n. 288, 02 de abril de 2013. Ano VII.
o que ainda sobrevive ou “danem-se os torturadores”
O golpe civil-militar está às vésperas de se tornar cinquentenário e muito dele ainda sobrevive
num país ignorante, até hoje, da retirada dos nomes de torturadores de ruas e praças, da
exoneração de militares e colaboradores dos cargos estatais, da covardia em bloquear os bens
de fazendeiros, empresários e industriais que financiaram a tortura, de não fechar empresas de
segurança patrimonial sob o comando de ex-torturadores. Cinquenta anos parece pouco para o
que sobrevive no dia-a-dia de um povo marcado por uma cultura autoritária e escravocrata. Os
institucionalistas de plantão dizem que não se deve perturbar a pacata e segura vida de
velhinhos e não mexer em velhas feridas. Temem e justificam sua servidão voluntária. Cabe não
esquecer dos homens e mulheres que se salvaram e dos que sucumbiram, desses bravos
guerreiros que lograram existir mesmo diante do que insiste em sobreviver. Eu não esqueci!
ainda hoje...
As manifestações nas ruas de Santiago do Chile que lembraram os combates que resistiram ao
regime ditatorial de Pinochet foram recebidas pelos policiais com bombas de efeito moral, gás
lacrimogêneo, spray de pimenta e formação em bloco da tropa de choque. No Brasil? Aldeia
Maracanã, no Rio de Janeiro; Jd. Iguatemi, na zona Leste de São Paulo; Maguinhos, no Rio de
Janeiro; estádio da Fonte Nova, em Salvador. Isso só essa semana. Mais: delegacias, becos,
vielas, batidas... Como se diz pelas ruas, “pau continua cantando e chicote segue estralando”,
ainda hoje...
peça de museu
Eis a importância de não esquecer. E que não se confunda com preservação da memória. Não
se esquece, precisamente, pelo que vive e sobrevive hoje, na luta de existências inconformadas
e não pacificadas pelas peças de museu e as fabulações da memória. O testemunho dos
campos de concentração já alertara: precisamente porque já aconteceu uma vez, pode
acontecer novamente. Mesmo porque tudo foi feito “com a pacata segurança de quem apenas
cumpre com sua tarefa diária”.
aldeia maracanã
Desde 2006, o prédio que abrigou o Museu do Índio nos anos 1970, na cidade do Rio de Janeiro,
foi habitado por índios e tornou-se a “Aldeia Maracanã”. Todavia, não tardou para que o Estado
reiterasse a ubiquidade de sua violência em relação a estes índios. No último ano, o governo do
Rio de Janeiro anunciou a demolição do prédio visando construir um estacionamento nas
proximidades do estádio que abrigará a final da Copa do Mundo de 2014. Mesmo diante de
manifestações e protestos de índios, militantes e artistas cariocas, o Estado agiu como o
esperado. O BOPE foi acionado para prender os resistentes e coube a polícia militar a ocupação
do prédio por período indeterminado. Mais uma vez o Estado ordenou onde os índios devem ser
confinados.
o abuso é o Estado
Após a expulsão da “Aldeia Maracanã”, os índios que viviam há sete anos no espaço foram
encaminhados e reservados temporariamente nos mesmos lugares destinados a craqueiros
recolhidos pelas ruas da cidade. Em seguida, o governo carioca apresentou três possíveis
destinos para os índios da “Aldeia Maracanã”. Entre eles, o bairro de Jacarepaguá, região da
Colônia Juliano Moreira, mesmo lugar onde índios se reuniram durante a “Rio+20”. Enquanto o
Estado decide o modo como seguirá confinando os índios, militantes de Direitos Humanos
organizam material para o exercício confortável da denúncia ao que chamaram de “abusos da
ação policial“ à ONU. O que ninguém comentou é que o Estado, a sua existência já é um abuso
e uma violência insuportável para a vida de índios. E, no 19 de abril, haverá mais festinhas de
dia cívico!
Download

flecheira libertária 288