SERVIÇO DE ATENÇÃO DOMICILIAR: DESAFIOS ENFRENTADOS POR PROFISSIONAIS AO COMPARTILHAR O CUIDADO Indiara Carvalho dos Santos Platel1; Patrícia Serpa de Souza Batista2; Valéria Oliveira Borges Ramos3; Débora Rodrigues Alves de Lima4; Givaneide Alves da Silva4 RESUMO A Atenção Domiciliar é uma modalidade assistencial de caráter substitutivo ou complementar as intervenções hospitalares e/ou ambulatoriais que garante a continuidade do cuidado. Para tanto, se faz necessário a participação ativa do usuário e familiares/cuidadores no processo de cuidar. No domicílio, a família tem papel essencial no cuidado, uma vez que se consolida como ator principal na eficácia, na evolução do cuidado e na promoção da qualidade de vida do paciente assistido na atenção domiciliar. Para isso, o familiar/cuidador necessita de acompanhamento e ser capacitado para as funções diárias do cuidado. Nesse ínterim, ressaltase os profissionais do Serviço de Atenção Domiciliar, que tem em sua conformação equipes multiprofissionais de assistência e apoio. Diariamente estas equipes tem a missão de assistir esses pacientes, aproximando-se da família, a fim de envolver paciente e familiar/cuidador no processo de cuidar e ao mesmo tempo enfrentam desafios nesse universo subjetivo do cuidar que se enquadra o contexto domiciliar. O presente estudo tem como objetivo: Identificar os desafios enfrentados por profissionais do Serviço de Atenção Domiciliar ao compartilhar o cuidado dos pacientes assistidos em domicilio com seus familiares/cuidadores. Trata-se de uma pesquisa exploratória de natureza qualitativa, realizada com 15 profissionais que atuam no Serviço de Atenção Domiciliar, localizado no município de João Pessoa – PB. A coleta de dados ocorreu no período de fevereiro a abril de 2015. Os dados foram coletados por meio de um roteiro contendo questões norteadoras pertinentes aos objetivos propostos para o estudo, onde foi empregada a técnica de entrevista e analisados qualitativamente através da técnica de análise de conteúdo. Do material empírico analisado, emergiram-se duas categorias: “Desconstruindo percepções errôneas acerca do Serviço de Atenção Domiciliar: da admissão à alta”; e “Envolvendo a família no processo de cuidar: desafios em integrar e compartilhar o cuidado”. Este estudo demonstrou os desafios enfrentados por profissionais do Serviço de Atenção Domiciliar ao compartilhar o cuidado dos pacientes assistidos em domicilio com seus familiares/cuidadores. Diante de tal realidade, faz-se necessário reconhecer a importância desse novo modelo assistencial na qualificação da assistência, assim como incentivar a corresponsabilização de familiares/cuidadores na integralidade e humanização do cuidado aos pacientes assistidos no domicílio. Descritores: Assistência Domiciliar, Cuidado, Família. Enfermeira. Mestranda em Enfermagem pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Membro do NEPB*. João Pessoa, Paraíba, Brasil. E-mail: [email protected]. 2 Enfermeira. Doutora em Educação. Docente da Graduação e Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Vice-coordenadora do NEPB*. João Pessoa, Paraíba, Brasil. E-mail: [email protected]. 3 Enfermeira. Mestre em Família na Sociedade Contemporânea pela UCSAL. Docente da Faculdades Integradas da Bahia (ESTÁCIO/FIB/BA). Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: [email protected] 4 Graduanda do curso de Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba/UFPB. Bolsista PIBIC. Membro do NEPB*. João Pessoa, Paraíba, Brasil. E-mails: [email protected]; [email protected] 1 * Núcleo de Estudos e Pesquisas em Bioética da UFPB INTRODUÇÃO O fortalecimento de práticas assistenciais anti-hegemônicas, demanda novas estratégias para o cuidado em saúde, cedendo a ampliação de espaços de saúde para melhoria da qualidade da assistência e promoção do cuidado integral. A respeito, destacam-se os Serviços de Atenção Domiciliar (SAD), cuja expansão a nível nacional se deu na década de 1990 (SILVA et al., 2010). A Atenção Domiciliar (AD) vem passando por conformações de regulamentação desde do seu surgimento na década de 1960, a fim de incorporar práticas de funcionamento institucionalizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Não obstante, o referido serviço através da Agência Nacional de Vigilância Sanitária obteve conquistas legais que marcaram a atenção domiciliar, contudo, dar-se ênfase as Portarias no 2.527/2011 e no 963/2013 que redefinem atualmente a Atenção Domiciliar no âmbito do SUS. A Atenção Domiciliar é uma modalidade assistencial de caráter substitutivo ou complementar às intervenções hospitalares e/ou ambulatoriais que garante a continuidade do cuidado e integra às redes de atenção à saúde. Esse modelo assistencial consiste em um conjunto de ações que visa a promoção, a prevenção e o tratamento de patologias, assim como a reabilitação da saúde, sendo estes prestados no contexto do domicílio (BRASIL, 2013). Essa modalidade tem como objetivo garantir a continuidade da assistência no domicílio, consolidando-se como uma nova lógica de atuação dos profissionais da saúde, visando o restabelecimento e a manutenção da saúde do usuário, assim como sua autonomia por meio de adaptação de funções e participação social, possibilitando a redução de reinternações, facilitando a desospitalização e promovendo melhor qualidade de vida aos usuários, familiares e cuidadores (BRASIL, 2011; BRONDANI et al, 2010). Nesse contexto, a assistência domiciliar se destaca como importante estratégia de atenção à saúde, cuja prática é representada através da visita domiciliar, do atendimento e da internação domiciliar. Para a efetivação dessas modalidades assistenciais, ressalta-se a participação ativa ou coparticipação dos familiares/cuidadores. No domicílio, a família tem papel essencial no cuidado, uma vez que estes se consolidam como atores principais na eficácia, na evolução e na promoção da qualidade de vida do paciente assistido no contexto domiciliar. Para tanto, os familiares/cuidadores necessitam de acompanhamento e de capacitação para as funções diárias do cuidado (BRASIL, 2012b). Nesse ínterim, ressalta-se os profissionais do Serviço de Atenção Domiciliar, que tem em sua conformação equipes multiprofissionais de assistência e apoio. Diariamente estas equipes tem a missão de assistir esses pacientes, aproximando-se da família, a fim de envolver paciente e familiar/cuidador no processo de cuidar, compartilhando o cuidado, e ao mesmo tempo enfrentando desafios nesse universo subjetivo do cuidar que se enquadra o domicílio. Com base nesse entendimento, o ambiente domiciliar institui relações diferenciadas entre a equipe de saúde e o paciente (BRONDANI et al., 2010). Tendo em vista a importância da assistência domiciliar como nova estratégia na qualificação do cuidado e a necessidade da família como coparticipante do processo de cuidar, este estudo parte da seguinte questão norteadora: Quais os desafios enfrentados pelos profissionais do Serviço de Atenção Domiciliar ao compartilhar o cuidado dos usuários assistidos em domicilio com seus familiares/cuidadores? Diante da questão apresentada, o presente estudo tem como objetivo: Identificar os desafios enfrentados por profissionais do Serviço de Atenção Domiciliar ao compartilhar o cuidado dos pacientes assistidos em domicilio com seus familiares/cuidadores. METODOLOGIA Trata-se de uma pesquisa exploratória de natureza qualitativa, realizada com profissionais que atuam no Serviço de Atenção Domiciliar localizado no município de João Pessoa-PB. Ressalta-se que o referido serviço está vinculado ao programa Melhor em Casa, difundido pelo o Governo Federal em 8 de novembro de 2011, cuja estruturação, implantação e funcionamento estão regulamentados pela Portaria MS/GM nº 2.527 de 27 de outubro de 2011, que redefine a atenção domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). A nível local, este programa foi implantado em março de 2012, inicialmente em parceria com os Distritos Sanitários, sendo que, em novembro de 2012 foi inaugurado o espaço físico e estruturado toda o funcionamento de recursos materiais e humano do referido serviço. Atualmente o SAD do citado município é composto por sete Equipes Multiprofissionais de Atenção Domiciliar (EMAD’s), que incluem sete enfermeiros, nove médicos, sete fisioterapeutas e vinte oito técnicos de enfermagem; três Equipes Multiprofissionais de Apoio (EMAP’s), composta por dois assistentes sociais, dois psicólogos, dois fonoaudiólogos, dois nutricionistas e um farmacêutico; e uma equipe volante de apoio assistencial constituída por um médico, um enfermeiro, um nutricionista e um fonoaudiólogo. Desse modo, a população do estudo envolveu um universo de 68 profissionais das EMAD’s e das EMAP’s. Para seleção da amostra os critérios de inclusão adotados foram: que os profissionais estivessem em atividade laboral durante o período de coleta de dados; que apresentassem, no mínimo, um ano de atuação profissional no SAD; e tivessem disponibilidade e interesse em participar do estudo. Dessa forma, a amostra foi composta por 15 profissionais. A coleta de dados foi realizada de segunda-feira a sexta-feira durante as reuniões das equipes, no período de fevereiro a abril de 2015. Os dados foram coletados por meio de um roteiro contendo questões norteadoras pertinentes aos objetivos propostos para o estudo, onde foi empregada a técnica de entrevista e utilizado sistema de gravação para apreensão do material empírico. O material advindo dos instrumentos foi codificado, a fim de manter o anonimato dos participantes. Dessa forma, ao final de cada trecho retirado dos depoimentos foi utilizada a sinalização da letra “P”, para denominar o profissional entrevistado, seguida dos números de 01 a 15 obedecendo a ordem da entrevista. Por exemplo: o primeiro profissional entrevistado foi codificado como “P_01”; o segundo, como “P_02”; e assim sucessivamente. No que se refere aos aspectos éticos, o presente estudo foi norteado pelas Diretrizes e Normas Regulamentadoras dispostas na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, principalmente no que diz respeito à pesquisa envolvendo seres humanos no cenário brasileiro e informações pertinentes da pesquisa contemplada no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (BRASIL, 2012a). O projeto do qual decorre este estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, do Centro de Ciência da Saúde (CCS/UFPB), registrado sob o protocolo nº 018/15 e CAAE n° 39989514.0.0000.5188. O material apreendido foi abordado qualitativamente, através da técnica de análise de conteúdo. Esta se define como um conjunto de técnicas de análise das comunicações que têm por finalidade a obtenção de procedimentos sistemáticos que objetiva descrever o conteúdo e indicadores das mensagens, possibilitando a organização da mesma através da nomeação de categorias (BARDIN, 2011). A operacionalização da análise de conteúdo acontece por três etapas: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados. RESULTADO E DISCUSSÃO Do material empírico analisado, emergiram-se duas categorias: “Desconstruindo percepções errôneas acerca do Serviço de Atenção Domiciliar: da admissão à alta”; e “Envolvendo a família no processo de cuidar: desafios em integrar e compartilhar o cuidado”. CATEGORIA I - Desconstruindo percepções errôneas acerca do Serviço de Atenção Domiciliar: da admissão à alta A atenção domiciliar é caracterizada como conjunto de ações que garante a continuidade do cuidado. Esta se materializa através de serviços ou atendimentos ao usuário que por algum motivo tenha dificuldade de locomoção, e associada a essa limitação, exista a necessidade de acompanhamento contínuo, uso de equipamentos a fim de favorecer a desospitalização (BRASIL, 2013). Nessa perspectiva, o domicilio se conforma como uma unidade de cuidados que vai inserir ações como: a visita, o atendimento e a internação domiciliar (BRONDANI et al, 2010). Adentrar no ambiente domiciliar exige dos profissionais da saúde a elaboração de estratégias, uma vez que a equipe vai lidar com o doente, sua família e conhecer a sua realidade socioeconômica e cultural. A respeito do primeiro contato da equipe do serviço domiciliar, destaca-se o depoimento de um participante, que relatou estratégias iniciais durante o processo da admissão do paciente, conforme evidenciado no depoimento a seguir: A gente entra na casa do paciente sabendo que tem que capacitar o cuidador para diminuir o número de internação o máximo possível, o que será bom para o cuidador e para o paciente, mas é essencial que se explique como funciona o serviço, o processo da admissão e o tempo de permanência[...]. (P_01) Os depoimentos evidenciam a importância da admissão ou chegada dos profissionais no ambiente domiciliar. Inicialmente o primeiro contato da equipe de saúde acontece com o familiar/cuidador. Construir um cenário de relações que possa desmistificar o serviço desde a admissão à alta se faz necessário já que o serviço de atenção domiciliar exige critérios clínicos e administrativos para elegibilidade do paciente. E por se tratar de um serviço temporário, com permanência média de 30 dias, podendo se estender a depender da necessidade do paciente (BRASIL, 2012b). A respeito desses critérios, é válido ressaltar que os administrativos, tem sido foco de discussões. Estudo aponta a inflexibilidades de algumas equipes do SAD em só admitir o usuário nas modalidades de Atenção Domiciliar tipo 2 e 3 (AD2 e AD3), que obedece aos critérios clínicos de elegibilidade para o atendimento domiciliar, apenas com a presença de um cuidador identificado (PEREIRA, 2014). Embora, a admissão desse usuário exiga a prévia concordância de seu familiar/cuidador na assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, a inexistência deste, não anula o atendimento no domicílio, podendo ser o responsável em compartilhar o cuidado, pessoas da comunidade (BRASIL, 2013). Os profissionais da atenção domiciliar enfrentam situações que os desafiam durante a assistência realizada no domicílio, muitas delas desmistificadas no momento da admissão do paciente, como relatada nos trechos que seguem: [...] ao admitir um paciente no serviço é que percebemos a visão que a família tem do SAD, muitas vezes a população idealiza o serviço como permanente ou que o SAD se responsabilize, cuide do paciente no lugar dessa família [...]. (P_03) O ponto de partida é a admissão, a gente adentra não só o domicilio, mas, a vida daquele paciente, o profissional acaba descobrindo tudo, as verdadeiras condições sociais, suas verdadeiras necessidades físicas, financeiras e biológicas[...]. (P_04) O trecho acima demonstra o quão decisório é o momento de admissão de um paciente no SAD. Adentrar no domicílio é conhecer a história do paciente e de sua família, uma realidade dotada de sofrimentos, batalhas e necessidades. A equipe da atenção domiciliar, ao admitir o paciente, desmistifica o serviço, explicando os objetivos e seu funcionamento. Nesse momento inicia-se a construção de um espaço para a produção de cuidado e responsabilidades compartilhadas entre o sujeito (paciente), família e/ou cuidador responsável. Para os profissionais, o cuidado prestado no domicílio evidencia demandas e desafios a serem enfrentados, retratados nos depoimentos a seguir: [...] houve casos de desrespeito de paciente para com a equipe do SAD, em dizer que o serviço não fazia nada, não tinha resolutividade, e que se eu estava no domicilio era porque ele me pagava [...]. (P_05) [...] inicialmente tive receio de cuidar daquela paciente porque não fomos bem recebidos em sua casa, apesar de querer ajudar e aliviar o sofrimento daquele paciente, tudo que falávamos a cuidadora (irmã) nos recriminava, e sempre repulsava tudo com cara feia e falava que ela já estava sendo bem cuidada. (P_08) Os depoimentos apresentados mostram situações encontradas pelos profissionais e que muitas vezes são superadas, no entanto, podem ser consideradas prejudiciais aos pacientes e constrangedoras para equipe. Para alguns profissionais, o desrespeito advém da insegurança e muitas vezes do medo de familiares/ cuidadores ao enfrentar situações de doença de um ente querido, haja visto que, ambos já passaram por experiências assistenciais frustrantes e de pouca resolutividade. Por outro lado, é valido ressaltar que o domicílio se constitui um espaço de domínio da família, o que dificulta muitas vezes a atuação dos profissionais em situações de repulsa, algumas vezes, a não aceitação do serviço está relacionada a causas mal resolvidas, como problemas de relacionamento interpessoal entre o familiar o paciente. Dessa forma, averiguar as causas e intenções dessa aversão se faz necessário, a fim de procurar resolver a situação. Vale ressaltar que cabe a equipe da atenção domiciliar facilitar o entendimento e acolher a família, mesmo diante de algumas situações de desrespeito. Uma conduta diferenciada neste momento mostra o preparo desses profissionais, já que o prejudicado na produção do cuidado será o paciente, e indiretamente a família. Assistir no domicilio significa cuidar do paciente e da família. Simbolicamente, os conflitos e as interações fazem parte do universo familiar (BRASIL, 2013). Corroborando com a assertiva acima, é apropriado destacar o depoimento de uma participante que retrata sobre a importância do preparo de uma equipe para também trabalhar as inseguranças e medos enfrentados pelo paciente e familiar/cuidador: Eu procuro perceber a família e o paciente em toda dimensão [...], muitos deles passam por diferentes conflitos ao enfrentarem uma situação de doença, as vezes o doente é o provedor social e financeiro daquela família. Para o cuidador é muito difícil, ainda mais que alguns não têm preparo psicológico e científico para lidar com a situação de cuidar de um doente no domicílio. Daí a importância de uma equipe multidisciplinar para trabalhar os medos, as inseguranças, as questões pessoais, sociais e financeiras do doente e sua família. (P_09) Por outro lado, na maioria das vezes, a equipe da atenção domiciliar tem a sua valorização, sobretudo na visão do usuário, pois o domicilio possibilita a construção de vínculos. A respeito, julgo necessário relatar os depoentes abaixo: O paciente dá muita importância a nossa visita, eles enxergam a equipe do SAD com esperança de um cuidado melhor, esperança de uma atenção diferenciada. Modestamente, o serviço é humanizado e diferenciado. A prova disso é que enfrentamos muita resistência no momento da alta do paciente, pois muitos não aceitam [...]. (P_11) [...]. Construímos um vínculo tão forte em pouco tempo, que no momento da alta, o usuário chorou [...]. Mesmo explicando no momento da admissão o funcionamento do serviço, a alta domiciliar nunca é bem aceita pelos familiares e os pacientes. (P_13) No cenário do lar, o vínculo é o alicerce de aproximação entre a equipe, a família e o usuário. O vínculo envolve, integra e delineia a eficácia e evolução do cuidado no domicilio. Isso porque os envolvidos na produção do cuidar diferenciam as potencialidades e as possibilidades da construção do cuidado humanizado (QUEIROZ, et al., 2013). No entanto, a intensidade desse vínculo demanda da equipe uma nova dinâmica de trabalho, ao perceber os diferentes elos que se consolidam desse alicerce (SILVA et al., 2010). Dessa forma, as equipes de saúde muitas vezes enfrentam situações que mexem em seu cotidiano, como citado acima, quanto a resistência no momento da alta no atendimento domiciliar. Concernente a alta domiciliar, esta é realizada quando o quadro clínico se estabiliza, o cuidador adquire uma autonomia no processo de cuidar ou acontece a corresponsabilização de outro serviço na continuidade da assistência. No caso do SAD, a alta é respaldada pela presença de um dos profissionais da Estratégia de Saúde da Família a fim de garantir a continuidade desse cuidado e assegurar suporte tecnoassistencial ao cuidador responsável. Mesmo diante dessas circunstancias, um estudo acerca da atenção domiciliar e produção do cuidado corrobora com os depoentes supracitados, afirmando que o serviço domiciliar se diferencia por ser reconhecido pelo usuário como o melhor ambiente para produção do cuidado, por isso alguns usuários se mostram resistentes no momento da alta domiciliar (PEREIRA, 2014). Com base nas premissas apresentadas, a equipe de atenção domiciliar tem a missão de aproximar-se da família criando vínculo, considerando o cenário domiciliar como um ambiente de cuidado integrado que concentra saberes clínicos, ampliados e singulares ao paciente, aos cuidadores e seus familiares (BRASIL, 2012b). Nesse ínterim, cabe aos profissionais da equipe de atenção domiciliar o enfrentamento de desafios assistenciais prévios na admissão do paciente, durante todo o processo diário do cuidado e principalmente na alta domiciliar. CATEGORIA II - Envolvendo a família no processo de cuidar: desafios em integrar e compartilhar o cuidado A assistência domiciliar é essencial a prática do cuidado, por apresentar um elevado grau de humanização e propiciar o envolvimento da família no processo do cuidar e no amparo afetivo do paciente. Esta, reduz o número de hospitalizações e complicações decorrentes de longos período de internações, garantindo a continuidade do cuidado e integrando as redes de atenção à saúde (QUEIROZ et al., 2013). O processo do cuidar no ambiente domiciliar está diretamente interligado aos aspectos que envolve à estrutura familiar, associado a infraestrutura do domicílio e à estrutura ofertada pelo serviço de atenção domiciliar. Para tanto, a figura do cuidador se constitui como pressuposto essencial para o processo de cuidar. Nessa conjuntura, os profissionais ainda enfrentam desafios, como apresentado nos trechos a seguir: O SAD presta cuidado, mas, também compartilha esse cuidado, capacitando as famílias para melhor cuidar do seu doente [...]. Com 3 anos de serviço, ainda observo o quanto é comum para a equipe lidar com cuidadores descompromissados, percebemos isso quando orientamos um familiar ou cuidador, eles se tornam resistente as orientações e muitas vezes nem querem nos receber mais em casa, porque não querem o compromisso de compartilhar o cuidado. (P_02) Para mim uma das dificuldades enfrentadas no serviço está diretamente relacionada com família, principalmente para se delegar um cuidador responsável! Eu tenho um caso de uma paciente que tem doença de Parkinson, fratura de fêmur e tem 4 filhos, porém nenhum queria ser responsável por ela. Eles preferiram colocar a mãe em uma instituição de longa permanência do que ficar com a mãe e ter o acompanhamento da equipe do SAD. (P_06) Os trechos apresentados denotam o descompromisso e resistência de alguns familiares em colaborar com o cuidado ao seu ente querido, chegando ao ponto de encaminhar o familiar para uma instituição destinada a idosos. Por outro lado, denota também o compromisso da equipe do SAD em capacitar os familiares para o cuidado no domicílio, assim como a necessidade em compartilhar esse cuidado com os familiares ou cuidador responsável. O cuidador é a pessoa que presta os cuidados diretamente, de forma contínua e/ou regular, podendo, ou não, ser alguém da família (BRONDANI et al, 2010). Corroborando com a assertiva acima, alguns profissionais participantes assinalaram a importância do cuidador e/ ou família na continuidade do atendimento no SAD: Se não tiver um familiar ou cuidador responsável, infelizmente não temos como dar continuidade ao atendimento, a demanda exige do serviço uma rotina, geralmente a visita ao paciente acontece uma vez por semana, raras exceções e necessidades duas vezes por semana, mas, o paciente necessita de cuidados diário[...]. (P_07) Eu sempre chego na casa e procuro inserir a família no cuidado, pergunto o que aconteceu com aquele paciente, procuro o máximo de informações antes de iniciar o atendimento ao paciente, aí tento realizar o meu trabalho[...]. (P_09) [...]. E nos casos que esse interesse não acontece, para mim fica muito complicado como profissional ver a evolução do paciente, eu só faço apenas uma visita por semana, então a evolução do paciente vai depender muito do cuidador, mesmo assim eu oriento, mas, sabendo que não vou conseguir muito [...]. (P_10) No cenário domiciliar, o cuidar é uma experiência que aproxima o ser humano, e se faz presente desde da história da humanidade (LIMA; SPAGNUOLO; PATRÍCIO, 2013). Neste aspecto, o familiar/ cuidador se conforma como peça fundamental ao assumir a responsabilidade de cuidar. No entanto, para que exista de fato essa responsabilização, se faz necessário delimitar a relação da coparticipação do cuidado entre o profissional do SAD e familiar/cuidador. Tal relevância aponta que o cuidador ao assumir a responsabilidade de cuidar, na maioria das vezes não tem nenhum tipo de orientação. As intercorrências adjacentes ao cuidado, geram repetições e experiências, transformando o ato de cuidar em domicílio em um contínuo e diário aprendizado (LIMA; SPAGNUOLO; PATRÍCIO, 2013). Estudos apontam que quando os profissionais da atenção domiciliar capacita e diferencia o papel do cuidador e do serviço, incentiva a participação e a autonomia da familia ao cuidar do seu ente, e como consquencia evita a dependência da equipe de saúde por trabalhar anseios, medos e dificuldades (PINTO et al., 2012; QUEIROZ et al., 2013; DRULLA, et al., 2013). Não obstante à coparticipação da família no cuidado, estudos apontam a necessidade da equipe de saúde em resgatar a família no compromisso do cuidado, motivando as relações entre profissional, usuário, familiar, construindo uma rede participativa no processo de cuidar já que a falta dessa relação implicaria na descontinuidade do cuidado. Embora a tentativa desse resgate seja de responsabilidade dos profissionais da Atenção Básica, incluindo nesta, a equipe da assistência domiciliar (QUEIROZ et al., 2013; DRULLA, et al., 2013), estes profissionais comumente enfrentam situações de descompromisso com o membro familiar, que deixam para outrem a responsabilidade do cuidado, como destacado no depoimento que assim segue: Eu já tive muitos casos de idosos crônicos que é “descartado” e muitas vezes a visita que tem é a nossa. Esses pacientes são os que mais merecem atenção e carinho da equipe. Quando eu chego no domicilio e pergunto a cuidadora quando posso encontrar um familiar para conversar e discutir a terapêutica ou trâmites burocráticos do SAD, a cuidadora olha e gesticula como se não soubesse. (P_15) O trecho supracitado enfatiza o descompromisso da família no que concerne a participação do cuidado. Em casos que o paciente tem um cuidador estabelecido pela família, é comum que os familiares, por apresentarem outros compromissos sociais, diminua o convívio com o doente. Essa realidade é vista por muitos profissionais do serviço domiciliar, e retratadas através: do descuido, da falta de amor e do abandono. Destarte, a relevância de integrar o cuidado no cotidiano familiar, estimular a aproximação deste junto ao doente é de fundamental importância, posto que, a família tem papel incentivador na recuperação do processo saúde/doença do seu ente (SILVA; STELMAKE, 2012). Por outro lado, alguns participantes relatam que existem familiares comprometidos com o cuidado mesmo apresentando limitações, sejam sociais e/ou física, como evidenciados nos trechos a seguir: A equipe do SAD ajuda o paciente o máximo que pode, sempre tem algum paciente carente, e o serviço acaba atento a essas necessidades apresentadas pela família, principalmente as sociais [...]. Mas, a necessidade de saúde do cuidador também nos preocupa [...]. A exemplo, temos uma senhora que cuida de uma paciente acamada, mas ambas estão debilitadas [...]. (P_12) Alguns cuidadores têm patologias crônicas associadas, existem limitações porque aquele cuidador tem que ser responsável consigo e com o outro (paciente) [...]. Para mim, é primordial ver o contexto familiar, eu não considero como foco principal a patologia do paciente, o meu olhar é globalizado [...]. (P_14) Um dos elementos que move o cuidado e motiva as pessoas é o próprio prazer de se relacionar com o outro, especialmente quando o membro familiar que se cuida é alguém especial. Na relação de cuidado tudo deve ser considerado, desde o ato propriamente dito, que é permeado de sentimentos, ações e doação, à superação de limites e desavenças com o familiar doente (CESAR, 2014). Nesse contexto, os profissionais demonstram que o cuidar em domicilio muitas vezes é desafiador tanto para equipe como para o cuidador familiar, ainda mais que esse ato revela a solidão, tristeza e sobrecarga para quem cuida. Algumas famílias compartilham o cuidado com outros membros familiares, mas em sua maioria, apenas uma pessoa é elegida para esse papel. A tarefa de cuidar impõe exigências, entrega e renúncia da vida pessoal (SILVA; STELMAKE, 2012). Cabe aos profissionais a responsabilidade de ampliar o seu olhar tanto no que concerne o cuidado com o doente, como para o amparo ao cuidador, principalmente quando esse apresenta patologias associadas, sejam elas física como psicológica. Outro fator a ser considerado nesse cuidado é o contexto socioeconômico da família inserida na atenção domiciliar. Além de compartilhar o cuidado com o familiar/cuidador, a equipe da atenção domiciliar tem o desafio de responder a essas demandas, compartilhando-as com os profissionais que atuam na equipe multiprofissional de apoio, assim como em outros serviços que compõem a rede de apoio à saúde. Desse modo, as equipes que prestam cuidados domiciliares devem conhecer as necessidades e estar sensíveis às singularidades de cada usuário, além de compartilhar o cuidado de forma conjunta com os demais equipamentos de saúde do território e, sobretudo, com o cuidador/familiar. CONSIDERAÇÕES FINAIS A atenção domiciliar representa uma modalidade assistencial que reorganiza o trabalho em saúde. Por meio desta investigação foi possível identificar que esta consiste em um serviço que envolve conjunto de ações que garante a continuidade do cuidado, exigindo dos profissionais estratégias de saúde que aporte o cuidado do doente e da família diante do contexto dotado de uma realidade socioeconômica e cultural. No que se refere aos desafios enfrentados pelos profissionais do Serviço de Atenção Domiciliar, inicialmente foi ressaltado a importância em desconstruir as percepções errôneas apresentadas pelos cuidadores/familiares em relação ao serviço. Diante o exposto, os participantes ressaltaram a necessidade de desmistificar o serviço desde da admissão a alta, a fim de construir um cenário de relações para a produção do cuidado. Nessa conjuntura, outro ponto destacado diz respeito aos desafios enfrentados ao compartilhar o cuidado com a família no cenário domiciliar. Os profissionais apresentaram desafios que envolviam demandas físicas, psíquicas e sociais, cabendo a estes, a responsabilidade de ampliar o seu olhar tanto no que concerne o cuidado com o doente, como no amparo e capacitação do cuidador, diferenciando o serviço de atenção domiciliar e incentivando a participação e a autonomia da família na produção do cuidado. Nesse contexto, os profissionais demonstraram que o cuidar em domicilio muitas vezes é desafiador tanto para equipe de saúde como para o cuidador familiar. Embora seja evidente o potencial da equipe, vale salientar que permanece os desafios do cuidar, ora permeados de saberes clínicos ampliados, e por vezes dotados de saberes singulares. Destarte, a importância de integrar a este cuidado o papel da família, posto que, esta é a maior incentivadora na recuperação do processo saúde/doença. A atenção domiciliar revela-se como espaço de atuação integral e interdisciplinar com práticas complementares e substitutivas às outras intervenções da saúde. Nessa perspectiva, espera-se que esta pesquisa oportunize novas investigações acerca da referida temática, posto que, o presente estudo suscita outras inquietações no tocante aos desafios enfrentados pelos profissionais do Serviço de Atenção Domiciliar ao compartilhar o cuidado dos pacientes assistidos em domicilio. Por fim, este estudo aborda alguns desafios enfrentados por profissionais do Serviço de Atenção Domiciliar ao compartilhar o cuidado dos pacientes assistidos em domicilio com seus familiares/cuidadores. Diante de tal realidade, faz-se necessário reconhecer a importância desse novo modelo assistencial na qualificação da assistência, assim como incentivar a corresponsabilização de familiares/cuidadores na integralidade e humanização do cuidado aos pacientes assistidos no domicílio. REFERÊNCIAS BARDIN, L. 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