“A ESCUTA DOS OLHOS” UMA ABORDAGEM DAS DIRETRIZES CURRÍCULARES AOS DESAFIOS NA EDUCAÇÃO DE SURDOS DENTRO DA DANÇA. Bárbara Dias dos Santos ¹ RESUMO: O foco desta pesquisa é o estudo da Dança dentro dos parâmetros curriculares nacionais em Arte, dialogando com a Educação Inclusiva de deficientes auditivos. Reconheço que uma das formas de se chegar ao entendimento das políticas públicas para o ensino da Dança no nosso país, é tomar conhecimento das diferentes leis em vigor e suas respectivas abrangências, tanto dentro do termo inclusão como da própria dança.Esta pesquisa se faz necessária, pelo fato de no Brasil, segundo estimativas da ONU (2003), aproximadamente 10% da população é constituída de pessoas que possuem algum tipo de deficiência física, intelectual ou sensorial. O número de pessoas com surdez é bastante expressivo. Conforme os dados populacionais informados pelo IBGE/2000 há 5.750.809 pessoas com problemas relacionados à surdez. Mas apesar desse número tão elevado será que o ensino da dança está pronto para dialogar com essas pessoas? Que políticas públicas apóiam um ensino inclusivo de dança? Será que o currículo de Artes está realmente sendo abrangente? E com essas indagações chego ao termo inclusão, mas o que significa inclusão na prática cotidiana? Nós, professores, como devemos incluir esses alunos? Como a dança, aliada a políticas públicas que fomentem a arte poderá integrar esse campo da inclusão? Estas são algumas das muitas perguntas que surgiram nas minhas experiências do dia a dia. E que foram respondidas na prática em sala de aula, com desafios e avanços. Palavras chaves: Dança- Educação- P C N’ s Artes- Surdez 1 Graduada na Primeira turma do Curso de Licenciatura Plena em Dança da Universidade Federal do Pará (2011), Técnica em Dança pela Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará (2006), Integrante do Grupo de Dança Contemporânea Moderno em Cena e da Companhia Moderno de Sapateado, Atualmente é Professora de Dança do Projeto Aluno Bailarino Cidadão, desenvolvido pela Companhia Moderno de Dança em Belém do Pará. Introdução Quando focamos nosso olhar para as questões sociais dentro da área do ensino educacional, nos deparamos com o embate entre idéias de sociedade democrática, multicultural, de cidadania plena e as exigências capitalistas. A educação transita como uma das mediadoras necessárias a fim de garantir o acesso às melhores condições sociais. As leis de Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação básica apontam que o ensino da Arte/Dança insere-se neste contexto, não apenas como processo de individualização, mas também de integração, inclusão, que é a reconciliação da singularidade pessoal com a unidade social. Ao pensarmos nesta educação amparada pela diversidade, encontramos diferenças físicas, étnicas, socioeconômicas, lingüísticas, culturais, dentre outras. Ainda pontuando nestas diferenciações, restrinjo ao ensino das pessoas com deficiência auditiva. No Brasil, segundo estimativas da ONU (2003), aproximadamente 10% da população é constituída de pessoas que possuem algum tipo de deficiência física, intelectual ou sensorial. Direcionando mais ao âmbito da deficiência, chegamos ao número de pessoas com surdez no Brasil que é bastante expressivo. Conforme os dados populacionais informados pelo IBGE/2000 há 5.750.809 pessoas com problemas relacionados à surdez. Mas apesar desse número tão elevado será que o ensino educacional está pronto para dialogar com essas pessoas? E quando nos deparamos com um alun@² surd@? Será que meu método de ensinar será alterado? E com essas indagações chegamos ao termo inclusão, mas o que significa inclusão na prática cotidiana? Nós professores como devemos incluir esses alun@s? A inclusão e exclusão começam na sala de aula, apesar das políticas públicas mostrarem-se empenhadas com relação à educação inclusiva, são as experiências cotidianas dos alun@s que definem a qualidade de sua participação e a gama total de experiências de aprendizagem oferecidas pelo profess@r. Assim decorrerei sobre os parâmetros curriculares, as dúvidas e experiências no ensino de alun@s surd@s na tentativa de um ensino inclusivo da Dança. Um estudo das Diretrizes Curriculares Nacionais: Reconhecendo a dança como área do conhecimento e legitimando a qualidade de ensino para pessoas com deficiência. Dentro da perspectiva da educação, tornaram-se comuns idéias de que existe produção de conhecimento somente nas áreas com disciplinas mais difundidas como, por exemplo, no ensino da matemática, da geografia, da biologia dentre outros. Ensinos como os das Artes/Dança são agrupados em categorias secundárias. Não é dado o real valor para a aprendizagem da dança, perpetua uma imagem de que a atividade corporal está desligada da atividade pensante, criadora de opinião. Toda ação humana envolve a atividade corporal. O aluno é um ser em constante mobilidade e utiliza-se dela para buscar conhecimento de si mesmo e daquilo que o rodeia, relacionando-se com objetos e pessoas. A ação física é necessária para que o aluno harmonize de maneira integradora as potencialidades motoras, afetivas e cognitivas. A atividade de dança na escola pode desenvolver a compreensão de sua capacidade de movimento, através de um maior entendimento de como seu corpo funciona. Assim, poderá usá-lo expressivamente com maior inteligência, autonomia, responsabilidade e sensibilidade. (MARQUES, 2005, p. 142) 1 Reconheço que uma das formas de se chegar ao entendimento das políticas públicas para o ensino da Dança no nosso país, é tomar conhecimento das diferentes leis em vigor e suas respectivas abrangências (leis federais nacionais, estaduais e municipais), por exemplo, a primeira e maior delas, a LDB, Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional LDB 9394/96 (última edição) que em seu artigo 26° afirma que “A arte passa a ser componente curricular obrigatório na educação básica”. Têm-se ainda os PCNs-ARTE, Parâmetros Curriculares Nacionais da área de artes, publicados em 1997, nos quais são apresentadas as quatro linguagens que devem ser abordadas nas escolas: as artes visuais (substituindo as artes plásticas, com a inclusão do vídeo, do cinema e da fotografia), o teatro, a música e a dança. Analisando as leis de diretrizes curriculares nacionais da educação básica, com a Resolução n° 4, de 13 de junho de 2010, notam-se em sua estrutura inúmeros campos possíveis de articulação com a Dança. Começo pelo Art. 1°, que ressalta que toda pessoa, tem o direito ao seu pleno desenvolvimento, à preparação para o exercício de cidadania e à qualificação para o trabalho, na vivência e convivência em ambientes educativos. Apresento uma reflexão acerca do que seja esse este pleno desenvolvimento e reafirmo que este, engloba uma relação sensível com o mundo, e que se dá também, através de uma percepção própria de corpo. Citando a pesquisadora Christine Greiner, aqui o corpo pode ser percebido como “Corpo Mídia”, corpo que é espaço de troca, ele recebe informações do mundo ao seu redor, e processa, transforma e retransmite estas informações ao mundo. Essas mesmas diretrizes curriculares apontam no Título I seus objetivos em seu papel indicador de opções políticas, sociais, culturais, educacionais, e a função da educação na sua relação com um projeto de nação. Da mesma forma que nosso país está constituído por uma gama enorme de singularidade regional em todos os aspectos humanos, a dança também é uma via de acesso e percepção das várias opções culturais, sendo que trabalha no cerne do sensível da pessoa, é uma dimensão imprescindível na percepção dos valores de cidadania tão fundamental para a implantação de qualquer projeto humanizado na nação. Assim como nos aponta no Título III- Sistema Nacional de Educação- o Art. 4° no parágrafo II, todos os seguimentos da sociedade civil brasileira têm a responsabilidade de garantir a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber. Essas referências conceituais garantem liberdade de transito dos saberes, estes não são, ou não deveriam ser objeto de posse de classe alguma, a arte necessita ser empreendida como elemento eficaz para uma educação plena, e plena devem ser as percepções do que abrangem a arte. E as ricas possibilidades que cada uma dessas formas de arte nos mostra. Este modo de perceber o espaço da Arte é reforçado no Título IV- Acesso e permanência para a conquista da qualidade social- Art. 8° em seu parágrafo II que diz: Consideração sobre a Inclusão, a valorização das diferenças e o entendimento à pluralidade e à diversidade cultural, resgatando e respeitando as várias manifestações de cada comunidade. A dança possui espaço garantido de atuação no âmbito educacional brasileiro por todos os Artigos acima citados, essa atuação está irrevogavelmente afirmada no Capítulo IIFormação Básica comum e parte diversificada- do Art.14°, inciso 1°, diz que a arte, em suas diferentes formas de expressão está integrada à base nacional comum da educação básica nacional, e a dança está respaldada por ser um saber produzido culturalmente, gerada em uma instituição produtora de conhecimento científico e tecnológico (como exemplo cito a Universidade Federal do Pará com o curso de Licenciatura plena em Dança.) e está incorporado na área de desenvolvimento das linguagens, este desenvolvimento se dando através especificamente do corpo. Após este panorama focando o ensino da dança, retenho minha escrita para a modalidade de ensino de pessoas com deficiência. Continuando o desdobramento das Diretrizes, no Capítulo II- Modalidades da educação básica- Seção I- Educação Especial, o Art. 29° nos aponta a educação especial como modalidade transversal a todos os níveis, etapas e modalidades de ensino. Ou seja, a dança está inclusa como modalidade apta a oferecer um ensino dentro dos parâmetros da deficiência. Ainda neste Artigo, no Inciso 3°, que aponta a organização dessa educação inclusiva colocando as seguintes orientações: I-O pleno acesso e a efetiva participação de estudantes no ensino regular. II-A oferta do atendimento educacional especializado. III-A formação de professores para a educação especial e para o desenvolvimento de práticas educacionais inclusivas. IV- A participação da comunidade escolar. V- A acessibilidade arquitetônica, nas comunicações e informações, nos mobiliários e equipamentos e nos transportes. VI- A articulação das políticas públicas intersetoriais. Quando entendo e reconheço que o ensino da dança aliado à prática de pessoas com deficiência, seja física, auditiva, visual, intelectual ou motora, é algo respaldado nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica, fica evidente o papel do profess@r e sua área de atuação. Mas isto é apenas o inicio de uma construção do pensamento inclusivo, afinal preciso buscar enveredar mais nessas entrelinhas: Profess@- Dança- Inclusão- Surdez- Alun@. Entendendo as terminologias para se chegar ao ensino inclusivo da Dança. “O que importa a surdez da orelha, quando a mente ouve? A verdadeira surdez, a incurável surdez, é a da mente” (Fedinand Berther) Ao tratarmos de um termo tão complexo como a surdez precisamos reconhecer que qualquer compreensão ou definição implica na imagem que se faz do individuo surd@, precisamos ter cuidado para não minimizar suas potencialidades e sua condição de ser. A maior parte dos ouvintes desconhece a carga semântica que os termos mud@, surd@mud@ e deficiente auditiv@ evocam. Audrei Gesser (1971) decorre sobre dizendo que para muitos ouvintes que estão longe das discussões sobre a surdez, o uso da palavra surdo parece imprimir mais preconceito, enquanto o termo deficiente auditiv@ parecelhes ser mais politicamente correto. O termo surd@-mud@ está incorreto porque o surd@ possue aparelho fonador, e se for treinado em alguns casos pode desenvolver a fala. A deficiência é uma marca que historicamente não tem pertencido aos surdos. Essa marca sugere auto-representações, políticas, e objetivos não familiares aos grupos. Quando os surdos discutem sua surdez, usam termos profundamente relacionados com sua língua, seu passado e sua comunidade. (STAINBACK, STAINBACK, 1999, p. 234) Pensar tais termos é de suma importância, uma vez que ele possue implicações cruciais para a vida dos surdos. (Gesser, 1972, p 170) sita Laborrit (1994) quando diz: “Recuso-me a ser considerada excepcional ou deficiente. Não sou. Sou surda, meus olhos são meus ouvidos. Sinceramente nada me falta, é a sociedade que me torna excepcional” A surdez ainda é vista negativamente pela sociedade, o discurso médico tem muito mais força e prestígio do que o discurso da diversidade, do reconhecimento lingüístico e cultural das minorias surdas. O “normal” é ser ouvinte, e o que diverge desse padrão deve ser corrigido, “normalizado”. Todo processo de normalização é homogeneizador, ou seja, visa trazer cada elemento desviante para o espaço igualitário da norma. E uma vez normalizado, o individuo naturaliza a própria norma, passa a crer que tudo o que diz respeito a ela é natural (teria sido “sempre assim”). (MITTLER, 2003, p. 100). Com este processo normalizador que a sociedade vem passando e em decorrência a educação. Abrem-se espaços para a estigmatização e para construção de preconceitos sociais. E o profess@r como regente maior precisa intermediar esses padrões préestabelecidos, entendendo mais este universo desse alun@ surd@, podemos dialogar e traçar estratégias de ensino, propor vivências artísticas à turma onde todos estejam aptos a não só participar, mas principalmente entender a proposta apresentada. Mas como se dá esse processo de comunicação entre profess@r e alun@ surd@? Através de mímicas, tentativas de falas ou leituras labiais? A mola propulsora da comunicação: LIBRAS. “Quando aceito a língua de outra pessoa, eu aceito a pessoa... A língua é parte de nós mesmos... Quando aceito a Língua de sinais, eu aceito o surdo” (Terje Basilier) Dentro de minhas experiências como docente em contato direto com alun@s surd@s, fui levada a compreender essa língua, por uma questão de respeito ao que @ alun@ compreendia por forma de comunicação natural. O processo de exclusão educacional começa quando os alun@s não entendem o que o profess@r está dizendo ou o que se espera que eles façam. Essa é a realidade de grande parte dos alun@s surd@s do Brasil, pois encontram dificuldades ao tentarem traçar laços de comunicação com pessoas ouvintes (Gesser, 1972, p 115). Ainda mais quando a língua brasileira de sinais, LIBRAS, não é do vocabulário do profess@r em sala de aula. Ou quando o ensino de LIBRAS não está presente na formação curricular desse docente. Entende-se a Língua de sinais por: Uma língua não universal, pois cada país possui a sua própria língua de sinais, que sofre as influências da cultura nacional. Possuem gramática e semântica própria. É comum aos ouvintes pressupor que as línguas de sinais sejam versões sinalizadas das línguas orais; por exemplo, muitos acreditam que a LIBRAS é a versão sinalizada do português; Mas isso não é correto. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. (GESSE 1972, p. 76) Mas sobre este aspecto vamos além, pois inicialmente precisa-se entender o porquê de muitas vezes os profess@res tenderem a instigar esses alun@s surd@s a oralizar e não fazer uso da língua de sinais brasileira. Ainda existe uma idéia que o surd@ precisa ser oralizado para se integrar na sociedade. Isso é fruto de um traçado histórico muito difundido por adeptos convictos do oralismo, como por exemplo, Alexandre Graham Bell, participante do Congresso de Milão em 1880, pregava: Que a surdez era uma aberração para a humanidade, pois perpetuava características genéticas negativas. Nesse cenário, internatos de surdos, casamentos entre eles e qualquer tipo de contato eram proibidos, e tal proibição foi entendida como uma medita preventiva, capaz de “salvar” a raça humana. Entende-se que Graham Bell contribuiu de maneira crucial para a negação e a opressão da língua de sinais. Por isso é rechaçado com mais veemência pela comunidade surda em todo o mundo, do mesmo modo como são rechaçados todos os que inscrevem nessa filosofia (GESSER, 1972, p. 98) O que nós educadores precisamos compreender é que dentro desse discurso sempre existirão os que serão a favor de LIBRAS e os que não compartilharão da mesma idéia. Mas o foco é o objetivo que queremos alcançar com esta educação e os resultados que devemos alcançar, assim fica nítido que o profess@r precisa respeitar a opção do alun@ surd@, incluindo-se na forma com a qual o alun@ decidi se expressar. Se respeitarmos a língua de sinais e o direito do surdo a ser educado em sinais, devemos também respeitar o direito daqueles surdos que optam por também falar (oralizar) a língua portuguesa. O perigo está quando certas decisões são impostas, e as imposições e opressões, sabemos, vêm de todos os quadrantes (GESSE 1972, p. 99) Assim novas inquietações surgiram como relacionar a Linguagem da Dança aos Surd@s, como essa dança iria ser entendida por esse alun@? Como seu corpo responderia as técnicas que estariam sendo abordadas? Ele entenderia?Qual corpo seria esse? Nas entrelinhas da Dança: qual corpo está apto a Dançar? “Aquilo que os seres humanos têm em comum é sua capacidade para se diferenciar uns dos outros.” (François Laplantine) Quando se inicia uma proposta de ensino da dança, todo conteúdo e metodologia devem está apontados em nossos planos de ensino e aula. Mas nessas estruturações de conteúdo, não estão mencionados que exista um corpo padrão para a execução das aulas, ou muito menos corpos que não estão aptos para dançarem. Porém a conceituação de normalidade volta a preencher nosso cenário, já que diariamente somos bombardeados de informações sobre os estereótipos corporais, os quais interferem diretamente sobre o conceito de corpo. Essa perspectiva de normalidade acaba criando concepções de corpos ideais que variam a depender do objetivo a ser atingido, como o corpo atlético dos esportistas, o corpo delgado das manequins ou o corpo estético. Com formas harmoniosas dos dançarinos. (MITTLER, 2003, p 36) Nota-se que nossa sociedade estabelece padrões, fazendo uma pré-imagem dos adeptos da linguagem da dança, um conceito pré-estabelecido perpetuando idéias capitalistas e massificadoras. Sendo comum esperar ser visto em salas de aulas de dança crianças brancas, do gênero feminino, magras, de condições financeiras elevadas e sem nenhum tipo de deficiência. Não conseguem enxergar dentro dessa prática ninguém que possua alguma deficiência, afinal a dança ainda é vista por um caráter estético, com um enorme grau de perfeição e virtuosismo. O corpo deficiente é visto como invalido. Silveira (2009, p 25) cita Bavcar (2003 p, 176), dizendo que O corpo deficiente é uma contradição entre a história e o progresso. A inconseqüente história possui um marco significativo no segundo pós-guerra, paralelamente ao início da Revolução Industrial, na fundação do Hôtel Del Invalides, que consagrou a pessoa vitima da guerra como um signo que conota tanto os inválidos do trabalho como os inaptos para uma existência conforme as normas definidas em uma determinada situação histórica. Desde então, o amontoado de signos em relação à pessoa com deficiência e a função de invalidade têm sido uma conexão recorrente em nossa historia, estendendo se até os dias atuais. SILVEIRA (2009, p25) apud BAVCAR (2003 p 176) As considerações feitas em relação ao corpo fora de padrões estabelecidos previamente não surgem sem fundamentação, ultrapassam os tempos através de todo reforço histórico que possui. Os educadores não devem negar que essa dualidade é presente, muito menos devem ignorar o potencial do alun@. No entanto, a cultura do “corpo Ideal” ainda permeia o imaginário de grande parte da população e, até mesmo no meio da dança, a prática tradicional e a inércia do hábito continuam privilegiando o corpo treinado, o corpo jovem e o corpo vigoroso. Continua também a tentar moldar o corpo numa forma que não lhe é próprio, sem respeitar ou ao menos observar suas tendências. (MIRANDA, 2008, p 176) Apesar de toda tentativa feita para a obtenção de uma sociedade padronizada, precisamos compreender que o papel da Arte/Dança está justamente em não igualar os corpos, mas saber trabalhar com o diferente. E contribuir para que o que diverge possa ser instrumento de inspiração, entendido como contribuinte e não como algo que dificulte a aprendizagem e o desenvolvimento. Marques (2005, p 124.) nos aponta que “mais e mais dançarinos e coreógrafos estão indagando que as platéias vejam seus corpos como uma busca de identidade cultural, uma presença física que move com e através de gênero, raça e significados sociais.” E isso esta relacionado ao seguinte pensamento de Jocimar Daolio: “Uma das tendências da contemporaneidade é assumir a identidade, aquilo que constitui o ser em sua essência, sem fechar os olhos para seus declínios, feridas, marcas e ausências. Tudo é válido, tudo é fonte de criação digna de aproveitamento”. O mesmo decorre ainda dizendo: “Uma educação que considere o principio de alteridade saberá reconhecer as diferenças – não só físicas, mas também culturaisexpressas pelos alunos, garantindo assim o direito de todos à sua prática. A diferença deixará de ser critério para justificar preconceitos, que causam constrangimentos e levam à subjugação dos alunos, para se tornar condição de igualdade, garantindo, assim, a afirmação do seu direito à diferença condição do pleno exercício da cidadania. Porque os homens são iguais justamente pela expressão de suas diferenças.” (DAOLIO, 1995, P 201) Amparada por essa diferença que sai do papel de vilã para se tornar protagonista da contemporaneidade artística, reflito em cima da modalidade dança. Imaginando que a dança contemporânea torna-se uma das modalidades mais abrangentes, me refiro aos processos não só de cena, mas principalmente aqueles que tangem o nível de ensino educacional da dança. Mas logo segue a lista extensa de por quês, faz-se necessário compreender o que esta modalidade trás em relação ao corpo dançante e seu seguimento quanto educação. A dança contemporânea dentro de sua magnitude nos aponta os vários desdobramentos do corpo. Inicialmente deve-se essa abrangência aos múltiplos olhares traçados para a linha de atuação e pesquisa com isso chegamos a um vasto campo teórico sobre conceituações de corpo e técnicas. Assim trago para dialogar com essa corrente de pensamento, o filosofo francês Michel Serres. Em qualquer atividade a que nos dedicamos, “o corpo é suporte da intuição, da memória, do saber, do trabalho e, sobretudo, da invenção” (STAINBACK, 1999, p.36). Em seu livro “Variações sobre o corpo” aborda as variações que o corpo assume e que as suas potências de movimento se transformam, dividindo em quatro partes de apoio para a construção do corpo: o poder, a metamorfose, o conhecimento e a vertigem. A partir desses conceitos, liguei à construção de um corpo que dança. Onde o poder significa executar com confiança o movimento, a metamorfose seria saber trabalhar diferentes qualidades corporais e sociais. O conhecimento revelaria a noção de conhecer o próprio corpo e saber o melhor caminho para se chegar ao resultado dançante de acordo com cada especificidade corporal. E a vertigem nos passa a idéia de tentar o equilíbrio do social, espiritual, econômico, religioso, enfim, tudo o que compreende o contexto do ser envolvido juntamente com o corpo. (ROSA, 2008, p 119) Esta abordagem nos revela a possibilidade de soma do ensinar dança com todo o arcabouço empírico que cada alun@ trás. Pois compreende que dentro da ótica da contemporaneidade o corpo preparado para dançar não precisa de padrões e formas prédefinidas, necessita apenas da percepção de si próprio, de significação do que o cerca e colocação de intenção seja educacional ou cênica. Merleau-Ponty em seu estudo sobre percepção ressalta “que o corpo é uma forma de expressão, pleno de intencionalidade e poder de significação”. Portanto, pensar o corpo deficiente na dança como um corpo apto como qualquer outro é de vital importância para um mergulho profundo em processos que constroem uma educação capaz de gerar novos conhecimentos e instigar outras visões de mundo, pois o corpo que dança constrói cultura sem focalizar padrões e é construído por esta cultura, como um fluxo, formando assim uma essência de corpo dentro da educação da dança. Essência, esta, que é um fluxo, um fluxo novo que nos faz diferenciar de certos padrões, ou seja, na subversão dos padrões podemos lidar com o novo e surpreender quem nos cerca e a nós mesmos. Através dos estudos sobre o corpo do individuo, forma-se um pensamento crítico sobre as questões do corpo na contemporaneidade e reúne diferentes possibilidades expressivas do corpo e suas relações (...). Uma dança como linguagem não verbal, uma dança que busca na essência toda a vivência do individuo, o que o cerca e as suas experiências. Uma dança que se assemelha com a visão de Platão e também à do autor Fritjof Capra, ou seja, uma dança que não se fecha para um único mundo, nem para uma única platéia, que não tranca ninguém em cavernas. Uma dança que busque, na essência, a verdadeira corporeidade do homem. Que descubra, junto do homem, a sua linguagem. (LEMOS, 2008, p 40) Da teoria a prática: Relatos de sala de aula, a busca por um ensino da Dança através de LIBRAS. Quando fui convidada para fazer parte da grade de professores de dança do Projeto Aluno Bailarino Cidadão, projeto este desenvolvido pela “Companhia Moderno de Dança”, que compete em atender jovens na faixa etária de 12 a 18 anos, cursando o ensino fundamental e médio da rede pública. Recebi o convite com satisfação e imaginando colocar em prática as teorias aprendidas na Universidade, dentro do curso de Licenciatura Plena em Dança da UFPA. Ao sentarmos para execução do planejamento do semestre que se iniciava, uma notícia fez com que a certeza da eficácia das aulas que ministraria fosse comprometida. Fui informada que teria uma aluna Surda, na hora não parei para pensar nas implicações que resultam em se ter um alun@ surd@ numa sala de aula onde a maioria dos alun@s é ouvinte e onde boa parte do corpo docente e organizacional não compreende a Língua de Sinais Brasileira. Mas depois me atentei para o grande desafio que estava assumindo. Fui levada a buscar novos caminhos que complementassem minha área de atuação no ensino da dança juntamente com o da surdez, através do Curso básico de Libras, ofertado pelo Estado do Pará, pela Secretária de Educação (SEDUC), no Centro de Atendimento e SERVIÇO AO SURDO (CASS). No CASS conheci realidades de professores igualmente a minha que buscavam um aperfeiçoamento de sua docência. Compartilhava dúvidas e cada vez mais compreendia a comunidade surda, sua cultura e especificidade, além da importância de LIBRAS como a língua de referência do surdo. Tudo para que o ensino da dança fosse inclusivo, para traçar uma forma de diálogo com esta aluna, na tentativa de aproximação do contexto da mesma com a sala de aula de dança. Pois o ambiente em que a pessoa com surdez está inserida, principalmente o do âmbito de aprendizagem, na medida em que não lhe oferece condições para que se estabeleçam trocas simbólicas com o meio físico e social, não exercita ou provoca a capacidade representativa dessas pessoas, conseqüentemente, compromete o desenvolvimento do pensamento e atividade física. (POKER, 2000, p 300). O uso da língua de sinais pôde modificar minha abordagem nas aulas de dança fazendo com que as técnicas e execuções fossem entendidas por todos os alunos. Utilizando também de LIBRAS nos processos de criação, como forma de reconhecimento de uma identidade e inclusão. Estudar a educação das pessoas com surdez nos reporta não só a questões referentes aos seus limites e possibilidades, como também aos preconceitos existentes nas atitudes da sociedade para com elas. Os Surd@s enfrentam inúmeros entraves para participar da educação, decorrentes da perda da audição e da forma como se estruturam as práticas das propostas educacionais das políticas de ensino. Muitos alun@s com surdez podem ser prejudicados pela falta de estímulos adequados ao seu potencial cognitivo, sócio-afetivo, lingüístico e político-cultural e ter perdas consideráveis no desenvolvimento da aprendizagem. Essa falta de estímulos muito se deve ao não preparo do corpo docente que integra as instituições de ensino. Precisa-se acima de tudo ter a consciência que o professor só pode ensinar quando está disposto a aprender, nunca imaginar que seu papel é o de repassar somente, acreditando ficar imune a todos os caminhos que o cruzam. “O professor é um livro sendo escrito a lápis, constantemente apagado e renovado a cada encontro, a cada aluno, a cada experiência”. (FREIRE, 1996: p173). Afinal em nossa carreira docente, muitos desafios irão surgir ligados a deficiências, outros a questões sociais, religiosas ou econômicas. Precisamos estar abertos, sem preconceitos, sem falsas visões de padrões, precisamos acreditar no potencial de cada alun@. Indiferente de seu credo, etnia, opção sexual, se é deficiente ou não, o importante é enxergamos que ele é humano, capaz de tudo igual a nós, e isso já basta. “Que a dança faça nascer, pela sutileza dos traços, pela divindade dos ímpetos, pela delicadeza das pontas paradas, essa criatura universal que não tem corpo nem rosto, mas que tem dons, e dias, e destinos". (Paul Valéry.) Bibliografias Consultadas BELLINI- Magda. Dança e diferença: duas visões. Corpo dança e deficiência: a emergência de novos padrões. São Paulo. Escritura Editora. 1998. BIASOLI- Carmen Lucia Abadie, A formação do professor de arte: do ensaio... À encenação. Campinas- SP: Papirus, 1999. DAOLIO- Jocimar. Da cultura do corpo. Campinas, SP: Papirus, 1995 (Coleção corpo e Motricidade) FREIRE- Paulo. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra 1996: GESSER- Audrei. Libras? Que língua é essa? Crenças e preconceitos em torno da língua de sinais e da realidade surda. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. 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