Tratamento trava
vírus de Marburgo,
umprimodoébola
Vírus também causa febre
hemorrágica em humanos
e mata facilmente p2l
Tratamento cura macacos do vírus
de Marburgo, um primo do ébola
Tal como o vírus do ébola, o de Marburgo causa uma febre hemorrágica nos humanos e mata facilmente.
Uma equipa desenvolveu um tratamento que conseguiu tratar primatas já depois dos primeiros sintomas
Vírus de Marburgo visto ao microscópico
Saúde
Nicolau Ferreira
Ouve-se falar menos do vírus de Marburgo do que do ébola, mas ambos
têm muitas semelhanças, a começar
pela gravidade da infecção. No pior
surto de Marburgo, em 2004 e 2005,
na província do Uíge, no Norte de Angola, esta doença matou 227 das 252
pessoas infectadas, o que representa
uma mortalidade de 90%. Não há nenhum tratamento aprovado para esta
febre hemorrágica violenta, tal como
não há para o ébola, que fustiga actu-
electrónico
almente a África Ocidental.
Mas uma equipa de cientistas conseguiu travar o Marburgo com um
fármaco inovador aplicado a macacos Rhesus já depois de terem surgido os primeiros sintomas, o que
aponta a possibilidade de uso em
pessoas. Este resultado é publicado
hoje na revista Science Translational
Medicine.
A história
do vírus de Marburgo
tem menos de 50 anos. O primeiro
surto ocorreu na Europa, em 1967,
nas cidades de Frankfurt e Marburgo
(daí a origem do nome), na Alemanha, e em Belgrado, na ex-Jugoslávia.
Em três laboratórios destas cidades,
dezenas de trabalhadores ficaram
doentes depois de terem estado em
contacto com macacos infectados,
importados do Uganda.
Este vírus estreava-se assim com
sete mortes dos 31 doentes, uma
mortalidade de 23%. Desde aí, houve mais 11 surtos (alguns afectaram só
uma pessoa). A estirpe que apareceu
em Angola, uma das cinco deste vírus, é a pior. O trabalho liderado por
Thomas Geisbert, da Divisão Médica
da Universidade
do Texas, EUA, testou o tratamento contra esta estirpe.
"Demonstrámos
a capacidade de
proteger completamente os primatas contra a estirpe letal de Angola,
mesmo quando o tratamento só foi
iniciado
ao terceiro dia [de infecção]
altura em que já é possível
detectar o vírus [no sangue] e no início dos sintomas, o que mostra que
- numa
pode ter utilidade no mundo real",
explicou o investigador numa conferência de imprensa.
O segredo é uma molécula de
ARN de interferência.
O ARN faz o
trabalho que o ADN não pode fazer.
0 ADN, a molécula da vida que contém a informação genética, tem de
estar guardadíssimo no núcleo das
células, para não se danificar. Mas
a sua informação é necessária para
fabricar as proteínas do corpo. Para
essa produção, existe o ARN, cujas
moléculas são a "tradução" de pedaços do código de ADN. Depois, este
ARN-mensageiro navega para o citoplasma da célula e a maquinaria celular usa-o para produzir as proteínas.
Os vírus também seguem este sistema, mas aproveitam-se da maquinaria das células para fabricarem as
suas partes constituintes e assim se
multiplicarem. É aqui que entra o
ARN de interferência desenvolvido
pela equipa de Thomas Geisbert. Esta
molécula foi concebida para se ligar
ao ARN-mensageiro de uma proteína
fundamental que compõe o vírus de
Marburgo. Em teoria, os cientistas
esperavam que, ao bloquear o ARN-
mensageiro dentro da célula hospedeira, isso iria impedir esta proteína
de ser produzida. Resultado, o vírus
não conseguiria multiplicar-se.
E, de
facto, foi isso que aconteceu.
A equipa usou 21 macacos Rhesus
para o estudo. Todos foram infectados com a estirpe de Angola do vírus de Marburgo; cinco integraram
o grupo de controlo que não recebeu
o tratamento. Os 16 macacos restantes receberam o tratamento todos
os dias durante uma semana, mas
foram divididos em quatro grupos
consoante a altura da primeira ad-
ministração. Um grupo recebeu o
primeiro tratamento entre 30 a 45
minutos após a infecção, o segundo
um dia depois, o terceiro dois dias
depois e o quarto três dias.
Ao fim de sete a nove dias, os macacos do grupo de controlo morreram,
mas todos os que tinham recebido o
ARN de interferência sobreviveram.
Nos humanos, os primeiros sintomas
do vírus do Marburgo começam a
aparecer entre o quinto e o décimo
dia após a exposição ao vírus. "Nos
macacos, o terceiro dia corresponderá ao sexto ou sétimo dia nos humanos", disse o investigador.
Ébola também tem molécula
Num hipotético surto de Marburgo,
Thomas Geisbert explica que, se as
pessoas em contacto próximo com
doentes forem seguidas, seria possível aplicar o novo tratamento assim
que fosse detectado o vírus no sangue. No futuro, a equipa vai testar
o
fármaco em primatas
quatro dias
após a infecção para saber se, mesmo
aplicado mais tarde, o tratamento
continuaria a resultar. "Haverá um
ponto no decurso da doença em que
nenhum fármaco conseguirá reverter os danos já feitos pela infecção",
explica o cientista ao PÚBLICO.
Este ARN de interferência foi concebido para todas as estirpes do Marburgo. Ao demonstrar a sua eficácia
na pior das estirpes, a equipa acredita que funcionará para qualquer
uma. Contudo, este tratamento não
deverá resultar para o vírus do ébola.
Mas estes investigadores já tinham
produzido um outro ARN de interferência para o ébola e que deu resultados em 2010.
"Mostrámos que podemos proteger macacos Rhesus do ébola quando damos ARN de interferência logo
após a introdução do vírus. Mas não
fizemos estudos para saber até quando podemos adiar o início do tratamento", diz Thomas Geisbert.
Estes estudos foram feitos em colaboração com a empresa Tekmira
Pharmaceuticals. A empresa do Canadá detém o fármaco contra o ébola
e em Janeiro de 2014 começou a fazer
testes de segurança em pessoas saudáveis. No início de Agosto, e no contexto do surto actual, a FDA (agência
dos EUA que aprova os medicamentos) alterou as normas do uso clínico
deste fármaco, permitindo a administração a doentes com ébola.
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