SÃO PAULO, NOVEMBRO DE 2012
QUESTÕES SOBRE A QUALIFICAÇÃO E O ENSINO DE
ARQUITETURA E URBANISMO NO BRASIL
Gogliardo Vieira Maragno
Doutor. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. [email protected]
RESUMO
O trabalho reconhece o crescimento expressivo dos cursos, seus problemas e
relações com a habilitação profissional, buscando demonstrar que o privilégio
do exercício privativo não foi apresentado pela corporação e sim imposto pela
sociedade. Através de um retrospecto comparativo da legislação educacional e
profissional busca-se compreender o presente e vislumbrar ações futuras. O
panorama dos cursos desde 1930 permite acompanhar a distribuição no
território, observar as influências sociais, econômicas e políticas, além de
comparar a situação nos estados, país e exterior. Analisam-se as deficiências
no sistema de ensino e de controle do ensino que propiciam o surgimento de
argumentos falaciosos em defesa de um controle do ingresso no mercado
travestido de controle da qualidade profissional. Não se pode substituir a
avaliação formativa, quando é possível recuperar deficiências sob a
responsabilidade das IES, por uma avaliação pontual no final do processo. A
avaliação NOS e DOS cursos deve ser de qualidade e elevado senso de
responsabilidade social. Ações de melhoria do ensino devem contar com IES e
MEC, com apoio do CAU, ABEA e entidades.
Palavras-chave: ensino de arquitetura e urbanismo, abea, arquitetura e
urbanismo, ensino.
I. INTRODUÇÃO
Em diálogos na sociedade profissional dos arquitetos e urbanistas alguns
conceitos e opiniões se repetem como verdades absolutas, ainda que não se
sustente no todo ou em parte após análise mais aprofundada. Ouve-se que há
proliferação de cursos de arquitetura e urbanismo no Brasil, que a qualidade da
arquitetura da arquitetura brasileira é cada vez mais baixa, que escolas formam
profissionais cada vez piores e que há profissionais em excesso no mercado,
tudo contribuindo para um quadro de crise profissional.
É verdade que principalmente a partir dos anos 1990 observamos uma
expansão acentuada na criação de curso resultado de uma política
governamental que busca elevar rapidamente indicadores numéricos de
matriculados no ensino superior. Ainda que o termo proliferação tenha como
significado estrito aumento ou multiplicação, seu emprego em geral alude a
crescimento sem controle, como de pragas ou bactérias. Podemos discordar da
eficiência do atual sistema de controle da oferta de cursos de graduação,
porém ele efetivamente existe e é exercido pelo Ministério da Educação
através do SINAES1.
A respeito da diminuição da qualidade da arquitetura brasileira, é preciso
esclarecer a que tipo de arquitetura se refere, se a arquitetura exemplar
registrada nas importantes publicações da área, ou a arquitetura comum que
se vê cotidianamente nas cidades. Está última vem apresentando melhoras
gradativas alcançando classes sociais e recantos do país anteriormente não
alcançados. Quanto à deterioração da formação dos arquitetos, a que tanto
profissionais recém-egressos quanto formados há mais tempo aludem, pode-se
contrapor a evidencia de que nos disputados concursos de provimento de
cargos e também nos de projetos os vencedores tem sido majoritariamente
arquitetos jovens, egressos de cursos que supostamente os estão preparando
de maneira deficiente, fato que no mínimo aponta uma contradição. E,
finalmente, quanto à saturação do mercado, a relação arquiteto versus
população urbana no Brasil coloca o país na média de outros países
desenvolvidos ou em estágio mais avançado de desenvolvimento.
Estes contra-argumentos não pretendem endossar a política educacional e o
controle de oferta de cursos do MEC, reconhecidamente incapaz de
acompanhar as demandas quantitativas e qualitativas requeridas pela
sociedade contemporânea, tampouco ignorar os sérios problemas existentes
no ensino de arquitetura e urbanismo no país inclusive. Há cursos com
qualidade abaixo do admissível e que a continuar como estão não devem
continuar formando profissionais. Pretende-se destacar questões que
ultrapassam o senso comum e afrontam desejos algumas vezes inconfessos
de controle do mercado por parte de uma parcela de profissionais e
associações distanciados das reais necessidades sociais do país em ações
com viés corporativo.
Há que se reconhecer uma crise mais disciplinar que profissional já apontada
há bom tempo2 que se traduz em problemas relacionados mais à qualidade
que a quantidade. A ABEA em seus quase quarenta anos de existência não
tem adotado uma política restritiva a abertura de novos cursos, mas tampouco
os apoia indiscriminadamente. Sua política tem sido sim de congregar agentes
interessados - professores, estudantes, profissionais e a própria sociedade –
1 SINAES é o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior que tem por objetivo legal analisar instituições,
cursos e desempenho dos estudantes através de um processo de avaliação que leva em consideração aspectos como
ensino, pesquisa, extensão, responsabilidade social, gestão da instituição e corpo docente.
2 Em 1984 o professor Edgard Graeff já apontava que “o exercício da arquitetura e urbanismo atravessa hoje no Brasil
uma crise de amplitude sem precedentes, fruto da convergência de fatores estruturais e conjunturais” (GRAEFF, 1985).
em busca de melhor distribuição geográfica e social de cursos e profissionais e
por patamares o mais elevado na qualidade do ensino. No entanto, no período
recente o número de cursos se tornou tão expressivo (já são mais de 270
distribuídos desigualmente no país) que o atual sistema de avaliação e controle
tem se mostrado insuficiente e incompetente para cumprir seu papel.
E, se por um lado a sociedade brasileira demanda cada vez mais a
participação do arquiteto e urbanista na resolução de seus problemas de
espaço habitável, por outro a própria sociedade e os profissionais não
encontraram ainda dispositivos que propiciem os benefícios da atuação do
arquiteto a totalidade da população. Mesmo que, desde 2008, exista uma lei
que assegure “às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita
para o projeto e a construção de habitação de interesse social” (Lei
11.888/2008).
Com o crescimento das cidades e o agravamento das condições de moradia,
saneamento, transporte, etc., além das demandas por espaço apropriado nas
áreas de saúde, educação, cultura e lazer, a sociedade reconhece a
importância e necessidade da atuação do arquiteto e urbanista, mas nem
sempre pode alcança-lo. Ao se falar em saturação do mercado, é preciso
distinguir o tipo de mercado: aquele do arquiteto projetista autônomo que
atendia somente as camadas elevadas da população, típico do século XX,
contrapondo-o ao profissional pronto a contribuir na solução dos problemas
espaciais das aglomerações urbanas nas diferentes escalas e características.
Um arquiteto que sem deixar de atender o cliente privado possa atender as
demandas de toda a sociedade. Nesta forma de atendimento mais amplo é que
não somente os cursos, mas também o recém-implantado Conselho de
Arquitetura e Urbanismo deve focar sua ação. Necessário observar que o
exercício privativo da arquitetura, sua regulamentação e a exigência do diploma
de curso superior foram exigências impostas de longa data pela sociedade em
relação aos arquitetos, e não o contrário. O exercício privativo a determinada
formação é requerido para aquelas áreas em que conhecimentos
especializados técnico-científicos são imprescindíveis, e sua falta acentua os
riscos quanto a garantia da incolumidade do meio ambiente, dos bens e da vida
dos usuários.
Sempre é bom lembrar o Código de Hamurabi que em seus artigos 229 a 233
estabelece, segundo o preceito de olho por olho dente por dente então vigente
e em nome da sociedade, condições de competência e habilidade necessárias
ao exercício profissional.
229º - Se um arquiteto constrói para alguém e não o faz solidamente e a casa que ele construiu cai
e fere de morte o proprietário, esse arquiteto deverá ser morto.
230º - Se fere de morte o filho do proprietário, deverá ser morto o filho do arquiteto.
231º - Se mata um escravo do proprietário ele deverá dar ao proprietário da casa escravo por
escravo.
232º - Se destrói bens, deverá indenizar tudo que destruiu e porque não executou solidamente a
casa por ele construída, assim que essa é abatida, ele deverá refazer à sua custa a casa abatida.
233º - Se um arquiteto constrói para alguém uma casa e não a leva ao fim, se as paredes são
viciosas, o arquiteto deverá à sua custa consolidar as paredes.
Ao mesmo tempo o Código em seu artigo 228 estabelece a remuneração a que
o arquiteto faz jus por seu trabalho, constituindo o que deve ter sido não
somente a primeira legislação profissional, dos artigos anteriores, como
também a primeira tabela de honorários:
228º - Se um arquiteto constrói uma casa para alguém e a leva a execução, deverá receber em
paga dois siclos, por cada sar de superfície edificada.
Interessante observar que a severidade draconiana na aplicação da lei de
talião se aplicava também a outras duas profissões: o cirurgião negligente
deveria sofrer a amputação de uma das mãos e o advogado de defesa que por
sua torpeza deveria ter amputada sua língua. Fica claro que as penas aplicadas
aos arquitetos eram as mais severas, demonstrando a preocupação daquela
sociedade com o efeito de sua atuação profissional.
II. ENSINO E REGULAMENTAÇÃO PROFISSIONAL
A profissão é regulamentada em nosso país desde 1933 através inicialmente
do Decreto nº 23.569 com a engenharia e agrimensura e posteriormente da lei
5.194/1966 com engenharia e agronomia. Depois de árdua e longa luta os
arquitetos e urbanistas organizados através de suas entidades no Colégio
Brasileiro de Arquitetos – CBA alcançaram a almejada legislação própria, a lei
12.378/2010 que regulamenta o exercício da Arquitetura e Urbanismo e cria o
Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil - CAU. Um dos principais
aspectos desta lei é definição clara das atividades e atribuições. Ademais ela
deixa claro o caráter nacional da habilitação profissional que pode ser exercida
em qualquer parte do país, a exigência do diploma de curso superior em curso
reconhecido pelo Estado como prova de aquisição de conhecimentos
especializados que garantam a integridade humana, patrimonial e ambiental.
Isto tudo somado determina a prerrogativa do exercício profissional privativo
que não deve ser entendido como reserva de mercado, mas sim garantia de
incolumidade a sociedade.
Diante da determinação (ou reafirmação, de maneira própria) pela nova lei da
responsabilidade dos arquitetos e urbanistas, convém lembrar que a
necessidade de habitar é permanente, e provavelmente por isso a arquitetura
jamais conheceu períodos de paralizações (MEIRA, apud, MARAGNO, 1999).
Assim, com a nova lei temos apenas a caracterização de um novo momento no
país de uma velha caminhada da profissão no mundo, sendo que sua história
serve para reafirmar as características que ao longo de milênios marcaram o
trabalho dos arquitetos e urbanistas (...) constatados no acervo edificado e no
desenho das cidades (CONFEA, 1998). Diante dos novos e agigantados
desafios oferecidos aos arquitetos e urbanistas na atualidade, é preciso
observar que princípios, que valores, que comportamentos e que caminhos
somos chamados a esposar. Responsabilizar-se significa casar com algo.
Assim, ao se falar de responsabilidade dos arquitetos estamos nos referindo a
que tipo de contrato o arquiteto deve assumir em nossos dias diante de sua
própria consciência e da sociedade (CORREA, 1999).
Observado mais uma vez a história, pode-se reconhecer diferentes status
assumidos pelos arquitetos em diferentes períodos: o arquiteto-sacerdote da
antiguidade, o arquiteto-filósofo da Grécia antiga, o arquiteto orgulhoso do
império romano, o arquiteto-operário medieval, o arquiteto-mediador do
renascimento, o arquiteto do estado na revolução industrial e o arquiteto liberal
do século XX (BRANDÃO, 2005) o mais emblemático da prática profissional em
nosso país.
Essa preleção evidencia a questão que se nos coloca: Quem será o arquiteto
do século XXI no mundo e especialmente no Brasil? Em que bases e
profundidade se darão nossas contribuições? Até que ponto continuaremos sob
a égide do trinômio vitruviano - utilitas, firmitas e venustas -, talvez
transformado em quadrinômio, como defendem alguns adicionando,
acrescentando o lugar? Ou encontraremos novas bases de sustentação para o
nosso trabalho?
Para profissionais do chamado mercado a universidade vem formando
arquitetos afastados da realidade, mais relacionados à teoria e a filosofia que a
práxis projetual. Para professores e pesquisadores o mercado apresenta uma
visão limitada, distorcida e distante das necessidades dos grupos sociais e das
características disciplinares. Persistiremos na manutenção antagônica de dois
mundos afeitos a nossa prática, o acadêmico e o profissional, unido como
gêmeos xifópagos pelas costas, cada um vislumbrando realidades sob olhar
diverso? A resposta ainda parece estar no velho Vitrúvius quando trata da
educação do arquiteto:
Prática é o exercício contínuo e regular de atividades em que trabalhos concretos são feitos com
quaisquer materiais necessários e de acordo com os projetos devidamente representados. Teoria,
por outro lado, é a habilidade de demonstrar e explicar aquela hábil produção feita segundo os
princípios das proporções. Segue-se, portanto, que aqueles arquitetos que se esforçaram em
adquirir habilidades práticas ou manuais sem uma adequada preparação teórica nunca se
tornaram capazes de atingir posições de autoridade correspondente a seus esforços, enquanto
aqueles que se apoiaram apenas em teorias e na erudição estiveram obviamente caçando
sombras sem atinar com a substância de seu ofício. Mas aqueles que conseguiram um completo
domínio da teoria e da prática, como homens guarnecidos por todos os lados rapidamente
atingiram seus objetivos e detiveram consigo a autoridade de seu ofício. (Vitruvius, 1960)
Se observarmos os ordenamentos legais dos dois “mundos”, acadêmico e
profissional, verificamos que estão inter-relacionados em muitos pontos, mais
do que alguns poderiam supor ou mesmo desejar.
A Constituição estabelece em seu artigo 5º que é livre o exercício de qualquer
trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei
estabelecer. No caso da arquitetura e urbanismo as qualificações requeridas
pela lei estão presentes no art. 3º da 12.378/2010:
Os campos da atuação profissional para o exercício da arquitetura e urbanismo são definidos a
partir das diretrizes curriculares nacionais que dispõem sobre a formação do profissional arquiteto
e urbanista nas quais os núcleos de conhecimentos de fundamentação e de conhecimentos
profissionais caracterizam a unidade de atuação profissional.
Por sua vez, o art. 5º trata da condição exclusiva para uso do título de arquiteto
e urbanista (privilégio do exercício privativo da profissão) que é o registro no
CAU, enquanto o art. 6º define os dois únicos requisitos para o registro: I- a
capacidade civil e; e II- diploma de graduação em arquitetura e urbanismo,
obtido em instituição de ensino superior oficialmente reconhecida pelo poder
público. Assim está estabelecido o vínculo de subordinação do exercício
profissional privativo à formação acadêmica específica contemplada pelas
diretrizes curriculares.
Por outro lado, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB - Lei
9394/1996) em seu art. Art. 43 estabelece que a educação superior tem por
finalidade formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para
a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento
da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua.
Finalidade que é reforçada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais de
Arquitetura e Urbanismo (Res. CNE 02/2010, reafirmando Res. CNE 06/2006 e
Port. MEC 1.770/1994) em seu art. 4º ao afirmar que o curso de Arquitetura e
Urbanismo deverá ensejar condições para que o futuro egresso tenha como
perfil sólida formação de profissional generalista3. As diretrizes não se
referem a pesquisadores ou acadêmicos e sim a profissionais de com privilégio
de exercício privativo estabelecido em lei, instituindo, portanto, o vínculo de
subordinação da formação acadêmica ao exercício profissional, além de
evidenciar que não existem modalidades na arquitetura e urbanismo: ela é
generalista.
Além do já exposto, as Diretrizes elucidam que os conteúdos do curso de
graduação deve distribuir-se em dois núcleos:
I. de Conhecimentos de Fundamentação, composto por campos do saber que forneçam o
embasamento teórico necessário para que o futuro profissional possa desenvolver seu
aprendizado; e
II. de Conhecimentos Profissionais, composto por campos de saber destinados à caracterização
da identidade profissional do egresso, constituído por Teoria e História da Arquitetura, do
Urbanismo e do Paisagismo; Projeto de Arquitetura, de Urbanismo e de Paisagismo; Planejamento
Urbano e Regional; Tecnologia da Construção; Sistemas Estruturais; Conforto Ambiental; Técnicas
Retrospectivas; Informática Aplicada à Arquitetura e Urbanismo; Topografia.
Finalmente há o Trabalho de Curso (anteriormente denominado Trabalho Final
de Graduação)4 que deve estar centrado em determinada área teórico-prática
ou de formação profissional como atividade de síntese e integração de
conhecimento e consolidação das técnicas de pesquisa. Ainda que esteja
expressa a necessidade de centrá-lo em área teório-prática ou de formação
profissional, a ABEA já discutiu e reconheceu que a redação contemplada pela
Portaria 1.770 era mais explicita e apropriada ao estabelecer que o Trabalho
Final de Graduação objetivava avaliar as condições de qualificação do
formando para acesso ao exercício profissional. Este objetivo demonstrava
atendimento em mais ampla plenitude às inter-relações entre LDB, Diretrizes e
legislação profissional, porém a redação foi negada pelo Conselho Nacional de
Educação que considerou que ela extrapolava o âmbito acadêmico em
desacordo, segundo eles, aos preceitos de flexibilidade da LDB.
3
As Diretrizes definem que a proposta pedagógica para os cursos de graduação em Arquitetura e Urbanismo devem
assegurar a formação de profissionais generalistas, capazes de compreender e traduzir as necessidades de indivíduos,
grupos sociais e comunidade, com relação à concepção, à organização e à construção do espaço interior e exterior,
abrangendo o urbanismo, a edificação, o paisagismo, bem como a conservação e a valorização do patrimônio
construído, a proteção do equilíbrio do ambiente natural e a utilização racional dos recursos disponíveis. (Art. 3º, § 1º),
abordando não somente o objeto (concepção, organização e construção do espaço...), mas também os usuários
(indivíduos, grupos sociais e comunidades).
4
Consideramos que Trabalho de Curso é muito genérico, pois todos os trabalhos são de curso e há um diferenciado, o
último que é o Trabalho de Conclusão do Curso.
III. DIRETRIZES CURRICULARES E PROJETOS PEDAGÓGICOS
As diretrizes curriculares constituem o instrumento fundamental a ser
observado na elaboração e diferenciação do projeto pedagógico e este, por sua
vez, o instrumento primordial para obtenção e posterior controle da qualidade
de ensino, devendo servir de ponto de partida nas avaliações das condições de
ensino. Os projetos pedagógicos devem contemplar a organização dos cursos
através de um conjunto de componentes curriculares compostos, segundo a
Res. 02/2010, do próprio projeto pedagógico, da descrição de competências,
habilidades e perfil do futuro profissional, dos conteúdos curriculares, do
estágio, do acompanhamento e avaliação do aluno, das atividades
complementares e do trabalho de curso
a. Os Projetos Pedagógicos
Além do já exposto, eles devem descrever as características do curso que
demonstrem as particularidades do ensino da instituição antecipando tanto
quanto possível o perfil do profissional que pretende formar além das
condições para um ensino de qualidade satisfatória. Os projetos pedagógicos
devem ser resultado de amplo debate e de construção coletiva devendo ser
conhecido e apropriado por todos os agentes, direção, professores e alunos,
balizando todas as ações do curso.
Existem no país inúmeros projetos pedagógicos consistentes e criativos, porém
não é o que ocorre em parte considerável dos cursos. Em muitos ele não passa
de documento forma e burocrático para atender as exigências oficiais de oferta,
muitas vezes elaborado individualmente ou por equipe restrita entre quatro
paredes. E mesmo assim – ou talvez por isso – muitos são desrespeitados ou
ignorados no cotidiano dos cursos quando o que vale é o currículo invisível
praticado por professores acomodados que independentemente de
modificações e novos rumos que se pretenda incluir nos currículos repetem
ano a pós ano suas velhas práticas. Em ouro extremo há projetos pedagógicos
que se pretendem tão inovadores ou revolucionários que no afã da
diferenciação deixam de atender aspectos essenciais para garantir um
profissional com habilidades e conteúdos suficientes para receber as
atribuições profissionais com alcance nacional previstas na lei e almejadas pela
sociedade.
Cada curso deve conter elementos referenciais que o caracterizem e balizem a
escolha por parte de candidatos, elementos que subsidiarão posteriormente
sua própria avaliação, interna e externa. Estes elementos contemplam as três
dimensões básicas de um curso: o próprio projeto pedagógico, o corpo docente
e a infraestrutura para sua oferta.
b. Corpo Docente
O sistema educacional brasileiro busca garantir que o corpo docente tenha
compromisso com o tripé do ensino universitário: ensino, pesquisa e extensão,
buscando que o vínculo dos professores vá além dos limites restritos dos
horários de aula das disciplinas. Na prática surgem dois problemas. Por um
lado partes das instituições privadas preocupadas excessivamente com
questões financeiras em detrimento das pedagógicas atendem minimamente o
exigido para regimes de contratação e titulação e, não raramente, um
atendimento cíclico que acompanha os períodos de avaliação modificando-se
radicalmente, para pior, nos intervalos após autorizações, reconhecimentos ou
renovações. Assim professores com maior ou menor titulação são contratados
ou dispensados de acordo com o ciclo avaliativo. Não é prática geral, mas a
incidência compromete o conjunto.
Nas instituições públicas vem ocorrendo um fenômeno diverso resultado da
restrição na contratação de professores com jornadas de quarenta horas com
dedicação exclusiva e com titulação mínima de mestre ou doutor. As duas
condições a princípio favoráveis quanto a qualidade de ensino, terminam por
afastar mais que o desejável o corpo docente da realidade do mercado. É
desejável professores com tempo de dedicação que extrapolem as atividades
restritas das aulas, como já se disse, mas, no caso da arquitetura e urbanismo
e áreas como direito, medicina, etc. onde se ensina mais que uma ciência um
ofício, ao se restringir quase na totalidade do corpo docente a prática do oficio
que ele está ensinando, resulta em um afastamento indesejável da realidade
profissional. Como proclamava o professor Eduardo Kneese de Melo em
antigos eventos da ABEA, o curso ideal deve contar com professores com
dedicação diversificada: o arquiteto puro, o arquiteto-professor, o professor
arquiteto e o professor puro. Tanto o profissional do mercado trazendo sua
experiência quanto o pesquisador buscando novos caminhos e soluções e, no
intermédio, professores e profissionais com diferenciado envolvimento
proporcionando dinamismo e diversidade de abordagem aos cursos.
Ao exigir um mínimo de mestres e doutores, a legislação educacional visa sua
qualificação e prática de pesquisa. Porém o sistema brasileiro de pósgraduação não supre uma necessidade fundamental: formação didática e
pedagógica. Evidente que os mestres e doutores trazem massa crítica e
potencializando a discussão e fundamentação teórica nas atividades dos
cursos, mas não garantem por si só a qualidade pedagógica em sala de aula.
c. Infraestrutura
A infraestrutura tem sido um dos pontos mais sensível na oferta de ensino de
qualidade. Em um curso que pretende ensinar a arte de organizar os espaços,
em alguns casos são oferecidos em espaços improvisados e desprovidos de
condições satisfatórias para o atendimento das atividades pedagógicas do
curso. Alguns cursos mantém o espaço de laboratórios, mas sem
equipamentos adequados ou já obsoletos. Outros, melhor aparelhados estão à
disposição quase exclusiva de programas de pós-graduação pouco servindo ao
cotidiano da relação ensino-aprendizagem na graduação.
Em que pese se encontre cursos com espaços, mobiliários e equipamentos
adequados, muito há que se melhorar em relação ao conforto ambiental,
acesso universal, atendimento às condições específicas do curso, etc. Faltam
salas, inclusive para uso no desenvolvimento de tarefas fora do horário de
aulas, falta mobiliário adequado, acesso a rede e internet, etc. Além disto, há
ausência de espaço para exposição, para encontro, para debate e mesmo que
possam acompanhar o dinamismo requerido para a prática do atelier de
projeto, que deve funcionar como um laboratório vivo para investigação de
soluções e alternativas.
d. Cargas Horárias
A carga horária mínima para oferecimento dos cursos no Brasil é de 3.600
horas5 que deve ser ocupadas por aulas teóricas, conferências, produção em
ateliê e laboratórios, viagens de estudos, visitas a obras e conjuntos,
participação em pesquisas e atividades extracurriculares e estágio curricular
supervisionado. Sendo que este último e as atividades complementares podem
ocupar um máximo de 20% da carga horária total.
Conteúdos e habilidades específicos, que contemplem aspectos regionais
culturais, climáticos, entre outros, bem como que contemplem abordagens multi
ou interdisciplinares que contribuam não somente com o futuro profissional mas
também com a formação do cidadão, são desejáveis e benvindos. Porém,
estes conteúdos não podem ser oferecidos em detrimento dos conteúdos e
habilidades essenciais estabelecidos pelas diretrizes. Infelizmente, não é o que
tem acontecido em algumas instituições, principalmente naquelas que tem
adotado a carga horária mínima como teto, que não são poucas.
A carga horária média dos cursos brasileiros é de 4.012 horas (4.268h nas
instituições públicas e 3.968h nas instituições privadas). Em junho de 2012
havia um total de 69 cursos (25% do total) oferecendo a carga horária mínima
de 3.600h. Ao mesmo tempo 5 cursos6 ofereciam carga horária acima de
5.000h, com aproximadamente 44% a mais que os cursos com a mínima.
Ainda que a carga horária não possa ser considerada um indicativo absoluto de
qualidade de ensino - tão importante quanto o tempo em si é o uso que se faz
dele - ela não deixa de indicar o compromisso dos cursos com a seriedade e
com a qualidade. Seu comprometimento em outras atividades que não as
essenciais, quando não apropriadamente justificado evidencia impropriedades
dos projetos pedagógicos demonstrando insuficiência na abordagem de
conteúdos e habilidades essenciais ao arquiteto e urbanista.
Há cursos substituindo exageradamente a carga horaria essencial por
conteúdos acessórios e, em alguns casos, por práticas que demonstram a
intenção única de barateamento de custo com a redução de encargos dos
professores, o que precisa ser coibido. Há instituições com a oferta demais de
uma dezena de cursos em distintos pontos do território com a mesma e mínima
carga horaria nominal de 3.600h. Além disto, há o tema da dicotomia entre
hora/aula e hora/relógio, sendo que o CNE já deixou claro que o que conta é a
hora/relógio. Assim, um curso que nominalmente disponha de 3.600h porém
suas aulas sejam de 50minutos ao invés de 60minutos, está oferecendo na
verdade 3.000horas. O fator de conversão neste caso é de 0,833.
Em comparação com a carga horária exigida em outros países a do Brasil é
superior a da Alemanha, e inferior ou semelhante a muitos outros. Cada
sistema universitário considera diferentes atividades acadêmicas no computo
5
Resolução CNE 02/2007.
Os cinco cursos com carga horária mais elevada em junho de 2012: UNITAU 5508, USP/SP 5490, USP/SC 5415,
USJT 5400 e PUC-CAMP 5202.
6
geral, sendo por isso mero referencial que demanda análise mais cuidadosa. A
título de exemplo, a Alemanha exige um mínimo de 3.190h em cinco anos de
curso seguido por um estágio obrigatório de dois anos, enquanto a França
exige 4.070h em seis anos sem necessidade de estágio posterior. Na GrãBretanha a carga horária mínima é de 6.000h em cinco anos com o curso
baseado na prática desenvolvida nos atelieres e seguida. Na Itália, um dos
países com maior número de arquitetos por habitantes, a carga horária total
chega a 7.500h incluindo práticas extraclasses, enquanto Holanda e Bélgica
exigem 4.200h, em Portugal o mínimo é de 4.125 horas no Porto e 4.400h em
Lisboa, e na Espanha varia entre 3.750h em Barcelona e 4.500 em Madrid.
(ESPAÑA, 2005)
IV. PANORAMA DA OFERTA DE CURSOS NO BRASIL
Em junho de 2012 existiam no Brasil 270 cursos de graduação em arquitetura e
urbanismo, maioria já implantada e bom número em implantação, ou seja,
ainda não formaram a primeira turma de profissionais. Do total, 19% são de
instituições públicas (federal, estadual ou municipal) e 81% de instituições
privadas.
As informações disponibilizadas pelo INEP, inclusive os resultados do Censo
da Educação Superior constituem importante material que pode subsidiar
pesquisas sobre as condições de oferta dos cursos de arquitetura e urbanismo,
principalmente se associados a dados do Sistema de Informação e
Comunicação do Conselho de Arquiteto e Urbanismo – SICCAU seja em
relação aos profissionais e também confirmando dados dos cursos quando de
seu cadastro no CAU. Os primeiros dados que começam a ser produzidos e
disponibilizados pela Comissão de Educação e Exercício Profissional já
permitem ampliar consideravelmente as possibilidades de análises e
segurança. Estes dados já permitem confirmar ou contradizer algumas falas do
senso comum repetidas em reuniões profissionais, além de apontar novos
caminhos a percorrer.
Os dados já disponíveis já proporcionam algumas considerações em relação à
expansão do número de cursos. Esta expansão não deve ser analisada com a
frieza dos números, mas sim contratadas com outras variáveis, como
crescimento populacional urbano, produto interno bruto, isolamento e
distanciamento geográfica, etc. Desde os anos 1990 vimos nos eventos da
ABEA, com as limitações impostas pela disponibilidade de dados e de material
humano, elaborando o que chamamos de Panorama dos Cursos de Arquitetura
e Urbanismo no Brasil. Ao simples total geral inicial, podemos agora distinguir a
criação de cursos quanto ao caráter público e privado e observar o crescimento
de cada grupo desde 1930, década da regulamentação da profissão no Brasil.
Três cursos (UFRJ, USP e Mackenzie) permanecem como únicos por mais de
duas décadas. Os anos 1940 demonstram um crescimento dos cursos públicos
e uma estabilização até a década de 1970 quando há a primeira leva de
criação de cursos privados.
Se os anos 1980 evidenciam uma estabilização (será fruto da crise
econômica?), os anos 1990 marcam o início de uma curva ascendente que
persiste até os dias atuais com acentuação ainda maior a partir de 2005
aproximadamente.
O gráfico com crescimento percentual por década em relação a anterior
permite visualizar de outra maneira, observando-se que o crescimento maior do
número de cursos privados se deu nos anos 1960-70 e seguiu alto, porém com
menor percentual, volta a crescer significativa e expressivamente no recente
período dos anos 1990-2000. Enquanto isso, o crescimento do número de
cursos públicos praticamente alterna décadas de crescimento com estagnação.
Figura 1. Gráficos de Crescimento Absoluto e Percentual dos Cursos de Arq. e Urb. no Brasil.
Da mesma forma, o gráfico comparativo entre o crescimento da população,
especialmente a urbana, e de cursos indica, que até os anos 1990 os cursos –
e consequentemente os arquitetos por eles formados – cresceram menos que
a população urbana, ou seja, muitas cidades passaram a apresentar déficit de
cursos e arquitetos.
Figura 2. Gráfico Comparativo de Crescimento da População e do Número de
Cursos de Arquitetura e Urbanismo no Brasil.
É possível comparar a relação arquiteto/população no Brasil com a mesma
relação em outros países, verificando que atualmente com aproximadamente
2.370 hab/arq, segundo dados do IBGE (2010) e do CAU/BR (2012), estamos
nos igualando ao índice médio dos países mais desenvolvidos, em torno de
2.200 habitantes por arquiteto7. Quanto maior o índice há menor oferta de
arquitetos para a população. Na distribuição regional observamos que sete
unidades da federação apresentam índices mais elevados: enquanto o Distrito
Federal apresenta o índice mais baixo (1.141hab/arq), o Maranhão apresenta o
mais elevado (12.620hab/arq) denotando falta de arquitetos e urbanistas que
pode ser justificada pela baixa renda per capita e consequente falta de acesso
ao serviço dos arquitetos.
Também é possível observar a relação população/curso. Considerando que os
estados originários dos antigos territórios foram os últimos a ofereceram cursos
de arquitetura e urbanismo, em alguns casos a oferta passou a ser exagerada.
É o caso do Amapá que conta atualmente com três cursos e um índice
223.375hab/curso, acima de Santa Catarina, segundo colocado com 23 cursos
e que apresenta um índice de 271.671hab/curso enquanto o Pará, com apenas
dois cursos tem um índice de 3.790.526hab/curso.
A relação arquitete/curso também pode oferecer dados interessantes que
implica na disponibilidade professores em quantidade suficientes para ensinar
nos cursos existentes. Enquanto São Paulo com 74 cursos apresenta uma
grande disponibilidade de arquitetos por curso (645), Acre, Roraima, Amapá e
Rondônia apresentam índices que variam entre 48 e 59 arq/curso, o que pode
significar dificuldade em encontrar professores no mercado local para atender a
demanda dos cursos já existentes.
Dados que começam a ser produzidos pelo CAU/BR, como do alcance
geográfico dos cursos já existentes, podem servir de indicativos para a política
de abertura de novos cursos, oferta de vagas, e também em relação a
aspectos a serem observados com maior atenção nas avaliações de curso.
Figura 3. Concentração e Sobreposição de Cursos de Arquitetura e Urbanismo no Brasil.
7
Relação habitante/arquiteto de alguns países: Argentina 508, Italia 794, Portugal 925, Espanha 1412, Alemanha
1698, Chile 1916, Grã-Bretanha 2043, Austrália 2264, França 2420 e Estados Unidos 2807. Fonte: UIA, 2011.
V. QUALIDADE E AVALIAÇÃO DO ENSINO E SEU CONTROLE
O crescimento das cidades implica em maior demanda social pela atuação dos
arquitetos e urbanistas, enquanto o aumento de renda da população significa
um aumento do mercado de trabalho para os profissionais. Estes fatos em
conjunto colocam em evidencia e aumentam a exigência em relação à
adequada qualificação profissional dos arquitetos e urbanistas.
A responsabilidade pela formação é das instituições de ensino e o diploma o
qualifica para o exercício profissional obtido após o registro no Conselho.
Portanto, as avaliações dos estudantes NOS cursos ao longo de todo o
percurso acadêmico e principalmente no trabalho de conclusão de curso tem
importância capital para a o oferecimento de profissionais de qualidade à
sociedade. Da mesma forma a avaliação DOS cursos para que ofereçam
qualidade de ensino pelo menos em patamares mínimos e que, ao mesmo
tempo, estejam avaliando cuidadosa e responsavelmente seus estudantes é
papel fundamental do Estado na garantia de oferecimento de profissionais
competentes.
Pouco se tem discutido sobre a avaliação acadêmica NOS cursos. Não raro
observa-se um indesejável “jogo de empurra”. Professores das primeiras séries
apostando que nas séries subsequentes os estudantes adquirirão os conteúdos
e habilidades que ainda não demonstram em suas disciplinas, enquanto os
professores das séries finais considerando que se nas disciplinas anteriores
eles não atingiram o patamar, não deverá ser ele o responsável por isto. Da
mesma forma nas bancas de trabalho final de curso considera-se que se o
estudante já chegou até ali é porque está preparado e merece a aprovação,
olvidando o comprometimento na responsabilidade social que esta sua
omissão representa.
Na ABEA sempre defendemos que o trabalho de conclusão de curso
corresponde ao exame de qualificação e que pode mesmo ser o produto a ser
avaliado quanto a qualidade do ensino oferecida pelos cursos em lugar dos
provões e “enades” existentes. Porém isto exige elevada taxa de profundidade
e seriedade no processo de avaliação.
a.
A Crise do Sistema de Avaliação
A avaliação DOS cursos anteriormente se baseava principalmente nos dados
recolhidos pela visita in loco de três avaliadores, todos com amplo
conhecimento das diretrizes curriculares e exigências da área, comprometidos
com o aprimoramento do ensino e designados pelas antigas comissões de
especialistas. No caso da arquitetura e urbanismo da CEAU. Com a
transferência desta incumbência da SESu para o INEP no final dos anos 1990,
as Comissões foram extintas ou modificadas quanto a seus objetivos. A
avaliação passou a ser feita através da análise prévia de documentos e
posterior visita in loco de apenas dois avaliadores selecionados do banco de
avaliadores do MEC após livre inscrição. Se é verdade que por um lado este
procedimento democratizou e deu transparência ao corpo de avaliadores, por
outro também é verdade que passou a contar com avaliadores com menor
domínio das diretrizes curriculares e menor envolvimento com as discussões e
eventos da área sobre a qualidade do ensino.
A área de arquitetura e urbanismo foi pioneira na elaboração de um formulário
padrão para avaliação in loco que serviu inicialmente de modelo para a
confecção dos demais na transferência de competência para o INEP. Estes
formulários da CEAU continham o que se considerava como cláusulas pétreas,
ou condições sine qua non, ou seja, aspectos da avaliação cujo não
atendimento impedia de pronto a autorização ou reconhecimento de um curso.
Estas cláusulas relacionavam-se, por exemplo, a número mínimo de
exemplares de livros na biblioteca, existência e funcionamento efetivo de
laboratórios essenciais, atendimento da carga horária mínima e dos conteúdos
essenciais na estrutura curricular, etc. Além disto, os pareceres das comissões
de avaliação tinham caráter definitivo.
Inicialmente o INEP encampou parte destas condições que foram sendo pouco
a pouco suprimidas até que o processo passou a ser todo definido por médias.
Hoje ainda que um curso apresente forte deficiência em determinada
abordagem, a mesma pode ser compensada por outros fatores. Além disto, as
comissões passaram a ter poder apenas opinativo. A deliberação final ocorre
por funcionários internos. Sabe-se hoje que há carência de avaliadores da área
e que já chegaram a ser indicados professores de outras áreas para proceder a
avaliação de cursos de arquitetura e urbanismo. Em pelo menos um caso
temos conhecimento que a instituição recusou estes avaliadores não
arquitetos.
A acentuada expansão dos cursos tem impedido que o sistema de avaliação
acompanhe a demanda. O próprio governo na exposição de motivos para criar
o INSAES8, um instituto para avaliar e supervisionar o ensino superior,
reconhece que atingiu o limite da capacidade operacional e que a qualidade da
avaliação para verificar a qualidade dos cursos está inviabilizada. O governo
através do INEP não está dando conta de avaliar e supervisionar
adequadamente as 2.667 instituições e os 40.448 cursos de graduação
presenciais e a distância através de aproximadamente 7.000 avaliações in loco
anuais e para isto está propondo a criação de um organismo próprio e vem
recebendo críticas das mantenedoras de ensino.
Outra questão preocupante é há a distorção resultante do fato das instituições
estaduais e comunitárias serem avaliadas no contexto estadual, fora dos
padrões nacionais. Fato que atende uma compreensão discutível do conteúdo
expresso na LDB sobre os âmbitos dos sistemas de ensino.
Este contexto tem dado margem a defesas e iniciativas da criação de exames
pós-formatura nos mais diversos formatos e denominações, que costumam ser
generalizadas como exames de ordem, mesmo que nossa profissão não esteja
regulamentada em uma ordem e sim em um conselho. Nos anos 1980 durante
a elaboração da Constituição chegou-se a cogitar na adoção destes exames
pós-formatura para uma série de profissões, quando então a ABEA e uma série
de outras entidades de ensino se manifestaram em audiências públicas no
Congresso Nacional contrariamente, inclusive com o apoio do CONFEA e da
Federação Nacional dos Arquitetos - FNA.
8
Projeto de Lei 4.372 que cria o Instituto Nacional de Avaliação e Supervisão da Educação Superior – INSAES.
b.
Exame Pós-formatura: falácia ou solução?
Com a insuficiência do processo de avaliação de cursos algumas áreas ou
setores profissionais, inclusive no âmbito de algumas entidades de arquitetura
e urbanismo, passam a ventilar a necessidade da instituição de um exame pósformatura e de restrição ao ingresso profissional chamado de exame de ordem,
qualificação, habilitação, proficiência ou outro nome que se queira.
Há inclusive os que defendam uma espécie de estágio pós-formatura, além do
estágio supervisionado pré-formatura já existente, chamando-o de residência
em arquitetura e urbanismo e mal comparado às residências médicas. Estas na
verdade constituem uma modalidade de ensino de pós-graduação destinada a
médicos, sob a forma de curso de especialização oferecidos por instituições de
saúde e sob a orientação de profissionais médicos que devem ser possuidores
de elevada qualificação ética e profissional.
A recente iniciativa do Conselho do Conselho Regional de Medicina de São
Paulo - CREMESP em tornar obrigatório um exame de conclusão de curso, até
então facultativo, e que por falta de dispositivo legal não impede o candidato de
obter seu registro profissional, visa oficialmente obter dados estatísticos
confiáveis em relação aos cursos médicos. A iniciativa contou com o apoio da
Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, que aplica, aí sim por dispositivo legal,
o Exame de Ordem. O pretexto do CREMESP foi o aumento vertiginoso do
número de cursos e da baixa qualidade de muito deles, bem como a baixa
adesão ao exame facultativo.
Ou seja, como o MEC não está cumprindo adequadamente seu papel de
controle da oferta de ensino, eles desejam proceder a uma avaliação própria. O
mesmo argumento utilizado por outros profissionais, inclusive da área de
arquitetura e urbanismo. Interessante observar que entre estes profissionais,
defensores de um controle de acesso ao mercado, a qualidade do ensino caiu
acintosamente imediatamente após a sua formatura. Seja ela recente, de
alguns meses, ou longínqua, de algumas décadas. Ou seja, se excluem de um
eventual exame, presumindo-se que tiveram um curso e um desempenho de
elevado nível, e apontam a necessidade dos que vieram após eles próprios.
No entanto, a própria sociedade profissional tanto de médicos quanto de
advogados tem considerado estes exames no mínimo discutíveis em seus
objetivos e eficácias, quando não se manifestam contrariamente como é o caso
das associações de ensino de Direito e de Educação Médica (ABEDI e ABEM).
O principal argumento contrário à aplicação desse tipo de exame como controle
primeiro da qualidade de ensino e em segundo da qualidade dos profissionais é
que no primeiro caso retira das IES a responsabilidade pela formação
profissional, deixando-as “apenas” com a função de formar “bacharéis”, e no
segundo a experiência realizada em outras áreas e outros países tem
demonstrado ineficiência em relação ao objetivo, não contribuindo para
preservar a sociedade de profissionais desprovidos de competência e ética
profissional.
Como citado, a ABEA – com apoio da CEAU, CONFEA, FNA, etc. - em outros
tempos já rejeitou esse tipo “vestibular pós-formatura” por considerar
exatamente que esses exames são instrumentos de avaliação pontual, não
levando a melhoria do ensino ou da formação profissional, além de retirar das
Escolas a responsabilidade que lhes compete, penalizando o aluno (BRASIL,
1994). Em eventos anteriores a ABEA já reuniu especialistas de outras áreas e
países, como repete neste XXXI ENSEA buscando espelhar-se em suas
experiências e reflexões.
Na verdade este tipo de exame de restrição pós-formatura acaba punindo a
própria sociedade e as famílias que investiram tempo e recurso na formação
dos estudantes que podem ser rejeitados ao final de todo um longo e custoso
processo, como um objeto inservível que não tenha passado por um controle
de qualidade no final da linha de produção. Controle que até por lógica
econômica, além da social, deve ocorrer durante o processo oferecendo
condições satisfatórias para sua formação e com sistema de avaliação
continuada rigorosa que garanta apenas os capacitados alcançar o diploma.
Afinal o que se pretende de verdade é alcançar um nível satisfatório de
qualidade do exercício profissional, ou apenas restringir o mercado em atitudes
claramente corporativas?
No Brasil o modelo mais citado é o do Exame da Ordem dos Advogados.
Segundo o professor Frederico de ALMEIDA (2010), da ABEDI, a mobilização
da OAB pela instituição de um exame obrigatório para o exercício profissional é
antiga, dos anos 1960, quando no entando o Estatuto da Advocacia previa o
Exame de Ordem como uma das formas de ingresso na profissão, paralelo aos
“cursos de estágio", mantidos pelas próprias faculdades de direito que
concluídos habilitavam automaticamente o bacharel como advogado. Com o
Estatuto de 1994 o Exame de Ordem se tornou obrigatório e alternativa única
de ingresso do bacharel em direito na carreira de advogado. A OAB assume
como objetivo oficial do exame avaliar a capacitação, conhecimentos e práticas
necessários ao exercício da advocacia por parte dos candidatos, mas segundo
o prof. Almeida, ao procurar fazer frente à massificação do ensino ela acaba na
verdade tentando controlar o mercado profissional, restringindo a entrada de
novos advogados. A partir de pressões da sociedade pelo baixo índice de
aprovação, dos milionários valores arrecadados, do incentivo a “indústria”
milionária dos cursinhos preparatórios e até mesmo de uma aventada
inconstitucionalidade do exame, a OAB passou a adotar simultaneamente
outros mecanismos paralelos além do Exame, realizando uma avaliação
própria dos cursos jurídicos certificando sua qualidade através de um selo: o
"OAB Recomenda". Não é demais lembrar que os bacharéis em direito contam
com inúmeras outras possibilidades profissionais de atuação e carreira que não
unicamente a advocacia.
Por sua vez, a Associação de Brasileira de Educação Médica – ABEM em
documento de 2005 destaca sua posição contrária à instituição no Brasil de
qualquer tipo de Exame de Habilitação a ser realizado após o final do Curso
Médico. Reconhece os vários problemas existentes no ensino médico brasileiro
e aponta como solução ação efetiva do governo em não autorizar
indiscriminadamente a abertura de novas escolas médicas e de fechar as
escolas médicas que não possuem condições mínimas de funcionamento e de
formação de médicos de qualidade.
Compartilhamos a posição da ABEM de que a adoção deste tipo de exames
termina por trazer impacto importante e negativo a própria formação dos
estudantes, especialmente dos últimos anos, que passarão a ter como
preocupação central sua aprovação no exame pós-formatura em detrimento da
sua própria formação. Além disto, nenhum exame é isento e estará sempre
impregnado dos conceitos de quem o aplica. Além de demandar elevados
conhecimentos de uma das áreas mais difíceis da pedagogia, que é a
avaliação de competências, muito mais complexo que a avaliação de
conhecimentos. Pode-se inclusive perguntar que se não for por parte dos
envolvidos na educação dos arquitetos e urbanistas, quem teria capacidade
para elaborar e avaliar um exame como este? E se são os próprios, porque não
utilizar estes processos durante os cursos, enquanto os processos de
aprendizagem ainda podem sofrer processos de correção de rumo e não
somente ao final.
Mesma posição propomos para a ABEA, devendo posicionar-se firmemente e,
se possível, em uníssono com as demais entidades de arquitetura e urbanismo
que compões o CBA, bem como com o CAU por um sistema de análise mais
criterioso nas demandas por novos cursos, bem como um controle mais
rigoroso e efetivo DOS cursos deficientes e NOS cursos maior seriedade e
rigor nas avaliações ao longo do curso.
Ainda que a ABEA já venha repetidamente se manifestando contra a adoção
de exames pós-formatura, bem como sua preocupação crescente com a
qualidade do ensino oferecido pelas escolas, mas compreendendo que a
atenção e o controle devam ocorrer no âmbito do mundo acadêmico, durante o
processo de formação tanto em relação a qualidade do ensino oferecido por
cada IES como pela seriedade e competência com que se realizem cada etapa
de avaliação dos estudantes, se faz necessário neste momento uma ação mais
firme e objetiva fortalecida pelo apoio das demais entidades. Defendemos de
maneira intransigível a qualidade de ensino, a sólida formação e o
correspondente exercício competente e ético, mas certamente a avaliação
pontual ao final do processo não será a maneira mais ética, adequada e
eficiente para o controle.
O CAU em seus primeiros passos e primeiro ano de funcionamento, ao assumir
seu papel no cadastramento dos cursos, registro dos egressos, definição de
normas que observem a legislação profissional, e fiscalização do exercício
profissional tem muito a contribuir. Contribuição que ocorrerá através de um
trabalho em comum com as instituições de ensino, as entidades da área e em
especial, neste tema, com a ABEA propugnando pela qualidade da formação
profissional.
VI. CONCLUSÕES
O trabalho procura apresentar um panorama da oferta de ensino de arquitetura
e urbanismo no Brasil confrontando-o às necessidades contemporâneas da
sociedade e os desafios diante do crescimento expressivo do número de
cursos. Reconhece-se a existência de modelos exitosos evidenciados por
práticas pedagógicas inovadoras e pelo sucesso dos egressos em concursos
de projetos e de provimento de cargos e que o sistema atual de supervisão e
avaliação dos cursos atingiu seu limite e já não se demonstra capaz de cumprir
seus objetivos. Considerações que não devem levar a adoção de soluções
simplistas de apelo fácil que induzam ao controle do mercado almejado por
aqueles descompromissados com a necessidade social da atuação do
arquiteto e urbanista. Longe de ser solução, a adoção de exames pósformaturas além de significar a falência do sistema de ensino e seu controle,
contribuir para o declínio ainda maior da qualidade de ensino ao isentar as
instituições de sua responsabilidade na formação, transferindo a preparação
para a habilitação profissional a “cursinhos” que existiriam com esta única
finalidade. A seriedade do momento exige atitudes sérias que contribuam não
somente a situações conjunturais do mercado, mas principalmente no
atendimento pleno da sociedade frente ao crescimento das cidades e da
crônica falta de espaços dignos adequados a moradia, saúde, educação,
cultura, lazer, etc. Não há alternativa que não o investimento e controle estrito
das condições de abertura e oferta do ensino de arquitetura e urbanismo. A
ABEA, em parceria com outras entidades, Conselho e governo, continua sendo
um dos principais canais de discussão e encaminhamento das questões sobre
o ensino de arquitetura e urbanismo.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Frederico de. Exame de Ordem: controle de mercado ou avaliação profissional? Blog
POLÍTICA│JUSTIÇA:
Política,
Justiça
e
a
Política
da
Justiça.
Disponível
em
<http://politicajustica.blogspot.com.br> . Acesso em 20 out. 2012.
BRANDÃO, P. Profissão de Arquitecto – Identidade e Prospectiva – Estudos de Caso. Tese (Doutorado).
Universidade de Barcelona, Barcelona, 2005.
BRASIL. Comissão de Especialistas de Ensino de Arquitetura e Urbanismo. Condições & diretrizes.
Brasília: MEC, SESu, 1994.
BRASIL. Secretaria de Ensino Superior. Comissão de Ensino de Arquitetura e Urbanismo. Relatório
Semestral 1/93. Brasília, 1993.
CONSELHO FEDERAL DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E AGRONOMIA – CONFEA. Diretrizes
Curriculares Arquitetura e Urbansimo – 1998. Brasília: CONFEA, 1994.
CORREA, José de Anchieta. “Ética: responsabilidade técnica e social do arquiteto e urbanista”. In:
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESCOLAS DE ARQUITETURA. Caderno 21. Ética para o III Milênio.
Anais do IX CONABEA e XVI ENSEA. Londrina: ABEA, 1999.
ESPAÑA. Agencia Nacional de Evaluación de la Calidad y Acreditación. Libro Blanco: Título de Grado en
Arquitectura. Madrid: 2005.
GRAEFF, Edgar Albuquerque. Arte e técnica na formação do arquiteto. São Paulo: Nobel: Fundação
Vilanova Artigas,1985.
MARAGNO, Gogliardo Vieria. “Abertura de novos cursos de arquitetura e urbanismo: uma questão de
quantidade ou de qualidade”. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESCOLAS DE ARQUITETURA.
Caderno 21. Ética para o III Milênio. Anais do IX CONABEA e XVI ENSEA. Londrina: ABEA, 1999.
MARTINS, Milton de Arruda. A Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM) e a proposta de
instituição de um Exame de Habilitação para o Exercício da Medicina no Brasil. Associação Brasileira de
Educação Médica. Disponível em <http://www.abem-educmed.org.br>. Acesso em 20 out. 2012.
MEIRA, M. E. et al. Condições & diretrizes para o ensino de Arquitetura e Urbanismo. Brasília: MEC,
SESu, 1995.
VITRUVIUS. The ten books on architecture. New York, Dover: 1960.
Download

questões sobre a qualificação e o ensino de arquitetura e