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DISCURSO DE POSSE JORNALISTA JEANNE BILICH
CADEIRA nº 7 AEL
Vitória, 16 de setembro de 2013
Excelentíssimo senhor Presidente da Academia Espírito-Santense de
Letras, Professor Doutor Francisco Aurélio Ribeiro, Excelentíssimo
Deputado Estadual, Dr. Hércules Silveira, Excelentíssimo presidente
do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, Getúlio Marques
Pereira Neves, Excelentíssimo presidente da Comissão Estadual da
Memória e Verdade, Dr. Agesandro da Costa Pereira, digníssimos
acadêmicos, autoridades aqui presentes, amigos e amigas:
“Aparentemente são os acontecimentos que nos afastam ou nos
aproximam uns dos outros, mas, na realidade, a nossa vida é regida por
correntes mais profundas e uma magia impenetrável, percebida pelos
sentidos, mas não pelo pensamento, desvia o nosso destino, quando
acreditamos que nós mesmos o estamos orientando.”
Essa intuitiva e clarividente reflexão, grafada em um dos seus
livros a título de dedicatória, é da lavra do escritor judeu austríaco,
Stefan Zweig, refugiado político que aportou no Brasil em 1940, para
escapar da perseguição nazista na Europa, e que, hoje, nesta noite
especialíssima para mim, traduz à perfeição a benfazeja perplexidade,
comovida surpresa e viva emoção que ora vivencio, de estarmos, aqui,
reunidos nesta bela e acolhedora Casa de Livros – a Biblioteca Pública
Estadual do Espírito Santo – para a posse oficial da cadeira de nº 7 da
Academia Espírito-santense de Letras. Honra e privilégio verazmente
inimagináveis, senhores e senhoras, porque jamais, sequer no meu
reino do onírico ou quando presa de alucinações febris, julguei ser
possível vir a ser merecedora de tamanha honraria, pois a Academia
Espírito-Santense de Letras é a casa que congrega e abriga, há 92 anos,
desde a sua fundação, a 04 de setembro de 1921, os mais brilhantes
intelectuais desta terra capixaba - juristas, historiadores, cientistas,
professores, magistrados, poetas, jornalistas e escritores - detentores de
notáveis e vastos saberes, inquestionável reconhecimento público e
inequívocos talentos e arte.
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Já quanto a este local - a Biblioteca Pública Estadual do Espírito
Santo -, considero-o, sim, extensão natural da minha própria casa,
porque entre os livros vivi, desde a tenra infância. E, humildemente,
rogo aos deuses que continuem a se revelar pródigos & magnânimos
para comigo, para que também possa, entre os amados livros, fundear ad aeturnum - na minha particular Ítaca. Porto final da minha
acidentada jornada. Destino último, ancoradouro final e derradeiro,
após ter cumprido o fado ou a odisseia que, suspeito, foi traçada para
mim por Clio, a musa da História. Odisseia, clássico épico de Homero,
que, ouso crer, assiste a cada um de nós, de per si, pois, somos homens
e, portanto, mortais. Condição fugaz e transitória que me leva a evocar
alguns dos versos do magnífico poema “Ítaca”, de Konstatinos Kaváfis:
“Se partires um dia rumo a Ítaca
Faz votos de que o caminho seja longo,
Repleto de aventuras, repleto de saber.
A muitas cidades do Egito peregrina
Para aprender, para aprender dos doutos.
Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas, não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares na jornada
E, fundeares na ilha, velho enfim,
Rico do quanto ganhaste no caminho. ”
E confesso-lhes, senhores e senhoras aqui presentes, imbuída de
máxima franqueza e sinceridade, por vezes, sinceridade cortante, traço
de personalidade que a mim assiste: sim, busquei, de fato, aprender dos
doutos no decorrer desses quase, quase 65 ciclos etários de jornada,
cumprindo fielmente a dita, sina, sorte, destino, fado ou, simplesmente,
particular odisseia que me foi reservada. E tanto a vida serpenteou a
bordar configurações surpreendentes no meu caleidoscópio existencial,
que vivenciei o singrar por desconhecidos e, por vezes, perigosos
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mares, quando não me vi na contingência de enfrentar desafiantes e
bravios ciclopes, escapando dos malefícios da poderosa Circe e, em
ocasiões outras, confesso-lhes, amarrei-me ao mastro e tamponei os
ouvidos para resistir aos cantos de sereias. Dispus-me, ainda, no correr
do meu fado, à compulsória escalação de altos cumes escarpados, bem
como vaguei, atônita e semiperdida, por cadeias de montanhas. Sem
bússola ou sextante. Longa e acidentada jornada, senhores e senhoras.
Vinhos & Vinagres.
Nasci no Rio de Janeiro, a 12 de outubro de 1948, para que meu
pai, Miroslav Bilich, refugiado político tal como o escritor austríaco
Stefan Zweig, fugitivo de um dos campos de concentração instituído
pelo regime comunista de Tito ou Marechal Josif Broz-Tito, da
Yugoslávia, hoje, novamente Croácia, país independente e recémintegrado à União Europeia, pudesse desfrutar de uma nova pátria e
nacionalidade. Doze anos passados do objetivo paterno, tendo eu
cumprido a (pré)destinação da minha gênese, sofri grave revés:
Miroslav Bilich faleceu precocemente, aos 51 anos de idade. Aportei,
pois, como consequência imediata desse infortúnio, aqui, no Espírito
Santo. O ano era 1961. A primeira imagem colhida da terra capixaba
que encantou as retinas da adolescente de 12 anos - terra, aliás, que irá
se revelar, ao longo das décadas futuras, tão generosa, pródiga e
acolhedora -, foi divisada da janela de um trem da linha Vitória-Minas,
logo à entrada da Estação Pedro Nolasco: o reflexo tremeluzente dos
cinco arcos da Ponte Florentino Avidos nas águas da Baía de Vitória,
enquanto a lua cheia já ia alta no céu. Da estação ferroviária ao Colégio
do Carmo, estreante da condição de aluna interna do tradicional
educandário do Estado do Espírito Santo. Experiência dolorosa, pois,
além da perda da liberdade pessoal – esse oxigênio tenazmente
perseguido por meu pai que o levou a cruzar o Atlântico e que, qual
estrela-guia e soberana rege a minha vida desde o berço –, inexistia na
instituição. Fato agravado pela proibição do livre acesso aos livros –
exceção à profusão de coletâneas de hagiografias na biblioteca do
colégio -, calados e banidos os meios de comunicação – jornais, rádio e
televisão -, expurgado o cinema, enfim, vedação férrea e ditatorial a
tudo que, desde o nascimento, alimentou-me o espírito e esporeava a
minha imaginação. Sim, eram os tempos de vinagre! Luto paterno e
asfixia intelectual. Do meu pai herdei a paixão pelos livros, imprensa,
cinema, fotografia e viagens. A foto que ilustra a capa do livro,
“Viajantes da Nave Tempo”, que hoje, aqui, será lançado é, para mim,
emblemática, possui alto valor afetivo, porque simboliza o corolário
dessas paixões: menina de dois anos carregando a pilha de jornais do
pai, ao fundo, o Cinema Rex e, à esquerda, lonas cobrindo as vitrines,
sim!, de uma livraria.
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Em 1964, vencido o período da clausura educacional-religiosa
involuntária reconquistei a liberdade perdida – a despeito de, em
contrapartida, a pátria ter mergulhado nos asfixiantes Anos de
Chumbo, ar de cianureto imposto pela Ditadura Militar – e, no
processo de reintegração ao seio familiar, pude, só então e finalmente,
conhecer a bela geografia das cidades de Vila Velha e Vitória. Cursar o
segundo grau no Colégio Estadual do Forte São João, residindo, à
época, na Praça da Bandeira, onde se ergue a histórica Igreja do
Rosário, em Vila Velha, proporcionava-me curta e prazerosa viagem
cotidiana entre os dois municípios. Bafejada pelo vento, vento que eu
tanto amo e, ouso crer, também assim sentia Mestre Fernando Pessoa
ao versejar:
“Serei livre - sem dita nem desdita,
Como o vento que é a vida
Do ar que não é nada.”
Correntes fortes de ar infiltravam-se pelas janelas descerradas do
ônibus, turbilhonando os longos cabelos da jovem de 16 anos. E nesse
exato período da minha odisseia fui novamente agraciada pelos deuses,
então sorridentes e generosos, com uma segunda dádiva – sim, vinhos!
- emanada do Olimpo: conhecer Amylton de Almeida. Amigo, irmão,
companheiro e confidente. Amizade que irá perdurar pelas próximas
três décadas. Onde ocorreu o nosso encontro inaugural? Ora, na antiga
Biblioteca do SESC, na Praça Misael Pena. O fetiche hipnótico dos
livros uniu-nos. Amalgamou-nos. Mais: a literatura foi, de fato, a ponte
miraculosa que nos conduziu à higidez mental. Assim entendíamos. E
assim vivíamos! De e para os livros. Raison d’être. Universo fascinante
a ser explorado. Porque, à época, jovens tímidos e introspectivos,
encontrávamo-nos perdidos num cipoal de conflitos e ambiguidades
existenciais. A analgesia? Ler, ler e ler. Como grafou Mestre
Montesquieu:
“Os livros têm sido para mim, o supremo remédio contra os
desgostos da vida; nunca tenho um malogro que uma hora de leitura
não faça esquecer.”
Receita infalível contra as dores do mundo. Outsiders ambos,
Amylton de Almeida e eu, fazíamos largo e diário uso da leitura e,
ainda, hoje, nos oceanos sexagenários que navego, a leitura continua
sendo o meu medicamento preferencial. Eficaz, certeiro e cotidiano,
que dispensa prescrição médica ou prazos de validade. Uso contínuo e
permanente. “Ler para viver”, como acreditava e de fato viveu Mestre
Flaubert. E ouso acrescentar, na minha modéstia, também eu.
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É tradição adotada nas Academias de Letras que florescem
no mundo ocidental, cobrar uma norma pétrea que estabelece que o
novo membro, no ato de ingressar no quadro dessas instituições, teça
elogiosas referências aos antecessores da cadeira que irá ocupar. Tratase de uma convenção originária e instituída pela Academia Francesa de
Letras, que foi herdada e continua a ser fielmente cumprida até os dias
presentes, não só pela Casa de Machado de Assis - a Academia
Brasileira de Letras -, como também pela Casa Kosciuszko Barbosa
Leão - a Academia Espírito-santense de Letras -, que ora tenho a honra
e privilégio de ingressar. Talvez, melhor seria dizer, segundo ensinou
Mestre Roland Barthes, quando proferiu a lição inaugural na cadeira de
Semiologia Literária do Colégio de França: “mais uma alegria do que
uma honra; porque se a honra pode ser imerecida, a alegria nunca o é.”
A cadeira de nº 7, para a qual fui eleita a 10 de junho do corrente,
tem como patrono José Fernandes da Costa Pereira Junior, nascido em
Campos, RJ, em 1833. Bacharelado pela Faculdade de Direito de São
Paulo, aos 23 anos, passou a advogar na cidade natal, conjugando as
carreiras política e literária. E, ainda moço, em 1861, foi nomeado
presidente da Província do Espírito Santo. No correr da gestão
desenvolveu a colonização de Santa Leopoldina e Santa Teresa, com os
imigrantes alemães e italianos. Foi presidente das Províncias do Ceará,
São Paulo e Rio Grande do Sul, além de deputado pelo Espírito Santo,
Ministro do Império, tendo ocupado as pastas da Guerra, Agricultura e
Comércio e Obras. Hoje, o seu nome vive e é lembrado por todos nós,
num bucólico e aprazível logradouro público: a Praça Costa Pereira.
O primeiro nome a suceder-lhe como ocupante da cadeira nº 7
foi Aristeu Borges de Aguiar, natural de Vitória, ES, nascido em 1892.
Promotor Público na Capital, Procurador Geral do Estado, Diretor da
Imprensa Oficial, Secretário da Presidência do Governo Florentino
Avidos. Em 1928, foi eleito Presidente do Estado do Espírito Santo.
Faleceu em 1951, no Rio de Janeiro.
Segue-se o capixaba Placidino Passos, nascido em 1892,
professor, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, diplomado na
Faculdade de Direito do Espírito Santo, em 1937. Diretor do
Departamento de Educação da Secretaria de Educação e Cultura do
Espírito Santo e Deputado Estadual de 1947 a 1951. Escreveu artigos
para a imprensa versando sobre temas literários e históricos. Filiado ao
Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, elegeu-se, em 1970,
para a cadeira nº 7 da Academia Espírito-santense de Letras. Faleceu
quatorze anos depois, em 1984.
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Já o terceiro ocupante dessa cadeira, foi pessoa bem próxima a
todos nós, luminar contemporâneo e, certamente, muitos dos que, hoje,
aqui estão presentes, desfrutaram do prazer e privilégio de conhecê-lo.
E, consequentemente, admirá-lo. Entre esses, também eu. Trata-se do
Mestre Homero Mafra, nascido a 22 de maio de 1923, em Itanhandú,
Minas Gerais, bacharelado pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro,
ali se dedicando à prática da advocacia, mesma época em que também
trabalhou como jornalista nos Diários Associados. Em 1956, estreou na
carreira de magistrado no Espírito Santo, atuando como Juiz de Direito
em diversas comarcas. Em 1974, ascendeu ao cargo de desembargador,
destacando-se como magistrado íntegro, humanista e incorruptível.
Aposentou-se em 1983. Professor de Literatura e de Direito Civil, uniu
o amor às letras aos vastos saberes. Jurista eminente, desembargador
íntegro e prestimoso Mestre, sempre acessível e disposto a orientar seus
alunos e discípulos. E, também, aqui, filio-me, ratificando, emocionada
e grata, as preciosas lições de vida e jurídicas de aluna saudosa.
Foi sucedido pelo amigo próximo e colega de profissão, o quarto e
último ocupante da cadeira de nº 7, o querido Mestre, precioso e
confiável amigo, Juiz de Direito, Dr. Valdir Vitral. Nascido – e, aqui,
transcrevo suas próprias palavras – “entre os contrafortes da cordilheira
do Caparaó”, a 28 de junho de 1926, no povoado de Santa Angélica,
município de Alegre. Dedicado e solícito professor quando cursei o
quarto ano da Faculdade de Direito, titular da cadeira “Direito
Comercial” – fonte, aliás, da volumosa bibliografia jurídica do Mestre,
versando sobre essa área do Direito – que comigo estabeleceu, desde o
nosso encontro inaugural na sala de aula, em 1974, laços de convívio
amigável, que transcenderam a hierarquia que norteia as relações entre
professor e aluno. E, após a conclusão do curso, pacientemente tuteloume no exercício da prática da advocacia cível e criminal, no antigo
Fórum de Vitória, inclusive, nomeando-me advogada “ad hoc” em
inúmeros processos que tramitavam na Terceira Vara Criminal da
Comarca de Vitória, da qual, à época, era Juiz titular.
Pois, senhores e senhoras, se aqui me estendo nesses detalhes,
prende-se a compartilhar e revelar-lhes a surpresa que me acometeu ao
ler, somente agora, nesses meses que antecederam a esta cerimônia, a
bibliografia literária do querido Mestre Waldir Vitral, que não a
anterior, pertinente ao acervo jurídico, por mim conhecida e estudada.
Sim, surpresa, porque foi pela via libertária da literatura que ele,
magistrado e professor, permitiu-se fazer uso das asas da liberdade,
associada à transparência anímica, para desvelar o seu íntimo “eu”:
sentimentos, emoções, solidão, esperanças e penares. Alma sensível e
nostálgica!... E à medida que eu avançava na leitura dos textos do
Mestre Waldir Vitral, acudiram-me à mente os versos do poema,
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“Ilusões da Vida”, da lavra de outro imortal, esse patrono da cadeira de
nº 13 da Academia Brasileira de Letras, Francisco Otaviano de Almeida
Rosa:
“Quem passou pela vida em branca nuvem
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu;
Foi espectro de homem, não foi homem,
Só passou pela vida, não viveu.”
Desse modo tão tardio, presa de sincero pesar, confesso-lhes que,
somente agora, senhores e senhoras, ao ler o acervo das obras literárias
do amigo e Mestre nas lides jurídicas pude, enfim, conhecer-lhe a face
sensível e oculta da alma delicada, pois, seus livros deixam vazar o
cerne e âmago profundos, zona abissal dos seus sentimentos. Mais:
ouso afirmar ser possível definir esse homem elegante e discreto,
Waldir Vitral, ocupante da cadeira nº 7 da Academia Espírito-santense
de Letras até o dia 27 de dezembro de 2012, data do seu falecimento,
numa só, única, sonora e belíssima palavra da língua portuguesa:
Saudade.
Sim, aí o sentimento soberano, avassalador, pungente que reinou
no correr de toda a extensão da vida do meu Mestre Waldir Vitral.
Sentimento que ele não somente soube cultivar de modo peculiar,
muitíssimo seu, um particularíssimo “sentir e viver das saudades”,
mas, o fez de maneira sistemática, recorrente, pleno de desvelos e
caprichos. Ouso dizer, quase culto religioso e diário! A saudade pontua
e permeia toda a sua obra. Título, aliás, de um dos seus mais belos
livros: “Antologia da Saudade”. E é esse o sentimento que vaza na
universalidade dos seus escritos e peças de oratória. “Vitrais”, livro
autobiográfico, publicado em 1997, que assinala, detalhadamente, a
trajetória pessoal e profissional do Mestre, apresenta, ainda, rica
coletânea de aforismos. O que os pensamentos exaltam?... Ora, a
saudade, senhores e senhoras, que vai pincelando cada uma das
páginas do livro. E, em paralelo à soberana saudade, desponta a
gratidão por quantos o ajudaram na sua particular odisseia.
Mas, como aprendi, de fato e de direito, com o meu Mestre Waldir
Vitral, que as alegações no processo judicial exigem a apresentação de
provas - documentais e/ou testemunhais -, eis, aqui, a prova robusta e
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documental, extraída do seu próprio discurso de posse na Academia
Espírito-santense de Letras, proferido na noite do dia 4 de setembro de
1986 e publicado no livro “Vitrais”, à página 76:
“Sou um condenado à saudade das saudades. (...) É assim a
saudade, sublime flor de amargas suavidades, que se amplia com o
dobrar do tempo, avultando o passado querido. (...) A saudade,
agridoce saudade, que me cinge o coração, mormente nas horas do
crepúsculo é a companheira constante que anos de ausência me
conserva na lembrança os cenários maravilhosos, profusos de cores e de
luz da minha infância e da minha juventude e das pessoas queridas que
se ausentaram ou que se foram desta vida. (...) De certa feita, li em
Guimarães Rosa, que toda saudade é uma espécie de velhice. Se é
verdadeira a afirmativa, confesso que me sinto envelhecido, porque vivo
da saudade.”
Ah... quantas somaram as flores da saudade do buquê anímico
cultivado por meu querido e nostálgico Mestre Waldir Vitral? Cantouas, sim, recorrentemente, em prosa e verso, às suas particularmente
amadas flores da saudade, saudades que nunca lhe deram trégua, paz,
sossego ou descanso, colorindo de roxo- saudade todo o acervo literário
por ele assinado. Em “Antologia da Saudade”, Mestre Vitral grafou na
Introdução da comovente e trabalhosa obra:
“Como nasci para ter saudades, resolvi pesquisar para encontrar
na saudade de alguém a minha própria saudade... Daí a razão desta
antologia.”
Fez mais: segundo relata, na mesma peça introdutória do livro,
pesquisou cerca de cento e cinquenta livros de poesia, cem músicas do
cancioneiro da MPB, avançando pelo intrincado cipoal de quatro mil
trovas, debruçando-se, ainda, sobre dez livros de artigos e ensaios sobre
o tema “saudade”. Transcrevo suas próprias palavras:
“Trabalho de pesquisa e leitura paciente, feito em dias
alternados e somente em ‘estado de graça’ porque ao mesmo tempo em
que trabalhava pesquisando, ia-me me deliciando, percorrendo outros
mundos imaginários da poesia, do amor, da solidão, da esperança, da
recordação, do sofrimento, da saudade, da tristeza, da ansiedade, da
alegria, da religião; percorri vales, montanhas, o infinito, os mares, as
florestas, as noites, o amanhecer, o entardecer, enfim, todos os recantos
da terra.”
Caprichosamente segmentou o livro em duas partes: “Estudos
sobre a saudade – artigos e ensaios” e, na segunda, “A saudade na voz
dos poetas” e “A saudade na música”. Tão extraordinariamente
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ditatoriais, régias, compulsivas e, ouso crer, contagiantes foram as
ingentes saudades sentidas e vivenciadas pelo meu nostálgico e querido
Mestre, além de coligidas nos seus escritos, que, aqui, faço eu - agora
que ele retornou à sua particular Ítaca – uso do adjetivo para evocá-lo:
meu “saudoso” Mestre Waldir Vitral!... E a despeito de não ser
especialmente cultora desse sentimento, passei, sim, a experimentar o
sabor agridoce da saudade, após concluir a leitura do acervo do Mestre
Waldir Vitral.
E, nesta noite, senhores e senhoras, volto a ser esporeada pela
tão cantada e decantada saudade, tema maior do Mestre Valdir Vitral,
pois, neste momento, confesso-lhes: sinto, sim, saudades do dedicado e
atencioso professor e leal amigo, lamentando, de público, nossas vidas
tenham serpenteado levando-nos a percorrer trilhas e estradas díspares,
cavando entre nós o fosso involuntário da distância.
Mas, suspeito, os deuses têm lá os seus misteriosos ditames e
revelaram-se, uma vez mais, generosos e pródigos, no curso desse meu
cumprir de particular odisseia, ofertando-me nova dádiva celestial: em
meados de 2012, encontrei-me, por acaso – seria, de fato, por acaso?... -,
uma última vez, com o Mestre Waldir Vitral. Cercado por familiares, no
Restaurante São Pedro, na Praia do Suá. Sua esposa reconhecendo-me,
gentilmente, convidou-me à mesa para que eu pudesse saudar o
Mestre, avisando-me de antemão, com zelo e cautela, o querido
professor já se encontrava bastante frágil e debilitado. Mas, atesto-o eu,
os olhos do Mestre, quase nonagenário, incendiaram-se e luziram
intensamente ao ver-me, reconhecimento instantâneo, deixando-me no
coração a marca indelével da derradeira lembrança-saudade afetuosa.
Recordação imorredoura enquanto viver, explícita e agridoce saudade
do caloroso e prolongado abraço recebido.
E, nesta noite, surpreendentemente, voltamos a nos encontrar.
Ainda, uma vez mais. Mestre e aluna. Pois, ora prometo-lhe, saudoso e
inesquecível Mestre Waldir Vitral, buscar bem suceder-lhe e honrá-lo
nesta cadeira de nº 7 que lhe pertenceu e, que, a partir de hoje, passarei
a ocupar. Talvez e só talvez – quem sabe? -, por desejo seu formulado
nas altas esferas que ora habita. Certamente não posso prometer-lhe
estar à altura do seu brilho literário e saberes jurídicos, mas, contando
com o beneplácito dos deuses, que anuíram e mostraram-se submissos
à sua metafísica vontade para realizar a sua própria sucessão, visto que
seus colegas acadêmicos elegeram esta sua aluna, para aqui estar hoje.
E mais: suspeito, ainda, que o portador e executor dessa árdua
missão de convencimento para que eu colocasse o meu nome e, depois,
submetê-lo ao pleito e referendo dos dignos e prestigiados imortais da
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Academia Espírito-santense de Letras, coube ao meu querido amigo e
jornalista Álvaro José Silva, agindo – assim quero crer –, sob a tutela
dos deuses e sopro do Mestre Waldir Vitral. Amigo a quem passei a
chamar, desde a minha eleição, de “Padrinho Imortal”. Padrinho que,
de modo tão caloroso e comovente saudou-me, há pouco, revestindo as
palavras com o manto da emoção. Obrigada, Padrinho Imortal!
Sim, ter sido aceita por essa prestigiada e quase centenária
instituição que abriga os mais brilhantes intelectuais desta gentil,
acolhedora e generosa terra capixaba, é verazmente, como revelei no
início desta fala, privilégio jamais sonhado. Mas, sendo eu uma
outsider, como, também, o foi o meu inesquecível amigo, Amylton de
Almeida, jamais nos filiamos à qualquer agremiação, partido político,
credo religioso ou associação. Outsiders, senhoras e senhores, são
autênticos e legítimos ermitãos. Indivíduos que não pertencem a
grupamento algum, pois não são gregários. Tão verdade, que ora ouso
revelar – pela primeira vez, em público - alguns versos, de pé quebrado,
grafados por mim, no correr dos anos 90, excertos do poema que titulei
de “Insânia”. Aí a tal “prova robusta” que qualquer alegação requer:
Iconoclasta, nasci. Ermitã, asceta, pária e apátrida.
Ambiciosa, quis potentes “olhos de ver”. Ousada,
Afinei as cordas da sensibilidade até que elas,
Finas, mas, rijas, como as das harpas do Olimpo
Emitissem sons celestiais. Intrépida, escalei montanhas,
Galguei montes, picos e escarpas.
Nada me detinha. Queria saber, ver e sentir!
Aos adornos cultuados pela minha espécie,
Poder, amor, sucesso, dinheiro, honraria, fama,
Desprezo-os. A todos! Ambicionei somente o saber.
Trata-se, pois – conforme fiz prova -, da única exceção no curso
da minha odisseia de outsider, filiar-me, hoje, à Academia Espíritosantense de Letras, mas, confio, revelar-se-á exceção prazerosa, rica e
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reconfortante no avançar da minha senectude – que, rogo aos deuses,
não se estenda por tão longo tempo!... - e, sobretudo, enriquecedora,
pois o convívio estreito com os brilhantes acadêmicos desta instituição
que abriga os “fazedores” de livros, talentosos escritores, intelectuais e
poetas, muito acrescentará aos meus parcos saberes. Continuo, pois,
almejando ardentemente, tal como grafado no meu “gauche” poema,
prosseguir no objetivo soberano de “saber, ver e sentir”. E a Academia
Espírito-santense de Letras é, por excelência, a Casa dos Saberes &
Sentires, onde muito, muito poderei aprender.
Sou-lhes, portanto, nobres e imortais acadêmicos e acadêmicas,
imensamente grata por terem generosamente acolhido no prestigiado e
mais importante colegiado de escritores do Estado do Espírito Santo,
esta outsider que sou eu, modesta jornalista e eterna aprendiz da Arte
de Escrever. E, coincidência ou não, a primeira mulher a desfrutar do
privilégio de ocupar a cadeira de nº 7 da aclamada Casa Kosciuszko
Barbosa Leão. Privilégio que, quero crer, contou com o beneplácito
sorridente dos deuses do Olimpo e especial anuência da Deusa Têmis –
deusa regente e símbolo da Justiça – pois, já nessas décadas iniciais do
século XXI, inaugura-se um novo tempo histórico que vem sendo
chamado de “O Século das Mulheres”, sucedendo a milênios de
sombras e trevas, perseguições e queima de milhares de mulheres, as
ditas “bruxas” do período Medievo, misoginia e cruel discriminação ao
gênero feminino, erigidas pelo apolíneo poder patriarcal, contando com
o fervoroso e explícito endosso doutrinário das religiões monoteístas.
Agradeço, também, com especial ênfase, aos meus sábios
mestres e mentores intelectuais, que, nesta aurora do século XXI, já
retornaram às suas respectivas Ítacas – princípio e fim da jornada de
todos nós, humanos -, após terem vivenciado, com garbo, tenacidade e
valentia, aventuras, desafios e peripécias, padecido transitórios
naufrágios, comemorado - com coroas de louros - as inúmeras vitórias e
êxitos conquistados, além de terem residido, por tempo breve nas ilhas
da dor e – tomara! - por longo tempo nas ilhas do amor & prazer.
Odisseia que assistiu não somente aos mestres e mentores intelectuais
no passado, pois, ora abrigados – ad aeturnum - nas suas Ítacas, mas,
também, hoje vivenciadas por todos nós, neste tempo presente, sob o
pálio e escudo dos exemplos de suas valorosas vidas, permitindo-nos
desfrutar da régia herança do acúmulo dos seus conhecimentos, obras,
saberes e valores que, pacientemente, nos ensinaram e transmitiram.
Agradeço, ainda, a meu pai, Miroslav Bilich, que me legou seus
fetiches intelectuais; à minha mãe, Jô, que me ensinou a Arte de Ser
Mulher Guerreira; ao meu padrasto, Vinicius Bittencourt, que, no correr
da minha adolescência e juventude, orientou-me na escolha de leituras
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e livros; à minha professora de Biologia, no curso científico do Colégio
Estadual, Lélia Pagani, que sendo mulher de vanguarda e libertária,
provou-me, em 1965, ser possível realizar o meu ideal de vida de mulher
independente; ao meu editor, Sidemberg Rodrigues, “Filho Herdado”
de Amylton de Almeida, responsável, único e generoso, pela publicação
dos livros que assino, inclusive, o último, “Viajantes da Nave Tempo”
que, logo a seguir, será lançado; à Mestra Deny Gomes que me
estimulou para a arte da escrita; ao Mestre José Irmo Gonring que,
ousadamente, convidou-me para escrever crônicas no jornal, abrindome, desse modo, nova janela do mundo jornalístico.
E, por fim, agradeço aos queridos amigos e amigas, aqui presentes,
que me estenderam a mão solidária e generosa no correr da minha
acidentada odisseia, ofertando-me a dádiva e graça da irrestrita
confiança, cumulando-me com recorrentes e calorosas manifestações
de vivo afeto, carinho, cuidados, benesses e infinitas gentilezas, como o
dileto amigo, recém-empossado no cargo de presidente da Academia
Espírito-santense de Letras, Professor Doutor Francisco Aurélio
Ribeiro. Sou a todos verdadeiramente – creiam-me, por favor! granítica e eternamente grata. Tal como o meu antecessor na cadeira
de nº 7, Mestre Waldir Vitral, também eu cultivo, com extremo zelo, a
flor da gratidão.
Encerro, pedindo sinceras desculpas aos senhores e senhoras se,
porventura, enfadei-os em excesso. E fecho este pronunciamento fiel ao
conceito do tempo cíclico, adotado pelos sábios gregos, qual seja,
voltando ao início, repetindo a primeira citação - ciclo a cerrar-se -,
para, uma vez mais, exaltar a clarividência e aguçada intuição do genial
escritor austríaco Stefan Zweig, pois, ferreamente convicta estou, com
este meu inesperado, prazeroso e surpreendente ingresso na Academia
Espírito-santense de Letras que:
“Aparentemente são os acontecimentos que nos afastam ou nos
aproximam uns dos outros, mas, na realidade, a nossa vida é regida por
correntes mais profundas e uma magia impenetrável, percebida pelos
sentidos, mas não pelo pensamento, desvia o nosso destino, quando
acreditamos que nós mesmos o estamos orientando.”
Muito Obrigada!
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