Product: OGloboSegundoCaderno PubDate: 13-01-2014 Zone: Nacional Edition: 1 Page: PAGINA_B User: Schinaid l O GLOBO 2 Time: 01-12-2014 16:33 Color: C K Y M l Segundo Caderno l Segunda-feira 13 .1 .2014 SEGUNDA ARTES VISUAIS TERÇA MÚSICA QUARTA ARTES CÊNICAS QUINTA CINEMA SEXTA TRANSCULTURA l [email protected] l l Artes Visuais DANIEL GALERA | l AUDREY FURLANETO | Tempo Como duvidar do tempo? Tenho a impressão de que o tempo é a mais resistente de nossas convicções fenomenológicas. Há quem diga que nossa certeza mais profunda é o ego: não há experiência ou teoria que possa abalar completamente nossa íntima certeza de existir, de ser exatamente isso que temos a impressão de que somos. Mas o caráter ilusório do ego é de aceitação relativamente fácil. Do budismo à neurociência, passando pela vulgarização da ideia de fluxo heraclitiano, vários pensadores antigos e modernos convencem muita gente disso. O valor ético do desapego ao “eu” é quase senso comum em alguns contextos sociais. Sintaxe da fluidez Artista carioca que vive em Chicago há 25 anos, Eduardo Kac mostra sua arte digital, com poemas em movimento, a partir de amanhã, no Oi Futuro Ipanema FABIO SEIXO M SEGUNDA TERÇA QUARTA QUINTA SEXTA DANIEL MARCUS FRANCISCO MARIO HERMANO GALERA FAUSTINI BOSCO SERGIO VIANNA CONTI SÁBADO DOMINGO JOSÉ CAETANO MIGUEL VELOSO WISNIK Fluxo. Eduardo Kac diante da obra “Outrossim”, feita especialmente para a exposição: a poesia é captada pelo leitor de QR Code do celular do espectador AUDREY FURLANETO [email protected] Q uando Eduardo Kac fez o primeiro poema digital, em 1982, a cultura da internet era quase inexistente. Mas, nas palavras dele, havia o “horizonte do futuro”. — E eu tinha convicção de que o futuro seria muito distinto daquele momento que vivíamos. O Brasil estava em transição, começava a passar daquele universo de uma eletrônica analógica para, lentamente, entrar num universo digital — lembra o artista. — Não queria apenas refletir essa cultura, mas participar ativamente da formação dela. Hoje, ele soma mais de 30 anos dedicados à arte digital e, aos 50, revê os poemas do início da carreira na exposição “Eduardo Kac: Poesia digital, 1982-1999”, que o Oi Futuro Ipanema inaugura amanhã, às 19h, para convidados. Lá estão 11 de seus principais poemas digitais (dois deles interativos) e a obra “Outrossim”, feita em 2013 especialmente para a mostra, parte do projeto Poesia Visual, que há três anos tem espaço na instituição. “Outrossim” será a primeira obra vista pelo público. Instalada na vitrine do Oi Futuro, ela é um grande QR Code e exige que o espectador se movimente com o celular para encontrar o ponto certo em que a leitura do código é feita, e o poema, enfim, revelado. — Os textos não são criados no papel e adaptados. Cada poema é pensado especificamente para os ambientes digitais, assim como o compositor que, quando compõe, o faz para um instrumento específico — explica. — No meu trabalho de poesia digital, busco criar uma sintaxe de eventos em fluxo, cambiantes, metamórficos, | Pincelada Tesouro rumo ao Rio Hoje Com projeto cenográfico de Daniela Thomas e curadoria de Luiz Camillo Osorio e Teixeira Coelho, a exposição que trará ao Brasil as principais obras da coleção de Sylvio Perlstein será aberta no MAM do Rio no dia 25 de março e, depois, em 5 de junho, entra em cartaz no Masp, em São Paulo. A mostra, batizada de “A coleção inusitada de Sylvio Perlstein”, terá cerca de 150 trabalhos, incluindo pinturas emblemáticas como “Crying girl” (foto), obra de 1964 de Roy Lichtenstein. Com autorização do Ministério da Cultura para captar R$ 3 milhões (via Lei Rouanet), a produção da exposição — que será a primeira da coleção de Perlstein no país — já conseguiu patrocínio de dois bancos, mas segue com cotas para apoio em aberto. “ | Dica de artista de distorções, de mudanças bruscas, de possibilidades multimeios. Assim, as palavras escritas por Kac estão sempre em movimento, e não estáticas como na página de um livro impresso. Ele, porém, diz que não se trata de “condenar” o livro tradicional, mas apenas de usar as possibilidades do meio com que escolheu trabalhar. — Sou bibliófilo. Já tive problemas estruturais em casa por conta do peso dos livros — diz, rindo. — Mas quero que, nos meus poemas, as palavras dancem, desapareçam, se desfaçam no ar... Alguns poemas, por exemplo, dividem-se em estradas distintas. Se o “leitor-espectador” clica numa letra, a poesia se abre em outra direção. — É uma sintaxe da fluidez. Essa é uma característica da minha poesia. Fui trabalhar no ambiente digital porque só nesse meio posso dar ao leitor a experiência da fluidez. Kac conta que se mudou para Chicago há 25 anos, pois, no Brasil, não conseguia os equipamentos necessários para seus trabalhos. Ele é também um dos ícones da chamada bioarte, vertente em que as obras são matérias vivas, quase sempre criadas em laboratórios de alta tecnologia. No ano 2000, trabalhou com uma coelha (de nome Alba), num laboratório francês. O animal vivo emitia uma fluorescência verde quando colocado sob uma luz azul especial. Em 2010, o artista mostrou, também no Oi Futuro, trabalhos de bioarte (como uma tela feita com microorganismos vivos). A nova exposição, para Kac, é a chance de revelar ao espectador a vertente que ficou menos conhecida, da arte digital, com os poemas que, em movimento, lembram seres vivos. l aAgenda | | Marta Jourdan “Indico Lippe Muniz, que tem a prática compulsiva de um desenho simultaneamente cotidiano e fora do lugar. O toque surrealista, presente também nas pinturas, é influência da sua vivência na cultura alemã. Ao mesmo tempo em que é fascinado pelo desenho de observação, sua obra contém ‘unheimlich’, o estranho” O Museu Nacional de Belas Artes (3299-0600) realiza cerimônia, às 11h, para receber a doação, pela Finep, de 205 obras de Candido Portinari (1903-1962). l O Studio-X (2507-8505) abre, às 18h, “Inclinação: escavando até a China (buracos)”, espécie de poema concreto de Michele Fornabai moldado na instituição. l DIVULGAÇÃO as tente convencer alguém de que o tempo não existe. Não estou falando de proposições do tipo “o tempo não importa” ou “o tempo é relativo”. Falo da hipótese radical de que esse tempo que flui, a dimensão do tempo, a seta que carrega o presente do passado para o futuro, simplesmente não existe. Como consequência, também não haveria duração, mudança ou transformação de qualquer espécie. Há quem defenda isso, como o físico Julian Barbour, autor de “The end of time — The next revolution in physics” (1999). É uma tese contestada por quase todo mundo, e às vezes ridicularizada. Pessoalmente, me faltaria tanto convicção quanto preparo intelectual para defender a ideia, mas contemplá-la já é, para mim, um exercício fascinante e libertador. Nunca acreditei totalmente no passado. (Não acredito, decididamente, no futuro.) Nossas evidências para a existência do passado são memórias e registros que existem no presente. Barbour escreve: “Se suspeitássemos que o passado é uma conjetura, poderíamos substituir ‘registros’ por uma expressão mais neutra, tal como ‘estruturas que parecem contar uma história consistente’.” Sua investigação envereda pela física quântica, e, embora eu tenha lido o livro, não vou fingir que a compreendo para além de suas implicações poéticas, que por ora me bastam. Não existe uma linha do tempo, apenas instantes. Cada instante é um mundo inteiro. Apenas os instantes mais prováveis se manifestam. Esses instantes contêm estruturas que parecem contar histórias. O instante não está dentro do tempo; é o tempo que está dentro do instante. O que me interessa é o potencial narrativo disso tudo: as ideias de que experimentamos somente o provável, de que cada instante da história contém toda a história, e por aí vai. (Interlúdio relacionado: na adolescência, canções que se dirigiam ao tempo como personagem íntimo me afetavam bastante. “Tempo rei”, Gilberto Gil: dessa eu gostava mais da melodia que da letra, que me soava um pouco óbvia, transformar as velhas formas do viver et cetera. “Sobre o tempo”, Pato Fu: o tom de camaradagem me comovia. Chamar o tempo de mano velho. Mano velho, falta um tanto ainda, eu sei, pra você correr macio como zune um novo sedã. “Oração ao tempo”, Caetano Veloso: essa abraçava o tempo mas também o questionava. O tempo apenas parece contínuo, e quando nós deixarmos de ser, ele também não terá sido.) Semana passada um amigo me enviou um artigo sobre o trabalho do artista húngaro Adam Magyar. Ele combina câmeras, scanners, computadores e programas de tratamento de imagem desenvolvidos por ele próprio para criar fotografias e vídeos nos quais o tempo surge como dimensão visível. É difícil de explicar, e sugiro aos interessados que confiram as obras no site http://www.magyaradam.com. Na série “Stainless”, Magyar fotografa trens chegando nas estações lotadas de cidades como Tóquio e Berlim. Sua câmera escaneia filetes de um pixel de largura que, montados no computador, resultam em imagens nítidas nas quais o tempo está estendido aos nossos olhos: uma das extremidades da imagem foi captada antes da outra e o tempo flui entre elas. Não são instantâneos, e sim uma espécie de filmagem estática. Nos vídeos da mesma série, uma câmera de altíssima velocidade filma a plataforma lotada e fixa de outra maneira a passagem do tempo (vejam: vimeo.com/77489382). Mas minha série favorita é Urban Flow, na qual o artista criou uma câmera semelhante às que registram as chegadas de corridas nas Olimpíadas e a montou sobre um tripé numa rua movimentada de Xangai. O resultado são imagens nas quais pessoas e veículos distorcidos desfilam da esquerda para a direita, mas não ao longo do espaço, e sim do tempo. No site da revista digital Matter, Magyar explica assim o resultado: “Cada pequeno fragmento é o presente, e todas essas frações de presente se juntam para compor a história. Quando conseguimos ver a história, é como nossa memória. Já é passado.” Cabe a cada espectador decidir se essas imagens depõem a favor ou contra a existência do tempo da maneira como costumamos pensar nele. Contemplo as memórias e os indícios de passado desse presente em que estou digitando o ponto final, e só então decido. l Amanhã O MAM (3883-5600) lança, às 14h, “MAM em movimento”, ação do programa educativo Eu, Você e o MAM, coordenado por Luiz Pizarro. Em cada ação serão realizados três encontros. No primeiro, educadores do MAM vão até a Vila da Penha. l O Museu de Arte do Rio (3031-2741) abre ao público, às 10h, “Deslize <Surfe Skate>”, com e 120 peças, como fotos, pinturas e vídeos. l O Centro Cultural Correios (2253-1580) promove, às 16h30m, visita guiada com Milton Guran à exposição “Filhos da Terra”. l O Centro Cultural Justiça Federal (3261-2550) inaugura, às 19h, “Tempos de chumbo, tempo de bossa — Os anos 1960 pelas lentes de Evandro Teixeira”, com curadoria de Márcia Mello. l Eduardo Kac abre mostra de poesia digital no Oi Futuro Ipanema (3131-9333), às 19h (leia acima). l Quarta, dia 15 O MAM realiza, às 16h, um bate-papo com a artista Frida Baranek, a curadora de sua exposição, Catherine Bompuis, e o l curador do museu, Luiz Camillo Osorio. Na ocasião, será lançado o catálogo da mostra da artista. Quinta, dia 16 Dentro da 1ª Bienal da Caricatura, o Museu Nacional de Belas Artes abre, às 18h, “Calixto Cordeiro: Uma trajetória — Revista D. Quixote (1917-1927)”, com 40 trabalhos, e “J. Carlos: 130 anos”, que celebra os 130 anos do nascimento do carioca. l Arjan Martins inaugura, às 19h, “Américas fragmentos”, na Anexo (3852-8265), em Santa Teresa. l Orlando Mollica se inspirou no Rio para compor as 13 telas de “Rio em janeiro”, que a galeria H. Rocha (2227-1179) abre às 19h30m. l Stephanie Greene, que participa do programa de residência artística do Largo das Artes (2224-2985), ministra o workshop “Performance pública: ações performativas em espaços urbanos”, às 11h. Inscrições pelo e-mail [email protected]. l Sexta, dia 17 O Ateliê da Imagem (2244-5660) abre, às 19h, “Mares poderão subir por mais mil anos”, de Leila Danziger. l Sábado, dia 18 O artista Afonso Tostes e o curador Bernardo Mosqueira fazem visita a “Tronco”, às 16h, na Casa França-Brasil (2332-5120). l Domingo, dia 19 Último dia para visitar “Gilberto Paim e Elizabeth Fonseca — Cerâmicas recentes”, no Centro Cultural Correios. l