, M. R.: Development of neuromuscular synapses. Physiol. Rev,, 63:915, 1983. Blaustein, M. P., and Hamlyn, J. M.: Sodium tranaport inhibition, cell calcium, and hypertension. The natriuretic hormone/Na+Ca exchange/ hypertension hypothesís. Am. J. Med., 77:45, 1984. Bohr, D. F., and Webb, R. C: Vascular amooth muscle function and its changes in hypertension. Am. J. Med., 77:3, 1984. Bolton, T. R.: Mechanisma of action of transmitters and other substances on smooth muscle. Physiol- Rev., 59:606, 1979. Borgstrom, P., et ai.: An evaluation of the metabolic interaction with myogenic vascular reactivity during blood flow autoregulation. Acta Physiol. Scand., 122:275, 1984. Bulbring, E. (ed.): Smooth Muscle. An Assessment of Current Knowledge. Austin, University of Texas Press, 1981. Butler, T. M., and Siegman, M. J.: High-energy phosphate metabolism in vascular smcoth muscle. Annu. Rev. Phyaiol., 47:629, 1985. Campbell, J. H., and Campbell, G. R.: Endothelial cell influences on vascular smooth muscle phenotype. Annu. Rev. Physiol., 48:295, 1986. Dowben, R. M. (ed.): Cell and Muscle Motility. New York, Plenum Publishing Corp., 1983. Eisenberg, E., and Greene, L. E.: The relation of muscle biochemistry to muscle physiology. Annu. Rev. Physiol., 42:293, 1980. Fleming, W. W.: The electromagnetic Na+, K+ -pump in smooth muscle: Physiologic and pharmacologic significance. Annu. Rev. Pharmacol. Toxicol., 20:129, 1980. Furchgott, R. F.: The roleof endothelium in the responses of vascular smooth muscle to drugs. Annu. Rev. Pharmacol. Toxicol., 24:175, 1984. Gabella, G-: Structural apparatus for force transmiasion in smooth muscle. Physiol. Rev., 64:455, 1984. Hai, C.-M., and Murphy, K- A.: Ca**, crossbridge phosphorylation, and contraction. Annu. Rev. Phyaiol., 51:285, 1989. Hartshorne, D. J., and Gorecka, A.: Biochemistry of the contractile proteins of amooth muscle. In Bohr, D. F., et ai. (eds.): Handbook of Physiology. Sec. 2, Vol. II. Baltimore, Williams & Wilkins, 1980, p. 83. Hartshorne, D. J., and Siemankowski, R. R.: Regulation of smooth muscle actomyosin. Annu. Rev. Phyaiol., 4ò:òli>, 1981. Hertzberg, E. L., et ai.: Gap junctional communication. Annu. Rev. Phyaiol., 43:479, 1981. Hesa, G. P., et ai.: Acetylcholine receptor-controlled ion translocation: Chemical kinetic investigations of the mechanísm. Annu. Rev. Biophys. Bioeng., 12:443, 1983. Hirat, G. D. S., and Edwarda, F. R.: Sympathetic neuroeffector transmission in arteries and arterioles. Physiol. Rev., 69:546,1989. Homsher, E.: Muscle enthalpy production and its relatinnahip to actomyosin ATPaae. Annu. Rev. Phyaiol., 49:673, 1987. Johansson, B., and Somlyo, A. P.: Electrophyaiology and escitation-contrac tion cmipltng. In Bohr, D. F., et ai. (eds.): Handbook of Physiology. Sec. 2, Vol. II. Baltimore, Williams & Wilkins, 1980, p. 301. Kamm. K. E., and Stull, J. T.: Regulation of smooth muscle contractile elements by second messengers. Annu. Rev. Physiol., 51:299, 1989. Kito, S., et ai. (eds.): Neuroreceptors and Signal Tranaduction New York, Plenum Publishing Corp., 1988. Lambert, J. J., et ai.: Drug-induced modification of ionic conductance at the neuromuscular junction. Annu. Rev. Pharmacol. Toxicol., 23:505, 1983. I.owenstein, W. R.: Junctional intercellular communication: The cell-to-cell merabrane channel. Physiol. Rev., 61:829, 1981. McKinney, M., and Richelson, E.: The coupling of neuronal muscahnic receptor to responses. Annu. Rev. Pharmacol. Toxicol., 24:121, 1984. Morgan, D. L., and Proske, U.: Vertebrate slow muscle: Ita structure, pattórn of innervation, and mechanical properties. Physiol. Rev., 64:103, 1984. Murphy, R. A.; Muscle cells of hollow organa. News Physiol. Sei., 3:124,1988. Paul, R. J.: Smooth muscle energeties. Annu. Rev. Physiol., 51:331. 1989. Paul, R. J.: Chemical energética of vascular smooth muscle. In Bohr, D. F., et ai. (eds.): Handbook of Physiology. Sec. 2, Vol. II. Baltimore, Williams & Wilkins, 1980, p. 201. Proaser, C. L.: Evolution and diversity of nonstriated musclea. In Bohr, D. F.. et ai. (eds.): Handbook of Physiology. Sec. 2, Vol. II. Baltimore, Williams & Wilkins. 1980, p. 635. Purves, D., and Lichtman, J. W.: Specific connections between nerve cells. Annu. Rev. Physiol., 45:553, 1983. Putney, J. W., Jr., et ai.: How do inositol phosphates regulate calcium signaling? FASEB J., 3:1899, 1989. RasmiiRsen, H., et ai.: Protein kinase C in the regulation of smooth muscle contraction. FASEB J., 1:177, 1987. Rosenthal, W.,et ai.: Control of voltage dependent Ca^channels by G protein-coupled receptors. FASEB J., 2:2784, 1988. Rowland, L. P., et ai. (eds.): Molecular Genetics in Diseases of Brain, Nerve, and Muscle. New York, Oxford University Press, 1989. Schneider, M. F.: Membrane charge movement and depolarization-contraction coupling. Annu. Rev. Physiol., 43:507, 1981. Seidel, C. L., and Schildmeyer, L. A.: Vascular smooth muscle adaptation to increased load. Annu. Rev. Physiol., 49:489,1987. Somlyo, A. P.: Ultrastructure of vascular smooth muscle. In Bohr, D. F., et ai. (eds.J: Handbook of Physiology. Sec. 2, Vol. II. Battimore, Williams & Wilkins, 1980, p. 33. Spray. D. C, and Bennett, M. V. L.: Physiology and pharmacology of gap junctions. Annu. Rev. Physiol., 47:281, 1985. van Rreemen, C, and Saida, K.: Cellular mechanisms regulating (Ca1*), smooth muscle. Annu. Rev. Physiol., 51:315, 1989. Vanhoutte, P. M-: Calcium-entry blockers, vascular smooth muscle and sya temíc hypertension. Am. J. Cardiol., 55:17B, 1985. (Ver também Caps. 5 e 6.) 85 UNIDADE III O CORAÇÃO Ø Ø Ø Ø Ø Ø Ø O Músculo Cardíaco; O Coração como Bomba Excitação Rítmica do Coração O Eletrocardiograma Normal Interpretação Eletrocardiográfica das Anormalidades Coronárias e do Músculo Cardíaco: Análise Vetorial Arritmias Cardíacas e sua Interpretação Eletrocardiográfica 86 CAPÍTULO 9 O Músculo Cardíaco; O Coração como Bomba Neste capítulo, iniciamos a discussão do coração e do sistema circulatório. O coração, ilustrado na Fig. 9.L, é constituído, na realidade, por duas bombas distintas: o coração direito, que bombeia o sangue pelos pulmões, e o coração esquerdo, que bombeia o sangue pelos órgãos periféricos. Cada um desses corações distintos, por sua vez, é uma bomba pulsátil de duas câmaras composta de um átrio e um ventrículo. O átrio funciona principalmente como reservatório de sangue e como via de entrada para o ventrículo, mas, também, bombeia fracamente para ajudar a levar o sangue até o ventrículo. O ventrículo, por sua vez, é a principal fonte da força que impulsiona o sangue pela circulação pulmonar ou pela periférica. Mecanismos especiais no coração mantêm a ritimicidade car- díaca e transmitem potenciais de ação para todo o músculo cardíaco, de modo a produzir o batimento rítmico do coração. Esse sistema de controle rítmico é explicado no Cap. 10. No presente capítulo, explicamos como o coração opera como bomba, começando pelas características especiais do próprio coração. FISIOLOGIA DO MÚSCULO CARDÍACO O coração é constituído de três tipos principais de músculo cardíaco: músculo atrial, músculo ventricular e fibras musculares condutoras e excitatórias especializadas. Os tipos atrial e ventricular de músculo contraem-se da mesma maneira que o músculo esquelético, exceto que a duração da contração é muito maior. Por outro lado, as fibras condutoras e excitatórias especializadas contraem-se apenas fracamente, por conterem poucas fibrilas contrateis; em vez disso, elas apresentam ritmicidade e velocidades variáveis de condução, proporcionando um sistema excitatório para o coração e um sistema de transmissão para a condução controlada do sinal excitatório cardíaco por todo o coração. ANATOMIA FISIOLÓGICA DO MÚSCULO CARDÍACO A Fig. 9.2 ilustra imagem histológica típica do músculo cardíaco, mostrando as fibras musculares cardíacas dispostas em retículo, recombinando-se a seguir e, depois, dispersando-se novamente. Nota-se imediatamente, por essa figura, que o músculo cardíaco é estriado, da mesma Fig. 9.2 A natureza interligada, "sincicial", do músculo cardíaco. Fig. 9.1 Estrutura do coração e trajeto do fluxo sanguíneo pelas câmaras cardíacas. 87 forma que o músculo esquelético típico. Além disso, o músculo cardíaco tem miofibrilas típicas, que contêm filamentos de actina e miasma quase idênticos aos encontrados no músculo esquelético, e esses filamentos interdigitam-se e deslizam uns sobre os outros durante o processo de contração da mesma maneira como ocorre nos músculos esqueléticos (ver Cap. 6). Músculo cardíaco como um sincício. As áreas escuras anguladas que cruzam as fibras musculares cardíacas na Fig. 9.2 são denominadas discos intercalados; elas são, na realidade, membranas celulares que separam células musculares cardíacas individuais umas das outras. Isto é, as fibras musculares cardíacas são constituídas por muitas células individuais ligadas em série umas às outras. Entretanto, a resistência elétrica através dos discos intercalados é apenas 1/400 da resistência através da membrana externa da fibra muscular cardíaca, porque as membranas celulares fundem-se umas às outras e formam junções “comunicantes” (junções abertas) muito permeáveis, que possibilitam difusão relativamente livre dos íons. De um ponto de vista funcional, portanto, os íons movem-se com facilidade ao longo dos eixos das fibras musculares cardíacas, de modo que os potenciais de ação vão de uma célula muscular cardíaca para outra, passando pelos discos intercalados com apenas ligeira dificuldade. Por essa razão, o músculo cardíaco é um sincício de muitas células musculares cardíacas, as quais se encontram tão interligadas que, quando uma dessas células é excitada, o potencial de ação dissemina-se para todas elas, passando de uma célula para outra e por todas as interligações do retículo. O coração é constituído por dois sincícios distintos: o sincício atrial, que constitui as paredes dos dois átrios, e o sincício ventricular, que as paredes dos dois ventrículos . Os átrios são separados dos ventrículos por um tecido fibroso que circunda as aberturas valvulares entre os átrios e os ventrículos. Normalmente, os potenciais de ação só podem ser conduzidos do sincício atrial para o ventricular por meio do sistema de condução especializado, o feixe A-V, que é discutido com detalhes no capítulo seguinte. Essa divisão da massa muscular do coração em dois sincícios funcionais distintos possibilita que os átrios se contraiam um pouco antes da contração ventricular, o que é importante para a eficácia do bombeamento cardíaco. POTENCIAIS CARDÍACO DE AÇÃO NO MÚSCULO O potencial de membrana em repouso do músculo cardíaco normal é de aproximadamente -85 a -95 milivolts (mV) e de cerca de -90 a —100 mV nas fibras de condução especializadas, as fibras de Purkinje, que são discutidas no capítulo seguinte. O potencial de ação registrado no músculo ventricular, mostrado pelo traçado inferior da Fig. 9.3, é de 105 mV, o que quer dizer que o potencial de membrana se eleva de seu valor normalmente muito negativo para um valor ligeiramente positivo, de +20 mV. A parte positiva é designada como potencial de ultrapassagem. Em seguida, após a ponta inicial, a membrana permanece despolarizada por cerca de 0,2 s. no músculo atrial, e 0,3 s, no músculo ventricular, formando o platô, conforme ilustrado na Fig. 9.3, seguido por repolarização abrupta ao final do platô. A presença desse platô no potencial de ação faz a contração muscular durar 3 a 15 vezes mais no músculo cardíaco que no músculo esquelético. Neste ponto, devemos fazer as perguntas: Por que o potencial de ação do músculo cardíaco é tão demorado, e por que ele tem um platô, enquanto o do músculo esquelético não tem? As respostas biofísicas básicas a estas questões foram apresentadas no Cap. 5, mas merecem ser novamente resumidas. Pelo menos duas diferenças importantes entre as propriedades da membrana do músculo cardíaco e do músculo esquelético são responsáveis pelo prolongado potencial de ação e pelo platô do músculo cardíaco. Em primeiro lugar, o potencial de ação do músculo esquelético é causado quase que integralmente pela súbita abertura de um grande número de canais rápidos de sódio, que permitem a entrada, na fibra muscular esquelética, de um número enorme de íons sódio. Esses canais são denominados canais "rápidos" Fig. 9.3 Potenciais de ação rítmicos de uma fibra de Purkinje e de uma fibra muscular ventricular, registrados por meio de microeletródios. porque permanecem abertos apenas por alguns décimos milésimos de segundo, fechando-se, então, abruptamente. Ao término deste fechamento, há o processo de repolarização, e o potencial de ação termina dentro de outro décimo milésimo de segundo, aproximadamente. No músculo cardíaco, por outro lado, o potencial de ação é causado pela abertura de dois tipos de canais: (1) os mesmos canais rápidos de sódio do músculo esquelético e (2) outra população inteira dos chamados canais lentos de cálcio, também denominados canais de cálcio-sódio. Essa segunda população de canais difere dos canais rápidos de sódio por abrir-se lentamente; porém, o que é mais importante, eles permanecem abertos por alguns décimos de segundo. Durante esse período, grande quantidade tanto de íons sódio como de íons cálcio flui por esses canais para o interior da fibra muscular cardíaca e isso mantém a despolarização por período prolongado, ocasionando o platô do potencial de ação. Além disso, os íons cálcio que penetram no músculo durante esse potencial de ação têm um papel importante ajudando a excitar o processo de contração muscular, o que é outra diferença entre os músculos cardíaco e esquelético, como discutiremos mais adiante neste capítulo. A segunda diferença funcional importante entre o músculo cardíaco e o músculo esquelético, que ajuda a explicar tanto o prolongado potencial de ação como seu platô, é esta: imediatamente após o início do potencial de ação, a permeabilidade da membrana do músculo cardíaco ao potássio diminui por cerca de cinco vezes, efeito que não ocorre no músculo esquelético. É possível que essa menor permeabilidade ao potássio seja causada, de alguma forma, pelo influxo excessivo de cálcio pelos canais de cálcio, que acabamos de mencionar. Entretanto, independentemente da causa, a menor permeabilidade ao potássio diminui muito a saída de íons potássio, durante o platô do potencial de ação, impedindo, portanto, a recuperação precoce. Quando os canais lentos de cálcio-sódio se fecham ao fim de 0,2 a 0,3 s, cessando o influxo de íons cálcio e sódio, a permeabilidade da membrana ao potássio aumenta bem rapidamente, e a rápida perda de potássio pela fibra faz o potencial de membrana retornar a seu nível de repouso, terminando, assim, o potencial de ação. Velocidade de condução no músculo cardíaco. A velocidade de condução do potencial de ação, tanto nas fibras musculares atriais como nas ventriculares, é de cerca de 0,3 a 0,5 m/s, ou cerca de 1/250 da velocidade em fibras nervosas muito grossas e cerca de 1/10 da velocidade em fibras musculares esqueléticas. A velocidade da condução no sistema de condução especializado varia de 0,02 a 4 m/s em diferentes partes do sistema, como 88 é explicado no capítulo seguinte. Período refratário do músculo cardíaco. O músculo cardíaco, como todos os tecidos excitáveis, é refratário a reestimulação durante o potencial de ação. Por esta razão, o período refratário do coração é o intervalo de tempo, como é mostrado à esquerda na Fig. 9.4, durante o qual um impulso cardíaco normal não pode reexcitar uma área já excitada do músculo cardíaco. O período refratário normal do ventrículo é de 0,25 a 0,3 s, que é aproximadamente a duração do potencial de ação. Há um período refratário relativo adicional de cerca de 0,5 s, durante o qual o músculo é mais difícil de excitar que o normal mas, ainda assim, pode ser excitado, conforme ilustra a contração prematura inicial no segundo exemplo da Fig. 9.4. O período refratário do músculo atrial é muito mais curto que o dos ventrículos (cerca de 0,15 s) e o período refratário relativo tem mais de 0,03 s. Assim sendo, a freqüência rítmica de contração dos átrios pode ser muito mais rápida que a dos ventrículos. CONTRAÇÃO DO MÚSCULO CARDÍACO Acoplamento excitação-contração — função dos íons cálcio e dos túbulos T. O termo "acoplamento excitação-contração" indica o mecanismo pelo qual o potencial de ação faz contraírem-se as miofibrilas musculares. Isso é discutido no Cap. 7, em relação ao músculo esquelético. Entretanto, novamente, há diferenças quanto a este mecanismo no músculo cardíaco, que tem efeitos importantes sobre as características da contração muscular cardíaca. Como ocorre com os músculos esqueléticos, ao se propagar pela membrana do músculo cardíaco, o potencial de ação também se dissemina para o interior da fibra muscular cardíaca, pelas membranas dos túbulos T. Os potenciais de ação dos túbulos T, por sua vez, atuam sobre as membranas dos túbulos sarcoplasmáticos longitudinais, causando a liberação instantânea de quantidade muito grande de íons cálcio do retículo sarcoplasmático para o sarcoplasma muscular. Em mais alguns milésimos de segundo , esses íons cálcio difundem-se até as miofibrilas e catalisam as reações químicas que promovem o deslizamento dos filamentos de actina e miosina uns pelos outros; isso produz, por sua vez, a contração muscular. Até aqui, este mecanismo de acoplamento excitaçãocontração é o mesmo que para o músculo esquelético, mas há um segundo efeito que é bem diferente. Além dos íons cálcio libera- dos no sarcoplasma pelas cisternas do retículo sarcoplasmático, grande quantidade de íons cálcio extra também se difunde dos túbulos T para o sarcoplasma por ocasião do potencial de ação. Na verdade, sem esse cálcio extra dos túbulos T, a força de contração do músculo cardíaco seria consideravelmente reduzida, porque o retículo sarcoplasmático do músculo cardíaco não é tão desenvolvido quanto o dos músculos esqueléticos e não armazena cálcio suficiente para proporcionar contração completa. Por outro lado, os túbulos T do músculo cardíaco têm diâmetro 5 vezes maior que o dos túbulos dos músculos esqueléticos e volume 25 vezes maior; da mesma forma, há no interior dos túbulos T grande quantidade de mucopolissacarídeos eletronegativamente carregados que fixam abundante reserva de íons cálcio, mantendo-os sempre disponíveis para a difusão para dentro da fibra muscular cardíaca ao ocorrer o potencial de ação dos túbulos T. A força de contração do músculo cardíaco depende, em grande parte, da concentração de íons cálcio nos líquidos extracelulares. A razão disto é que as extremidades dos túbulos T abrem-se diretamente no exterior das fibras musculares cardíacas, possibilitando ao mesmo líquido extracelular do interstício do músculo cardíaco também fluir pelos túbulos T. Por conseguinte, tanto a quantidade de íons cálcio no sistema de túbulos T como a disponibilidade de íons cálcio para causar a contração do músculo cardíaco dependem diretamente da concentração de íons cálcio no líquido extracelular. A título de contraste, a força de contração do músculo esquelético dificilmente é afetada pela concentração extracelular de íons cálcio, porque sua contração é causada quase que inteiramente pelos íons cálcio liberados pelo retículo sarcoplasmático no interior da própria fibra muscular esquelética. Ao final do platô do potencial de ação, o influxo de íons cálcio para o interior das fibras musculares é interrompido subitamente e os íons cálcio presentes no sarcoplasma são rapidamente bombeados de volta tanto para o retículo sarcoplasmático como para os túbulos T. Em conseqüência, a contração cessa até que ocorra novo potencial de ação. Duração da contração. O músculo cardíaco começa a se contrair alguns milissegundos após o início de um potencial de ação, continuando a contrair-se por alguns milissegundos após o término desse potencial. Por esta razão, a duração de contração do músculo cardíaco é função principalmente da duração do potencial de ação — cerca de 0,2 s no músculo atrial e 0,3 s no músculo ventricular. Efeito da freqüência cardíaca sobre a duração das contrações. Quando a freqüência cardíaca aumenta, a duração de cada fase do ciclo cardíaco, incluindo tanto a fase de contração como a de relaxamento, obviamente diminui. A duração do potencial de ação e do período de contração (sístole) também diminui, mas não tanto quanto a fase de relaxamento (diástole). Na freqüência cardíaca normal de 72 batimentos por minuto, o período de contração é cerca de 0,40 de todo o ciclo. Numa freqüência cardíaca três vezes maior, esse período compreende 0,65 de todo o ciclo, o que quer dizer que o coração batendo a um ritmo muito rápido não fica relaxado por tempo suficientemente longo para possibilitar o enchimento completo das câmaras cardíacas antes da próxima contração. O CICLO CARDÍACO Fig. 9.4 Contração do coração, mostrando a duração dos períodos refratário e refratário relativo, efeito de contração prematura precoce e efeito de contração prematura mais tardia. Observe que as contrações prematuras não causam a somação das contrações, como ocorre nos músculos esqueléticos. O período do início de um batimento cardíaco até o início do batimento seguinte é denominado ciclo cardíaco. Cada ciclo é iniciado pela geração espontânea de um potencial de ação no nodo sinusal, ou sinoatrial, como é explicado no próximo capítulo. Esse nodo está localizado na parede superior lateral do átrio direito, próximo à abertura de veia cava superior, e o potencial de ação passa rapidamente por ambos os átrios e, daí, pelo feixe A-V até os ventrículos. Contudo, devido ao arranjo especial do sistema de condução dos átrios para os ventrículos, 89 há um retardo de mais de 1/10 de segundo na passagem do impulso cardíaco dos átrios para os ventrículos. Isso possibilita aos átrios contraírem-se antes dos ventrículos, bombeando o sangue para os ventrículos antes das muito potentes contrações ventriculares. Os átrios atuam, portanto, como bombas de reforço para os ventrículos e eles proporcionam, então, a principal fonte de força para o movimento do sangue ao longo do sistema vascular. SÍSTOLE E DIÁSTOLE O ciclo cardíaco consiste em um período de relaxamento, denominado diástole, durante o qual o coração se enche de sangue, seguido por um período de contração, denominado sístole. A Fig. 9.5 ilustra os diferentes eventos durante o ciclo cardíaco. As três curvas superiores mostram as alterações da pressão na aorta, no ventrículo esquerdo e no átrio esquerdo, respectivamente. A quarta curva mostra as alterações do volume ventricular, a quinta, o eletrocardiograma, e a sexta um fenocardiograma , que é um registro dos sons produzidos pelo coração — principalmente pelas válvulas cardíacas enquanto bombeia. É particularmente importante que o leitor estude de forma detalhada o diagrama desta figura e fique conhecendo as causas de todos os eventos ilustrados. Eles são explicados adiante. RELAÇÃO DO ELETROCARDIOGRAMA COM O CICLO CARDÍACO O eletrocardiograma da Fig. 9.5 mostra as ondas P, Q, R, S e T, que são discutidas nos Caps. 11, 12 e 13. Elas são voltagens elétricas geradas pelo coração e registradas pelo eletrocardiógrafo a partir da superfície corporal. A onda P é causada pela despolarização que se difunde pelos átrios, sendo isso seguido pela contração atrial que ocasiona ligeira elevação na curva da pressão atrial imediatamente após a onda P. Aproximadamente 0,16 s após o início da onda P, aparecem às ondas QRS, em conseqüência da despolarização dos ventrículos, que iniciam a contração dos ventrículos e fazem a pressão ventricular começar a subir, o que também é ilustrado na figura O complexo ORS começa, portanto, pouco antes do início da sístole ventricular. Finalmente, observa-se no eletrocardiograma a onda T ventricular. Ela representa a fase de repolarização dos ventrículos, ocasião em que as fibras musculares dos ventrículos começam a se relaxar. A onda T ocorre, pois, pouco antes do fim da contração ventricular. Função dos átrios como bombas. Normalmente, o sangue flui de modo contínuo das grandes veias para os átrios; cerca de 75% do sangue fluem diretamente através dos átrios para os ventrículos antes mesmo que os átrios se contraiam. Aí, então, a contração atrial causa enchimento adicional dos ventrículos da ordem de 25%. Assim sendo, os átrios funcionam simplesmente como bombas de reforço que aumentam em até 25% a eficácia do bombeamento ventricular. Entretanto, o coração pode continuar a operar de modo bastante satisfatório, em condições normais de repouso, mesmo sem esses 25% de eficácia extra, por já ter normalmente a capacidade de bombear 300 a 400% mais sangue do que o corpo necessita. Por essa razão, quando os átrios funcionam de forma insuficiente, a diferença tem pouca probabilidade de ser notada, a não ser que a pessoa se exercite; nessas condições, surgem, ocasionalmente, sinais agudos de insuficiência cardíaca. Alterações de pressão nos átrios — as ondas a, c e v. Na curva de pressão atrial da Fig. 9.5 podem ser notadas três elevações principais da pressão, denominadas ondas de pressão atrial a, c, e v. A onda a é causada pela contração atrial. Normalmente, a pressão atrial direita eleva-se 4 a 6 mm Hg durante a contração atrial. enquanto a pressão atrial esquerda eleva-se cerca de 7 a 8 mm Hg. A onda c ocorre quando os ventrículos começam a se contrair; ela é causada, em parte, pelo pequeno refluxo de sangue para os átrios ao início da contração ventricular, mas, provavelmente, em sua maior parte, pela protrusão das válvulas A-V em direção aos átrios, devido ao aumento da pressão nos ventrículos. Fig. 9.5 Os eventos do ciclo cardíaco, mostrando alterações da pressão atrial esquerda, pressão ventricular esquerda, pressão aórtica, volume ventricular, o eletrocardiograma e o fonocardiograma. 90 A onda v ocorre ao final da contração ventricular; ela decorre do lento acúmulo de sangue nos átrios enquanto as válvulas A-V estão fechadas durante a contração ventricular. Ao término dessa contração, as válvulas A-V se abrem, possibilitando que o sangue flua rapidamente para os ventrículos e fazendo desaparecer a onda v. FUNÇÃO DOS VENTRÍCULOS COMO BOMBAS Enchimento dos ventrículos. Durante a sístole ventricular, grande quantidade de sangue acumula-se nos átrios, por estarem fechadas às válvulas A-V. Por esta razão, logo que termina a sístole c as pressões ventriculares caem novamente para seus baixos valores diastólicos, as válvulas A-V abrem-se e possibilitam ao sangue fluir rapidamente para os ventrículos, como é mostrado pela elevação da curva do volume ventricular na Fig. 9.5. Este é denominado período de enchimento rápido dos ventrículos. As pressões atriais caem até uma fração de milímetro das pressões ventriculares, porque os orifícios normais das válvulas A-V são tão grandes que não oferecem praticamente qualquer resistência ao fluxo sanguíneo. O período de enchimento rápido dura aproximadamente o primeiro terço da diástole. Durante o terço médio da diástole, apenas pequena quantidade de sangue flui normalmente para os ventrículos; este sangue continua a chegar das veias para os átrios e a passar através deles para os ventrículos. Durante o último terço da diástole, os átrios se contraem e dão um impulso adicional ao influxo de sangue para os ventrículos; isto responde por cerca de 25% do enchimento dos ventrículos durante cada ciclo cardíaco. Esvaziamento dos ventrículos durante a sístole. Período de contração isovolúmica (isométrica). Imediatamente após o início da contração ventricular, a pressão ventricular eleva-se abruptamente, como é mostrado na Fig. 9.5. fazendo fecharemse as válvulas A-V. Um período adicional de 0,02 a 0,03 s é, então, necessário para o ventrículo acumular pressão suficiente para forçar as válvulas semilunares (aórtica e pulmonar) a se abrirem contra as pressões na aorta e na artéria pulmonar. Durante este período há, portanto, contração dos ventrículos, mas não há qualquer esvaziamento. Este período é denominado período de contração isovolúmica ou isométrica, indicando-se com estes termos que a tensão está aumentando no músculo mas não há encurtamento das fibras musculares. (Isto não é totalmente verdadeiro, porque há encurtamento do ápice para a base e alongamento circunferencial) Período de ejeção. Quando a pressão no ventrículo esquerdo se eleva ligeiramente acima de 80 mm Hg (e a pressão ventricular direita, ligeiramente acima de 8 mm Hg), as pressões ventriculares forçam, então, as válvulas semilunares a se abrirem. Imediatamente, o sangue começa a jorrar para fora dos ventrículos, com cerca de 70% do esvaziamento ocorrendo durante o primeiro terço do período de ejeção e os 30% restantes, durante os dois terços seguintes. Assim, o primeiro terço é denominado período de ejeção rápida e os dois terços finais, período de ejeção lenta. Por uma razão bem peculiar, a pressão ventricular cai para um valor ligeiramente abaixo da pressão na aorta durante o período de ejeção lenta, apesar do fato de ainda haver sangue saindo do ventrículo esquerdo. A razão é que o sangue que flui para fora do ventrículo gera um momento [momentum]. À medida que este momento diminui, durante a última parte da sístole, sua energia cinética é convertida em pressão na aorta, o que torna a pressão arterial ligeiramente maior que a pressão no interior do ventrículo. Período de relaxamento isovolúmico (ísométrico). Ao final da sístole, o relaxamento ventricular se inicia subitamente, possibilitando a rápida diminuição das pressões intraventriculares. Imediatamente, as elevadas pressões nas grandes artérias distendidas fazem o sangue refluir para os ventrículos, o que força as válvulas aórtica e pulmonar a se fecharem. Por mais 0,03 a 0,06 s, o músculo ventricular continua a se relaxar, mesmo que o volume ventricular não se altere, ocasionando o período de relaxamento isovolúmico ou isométrico. Durante este período, as pressões intraventriculares caem rapidamente de volta a seus valores diastólicos, muito baixos. Então, as válvulas A-V se abrem para iniciar novo ciclo de bombeamento ventricular. Volume diastólico final, volume sistólico final e débito sistólico. Durante a diástole, o enchimento dos ventrículos aumenta normalmente ate cerca de 110 a 120 ml o volume de cada ventrículo. Esse volume é conhecido como volume diastólico final. Em seguida, com o esvaziamento dos ventrículos durante a sístole, seu volume cai por cerca de 70 ml, que c designado como o débito sistólico. O volume restante em cada ventrículo, cerca de 40 a 50 ml, é denominado volume sistólico final. A fração do volume diastólico final que é ejetada e designada como fração de ejeção geralmente igual à aproximadamente 60%. Quando o coração se contrai vigorosamente, o volume sistólico final pode cair para até 10 a 20 ml. Por outro lado, quando grande quantidade de sangue flui para os ventrículos durante a diástole, seus volumes diastólicos finais podem tomarse grandes, até 150 a 180 ml em corações normais- F. o débito sistólico pode, por vezes, aumentar até aproximadamente o dobro do normal, tanto pelo aumento do volume diastólico final como pela diminuição do volume sistólico final. FUNÇÃO DAS VÁLVULAS As válvulas atrioventriculares. As válvulas A-V (tricúspide e mitral) impedem o refluxo de sangue dos ventrículos para os átrios durante a sístole e as válvulas semilunares (as válvulas aórtica e pulmonar) impedem o refluxo das artérias aorta e pulmonar para os ventrículos durante a diástole. Todas essas válvulas, que são ilustradas na Fig. 9.6, fecham-se e abrem-se passivamente. Isso quer dizer que elas se fecham quando um gradiente retrógrado de pressão empurra o sangue para trás e abrem-se quando um gradiente de pressão anterógrado força o sangue a seguir avante. Por razões anatômicas óbvias, o fechamento das delgadas e tênues válvulas A-V não requer quase nenhum refluxo, enquanto o das muito mais pesadas válvulas semilunares requer um refluxo bastante forte por alguns milissegundos. Função dos músculos papilares. A Fig. 9.6 também ilustra os músculos papilares que se fixam aos folhetos das válvulas Fig. 9.6 Válvulas mitral e aórtica 91 A-V pelas cordas tendíneas. Os músculos papilares se contraem quando as paredes ventriculares o fazem, mas, contrariamente ao que seria de esperar, eles não ajudam as válvulas a se fecharem. Em vez disso, eles puxam os folhetos das válvulas para dentro, em direção aos ventrículos, para impedir que eles façam demasiada protrusão para trás, em direção aos átrios, durante a contração ventricular. Quando uma corda tendínea se rompe ou um dos músculos papilares fica paralisado, a válvula faz protrusão bem para trás, por vezes de forma tão excessiva que vaza muito e causa incapacidade cardíaca grave ou até mesmo letal. As válvulas aórtica e pulmonar. Há diferenças entre a operação das válvulas aórtica e pulmonar e a das válvulas A-V. Em primeiro lugar, as elevadas pressões nas artérias ao final da sístole forçam as válvulas semilunares a se fecharem, em comparação com o fechamento muito mais suave das válvulas AV. Segundo, devido à sua menor abertura, a velocidade de ejeção do sangue pelas válvulas aórtica e pulmonar é bem maior do que pelas válvulas A-V, muito maiores. Assim, também devido ao fechamento súbito e à rápida ejeção, as bordas das válvulas semilunares estão sujeitas a desgaste mecânico muito maior que as válvulas A-V, que também são sustentadas por cordas tendíneas. Pela anatomia das válvulas aórtica e pulmonar, como é ilustrado na Fig. 9.6, fica evidente que elas estão adaptadas para suportar esse trauma físico extra. A CURVA DE PRESSÃO AÓRTICA. Quando o ventrículo esquerdo se contrai, a pressão ventricular eleva-se rapidamente até que a válvula aórtica se abra. Depois disso, a pressão no ventrículo eleva-se muito menos, como ilustra a Fig. 9.5, pois o sangue flui imediatamente para fora do ventrículo e para a aorta. A entrada de sangue nas artérias faz com que a parede dessas artérias se distenda e a pressão se eleve. Ao final da sístole, então, após o ventrículo esquerdo parar de ejetar sangue e a válvula aórtica se fechar, a retração elástica das artérias mantém pressão elevada nas artérias até mesmo durante a diástole. A chamada incisura ocorre na curva de pressão aórtica ao se fechar à válvula aórtica. Ela é causada por um curto período de refluxo de sangue imediatamente antes do fechamento da válvula, seguido, então, pela cessação súbita do refluxo. Depois do fechamento da válvula aórtica, a pressão na aorta cai lentamente durante toda a diástole, porque o sangue armazenado nas artérias elásticas distendidas flui continuamente de volta para as veias por meio dos vasos periféricos. Antes dos ventrículos se contraírem novamente, a pressão aórtica geralmente cai para cerca de 80 mm Hg (pressão diastólica), o que constitui dois terços da pressão máxima de 120 mm Hg (pressão sistólica), ocorrendo na aorta durante a contração ventricular. A curva de pressão na artéria pulmonar é semelhante à da aorta, exceto pelo fato das pressões serem apenas cerca de um sexto das aórticas, como é discutido no Cap. 14. RELAÇÃO ENTRE OS SONS CARDÍACOS E O BOMBEAMENTO CARDÍACO Ao se auscultar o coração com estetoscópio, não se ouve a abertura das válvulas, pois esse é um processo de desenvolvimento relativamente lento e que não produz qualquer ruído. Entreta nto, ao se fecharem às válvulas, seus folhetos e os líquidos circundantes vibram sob a influência das súbitas diferenças de pressão que ocorrem, produzindo sons que se propagam pelo tórax em todas as direções. Quando os ventrículos começam a se contrair, ouve-se um som que é causado pelo fechamento das válvulas A-V. A vibração é de tom baixo e mantém-se por período relativamente longo, sendo conhecida como primeira bulha cardíaca. Quando as válvulas aórtica e pulmonar se fecham, ouve-se um estalido relativamente rápido, pois essas válvulas se fecham com extrema rapidez e as regiões circunvizinhas vibram apenas por curto período. Esse som é conhecido como segunda bulha cardíaca. Ocasionalmente, pode-se ouvir um som atrial quando os átrios batem devido a vibrações associadas ao fluxo de sangue para os ventrículos. Assim, também uma terceira bulha cardíaca ocorre, por vezes, aproximadamente ao final do primeiro terço da diástole, supostamente causada pelo sangue fluindo em turbilhão para os ventrículos já quase cheios. As causas exatas dos sons cardíacos são discutidas de modo mais completo no Cap. 23. em relação à ausculta. PRODUÇÃO DE TRABALHO PELO CORAÇÃO O trabalho sistólico e o trabalho-minuto. O trabalho sistólico do coração ê a quantidade de energia que o coração converte em trabalho durante cada batimento cardíaco enquanto bombeia sangue para as artérias. O trabalho-minuto é a quantidade total de energia convertida no período de 1 minuto; obviamente, isso equivale ao trabalho sistólico multiplicado pela freqüência cardíaca. O trabalho do coração é de dois tipos. Em primeiro lugar, a maior parte é empregada para mover o sangue das veias de baixa pressão para as artérias de alta pressão. Isto é denomi nado trabalho externo ou trabalho de volume-pressão. Segundo, menor proporção da energia c empregada para acelerar o sangue até sua velocidade de ejeção através das válvula aórtica e pulmonar. Este é o componente de energia cinética do fluxo sanguíneo do trabalho cardíaco. Trabalho externo (trabalho de volume-pressão). O trabalho realizado pelo ventrículo esquerdo para elevar a pressão do sangue durante cada batimento cardíaco (o trabalho externo sistólico do ventrículo esquerdo, é igual ao débito sistólico multiplicado pela pressão média de ejeção do ventrículo esquerdo, a menos pressão média de entrada do ventrículo esquerdo, durante o enchimento ventricular). Quando a pressão é expressa em dinas por ce ntímetro quadrado e o débito sistólico em mililitros, o trabalho externo é expresso em ergs. O trabalho externo do ventrículo direito é normalmente cerca de um sexto do trabalho do ventrículo esquerdo, devido ã diferença na pressão sistólica contra a qual os dois ventrículos têm de bombear. A energia cinética do fluxo sanguíneo. O trabalho adicional de cada ventrículo necessário para criar a energia cinética do fluxo sanguíneo é proporcional à massa de sangue ejetada, multiplicada pelo quadrado da velocidade de ejeção. Isto é, mv2 Energia cinética = -----2 Ouando a massa é expressa em gramas de sangue ejetados e a velocidade, em centímetros por segundo, o trabalho o é em ergs. Comumente, o trabalho ventricular esquerdo necessário para criar a energia cinética do fluxo sanguíneo é apenas cerca de 1% do trabalho total do ventrículo, sendo, pois, ignorado no cálculo do trabalho sistólico total. Em certas condições anormais, como a estenose aórtica, em que o sangue flui com grande velocidade pela válvula estenosada, mais de 50% do trabalho total podem ser necessários para criar a energia cinética do fluxo sanguíneo. Análise gráfica do bombeamento ventricular A Fig. 9.7 apresenta um diagrama que é particularmente útil para explicar à mecânica de bombeamento do ventrículo esquerdo. Os dois componentes mais importantes do diagrama são as duas curvas pretas contínuas designadas como "pressão diastólica" e "pressão sistólica". Essas duas curvas são curvas de volume-pressão. A curva da pressão diastólica é determinada enchendo-se o coração com quantidades cada vez maiores de sangue e medindo-se, então, a pressão diastólica imediatamente antes que ocorra a contração ventricular, que é a pressão diastólica final do ventrículo. A curva de pressão sistólica é determinada impedindo-se qualquer descarga de sangue do coração e medindo-se a pressão sistólica máxima que é obtida durante a contração ventricular para cada volume de enchimento. Fica muito claro que a pressão diastólica não aumenta muito ate que o volume ventricular se eleve acima de 150 ml, aproximadamente. Até este volume, portanto, o sangue pode fluir facilmente do átrio para o ventrículo. 92 Fig. 9.7 Relação entre o volume ventricular esquerdo e a pressão intraventricular durante a diástole e a sístole. Também c mostrado, pelas linhas vermelhas fortes, o "diagrama de volume-pressão" que ilustra as alterações do volume e pressão intraventriculares durante o ciclo cardíaco. Acima de 150 ml, a pressão diastólica passa a aumentar rapidamente, em parte porque o tecido fibroso do coração não se distende mais e, em parte, porque o pericárdio que circunda o coração fica distendido praticamente até o seu limite. Durante a contração ventricular, a pressão sistólica aumenta rapidamente com volumes ventriculares crescentes, atingindo seu máximo com o volume ventricular de 150 a 170 ml. Em seguida, quando o volume aumenta ainda mais, a pressão sistólica em algumas condições até diminui, conforme ilustra a curva da pressão sistólica descendente, porque nesses volumes muito grandes os filamentos de actina e miosina das fibras musculares cardíacas encontram-se de fato separados o suficiente para que a força de contração das fibras fique menos que ótima. Observe especialmente na figura que a pressão sistólica máxima para o ventrículo esquerdo normal não estimulado está entre 250 e 300 mm Hg, mas isso varia muito com a força do coração. Para o ventrículo direito normal, ela fica entre 60 e 80 mm Hg. O diagrama de volume-pressão durante o ciclo cardíaco; trabalho cardíaco. As curvas vermelhas na Fig. 9.7 formam uma alça denominada diagrama de volume-pressão do ciclo cardíaco para o ventrículo esquerdo. Ele é dividido em quatro fases distintas: Fase I: Período de enchimento. Esta fase do diagrama de volumepressão inicia-se com volume ventricular de cerca de 45 ml e pressão diastólica muito próxima de 0 mm Hg. Quarenta e cinco mililitros são a quantidade de sangue que permanece no ventrículo após o batimento cardíaco anterior, sendo designada como volume sistólico final. Quando o sangue venoso pulmonar flui do átrio para o ventrículo, o volume aumenta normalmente para cerca de 115 ml, designados como volume diastólico final, um aumento de 70 ml. Por esta razão, o diagrama de volume-pressão durante a fase I estende-se ao longo da linha marcada "I", aumentando o volume para 115 ml e elevando a pressão diastólica para cerca de 5 mm Hg. Fase II: Período de contração isovolúmica. Durante a contração isovolúmica, o volume do ventrículo não se altera. Contudo, a pressão no interior do ventrículo se eleva até se igualar à pressão na aorta, um valor de pressão de cerca de 80 mm Hg. como é mostrado pela linha "II". Fase III: Período de ejeção. Durante a ejeção, a pressão sistólica eleva-se ainda mais, devido à contração ainda maior do coração. Ao mesmo tempo, o volume do ventrículo diminui porque o sangue agora flui para fora do ventrículo e para a aorta. Em vista disso, a curva marcada "III" registra as alterações no volume e na pressão sistólica durante este período de ejeção. Fase IV: Período de relaxamento isovolumétrico. Ao final do período de ejeção, as válvulas semilunares dos ventrículos fecham-se e a pressão ventricular cai novamente até o nível da pressão diastólica, A linha marcada "IV" registra esta diminuição da pressão intraventricular sem qualquer alteração do volume. Assim, o ventrículo retorna a seu ponto de partida, com cerca de 45 ml de sangue residuais no ventrículo e pressão atrial de fato muito próxima de 0 mm Hg. Trabalho calculado a partir do diagrama de volume-pressão. Os leitores bem treinados nos princípios básicos da física devem reconhecer que a área subtendida por este diagrama de volumepressão, a parte direita da área sombreada designada como TE, equivale ao trabalho externo efetivo do ventrículo, durante seu ciclo de contração- Em estudos experimentais da contração cardíaca, este diagrama é, portanto, empregado para o cálculo do trabalho cardíaco. Quando o coração bombeia grande quantidade de sangue, o diagrama de trabalho passa a ter área muito maior. Isto quer dizer que ele se estende bem para a direita, porque o ventrículo agora se enche mais de sangue durante a diástole, eleva-se muito mais porque o ventrículo se contrai com pressão maior e, geralmente, estende-se mais para a esquerda porque o ventrículo se contrai até um volume menor especificamente , quando o ventrículo é estimulado a maior atividade pelo sistema nervoso simpático. Os conceitos de "pré-carga" e "pós-carga". Ao se avaliar as propriedades contrateis do músculo, é importante especificar o grau de tensão sobre o músculo quando ele começa a se contrair, o que é designado como pré-carga, e também se especificar a carga contra a qual o músculo exerce sua força contrátil. que é designada como pós-carga. Para a contração cardíaca, a pré-carga é geralmente considerada como sendo o volume de sangue no ventrículo ao final da diástole, ou seja, o volume diastólico final. Entretanto, por vezes, essa pré-carga é expressa como a pressão diastólica final quando o ventrículo fica cheio de sangue. A pós-carga do ventrículo é a pressão na artéria que sai do mesmo. Na Fig. 9.7, ela corresponde à pressão sistólica descrita pela curva Fase III do diagrama de volume-pressão. (Por vezes, a pós-carga é considerada muito livremente como sendo a resistência na circulação, e não a pressão.) A importância dos conceitos de pré-carga e pós-carga é que, em muitos estados funcionais anormais do coração ou da circulação, o grau de enchimento do ventrículo (a pré-carga), a pressão arterial contra a qual o ventrículo tem de se contrair (a pós-carga), ou ambos, alteram-se muito em relação ao normal. A ENERGIA QUÍMICA PARA A CONTRAÇÃO CARDÍACA: UTILIZAÇÃO DE OXIGÉNIO PELO CORAÇÃO O músculo cardíaco, assim como os músculos esqueléticos, utiliza energia química para gerar o trabalho da contração. Essa energia deriva principalmente do metabolismo oxidativo dos ácidos graxos e, em menor grau, de outros nutrientes, especialmente ácido lático e glicose. Como conseqüência, a intensidade do consumo de oxigênio é uma excelente medida da energia química liberada enquanto o coração realiza seu trabalho. As diferentes reações liberadoras dessa energia são discutidas nos Caps. 67 e 68. Estudos experimentais em corações isolados mostraram que o consumo de oxigênio pelo coração e. portanto, a energia química despendida durante a contração estão diretamente relacionados à área sombreada total da Fig. 9.7. Essa parte sombreada consiste no trabalho externo.TE, conforme explicado antes, e numa outra parte, chamada de energia potencial, designada como EP. A energia potencial constitui o trabalho adicional que poderia ser realizado pela contração do ventrículo, se este se esvaziasse de todo o sangue em sua câmara a cada contração. Infelizmente, é impossível medir-se a área sombreada total da Fig. .7 em animais ou seres humanos vivos. Em vez disto, também se verificou experimentalmente que o consumo de oxigênio c praticamente proporcional à tensão que ocorre no músculo cardíaco durante a contração multiplicada pelo período de tempo que a contração persiste, denominado o índice tensão-tempo. Como a tensão é muito alta, quando a pressão sistólica é elevada, é utilizada uma quantidade correspondente maior de oxigênio. Da mesma forma, quantidade muito maior de energia química é despendida mesmo com pressão sistólica normal quando o ventrículo está anormalmente dilatado, porque a tensão do músculo cardíaco durante a contração é proporcional à pressão vezes o diâmetro do ventrículo. Isto é particularmente importante na insuficiência cardíaca, pois o ventrículo encontra-se, então, dilatado e, paradoxalmente, a quantidade de energia química necessária para dada quantidade de trabalho tem de ser maior do que nunca, ainda que o coração já esteja insuficiente. 93 Eficiência da contração cardíaca. Durante a contração muscular, a maior parte da energia química é convertida em calor, e parte muito menor, em trabalho. A proporção entre o trabalho e o gasto de energia química é denominada eficiência da contração cardíaca ou, simplesmente, eficiência do coração, A eficiência máxima do coração normal está entre 20 e 25%. Na insuficiência cardíaca, isto pode cair até para 5 a 10%. REGULAÇÃO DO BOMBEAMENTO CARDÍACO Quando a pessoa está em repouso, o coração bombeia apenas 4 a 6 I de sangue a cada minuto. Entretanto, durante exercício intenso, o coração pode ser solicitado a bombear até quatro a sete vezes essa qualidade. A presente seção discute os meios pelos quais o coração pode adaptar-se a aumentos tão extremos do débito cardíaco. Os dois meios básicos pelos quais o volume bombeado pelo coração é regulado são (1) a regulação intrínseca do bombeamento pelo coração em resposta a alterações do volume de sangue que flui até o coração e (2) o controle do coração pelo sistema nervoso autonômico. REGULAÇÃO INTRÍNSECA DO BOMBEAMENTO CARDÍACO — O MECANISMO DE FRANKSTARUNG No Cap. 20, vemos que a quantidade de sangue bombeada pelo coração a cada minuto é determinada pela intensidade do fluxo sanguíneo das veias para o coração, o que é denominado retorno venoso. Isso quer dizer que cada tecido periférico do corpo controla seu próprio fluxo sanguíneo, e a soma de todos os fluxos sanguíneos locais por todos os tecidos periféricos volta ao átrio direito por meio das veias. O coração, por sua vez, bombeia, automaticamente, esse sangue que chega para as artérias sistêmicas, de modo que ele possa fluir novamente pelo circuito. Essa capacidade intrínseca de adaptação do coração à alteração no volume de sangue que entra é denominada mecanismo de Frank-Starling do coração, em homenagem a Frank e Starling, dois grandes fisiologistas de quase 100 anos atrás. Basicamente, o mecanismo de Frank-Starling indica que quanto mais o coração se enche, durante a diástole, maior vai ser a quantidade de sangue bombeada para a aorta. Outra forma de expressar isto é: Dentro dos limites fisiológicos, o coração bombeia todo o sangue que chega até ele, sem permitir acúmulo excessivo de sangue nas veias. Qual é a explicação do mecanismo de Frank-Starling? Quando quantidade extra de sangue flui para os ventrículos, o músculo cardíaco propriamente dito c distendido até maior comprimento. Isso, por sua vez, faz o músculo contrair-se com mais força, porque os filamentos de actina e miosina são então trazidos a grau de superposição mais próximo do ótimo para a geração de força. Assim sendo, devido ao aumento de sua ação de bombear, o ventrículo bombeia automaticamente o sangue extra para as; artérias. Essa capacidade do músculo distendido até seu comprimindo ótimo de contrair-se com maior força é característica de todos os músculos estriados, conforme explicado no Cap. 6, e não somente do músculo cardíaco. Além do importante efeito de distensão do músculo cardíaco, ainda outro fator aumenta o bombeamento cardíaco quando seu volume está aumentado. A distensão da parede atrial direita aumenta diretamente a freqüência cardíaca por até 10 a 20%; isso também ajuda a aumentar a quantidade de sangue bombeada a cada minuto, embora sua contribuição seja muito menor que a do mecanismo de Frank-Starling. Ausência de efeito de alterações da carga da pressão arterial Fig. 9,8 Constância do débito cardíaco mesmo face a amplas alterações da pressão arterial. É somente quando a pressão arterial se eleva acima da faixa operacional normal da pressão que a carga de pressão faz o coração começar a falhar. sobre o débito cardíaco. Uma das conseqüências mais importantes do mecanismo de Frank-Starling do coração é que, dentro de limites razoáveis, as alterações da pressão arterial contra a qual o coração bombeia quase não têm efeito sobre a intensidade com que o sangue é bombeado a cada minuto (o débito cardíaco). Esse efeito é ilustrado na Fig. 9.8, que é uma curva extrapolada para seres humanos a partir de dados obtidos em cães nos quais a pressão foi alterada progressivamente pela constrição da aorta, sendo o débito cardíaco medido simultaneamente. O significado deste efeito é o seguinte: independentemente da carga de pressão arterial até um limite razoável, o fator importante para a determinação da quantidade de sangue bombeada pelo coração ainda é a intensidade da entrada de sangue no coração. Curvas de função ventricular Uma das melhores maneiras de expressar a capacidade funcional de bombear sangue dos ventrículos é por curvas de função ventricular, como é mostrado nas Figs. 9.9 e 9.10. A Fig. 9.9 ilustra um tipo de curva de função ventricular denominada curva do trabalho sistólico. Observe que, à medida que a pressão atrial aumenta, o trabalho sistólico também aumenta, até atingir o limite da capacidade cardíaca. A Fig. 9.10 apresenta outro tipo de curva de função ventricular denominada curva do débito-minuto ventricular. Essas duas curvas representam a função dos dois ventrículos do coração humano, com base em dados extrapolados de animais inferiores. Ao se elevar à pressão atrial, o respectivo débito por minuto do volume ventricular também aumenta. Fig. 9.9 Curvas de função ventricular esquerda e direita em um cão, mostrando o trabalho sistólico ventricular em função das pressões atriais médias esquerda e direita. (Curvas reconstruídas a partir de dados em Sarnoff: Physiol. Rev. 35:101, 1955.) 94 Fig. 9.10 Curvas aproximadas do débito ventricular esquerdo e direito para o coração humano, conforme extrapolado a partir de dados obtidos em cães. Assim, as curvas de função ventricular são outra maneira de expressar o mecanismo de Frank-Starling do coração. Isto é, quando os ventrículos se enchem sob pressões atriais mais elevadas, o volume ventricular e a força da contração cardíaca aumentam, fazendo o coração bombear maior quantidade de sangue para as artérias. CONTROLE DO CORAÇÃO PELOS NERVOS SIMPÁTICOS E PARASSIMPÁTICOS A capacidade de bombeamento do coração é muito controlada pelos nervos simpáticos e parassimpáticos (vago), que suprem abundantemente o coração, como ilustra a Fig. 9.11. A quantidade de sangue bombeada pelo coração a cada minuto, o débito cardíaco, pode muitas vezes ser aumentada em mais de 100% pela estimulação simpática. Em contraste, ela pode ser reduzida a zero ou a quase isto pela estimulação vagal (parassimpática). Excitação do coração pelos nervos simpáticos. Uma forte estimulação simpática pode aumentar a freqüência cardíaca de seres humanos para 200 e, em raros casos, até mesmo 250 batimentos por minuto, em pessoas jovens. A estimulação simpática aumenta igualmente a força com que o coração se contrai, aumen- Fig. 9.11 Os nervos cardíacos tando também, como conseqüência, tanto o volume de sangue bombeado como a pressão de ejeção. Assim, a estimulação simpática pode freqüentemente aumentar o débito cardíaco por até duas a três vezes. A inibição do sistema nervoso simpático pode ser utilizada para diminuir, em grau moderado, o bombeamento cardíaco, da seguinte maneira: em condições normais, as fibras nervosas simpáticas para o coração descarregam, continuamente, a baixa freqüência, que mantém o bombeamento em cerca de 30% do que é observado sem qualquer estimulação simpática. Por esta razão, quando a atividade do sistema nervoso simpático é reduzida a um nível abaixo do normal, isso diminui tanto a freqüência cardíaca como a força de contração ventricular, diminuindo, assim, o nível de bombeamento cardíaco até 30% abaixo do normal. Estimulação parassimpática (vagal) do coração. Uma forte estimulação vagal do coração pode, de fato, fazer cessar por alguns segundos os batimentos cardíacos, mas depois o coração geralmente "escapa", batendo, daí em diante, com freqüência de 20 a 30 batimentos por minuto. Além disso, a forte estimulação parassimpática diminui em até 20 a 30% a força de contração do coração. Esta não é uma grande diminuição, porque as fibras vagais distribuem-se principalmente para os átrios e pouco para os ventrículos onde ocorre à contração motriz do coração. Apesar disso, a grande diminuição da freqüência cardíaca, associada à ligeira diminuição da contração cardíaca, pode reduzir em até 50% ou mais o bombeamento ventricular — especialmente quando o coração está operando sob grande carga de trabalho. Efeito da estimulação simpática ou parassimpática sobre a curva de função cardíaca. A Fig. 9.12 apresenta quatro curvas distintas de função cardíaca. Elas são iguais às curvas de função ventricular das Figs. 9.9 e 9.10, exceto por representarem a função de todo o coração, e não de um ventrículo individual; elas mostram a relação entre a pressão atrial direita na entrada do coração e o debito cardíaco para a aorta. As curvas da Fig. 9.12 demonstram que, a qualquer pressão atrial direita, o débito cardíaco aumenta com o aumento da estimulação simpática e diminui com o aumento da estimulação parassimpática. Deve-se recordar que as alterações do débito cardíaco ocasionadas pela estimulação nervosa são causadas tanto por alterações da freqüência cardíaca como por alterações da força contrátil do coração, pois ambas afetam o débito cardíaco. Fig. 9.12 Efeito sobre a curva do débito cardíaco de graus diferentes de estimulação simpática e parassimpática. 95 EFEITO DA FREQUÊNCIA CARDÍACA SOBRE A FUNÇÃO DO CORAÇÃO COMO UMA BOMBA Em geral, quanto mais vezes o coração bate por minuto, mais sangue ele pode bombear, mas há importantes limitações a este efeito. Após a freqüência cardíaca elevar-se acima de um nível crítico, por exemplo, a força do próprio coração diminui, presumivelmente devido ao uso excessivo de substratos metabólicos pelo músculo cardíaco. Além disso, o período de diástole entre as contrações fica tão reduzido que o sangue não tem tempo para fluir adequadamente dos átrios para os ventrículos. Por estas razões, quando a freqüência cardíaca é aumentada artificialmente pela estimulação elétrica, o coração tem sua capacidade máxima de bombear grande quantidade de sangue na freqüência cardíaca entre 100 e 150 batimentos por minuto. Por outro lado, quando sua freqüência é aumentada por estimulação simpática, ele atinge sua capacidade máxima de bombear sangue nas freqüências entre 170 e 220 batimentos por minuto. A razão para essa diferença é que a estimulação simpática aumenta não só a freqüência como também a força cardíaca. Ao mesmo tempo, ela diminui a duração da contração sistólica e possibilita mais tempo para o enchimento durante a diástole. AVALIAÇÃO DA CONTRATILIDADE CARDÍACA Embora seja muito fácil determinar-se a freqüência cardíaca simplesmente pela contagem do pulso, sempre foi difícil determinar-se à força de contração cardíaca, comumente designada como contratilidade cardíaca. Muito freqüentemente, a alteração da contratilidade é exatamente o oposto da alteração da freqüência cardíaca. Na verdade, esse efeito ocorre quase que invariavelmente nas cardiopatias e doenças debilitantes. Uma das maneiras pelas quais a contratilidade cardíaca pode ser determinada com grande precisão é o registro de uma ou mais curvas de função cardíaca. Entretanto, isto so pode ser feito com facilidade em animais experimentais. Por essa razão, muitos fisiologistas clínicos têm procurado métodos de avaliação da contratilidade cardíaca de maneira simples. Um desses métodos é a determinação da chamada dP/dt. dP/dt como medida da contratilidade. A dP/dt significa velocidade da alteração da pressão ventricular em função do tempo. O registro de dP/dt é gerado por um computador que diferencia a onda da pressão ventricular, dando, portanto, um registro da velocidade da alteração da pressão ventricular. A Fig. 9.13 mostra dois registros distintos da onda de pressão ventricular, assim como registros simultâneos (em cor) da dP/dt. Na parte superior da figura, o coração estava batendo normalmente e na parte inferior o coração havia sido estimulado pelo isoproterenol, um composto que tem basicamente o mesmo efeito sobre o coração que tem a estimulação simpática. Observe no registro superior que, ao mesmo tempo que a pressão ventricular está aumentando com maior velocidade, o registro da dP/dt também atinge seu valor mais alto. Por outro lado, no momento em que a pressão ventricular está caindo mais rapidamente, o registro da dP/dt atinge seu nível mais baixo. Quando a pressão ventricular não está nem se elevando nem caindo, o registro da dP/dt está no valor zero. Estudos experimentais mostraram que a velocidade da elevação da pressão ventricular, a dP/dt, correlaciona-se em geral muito bem com a força de contração do ventrículo. Este efeito é ilustrado pela comparação do registro da dP/dt da parte superior da Fig. 9.13 com a parte inferior. Assim, a dP/dt máxima é freqüentemente utilizada como meio de comparação da contratilidade do coração em diferentes estados funcionais. Infelizmente, o valor quantitativo da dP/dt máxima também é afetado por outros fatores que não estão relacionados à contratilidade cardíaca. Esse valor fica aumentado, por exemplo, tanto pela maior pressão de entrada para o ventrículo esquerdo (a pressão diastólica final ventricular), que é a pré-carga do ventrículo, como pela pressão contra a qual o coração está bombeando sangue, denominado pós-carga. Portanto, muitas vezes é difícil utilizar-se a dP/dt como medida de contratilidade ao se comparar o coração de uma pessoa ao de outra, pois um desses fatores pode diferir. Por essa razão, outras medidas quantitativas também têm sido empregadas em tentativas de avaliação da contratilidade cardíaca. Uma delas tem sido a utilização da dP/dt dividida pela pressão instantânea no ventrículo, ou (dP/dt)/P. EFEITO DOS ÍONS POTÁSSIO E CÁLCIO SOBRE A FUNÇÃO CARDÍACA Na discussão dos potenciais de membrana no Cap. 5 foi ressaltado que os íons potássio têm efeito acentuado sobre os potenciais de membrana e os potenciais de ação, e no Cap. 6 observou-se que os íons cálcio têm papel particularmente importante no desencadeamento do processo contrátil muscular. Deve-se esperar, portanto, que as concentrações desses dois íons nos líquidos extracelulares também tenham efeitos importantes sobre o bombeamento cardíaco. Efeito dos íons potássio. O excesso de potássio no líquido extracelular faz o coração ficar extremamente dilatado e flácido e lentifica a freqüência cardíaca. Quantidades muito grandes também podem bloquear a condução do impulso cardíaco dos átrios para os ventrículos pelo feixe A-V. A elevação da concentração de potássio até apenas 9 a 12 m.Eq/1 - duas a três vezes o valor normal - pode causar um enfraquecimento tal do coração e um ritmo tão anormal que isso pode causar a morte. Esses efeitos são causados parcialmente pelo fato de que uma concentração elevada de potássio no líquido extracelular causa diminuição do potencial de membrana em repouso nas fibras musculares cardíacas, conforme explicado no Cap. 5. Quando o potencial de membrana diminui, a intensidade do potencial de ação também diminui, o que torna progressivamente mais fraca a contração do coração. Efeito dos íons cálcio. O excesso de íons cálcio causa efeitos quase que exatamente opostos aos dos íons potássio, fazendo o coração entrar em contração espástica. Isso é causado pelo efeito direto dos íons cálcio na excitação do processo contrátil cardíaco, conforme explicado antes. Inversamente, deficiência de íons cálcio causa flacidez cardíaca, de modo semelhante ao efeito do potássio. Entretanto, com os níveis normalmente regulados dentro de limites estreitos, é raro que esses efeitos cardíacos das concentrações anormais de cálcio causem problemas clínicos. EFEITO DA TEMPERATURA SOBRE O CORAÇÃO Fig. 9.13 Registros simultâneos da pressão ventricular e da dP/dt. A mostra resultados obtidos em coração normal e B mostra resultados de um coração estimulado por isoproterenol. (Modificado de Mason et ai., in Sodcman e Sodeman [eds.j. Pathologic Physiology 6. ed. Phila delphia, W.B. Saunders Co., 1979.) O aumento da temperatura, que ocorre quando se tem febre- causa grande aumento da freqüência cardíaca, por vezes até o dobro do normal. A diminuição da temperatura causa grande redução da freqüência cardíaca, caindo até alguns batimentos por minuto quando a pessoa está próxima da morte por hipotermia, na faixa de 15,5 a 21°C. Esses efeitos decorrem, presumivelmente, do calor causando maior permeabilidade da membrana muscular aos íons, ocasionando a aceleração do processo de auto-excitação. 96 Muitas vezes, a força contrátil do coração é aumentada temporariamente por aumento moderado da temperatura, mas a elevação prolongada da temperatura exaure os sistemas metabólicos do coração e causa fraqueza. REFERÊNCIAS Brunwald, E., and Rosa, J., Jr: Control of cardiac performance. In Berne, R. M., et ai, (eda.): Handbook of Physiology. Sec. 2, Vol. I. Baltimore, Williams & Wilkina, 1979, p. 533. Cooper, G-, IV: Cardiocyte adaptation to chronically altered load. Annu. Rev. Physiol., 49:501, 1987. Cowley, A. W., Jr., andGuyton, A. C: Hean rate as a determinant of cardiac output in dogs with arteriovenous fistula. Am. J. Cardiol., 28:321, 1971. EIlis, D,: Na-Ca exchange in cardiac tisaue. Adv. Myocardiol., 5:295, 1985. Fabiato, A., and Fabiato, F.: Calcium and cardiac excitation-contraction coupling. Annu. Rev. Phyaiol., 41:473, 1979. FitzGerald, P. G.: Gap junction heterogeneity in liver, heart, and lens. News Physiol. Sei., 3:206, 1988. Fozzard, H. A., et ai.: The Heart and Cardiovascular Syatem: Scientific Foundations. New York, Raven Press, 1986. Gadsby, D. C: The Na/K pumpof cardiac cella. Annu. Rev. Biophys. Bioeng., 13:373, 1984. Gevers, W.: Protein metabolism Df the heart. J. Mol. CelL Cardiol., 16:3,1984. Gilmour, R. F-, Jr, and Zipes,D. P-: Slow inwardcurrent and cardiac arrhythmias. Am. J. Cardiol., 55:89B, 1985. Guyton, A. C: Determination of cardiac output by equating venous return curves with cardiac response curves. Physiol. Rev., 35:123, 1955. Guyton, A. C, et ai.: Circulatory Physiology: Cardiac Output and Its Regulation. 2nd Ed. Phíladelphia, W. B. Saunders Co., 1973. Hotfman, B. B., and Leflíowitz, R. J.: Adrenergic receptora in the heart. Annu. Rev. Physiol., 44:475, 1982. Hurst, J. W., et ai.: The Heart. New York, McGraw-Hill Book Co., 1990. Jacobus, W. E.: Respiratory control and the integration of heart high-energy phosphate metabolism by mitochondrial creatine kinase. Annu. Rev. Physiol., 47:707, 1985. Johnson, E. A.: Force-interval relationship of cardiac muscle. In Berne, R. M., et ai. (eds.): Handbook of Physiology. Sec. 2, Vol. I. Baltimore, Williams & Wilkins, 1979, p. 475. Manfredi, J. P., and Holmes, E. W.: Purine salvage pathwaya in myocardium. Annu. Rev. Physiol., 47:691, 1985. Matsubara, I.: X-ray diffraction studies of the heart. Annu. Rev. Biophys. Bioeng., 9-81, 1980. Mela-Riker, L. M., and Bukoaki, R. D.: Regulation of mitochondrial activity in cardiac cells. Annu. Rev. Physiol., 47:645, 1985. Morgan, H. E., et ai.: Biochemical mechamsms of cardiac hypertrophy. Annu. Rev, Physiol., 49:533, 1987. Nozawa, T., et ai.: Relation between oxygen consumption and pressure-volume área of in situ dog heart. Am. J. Phyaiol., 253:H31, 1987. Page, E., and Shibata, Y.: Permeable junctions between cardiac cella. Annu. Rev. Physiol., 43:431, 1981. Parmley, W. W., and Talbot, W.: Heart as a pump. In Berne, R. M., et ai. (eds.): Handbook of Physiology. Sec. 2, Vol. I. Baltimore, Williams & Wilkina, 1979, p. 429. Rovetto, M. J.: Myocardial nucleotide tranaport. Annu. Rev. PhyBÍol., 47:605, 1985. Ruegg, J. C: Dependence of cardiac contractílity on myohbnllar calcium sensitivity. News Physiol. Sei., 2:179, 1987. Sarnoff, S. J.: Myocardial contractility aa described by ventricular function curves. Physiol. Rev., 35:107, 1955. Sommer, J. R., and Johnson, E. A.: Ultrastructure of cardiac muscle. In Berne, R. M., et ai. (eds.): Handbook of PhyBiology. Sec. 2, Vol. I. Baltimore, Williams & Wilkins, 1979, p. 113. Starling, E. H.: The Linacre Lecture on the Law of the Heart. London, Longmans Green & Co., 1918. Suga, H ,etal.: Prospective prediction of Ojconsumptionfrompressure-volume área in dog hearts. Am. J. Phyaiol., 252:H1258,1987. Suga, H., et ai.: Criticai evaluation of left ventricular systolic pressure volume área as predictor of oiygen consumption rate. Jap. J. Physiol., 30:907, 1980. Sugden, P. H.: The effects of hormonal factors on cardiac protein turnover. Adv. Myocardiol., 5:105,1985. Sugimoto, T., et ai.: Effect of maximal work load on cardiac function. Jap. Heart J., 14:146, 1973. Sugimoto, T., et ai.: Quantitative effect of low coronary pressure on left ventricular performance, Jap. Heart J., 9:46,1968. Swynghedauw, B.: Developmental and functional adaptation of contractile proteins in cardiac and skeletal muscles. Physiol. Rev., 66:710,1986. Vary, T. C, et ai.: Control of energy metabolism of heart muscle. Annu. rev. Physiol., 43:419, 1981. Winegrad, S.: Regulation of cardiac contractile proteins. Correlations between physiology and biochemistry. Circ. Res., 55:565, 1984. Winegrad, S.: Calcium release from cardiac Barcoplasmic reticulum. Annu. Rev. Physiol., 44:451, 1982. (Ver também Cap. 10.) 97 CAPÍTULO 10 Excitação Rítmica do Coração O coração é provido de um sistema especializado (1) para a geração de impulsos rítmicos, para causar a contração rítmica do músculo cardíaco, e (2} para a condução rápida desses impulsos por todo o coração. Quando esse sistema funciona normalmente, os átrios se contraem cerca de um sexto de segundo antes da contração ventricular, o que possibilita maior enchimento dos ventrículos antes que eles bombeiem o sangue pelos pulmões e pela circulação periférica. Outra importância especial do sistema é que ele possibilita que todas as partes dos ventrículos se contraiam simultaneamente, o que é essencial para a geração efetiva de pressão nas câmaras ventriculares. Infelizmente, porém, este sistema rítmico e condutor do coração é muito suscetível a danos por doenças cardíacas, especialmente a isquemia dos tecidos cardíacos decorrente do fluxo sanguíneo coronário insuficiente. A conseqüência é, muitas vezes, um ritmo cardíaco muito bizarro ou uma seqüência anormal da contração das câmaras cardíacas, e a eficácia do bombeamento cardíaco muitas vezes fica gravemente afetada, a ponto de causar a morte do paciente. O SISTEMA ESPECIALIZADO DE EXCITAÇÃO E ONDUÇÃO DO CORAÇÃO A Fig. 10.1 apresenta o sistema especializado de excitação e condução do coração que controla as contrações cardíacas. A figura mostra (A) o nodo sinusal (também denominado nodo sinoatrial ou S – A) , no qual é gerado o impulso rítmico normal; (B) as vias internodais que conduzem o impulso do nodo sinusal para o nodo A-V; (C) o nodo A-V (também denominado nodo atrioventricular), no qual o impulso dos átrios sofre retardo antes de passar para os ventrículos; (D) o feixe A-V, que conduz o impulso dos átrios para os ventrículos; e (E) os feixes esquerdo e direito das fibras de Purkinje, que conduzem o impulso cardíaco a todas as partes dos ventrículos. O NODO SINUSAL O nodo sinusal é uma pequena tira achatada e elíptica de músculo especializado, com aproximadamente 3 mm de largura, 15 mm de comprimento e 1 mm de espessura; está localizado na parede superior lateral do átrio direito, imediatamente abaixo e lateral à abertura da veia cava superior. As fibras deste nodo quase não têm filamentos contrateis e têm 3 a 5 µm de diâmetro, em contraste com o diâmetro de 10 a 15 µm fibras musculares atriais circunvizinhas. No entanto, as fibras sinusais são contínuas com as fibras atriais, de modo que qualquer potencial de ação que se inicia no nodo sinusal espalha-se imediatamente para os átrios. Fig. 10.1 O nodo sinusal e o sistema de Purkinje do coração, mostrando também o nodo A-V, as vias internodais atriais e os ramos ventriculares. Ritmicidade automática das fibras sinusais Muitas fibras cardíacas têm a capacidade de auto-excitação, um processo que pode ocasionar contrações rítmicas automáticas. Isto é particularmente verdadeiro para as fibras do sistema especializado de condução do coração; a parte desse sistema que apresenta o maior grau de auto-excitação são as fibras do nodo sinusal. Em vista disso, o nodo sinusal controla normalmente a freqüência de batimento de todo o coração, como é discutido com detalhes mais adiante neste capítulo. Primeiramente, porém, vamos descrever essa ritmicidade automática. Mecanismos da ritmicidade do nodo sinusal. A Fig. 10.2 apresenta potenciais de ação registrados em fibra do nodo sinusal por três batimentos cardíacos e. para fins de comparação, um potencial de ação de fibra muscular ventricular, mostrado à direita. Observe que o potencial da fibra nodal sinusal entre as descargas tem negatividade de apenas -55 a -60 mV, em comparação com -85 a -90 mV para a fibra ventricular. A causa dessa negatividade reduzida é que as membranas celulares das fibras sinusais são naturalmente permeáveis a íons sódio. 98 Antes de tentar explicar a ritmicidade das fibras do nodo sinusal, recordemos primeiro, das discussões dos Caps. 5 e 9, que, no músculo cardíaco, três tipos diferentes de canais iônicos na membrana contribuem de forma importante para ocasionar as alterações de voltagem do potencial de ação. São eles (1) os canais rápidos de sódio; (2) os canais lentos de cálcio-sódio, e (3) os canais de potássio. A abertura dos canais rápidos de sódio por alguns décimos milésimos de segundo é responsável pelo início muito rápido e semelhante a uma ponta do potencial de ação observado no músculo ventricular devido ao rápido influxo de íons sódio positivos para o interior da fibra. Em seguida, o platô do potencial de ação ventricular é causado principalmente pela abertura mais lenta dos canais lentos de cálcio-sódio, que dura alguns décimos de segundo. Finalmente, a crescente abertura de canais de potássio e a difusão de uma grande quantidade de íons de potássio positivos para fora da fibra fazem o potencial de membrana voltar a seu nível de repouso. Contudo, há uma diferença na função desses canais na fibra do nodo sinusal devido à negatividade muito menor do potencial "de repouso" -apenas -55 mV. Nesse nível de negatividade, os canais rápidos de sódio ficam em grande parte "inativados", o que significa que eles foram bloqueados. A causa disto é que, em qualquer ocasião em que o potencial de membrana permanece menos negativo que cerca de -60 mV por mais de alguns milissegundos, as comportas de inativação no interior da membrana celular que fecham esses canais fecham-se e permanecem fechadas. Por esta razão, somente os canais lentos de cálcio-sódio podem abrir-se (ou seja, podem ficar "ativados") e, portanto, causar o potencial de ação. O potencial de ação tem, pois, desenvolvimento mais lento que o do músculo ventricular e também se recupera por diminuição lenta do potencial, em vez da recuperação abrupta que ocorre no caso da fibra ventricular. Auto-excitação das fibras do nodo sinusal. Os íons sódio tendem naturalmente a vazar para dentro das fibras do nodo sinusal por múltiplos canais na membrana, e esse influxo de cargas positivas também causa elevação do potencial de membrana. Assim, como é ilustrado na Fig. 10.2, o potencial "de repouso" eleva-se gradualmente entre cada dois batimentos cardíacos. Ao atingirem a voltagem limiar, de cerca de -40 mV, os canais de cálcio-sódio são ativados, levando à entrada muito rápida tanto de íons cálcio como sódio e causando, assim, o potencial de ação. Assim sendo, é basicamente a permeabilidade intrínseca das fibras do nodo sinusal aos íons sódio que causa sua auto-excitação. Por que essa permeabilidade aos íons sódio não faz as fibras do nodo sinusal ficarem despolarizadas todo o tempo? A resposta é que ocorrem dois eventos durante o potencial de ação. Em primeiro lugar, os canais de cálcio-sódio são inativados (ou seja, eles se fecham) dentro de cerca de 100 a 150 ms após sua abertura e, segundo, mais ou menos ao mesmo tempo, abre-se um número muito maior de canais de potássio. Por esta razão, agora o influxo de íons cálcio e sódio pelos canais de cálcio-sódio cessa simultaneamente, enquanto uma grande quantidade de íons potássio positivos difunde-se para fora da célula, pondo fim, portanto, ao potencial de ação. Além disso, os canais de potássio permanecem abertos por mais alguns décimos de segundo, levando um grande excesso de cargas positivas de potássio para fora da célula, o que causa, temporariamente, considerável excesso de negatividade dentro da fibra, isto é denominado hiperpolarização. Essa hiperpolarização provoca inicialmente redução do potencial de membrana em "repouso" para cerca de -55 a -60 mV ao final do potencial de ação. Por fim, temos de explicar por que o estado de hiperpolarização também não é mantido indefinidamente. A razão é que, durante os décimos de segundo subseqüentes ao fim do potencial de ação, um número cada vez maior dos canais de potássio começa a se fechar. Então, os íons sódio que vazam para o interior superam novamente o fluxo para fora dos íons potássio, o que faz o potencial "de repouso" elevar-se, atingindo, finalmente, o nível limiar de descarga, em potencial de cerca de -40 mV. Então, todo o processo tem início de novo: auto-excitação, recuperação do potencial de ação, hiperpolarização após o fim do potencial de ação, elevação do potencial "de repouso" e, depois, mais uma vez, reexcitação, para iniciar outro ciclo. Este processo continua indefinidamente por toda a vida da pessoa. VIAS INTERNODAIS E TRANSMISSÃO IMPULSO CARDÍACO PELOS ÁTRIOS DO As extremidades das fibras do nodo sinusal fundem-se às fibras musculares atriais circundantes e os potenciais de ação que se originam no nodo sinusal dirigem-se para adiante, por meio dessas fibras. Desse modo, o potencial de ação se propaga por toda a massa muscular atrial, e acaba por chegar também ao nodo A-V. A velocidade de condução no músculo atrial é de aproximadamente 0,3 m/s. A condução é, porém, mais rápida em vários pequenos feixes de fibras musculares atriais. Um deles, denominado feixe interatrial anterior, passa para o átrio esquerdo pelas paredes anteriores dos átrios e conduz o impulso cardíaco com velocidade de aproximadamente 1 m/s. Além disso, três outros pequenos feixes atravessam as paredes atriais e terminam no nodo A-V, também conduzindo o impulso cardíaco com essa velocidade rápida. Esses três pequenos feixes, ilustrados na Fig. 10.1, são denominados, respectivamente, vias internodais anterior, média e posterior. A causa da velocidade de condução mais rápida nesses feixes é a presença de certo número de fibras de condução especializadas misturadas ao músculo atrial. Essas fibras são semelhantes às fibras de Purkinje dos ventrículos, de condução muito rápida, que são discutidas a seguir. O NODO A -V E O RETARDO NA CONDUÇÃO DE IMPULSOS Fig. 10.2 Descarga rítmica de uma fibra do nodo sinusal e comparação do potencial de ação do nodo sinusal com o de uma fibra muscular ventricular. Felizmente, o sistema de condução é organizado de tal forma que o impulso cardíaco não passa dos átrios para os ventrículos de modo demasiado rápido; isso dá tempo para os átrios lançarem seu conteúdo nos ventrículos antes que se inicie a contração ventricular. São principalmente o nodo A-V e suas fibras de condução associadas que retardam essa transmissão do impulso cardíaco dos átrios para os ventrículos. 99 O nodo A-V está localizado na parede septal posterior do átrio direito, imediatamente atrás da válvula tricúspide e adjacente à abertura do seio coronário, como c mostrado na Fig. 10.1. A Fig. 10.3 mostra esquematicamente as diferentes partes desse nodo e suas conexões com as fibras da via internodal atrial e o feixe A-V. A figura também mostra os intervalos aproximados em frações de segundo entre a gênese do impulso cardíaco no nodo sinusal e seu aparecimento em diferentes pontos do sistema nodal A-V. Note que o impulso, após passar pela via internodal, chega ao nodo A-V aproximadamente 0,03 após sua origem no nodo sinusal. Há, então, um retardo adicional de 0,09 no nodo A-V propriamente dito, antes do impulso passar à parte penetrante do feixe A-V. Um retardo final, de mais de 0,04 s, ocorre principalmente neste feixe A-V penetrante que é composto por múltiplos pequenos fascículos que atravessam o tecido fibroso que separa os átrios dos ventrículos. Portanto, o retardo total no sistema nodal A-V e do feixe A-V é de aproximadamente 0,13 s. Cerca de um quarto desse tempo ocorre nas fibras de transição, fibras muito delgadas que ligam as fibras das vias internodais atriais ao nodo A-V (ver Fig. 103). A velocidade de condução nessas fibras é tão pequena quanto 0,02 a 0,05 m/s (cerca de 1/12 da velocidade no músculo cardíaco normal), o que retarda muito a entrada do impulso no nodo A-V. Após entrar no nodo propriamente dito, a velocidade de condução nas fibras nodais ainda é bastante baixa, apenas 0,05 m/s, cerca de um oitavo da velocidade de condução no músculo cardíaco normal. Essa baixa velocidade de condução também é aproximadamente a mesma da parte penetrante do feixe A-V. Causa da condução lenta. A causa da condução extremamente lenta tanto nas fibras de transição como nas fibras nodais e nas fibras do feixe A-V penetrante é. em parte, que seu tamanho é consideravelmente menor do que o das fibras musculares atriais normais. Entretanto, a maior parte da condução lenta é provavelmente causada por dois fatores totalmente diferentes. Em primeiro lugar, todas essas fibras têm potenciais de membrana em repouso que são muito menos negativos que o potencial de repouso normal do restante do músculo cardíaco. Segundo, muito poucas junções abertas unem as fibras sucessivas na via, de modo que há grande resistência à condução de íons excitatórios de uma fibra para outra. Assim, havendo tanto baixa voltagem impulsionando os íons como grande resistência ao seu movimento, é fácil ver-se por que cada fibra sucessiva demora a ser excitada. TRANSMISSÃO NO SISTEMA DE PURKINJE As fibras de Purkinje saem do nodo A-V para os ventrículos pelo feixe A-V. Exceto pela parte inicial dessas fibras, no ponto onde elas penetram na barreira fibrosa atrioventricular, elas têm características funcionais bem opostas às das fibras do nodo A-V; são fibras muito grandes, maiores ainda que as fibras musculares normais dos ventrículos, e transmitem potenciais de ação com velocidade de 1,5 a 4,0 m/s., velocidade cerca de 6 vezes a verificada no músculo cardíaco habitual e 150 vezes a medida em algumas fibras de transição. Isso possibilita a transmissão quase que imediata do impulso cardíaco por todo o sistema ventricular. A transmissão muito rápida dos potenciais de ação pelas fibras de Purkinje é considerada como sendo causada pela maior permeabilidade das junções abertas nos discos intercalados entre as sucessivas células cardíacas que constituem as fibras de Purkinje. Nesses discos, os íons são facilmente transmitidos de uma célula para a seguinte, aumentando, assim, a velocidade de transmissão. As fibras de Purkinje também têm muito poucas miofibrilas, o que quer dizer que elas mal se contraem durante a transmissão de impulsos. Condução em sentido único pelo feixe A-V. Uma característica especial do feixe A-V é a incapacidade dos potenciais de ação, exceto em estados anormais, fazerem o trajeto retrógrado no feixe dos ventrículos para os átrios. Isso impede a reentrada de impulsos cardíacos dos ventrículos para os átrios por essa via, possibilitando apenas a condução anterógrado dos átrios para os ventrículos. Além disso, deve-se recordar que o músculo atrial c separado do músculo ventricular por barreira fibrosa contínua, parte da qual é ilustrada na Fig. 10.3. Essa barreira atua normalmente como isolante, impedindo a passagem de impulsos cardíacos entre os átrios e os ventrículos por qualquer outra via que não a condução anterógrada pelo próprio feixe A-V. (Entretanto, em raros casos, uma ponte muscular anormal atravessa, de fato, a barreira fibrosa em outro ponto que não o feixe A-V. Nessas condições, os impulsos cardíacos podem, então, reentrar nos átrios a partir dos ventrículos e causar arritmia cardíaca grave.) Distribuição das fibras de Purkinje nos ventrículos. Após Fig. 10.3 Organização do nodo A-V. Os números representam o intervalo de tempo a partir da origem do impulso no nodo sinusal. Os valores foram extrapolados para os seres humanos. passar através do tecido fibroso atrioventricular, à parte distai do feixe A-V desce pelo septo ventricular, em direção ao ápice cardíaco, por 5 a 15 mm, como é mostrado nas Figs. 10.1 e 10.3. O feixe se divide, então, nos ramos esquerdo e direito, situados por sob o endocárdio dos dois lados respectivos do septo. Cada ramo desce até o ápice do ventrículo, dividindo-se em ramos menores que circundam cada câmara ventricular e voltam em direção à base do coração. As fibras de Purkinje terminais penetram cerca de um terço do trajeto pela massa muscular e depois, tornam-se contínuas com as fibras musculares cardíacas. Do momento em que o impulso cardíaco chega aos ramos até atingir as terminações das fibras de Purkinje, o tempo total transcorrido é de apenas 0,03 s; assim sendo, uma vez tendo entrado no sistema de Purkinje, o impulso cardíaco dissemina-se quase que imediatamente para toda a superfície endocárdica do músculo ventricular. 100 TRANSMISSÃO DOS IMPULSOS CARDÍACOS NO MÚSCULO VENTRICULAR Após alcançar as extremidades das fibras de Purkinje, o impulso é, então, transmitido, através da massa muscular do ventrículo, pelas próprias fibras musculares ventriculares. A velocidade de transmissão é agora de apenas 0,3 a 0,5 m/s, um sexto da verificada nas fibras de Purkinje. O músculo cardíaco envolve o coração numa espiral dupla, com septos fibrosos entre as camadas espirais; por esta razão, o impulso cardíaco não segue necessariamente direto para fora, rumo à superfície do coração, mas faz um ângulo em direção à superfície segundo as direções das espirais. Devido a isto, a transmissão da superfície endocárdica para a superfície epicárdica do ventrículo requer até mais 0,03 s, tempo aproximadamente igual ao necessário para a transmissão por todo o sistema de Purkinje. Assim, o tempo total para a transmissão do impulso cardíaco dos remos iniciais até a última das fibras musculares ventriculares no coração normal é de cerca de 0,06 s. RESUMO DA DIFUSÃO DO IMPULSO CARDÍACO PELO CORAÇÃO A Fig. 10.4 mostra, de forma resumida, a transmissão do impulso cardíaco pelo coração humano. Os números na figura representam os intervalos de tempo, em centésimos de segundo, transcorridos entre a origem do impulso cardíaco no nodo sinusal e seu aparecimento em cada ponto respectivo do coração. Observe que o impulso difunde-se com velocidade moderada pelos átrios, mas é retardado em mais de 0,1 na região do nodo A-V, antes de aparecer no feixe A-V do septo ventricular. Após ter atingido esse feixe, ele se difunde rapidamente para toda a superfície endocárdica dos ventrículos pelas fibras de Purkinje. Daí, o impulso novamente se difunde lentamente através do músculo ventricular até as superfícies epicárdicas. É extremamente importante que o leitor aprenda em detalhe Fig. 10.4 Transmissão do impulso cardíaco pelo coração, mostrando o tempo de aparecimento (cm frações de segundo) do impulso em diferentes partes do coração. O trajeto do impulso cardíaco pelo coração e o tempo de seu aparecimento em cada parte distinta do coração, pois o conhecimento quantitativo desse processo é essencial para a compreensão da eletrofisiologia, que é discutida nos três capítulos subseqüentes. CONTROLE DA EXCITAÇÃO E CONDUÇÃO NO CORAÇÃO O NODO SINUSAL COMO MARCAPASSO DO CORAÇÃO Na discussão anterior sobre a gênese e transmissão do impulso cardíaco pelo coração, notamos que o impulso se origina normalmente no nodo sinusal. Entretanto, isso muitas vezes não ocorre, em condições anormais, pois outras partes do coração podem apresentar contrações rítmicas da mesma forma que as fibras do nodo sinusal; isto é particularmente verdadeiro para as fibras de Purkinje do nodo A-V. As fibras nodais A-V, quando não estimuladas por alguma fonte externa, descarregam com freqüência rítmica intrínseca de 40 a 60 vezes por minuto, e as fibras de Purkinje descarregam com freqüência entre 15 e 40 vezes por minuto. Essas freqüências contrastam com a freqüência normal de 70 a 80 vezes por minuto do nodo sinusal. Portanto, a pergunta que temos de fazer é; por que é o nodo sinusal que controla a ritmicidade do coração, e não o nodo A-V ou as fibras de Purkinje? A resposta a isto decorre do fato de que a freqüência de descarga do nodo sinusal é consideravelmente maior que a do nodo A-V ou das fibras de Purkinje. A cada descarga do nodo sinusal, seu impulso é conduzido tanto para o nodo A-V como para as fibras de Purkinje, descarregando suas membranas excitáveis. Em seguida, tanto esses tecidos como o nodo sinusal recuperam-se do potencial de ação e ficam hiperpolarizados. Contudo, o nodo sinusal perde sua hiperpolarização muito mais rapidamente do que qualquer um dos outros dois, emitindo novo impulso antes que qualquer um deles possa atingir seu próprio limiar de auto-excitação. O novo impulso descarrega novamente tanto o nodo A-V como as fibras de Purkinje. Esse processo continua indefinidamente, com o nodo sinusal sempre excitando esses tecidos potencialmente auto-excitáveis antes que sua auto-excitação possa de fato ocorrer. O nodo sinusal controla, portanto, o batimento do coração porque sua freqüência de descarga rítmica é maior do que a de qualquer outra parte do coração. Portanto, o nodo sinusal é o marcapasso normal do coração. Marcapassos anormais - o marcapasso ectópico. Ocasionalmente, alguma outra parte do coração apresenta freqüência de descarga rítmica que é mais rápida que a do nodo sinusal. Isso ocorre muitas vezes, por exemplo, no nodo A-V ou nas fibras de Purkinje. Em qualquer desses casos, o marcapasso cardíaco passa do nodo sinusal para o nodo A-V ou para as fibras excitáveis de Purkinje. Em condições mais raras, um ponto no músculo atrial ou ventricular desenvolve excitabilidade excessiva e torna-se o marcapasso. Um marcapasso em outro local que não o nodo sinusal é denominado marcapasso ectópico. Obviamente, o marcapasso ectópico ocasiona uma seqüência anormal de contrações nas diferentes partes do coração. Outra causa da mudança do marcapasso é o bloqueio da transmissão de impulsos do nodo sinusal para outras partes do coração, que ocorre mais freqüentemente no nodo A-V ou na parte penetrante do feixe A-V a caminho dos ventrículos. Quando ocorre bloqueio A-V, os átrios continuam a bater na freqüência normal do ritmo do nodo sinusal, enquanto um novo marcapasso 101 se instala no sistema de Purkinje dos ventrículos e impulsiona o músculo ventricular com nova freqüência entre 15 e 40 batimentos por minuto. Entretanto, após bloqueio súbito, o sistema de Purkinje só começa a emitir seus impulsos rítmicos 15 a 30 s depois, porque até esse ponto ele estava "hiperestimulado" pelos rápidos impulsos sinusais, encontrandose, por conseguinte, em estado de supressão. Durante esses 5 a 30 s, os ventrículos não bombeiam sangue algum e a pessoa desmaia após os primeiros 4 a 5 segundos, devido à falta de fluxo sanguíneo para o cérebro. Esse retardo da seqüência dos batimentos cardíacos é denominado síndrome de Stokes-Adams. Quando demasiado longo, esse intervalo pode levar à morte. PAPEL DO SISTEMA DE PURKINJE NA CAUSA DA CONTRAÇÃO SINCRÔNICA DO MÚSCULO VENTRICULAR Ficou claro pela descrição anterior do sistema de Purkinje que o impulso cardíaco chega a quase todas as partes dos ventrículos em intervalo de tempo muito curto, excitando a primeira fibra muscular ventricular apenas 0,06 s antes da excitação da última fibra muscular ventricular. Isso faz com que todas as partes do músculo ventricular de ambos os ventrículos comecem a se contrair quase que exatamente ao mesmo tempo. O bombeamento efetivo pelas duas câmaras requer esse tipo sinerônico de contração. Se o impulso cardíaco trafegasse muito lentamente pelo músculo ventricular, grande parte da massa ventricular iria contrair-se antes da contração do resto, caso em que o efeito global de bombeamento ficaria bastante reduzido. De fato, em certos tipos de cardiopatias, algumas das quais são discutidas nos Caps. 12 e 13, há transmissão lenta e a eficácia do bombeamento ventricular diminui, talvez. 20 a 30%. CONTROLE DA RITMICIDADE E CONDUÇÃO CARDÍACAS PELOS NERVOS SIMPÁTICOS E PARASSIMPÁTICOS O coração é suprido tanto de nervos simpáticos como parassimpáticos, conforme ilustrado na Fig. 9.11 do capítulo anterior. Os nervos parassimpáticos (os vagos) distribuem-se principalmente para os nodos sinusal e A-V, em menor escala para o músculo dos dois átrios e menos ainda para o músculo ventricular. Os nervos simpáticos, por outro lado, distribuem-se a todas as partes do coração, com forte representação para o músculo ventricular, assim como para todas as outras áreas. Efeito da estimulação parassimpática (vagal) sobre o ritmo cardíaco e a condução cardíaca - escape ventricular. A estimulação dos nervos parassimpáticos para o coração (os vagos) faz com que o hormônio acetileolinu seja liberado nas terminações vagais. Esse hormônio tem dois efeitos principais sobre o coração. Em primeiro lugar, ele diminui a freqüência do ritmo do nodo sinusal e, segundo, ele diminui a excitabilidade das fibras juncionais A-V entre a musculatura atrial e o nodo A-V, lentificando, assim, a transmissão do impulso cardíaco para os ventrículos. Uma estimulação vagal muito forte pode fazer cessar totalmente a contração rítmica do nodo sinusal ou bloquear por completo a transmissão do impulso cardíaco pela junção A-V. Em qualquer dos casos, não são mais transmitidos impulsos rítmicos para os ventrículos. Estes param de bater por 4 a 10 segundos, mas, então, algum ponto das fibras de Purkinje, geralmente na parte septal ventricular do feixe A-V, desenvolve um ritmo próprio e produz contrações ventriculares com freqüência de 15 a 40 batimentos por minuto. Esse fenômeno é denominado escape ventricular. Mecanismos dos efeitos vagais. A acetileolina liberada nas terminações nervosas vagais aumenta muito a permeabilidade da membrana das fibras ao potássio, o que possibilita o vazamento rápido de potássio para o exterior. Isso causa negatividade aumentada no interior das fibras, um efeito denominado hiperpolarização, que torna o tecido excitável muito menos excitável, como foi explicado no Cap. 5. No nodo sinusal, o estado de hiperpolarização diminui o potencial de membrana "em repouso" das fibras do nodo sinusal para um nível de negatividade consideravelmente inferior ao valor normal, um nível de até - 65 a -75 mV, em vez do nível normal de - 55 a - 60 mV. Como conseqüência, a elevação do potencial de membrana em repouso, ocasionada pelo vazamento de sódio, requer um intervalo muito maior até atingir o potencial limiar de excitação. Evidentemente, isto torna bem mais lenta a freqüência da ritmicidade dessas fibras nodais. Assim também, quando a estimulação vagal é suficientemente forte, é possível fazer cessar totalmente a auto-excitação rítmica desse nodo. No nodo A-V, o estado de hiperpolarização torna difícil às diminutas fibras juncionais excitar as fibras nodais, pois elas só podem gerar pequena quantidade de corrente durante o potencial de ação. Por essa razão, o fator de segurança para a transmissão dos impulsos cardíacos pelas fibras juncionais e até para as fibras nodais diminui. Uma redução moderada desse fator simplesmente retarda a condução dos impulsos, mas uma diminuição do fator de segurança abaixo da unidade (o que significa um nível tão baixo que o potencial de ação de uma fibra não pode causar potencial de ação na parte subseqüente da fibra) bloqueia totalmente a condução. Efeito da estimulação simpática sobre o ritmo cardíaco e a condução cardíaca. A estimulação simpática produz efeitos basicamente opostos dos ocasionados pela estimulação vagal, da seguinte maneira: em primeiro lugar, ela aumenta a freqüência de descarga do nodo sinusal; depois ela aumenta a velocidade da condução e, também, o nível de excitabilidade em todas as partes do coração; por fim, ela aumenta muito a força de contração de toda a musculatura cardíaca, tanto atrial como ventricular, conforme discutido no capítulo anterior. Em suma, a estimulação simpática aumenta a atividade global do coração. A estimulação máxima pode quase triplicar a freqüência dos batimentos cardíacos e até duplicar a força de contração do coração. Mecanismo do efeito simpático. A estimulação dos nervos simpáticos libera o hormônio norepinefrina nas terminações nervosas simpáticas. O mecanismo exato pelo qual esse hormônio atua sobre as fibras musculares cardíacas ainda é algo duvidoso, mas a opinião atual é a de que ele aumenta a permeabilidade da membrana das fibras ao sódio e ao cálcio. No nodo sinusal, um aumento da permeabilidade ao sódio ocasiona um potencial de repouso mais positivo e uma elevação mais rápida do potencial de membrana até o nível limiar de autoexcitação. ambos, evidentemente, capazes de acelerar o início da auto-excitação, aumentando, portanto, a freqüência cardíaca. No nodo A-V, a maior permeabilidade ao sódio torna mais fácil ao potencial de ação excitar a parte subseqüente da fibra de condução, diminuindo, assim, o tempo de condução dos átrios para os ventrículos. O aumento da permeabilidade aos íons cálcio é. pelo menos, parcialmente responsável pelo aumento da força contrátil do músculo cardíaco sob influência da estimulação simpática, porque os íons cálcio têm papel muito importante no desencadeamento do processo contrátil das miofibrilas. REFERÊNCIAS Akera, T., and Brody, T. M.: Myocardial rnembranea: Regulation and func tion of the sodium pump. Annu. Rev. Physiol., 44:37.% 1982. Brown, H. R: Electrophysiology of the einoatrial node. Phyaiol. Rev., 62:505, 1982. 102 Brutsaert, D. L., and Paulus, W. J.: Contraction and relaxation of the heart asmuscle and pump. In Guyton, A. C, and Young, D. B. (eds.): InternationalReview of Physiology: Cardiovascular Physiology III. Vol. 18. Baltimore, TJniversity Park Press, 1979, p. 1. DiFranceaco, D., and Noble, D.: A mudei of cardiac eléctrica] activity incorporating ionic pumps anil concentration changes. Phil. Trans. R. Soe. Lond. (Biol.), 307:353, ;985. Ellis, D.: Na-Ca exchange in cardiac tissues. Adv. Myocardiol., 5:295,1985. Farah, A. E., et ai.: Positive inotropic agents. Annu. Rev. Pharmacol. Toxicol-, 24:275, 1985. Fozzard, H. A.: Heart: Excitation-contraction coupling. Annu. Rev. Physol., 39:201,1977. Fozzard, H. A., et ai.: The Heart and Cardiovascular System: Scientific Foundations. New York, Raven Presa, 1986. Geddes, L. A.: Cardiovascular Medicai Devices. New York, John Wiley & Sons, 1984. Gilmour, R. F., Jr., and Zipes, D. P.: Slow inward current and cardiac arrhythmias. Am. J. Cardiol., 55:89B, 1985. Glitsch, H. G.: Electrogenic Na pumping in the heart. Annu. Rev. Physiol., 44:389, 1982. Gravanis, M. B. (ed.): Cardiovascular Pathophysiology. New York, McGraw Hill Rook Co, 1987. Guyton, A. C, and Sattertield, J.: Factors concerned in electrical defihrillation of the heart, particularly through the unopened chest. Am. J. Physiol., 167:81, 1951. Herbette, L., et ai.: The interaction of drugs with the sarcoplasmic reticulum.Annu. Rev. Pharmacol. Toxicol., 22:413, 1982. Hondeghem, L. M., and Katzung, B. G.: Antiarrhythmic agents: The modulated receptor mechanism of action of sodium andcalcium channel-blocking drugs. Annu. Rev. Pharmacol. Toxicol., 24:387, 1984. Irisawa, H.: Comparative physiology of the cardiac pacemaker mechanism. Physiol. Rev., 58:461, 1984. Josephson, M. E., and Singh, B. N.: Use of ca lei um antagonists in ventricular dysfunction. Am. J. Cardiol., 55:8lB, 1985. Langer, G. A.: Sodium-calcium exchange in the heart. Annu. Rev. Phyaiol., 44:435, 1982. Latorre, R., et ai.: K+ channels gated by voltage and ions. Annu. Rev. Physiol., 46:485, 1984. Lazdunski, M., and Renaud, J. F.: The action of cardiotoxina on cardiac plasma membranes. Annu. Rev. Physiol, 44:463, 1982. Levy, M. N., and Martin, P. J.: Neural control of the heart. In Berne, R. M., et ai. (eds.): Handbook of Physiology. Sec. 2, Vol. I. Baltimore, Williams & Wilkins, 1979, p. 581. Levy, M. N, et ai.: Neural regulation of the heart beat. Annu. Rev. Physiol., 43:443, 1981. Loewenstein, W. R.: Junctional intercellular communícation: the cell-to-cell membrane channel. Physiol. Rev., 61:829, 1981. Mazzanti, M, and DeFeiice, L. J.: K channel kineticsduringthe spontaneoua heart beat in embryonic chick ventricle cells. Biophys. J., 54:1139, 1988. Mazzanti, M, and DeFeiice, L. J.: Na channel kineties duhng the spontaneous heart beat in embryonic chick ventricle cells. Biophys. J., 52:95,1987. Mazzanti, M, and DeFeiice, L. J.: Regulation of the Na-conducting Ca channel during the cardiac action potential. Biophys. .1, 51:115, 1987. McAnulty, J., and Rahimtoola, S.: Prognosis in bundle branch hlock. Annu.Rev. Med, 32:499, 1981. McDonald, T. F.: The slow inward calcium current in the heart. Annu. Rev. Physiol., 44:425, 1982. Meijler, F. L.: Atrioventricular conduetíon versus heart size from mouse to whale. J Am. Coll. Cardiol., 5:363, 1985. Meijler, F. L., and Janse, M. J.: Morphology and eleçtrophysiology of the mammalian atrioventricular node. Physiol. Rev., 68:608, 1988. Orrego F.: Calcium and the mechanism of action of digital is. Gen. Pharmacol, 15:273, 1984. Reuter, H.: Ion channels in cardiac cell membranes. Annu. Rev. Physiol., 44:473, 1984. Sheridan, J. D., andAtkinson, M. M.: Physiological roles ofpermeablejunctions: Some possibilities. Annu. Rev. Physiol., 47:337,1985. Spear, J. F., and Moore, E. N.: Mechanisms of cardiac arrhythmias. Annu Rev. Physiol., 44:485, 1982. Sperelakis, N.: Hormonal and neurotransmitter regulation of Ca in Huxthrough voltage-dependent slow channels in cardiac muscle membrane. Membr. Biochem, 5:131, 1984. Vasselle, M.: Electrogenesis of the plateau and pacemaker potential. Annu.Rev. Physioi- 41:425, 1979. Verrier, R. L., and Lown, B.: Behavioral stress and cardiac arrhythmias.Annu. Rev. Physiol, 46:155, 1984. (Ver também o Cap. 9.) 103 CAPÍTULO 11 O Eletrocardiograma Normal À medida que o impulso cardíaco se propaga pelo coração, correntes elétricas se difundem para os tecidos que circundam o coração e uma pequena proporção delas percorre todo o trajeto até a superfície do corpo. Quando são colocados eletródios na pele em lados opostos do coração, os potenciais elétricos gerados por essas correntes podem ser registrados; o registro é conhecido como eletrocardiograma. Um eletrocardiograma normal com dois batimentos cardíacos é ilustrado na Fig. 11.1. CARACTERÍSTICAS DO ELETROCARDIOGRAMA NORMAL O eletrocardiograma normal (Fig. 11.1) é composto pela onda P, pelo "complexo QRS" e pela onda T. O complexo QRS é com freqüência constituído por três ondas distintas, a onda Q, a onda R e a onda S. A onda P é causada por potenciais elétricos gerados quando os átrios se despolarizam antes da contração. O complexo QRS é causado por potenciais gerados quando os ventrículos se despolarizam antes da contração, ou seja, quando a onda de despolarização se difunde pelos ventrículos. Tanto a onda P como os componentes do complexo QRS. portanto, são ondas de despolarização. A onda T é causada por potenciais gerados enquanto os ventrículos se recuperam do estado de despolarização. Esse processo no músculo ventricular ocorre 0,25 a 0,35 s após a despolarização, sendo esta onda conhecida como onda de repolarização. O eletrocardiograma é, pois, constituído tanto por ondas de despolarização como de repolarização. Os princípios da despolarização e da repolarização são discutidos no Cap. 5. Entretanto, a distinção entre as ondas de despolarização e as ondas de repolarização é tão importante que precisa ser melhor esclarecida, da maneira que se segue. Fig. 1 1. 1 O eletrocardiograma normal. ambos os eletródios encontram-se agora em áreas com igual negatividade. A onda completa é uma onda de despolarização porque decorre da propagação da despolarização por toda a extensão da fibra muscular. A Fig. 11.2C mostra o processo de repolarização na fibra muscular, que já chegou à metade da fibra, da esquerda para a direita. Nesse ONDAS DE DESPOLARIZAÇÃO VERSUS ONDAS DE REPOLARIZAÇÃO A Fig. 11.2 apresenta uma fibra muscular em quatro diferentes estágios de despolarização e repolarização. Durante o processo de despolarização, o potencial negativo normal no interior da fibra é perdido e o potencial de membrana até se inverte; ou seja, ele fica ligeiramente positivo internamente e negativo externamente. Na Fig. 11.2A, o processo de despolarização, representado pelas cargas vermelhas positivas do lado interno e as negativas do lado de fora, está indo da esquerda para a direita e a primeira metade da fibra já se despolarizou, enquanto a metade restante ainda está polarizada. Por esta razão, o eletródio esquerdo sobre a fibra ainda está em área de negatividade, enquanto o eletródio direito encontra-se numa área de positividade; isto faz o medidor ter um registro positivo. À direita da fibra muscular é mostrado o registro do potencial entre os eletródios. captado por um aparelho de registro de alta velocidade nesse estágio específico da despolarização. Note que, quando a despolarização chega à marca da metade do caminho, o registro se eleva ao valor máximo. Na Fig. 11.2B, a despolarização já se estendeu por toda a fibra muscular c o registro da direita já retornou ao valor basal zero, porque Fig. 11.2 Registro da onda de despolarização e da onda de repolarização de uma fibra muscular cardíaca. 104 ponto, o eletródio da esquerda encontra-se em área de positividade, enquanto o da direita está em área de negatividade. Isto é o contrário da polaridade na Fig. 11.2A. Por conseguinte, o registro, conforme é mostrado à direita, fica negativo. Na Fig. 11.2D, a fibra muscular já se repolarizou inteiramente e ambos os eletródios encontram-se em áreas de positividade, de modo que não é registrado qualquer potencial entre eles. Assim sendo, no registro à direita, o potencial volta novamente ao nível zero. Esta onda negativa completada é uma onda de repolarização porque decorre da propagação do processo de repolarização pela fibra muscular. Relação do potencial de ação monofásico do músculo cardíaco para com as ondas QRS e T. O potencial de ação monofásico do músculo ventricular, discutido no capítulo anterior, dura normalmente entre 0,25 e 0,35 s. A parte superior da Fig. 11.3 mostra um potencial de ação monofásico registrado por um microeletródio inserido dentro de fibra muscular ventricular única. A deflexão para cima deste potencial de ação é ocasionada pela despolarização, e seu retorno ao nível basal é causado pela repolarização. Note, na parte inferior da figura, o registro simultâneo do eletrocardiograma desse mesmo ventrículo, que mostra a onda QRS aparecendo ao início do potencial de ação monofásico e a onda T aparecendo ao final do mesmo. Observe, em especial, que absolutamente nenhum potencial é registrado no eletrocardiograma quando o músculo ventricular está inteiramente polarizado ou totalmente despolarizado. Somente quando o músculo está parcialmente polarizado ou parcialmente despolarizado é que correntes fluem de uma para outra parte dos ventrículos e, portanto, também para a superfície do corpo para produzir o eletrocardiograma. RELAÇÃO ENTRE A CONTRAÇÃO ATRIAL E VENTRICULAR E AS ONDAS DO ELETROCARDIOGRAMA Antes que possa ocorrer a contração muscular, a despolarização tem de se propagar pelo músculo para dar início aos processos químicos da contração. A onda P ocorre, portanto, imediatamente antes do início da contração dos átrios e a onda QRS imediatamente antes do início da contração dos ventrículos. Os ventrículos permanecem contraídos por até alguns milissegundos após ter havido a repolarização, ou seja, até depois do final da onda T. A onda de repolarização ventricular é a onda T do eletrocardiograma normal. Comumente, o músculo ventricular começa a repolarizar-se em algumas fibras aproximadamente 0,20 s após o início da onda de despolarização, mas, em muitas outras, somente após 0,35 s. O processo de repolarização estende-se, pois, por longo período, cerca de 0,15 s. Por esta razão, a onda T no eletrocardiograma normal é com freqüência uma onda prolongada, mas sua voltagem é consideravelmente menor que a do complexo QRS, em parte devido à sua longa duração. Os átrios se repolarizam aproximadamente 0,15 a 0,20 s após a onda P. Entretanto, isso ocorre exatamente no momento em que a onda QRS está sendo registrada no eletrocardiograma. Em vista disso, a onda de repolarização atrial. conhecida como onda T atrial, é em geral totalmente obscurecida pela onda QRS, muito maior. Por esta razão, a onda T atrial só muito raramente é observada ao eletrocardiograma. CALIBRAÇÃO DA VOLTAGEM E DO TEMPO NO ELETROCARDIOGRAMA Todos os registros eletrocardiográficos são feitos com as linhas apropriadas de calibragem no papel de registro. Essas linhas ou já são marcadas no papel, como ocorre quando é utilizado um aparelho de registro a tinta, ou são registradas no papel ao mesmo tempo que o eletrocardiograma é registrado, como é o caso dos tipos fotográficos de eletrocardiógrafos. Como é mostrado no Fig. 11.1, as linhas horizontais de calibração são dispostas de tal forma que 10 pequenas divisões para cima ou para baixo, no eletrocardiograma-padrão, representam 1 milivolt (mV), com a positividade na direção ascendente e a negatividade na direção descendente. As linhas verticais no eletrocardiograma são linhas para a calibração do tempo. Cada 2,5 cm na direção horizontal equivalem a 1 segundo, sendo este segmento, por sua vez, dividido geralmente em cinco partes por linhas verticais escuras; os intervalos entre essas linhas representam 0,20 s. Esses intervalos são. então, divididos em cinco intervalos menores por linhas finas, e cada um deles representa 0,04 s. Voltagens normais no eletrocardiograma. A voltagem das ondas no eletrocardiograma normal depende da maneira pela qual os eletródios são aplicados à superfície do corpo. Quando um eletródio é colocado diretamente sobre o coração e o segundo sobre outra parte do corpo, a voltagem do complexo QRS pode ser de até 3 a 4 mV. Até mesmo esta voltagem é muito pequena, em comparação com o potencial de ação monofásico de 110 mV, registrado diretamente na membrana do músculo cardíaco. Ao serem registrados eletrocardiogramas, a partir de eletródios nos dois braços ou em um braço e numa perna, a voltagem do complexo QRS 6 geralmente de aproximadamente 1 mV da parte superior da onda R até a parte inferior da onda S; a voltagem da onda P fica entre 0,1 e 0,3 mV; e a da onda T, entre 0,2 e 0,3 mV. O intervalo P-Q ou P-R. O tempo que transcorre do início da onda P ao início da onda QRS é o intervalo entre o início da contração do átrio e o início da contração ventricular. Esse período é denominado intervalo P-Q. O intervalo P-Q normal é de aproximadamente 0,16 s. Este intervalo é ocasionalmente também designado como intervalo P-R, porque a onda Q muitas vezes está ausente. O intervalo Q-T. A contração do ventrículo dura quase do início da onda Q ao fim da onda T. Este intervalo é denominado intervalo Q-T, sendo habitualmente de 0,35 s. A freqüência do coração determinada eletrocardiograficamente. A freqüência dos batimentos cardíacos pode ser facilmente determinada eletrocardiograficamente, porque o intervalo temporal entre dois batimentos sucessivos é a recíproca da freqüência cardíaca. Quando o intervalo entre dois batimentos, determinado pelas linhas de calibragem do tempo, é de 1 s, a freqüência cardíaca é de 60 batimentos por minuto. O intervalo normal entre dois complexos QRS sucessivos é de aproximadamente 0,83 s. Isto corresponde a uma freqüência cardíaca de 60/0,83 vezes por minuto, ou 72 batimentos por minuto. MÉTODOS PARA O ELETROCARDIOGRAMAS REGISTRO DE As correntes elétricas geradas pelo músculo cardíaco, durante cada batimento cardíaco, por vezes apresentam alterações de potenciais e polaridade em menos de 0,01 s. É essencial, portanto, que qualquer aparelho para registro de eletrocardiogramas seja capaz de responder rapidamente a essas alterações dos potenciais elétricos. Em geral, dois tipos diferentes de aparelhos de registro são utilizados para este fim, da seguinte forma: O APARELHO DE PENA Fig 11.3 Acima: Potencial de ação monofásico de uma fibra muscular ventricular durante a função cardíaca normal, mostrando a despolarização rápida e, depois, a repolarização ocorrendo lentamente durante o estágio de platô, porém muito rapidamente próximo do final. Abaixo: Eletrocardiograma registrado simultaneamente. Muitos aparelhos eletrocardiográficos clínicos modernos empregam registrador de inscrição direta que faz o registro escrito do eletrocardiograma diretamente por pena inscritora em folha de papel móvel. 105 A pena é freqüentemente um tubo fino ligado a um tinteiro em uma de suas extremidades, com sua extremidade de registro ligada a um potente sistema eletromagnético que é capaz de mover a pena para cima e para baixo com alta velocidade. À medida que o papel se move para a frente, a pena registra o eletrocardiograma. O movimento da pena é, por sua vez, controlado por meio de amplificadores eletrônicos apropriados, ligados aos eletródios eletrocardiográficos no paciente. Outros sistemas de registradores inscritores utilizam um papel especial que não requer tinta no estilete de registro. Um desses papéis fica negro ao ser exposto ao calor; o estilete propriamente dito é muito aquecido pelas correntes elétricas que fluem por sua extremidade. Outro tipo enegrece quando correntes elétricas fluem da extremidade da pena e através do papel para um eletródio atrás do mesmo. Isso produz uma linha preta em todos os pontos do papel tocados pela agulha. FLUXO DE CORRENTE EM TORNO CORAÇÃO DURANTE 0 CICLO CARDÍACO DO REGISTRO DE POTENCIAIS ELÉTRICOS A PARTIR DE UMA MASSA DE MÚSCULO CARDÍACO SINCICIAL PARCIALMENTE DESPOLARIZADO A Fig. 11.4 mostra uma massa sincicial de músculo cardíaco que foi estimulada em seu ponto mais central. Antes da estimulação, as partes externas de todas as células musculares estavam positivas e as internas, negativas. Entretanto, por razões apresentadas no Cap. 5, na discussão dos potenciais de membrana, logo que uma área do sincício cardíaco fica despolarizada, cargas negativas vazam para a parte externa das fibras musculares despolarizadas, tornando eletronegativa esta superfície representada pelos sinais negativos na figura, relativamente à superfície restante do coração que ainda se encontra polarizada da maneira normal, representada pelos sinais positivos. Por esta razão, um medidor ligado por seu terminal negativo à área de despolarização e por seu terminal positivo a uma das áreas ainda polarizadas, ilustradas à direita da figura, registra positivamente. Duas outras possíveis colocações de eletródios e leituras do medidor são também mostrados na Fig. 11.4. Elas devem ser estudadas cuidadosamente e o leitor deve ser capaz de explicar as causas das respectivas leituras do medidor. Obviamente, como o processo de despolarização espalha-se em todas as direções pelo coração, as diferenças de potencial mostradas na figura duram apenas alguns milissegundos e as medidas da voltagem real só podem ser feitas por um aparelho de registro com alta velocidade. FLUXO DE CORRENTES ELÉTRICAS EM TORNO DO CORAÇÃO NO TÓRAX A Fig. 11.5 mostra o músculo ventricular no interior do tórax. Até mesmo os pulmões, embora cheios principalmente de ar, conduzem eletricidade em grau surpreendente e os líquidos de outros tecidos circundando o coração conduzem eletricidade com facilidade ainda maior. Fig. 11.5 Fluxo de corrente no tórax em torno de um coração parcialmente despolarizado. O coração encontra-se, pois, suspenso de fato em meio condutor. Quando uma parte dos ventrículos fica eletronegativa relativamente ao restante, uma corrente elétrica flui da área despolarizada para a polarizada por grandes vias, como é mostrado na figura. Deve-se recordar da discussão do sistema de Purkinje no Cap. 10 que o impulso cardíaco chega inicialmente aos ventrículos pelo septo e, logo depois, atinge as superfícies endocárdicas do resto dos ventrículos, como é mostrado pelas áreas coloridas e os sinais negativos na Fig. 11.5. Isto gera uma eletronegatividade no interior dos ventrículos e eletropositividade nas paredes externas dos ventrículos e a corrente flui através dos líquidos que circundam os ventrículos seguindo trajetórias elípticas, como é mostrado na figura. Caso se faça uma média algébrica de todas as linhas de fluxo de corrente (as linhas elípticas), verifica-se que o fluxo médio de corrente, na direção do negativo para o positivo, é da base para o ápice do coração. Durante a maior parte do restante do processo de despolarização, a corrente continua a fluir nesta direção. enquanto a despolarização se propaga da superfície endocárdica para fora através da massa ventricular. Contudo, imediatamente antes da despolarização ter completado seu trajeto pelos ventrículos, a direção do fluxo de corrente se inverte por cerca de 1/100 segundo, fluindo, então, do ápice para a base, porque a última parte do coração a se despolarizar são as paredes externas dos ventrículos próximas à base do coração. Assim, no coração normal, acorrente flui principalmente na direção da base para o ápice durante quase todo o ciclo de despolarização, exceto bem ao fim deste. Quando um medidor é ligado à superfície do corpo, portanto, como é mostrado na Fig. 11.5, o eletródio mais próximo da base vai ser positivo e o registrador vai apresentar onda positiva no eletrocardiograma. DERIVAÇÕES ELETROCARDIOGRÁFICAS AS TRÊS DERIVAÇÕES BIPOLARES DOS MEMBROS A Fig. 11.6 mostra as conexões elétricas entre os membros e o eletrocardiógrafo para o registro de eletrocardiogramas pelas chamadas derivações bipolares-padrão dos membros. O termo "bipolar" significa que o eletrocardiograma é registrado a partir de dois eletródios específicos sobre o corpo, neste caso, nos membros. Assim, uma “derivação” não é um fio individual ligado ao corpo, mas uma combinação de dois fios e seus eletródios, formando um circuito completo com o eletrocardiógrafo. O eletrocardiógrafo, em cada caso, é ilustrado por medidores mecânicos no diagrama, embora o aparelho seja, de fato, um registrador de alta velocidade em papel móvel. Fig. 11.4 Potenciais instantâneos desenvolvidos na superfície de uma massa muscular cardíaca que foi despolarizada em seu centro Derivação I. No registro da derivação I dos membros o terminal negativo do eletrocardiógrafo é ligado ao braço direito e o terminal positivo, ao braço esquerdo. Assim, quando o ponto no tórax em que o braço direito se fixa ao tórax apresenta-se eletronegativo relativamente ao ponto de união do braço esquerdo, o eletrocardiógrafo registra positivamente - ou seja, acima da linha de voltagem zero no eletrocardiograma. Quando ocorre o contrário, o eletrocardiograma registra abaixo da linha. 106 Fig. 11.7 Eletrocardiogramas normais registrados a partir das três derivações eletrocardiográficas-padrão. Fig. 11.6 Arranjo convencional dos eletródios para o registro das derivações eletrocardiográficas-padrão. O triângulo de Einthoven está superposto ao tórax. Derivação II. No registro da derivação II dos membros, o terminal negativo do eletrocardiógrafo está ligado ao braço direito e o terminal positivo, à perna esquerda. Assim, quando o braço direito apresenta-se negativo em relação à perna esquerda, o eletrocardiógrafo registra positivamente. Derivação III. No registro da derivação III dos membros, o terminal negativo do eletrocardiógrafo está ligado ao braço esquerdo, e o terminal positivo, à perna esquerda. Isto quer dizer que o eletrocardiógrafo registra positivamente quando o braço esquerdo encontra-se negativo relativamente à perna esquerda. Triângulo de Einthoven. Na Fig. 11.6, um triângulo denominado triângulo de Einthoven está desenhado em torno da área do coração. Este é um meio esquemático de mostrar que os dois braços e a perna formam os vértices de um triângulo circundando o coração. Os dois vértices na parte superior do triângulo representam os pontos em que os dois braços se ligam eletricamente aos líquidos em volta do coração c o vértice inferior é o ponto em que a perna se liga aos líquidos. Lei de Einthoven. A lei de Eintohoven diz, simplesmente, que, se a qualquer instante forem conhecidos os potenciais elétricos de duas quaisquer das três derivações eletrocardiográficas bipolares dos membros, a terceira poderá ser determinada matematicamente a partir das duas conhecidas pela simples soma das mesmas (note, porém, que os sinais negativos e positivos das diferentes derivações têm de ser observados ao se fazer essa soma). Suponhamos, por exemplo, conforme mostra a Fig. 11.6, que, momentaneamente, o braço direito é 0,2 mV negativo em relação ao potencial médio do corpo, o braço esquerdo é 0,3 mV positivo e a perna esquerda é 1,0 mV positiva. Observando-se os medidores na figura, pode-se ver que a derivação I registra diferença de potencial de 0,5 mV, porque esta é a diferença entre os - 0,2 mV no braço direito e os + 0,3 mV no braço esquerdo. Da mesma forma, a derivação III registra potencial positivo de 0,7 mV e a derivação II registra potencial positivo de 1,2 mV, porque essas são as diferenças de potencial instantâneas entre os respectivos pares de membros. Note. agora, que a soma das voltagens nas derivações I e III equivale à voltagem da derivação II. Ou seja, 0,5 mais 0,7 é igual a 1.2. Matematicamente, este princípio, denominado Lei de Binthoven, é verdadeiro para qualquer instante em que o eletrocardiograma esteja sendo registrado. Eletrocardiogramas normais registrados a partir das três derivações bipolares dos membros. A Fig. 11.7 mostra registros simultâneos do eletrocardiograma nas derivações I, II e III. Essa figura deixa claro que os eletrocardiogramas nessas três derivações são muito semelhantes entre si, pois todos eles registram ondas P positivas e ondas T positivas e a parte principal do complexo QRS também é positiva em cada eletrocardiograma. Pela análise dos três eletrocardiogramas pode-se mostrar, com medidas cuidadosas, que, a qualquer instante, a soma dos potenciais nas derivações I e III é igual ao potencial na derivação II, ilustrando, assim, a validade da lei de Einthoven. Como os registros de todas as derivações bipolares são semelhantes uns aos outros, não importa muito qual é a derivação registrada quando se quer diagnosticar as diferentes arritmias cardíacas, pois o diagnóstico das arritmias depende principalmente das relações temporais entre as diferentes ondas do ciclo cardíaco. Por outro lado, quando se deseja diagnosticar lesões do músculo ventricular ou atrial ou do sistema de condução, é de fato muito importante quais são as derivações registradas, pois as anormalidades do músculo cardíaco alteram acentuadamente os padrões eletrocardiográficos em algumas derivações e podem, apesar disto, não afetar outras derivações. A interpretação eletrocardiográfica desses dois tipos de condições - miopatias cardíacas e arritmias cardíacas - é discutida separadamente nos dois capítulos que se seguem. DERIVAÇÕES TORÁCICAS (DERIVAÇÕES PRECORDIAIS) Muitas vezes, os eletrocardiogramas são registrados com um eletródio colocado na superfície anterior do tórax por sobre o coração em um dos seis pontos vermelhos distintos da Fig. 11 .S. Esse eletródio liga-se ao terminal positivo do eletrocardiógrafo, enquanto o eletródio negativo, denominado eletródio indiferente, é normalmente ligado, por resistências elétricas. ao braço direito, braço esquerdo e perna esquerda, todos ao mesmo tempo, como também é mostrado na figura. Geralmente, seis derivações torácicas - padrão diferentes são registradas a partir da parede anterior do tórax, sendo o eletródio torácico colocado, respectivamente, nos seis pontos ilustrados no diagrama. Os diferentes registros obtidos pelo método ilustrado na Fig. 11.8 são conhecidos como derivações V2+ V3+ V4+ V5+ , e V6+ 107 Fig. 11.10 Eletrocardiogramas normais registrados a partir das três derivações unipolares aumentadas dos membros Nas derivações V, e V2, os registros de QRS do coração normal são em grande parte negativos porque, como é mostrado na Fig. 11.8, o eletródio torácico nessas derivações está mais próximo da base que do ápice do coração, que é a direção da eletronegatividade durante a maior parte do processo de despolarização. Por outro lado, os complexos QRS nas derivações V4, V, r Vft são, em grande parte, positivos, porque o eletródio torácico nessas derivações está mais próximo do ápice, que é a direção da eletropositividade durante a maior parte da despolarização. Fig. 11.8 Conexões do corpo ao eletrocardiógrafo para o registro das derivações precordiais. DERIVAÇÕES UNIPOLARES AUMENTADAS DOS MEMBROS Outro sistema de derivações em uso geral é o da derivação unipolar aumentada dos membros. Nesse tipo de registro, dois dos membros são ligados, por resistências elétricas, ao terminal negativo do eletrocardiógrafo, enquanto o terceiro membro está ligado ao terminal positivo. Quando o terminal positivo está no braço direito, a derivação é conhecida como a derivação AvR ; quando no braço esquerdo, derivação AvL; e quando na perna esquerda, derivação aVF. Registros normais das derivações unipolares aumentadas dos membros são mostrados na Fig. 11.10. Eles são todos semelhantes aos registros das derivações-padrão dos membros, exceto que o registro da derivação aVR está invertido. REFERÊNCIAS Ver referências do Cap. 13. Fig. 11.9 Eletrocardiogramas normais registrados a partir das seis derivações precordiais. A Fig. 11.9 apresenta os eletrocardiogramas do coração normal registrados a partir dessas seis derivações torácicas-padrão. Como as superfícies cardíacas estão próximas à parede torácica, cada derivação precordial! registra principalmente o potencial elétrico da musculatura cardíaca imediatamente abaixo do eletródio. Por conseguinte, anormalidades relativamente pequenas dos ventrículos, sobretudo na parede ventricular anterior, causam muitas vezes alterações acentuadas nos eletrocardiogramas registrados a partir das derivações torácicas. 108 CAPÍTULO 12 Interpretação Eletrocardiográfica das Anormalidades Coronárias e do Músculo Cardíaco: Análise Vetorial A discussão da transmissão de impulsos pelo coração, no Cap. 10, deixou claro que qualquer alteração do padrão dessa transmissão pode causar potenciais elétricos anormais em torno do coração, e, por conseguinte, alterar a forma das ondas do eletrocardiograma. Por esta razão, quase todas as anormalidades graves do músculo cardíaco podem ser detectadas pela análise do contorno das diferentes ondas nas diferentes derivações eletrocardiográficas. Este é o tema deste capítulo. PRINCÍPIOS DA ANÁLISE ELETROCARDIOGRAMAS VETORIAL DOS USO DE VETORES PARA REPRESENTAR POTENCIAIS ELÉTRICOS Antes que se possa saber como as anormalidades cardíacas afetam o contorno das ondas no eletrocardiograma, devemos, inicialmente, familiarizar-nos com o conceito de vetores e a análise vetorial aplicados aos potenciais elétricos do coração e em seu redor. Em diversas ocasiões, no capítulo anterior, foi ressaltado que as correntes fluem no coração numa direção específica em determinado momento do ciclo cardíaco. Um vetor é uma seta apontada para a direção do potencial elétrico gerado pelo fluxo de corrente, com a ponta da seta voltada para a direção positiva. Assim também, por convenção, a seta é desenhada em tamanho proporcional à voltagem do potencial. O vetor "resultante" no coração em um momento qualquer. A Fig. 12.1 mostra, através da área sombreada e dos sinais negativos, a despolarização do septo ventricular e de partes das paredes endocárdicas laterais dos dois ventrículos. As correntes elétricas fluem entre essas áreas despolarizadas, no interior do coração, para as áreas nãodespolarizadas, no lado externo do coração, como indicam as setas elípticas. As correntes também fluem pelo interior das câmaras cardíacas, diretamente das áreas despolarizadas para as áreas polarizadas. Embora pequena quantidade de corrente flua para cima dentro do coração, uma quantidade consideravelmente maior flui para baixo, por fora dos ventrículos, em direção ao ápice. Por esta razão, o vetor somado do potencial gerado nesse momento específico, denominado vetor instantâneo médio, é representando como passando pelo centro dos ventrículos, na direção da base para o ápice do coração. Além disso, como essas correntes são quantitativamente consideráveis, o potencial é grande, de modo que o vetor é relativamente longo. DENOTANDO A DIREÇÃO DE UM VETOR EM TERMOS DE GRAUS Quando um vetor é horizontal e dirigido para o lado esquerdo do indivíduo, diz-se que ele se estende na direção de 0 grau, como é mostrado na Fig. 12.2. A partir deste ponto de referência zero, a escala de vetores gira no sentido horário; quando se estende de cima para baixo, o vetor tem direção de 90°; quando vai da esquerda para a direita do indivíduo, o vetor Tem direção de 180° e quando se estende para cima, tem direção de -90 ou +270°. No coração normal, a direção média do vetor do coração durante a difusão da onda de despolarização pelos ventrículos, denominado vetor médio do QRS, é de aproximadamente 59°, o que é ilustrado pelo vetor A, que passa pelo centro da Fig. 12.2, na direção de 59º. Isto indica que, durante a maior parte da onda de despolarização, o ápice do coração permanece positivo relativamente à base, como é discutido mais adiante no capítulo. “EIXO” DE CADA UMA DAS DERIVAÇÕES BIPOLARES E UNIPOLARES DOS MEMBROS No capítulo anterior foram descritas as três derivações bipolares e as três derivações unipolares dos membros. Cada derivação é, na verdade, um par de eletródios ligados ao corpo, nos lados opostos do coração, e a direção do eletródio negativo para o positivo é denominada eixo da derivação. A derivação I é registrada a partir de dois eletródios colocados, respectivamente, nos dois braços. Como os eletródios estão na direção horizontal, com o eletródio positivo para a esquerda, o eixo da derivação I é de 0". Ao registrar-se a derivação II, os eletródios são colocados no braço direito e na perna esquerda. O braço direito liga-se ao tronco no canto superior direito e a perna esquerda, ao canto inferior esquerdo. Por esta razão, a direção desta derivação é de aproximadamente 60º. Por uma análise semelhante, pode-se ver que a derivação III tem seu eixo com aproximadamente 120º; a derivação AvR, 210°; AvF, 90°; e aVL, -30º. A direção do eixo de todas essas diferentes derivações é mostrada no diagrama da Fig. 12.3, que é conhecido como sistema hexagonal de referência. As polaridades dos eletródios são representadas pelos sinais de mais e menos. O leitor tem de aprender esses eixos e suas polaridades, especialmente no que concerne às derivações bipolares dos membros I, II e III, para compreender o restante deste capítulo. ANÁLISE VETORIAL DOS POTENCIAIS REGISTRADOS NAS DIFERENTES DERIVAÇÕES Agora que já discutimos as convenções para a representação de potenciais no coração por meio de vetores e segundo os eixos das derivações, torna-se possível reunir-se os dois para determinar o potencial que vai ser registrado em cada derivação para um dado vetor no coração. A Fig. 12.4 mostra um coração parcialmente despolarizado; o vetor 109 Fig. 12.1 Um vetor médio através do coração parcialmente despolarizado. A representa a direção instantânea média do fluxo de corrente no coração e seu potencial. Neste caso, a direção do potencial é de 55º e a voltagem do potencial vai ser considerada como sendo de 2 mV. Pela base do vetor A é traçado o eixo da derivação I na direção 0". Para determinar-se à parte da voltagem do vetor A que vai ser registrada na derivação I, traça-se uma perpendicular do ponto do vetor A até o eixo da derivação I, e o chamado vetor projetado (B) é traçado ao longo do eixo. A ponta deste vetor aponta para a extremidade positiva do eixo da derivação I, o que indica que o registro que está sendo momentaneamente obtido na derivação I do eletrocardiograma vai ser positivo. A voltagem registrada vai ser igual ao comprimento de B dividido pelo de A vezes 2 mV, ou aproximadamente 1 mV. A Fig. 12.5 apresenta outro exemplo de análise vetorial. Neste exemplo, o vetor A representa o potencial elétrico em determinado momento da despolarização ventricular em outro coração, no qual o lado esquerdo fica despolarizado pouco mais rapidamente que o direito. Neste caso, o vetor tem a direção de 100" e a voltagem é novamente de 2 mV. Para determinar o potencial registrado de fato na derivação I, traçamos uma perpendicular ate o eixo da derivação I e encontramos o vetor projetado B. O vetor B é muito curto e, desta vez, está na direção negativa, indicando que, nesse momento específico, o registro na derivação I vai ser negativo (abaixo da linha zero) e a voltagem registrada vai ser pequena. Esta figura mostra que, quando o vetor do coração está em direção quase perpendicular ao eixo da derivação, a voltagem Fig. 12.3 Eixos das três derivações bipolares e das três derivações unipolares. registrada no eletrocardiograma nessa derivação é muito baixa. Por outro lado, quando o vetor do coração tem quase que o mesmo eixo da derivação, praticamente toda a voltagem do vetor vai ser registrada. Análise vetorial de potenciais nas três derivações bipolares - padrão dos membros. Na Fig. 12.6, o vetor A representa o potencial elétrico instantâneo de um ventrículo parcialmente despolarizado. Para se determinar o potencial registrado nesse momento no eletrocardiograma de cada uma das três derivações bipolares-padrão dos membros, são traçadas perpendiculares até todas as linhas que representam as diferentes derivações, como é mostrado na figura. O vetor projetado B mostra o potencial registrado, naquele momento, na derivação I; o vetor projetado C mostra o potencial na derivação II; e o vetor projetado D mostra o potencial na derivação III. Em cada um deles, o registro eletrocardiográfico é positivo - ou seja, acima da linha zero - porque os vetores projetados apontam para direções positivas ao longo do eixo de todas as derivações. O potencial na derivação I é aproximadamente metade do potencial real no coração, representado pelo vetor A; na derivação II, ele é quase exatamente igual ao potencial no coração; e na derivação III ele é cerca de um terço do potencial no coração. Pode-se fazer uma análise idêntica para determinar os potenciais nas derivações aumentadas dos membros, exceto que os eixos respectivos dessas derivações (ver Fig. 12.3) são utilizados em lugar dos eixos das derivações bipolares-padrão dos membros usadas na Fig. 12.6. ANÁLISE VETORÍAL DO ELETROCARDIOGRAMA NORMAL VETORES QUE OCORREM DURANTE A DESPOLARIZAÇÃO DOS VENTRÍCULOS - O COMPLEXO QRS Quando o impulso cardíaco penetra nos ventrículos pelo feixe A-V, a primeira parte dos ventrículos a se despolarizar é a superfície endocárdica esquerda do septo. Essa despolarização se difunde rapidamente. Fig. 12.2 Vetores traçados para representar as direções de potenciais em vários corações diferentes. Fig. 12.4 Determinação de um vetor projetado B ao longo do eixo da derivação I quando o vetor A representa o potencial instantâneo nos ventrículos. 110 Fig. 12.5 Determinação do vetor projetado B ao longo do eixo da derivação I quando o vetor A representa o potencial instantâneo nos ventrículos. envolvendo ambas as superfícies endocárdicas do septo, o que é ilustrado pela parte sombreada do ventrículo na Fig. 12.7A. Em seguida, a despolarização se difunde ao longo das superfícies endocárdicas dos dois ventrículos, como e mostrado na Fig. 12.7B e C. Finalmente, ela se difunde pelo músculo ventricular até a parte externa do coração, como é mostrado progressivamente na Fig. 12.7 C, D e E. A cada estágio da despolarização dos ventrículos na Fig. 12.7, partes A e E, o potencial elétrico instantâneo é representado por um vetor superposto ao ventrículo em cada figura. Cada um desses vetores é analisado pelo método descrito na seção anterior, para a determinação das voltagens que vão ser registradas a cada momento em cada uma das três derivações-padrão do eletrocardiograma. Em cada etapa da figura é mostrado, à direita, o desenvolvimento progressivo do complexo QRS. Lembre-se que um vetor positivo em uma derivação faz com que o registro no eletrocardiograma fique acima da Unha zero, enquanto um vetor negativo vai fazer o registro ficar abaixo da linha. Antes de passar a outras considerações da análise vetorial, ê essencial que esta análise dos sucessivos vetores normais apresentada na Fig. 12,7 seja compreendida. Cada uma dessas análises deve ser estudada com detalhe pelo procedimento anteriormente apresentado. Segue-se um resumo sucinto desta seqüência. Na Fig. 12.7A, o músculo ventricular apenas começou a se despolarizar, representando um instante cerca de 0,01 segundo após o início da despolarização. Nesse momento, o vetor é curto porque apenas pequena parte dos ventrículos - o septo - está despolarizada. Todas as voltagens eletrocardiográficas apresentam-se portanto baixas, como é registrado ã direita do músculo ventricular para cada uma das derivações. A voltagem na derivação II é maior que a das derivações I e III, porque o vetor do coração estende-se, em grande parte, na mesma direção do eixo da derivação II. Na Fig. 12.7B, que representa aproximadamente 0,02 s após o início da despolarização, o vetor do coração é longo porque grande parte Fig. 12.6 Determinação dos vetores projetados nas derivações I, II e III, quando o vetor A representa o potencial instantâneo nos ventrículos. dos ventrículos já se despolarizou. A voltagem aumentou, pois, em todas as derivações eletrocardiográficas. Na Fig. 12.7C, cerca de 0,035 s após o início da despolarização, o vetor do coração está ficando mais curto e as voltagens eletrocardiográficas registradas são menores porque a parte externa do ápice do coração está agora eletronegativa, neutralizando grande parte da negatividade das superfícies endocárdicas do coração. Da mesma forma, o eixo do vetor está se deslocando para o lado esquerdo do coração, porque o ventrículo esquerdo demora um pouco mais a despolarizar-se que o direito. A proporção entre a voltagem na derivação I e na derivação III está aumentando. Na Fig. 12.7D, cerca de 0,05 s após o início da despolarização, o vetor do coração aponta para a base do ventrículo esquerdo e é curto porque apenas parte diminuta do músculo ventricular ainda está polarizada. Devido ã direção do vetor nesse momento, as voltagens registradas nas derivações II e III são ambas negativas - ou seja, abaixo da linha. Na Fig. 12.7E, cerca de 0,06 s após o início da despolarização, toda a massa muscular do ventrículo está despolarizada, de modo que não há absolutamente qualquer corrente fluindo em torno do coração e não é gerado potencial elétrico, O vetor torna-se zero e a voltagem de todas as derivações torna-se zero. Assim, os complexos QRS completam-se nas três derivações bipolares - padrão dos membros, O complexo QRS tem, por vezes, ligeira depressão negativa em seu início em uma ou mais de suas derivações, o que não é mostrado na Fig. 12.7; essa é a onda Q. Quando ocorre, ela é causada pela despolarização inicial do lado esquerdo do septo, antes do lado direito, o que cria um vetor fraco da esquerda para a direita por uma fração de segundo, antes que ocorra o vetor habitual do ápice para a base. A grande deflexão positiva mostrada na Fig. 12.7 é a onda R e a deflexão negativa final é a onda S. O ELETROCARDIOGRAMA DURANTE A REPOLARIZAÇÃO - A ONDA T Após o músculo ventricular se despolarizar, decorre aproximadamente 0,15 s antes que se inicie repolarização suficiente para ser observada no eletrocardiograma; a repolarização prossegue, então, por todo o músculo ventricular até completar-se acerca de 0,35 s após o início do complexo ORS. É este processo de repolarização que causa a onda T no eletrocardiograma. Como o septo e outras áreas endocárdicas do músculo ventricular despolarizam-se primeiro, parece lógico que essas áreas também deveriam repolarizar-se primeiro, mas isto não ocorre habitualmente, porque o septo e outras áreas endocárdicas têm período mais longo de contração, repolarizando-se, pois, mais lentamente que as superfícies externas do coração. Assim sendo, a maior parte do músculo ventricular a se repolarizar primeiro é a situada sobre toda a superfície externa do coração, em especial próximo ao ápice. As áreas endocárdicas, por outro lado, normalmente repolarizam-se por último. A razão desta seqüência anormal de repolarização é considerada como sendo que a pressão elevada nos ventrículos durante a contração reduz muito o fluxo sanguíneo coronário para o endocárdio, lentificando, assim, o processo de despolarização nas áreas endocárdicas. Como as superfícies externa e apical dos ventrículos se repolarizam antes das superfícies interna e basal, a extremidade positiva do vetor cardíaco durante a repolarização se dirige para o ápice do coração. Portanto, a direção predominante do vetor através do coração durante a repolarização ventricular ê da base para o ápice, que também é a direção predominante do vetor durante a despolarização. Como conseqüência, a onda T nas derivações bipolares normais dos membros é positiva, o que é também a polaridade da maior parte dos complexos QRS normais. Na Fig. 12.8, cinco etapas na repolarização ventricular são denotadas pelo aumento progressivo das áreas brancas — as áreas repolarizadas. Hm cada etapa, o vetor se estende da base para o ápice, até desaparecer na última etapa. Inicialmente, o vetor é relativamente pequeno, porque a área de repolarização é pequena. Posteriormente, o vetor torna-se mais e mais forte, devido ao maior grau de repolarização. Finalmente, o vetor volta a ser fraco, porque as áreas de despolarização que ainda persistem tornam-se tão pequenas que o fluxo de corrente total começa a diminuir. Essas alterações mostram que o vetor é maior quando aproximadamente metade do coração está no estado polarizado e o restante ainda está despolarizado. 111 Fig. 12.7 A, os vetores ventriculares e os complexos QRS 0,01 s após o início da despolarização ventricular. B. 0,02 s após o início da despolarização. C, 0,035 segundo após o início da despolarização. D, 0,05 s após o início da despolarização. E, Após completar-se a despolarização dos ventrículos 0,06 s após o inicio. As alterações nos eletrocardiogramas das três derivações-padrão dos membros durante o processo de despolarização estão anotadas sob cada um dos ventrículos, mostrando os estágios progressivos da Tepolarização. A onda T do eletrocardiograma é gerada por aproximadamente 0,15 s, o tempo necessário para que todo o processo ocorra. relativamente ao restante dos átrios. O vetor da repolarização atrial, portanto, tem direção inversa relativamente ao vetor de despolarização. (Veja novamente que este é o contrário do efeito que ocorre nos ventrículos.) Assim sendo, como é notado à direita da Fig. 12.9, a chamada DESPOLARIZAÇÃO DOS ÁTRIOS — A ONDA P A despolarização dos átrios começa pelo nodo sinusal e se difunde em todas as direções pelos átrios. O ponto de eletronegatividade original nos átrios, portanto, é aproximadamente no ponto de entrada da veia cava superior, onde se encontra o nodo sinusal, e a direção do potencial elétrico no átrio, ao início da despolarização, é na direção mostrada na Fig. 12.9. Além disso, o vetor geralmente permanece nesta direção durante todo o processo de despolarização. Assim, o vetor do fluxo de corrente durante a despolarização dos átrios aponta quase que na mesma direção que nos ventrículos. E, como essa direção é quase a mesma dos eixos das derivações bípolares-padrão dos membros 1, 11 e III, os eletrocardiogramas registrados a partir dos átrios durante o processo de despolarização são geralmente positivos em todas essas três derivações, como ilustra a Fig. 12.9. O registro da despolarização atrial é conhecida como a onda P. Repolarização dos átrios — a onda T atrial. A difusão da onda de despolarização pelo músculo atrial é muito mais lenta que nos ventrículos. A musculatura em torno do nodo sinusal, portanto, despolariza-se muito antes da musculatura nas partes distais dos átrios. Devido a isso, a área que se repolariza primeiro nos átrios ê a região do nodo sinusal, a área que originalmente se despolarizou em primeiro lugar, uma situação totalmente diferente da verificada nos ventrículos. Assim, quando se inicia a repolarização, a região em torno do nodo sinusal torna-se positiva Fig. 12.8 Geração da onda T durante a repolarização dos ventrículos, mostrando a análise vetorial da primeira etapa da repolarização. O tempo total do início da onda T até seu final é de cerca de 0,15 s. 112 Fig. 12.9 Despolarização dos átrios e geração da onda P. mostrando o vetor pelos átrios e os vetores resultantes nas três derivações-padrão. À direita estão as ondas P e T atriais. onda T atrial aparece cerca de 0,15 s após a onda P atrial, mas essa onda T está do lado oposto da linha de referência zero em relação à onda P — ou seja, ela é normalmente negativa, e não positiva nas três derivações bipolares-padrão dos membros. No eletrocardiograma normal, essa onda T aparece aproximadamente ao mesmo tempo que o complexo QRS ventricular. Por esta razão, ela c quase sempre totalmente obscurecida pelo maior complexo QRS, embora, em alguns estados anormais, realmente participe do eletrocardiograma registrado. O VETORCARDIOGRAMA Observou-se nas discussões anteriores que o vetor do fluxo de corrente pelo coração se altera rapidamente à medida que o impulso se difunde pelo miocárdio. Ele se altera em dois aspectos: primeiro, o vetor aumenta e diminui de comprimento devido ao aumento e diminuição da voltagem do vetor. Segundo, o vetor muda de direção devido a alterações na direção média do potencial elétrico do coração. O chamado vetorcardiagrama mostra essas alterações nos vetores em diferentes momentos durante o ciclo cardíaco, como é mostrado na Fig. 12.10. No vetor cardiograma da Fig. 12.10, o ponto 5 é o ponto de referência zero, sendo este ponto a extremidade negativa de todos os vetores. Enquanto o coração está em repouso, a extremidade positiva do vetor também permanece no ponto zero. porque não há qualquer potencial elétrico. Entretanto, logo que a corrente começa a fluir pelo coração, a extremidade positiva do vetor sai do ponto de referência zero. Quando o septo começa a se despolarizar, o vetor se estende para baixo em direção ao ápice do coração.-mas é relativamente fraco, geran- Fig. 12.10 Os vetorcardiograma QRS e T. do, assim, a primeira parte do vetorcardiograma, como é mostrado pela extremidade positiva do vetor 1. Quando uma parte maior do coração se despolariza, o vetor fica cada vez mais forte, em geral oscilando ligeiramente para um dos lados. Assim, o vetor 2 da Fig. 12.10 representa o estado de despolarização do coração cerca de 0,02 s após o vetor 1. Após mais 0,02 s o vetor 3 representa o potencial do coração, e o vetor 4 ocorre após ainda outro 0,01 s. Finalmente, o coração se despolariza totalmente e o vetor volta novamente a zero, como é mostrado no ponto 5. A figura elíptica produzida pelas extremidades positivas dos vetores é denominada vetorcardiograma do QRS. Os vetorcardiogramas podem ser registrados instantaneamente num osciloscópio, ligando-se eletródios acima e abaixo do coração às placas verticais do osciloscópio e ligando-se eletródios de cada lado do coração as placas horizontais. Quando o vetor se altera, o ponto de luz no osciloscópio segue a trajetória da extremidade positiva do vetor em alteração, inscrevendo, assim, o vetorcardiograma na tela do osciloscópio. O vetorcardiograma “T” A mudança dos vetores no coração não ocorre apenas durante o processo de despolarização, pois os vetores que representam o fluxo de corrente em torno dos ventrículos também reaparecem durante a repolarização. Por esta razão, um segundo e menor vetorcardiograma - o vetorcardiograma T - é inscrito durante a repolarização da massa muscular; ele é representado à direita na Fig. 12.10. Assim, também, um vetorcardiograma P, menor ainda, é inscrito durante a despolarização atrial. O EIXO ELÉTRICO MÉDIO DO QRS VENTRICULAR O vetorcardiograma da onda de despolarização ventricular (vetorcardiograma do QRS) mostrado na Fig. 12.10 é o de um coração normal. Observe por esse vetorcardiograma que a direção preponderante dos vetores ventriculares é normalmente para o ápice do coração — ou seja, durante a maior parte do ciclo de despolarização ventricular, a direção de potencial elétrico é da base para o ápice dos ventrículos. Essa direção preponderante do potencial durante a despolarização é denominada eixo elétrico médio dos ventrículos, ou vetor médio do QRS. O eixo elétrico médio dos ventrículos normais é de 59º. Entretanto, em certas condições patológicas do coração, essa direção se altera — acentuadamente — por vezes, até mesmo para o pólo oposto do coração. DETERMINAÇÃO DO EIXO ELÉTRICO A PARTIR DE ELETROCARDIOGRAMAS DE DERIVAÇÕESPADRÃO Clinicamente, o eixo elétrico do coração é em geral determinado a partir dos eletrocardiogramas das derivações bipolares-padrão dos membros, e não do vetorcardiograma. A Fig. 12.11 mostra um método para se fazer isto. Após o registro das derivaçÕes-padrão, determina-se o potencial máximo e a polaridade do registro em duas das derivações. Na derivação 1 da figura, o registro é positivo, e, na derivação III, o registro é em grande parte positivo, mas é negativo durante outra parte do ciclo. Quando qualquer parte do registro é negativa, o potencial negativo ê subtraído do potencial positivo para a determinação do poten- Fig. 12.11 Representação do eixo elétrico médio do coração a partir de duas derivações eletrocardiográficas. 113 cial efetivo para essa derivação, ilustrado pelas setas à direita dos complexos QRS das derivações I e III. (Para serem ainda mais precisos, alguns cardiologistas subtraem a área da onda negativa da área da onda positiva.) Após subtrair-se a parte negativa da onda QRS na derivação III da parte positiva, cada potencial efetivo é representado graficamente nos eixos das derivações respectivas, com a base do potencial no ponto de interseção dos eixos, como é mostrado na Fig. 12.11. Quando o potencial efetivo da derivação I é positivo, ele é representado graficamente na direção positiva, ao longo da linha que representa a derivação I. Por outro lado, quando negativo, é representado na direção negativa. Assim, também para a derivação III, o potencial efetivo é colocado com sua base no ponto de interseção e, quando positivo, é representado na direção positiva ao longo da linha que representa a derivação III. Quando negativo, ele é representado na direção negativa. Para se determinar o vetor real do potencial elétrico médio ventricular, traçam-se linhas perpendiculares a partir das pontas dos dois potenciais efetivos das derivações I e III, respectivamente. O ponto de intersecção dessas duas linhas perpendiculares representa, por análise vetorial, a ponta do vetor médio do QRS real nos ventrículos; e o ponto de interseção dos eixos das duas derivações representa a extremidade negativa do vetor real. Assim sendo, o vetor médio do QRS é traçado entre esses dois pontos. O potencial médio aproximado gerado pelos ventrículos durante a despolarização é representado pelo comprimento do vetor, e o eixo elétrico médio é representado pela direção do vetor. Assim, a orientação do eixo elétrico médio dos ventrículos normais, conforme determinado na Fig. 12.11, é de 59°. CONDIÇÕES VENTRICULARES ANORMAIS CAUSANDO DESVIOS DO EIXO Embora o eixo elétrico médio dos ventrículos seja em média de cerca de 59°, esse eixo pode deslocar-se para a esquerda, mesmo em coração normal, até aproximadamente 20º. ou para a direita, até aproximadamente 100°. As causas das variações anormais são principalmente diferenças anatômicas na distribuição do sistema de Purkinje ou na própria musculatura dos diferentes corações. Contudo, algumas condições podem ocasionar desvios do eixo até mesmo além desses limites normais, da seguinte forma: Alterações na posição do coração. Evidentemente, se o próprio coração estiver posicionado em ângulo para a esquerda, o eixo elétrico médio do coração também vai desviar-se para a esquerda. Esse desvio ocorre (1) durante a expiração, (2) quando a pessoa está deitada, porque o conteúdo abdominal empurra o diafragma para cima, e (3), com muita freqüência, em pessoas obesas e de compleição avantajada, cujo diafragma normalmente faz pressão para cima sobre o coração todo o tempo. Da mesma forma, o desvio do coração em ângulo para a direita faz o eixo elétrico ventricular médio desviar-se para a direita. Esta condição ocorre (1) durante a inspiração, (2) quando a pessoa fica de pé, e (3) normalmente em pessoas altas e magras, cujo coração pende para baixo. Hipertrofia de um ventrículo. Quando um dos ventrículos se hipertrofia muito, o eixo do coração se desvia em direção ao ventrículo hipertrofiado, por duas razões. Em primeiro lugar, há quantidade muito maior de músculo do lado hipertrofiado, c isto possibilita excessiva geração de potencial elétrico nesse lado. Segundo, é necessário mais tempo para a onda de despolarização passar pelo ventrículo hipertrofiado que pelo ventrículo normal. Por conseguinte, o ventrículo normal se despolariza - ou seja, torna-se negativo - consideravelmente antes do ventrículo hipertrofiado, e isso causa forte vetor do lado normal do coração para o lado hipertrofiado, que ainda permanece positivamente carregado. Assim, o eixo desvia-se em direção ao ventrículo hipertrofiado. Análise vetorial do desvio do eixo para a esquerda em conseqüência da hipertrofia do ventrículo esquerdo. A Fig. 12.12 mostra as três derivações bipolares-padrão dos membros de um eletrocardiograma no qual a análise da direção do eixo revela desvio desse eixo para a esquerda, com o eixo elétrico médio apontando na direção de -15°. Este é um típico eletrocardiograma decorrente do aumento da massa muscular do ventrículo esquerdo. Nesse caso, o desvio do eixo foi causado por hipertensão (pressão arterial elevada), que fez o ventrículo esquerdo hipertrofiar-se para bombear sangue contra a elevada pressão arterial sistêmica. Fig. 12.12 Desvio do eixo para a esquerda nas cardiopatias hipertensivas. Note, também, o ligeiro alargamento do complexo QRS. Entretanto, um quadro semelhante de desvio para a esquerda ocorre quando o ventrículo esquerdo se hipertrofia como conseqüência de estenose da válvula aórtica regurgitação valvular aórtica ou qualquer das várias cardiopatias congênitas em que o ventrículo esquerdo aumenta de tamanho enquanto o lado direito do coração permanece relativamente normal. Análise vetorial dos desvios do eixo para a direita, em conseqüência da hipertrofia do ventrículo direito. O eletrocardiograma da Fig. 12.13 mostra um grande desvio do eixo para a direita, com eixo elétrico de aproximadamente 170°, o que é 111º para a direita do eixo elétrico médio normal de 59º dos ventrículos. O desvio para a direita do eixo ilustrado nessa figura foi provocado pela hipertrofia do ventrículo direito devido a estenose pulmonar. Contudo, desvios do eixo para a direita também podem ocorrer em outras cardiopatias congênitas que causam a hipertrofia do ventrículo direito, tais como a tetralogia de Fallot ou o defeito do septo interventricular. Também a hipertrofia do ventrículo direito, em conseqüência do aumento da resistência vascular pulmonar, pode causar desvio do eixo para a direita. Bloqueio de ramo. Normalmente, as duas paredes laterais dos ventrículos se despolarizam quase ao mesmo tempo, porque os dois ramos do sistema de Purkinje, o direito e o esquerdo, transmitem o impulso cardíaco para as superfícies endocárdicas das duas paredes ventriculares quase ao mesmo tempo. Como conseqüência, os potenciais gerados pelos dois ventrículos praticamente neutralizam um ao outro. No entanto, quando um dos ramos maiores é bloqueado, o impulso cardíaco difunde-se pelo ventrículo normal muito antes de difundir-se pelo outro. Por esta razão, a despolarização dos dois ventrículos não é nem mesmo próxima uma da outra e os potenciais de despolarização não se neutralizam uns aos outros. Nessas condições, há desvios do eixo, da seguinte maneira: Análise vetorial do desvio do eixo para a esquerda nos bloqueios do ramo esquerdo. Quando o ramo esquerdo é bloqueado, a despolarização cardíaca se difunde pelo ventrículo direito duas a três vezes mais rápido que pelo esquerdo. Como conseqüência, grande parte do ventrículo esquerdo permanece polarizada muito tempo após o ventrículo direito ter-se despolarizado totalmente. Assim, o ventrículo direito fica eletronegativo, enquanto o ventrículo esquerdo permanece eletropositivo durante a maior parte do processo de despolarização, e um vetor muito forte projeta-se do ventrículo direito para o esquerdo. Em outras palavras, há grande desvio para a esquerda porque a extremidade positiva do vetor aponta para o ventrículo esquerdo. Isso é mostrado na Fig. 12.14, na qual se vê um desvio típico para a esquerda do eixo, conseqüência de bloqueio do ramo esquerdo. Note que o eixo é de aproximadamente -50º. 114 Fig. 12.14 Desvio do eixo para a esquerda devido a um bloqueio do ramo esquerdo. Note o grande alargamento do complexo QRS. Fig. 12.13 Eletrocardiograma de alta voltagem na estenose pulmonar com hipertrofia do ventrículo direito. Também é visto intenso desvio do eixo para a direita, assim como ligeiro alargamento do complexo QRS. Devido à lentidão da condução de impulsos quando o sistema de Purkinje está bloqueado, os desvios decorrentes do bloqueio de ramo também aumentam muito a duração do complexo QRS, o que se pode ver observando a excessiva largura das ondas ORS na Fig. 12.14. Esse alargamento do complexo QRS diferencia essa condição dos desvios do eixo causados por hipertrofia. Análise vetorial dos desvios do eixo para a direita no bloqueio do ramo direito. Quando o ramo direito está bloqueado, o ventrículo esquerdo despolariza-se bem mais rapidamente que o direito, de modo que o esquerdo fica eletronegativo enquanto o direito permanece eletropositivo. Por esta razão surge um vetor muito forte, com sua extremidade negativa para o ventrículo esquerdo e a positiva para o ventrículo direito. Em outras palavras, há grande desvio para a direita. O desvio do eixo para a direita,'causado pelo bloqueio do ramo direito, é mostrado e seu vetor é analisado na Fig. 12.15, que apresenta eixo de aproximadamente 115º e alargamento do complexo QRS devido ao bloqueio da condução. Note também o grande alargamento do complexo ORS. o aumento da massa muscular do coração, que decorre normalmente da hipertrofia do músculo em resposta a uma carga excessiva sobre uma ou outra parte do coração. Como exemplo, o ventrículo direito se hipertrofia quando tem de bombear sangue por uma válvula pulmonar estenosada e o ventrículo esquerdo se hipertrofia quando a pessoa tem pressão arterial elevada. A maior quantidade de músculo possibilita geração de maior quantidade de eletricidade em torno do coração. Como conseqüência, os potenciais elétricos registrados nas derivações eletrocardiográficas são consideravelmente maiores que o normal, como é mostrado nas Figs. 12.12 e 12.13. DIMINUIÇÃO DA VOLTAGEM DO ELETROCARDIOGRAMA Há três causas principais de diminuição de voltagem do eletrocardiograma. São elas, em primeiro lugar, anormalidades do próprio músculo cardíaco, que impedem a geração de grande quantidade de corrente; segundo, condições anormais em torno do coração, de tal modo que a corrente não pode ser conduzida com facilidade do coração até a superfície do corpo; e terceiro, a rotação do ápice do coração de modo a apontar para a parede anterior do tórax, de tal forma que a corrente elétrica do coração flui ântero-posteriormente no tórax, e não nu plano frontal do corpo, o que diminui a voltagem nas derivações dos membros. CONDIÇÕES QUE CAUSAM VOLTAGENS ANORMAIS DO COMPLEXO QRS AUMENTO DA VOLTAGEM NAS DERIVAÇÕES BIPOLARES-PADRÃO DOS MEMBROS Normalmente, as voltagens das três derivações bipolares-padrão dos membros, medidas do pico da onda R à parte inferior da onda S, variam entre 0,5 e 2,0 mV, com a derivação III registrando, geralmente, a voltagem mais baixa, e a derivação II, a mais alia. Entretanto, essas relações não são invariavelmente verdadeiras, nem mesmo no coração normal. Em geral, quando a soma das voltagens de todos os complexos QRS das três derivações-padrão é superior a 4 mV, considera-se que o paciente tem um eletrocardiograma de alta voltagem. A causa dos complexos QRS de alta voltagem é mais comumente Fig. 12.15 Desvio do eixo para a direita devido a um bloqueio do ramo direito. Note o grande alargamento do complexo QRS. 115 Diminuição da voltagem causada por miopatias cardíacas. Uma das causas mais comuns de diminuição da voltagem do complexo QRS é uma série de infartos do miocárdio antigos, com conseqüente diminuição da massa muscular. Isso também faz com que a onda de despolarização atravesse lentamente os ventrículos e impeça que grandes partes do coração fiquem maciçamente despolarizadas de uma só vez. Por conseguinte, essa condição causa alargamento moderado do complexo QRS, juntamente com a diminuição da voltagem. A Fig. 12.16 mostra o típico eletrocardiograma de baixa voltagem com alargamento do complexo QRS que se encontra com freqüência após múltiplos pequenos infartos do coração que ocasionaram bloqueios locais e perda de massa muscular por todo o ventrículo. Diminuição da voltagem causada por condições circundando o coração. Uma das causas mais importantes da diminuição da voltagem nas derivações eletrocardiográficas é a presença de liquido no pericárdio. Como o líquido extracelular conduz correntes elétricas com grande facilidade, grande parte da eletricidade que flui para fora do coração é conduzida de uma parte do coração para outra pela efusão pericárdica. Assim, essa efusão provoca efetivamente um "curtocircuito" dos potenciais elétricos gerados no coração. A efusão pleural em menor grau, também pode "colocar em curto" a eletricidade em torno do coração, de modo que as voltagens na superfície do corpo e nos eletrocardiogramas diminuem. O enfisema pulmonar pode reduzir os potenciais eletrocardiográficos, mas por processo diferente do da efusão pericárdica. No enfisema pulmonar, a condução de correntes elétricas pelos pulmões fica consideravelmente reduzida, devido à excessiva quantidade de ar nos pulmões. Ocorre, igualmente, que a cavidade torácica aumenta de volume e os pulmões tendem a envolver o coração em grau maior do que o normal. Por esta razão, os pulmões atuam como um isolante, impedindo a difusão da voltagem elétrica do coração para a superfície do corpo, e isso causa diminuição dos potenciais eletrocardiográficos nas diversas derivações. PADRÕES PROLONGADOS E BIZARROS DO COMPLEXO QRS ALARGAMENTO DO COMPLEXO QRS EM CONSEQUÊNCIA DE HIPERTROFIA OU DILATAÇÃO DO CORAÇÃO O complexo QRS dura enquanto o processo de despolarização continua a se difundir pelos ventrículos — ou seja, enquanto parte dos ventrículos está despolarizada e parte polarizada. Assim, a causa do alargamento do complexo QRS é sempre um prolongamento da condução do impulso pelos ventrículos. Tal prolongamento ocorre com freqüência quando um dos ventrículos ou ambos estão hipertrofiados ou dilatados, devido à via mais longa que o impulso tem, então, de percorrer. O complexo QRS normal dura 0,06 a 0,09 s, enquanto na hipertrofia ou dilatação do ventrículo esquerdo ou direito o complexo QRS pode estar alargado até 0,10 a 0,12 s. Fig. 12.16 Eletrocardiograma de baixa voltagem, com evidência de lesões localizadas em todo o ventrículo, causadas por infarto do miocárdio antigo. ALARGAMENTO DO COMPLEXO QRS RESULTANTE DE BLOQUEIOS AO SISTEMA DE PURKINJE Quando as fibras de Purkinje são bloqueadas, o impulso cardíaco tem de ser conduzido pelo próprio músculo ventricular, diminuindo a velocidade de condução de impulsos para aproximadamente um terço a um quarto do normal. Por esta razão, quando ocorre bloqueio completo de um dos ramos, a duração do complexo QRS fica geralmente aumentada para 0,14 s ou mais. Em geral, considera-se o complexo QRS como anormalmente longo quando dura mais de 0,09 s, e, quando dura mais de 0,12 s, o alargamento é quase que certamente causado pelo bloqueio patológico do sistema de condução em algum ponto dos ventrículos, como é mostrado pelos eletrocardiogramas para o bloqueio de ramo nas Figs. 12.14 e 12.15. CONDIÇÕES CAUSADORAS DE COMPLEXOS QRS BIZARROS Os padrões bizarros do complexo QRS são causados mais freqüentemente por duas condições: primeiro, a destruição do músculo cardíaco em diversas áreas por todo o sistema ventricular, com substituição desse músculo por tecido cicatricial, e. segundo, bloqueios locais da condução de impulsos pelo sistema de Purkinje. Por vezes, podem ocorrer bloqueios locais em múltiplos pontos dos ventrículos. Como conseqüência, a condução dos impulsos cardíacos fica muito irregular, causando rápidas alternâncias, entre os desvios do eixo para a esquerda e para a direita. Isso causa picos duplos ou até mesmo triplos em algumas das derivações eletrocardiográficas, tais como as apresentadas na Fig. 12.14. CORRENTE DE LESÃO Muitas anormalidades cardíacas diferentes, especialmente as que lesam o próprio músculo cardíaco, fazem muitas vezes com que parte do coração permaneça parcial ou totalmente despolarizada iodo o tempo. Quando isso ocorre, a corrente flui entre as áreas patologicamente despolarizadas e as normalmente polarizadas. Isto é denominado corrente de lesão. Note, especialmente, que à parte lesada do coração fica negativa porque é essa parte que está despolarizada e emite cargas negativas para os líquidos circundantes, enquanto o restante do coração está positivo. Algumas das anormalidades que podem causar corrente de lesão são: (1) traumas mecânicos, que fazem as membranas ficarem tão permeáveis que a repolarização total não pode ocorrer; (2) processos infecciosos que lesam as membranas musculares; e (3) a isquemia de áreas locais do músculo, causada pela oclusão coronária, que é, de longe, a causa mais comum de correntes de lesão no coração. Durante uma isquemia, não há simplesmente quantidade suficiente de nutrientes do suprimento sanguíneo coronário disponíveis para o músculo cardíaco para a manutenção da função cardíaca. EFEITO DA CORRENTE DE LESÃO SOBRE O COMPLEXO QRS Na Fig. 12.17, a área sombreada na base do ventrículo esquerdo apresenta um infarto recente. Por esta razão, durante o intervalo T-P — ou seja, quando o músculo ventricular normal está polarizado — uma corrente negativa flui da base do ventrículo esquerdo para o resto dos ventrículos. O vetor do potencial dessa "corrente de lesão", ilustrado no primeiro e último corações da figura, tem direção de aproximadamente 125°, com sua base, a extremidade negativa, apontando para o músculo lesado. Como é mostrado nas partes inferiores da figura, antes mesmo que o complexo QRS se inicie, este vetar causa deflexão inicial na derivação í abaixo de linha de potencial zero, porque o vetor projetado da corrente de lesão na derivação 1 aponta para a extremidade negativa do eixo da derivação I. Na derivação II, o registro está acima da linha, porque o vetor projetado aponta para o terminal positivo da derivação II. Na derivação III, o vetor projetado do fluxo de corrente também é na mesma direção que a polaridade da derivação III, de modo que o registro é positivo. Além disso, como o vetor da corrente de lesão encontra-se quase que exatamente ao longo do eixo da derivação III. o potencial da corrente de lesão na derivação III é muito maior do que em qualquer um dos dois registros. 116 Fig. 12.17 Efeito de uma corrente de lesão sobre o eletrocardiograma. Como o coração passa, então, por seu processo normal de despolarização, o septu é o primeiro a se despolarizar, e a despolarização se difunde por ele até o ápice e de volta em direção às bases dos ventrículos. A última parte dos ventrículos a se despolarizar totalmente é à base do ventrículo direito, pois a base do ventrículo esquerdo já está total e permanentemente despolarizada. Por análise vetorial, como é mostrado na figura, o eletrocardiograma gerado pela passagem da onda de despolarização pelos ventrículos pode ser graficamente construído, como é mostrado na Fig. 12.17. Quando o coração se encontra totalmente despolarizado ao final do processo de despolarização, como é mostrado pelo penúltimo estágio da Fig. 12.17, todo o músculo ventricular está no estado negativo. POR esta razão, nesse instante, não aparece no eletrocardiograma absolutamente nenhuma corrente fluindo em torno da musculatura dos ventrículos, porque agora tanto o músculo cardíaco lesado como o músculo em contração estão totalmente despolarizados. Em seguida, quando ocorre a repolarização, todo o coração acaba por se repolarizar, exceto a área de despolarização permanente na base lesada do ventrículo esquerdo. Assim, a repolarização causa retorno da corrente de lesão em cada derivação, como se nota bem à direita da Fig. 12.17. O PONTO J — O POTENCIAL DE REFERÊNCIA ZERO PARA A ANÁLISE DE CORRENTES DE LESÃO Seria de se esperar que os aparelhos para o registro de eletrocardiogramas pudessem determinar quando- não há corrente fluindo em torno do coração. Contudo, há muitas correntes errantes no corpo, tais como as correntes resultantes de "potenciais cutâneos" e de diferenças nas concentrações iônicas nas distintas partes do corpo. Em vista disso, quando dois eletródios estão ligados entre os braços ou entre um braço e uma perna, essas correntes errantes tornam impossível determinar-se o nível referência zero exato no eletrocardiograma. Por essas razões, o seguinte procedimento tem de ser empregado para a determinação do nível potencial zero: primeiro, nota-se o ponto exato em que a onda de despolarização acaba de completar sua passagem pelo coração, que ocorre bem ao final do complexo QRS. Exatamente nesse ponto todas as partes dos ventrículos estão despolarizadas, de modo que nenhuma corrente flui em torno do coração. Até mesmo a corrente de lesão desaparece nesse ponto. Por este motivo, o potencial do eletrocardiograma, nesse instante, está exatamente na voltagem zero. Esse ponto é conhecido como o "ponto J" no eletrocardiograma, como é mostrado nas Figs. 12.17 e 12.18. Para a análise do eixo elétrico do potencial de lesão causado por uma corrente de lesão, é traçada uma linha horizontal através do eletrocardiograma ao nível do ponto J, sendo essa linha horizontal a linha de potencial zero no eletrocardiograma a partir da qual devem ser medidos todos os potenciais causados por correntes de lesão. Fig. 12.18 O ponto "J" como a voltagem de referência zero do eletrocardiograma. Também é mostrado um método para a representação gráfica do eixo de uma corrente de lesão (abaixo). Uso do ponto J para representar graficamente o eixo de um potencial de lesão. A Fig. 12.18 ilustra os eletrocardiogramas registrados a partir das derivações I e III, ambos mostrando correntes de lesão. Em outras palavras, o ponto J de cada um desses dois eletrocardiogramas não está na mesma linha que o segmento T-P. Uma linha horizontal foi traçada através do ponto J, representando o nível de potencial zero em cada um dos dois registros. O potencial da corrente de lesão em cada derivação é a diferença entre o nível do segmento T-P do eletrocardiograma (que é registrado entre batimentos cardíacos quando existe corrente de lesão) e a linha de potencial zero, como é mostrado pelas setas. Na derivação I, o potencial registrado causado pela corrente de lesão está acima da linha de potencial zero, sendo, portanto, positivo. Por outro lado, na derivação III, o segmento T-P está abaixo do da linha potencial zero; por esta razão, o potencial da corrente de lesão na derivação III é negativo. Na parte inferior da Fig. 12.18, os potenciais da corrente de lesão nas derivações 1 e III são representados graficamente, nas coordenadas dessas derivações e o vetor resultante do potencial de lesão para toda a massa ventricular é determinado pelo método já descrito. Neste caso, o vetor da corrente de lesão estende-se do lado direito dos ventrículos para a esquerda e ligeiramente para cima, com eixo de aproximadamente -30º. Caso se coloque o vetor da corrente de lesão diretamente sobre os ventrículos, a extremidade negativa do vetor aponta para a área lesada , permanentemente despolarizada, dos ventrículos. No caso ilustrado na Fig. 12.18, a área lesada seria na parede lateral do ventrículo direito. O fenômeno do desvio do segmento S-T. À parte do eletrocardiograma que ocorre entre o final do complexo QRS e o início da onda T é denominada segmento S-T. O ponto J encontra-se bem no inicio desse segmento. Portanto, cada vez que ocorre uma corrente de lesão numa das derivações eletrocardiográficas, verifica-se também que o segmento S-T e o segmento T-P do eletrocardiograma não estão nos mesmos níveis de potencial no registro. Na verdade, é o segmento T-P, e não o segmento S-T, que é deslocado do eixo zero. Entretanto, muitas pessoas estão condicionadas a considerar o segmento T-P do eletrocardiograma como o nível potencial de referência, e não o ponto J. Por esta razão, quando se evidencia uma corrente de lesão no eletrocardiograma, parece que o segmento S-T está desviado de seu nível normal no eletrocardiograma, e isto é denominado desvio do segmento ST. Obviamente, quando se vê um desvio do segmento S-T no eletrocardiograma, sabe-se imediata- 117 mente que ele apresenta as características de uma corrente de lesão. De fato, muitos eletrocardiografistas não falam absolutamente de correntes de lesão mas, simplesmente, de desvios do segmento S-T, o que significa a mesma coisa. ISQUEMIA CORONÁRIA CORRENTES DE LESÃO COMO CAUSA DE O fluxo sanguíneo insuficiente para o músculo cardíaco diminui o metabolismo do músculo por três razões diferentes: falta de oxigênio, acúmulo excessivo de dióxido de carbono e falta de nutrientes suficientes. Por conseguinte, a repolarização das membranas não pode ocorrer em áreas de isquemia miocárdica grave. Com freqüência, o músculo cardíaco não morre porque o fluxo sanguíneo é suficiente para manter a vida do músculo, ainda que não seja adequado para causar a repolarização das membranas. Enquanto existir esse estado, continua a fluir corrente de lesão durante a diástole. Isquemia extrema do músculo cardíaco ocorre após oclusão coronária, e forte corrente de lesão flui, a partir da área infartada dos ventrículos, durante a intervalo T-P entre os batimentos cardíacos, como é mostrado nas Figs. 12.19 e 12.20. Por esta razão, uma das mais importantes características diagnosticas dos eletrocardiogramas registrados após trombose coronária aguda é a corrente de lesão. Infarto agudo da parede anterior. A Fig. 12.19 mostra o eletrocardiograma nas três derivações bipolares-padrão dos membros e em derivação torácica, registrada em paciente com infarto agudo da parede cardíaca anterior. A característica diagnostica mais importante desse eletrocardiograma é a intensa corrente de lesão na derivação torácica. Se traçarmos uma linha de potencial zero pelo ponto J desse eletrocardiograma, será encontrado um forte potencial de lesão negativo durante o intervalo T-P, o que indica que o eletródio torácico sobre a frente do coração está em área de potencial fortemente negativo. Em outras palavras, a extremidade negativa do vetor do potencial de lesão está contra a parede torácica. Isto quer dizer que a corrente de lesão está se originando da parede anterior dos ventrículos, o que diagnostica essa condição como um infarto da parede anterior. Analisando-se as correntes de lesão nas derivações I e III, encontra-se um potencial negativo, causado pela corrente de lesão, na derivação I, e um potencial positivo para a corrente de lesão na derivação III. Isto que dizer que o vetor resultante para a corrente de lesão no coração é de aproximadamente +150°, com a extremidade negativa do vetor Fig. 12.19 Corrente de lesão em infarto agudo da parede anterior. Note apontando para o ventrículo esquerdo e a extremidade positiva para a intensa corrente de lesão na derivação V2 o ventrículo direito. Assim, nesse eletrocardiograma específico, acorrente de lesão parece estar vindo principalmente do ventrículo esquerdo, assim como da parede anterior do coração. Seria de se da parte do coração que está afetada. Ao se fazer essas análises vetoriais, suspeitar, pois, que esse infarto da parede anterior fosse provavelmente deve-se recordar sempre que a extremidade positiva do vetor do causado por trombose do ramo descendente anterior da artéria coronária potencial de lesão aponta para o músculo cardíaco normal e a esquerda. Infarto da parede posterior. A Fig. 12.20 mostra as três extremidade negativa aponta para a parte anormal do coração que está derivações bipolares-padrão dos membros e uma derivação torácica de emitindo a corrente de lesão. um paciente com infarto da parede posterior. A principal característica Recuperação de trombose coronária aguda. A Fig. 12.21 mostra diagnostica desse eletrocardiograma também é a derivação torácica. Se se traçar à linha de referência de potencial zero através do ponto J uma derivação torácica V3 de um paciente com infarto posterior agudo, dessa derivação, ficará logo claro que, durante o intervalo T-P, o mostrando a alteração no eletrocardiograma dessa derivação do dia do potencial da corrente de lesão é positivo. Isto quer dizer que a ataque até 1 semana depois, a seguir 3 semanas depois e, finalmente. 1 ano após. Por esse eletrocardiograma pode-se ver que a corrente de extremidade positiva do vetor está na parede torácica e a extremidade negativa (lesada) dirige-se para longe da mesma parede. Em outras palavras, a corrente de lesão está vindo do lado oposto do coração relativamente à parte adjacente à parede torácica, sendo esta a razão pela qual esse tipo de eletrocardiograma é à base do diagnóstico dos infartos da parede posterior. Analisando-se as correntes de lesão nas derivações I e III da Fig. 12.20, fica imediatamente claro que o potencial de lesão é negativo em ambas as derivações. Por análise vetorial, como é mostrado na figura, verifica-se que o vetor do potencial de lesão é de aproximadamente 95º, com a extremidade negativa do vetor apontando para baixo e a extremidade positiva, para cima. Assim, como o infarto é na parede posterior do coração, como indica a derivação torácica, e na parte apical do coração, como indicam as correntes de lesão nas derivações II e III, seria de se suspeitar que esse infarto esteja próximo do ápice, na parede posterior do ventrículo esquerdo. Infartos em outras partes do coração. Utilizando-se os mesmos procedimentos ilustrados nas duas discussões anteriores de infartos da parede anterior e posterior, c possível determinar-se a localização de qualquer área infartada que emita corrente de lesão independentemente Fig. 12.20 Corrente de lesão em infarto agudo da parede apical posterior. 118 Ela é causada por isquemia relativa do coração. Não é sentida qualquer dor enquanto a pessoa está totalmente imóvel, mas logo que o paciente sobrecarrega o coração a dor aparece. Ocorre freqüentemente corrente de lesão durante um ataque de angina de peito grave, pois, por vezes a insuficiência coronária relativa toma-se aí intensa o suficiente para impedir a repolarização adequada das membranas em algumas áreas do coração durante a diástole. ANORMALIDADES DA ONDA T Fig. 12.21 Recuperação do miocárdio após um infarto moderado da parede posterior, ilustrando o desaparecimento da corrente de lesão (derivação V3). lesão é forte imediatamente após o ataque agudo (segmento T-P deslocado positivamente do ponto J e do segmento S-T). mas, aproximadamente 1 semana, a corrente de lesão diminui consideravelmente e após 3 semanas desapareceu totalmente. Depois disso, o eletrocardiograma não se alterou muito durante o ano que se segue. Este é o padrão habitual de recuperação após infarto cardíaco agudo moderado, quando o fluxo sanguíneo colateral coronário é suficiente para restabelecer a nutrição apropriada a maior parte da área infartada. Por outro lado, quando todos os vasos coronários de todo o coração estão bastante esclerosados, pode não ser possível aos vasos coronários adjacentes suprir a área infartada com sangue suficiente para a recuperação. Por esta razão, em alguns pacientes com infarto coronário, a área infartada nunca volta a desenvolver suprimento sanguíneo coronário adequado, parte do músculo cardíaco morre e persiste insuficiência coronária relativa indefinidamente nessa área do coração. Caso não morra c não seja substituído por tecido cicatricial, o músculo emite continuamente uma corrente de lesão, enquanto existir a isquemia relativa, especialmente em períodos de exercício quando o coração fica sobrecarregado. infarto do miocárdio antigo recuperado. A Fig. 12.22 mostra as derivações I e III após infarto anterior e infarto posterior, conforme aparecem nessas derivações aproximadamente 1 ano após o episódio agudo. Estas são o que se poderia chamar as configurações "ideais" do complexo QRS nesses tipos de infarto do miocárdio recuperado. Geralmente surge uma onda O no início do complexo QRS, na derivação 1 no infarto anterior, devido à perda de massa muscular na parede anterior do ventrículo esquerdo, enquanto no infarto posterior a onda Q surge no início do complexo QRS na derivação III, devido à perda do músculo na parte apical posterior do ventrículo. Essas configurações não são certamente as encontradas em todos os casos de infarto cardíaco antigo anterior e posterior. A perda local de músculo e as áreas locais de bloqueio da condução podem causar as seguintes anormalidades do complexo QRS: padrões bizarros (as ondas Q proeminentes, por exemplo), diminuição da voltagem e alargamento. Correntes de lesão na angina do peito. "Angina do peito" significa, simplesmente, dor nas regiões peitorais da parte superior do tórax, irradiando-se geralmente para o pescoço e ao longo do braço esquerdo. I Fig. 12.22 Eletrocardiogramas de antigos infartos da parede anterior e da parede posterior, mostrando a onda Q na derivação I no infarto antigo da parede anterior, e a onda Q na derivação III no infarto antigo da parede posterior. Antes neste capítulo foi ressaltado que a onda T é normalmente positiva em todas as derivações bipolares-padrão dos membros e que isso é causado pela repolarização do ápice e das superfícies externas dos ventrículos antes das superfícies endocárdicas. Essa direção segundo a qual a repolarização se difunde por sobre o coração é o inverso da direção em que ocorre a despolarização. (Se os princípios básicos da onda T ascendente nas derivações-padrão ainda não são conhecidos, o leitor deve familiarizar-se com a discussão anterior, mais detalhada, sobre isto antes de passar às seções seguintes.) A onda T torna-se anormal quando a seqüência normal da repolarização não ocorre. Vários fatores podem alterar esta seqüência de repolarização, como se segue. EFEITO DA CONDUÇÃO LENTA DA ONDA DE DESPOLARIZAÇÃO SOBRE A ONDA T Voltando à Fig. 12.14, observe que o complexo QRS está consideravelmente alargado. A razão desse alargamento é o retardo da condução no ventrículo esquerdo, como conseqüência de bloqueio do ramo esquerdo. O ventrículo esquerdo se despolariza aproximadamente 0,08 s após a despolarização do ventrículo direito, o que produz forte vetor médio do QRS para a esquerda. O período refratário das massas musculares ventriculares esquerda e direita não difere muito um do outro. Por esta razão, o ventrículo direito começa a se repolarizar muito antes do esquerdo; isso causa positividade no ventrículo direito e negatividade no esquerdo. Em outras palavras, o eixo médio da onda T apresenta um desvio para a direita, o que é o contrário do eixo elétrico médio do complexo QRS nesse mesmo eletrocardiograma. Assim, quando a condução do impulso pelos ventrículos sofre grande retardo, a onda T é quase sempre de polaridade oposta à do complexo QRS. Na Fig. 12.15 e em várias figuras do capítulo seguinte, a condução também não ocorre pelo sistema de Purkinje. Como conseqüência, a velocidade da condução fica muito identificada e, em cada caso, a onda T é de polaridade oposta à do complexo QRS, quer seja a condição que cause esse retardo da condução um bloqueio do ramo esquerdo, um bloqueio do ramo direito, uma contração ventricular prematura ou outra coisa. DESPOLARIZAÇÃO PROLONGADA EM PARTES DO MÚSCULO VENTRICULAR COMO CAUSA DE ANORMALIDADES DA ONDA T Se o ápice dos ventrículos tivesse um período de despolarização anormalmente longo, ou seja, um potencial de ação prolongado, a repolarização dos ventrículos não se iniciaria no ápice como o faz normalmente. Em vez disso, a base dos ventrículos iria repolarizar-se antes do ápice e o vetor da repolarização apontaria do ápice para a base do coração, o contrário do vetor de repolarização habitual. Como conseqüência, a onda T em todas as três derivações-padrão seria negativa, e não positiva como de hábito. Assim, o simples fato de que o músculo apical do coração apresenta um prolongado período de despolarização seria suficiente para causar alterações acentuadas na onda T, até mesmo a ponto de alterar toda sua polaridade, como é mostrado na Fig. 12.23. Uma isquemia leve é certamente a mais comum das causas de maior duração da despolarização do músculo cardíaco, e, quando a isquemia ocorre em apenas uma área do coração, o período de despolarização dessa área ocorre desproporcionalmente ao de outras partes. Como conseqüência, pode haver alterações nítidas na onda T. A isquemia pode ser conseqüente à oclusão coronária crônica e progressiva, à oclusão coronária aguda ou à insuficiência coronária relativa, ocorrendo durante o exercício. 119 Fig. 12.24 Onda T bifásica causada por toxicidade digitálica Fig. 12.23 Onda T invertida resultante de isquemia leve do ápice dos ventrículos. Um meio de se detectar uma leve insuficiência coronária é fazer o paciente exercitar-se e, então, registrar-se o eletrocardiograma imediatamente depois, observando-se se ocorrem ou não alterações nas ondas T. As alterações da onda T não precisam ser específicas, pois qualquer alteração na onda T em qualquer derivação - inversão, por exemplo, ou onda bifásica - é freqüentemente evidência suficiente de que alguma parte do músculo ventricular aumentou seu período de despolarização desproporcionalmente ao resto do coração, e isso é provavelmente causado por insuficiência coronária relativa. Todas as outras condições que podem causar correntes de lesão, incluindo pericardites, miocardites e traumas mecânicos do coração, também podem causar alterações de onda T. Ocorre corrente de lesão quando o período de despolarização de algum músculo é tão longo que o músculo não se repolariza totalmente antes que o próximo ciclo cardíaco se inicie. Assim sendo, uma corrente de lesão é, de fato, uma forma exacerbada de onda T anormal, pois ambas decorrem do aumento do período de despolarização de uma ou mais partes do músculo cardíaco, sendo a diferença apenas de grau. Efeito do digital sobre a onda T. Como é discutido no Cap. 22, o digital é um medicamento que pode ser usado durante a insuficiência coronária relativa para aumentar a força de contração do músculo cardíaco. Entretanto, o digital também aumenta o período de despolarização do músculo cardíaco. Ele geralmente aumenta esse período quase na mesma proporção em todo o músculo ventricular ou na maior parte *dele, mas, quando são administradas doses excessivas de digital, o período de despolarização de uma parte do coração pode aumentar desproporcionalmente ao de outras partes. Como conseqüência, podem ocorrer alterações inespecíficas, tais como a inversão da onda T ou ondas T bifásicas, em uma ou mais das derivações eletrocardiográficas. Uma onda T bifásica causada pela administração excessiva de digital é apresentada na Fig. 12.24. Também há pequena quantidade de corrente de lesão. Isso decorre, provavelmente, da despolarização contínua de parte do músculo ventricular. As alterações de onda T durante a administração de digitálicos são os primeiros sinais da toxicidade digitálica. Caso se administre ao paciente quantidade ainda maior do medicamento, podem surgir fortes correntes de lesão. Da mesma forma, o digital pode bloquear a condução dos impulsos cardíacos para diversas partes do coração, de modo que podem resultar daí várias arritmias. É clinicamente desejável impedir-se os efeitos do digital de ir além do estágio de leves anormalidades da onda T. Por esta razão, o eletrocardiógrafo é utilizado de rotina no acompanhamento dos pacientes digitalizados. REFERÊNCIAS Ver as referências do Cap. 13. 120 CAPÍTULO 13 Arritmias Cardíacas e Sua Interpretação Eletrocardiográfica Alguns dos tipos mais perturbadores de disfunção cardíaca não ocorrem como conseqüência de anormalidade do músculo cardíaco, mas, sim. de um ritmo cardíaco anormal. Por vezes, a freqüência cardíaca é demasiado rápida ou lenta para bombear quantidade de sangue adequada; por vezes, o intervalo entre os batimentos cardíacos é demasiado curto para que os ventrículos se encham; e por vezes o batimento dos átrios é totalmente descoordenado em relação ao dos ventrículos, de modo que os átrios não funcionam mais como preparadores dos ventrículos, O objetivo do presente capítulo é o de discutir as arritmias cardíacas mais comuns e seu efeito sobre o bombeamento cardíaco, assim como seu diagnóstico pela eletrocardiografia. As causas das arritmias cardíacas são geralmente uma das seguintes anormalidades no sistema de ritmicidade — condução do coração ou de suas combinações: 1. Ritmicidade anormal do marcapasso. 2. Deslocamento do marcapasso do nodo sinusal para outras partes do coração. 3. Bloqueios em diferentes pontos da transmissão de impulsos através do coração. 4. Vias anormais de transmissão de impulsos pelo coração. 5. Geração espontânea de impulsos anormais em praticamente toda e qualquer parte do coração. RITMO SINUSAL ANORMAL TAQUICARDIA O termo “taquicardia” significa freqüência cardíaca elevada, definida geralmente como acima de 100 batimentos por minuto. O eletrocardiograma registrado em paciente com taquicardia é apresentado na Fig. 13.1. Esse eletrocardiograma é normal, exceto que a freqüência dos batimentos cardíacos, determinada pelo intervalo de tempo entre os complexos GRS, é de aproximadamente 150 por minuto, em vez dos 72 por minuto normais. As três causas gerais de taquicardia são o aumento da temperatura corporal, a estimulação do coração pelos nervos simpáticos e condições tóxicas do coração. A freqüência cardíaca aumenta aproximadamente 15 batimentos por minuto para cada centígrado de aumento da temperatura corporal até a temperatura corporal de cerca de 41ºC; acima disto, a freqüência cardíaca reduz-se de fato devido ao progressivo enfraquecimento do músculo cardíaco produzido pela febre. A febre causa taquicardia porque a elevação da temperatura aumenta o metabolismo do nodo sinusal, o que, por sua vez, aumenta diretamente sua excitabilidade e freqüência rítmicas. Muitos fatores podem fazer o sistema nervoso simpático excitar o coração como discutimos em múltiplos pontos deste texto. Quando um paciente perde sangue e entra em estado de choque ou semichoque, por exemplo, a estimulação reflexa do coração aumenta sua freqüência até 150 a 180 batimentos por minuto. Assim, também o simples enfraquecimento do miocárdio aumenta geralmente a freqüência cardíaca, porque o coração enfraquecido não bombeia sangue para a árvore arterial de maneira normal, e isso evoca reflexos que aumentam a freqüência do coração. BRADICARDIA O termo "bradicardia" significa uma freqüência cardíaca baixa definida geralmente como abaixo de 60 batimentos por minuto. A bradicardia é mostrada no eletrocardiograma na Fig. 13.2. Bradicardia em atletas. O coração de um atleta é consideravelmente mais forte que o da pessoa normal, fato que lhe possibilita bombear maior débito sistólico por batimento. A excessiva quantidade de sangue bombeada para a árvore arterial a cada batimento desencadeia reflexos circulatórios ou outros efeitos que ocasionam a bradicardia. Estimulação vagal como causa de bradicardia. Qualquer reflexo circulatório que estimule o nervo vago pode fazer a freqüência cardíaca diminuir consideravelmente. devido ao efeito inibitório que os sinais nervosos parassimpáticos têm sobre a função cardíaca. Talvez o exemplo mais notável disto ocorra em pacientes com a síndrome do seio carotídio. Nesses pacientes, um processo artenosclerótico na região do seio carotídeo na artéria carótida causa sensibilidade excessiva dos receptores da pressão (barorreceptores) localizados na parede arterial; como conseqüência, uma leve pressão no pescoço evoca forte reflexo barorreceptor, causando intensa estimulação vagal do coração e bradicardia extrema. De fato, por vezes este reflexo é tão potente que até faz parar o coração. ARRITMIA SINUSAL A Fig. 13.3 apresenta um registro cardiotacométrico da freqüência cardíaca durante a respiração normal e a respiração profunda. O cardiotacômetro é um instrumento que registra, pela altura dos potenciais em ponta sucessivos, a duração do intervalo entre cada dois complexos QRS no eletrocardiograma. Note. por esse registro, que a freqüência cardíaca aumenta e diminui aproximadamente 5% durante as diversas fases do ciclo respiratório em repouso. Entretanto, durante a respiração profunda, como é mostrado à direita da Fig. 13.3, a freqüência cardíaca, ainda que normalmente, aumenta e diminui por até 30% a cada ciclo respiratória. A arritmia sinusal pode ocorrer como conseqüência de, qualquer um dos muitos reflexos circulatórios ou outros efeitos nervosos que afetam a potência dos sinais nervosos simpáticos e parassimpáticos para o nodo sinusal. No tipo respiratório de arritmia sinusal mostrado na Fig. 13.3, isto decorre principalmente do "derrame" de sinais do centro respiratório bulbar para o centro vasomotor durante os ciclos inspiratório e expiratório da respiração. 121 Fig. 13.1 Taquicardia sinusal (derivação I). Fig. 13.3 Arritmia sinusal conforme detectada por cardiotacômetro. À esquerda está o traçado obtido enquanto o indivíduo estava respirando normalmente; à direita, enquanto ele respirava profundamente. Os sinais de derrame causam aumentos e reduções alternados do número de impulsos transmitidos para o coração pelos nervos simpáticos e pelo nervo vago. quando a condução pelo nodo e feixe A-V diminui nessa escala, a condução cessa totalmente. Assim, quando o intervalo P-R de um paciente está se aproximando desses limites, um pequeno aumento adicional na gravidade da condição vai bloquear a condução de impulsos em vez de simplesmente retardar mais a condução. Um dos meios para a determinação da gravidade de algumas cardiopatias —febre reumática aguda, por exemplo — é a medida do intervalo P-R. Bloqueio de segundo grau. Quando a condução pela junção AV é lentificada até o intervalo P-R estender-se por 0,25 a 0,45 s, os potenciais de ação que passam pelo nodo A-V são por vezes suficientemente fortes para passar pelo nodo A-V e, em outras ocasiões, não o são. Muitas vezes, o impulso passa para os ventrículos após a contração atrial e deixa de fazê-lo na primeira ou segunda contrações subseqüentes, alternando, pois, entre a condução e a não-condução. Neste caso, os átrios batem com freqüência consideravelmente maior que a dos ventrículos e diz-se que há "falha dos batimentos" ventriculares. Essa condição é denominada bloqueio cardíaco de segundo grau incompleto. A Fig. 13.6 mostra intervalos P-R de 0,30 s, ilustrando também uma falha do batimento como conseqüência da ausência de condução dos átrios para os ventrículos. Por vezes, a falha atinge os batimentos cardíacos alternados de forma constante, de modo que se estabelece um ritmo 2:1 no coração, batendo os átrios duas vezes para cada batimento dos ventrículos. Por vezes, também ocorrem outros ritmos, tais como 3:2 ou 3:1. Bloqueio A-V completo (bloqueio de terceiro grau). Quando a condição que causa a condução deficiente no nodo ou feixe A-V se torna extremamente grave, há um bloqueio do impulso dos átrios para os ventrículos. Nesse caso, as ondas P se dissociam totalmente dos complexos QRS-T, como é mostrado na Fig. 13.7. Note que a freqüência rítmica atrial nesse eletrocardiograma é de aproximadamente 100 batimentos por minuto, enquanto a freqüência dos batimentos ventriculares é de menos de 40 por minuto. Além disso, não há qualquer relação entre o ritmo dos átrios e o dos ventrículos, pois os ventrículos “escaparam” ao controle dos átrios e estão batendo com seu ritmo próprio e natural. Síndrome de Stokes-Adams escape ventricular. Em alguns pacientes com bloqueio A-V, o bloqueio total vai e volta — ou seja, são conduzidos impulsos dos átrios para os ventrículos por um dado período e, então, de súbito, não é transmitido absolutamente qualquer impulso. A duração do bloqueio total pode ser de alguns segundos, alguns minutos ou algumas horas ou podem passar semanas ou até mais tempo antes que a condução retorne. Essa condição ocorre particularmente em corações com isquemia fronteiriça (borderline). Imediatamente apôs o início do bloqueio da condução A-V, os ventrículos param totalmente de se contrair por 5 a 30 s, devido ao fenômeno denominado supressão por estimulação excessiva, o que quer dizer que a excitabilidade dos ventrículos foi suprimida por terem sido estimulados pelos átrios com freqüência maior que seu ritmo natural. Finalmente, alguma parte do sistema de Purkinje além do bloqueio — geralmente na parte distai do nodo A-V, além do ponto bloqueado neste nodo ou no feixe A-V — começa a descarregar ritmicamente com freqüência de 15 a 40 vezes por minuto e a agir como marcapasso ventricular. Isto é denominado escape ventricular. RITMOS ANORMAIS CONSEQUENTES AO BLOQUEIO DA CONDUÇÃO DE IMPULSOS BLOQUEIO SINOATRIAL Em raros casos, o impulso do nodo sinusal é bloqueado antes de chegar ao músculo atrial. Este fenômeno é mostrado na Fig. 13.4, que mostra a súbita cessação das ondas P, com conseqüente parada do átrio. Entretanto, o ventrículo adquire um novo ritmo, geralmente originado no nodo A-V, de modo que o complexo QRS-T ventricular não se altera. BLOQUEIO ATRIOVENTRICULAR O único meio pelo qual os impulsos podem passar normalmente dos átrios para os ventrículos é pelo feixe A-V, também conhecido como feixe de His. As diferentes condições que podem diminuir a condução de impulsos por este feixe ou bloqueá-la totalmente são; O A isquemia das fibras do nodo A-V ou do feixe A-V freqüentemente retarda ou bloqueia a condução dos átrios para os ventrículos. A insuficiência coronária pode causar a isquemia do nodo e do feixe A-V, da mesma maneira como pode causar a isquemia do miocárdio. 2. A compressão do feixe A-V por um tecido cicatricial ou por partes calcificadas do coração pode deprimir ou bloquear a condução dos átrios para os ventrículos. 3. A inflamação do nodo A-V ou do feixe A-V pode diminuir a condutividade entre os átrios e os ventrículos. A inflamação ocorre freqüentemente devido a diferentes tipos de miocardite, tais como os que ocorrem na difteria e na febre reumática. 4. A estimulação extrema do coração pelos nervos vagos bloqueia em raros casos a condução dos impulsos através do nodo A-V. Essa excitação vagal ocorre ocasionalmente como conseqüência da forte estimulação dos barorreceptores em pessoas portadoras da síndrome do seio carotídeo, que foi discutida anteriormente em relação a bradicardia. Bloqueio cardíaco incompleto. Prolongamento do intervalo P-R ( ou P-Q)— “bloqueio de primeiro grau”. O período de tempo que transcorre normalmente entre o início da onda P e o início do complexo QRS é de aproximadamente 0,16 s quando o coração está batendo com sua freqüência normal. Esse intervalo P-R em geral diminui com batimentos cardíacos mais rápidos e aumenta com batimentos mais lentos. Em geral, quando o intervalo P-R aumenta acima do valor de cerca de 0.20 s em coração batendo na freqüência normal, diz-se que ele está prolongado e diz-se do paciente que ele tem um bloqueio cardíaco incompleto do primeiro grau. A Fig. 13.5 mostra um eletrocardiograma com prolongamento do intervalo P-R, sendo esse intervalo, neste caso, de aproximadamente 0,30 s. Portanto, o bloqueio de primeiro grau é definido como um retardo da condução dos átrios para os ventrículos, mas não como um bloqueio real da condução. O intervalo P-R raramente aumenta acima de 0,35 a 0,45 s, pois. Fig. 13.2 Bradicardia sinusal (derivação III). Fig. 13. 4 Bloqueio do nodo S-A com rit mo nodal A-V (derivação I I I ) . 122 Fig. 13.5 Prolonga ment o do inte rvalo P-R (der ivação I I ) . Como o cérebro não pode permanecer ativo por mais de 3 a 5 s sem suprimento sanguíneo, os pacientes geralmente desmaiam por alguns segundos após ocorrer um bloqueio completo, porque o coração, nessas condições, não bombeia sangue algum por 5 a 30 s até os ventrículos "escaparem". Após o escape, até mesmo ventrículos batendo lentamente em geral bombeiam sangue suficiente para possibilitar a recuperação rápida do desmaio e, em seguida, para manter a pessoa. Esses episódios periódicos de desfalecimento são conhecidos como síndrome de Stokes-Adams. Ocasionalmente, o intervalo de parada ventricular ao início de um bloqueio completo é tão longo que se torna prejudicial à saúde do paciente ou causa a sua morte. Por conseguinte, muitos são agora providos de um marcapasso artificial, que é um pequeno estimulador elétrico a bateria, implantado sob a pele, cujos eletródios são ligados geralmente ao ventrículo direito. Esse marcapasso proporciona impulsos rítmicos contínuos que assumem o controle dos ventrículos. As baterias são substituídas mais ou menos uma vez a cada 5 anos. BLOQUEIO INTRAVENTRICULAR INCOMPLETO ALTERNÂNCIA ELÉTRICA Muitos dos mesmos fatores que podem causar o bloqueio A-V também podem bloquear a condução de impulsos nas partes periféricas do sistema de Purkinje. Em certos casos, há bloqueio incompleto, de modo que algumas vezes os impulsos são transmitidos e outras não, causando bloqueio dos impulsos durante alguns ciclos cardíacos e não durante outros. O complexo QRS pode apresentar-se consideravelmente anormal, durante os ciclos em que os impulsos são bloqueados. A Fig. 13.8 mostra a condição conhecida como alternância elétrica, que decorre de bloqueio intraventricular parcial cm batimentos alternados. Esse eletrocardiograma também mostra uma taquicardia, que é provavelmente a razão pela qual ocorreu o bloqueio, pois, quando a freqüência cardíaca é muito rápida, pode ser impossível a partes do sistema de Purkinje recuperar-se do período refratário de modo suficientemente rápido para responder a cada batimento cardíaco sucessivo. Assim, também, muitas condições que deprimem o coração, tais como isquemia, miocardite e toxicidade digitálica, podem causar bloqueio intraventricular, com a conseqüente alternância elétrica. CONTRAÇÕES PREMATURAS A contração prematura é uma contração do coração antes do momento em que seria esperada a contração normal. Esta condição também é freqüentemente denominada extra-sístole, batimento prematuro ou batimento ectópico. Causas das contrações prematuras. Muitas contrações prematuras decorrem de focos ectópicos no coração, que emitem impulsos anormais em ocasiões irregulares durante o ritmo cardíaco. Entre as possíveis causas de foco ectópico estão (1) áreas locais de isquemia; (2) pequenas placas calcificadas em diferentes pontos do coração, que comprimem o músculo cardíaco adjacente de tal modo que algumas das fibras são Fig. 13.6 Bloqueio atrioventricular incompleto de segundo grau (derivação V3). Fig. 13.7 Bloqueio atrioventricular completo (derivação II). irritadas; e (3) irritações tóxicas do nodo A-V. sistema de Purkinje ou miocárdio causadas por medicamentos, nicotina ou cafeína. O desencadeamento mecânico das contrações prematuras também é freqüente durante o cateterismo cardíaco, ocorrendo muitas vezes grande número de contrações prematuras quando o cateter penetra no ventrículo direito e comprime o endocárdio. Em pessoas com cardiopatia isquêmica, o ritmo ectópico é ocasionalmente considerado como sendo causado por um sinal reentrante, da maneira que se segue. O batimento cardíaco normal excita uma área de tecido isquêmico pela qual o impulso cardíaco passa com extrema lentidão Em seguida, após terminar a contração do músculo cardíaco normal, o sinal lento do tecido isquêmico escapa novamente para o músculo cardíaco normal, causando, deste modo, uma segunda contração numa etapa posterior do batimento cardíaco. CONTRAÇÕES ATRIAIS PREMATURAS A Fig. 13.9 é um eletrocardiograrna onde aparece uma só contração atrial prematura. A onda P deste batimento ocorre demasiado cedo no ciclo cardíaco, e o intervalo P-R está mais curto, indicando que a origem ectópica do batimento é próxima do nodo A-V. Além disso, o intervalo entre a contração prematura e a primeira contração subseqüente está ligeiramente prolongado, o que é denominado pausa compensatória. A razão disso é que a contração prematura origina-se no átrio, a alguma distância do nodo sinusal, e o impulso teve de passar por quantidade considerável do músculo atrial antes de se descarregar no nodo sinusal. Por conseguinte, o nodo sinusal descarregou-se muito tardiamente no ciclo prematuro, e isso faz com que o batimento cardíaco subseqüente também tenha aparecimento tardio. As contrações atriais prematuras ocorrem freqüentemente em pessoas sadias, sendo de fato encontradas muitas vezes em atletas ou outros indivíduos cujo coração certamente está em condições saudáveis. No entanto, leves condições tóxicas conseqüentes a fatores tais como fumar em excesso, ingestão de café em demasia, alcoolismo e o uso de diversos medicamentos também podem provocar essas contrações. Déficit de pulso. Quando o coração se contrai antes da hora, os ventrículos ainda não se encheram normalmente de sangue e o débito sistólico durante essa contração fica diminuído ou, por vezes, quase ausente. Por esta razão, a onda de pulso que vai até a periferia após uma contração prematura pode ser tão fraca que o pulso não pode ser sentido na artéria radial. Assim, há um déficit no número de pulsações sentidas no pulso radial relativamente ao número de contrações do coração. Pulso bigeminado. Por vezes, cada batimento alternado do coração pode ser uma contração prematura. Isto faz o paciente ter um pulso bigeminado, ou seja, duas pulsações bem próximas, depois um intervalo diastólico mais longo, depois novamente duas pulsações, e assim por diante. CONTRAÇÕES PREMATURAS DO NÓDO A-V OU DO FEIXE A-V A Fig. 13.10 mostra uma contração prematura originando-se do nodo A-V ou do feixe A-V. A onda P está ausente do registro da contra- Fig. 13.8 Bloqueio intraventricular parcial alternância elétrica ( derivação III) 123 Fig. 13.9 Contração atrial prematura (derivação I). ção prematura. Em vez disso, ela está superposta ao complexo QRS-T da contração prematura, porque o impulso cardíaco vai de volta até os átrios, ao mesmo tempo que segue adiante até os ventrículos; essa onda P distorce o complexo, mas ela própria não pode ser distinguida como tal. Em geral, as contrações prematuras do nodo A-V têm o mesmo significado e as mesmas causas das contrações atriais prematuras. CONTRAÇÕES PREMATURAS VENTRICULARES O eletrocardiograma da Fig. 13.11 mostra uma série de contrações prematuras ventriculares (CPVs) alternando-se com contrações normais. A maioria das CPVs desse tipo decorre provavelmente de um sinal reentrante de área isquêmica do músculo ventricular, como foi descrito antes. Isso causa vários efeitos no eletrocardiograma, da seguinte maneira: 1. O complexo QRS está em geral consideravelmente alargado. A razão é que o impulso é conduzido em sua maior parte pelo músculo de condução lenta do ventrículo, e não pelo sistema de Purkinje. 2. O complexo QRS tem voltagem muito alta, pela seguinte razão: ao atravessar o coração, o impulso normal passa por ambos os ventrículos quase simultaneamente; como conseqüência, os dois lados do coração se neutralizam parcialmente. Entretanto, quando ocorre a CPV, o impulso segue apenas em uma direção, de modo que não há esse efeito de neutralização, e todo um lado do coração se despolariza enquanto o outro ainda está inteiramente polarizado; isso ocasiona intensos potenciais elétricos. 3. Após quase todas as CPVs, a onda T tem potencial oposto ao do complexo QRS, porque a condução lenta do impulso faz com que a área que se despolarizou primeiro também se repolarize primeiro. Em conseqüência, a direção do fluxo de corrente no coração, durante a repolarização, é oposta àquela durante a despolarização, e o potencial da onda T é o inverso daquele do complexo QRS. Isso não ocorre cora a onda T normal, como explicado no Cap. 11. Algumas CPVs têm origem relativamente benigna e decorrem de fatores simples como cigarros, café, falta de sono, diversos estados tóxicos leves e, até mesmo, de irritabilidade emocional. Por outro lado, grande proporção das CPVs decorre de impulsos errantes ou sinais reentrantes originados em torno das margens de áreas infartadas ou isquêmicas do coração. Assim sendo, a presença dessas CPVs não deve ser deixada de lado. As estatísticas mostram que as pessoas com número significativo de CPVs, têm chance muito acima do normal de vir a apresentar fibrilação ventricular espontânea letal, presumivelmente iniciada por uma das próprias CPVs. Isto é particularmente verdadeiro quando as CPVs ocorrem durante o período vulnerável de ocorrência da fibrilação, imediatamente ao final da onda T, quando os ventrículos estão saindo do estado refratário, como é explicado mais adiante no capítulo. Análise vetorial da origem da contração prematura ventricular ectópica. No Cap. 12 foram explicados os princípios da análise vetorial. Aplicando-se esses princípios, pode-se determinar, pelo eletrocardiograma aa Fig. 13.11, o ponto de origem das CPVs como se segue. Note que os potenciais das contrações prematuras nas derivações II e III Fig. 13.11 Contrações prematuras ventriculares (CPVs) ilustradas pelos grandes complexos QRS-T anormais (derivações II e III). O eixo das contrações prematuras é representado graficamente de acordo com os princípios de análise vetorial explicados no Cap. 12. são ambos fortemente positivos. Representando-se graficamente esses potenciais sobre os eixos das derivações II e III e resolvendo-se por análise vetorial para o vetor médio do QRS no coração, verifica-se que esse vetor da contração prematura tem sua extremidade negativa (origem) na base do coração e sua extremidade positiva voltada para o ápice. Portanto, a primeira parte do coração a se despolarizar durante a contração prematura encontra-se próximo à base do coração, que é, pois, a localização do foco ectópico. TAQUICARDIA PAROXÍSTICA Anormalidades de qualquer parte do coração, incluindo os átrios, o sistema de Purkinje e os ventrículos, podem, ocasionalmente, causar uma descarga rítmica de impulsos que se difunde em todas as direções pelo coração. Isto é supostamente causado com mais freqüência por vias reentrantes que estabelecem auto-reexcitação local repetida. Devido ao ritmo rápido do foco irritável, este foco torna-se o marcapasso do coração. O termo “paroxística” significa que a freqüência cardíaca torna-se em geral muito rápida em paroxismos, que se iniciam subitamente c duram alguns segundos, alguns minutos, algumas horas ou, por vezes, muito mais tempo. Os paroxismos terminam, então, em geral tão subitamente quanto haviam se iniciado, e o marcapasso volta a ser o nodo sinusal. A taquicardia paroxística pode cessar freqüentemente ao ser evocado um reflexo vagal. Um tipo estranho de reflexo vagal por vezes evocado com esta finalidade é o que ocorre quando é aplicada pressão dolorosa sobre os olhos. Também a pressão sobre os seios carotídeos pode ocasionalmente evocar um reflexo vagal suficiente para fazer cessar a taquicardia. Diversos medicamentos também podem ser usados, entre os quais estão com freqüência a quinidina e a lidocaína, que deprimem o aumento normal na permeabilidade da membrana do músculo cardíaco ao sódio durante a geração do potencial de ação, bloqueando, assim, freqüentemente, a descarga rítmica da região focal que está causando o ataque paroxístico. TAQUICARDIA PAROXÍSTICA ATRIAL A Fig. 13.12 mostra, no meio do registro, um súbito aumento da freqüência dos batimentos cardíacos, de aproximadamente 95 para cerca de 150 batimentos por minuto. A observação cuidadosa do eletrocardiograma evidencia uma onda P invertida antes de cada um dos complexos QRS-T durante o paroxismo de batimentos cardíacos rápidos, e essa onda P está parcialmente superposta ã onda T normal do batimento anterior. Fig. 13.10 Contração nodal A-V prematura (derivação III). 124 Fig. 13.12 Taquicardia paroxística atrial — início na metade do traçado (derivação I). Isso indica que a origem dessa taquicardia paroxística é no átrio, mas, como a onda P é anormal, a origem não é próxima do nodo sinusal. Taquicardia paroxística nodal A-V. A taquicardia paroxística decorre muito freqüentemente de um ritmo aberrante que envolve o nodo A-V. Uma das causas postuladas desse tipo de taquicardia é um sinal reentrante local que chega ao nodo A-V como se segue. Acredita-se que algumas das fibras do nodo A-V conduzem muito mais que outras. Então, após o impulso cardíaco ter chegado aos ventrículos, um sinal reentrante volta pelas fibras anteriormente não excitadas, iniciando, assim, um novo impulso do nodo A-V. Desse modo, há nova contração ventricular, seguida pela reentrada, mais uma vez. por meio das fibras do nodo A-V de recuperação rápida e a continuação do ciclo repetitivo. Independentemente da causa, a taquicardia do nodo A-V geralmente causa complexos QRS-T praticamente normais, mas ondas P ausentes ou obscurecidas. A taquicardia paroxística atrial ou a do A-V, ambas denominadas taquicardia supraventriculares, ocorrem geralmente em pessoas jovens e sadias em todos os demais aspectos, e essas pessoas em geral perdem a predisposição à taquicardia após a adolescência. Em geral, a taquicardia supraventricular assusta muito o indivíduo e pode causar fraqueza durante os paroxismos, mas só raramente provoca danos permanentes pelos ataques. TAQUICARDIA PAROXÍSTICA VENTRICULAR A Fig. 13.13 mostra um paroxismo típico e curto de taquicardia ventricular. O eletrocardiograma da taquicardia paroxística ventricular tem a aparência de uma série de batimentos ventriculares prematuros, ocorrendo um após o outro sem qualquer batimento normal entre eles. A taquicardia paroxística ventricular é geralmente uma condição grave, por duas razões. Em primeiro lugar, esse tipo de taquicardia não costuma ocorrer, a não ser que consideráveis lesões isquêmicas estejam presentes nos ventrículos. Segundo, a taquicardia ventricular inicia muito freqüentemente a fibrilação ventricular, devido à estimulação rápida e repetida do músculo ventricular, como discutimos na seção seguinte. acontece, muitas pequenas partes do músculo ventricular se contraem ao mesmo tempo, enquanto número igual de outras partes se relaxa. Assim, nunca ocorre contração coordenada de todo o músculo cardíaco de uma só vez, o que é necessário para o ciclo de bombeamento do coração. Por esta razão, apesar do fluxo maciço de sinais estimulatórios por todos os ventrículos, a câmara ventricular não se dilata nem se contrai, permanecendo cm estágio intermediário de contração parcial, não bombeando absolutamente qualquer sangue, nem em quantidade desprezível. Assim sendo, após iniciada a fibrilação, a perda de consciência ocorre dentro de 4 a 5 segundos por ausência de fluxo sanguíneo para o cérebro, ocorrendo a morte irreversível dos tecidos em todo o corpo dentro de alguns minutos. Múltiplos fatores podem desencadear fibrilação ventricular - com um batimento cardíaco normal em um segundo e, um segundo após, os ventrículos em fibrilação. São particularmente capazes de desencadear a fibrilação (1) choque elétrico súbito ao coração ou (2) isquemia do músculo cardíaco, seu sistema especializado de condução, ou ambos. Em qualquer desses casos, pode ser estabelecido um padrão instantâneo de sinais de reentrada, de modo que os impulsos contrateis circulam repetidamente pelo músculo cardíaco. Esse fenômeno também é freqüentemente denominado movimento circular. O FENÔMENO DE “REENTRADA” - MOVIMENTOS CIRCULARES COMO BASE DA FIBRILAÇÃO VENTRICULAR Após ter passado por toda a extensão dos ventrículos, o impulso cardíaco normal não tem, então, qualquer outro lugar para ir, porque todo o músculo ventricular está, nesse momento, refratário e não pode conduzir os impulsos para adiante. Portanto, esse impulso se desvanece e o coração aguarda novo sinal de início do nodo sinusal. Entretanto, em algumas circunstâncias essa seqüência normal de eventos não ocorre. Vamos, pois, explicar de modo mais completo as condições básicas que podem desencadear a reentrada e levar aos movimentos circulares da fibrilação ventricular. A Fig. 13.14 mostra várias pequenas liras de músculo cardíaco cortadas em forma de círculos. Quando uma dessas tiras é estimulada na posição das 12 horas, de modo que o impulso segue apenas uma direção. o impulso difunde-se progressivamente em torno do círculo até voltar para a posição das 12 horas. Quando as fibras musculares originalmente estimuladas ainda estão no estado refratário, o impulso cessa, pois o músculo refratário não pode transmitir um segundo impulso. Contudo, há três condições diferentes que podem fazer esse impulso continuar seu percurso em torno do círculo, ou seja, causar a "reentrada" do impulso no músculo que já havia sido excitado. Em primeiro lugar, quando a via em torno do círculo é longa, até o impulso retornar ã posição de 12 horas, o músculo originalmente estimulado não vai mais estar refratário, e o impulso vai continuar em torno do círculo mais e mais vezes. Segundo, quando a extensão da via permanece constante mas a velocidade de condução diminui o suficiente, vai transcorrer maior intervalo antes que o impulso retorne á posição de 12 horas. FIBRILAÇÃO VENTRICULAR A mais grave de todas as arritmias cardíacas é a fibrilação ventricular. quase que invariavelmente fatal quando não tratada de pronto. A fibrilação ventricular é conseqüente a impulsos cardíacos, que ficaram descontrolados no interior da massa ventricular, estimulando, primeiro, uma parte do músculo ventricular, depois outra parte, depois outra e, finalmente, outra, e voltando por elas para reexcitar o mesmo músculo ventricular mais e mais vezes, sem cessar jamais. Quando isso Fig. 13.13 Taquicardia ventricular paroxística (derivação III). Fig. 13.14 O movimento circular, mostrando a anulação dos impulsos na via curta e a propagação contínua dos impulsos na via longa. 125 A esta altura, o músculo originalmente estimulado pode ter saído do estado refratário e o impulso pode continuar em torno do círculo novamente. Terceiro, o período refratário do músculo pode ficar muito encurtado. Nesse caso, o impulso também poderia continuar a fazer a volta no círculo. Todas essas três condições ocorrem em diferentes estados patológicos do coração humano, da seguinte forma: (1) uma via longa ocorre freqüentemente, em corações dilatados; (2) a redução da velocidade de condução ocorre freqüentemente em conseqüência do bloqueio do sistema de Purkinje, isquemia do músculo, potássio sanguíneo elevado e muitos outros fatores; (3) período refratário mais curto ocorre freqüentemente em resposta a vários medicamentos, como a epinefrina, ou após estimulação elétrica repetida. Assim, em muitos distúrbios cardíacos, a reentrada pode causar padrões anormais de contração cardíaca ou ritmos cardíacos anormais que ignoram completamente os efeitos de marcapasso do nodo sinusal. O mecanismo de “reação em cadeia” da fibrilação Na fibrilação ventricular são vistas muitas ondas contrateis, pequenas e distintas, difundindo-se ao mesmo tempo em direções diferentes pelo músculo cardíaco. É evidente, então, que os impulsos reentrantes na fibrilação não são simplesmente um só impulso movendose em círculo, como é mostrado na Fig. 13.14. Em vez disso, eles degeneraram a uma série de múltiplas frentes de onda que têm a aparência de uma "reação em cadeia". Uma das melhores maneiras de explicar esse processo na fibrilação é descrever o desencadeamento da fibrilação por um choque elétrico ocasionado por corrente elétrica alternada de 60 ciclos. Fibrilação causada por corrente alternada de 60 ciclos. Num ponto central dos ventrículos do coração A na Fig. 13.15, um estímulo de 60 ciclos c aplicado por meio de um eletródio estimulador. O primeiro ciclo do estímulo elétrico faz com que uma onda de despolarização se difunda em todas as direções, deixando todo o músculo por sob o eletródio no estado refratário. Após cerca de 0,25 s, este músculo começa a sair do estado refratário. Entretanto, algumas partes do músculo saem desse estado antes das outras. Esse estado de coisas é mostrado no coração A por muitas manchas claras, que representam o músculo cardíaco excitável, e manchas escuras, que representam o músculo ainda refratário. Novos estímulos pelo eletródio podem agora fazer com que os impulsos sigam em algumas direções pelo coração, mas não em todas elas. Assim, no coração A, alguns impulsos percorrem uma curta distância até chegarem a uma área refratária e serem bloqueados. Outros impulsos, porém, passam por entre as áreas refratárias e continuam seu trajeto por áreas excitáveis do músculo. Vários eventos transcorrem, então, em rápida sucessão, todos eles ocorrendo simultaneamente e acabando por levar ao estado de fibrilação. São eles os seguintes: Em primeiro lugar, o bloqueio dos impulsos numa direção, com a transmissão efetiva em outras direções, cria uma das condições necessárias ao desenvolvimento de um sinal reentrante - ou seja, a transmissão Fig. 13.15 A.Desencadeamento de fibrilação num coração quando estão presentes áreas esparsas de musculatura refratária. B, Propagação contínua de impulsos fibrilatórios no ventrículo em fibrilação. de algumas das ondas de despolarização em torno do coração em apenas uma direção. Como conseqüência, essas ondas não se encontram com outras ondas seguindo na direção oposta, e, portanto, não se anulam no lado oposto do coração, podendo continuar cm torno dos ventrículos. Segundo, a estimulação rápida do coração produz duas alterações no músculo cardíaco propriamente dito, ambas as quais predispõem ao movimento circular: (1) a velocidade de condução pelo coração diminui, o que possibilita um tempo maior para os impulsos fazerem o percurso em torno do coração. (2) O período refratário do músculo é reduzido, permitindo a reentrada do impulso no músculo cardíaco antes excitado num intervalo muito mais curto que o normal. Terceiro, uma das características mais importantes da fibrilação é a divisão de impulsos, como é mostrado no coração A. Ao chegar a uma área refratária no coração, as ondas de despolarização passam em torno da área nas duas direções. Assim, um só impulso transforma-se em dois. Quando cada um deles chega à outra área refratária, também se divide para formar dois outros impulsos. Desse modo, muitas novas e diferentes ondas estão sendo continuamente formadas no coração por uma reação em cadeia progressiva, até que, por fim, existem muitas pequenas ondas de despolarização seguindo em muitas direções diferentes ao mesmo tempo. Além disso, esse padrão irregular do trajeto dos impulsos gera uma via circular para o percurso desses impulsos, aumentando de muito a extensão da via condutiva, que é uma das condições que mantêm a fibrilação. Isso também ocasiona um padrão irregular contínuo de áreas refratárias esparsas no coração. Pode-se ver prontamente que foi iniciado um círculo vicioso. Mais e mais impulsos são formados, esses ocasionam mais e mais regiões esparsas do músculo refratário e as áreas refratárias esparsas causam a divisão adicional dos impulsos. Portanto, cada vez que uma área individual do músculo cardíaco sai do estado refratário, há sempre um impulso por perto para reentrar nela. O coração B na Fig. 13.15 mostra o estado final na fibrilação. Podem ser vistos aí muitos impulsos seguindo em todas as direções, alguns dividindo-se e aumentando o número dos impulsos, enquanto outros são totalmente bloqueados pelas áreas refratárias. Período vulnerável para o surgimento da fibrilação ventricular. O período do ciclo cardíaco durante o qual é provável que haja áreas simultâneas do músculo cardíaco em estado refratário e em estado não-refratário é exatamente quando o coração se recupera do ciclo cardíaco anterior — ou seja, justamente ao final da contração cardíaca. Esse momento do ciclo é, portanto, considerado como sendo o período vulnerável dos ventrículos no que concerne a fibrilação. De fato, um só choque elétrico durante esse período vulnerável pode levar freqüentemente ao bizarro padrão de impulsos difundindo-se unidirecionalmente em torno das áreas refratárias do músculo, desencadeando, pois, a fibrilação. O eletrocardiograma na fibrilação ventricular Na fibrilação ventricular o eletrocardiograma é extremamente bizarro, como se vê na Fig. 13.16, e, normalmente, não apresenta tendência a qualquer tipo de ritmo regular. Nas fases iniciais da fibrilação ventricular, massas musculares relativamente grandes contraem-se ao mesmo tempo, e isso causa ondas fortes, porém irregulares, no eletrocardiograma. Contudo, após apenas alguns segundos, as grandes contrações dos ventrículos desaparecem e o eletrocardiograma passa a um padrão de ondas muito irregulares de baixa voltagem. Assim, não há um padrão eletrocardiográfico repetido que possa ser atribuído a fibrilação ventricular, exceto que os potenciais elétricos se alteram constante e espasmodicamente porque as correntes no coração fluem primeiro em uma direção e depois em outra, raramente repetindo qualquer ciclo específico. A voltagem das ondas no eletrocardiograma, na fibrilação ventricular, é geralmente de cerca de 0,5 mV ao início da condição, mas Fig. 13.16 Fibrilação ventricular (derivação II). 126 diminui rapidamente, de tal forma que após 20 a 30 s ela é de apenas 0,2 a 0,3 mV. Pequenas voltagens de 0,1 mV ou menos podem ser registradas por 10 minutos ou mais após o início da fibrilação ventricular. Como já foi dito. a fibrilação ventricular é letal se não for interrompida por alguma terapia heróica, como eletrochoque imediato no coração, como é explicado na seção que se segue. A falta de fluxo sanguíneo para o cérebro por mais de 5 a 10 minutos causa em geral distúrbios mentais permanentes ou até mesmo a destruição total do cérebro. Ainda que o coração seja revivido, a pessoa pode morrer pelos efeitos das lesões cerebrais ou viver com distúrbios mentais permanentes. FIBRILAÇÃO ATRIAL Desfibrilação dos ventrículos por eletrochoque Embora a corrente alternada fraca, quase que invariavelmente, faça os ventrículos entrarem em fibrilação, a corrente elétrica muito forte passando pelos ventrículos por curto período pode interromper a fibrilação, fazendo com que todo o músculo ventricular passe ao estado refratário a um só tempo. Isso é feito pela aplicação de corrente intensa por eletródios colocados dos dois lados do coração. A corrente penetra em muitas das fibras dos ventrículos, estimulando, portanto, ao mesmo tempo praticamente todas as partes dos ventrículos e tornando-as refratárias. Todos os impulsos cessam e o coração permanece, então, em repouso por 3 a 5 s, após o que ele começa a bater novamente, em geral com o nodo sinusal ou alguma outra parte do coração passando a ser o marca-passo. Ocasionalmente, porém, o mesmo foco reentrante que originou a fibrilação dos ventrículos ainda está presente e a fibrilação imediatamente começa de novo. Ao serem aplicados os eletródios diretamente nos dois lados do coração, a fibrilação pode ser em geral interrompida com 110 V de corrente alternada de 60 ciclos aplicados por 0,1 s ou 1.000 V de corrente direta aplicados por alguns milésimos de segundo. Quando aplicado através da parede torácica, como é mostrado na Fig. 13.17, o procedimento habitual é o de carregar-se um grande capacitor elétrico com até vários milhares de volts e depois fazer-se esse capacitor descarregar em alguns milésimos de segundo através dos eletródios e do coração. Em nosso laboratório, o coração de um cão anestesiado foi desfibrilado 130 vezes através da parede torácica, e o animal permaneceu em condições perfeitamente normais. Bombeamento manual do coração (ressuscitarão cardiopulmonar) como método auxiliar para a desfibrilação A não ser quando desfibrilado dentro de 1 minuto do início da fibrilação, o coração fica em geral demasiado fraco para ser revivido apenas por desfibrilação, devido à falta de nutrição pelo fluxo sanguíneo coronário. No entanto, ainda é possível reviver-se o coração por bombeamento manual preliminar e posterior a desfibrilação. Desse modo, há aporte de pequena quantidade de sangue à aorta c renovação do suprimento sanguíneo coronário. Apôs. alguns minutos, então, é possível freqüentemente a desfibrilação elétrica. De fato, corações em fibrilação já foram bombeados manualmente por até 90 minutos antes da desfibrilação. A técnica de bombear o coração sem abrir o tórax consiste em pressões intermitentes muito fortes sobre a parede torácica, juntamente com a respiração artificial. Isso é denominado ressuscitarão cardiopulmonar, ou simplesmente RCP. Fig. 13.17 Aplicação de corrente elétrica ao tórax para fazer cessar a fibrilação ventricular. Lembre-se que, exceto pela conexão pelo feixe A-V, a massa muscular atrial é totalmente separada da dos ventrículos, isolados um da outra por tecido fibroso. Assim sendo, a fibrilação ventricular ocorre amiúde de forma totalmente independente da fibrilação atrial. Também, a fibrilação ocorre com freqüência nos átrios independentemente da fibrilação ventricular, sendo denominada fibrilação atrial; isto é mostrado à direita na Fig. 13.18. O mecanismo da fibrilação atrial é idêntico ao da fibrilação ventricular, exceto que o processo ocorre na massa muscular atrial, e não na ventricular. Uma causa muito freqüente de fibrilação atrial é a dilatação atrial conseqüente de lesões das valvas cardíacas, que impede os átrios de se esvaziarem adequadamente nos ventrículos, ou a insuficiência ventricular, com acúmulo excessivo de sangue nos átrios. As paredes atriais dilatadas proporcionam as condições ideais de via condutiva longa e também uma condução lenta, ambas predisponentes a fibrilação atrial. Características do bombeamento atrial durante a fibrilação atrial. Pelas mesmas razões pelas quais os ventrículos não bombeiam sangue durante a fibrilação ventricular, os átrios também não bombeiam sangue na fibrilação atrial. Como conseqüência, eles se tornam inúteis como bombas preparatórias dos ventrículos. Ainda assim, o sangue flui passivamente pelos átrios é para dentro dos ventrículos, e a eficácia do bombeamento ventricular diminui por apenas 20 a 30%. Por esta razão, em contraste com o caráter letal da fibrilação ventricular, uma pessoa pode viver meses ou mesmo anos com fibrilação atrial, embora com reduzida eficiência do bombeamento cardíaco global. O eletrocardiograma na fibrilação atrial. A Fig. 13.19 mostra o eletrocardiograma durante a fibrilação atrial. Inúmeras pequenas ondas e despolarização difundem-se em todas as direções pelos átrios durante fibrilação atrial. Como as ondas são fracas e por serem muitas delas, qualquer momento, de polaridade oposta, elas em geral neutralizam-se umas às outras quase totalmente. Por esta razão, não se pode ver no eletrocardiograma as ondas P dos átrios, nem registro nítido de ondas de alta freqüência e voltagem muito baixa. Por outro lado, os complexos QRS-T são inteiramente normais, a não ser que haja alguma patologia ventricular, mas sua ocorrência é muito irregular pelas razões que se seguem. Irregularidade do ritmo ventricular durante a fibrilação atrial. Quando os átrios estão fibrilando, os impulsos chegam ao nodo A-V rapidamente mas também irregularmente. Como o nodo A -V não deixa passar um segundo impulso por cerca de 0,35 s após o impulso anterior, pelo menos 0,35 s têm de transcorrer entre uma e outra contração ventricular, havendo um intervalo adicional porém variável de 0 a 0,6 s antes que um dos impulsos fibrilantes irregulares chegue ao nodo AV. Assim, o intervalo entre as contrações ventriculares sucessivas varia do mínimo de 0.35 s ao máximo de cerca de 0,95 s, ocasionando batimentos cardíacos muito irregulares. De fato, esta irregularidade, ilustrada pelo espaçamento muito variável dos batimentos cardíacos no eletrocardiograma da Fig. 13.18, é um dos achados clínicos utilizados para o diagnóstico Fig. 13.18 Trajeto dos impulsos no flutter atrial e na fibrilação atrial. 127 Fig. 13.19 Fibrilação atrial ( derivação I) Fig. 13.20 Fluter atrial – ritmos 2:1 e 3:1 ( derivação I) da condição. Assim também, devido à rápida freqüência dos impulsos fibrilatórios nos átrios, o ventrículo é em geral estimulado a manter freqüência cardíaca rápida, geralmente entre 125 e 150 batimentos por minuto. Após parada cardíaca temporária, a ressuscitarão cardiopulmonar geralmente é bastante eficaz no restabelecimento do ritmo cardíaco normal. Em alguns pacientes, porém, uma miocardiopatia grave leva a parada cardíaca permanente ou semipermanente, que pode, obviamente, causar a morte imediata do indivíduo. Em muitos casos, todavia, impulsos elétricos rítmicos de marcapasso cardíaco eletrônico implantado têm sido eficazmente utilizados para manter vivos os pacientes por muitos anos. Tratamento da fibrilação atrial por eletro choque. Da mesma maneira que a fibrilação ventricular pode ser reconvertida ao ritmo normal por um choque elétrico, assim também a fibrilação atrial pode ser convertida. O procedimento é basicamente o mesmo da conversão ventricular, ou seja, a passagem de único e intenso choque elétrico pelos átrios que faz todo o coração passar ao estado refratário por alguns segundos; em geral vai sobrevir, então, ritmo normal, se o coração for capaz disso. FLUTTER ATRIAL O flutter atrial é outra condição causada por movimentos circulares nos átrios. Ele difere, porém, da fibrilação atrial porque o sinal elétrico segue como uma só e grande onda, sempre na mesma direção em torno da massa muscular atrial. Como é mostrado à esquerda na Fig. 13.18, essa onda vai geralmente de cima para baixo em torno da abertura das veias cava superior e inferior. O flutter atrial causa contração muito rápida dos átrios, geralmente entre 250 e 300 batimentos por minuto. Contudo, como um lado dos átrios se contrai enquanto o outro se relaxa, a quantidade de sangue bombeada pelos átrios é muito pequena. Além disso, os sinais chegam ao nodo A-V de forma demasiado rápida para que todos passem aos ventrículos, pois o período refratário do nodo A-V e do feixe A-V é muito longo para deixar passar mais que uma fração dos sinais atriais. Por esta razão, há em geral dois a três batimentos atriais para cada batimento ventricular. A Fig. 13.20 mostra o eletrocardiograma típico do flutter atrial. As ondas P são fortes por causa da contração de massas musculares semicoordenadas. Entretanto, veja no traçado que um complexo QRS-T segue-se a uma onda P atrial uma vez a cada dois a três batimentos atriais, dando ritmo 2:1 e 3:1. PARADA CARDÍACA A última anormalidade grave do sistema cardíaco de ritmicidade condução é a parada cardíaca. Ela decorre da cessação de todos os impulsos rítmicos para o coração. Ou seja, não resta absolutamente nenhum ritmo espontâneo. A parada cardíaca tende particularmente a ocorrer durante a anestesia profunda, quando os pacientes apresentam com freqüência hipóxia grave, devido à respiração inadequada. A hipóxia impede as fibras musculares e as fibras condutoras de manter diferenciais normais de concentração de eletrólitos através de sua membrana e sua excitabilidade pode ser tão afetada que a ritmicidade automática desaparece. REFERENCIAS Brown, H. F.: Electrophysiology of the sinoatrial node. Physiol Rev 6250 1982. Chung, E. K.: Electrocardiography: Self-Assessment. East Norwalk, Conn. Appleton & Lange, 1988. Ohung, E. K.: Principies of Cardiac Arrhythmias. 4th Ed. Baltimore Williams & Wilkins, 1988. Chung, E. K.: Electrocardiography: Practical Applications With Vectorial Principies. 2nd Ed. Hagerstown, Md., Harper & Row, 1980. Gilmour, R. F., Jr., and Zipes, D. P.: Slow inward current and cardiac arrhyth mias. Am. J. Cardiol., 55:89B, 1985. Goldman, M. J.: Principies of Clinicai Electrocardiography. 12th Ed. East Norwatk, Conn., Appleton & Lange, 1986.Goldschlager, N., and Goldman, M. J.: Principies of Clinicai Electrocardiography. 13th Ed. East Norwalk, Conn., Appleton & Lange, 1986. Guyton, A. C, and Crowel), J. W.: A stereovectorcardiograph J Lab Clin Med., 40:726, 1952. Hurst, J. W., et ai. (eds.): The Heart. 7th Ed. New York, McCraw-Hil] Book Co., 1990. Johnson, R., and Swartz, M. H.: A Simpliried Approach to Electrocardiography. Philadelphia, W. B. Saunders Co., 1986. Josephson, M. E.: Clinicai Cardiac Electrophyaiology: Techniquesand Interpretations. 2nd Ed. Philadelphia, Lea & Febiger, 1989. Kennedy, H. L.: Ambulatory Electrocardiography and Its Technolngy. 2nd Ed. Philadelphia, Lea & Fehiger, 1989. Laiken, N.,et ai,: Interpretation of Electrocardiograms: A Self-Instructional Approach. 2nd Ed. New York, Raven Press, 1988. Lipman, B.: Clinicai Electrocardiography. Chicago, Year Book Medicai Publishers, 1984. Marriott, H. J. L., and Conover, M. B.: Advanced Concepts in Arrhythmias. 2nd Ed. St. Louis, C. V. Mosby Co., 1989. Marriott, H. J. L., and Wagner, G.: Practical Eleclrocardiography. Sth Ed. Baltimore, Williams & Wilkins, 1988. McAnulty, J., and Rahimtoola, S.: Prognosis in bundle branch block. Annu. Rev. Med, 32:499, 1981. Meijler, F. L.: At rio ventricular conduetion versus heart size from mouse to whale. J. Am. Coll. Cardiol., 5:363, 1985. Morgan roth.J.: Ambulatory Holter electrocardiography: Choiceof technologies and clinicai uses. Ann. Intern. Med., 102:73, 1985. Pick, A, and Langendorf, R.: Ini erpretation of Complex Arrhythmias. Philadelphia, Lea & Febiger, 1980. Saksena, S., and Goldschlagfcr. N. F. (ed.): Eíectrical Therapy for Cardiac Arrhythmias. Philadelphia, W. B. Saunders Co., 1989. Scher, A. M., and Spach, M. S.: Cardiac depolarization and repolarization and the electrocardiogram. In Berne, R. M., et ai. (eds.): Handbook of Physiology. Sec. 2, Vol. I. Baltimore, Williams & Wilkins, 1979, p. 357. Stein, E.: Interpretation of Arrhythmias: A Self Study Program. Philadelphia, Lea & Febiger, 1988. Summerall, C. P.: Monitoring Heart Rhythm. New York, John Wiley & Sons, 1982. Tamargo, J., et ai.: Modulated receptor hypothesis: Selectivity and ínteractions of antiarrhythmir dmgs. News Physiol. Sei., 4:88, 1989. 128