A repetição do Polimorfismo CAG.
Será a resposta aos androgénios condicionada pela genética?
Está na nossa essência, enquanto seres humanos, procurar sempre a resposta a
todas as questões e desafios. Durante séculos, procurámos a cura para diversas
enfermidades e disfunções, sempre alicerçando as nossas descobertas em ciências
exactas como a Matemática, Física e Química.
Na época do Renascimento era possível a um indivíduo ser arquitecto, pintor,
médico, engenheiro, cozinheiro etc. Nos dias que passam, o grau de conhecimento e
especialização é tão elevado, que seria virtualmente impossível dominar todos estes
vértices do conhecimento.
Para entender os polimorfismos, é necessário entender genética, e esta por sua
vez, requer conhecimentos sólidos de Bioquímica, Biologia Molecular, Citologia e
muitas outras disciplinas. Uma vez que não estamos no Renascimento, tentarei, com as
minha limitadas ambivalências, explicar este tópico de forma simples e clara. O leitor
será, em última instância, o juiz deste limitado exercício e poderá dele retirar as suas
próprias ilações.
A Genética explica inequivocamente a diferença entre indivíduos, o
aparecimento de síndromes e diversas disfunções.
Poderá também ser o motivo que leva a que indivíduos que partilham mais de
99% do mesmo património genético obtenham resultados e respostas tão diferentes ao
treino? Sabemos que o tipo de treino, assim como a dieta, o empenho e a motivação são
essenciais. No entanto, poderá a matriz genética ter aqui um papel determinante? Qual o
motivo por detrás das diferentes respostas ao treino e mesmo à administração de
hormonas exógenas? Será que os genes influenciam a resposta aos androgénios? O que
leva às diferentes características androgénicas entre indivíduos?
As teorias evolucionistas de Darwin e as experiências no âmbito da Genética de
Mendel e outros, sem dúvida que contribuíram para uma visão mais ampla da Genética.
Atrevo-me a dizer que se o trabalho de Mendel foi importante no séc. XIX (as famosas
experiências com ervilhas), este viria a ser consolidado com a descoberta do ADN por
Watson e Crick, já em pleno séc. XX (na minha opinião, também com enorme
contributo de Linus Pauling).
Serão os polimorfismos genéticos a principal explicação para sermos tão iguais
e, simultaneamente, tão diferentes? Note-se que são apenas diferenças de 0,1% a 0,5%
do nosso genoma, que nos fazem somáticamente distintos.
O que são ácidos nucleicos?
Os ácidos nucleicos são macromoléculas presentes em todas as células que, de
forma livre ou combinada, formam nucleoproteínas. Os ácidos nucleicos são
constituídos por nucleótidos, que desempenham um papel fundamental na transmissão
da informação genética. Os nucleótidos têm também um papel fundamental no
metabolismo intermediário, no armazenamento do ATP e na síntese de coenzimas
(NAD+, NADP+, FAD, Coenzima A).
Existem 2 tipos de ácidos nucleicos: o ADN (ácido desoxirribonucleico) e o
ARN (ácido ribonucleico).
São estas macromoléculas que determinam a formação e o desenvolvimento de
todas as formas de vida. É no ADN e ARN que se encontram codificadas sequências de
nucleótidos, correspondentes a aminoácidos que, combinados, originam milhares de
proteínas que regulam as funções vitais e homeostase. Esta linguagem codificada pelos
nucleótidos é universal em todas as formas de vida, e designa-se por código genético.
Olhando em detalhe para os nucleótidos, podemos dizer que os mesmos são
constituídos por 1 composto cíclico com azoto + 1 molécula de açúcar (ribose no RNA
e desoxirribose no DNA) + 1 molécula de ácido fosfórico. Os dois primeiros formam só
por si os nucleósidos. Quando ouvimos falar em bases azotadas, as mesmas referem-se
ao composto cíclico de azoto mencionado anteriormente.
O núcleo da célula: visitando o ADN…
O núcleo é delimitado do citoplasma celular, por um sistema membranar
designado invólucro nuclear. Neste, encontraremos todo o património genético da
célula, armazenado sob a forma de moléculas de ADN. Podemos encontrar numa célula
humana até 6 milhões de pares de bases de ADN, que “desenroladas” poderiam atingir
cerca de 2 metros de comprimento!
Uma vez que o núcleo celular mede aproximadamente cerca de 10 micrómetros
(o olho humano só consegue visualizar cerca de 100 micrómetros ou seja 0,1
milímetros), as mesmas têm de estar “enroladas” no núcleo com a ajuda de um conjunto
de proteínas, as histonas.
Os radicais livres e outras ERO’s (espécies reactivas de oxigénio) têm a
capacidade de danificar estas moléculas de ADN, alterando e corrompendo a
informação nelas contida. Estes erros de leitura e transcrição, estão na génese das
doenças oncológicas (cancro).
Código genético, uma linguagem especial?
Esta linguagem é a relação entre as sequências de bases orgânicas do ADN e o
aminoácido correspondente. O encadeamento de cada três nucleótidos, designado por
tripleto (codão), corresponde a um aminoácido. Podem ser sintetizados até 20
aminoácidos. As bases que constituem o ADN são: Citosina, Adenina, Guanina e
Timina. No ARN temos a substituição da Timina pelo Uracilo (a única diferença está
nesta base pirimídica).
No caso do aminoácido glutamina, este é codificado pelas bases CAA (citosina,
adenina, adenina) ou CAG (citosina, adenina, guanina).
Designa-se de universal o código genético, porque todos os codões têm o mesmo
significado em todos os organismos.
O que é um polimorfismo?
Um polimorfismo é essencialmente uma diferença na sequência de bases sem
consequências patológicas directas. Os polimorfismos moleculares/genéticos são, na sua
essência, mutações que ocorrem em segmentos do ADN, que não são regiões
codificantes nem reguladoras. Quando uma mutação genética acontece em 5% (ou mais)
do genoma, sobretudo em genes estruturais ou funcionais, a mesma adquire designação
de mutação patogénica.
Nas mutações genéticas do ADN, podemos encontrar: inserções, delecções, e
amplificações de repetições (estas alteram sempre a quantidade de ADN). As mutações
pontuais, por sua vez, resumem-se a transcrições e transversões.
As mutações patogénicas podem ser: silenciosas (25%), neutras (70%), nonsense
(5%). Um exemplo de uma mutação genética patogénica é a doença de Huntington.
Esta, sendo uma doença autossómica dominante, é caracterizada pelo aparecimento
anormal de tripletos CAG no gene da Huntingtina (mais de 35 tripletos).
Parece evidente assumir que estes mesmos polimorfismos podem não só gerar
mutações patogénicas e influenciar características do fenótipo de determinados
indivíduos (cor do cabelo, cor dos olhos, etc.), como também as suas características
androgénicas, relativas às características sexuais secundárias de um indivíduo e inerente
resposta aos androgénios, essencialmente Testosterona.
A repetição do Polimorfismo CAG. É sensível à Testosterona?
Este polimorfismo caracteriza-se pelo tripleto CAG. Quanto maior for a
repetição deste tripleto ao longo da cadeia de ADN, mais forte será a mensagem de
codificação da cadeia poliglutamínica referente ao aminoácido Glutamina.
Alguns trabalhos têm demonstrado a influência da repetição deste polimorfismo
na sensibilidade à Testosterona. A Glutamina assume indiscutivelmente um papel
fundamental, nos processos de resposta genética/molecular inerente aos androgénios.
Outros factores que não este polimorfismo, foram atribuídas a esta sensibilidade
aos androgénios, eles são o acoplamento à proteína G, assim como diversos factores
inerentes a factores de transcrição genética. Por agora, iremos apenas abordar este
polimorfismo poliglutamínico.
Este polimorfismo encontra-se no cromossoma X do 46º par (curiosamente
herdado pela mãe) do receptor androgénico. É localizado especificamente no exon 1, e
codifica a cadeia poliglutaminica no terminal NH 2 (zona que controla factores de
transcrição referentes ao receptor androgénico).
O aumento da mensagem de transcrição causada pela sua repetição, leva ao
aumento da síntese do aminoácido glutamina. Esta, por sua vez, influencia a resposta de
codificação e leitura do complexo receptor/hormona, que entretanto migra para o
núcleo, aumentando a síntese de ARN mensageiro relativa a determinados codões em
segmentos específicos do ADN.
A título de curiosidade, um cromossoma X extra não irá melhorar a resposta à
Testosterona, antes pelo contrário. Indivíduos 46XXY, sofrem do síndrome de
Klinefelter, apresentando hipogonadismo severo, portanto baixa resposta (ou défice de
produção) aos/de androgénios.
Durante muito tempo, se achou este polimorfismo irrelevante. No entanto,
estudos científicos recentes, parecem demonstrar inequivocamente a sua enorme
importância na androgenia. Estes demonstram que maior número de repetições deste
polimorfismo, estão intrinsecamente relacionados a uma maior resposta androgénica.
Outros factores que também influenciam esta resposta são: o músculo
esquelético, a gordura/colesterol, o metabolismo hepático e muitos outros.
Aparentemente, a Glutamina media a dimerização do complexo
hormona/receptor junto do ADN, influenciando assim a sua expressão de transcrição e
subsequente resposta genética e celular.
Indivíduos com baixo número de repetições CAG, não beneficiam da
administração exógena de Testosterona. Esta pode até gerar, se não monitorizada a
elevação de marcadores com forte actividade patogénica e disfuncional (PSA, LDL,
Hematócrito, etc). Se for bem monitorizada, poderá até trazer alguns benefícios do
ponto de vista fisiológico.
Existem poucos laboratórios a efectuar análises a este tipo de mutações, as
mesmas tendem a ser detectadas através de PCR (polymerase chain reaction) e
sequenciador de ADN.
A Genética Médica não tem dado grande relevância a este polimorfismo, porque
até ao presente, não existem mecanismos para “tratar”/”corrigir” este traço genético.
Outros estudos efectuados referentes ao Polimorfismo CAG e sua
repetição.
A) Androgen receptor CAG repeat polymorphism is associated with fat-free mass in
Men.
Sean Walsh, Joseph M. Zmuda, Jane A. Cauley, Patrick R. Shea, E. Jeffrey Metter, Ben F. Hurley, Robert E. Ferrell, and
Stephen M. Roth. Dept. of Kinesiology, University of Maryland, 2134 HHP Bldg., College Park, MD 20742-2611, USA.
J Appl Physiol. 2005 Jan;98(1):132-7. Epub 2004 Sep 17.
Conclusões:
-Maiores repetições deste polimorfismo, estiveram relacionados a maior incremento de massa
muscular magra.
-A massa muscular e a força têm origem grandemente hereditária.
-Até ao momento, os estudos apenas se têm cingido à identificação de alguns genes e variantes
alélicas que podem influenciar o fenótipo em termos de massa muscular. Estes apenas têm estudado os
efeitos do receptor da Vitamina D, factor neurotrófico ciliar (CNTF) e o seu receptor, miostatina, IGF-1,
colagénio tipo I e interleucina-6. A repetição do polimorfismo CAG parece ter mais relevância do que os
factores anteriormente descritos.
-O Receptor Androgénico (RA), como membro da família dos receptores nucleares, é activado
por determinados ligandos. Repetições mais longas deste polimorfismo na cadeia de ADN, resultam em
redução linear da função de transactivação do receptor androgénico.
B) Study of the CAG polymorphism of androgen receptor in patients with benign
prostatic hyperplasia.
Biolchi, Vanderlei. Master Degree Thesis. Federal University of Rio Grande do Sul, Institute of Basic Sciences of Health
Graduate Program in Biological Sciences: Physiology. 2005
Conclusões:
-Análise efectuada a partir de leucócitos sanguíneos periféricos. O polimorfismo foi amplificado
por PCR (polymerase chain reaction), avaliado por electroforese capilar (gel de policrilamida) e analisado
em sequenciador automático.
-Não se encontrou qualquer relação entre indivíduos com maiores repetições deste polimorfismo
(+ de 22 repetições) e propensão a hiperplasia benigna da Próstata.
C) The impact of the CAG repeat polymorphism of the androgen receptor gene on
muscle and adipose tissues in 20-29-year-old Danish men: Odense Androgen Study.
Nielsen TL, Hagen C, Wraae K, Bathum L, Larsen R, Brixen K, Andersen M. Department of Endocrinology
Biochemistry, Odense University Hospital, Sdr Boulevard, 5000 Odense C, [email protected] Eur J Endocrinol. 2010
Apr;162(4):795-804. Epub 2010 Feb 4.
Conclusões:
-A repetição do polimorfismo CAG afecta a composição corporal em jovens adultos. Quanto
maior for o número de repetições, maior será a % de massa magra e menor será a % de massa gorda.
-O polimorfismo não afecta os tecidos adiposos profundos nem os androgénios circulantes em
jovens adultos.
Pelos diversos trabalhos, parece evidente a influência deste polimorfismo nos
diferentes fenótipos e resposta androgénica de diferentes indivíduos. Será este
polimorfismo realmente limitativo? Poderá estar na génese da alopécia androgenética?
Da hiperplasia benigna da próstata? Está aqui a diferença entre o Mr. Olímpia e o
comum dos mortais? Está encontrada a baixa resposta aos androgénios?
Sinceramente, não tenho a resposta. Talvez quando tivermos a tecnologia para
“alterar” estes polimorfismos, a resposta possa ser clara. Serão “alteráveis”? Ou melhor,
deverão ser “alteráveis”?
Remeto o juízo para a ética e a capacidade tecnológica para a ciência. Espero
honestamente que o resultado seja o produto das duas, e que respeite mais do que o
princípio do equilíbrio químico, o princípio do equilíbrio da natureza.
Cmptos,
Filipe Teixeira
Body Temple, Lda
The Tudor Bompa Institute, Portugal.
Nutrition & Performance Department at TBI.
Referencias bibliográficas:
[1] Campos, Luis S. (2009). Entender a Bioquímica 5ª Edição. Portugal: Escolar
Editora
[2] Gilbert, Hiram F. (2000). Basic Concepts in Biochemistry Second Edition.
EUA: McGraw-Hill
[3] Azevedo, Carlos. (2005). Biologia Celular e Molecular 4ª Edição. Portugal:
LIDEL
[4] Devlin, Thomas M. (2011). Textbook of Biochemistry with clinical
correlations 7th Edition. EUA: Wiley
[5] Zitzmann, Michael (a) (2009). The Role of the CAG Repeat Androgen
Receptor Polymorphism in Andrology. Front Horm Res. Basel, Karger, 2009, vol 37,
pp 52–61
(a) Institute of Reproductive Medicine, Universitätsklinikum Münster, Münster, Germany.
[6] Griffths, Wessler et al (2005). Introdução à Genética 8ª Edição. EUA:
Koogan
[7] Hall, John E. (2011). Guyton and Hall Textbook of Medical Physiology 12th
Edition. EUA: Saunders Elsevier
Download

O Polimorfismo CAG