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APTIDÃO FÍSICA – SAÚDE – QUALIDADE DE VIDA
“Se você não encontra tempo para fazer exercícios,
certamente vai encontrar tempo para ficar doente”
Prof. Dr. Valdir Barbanti
Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão
Preto da Universidade de São Paulo
Sharon Shields, em um artigo interessante publicado na Quest de
agosto de 2000, faz reflexões sobre o início do novo milênio. Segundo ela
estamos vivendo um momento incrível na história. Este é nascimento de um
novo milênio. Poucos seres humanos são abençoados para ver o começo do
novo século e também do milênio. Diz ela, “é o melhor dos tempos e também
o pior dos tempos”.
Nunca se experimentou tal padrão de vida. Criou-se tecnologias
capazes de levar o homem à lua e comunicar-se instantaneamente com
qualquer lugar do mundo. Construiu-se escolas, hospitais, centros comerciais,
edifícios que eram apenas sonhos nas gerações prévias. Inegáveis benefícios
foram estendidos à agricultura, aos transportes e à saúde.
É também o pior dos tempos. Com a crescente cultura do
narcisismo, nosso sentido de comunidade parecer estar declinando. No mundo
todo há evidências de crises de valores e das instituições sociais como a família,
a política, educação, religião, o esporte, etc.
Essas crises e paradoxos são sintomas de mudanças dramáticas e
rápidas. Nesta era de incertezas, complexidades e mudanças, devemos nos
preparar para pensar, falar e agir diferentemente.
Durante o século XX contemplamos o lado negativo de avanços
tecnológicos que foram e são instrumentos de guerras, terrorismo e
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atrocidades. Aprendemos a temer acidentes, violência, poluição, extinção de
espécies, desmatamento, lixo atômico, contaminação da água e mais
atualmente antraz e dengue.
Com todo avanço científico, ainda 2 milhões de pessoas morrem
anualmente por causa de doenças tropicais (malária, esquistossomose, doença
de Chagas, tuberculose, etc.). Só no Brasil acontece 85 mil casos de
tuberculose por ano.
A Terra já ultrapassou a marca dos 6 milhões de pessoas e
continua aumentando. Nascem 120 pessoas por minuto ou seja 172.800
pessoas por dia, ou ainda, para tomar estes números mais expressivos,
1.209.600 pessoas a cada semana. O Brasil é o quinto país mais populoso do
mundo e ainda 23,8% dos nossos compatriotas não têm acesso a água potável.
Cento e oito mil crianças morreram no ano passado antes de completar o
primeiro ano de vida, segundo o Ministério da Saúde. São 18 World Trade
Center repletos de bebês, por ano. Nós temos 7 milhões de crianças e
adolescentes fora da escola e lamentavelmente 16,6% das crianças entre 10 e
14 anos trabalhavam (1999). São quase 3 milhões. Apenas em um estado, o
Maranhão, 35,8% das crianças nesta faixa etária trabalhavam. No ano de 1999
o SUS atendeu 32 mil meninas (de 10 a 14 anos) grávidas.
A escolaridade no país é de apenas 6,3 anos estudados (Paraguai,
7,0 anos; El Salvador 7,5 anos; Costa Rica 8,0 anos; Equador 9,5 anos). Num
país que figura entre os que apresentam os índices mais revoltantes de
desigualdade social, acidentes de trabalho, jogatinas de massa, violência,
drogas, sequestros, tornar-se bastante complexo falar em qualidade de vida.
Em um tempo relativamente curto, a sociedade brasileira, como
muitas outras sociedades ocidentais, tem sofrido mudanças substanciais na
quantidade de atividade física exigida na vida diária. Muitas tarefas que
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previamente exigiam significantes exigências de esforço físico (andar, subir
escadas, carregar objetos pesados, etc.) foram substituídas por máquinas e por
muitos empregos que envolvem trabalhos repetitivos, feitos sentados,
tornando cada vez mais nossa vida, sedentária. Assim com o passar dos anos
vamos ficando fisicamente inativos.
Tem-se ainda a impressão de que com o passar dos anos, há um
evidente aumento de massa corporal pelo decréscimo de atividade física
regular e por um aumento de consumo energético. Com a melhora da
qualidade de vida das pessoas, principalmente no aspecto econômico, a
providência inicial é o aumento da alimentação. O poder econômico
aumentado permite a compra de produtos industrializados (e a ida a rodízios!)
onde uma quantidade extremamente elevada de gorduras está presente,
fazendo o pêndulo da ingestão calórica oscilar da falta para o lado do excesso.
Com a vida sedentária e o excesso de consumo calórico, um grande segmento
da população pode ser caracterizado como fisicamente inativo.
Atividade física é um termo geral que compreende muitos tipos
de esforço físico, tais como andar, lavar roupa, cozinhar, tomar banho,
pentear os cabelos, limpar a casa e também brincar, fazer exercícios, praticar
esportes, dançar, etc. Na literatura internacional atividade física é definida
como “qualquer movimento corporal realizado pelos músculos esqueléticos
que resultam em um gasto energético acima do estado de repouso”. Usando
esta definição, pessoas que são sedentárias, tanto no trabalho como no seu
tempo de lazer, que vivem sempre sentadas, seriam classificadas como
fisicamente inativos.
A vida moderna agita os centros nervosos, não deixa o homem
descansar, e sem dúvida, relega o corpo a uma quietude. De onde vem essa
falta de estímulo, essa laxitude, o adormecimento das funções, a inibição?
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Um outro segmento da população reconhece esta ausência de
movimento na vida moderna e fazem exercícios para compensar. Exercício
neste contexto, é “uma seqüência planejada de movimentos, repetidos
sistematicamente com o objetivo de elevar um rendimento”, ou seja,
exercício é um tipo de atividade física, mas não é seu sinônimo. Esta distinção
entre exercício e atividade física é importante porque os profissionais da
educação física trabalham com exercícios.
Chegou-se a uma situação em que o homem, mesmo consciente
que lhe falta movimento, exercício, que o prejudica, deseja fazê-lo, mas
encontra dificuldades: como a vida organizada à margem da atividade física, os
hábitos, modas consumistas, a carência de locais apropriados, as largas
distâncias nas cidades grandes, a falta de tempo. Tem-se consciência que
levamos uma vida pouco sadia, mas não nos importamos. Neste quadro tornase bastante complexo falar em qualidade de vida.
A vida tem duas dimensões: a quantidade e a qualidade. A
primeira é expressa em termos de média de expectativa de vida e é resultado
dos avanços científicos dos dias atuais. A qualidade é uma dimensão um pouco
mais complexa para ser definida e requer outros determinantes para sua
compreensão. A qualidade de vida varia conforme o contexto cultural e com o
progresso e com a dinâmica da própria humanidade. Por isso é um conceito
multifatorial, onde está incluído não apenas a saúde, mas outros fatores como
os padrões de vida, de moradia, de condições de trabalho e de satisfação
pessoal. Resumidamente, seria a capacidade de um indivíduo para
desempenhar as atividades diárias com satisfação. É preciso levar em conta
percepção subjetiva da pessoa, se ela é auto-suficiente; se sente confortável e
se tem sensação de felicidade.
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Quer dizer, a qualidade de vida precisa ser entendida em termos
de expectativas pessoais. Observa-se uma percepção errônea na Educação
Física de que a atividade física, o exercício, esportes, podem melhorar a
qualidade e vida. Não é a prática do exercício que melhora a qualidade de vida,
mas o sentimento que acompanha a prática que pode trazer a sensação
subjetiva de felicidade e atender as expectativas. Pode alguém melhorar na
qualidade de vida quando faz exercício contra a vontade, “sofrendo”, porque
alguém mandou e não porque quis? Neste caso um sentimento de mal estar se
origina e certamente provocará um afastamento do exercício. Não basta fazer
uma avaliação física, é preciso fazer com que as pessoas “se sintam bem”. Os
dados subjetivos das pessoas são nossos aliados para que os mesmos possam
ser levados à aderência ao exercício e consequentemente a um estilo de vida
ativo.
A resolução dos problemas de saúde, atualmente, deve deixar de
ser fruto de disposições passivas, de leis e decretos, para se caracterizar cada
vez mais medidas ativas de prevenção, que visam transferir para cada pessoa
novas responsabilidades pela sua própria saúde. E isso deveria ser iniciado na
Escola. É preciso ensinar cada criança a cuidar de sua própria saúde.
O exercício pode ser considerado como um fator da saúde, quando
a ele vier ligado uma componente de condições de vida proporcionada pela
sociedade. Exercício só dará saúde quando associado com a alimentação, com
o repouso, com o estilo de vida regrado, com as condições de trabalho ou
estudos, com o equilíbrio ecológico, com a proteção da natureza, ou seja, com
os fatores que determinam a qualidade de vida dos cidadãos de uma
sociedade.
As pessoas foram “projetadas” para o movimento. Os humanos
primitivos tinham de ser capazes de andar, correr, pular, trepar e arremessar
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para assegurar suas necessidades e ainda escapar das constantes ameaças às
suas vidas. Eles precisavam estar “em forma”: somente os mais treinados
sobreviviam. As necessidades atuais não são mais as mesmas, mas, essa
capacidade para movimento permanece presente no homem moderno. Nós
fazemos movimentos antes de nascer, antes mesmo que nossas mães
percebam. Durante a infância o movimento sempre esteve no andar, correr,
pular, manusear objetos e brincar. É durante a adolescência e início da idade
adulta que hábitos de inatividade começam a aparecer e se instalam tornando
parte de nossos estilos de vida. Associados a este estilo de vida sedentário,
estão doenças degenerativas, a obesidade, as doenças mentais. Além do mais,
as pessoas hoje em dia experimentam mais mudanças e crises do que qualquer
outra geração.
A explosão da população, do conhecimento, da tecnologia; as
sucessivas crises de energia, poluição, destruição ambiental e o ritmo
alucinante de vida, são algumas das muitas mudanças que o mundo de hoje
enfrenta. Essas mudanças continuarão a existir, talvez numa maior
velocidade, aumentando as exigências mentais e os estresses, criando um
modo de vida que é biologica e psicologicamente inadequados.
Para compensar essas imperfeições, o homem tem aumentado as
horas de lazer e felizmente
também a quantidade de movimentos. A
necessidade básica de movimento não mudou. O movimento é refrescante,
aliviador, tranqüilizante. O simples ato de se espreguiçar pode ser um alívio
para alguém que precisa permanecer sentado ou parado por longas horas. O
movimento também é essencial para nossa parte psicológica. A auto-estima, o
auto-conceito de muitas pessoas também têm sofrido com a falta de
movimento e com a deteriorização física. Um programa de exercícios pode
fazer uma pessoa se sentir bem e desenvolver uma atitude positiva para com a
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vida. Uma pessoa com uma boa dose de “fitness” está melhor preparada para
se adaptar e conviver com os estresses emocionais. O exercício funciona como
uma válvula de escape para as pessoas aliviarem instintos agressivos, raiva,
hostilidade, além de se constituir numa excelente terapia para a depressão. Por
todas as razões dadas, deve ficar aparente que “fazer exercício” não é luxo,
mas uma necessidade. Contudo, as pessoas deveriam saber o PORQUE, e não
apenas o COMO dos exercícios, porque a maioria só continua envolvida se
realmente entende seus propósitos.
A saúde pública contemporânea deve ir além dos limites do
combate às doenças infecciosas (poliomielite, difteria, sarampo, desidratação)
que ainda permanecem entre nós; a extensão da atuação vai até aos
problemas de saúde do mundo moderno: doenças coronarianas, câncer,
acidentes, homicídios, abuso de drogas e álcool, suicídios e, certamente, AIDS.
Para esses problemas não há vacinas. Suas causas são múltiplas: biológica e
política, ambiental e comportamental, individual e coletiva. Nós precisamos
entender o que causa a ocorrência DESNECESSÁRIA desses problemas. A
palavra desnecessária nesse contexto é usada na crença de que todas essas
coisas podem ser prevenidas. Eu não estou me referindo à morte. Eu estou me
referindo à qualidade de vida, à capacidade de funcionar, de realizar, de ser
mais do que estar vivo... de viver!
No caso do aparecimento de uma doença, o dever do médico é
tratar o paciente, aliviar o sintoma e curar a doença. Prevenção tem um
aspecto diferente. Trata-se de verificar todas as explicações possíveis para as
causas da doença e quando se encontra e verifica como elas atacam,
organizam-se estratégias para prevenir sua ocorrência.
Particularmente, todos nós fazemos alguma coisa pela saúde.
Todos nós fazemos alguma prevenção. No mundo atual, nas condições de vida
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recente, eu não acredito que a área da educação física tenha sentido em existir
se não der atenção para a promoção e manutenção da saúde. E o meio para
isso é o Exercício Sistemático.
A verdade é que poucas pessoas que fazem exercício sistemático
têm SAÚDE em seus pensamentos. Suspeita-se que muitas pessoas são
motivadas para praticar algum exercício por outras razões do que a saúde.
Eu não penso que isso é importante: o que é importante é
entender que como seres racionais, alguma coisa nos motiva a agir, correr,
nadar, pedalar, andar, dançar, etc. E essa “alguma coisa” não é a mesma para
todo mundo. Assim, com o conhecimento dos benefícios decorrentes da
prática sistemática de exercícios, se o objetivo é saúde, precisamos identificar o
que nos motiva à ação.
A promoção de atividade física deveria ser um objetivo maior,
onde cada pessoa não deveria medir esforços para divulgá-la. Entre nós a
atividade física nasceu na década de 80 e ainda está na sua infância, mas
certamente sua adolescência será mais sadia e na vida adulta a certeza de um
desenvolvimento físico, mental e espiritual.
A responsabilidade de todo profissional e/ou acadêmico da
Educação Física e do Esporte é promover o exercício entre aqueles que eles
têm contato. Onde esta obrigação começa? Em primeiro lugar, cada um de nós
na profissão, deveria ter um compromisso pessoal para atingir e manter um
bom nível de aptidão física. Como podemos ser convincentes na profissão se
não fazemos o que professamos? Como poderemos ser efetivos na promoção
da saúde e da aptidão física se nossos corpos não são testemunhas de nossos
compromissos?
O que nós somos, comunica muito mais do que nós dizemos!
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Para finalizar, gostaria de contar uma fábula escrita por um autor
de nome Eisely. Um homem que passava suas férias em uma praia de uma
certa cidade, estava andando pela manhã quando encontrou um pescador
abaixado apanhando aqueles peixinhos que aproveitavam as ondas para
apanhar alguns alimentos na praia e, por inexperiência ou fome, acabavam
ficando sem poder voltar quando a onda retornava. O pescador apanhava-os e
jogava-os de volta ao mar. O homem ficou curioso e perguntou ao pescador
porque ele estava jogando os peixinhos de volta ao mar. O pescador com sua
ingenuidade respondeu que se a “próxima onda demorasse os peixinhos
poderiam morrer, ainda mais com aquele sol”. “Mas há milhares de praias e
milhões de peixinhos”, disse o homem. “Que diferença faz?”. O pescador
abaixou, pegou outro peixinho e lançou-o de volta ao mar e disse: “Faz muita
diferença para esse ai”.
No dia seguinte o homem voltou à praia para ver se encontrava de
novo o pescador. Após andar bastante não o encontrou. Desapontado, o
homem continuou andando, pensando na simplicidade e grandeza do gesto do
pescador e viu um peixinho na praia. Apanhou-o e jogou-o de volta ao mar.
“Para mais um fez diferença”. A mensagem passou para outra pessoa.
A aptidão física já é uma realidade hoje, mas a oportunidade para
amanhã é enorme. Há muitos benefícios para todos. Eu conclamo, a todos os
colegas
das
profissões
da
saúde,
trabalhar
profissionalmente
e
inteligentemente para expandir esse movimento. Temos um longo caminho a
percorrer, mas a jornada é excitante e compensadora.
Bom exercício!
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aptidão física – saúde - Universidade de São Paulo