TRICEVERSA
Revista do Centro Ítalo-Luso-Brasileiro
de Estudos Lingüísticos e Culturais
ISSN 1981 8432
www.assis.unesp.br/cilbelc
TriceVersa, Assis, v.2, n.1, maio-out.2008
CILBELC
O ESPAÇO NO PROJETO GRÁFICO DAS CAPAS DE ROMANCES DE ALUÍSIO AZEVEDO
Ângela Maria Rubel Fanini
UTFPR
RESUMO
Este trabalho analisa e problematiza
como o projeto gráfico de algumas capas
de romances de Aluísio Azevedo (Uma
lágrima de mulher, O Mulato, O Cortiço,
Condessa Vésper, Casa de pensão, O
Homem, O Coruja e Livro de uma sogra)
capta o espaço das narrativas. O espaço
no referido romancista é um elemento
narrativo
bastante
poderoso,
que
contribui para delimitar, orientar e
desorientar o destino das personagens e
estruturar uma certa visão de mundo
sobre
a
sociedade
brasileira.
A
iconografia das capas formaliza esse
espaço ora em consonância com a obra,
ora em dissonância, ressignificando as
narrativas.
PALAVRAS-CHAVE
Artes
gráficas;
Aluísio
Azevedo;
naturalismo.
ABSTRACT
This work analyses and discusses the
way the graphic project of some covers
of Aluísio Azevedo’s novels (Uma
lágrima de mulher, O Mulato, O
Cortiço, Condessa Vésper, Casa de
pensão, O Homem, O Coruja e Livro de
uma sogra) grasps the narrative spaces.
The space in his works is a powerful
narrative element that contributes to
bound, guide and misguide the
characters’ destiny and structure a
certain view about the Brazilian
society. The iconography of the covers
formalizes this space sometimes in
consonance with the work, sometimes
in dissonance, giving meaning again to
the narratives.
KEYWORDS
Graphical
Arts;
Aluísio
Azevedo;
naturalist movement.
A obra de Aluísio Azevedo estabelece uma relação orgânica com o tempo
do escritor e com outras obras literárias brasileiras, fazendo parte de uma
produção coletiva que apresenta certas semelhanças temáticas e formais.
Aluísio Azevedo comunga de um ideário cujas diretrizes podemos encontrar
em outros escritores contemporâneos ao escritor, todos inseridos em um
universo cultural comum que nos permite defini-los como pertencentes à
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geração boêmia ou realista.1 A crítica literária do século XIX, sobretudo
Araripe Júnior, José Veríssimo e Sílvio Romero, divide a obra de Aluísio
Azevedo em dois conjuntos dicotômicos: os romances sérios  O Mulato,
1881, O Homem, 1870, O Coruja, 1890, Casa de Pensão, 1884 e O Cortiço,
1890,  e os romances de entretenimento, “sem valor literário”  Uma
lágrima de Mulher, 1880, Memórias de um condenado ou Condessa Vésper,
1882, Mistérios da Tijuca ou Girândola de Amores, 1882, Filomena Borges,
1884, Mattos, Malta ou Matt,?, 1885, A Mortalha de Alzira, 1894, e Livro de
uma sogra, 1895. Essa dicotomia percorre todo o século XX, sendo repetida
por boa parte dos críticos contemporâneos (Lúcia Miguel Pereira, Alfredo Bosi,
Antonio Candido, Afrânio Coutinho, Massaud Moisés, Nelson Werneck Sodré).2
A obra alusiana é dividida entre bons e maus livros, entre literatura
“industrial” e literatura séria. Diz-se que o conjunto considerado é de cepa
real-naturalista e o desconsiderado se liga ao romance sentimental,
lacrimono, folhetinesco, cuja publicação objetivava manter a sobrevivência
material de Aluísio de Azevedo. O escritor, com certeza, vivia da literatura,
pois, segundo Valentim Magalhães, era o único “escritor a viver da pena, pois
já dava para comprar o pão, mas só o pão visto que as letras no Brasil ainda
não davam para a manteiga”. Sabe-se que Aluísio Azevedo pleiteou um cargo
público por muito tempo e, enquanto esperava por ele, escrevia,
sobrevivendo da literatura e, ao conseguir um posto de Cônsul, abandona a
ficção, alegando que era muito penoso viver das letras no Brasil.
Acreditamos que a divisão da obra de Aluísio Azevedo seja de certo modo
procedente, mas por outros motivos; somente o critério material não
comporta a complexidade do conjunto de obras consideradas folhetinescas.
Aluísio Azevedo, em prefácio à Girândola de Amores, explicita que está ciente
1
Estamos considerando geração realista ou boêmia como uma totalidade
heterogênea haja vista que os escritores pertencentes a essa geração (Arthur
Azevedo, Olavo Bilac, Aluísio Azevedo, Raul Pompéia, Pardal Mallet, Paula Ney,
Valentim Magalhães, Filinto Müller, Urbano Duarte etc) apresentam especificidades.
No entanto, também comungam de um ideário comum que é assimilado de diferentes
formas por cada escritor. São majoritariamente adeptos em maior ou menor grau, da
estética real-naturalista, do abolicionismo, do republicanismo, das teorias
positivistas e deterministas.
2 A discussão pormenorizada acerca dessa dicotomia encontra-se em FANINI, 2003.
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de que sua obra é híbrida e que escreve romances-folhetinescos para não
desagradar o público, mas tem o propósito de inserir elementos reaisnaturalistas, aos poucos, nas tramas folhetinescas, a fim de conduzir o leitor
para uma leitura mais séria e reflexiva. Aluísio Azevedo tem plena consciência
de quem é o seu público e não deseja contrariá-lo, mas simultaneamente
objetiva dirigi-lo, ordená-lo e instruí-lo. No referido prefácio, apresenta o seu
projeto político-pedagógico que visa a ilustrar o leitor aos poucos,
descortinando-lhe o caminho de uma leitura mais proveitosa e crítica aos
moldes reais-naturalistas:
E já que avançamos tanto, diremos logo com franqueza que todo o nosso
fim é encaminhar o leitor para o verdadeiro romance moderno. Mas isso
 e o prestidigitador apresenta ostensivamente os derradeiros truques 
já se deixa ver, sem que ele o sinta, sem que ele dê pela tramóia, porque
ao contrário ficaremos com a isca intacta.[...] É preciso ir dando a coisa
em pequenas doses, paulatinamente: um pouco de enredo de vez em
quando; uma ou outra situação dramática de espaço a espaço, para
engodar, mas sem nunca esquecer o verdadeiro ponto de partida  a
observação e o respeito à verdade. Depois, as doses de romantismo irão
diminuindo gradualmente, enquanto que as do naturalismo se irão
desenvolvendo; até que um belo dia, sem que o leitor o sinta, esteja
completamente habituado ao romance de pura observação e estudo de
caracteres.
[...]
No Brasil, quem se propuser a escrever romances consecutivos, tem
fatalmente de lutar com grande obstáculo  é a disparidade que há entre
a massa de leitores e o pequeno grupo de críticos. Os leitores estão em
1820, em pleno romantismo, querem o belo enredo, a ação, o
movimento; os críticos porém acompanham a evolução do romance
moderno em França e exigem que o romancista siga as pegadas de Zola e
Daudet.
[...]
Por conseguinte, entendemos que, em semelhantes contingências o
melhor partido a seguir era conciliar as duas escolas, de modo a agradar
ao mesmo tempo ao gosto do público a ao gosto dos críticos; até que se
consiga por uma vez o que ainda há pouco dissemos  impor o romance
naturalista. Mas, enquanto não chegarmos a esse belo posto, vamos
limpando o caminho com nossas produções híbridas, para que os mais
felizes, que porventura venham depois, já o encontrem desobstruído e
franco. (AZEVEDO, s/d, introdução)
O espaço é importante na obra romanesca de Aluísio Azevedo haja vista
que o escritor não ficou alheio às posições deterministas que explicavam o
meio físico e social como preponderantes para a formação e o destino dos
homens e, em conseqüência, das personagens. As teorias de Hippolyte Taine,
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Gobineau e Chamberlain se disseminavam e, Aluísio de Azevedo, “homem de
seu tempo e país”, também se rendeu, em parte, a chaves deterministas para
formalizar personagens e enredos. Nesse sentido é que a categoria espaço
deve ser analisada como estrutural na obra do escritor, bem como a maneira
como esse espaço é captado pelos vários projetos gráficos que compõem
algumas capas de livros aqui analisadas.
O romance de estréia do escritor, Uma lágrima de mulher, 1880, passase entre 1836-1844, situando as personagens Miguel (jovem pobre e músico),
Rosalina (filha), Maffei (pescador austero) e Ângela (dedicada ama) em uma
aldeia de pescadores nas ilhas Lipari, na Itália, em uma casinha branca entre
os rochedos. Durante a viagem de Maffei a Nápoles, a fim de tentar fortuna,
Miguel, que tinha como única companheira uma rabeca, se apaixona por
Rosalina. Em pouco tempo, a agradável presença de Miguel se torna
costumeira na casa do velho pescador. Dois anos depois de sua partida, o
pescador retorna rico e mais ambicioso. Com o seu retorno, a felicidade do
jovem casal se esvai. Saudosa da presença do amado, que desde a volta de
Maffei permanecia ausente, Rosalina decide contar ao pai que tem um
namorado. Diante da revelação, Maffei, completamente transtornado, e ares
de fera, proíbe os encontros da filha com o músico e anuncia a partida da
família para Nápoles, onde a bela jovem poderia fazer um bom casamento.
Em seu encontro de despedida, o casal é surpreendido pela trágica aparição
de Maffei, que obriga Miguel, com Rosalina nos braços, a segui-lo até a
extremidade de um penhasco. Após uma luta violenta, o infeliz rapaz é jogado
ao mar. O pescador, então, parte com a família para Nápoles. Inicia-se a
segunda parte do romance. Decorridos alguns anos do episódio do
despenhadeiro, Maffei está mais rico. Sob a influência de um meio social
nocivo, Rosalina, antes ingênua e meiga, é agora uma moça vaidosa,
promíscua e dissimulada. Ainda na segunda parte do romance, há um corte na
narrativa que retorna ao fatídico episódio da luta no penhasco para explicar
como, “surpreendentemente”, Miguel se salvou ao cair no mar. Esclarecido o
salvamento, o romance prossegue apresentando o jovem músico como
preceptor em uma família que muito o admira. Diante de tamanha angústia, o
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artista decide retornar à casinha branca a fim de descobrir o paradeiro de
Rosalina. Nas redondezas da choupana, o músico encontra um antigo pescador
da região conhecido como Sombra da Noite, uma figura de aparência
estranha, a quem atribuíam todo tipo de feitiçarias e malefícios. Amigo de
Maffei, Sombra da Noite oferece algumas informações sobre Rosalina, e
Miguel decide partir ao encontro da amada. A terceira e última parte do
romance narra o reencontro das personagens. Ao chegar a Nápoles, Miguel
escreve um bilhete a Rosalina, marcando um encontro. Ao rever a amada, o
artista reitera suas juras de amor. Rosalina, todavia, não demonstra nenhum
interesse em reviver o amor adolescente. Em um discurso dissimulado, diz a
Miguel que também o ama, não podendo, entretanto, contrariar as ordens do
pai. Disposto a tudo para viver seu grande amor, o músico vinga-se de Maffei
matando-o com as próprias mãos, configurando uma das cenas trágicas do
romance. Rapidamente recuperada da morte do pai, a jovem assume noivado
com um visconde. Julgando ter eliminado o único obstáculo a sua felicidade,
Miguel vai novamente ao encontro da amada. A jovem por sua vez, com a
única intenção de livrar-se do pobre músico, mente dizendo-lhe que bebeu
veneno. Depois de algum tempo, ela chama por Miguel, que não responde.
Miguel, por amor morre em função da pseudomorte da amada. A moça, então,
chora arrependida. O herói, perdidamente apaixonado por uma mulher
pérfida e ingrata, tem um fim trágico, motivado pelo incomensurável amor a
ela dedicado. O espaço é extremamente importante, visto que a narrativa é
recheada de fatos e situações rocambolescas que se multiplicam em espaços
diferentes. Entretanto, o projeto gráfico da figura 1, Editora DPL, 2004, foca
Rosalina e a lágrima, destacando o tom lacrimoso e sentimental da narrativa.
A figura 1 é mais sóbria, metonímica (o olho e a lágrima são a parte que
representa a mulher), estilizada, usando tons preto e cinza; a figura 2,
Editora Martin Claret, 2003, é também metonímica, mas menos estilizada, a
lágrima é hiperbólica, focando ainda mais no folhetinesco e lacrimoso e as
cores são suaves, reforçando o estereótipo feminino uma vez que a cor rosa
predomina.
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Figura 1
Figura 2
Em O mulato, 1881, a idéia do romance nasceu pela observação do
cotidiano da cidade natal do escritor, São Luiz do Maranhão. Tratando da
questão abolicionista e o anticlericalismo, o livro caiu como uma bomba,
causando polêmica. Não apenas porque tratava de um tema tabu, mas
também porque implantava o Naturalismo, com suas descrições duras,
cientificismo e uma visão bastante pessimista da realidade. A trama se passa
em São Luís, no Maranhão, século XIX. Raimundo, filho bastardo nascido do
relacionamento de uma escrava com um senhor de terras e escravos, é
mandado desde pequeno à Europa para estudar. O pai é assassinado pelo
cônego que fora amante da esposa do pai de Raimundo. O jovem mulato vem
da Europa, sem saber sobre sua bastardia e suas origens. Relativamente
cultivado, apaixona-se por Ana Rosa, sua prima e filha de Manuel Pescada,
rico comerciante da cidade e tio de Raimundo. O pai não aceita o
relacionamento e entrega a filha a Luís Dias, sujeito sem nenhum caráter. O
cônego criminoso trama a morte de Raimundo e Luís Dias (personagem fraco,
sem caráter) executa o crime. Ana Rosa fica grávida de Raimundo, mas sofre
um aborto. Casa-se com Luís Dias ao final.
O espaço é também importante uma vez que oprime Raimundo, já que o
preconceito racial que o acomete é fruto do meio inculto, atrasado, de um
Brasil longe do Rio de Janeiro, cidade já cosmopolita que abriga mulatos em
cargos públicos relevantes. Entretanto, novamente vemos que o espaço não é
explorado, destacando-se as personagens nos projetos gráficos analisados. A
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figura 3, Ciranda Cultural, trabalha com três planos em perspectivas diversas
por ordem de hierarquia da narrativa, tendo-se o mulato, Manoel Pescada, e
Ana Rosa com o filho (primeira edição onde não há o aborto do filho de
Raimundo); já a figura 4, Germape, 2004, trabalha com o espaço interno, mas
do casal que não houve, da intimidade e da paz do lar que não ocorreu,
contrariando a narrativa, uma vez que o romance entre Raimundo e Ana Rosa
foi clandestino. Há também uma discordância quanto ao tipo físico de
Raimundo, pois vai de encontro à narrativa, uma vez que a personagem é
descrita como mulato claro de olhos azuis.
Figura 3
Figura 4
O romance Memórias de um condenado ou Condessa Vésper, 1882, conta
os encontros e desencontros amorosos vividos por Gabriel, herói da narrativa,
amante e vítima de Ambrosina, heroína. Ambrosina ou Condessa Vésper é
mulher atraente, bonita, jovem, educada e que, como as demais personagens
femininas dos romances-folhetins, vive em busca de aventuras que sustentam
inúmeras peripécias, movimentando a trama. Ambrosina, após perder o pai e
o marido, exercita, por necessidade material e por prazer, a prostituição.
Gabriel, após amá-la a vida toda e a ela ter dedicado todo o seu amor e
fortuna, mata-a por não mais ter o que oferecer à caprichosa amante. O herói
está no cárcere, pagando pelo crime cometido e pede a um escritor que
publique suas memórias, intentando com isso que os leitores sintam por ele
compaixão e não desprezo. O condenado amaldiçoa a sua visão e atitude
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românticas que o levaram à ruína. Este seria o núcleo romântico da narrativa
em torno do qual várias outras personagens secundárias orbitam. Oposto a
esse centro demoníaco composto por mortes trágicas, suicídios, sexo
degradado,
sentimentalismo
exacerbado,
bancarrotas
surpreendentes,
linguagem romântica afetada, indivíduos em conflito permanente entre o
desejo e a realidade e discurso didáticos longos de pregação contra o
romantismo há a periferia do texto em que personagens mais chãs, menos
teatrais, mais cotidianas e menos afetadas vivenciam práticas sociais
afastadas daquele universo hiperinflacionado de arroubos românticos e
rocambolescos.
Nessa totalidade heterogênea do texto, divisamos a sua complexidade
constituída por conflito entre um centro muito apegado às formas importadas
do romance rocambolesco e romântico e o periférico mais vinculado à
realidade da vida cotidiana. O espaço, aqui, é também importante uma vez
que a narrativa rocambolesca se passa em vários lugares, dinamizando a
trama, apresentando inúmeras situações adversas para as personagens.O
projeto gráfico da figura 5, Ediouro, capta a exuberância folhetinesca da
personagem principal, utilizando-se de uma composição chamativa da
personagem feminina, representada como fatal, usando cores quentes e
estimulantes. Fundo negro, preponderância do vermelho e do rosa (paixão e
feminino, respectivamente). Entretanto, os vários espaços em que ocorrem
tramas mirabolantes também não estão contemplados no projeto gráfico.
Novamente o foco recai na personagem feminina como em Uma lágrima de
mulher.
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Figura 5
O Cortiço, 1890, conta a história de inúmeros personagens, apresentando
diferentes classes sociais (o trabalhador, a classe média em formação, a
classe “aristocrática”). João Romão e Jerônimo representam portugueses
imigrantes. O primeiro é pobre no início, mas adquire o cortiço e a pedreira,
tornando-se rico e obtendo o título de Visconde; aproveita-se de todos e de
tudo para enriquecer. Bertoleza, a escrava fugida, torna-se o braço direito de
João Romão e sua amante; ajuda-o em sua luta diária e, ao final, o verdadeiro
livra-se dela, restituindo-a ao seu proprietário. Essa devolução ocorre quando
João Romão já não é mais um simples emigrante pobre, mas rico e com título.
Casa-se ao final com Zulmira, filha de Miranda, brasileiro rico e proprietário
do sobrado localizado ao lado do cortiço. Jerônimo, português pobre e
trabalhador, vem de Portugal com a filha Juju e a esposa Piedade. Mora no
cortiço, é gerente da pedreira cujo proprietário é João Romão. Cai no vício e
no ócio, abandonando a família para viver com Rita Baiana, que representa a
típica brasileira, em que a sensualidade, o ócio, a liberdade e a festa são
imperativos. Há também várias histórias de lavadeiras e outros personagens
trabalhadores. O que mais avulta é o contraste entre o sobrado aristocrático e
o cortiço, dividindo as classes sócias em costumes bem díspares. Ao final da
narrativa, o cortiço se “aristocratiza”, representando a formação de uma
classe média, composta de pequenos comerciantes e trabalhadores liberais.
Teorias da degenerescência racial e do meio e da hereditariedade das taras
estão presentes. A obra mostra o lado festivo, o lado trabalhador, árduo e
penoso no espaço do cortiço, além de mostrar o lado aristocrático dos títulos
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e do poder político e econômico e também o lado perverso de um capitalismo
incipiente à sociedade brasileira presente no sobrado.
O espaço é elemento capital para se analisar a importância do espaço
coletivo e os determinismos do meio físico-social como formadores das
personagens e responsáveis pelo seu destino. A ficcionalização das relações de
trabalho no romance é também de suma importância. Aluísio Azevedo mostrase atento às questões do trabalho em sua obra. O trabalho árduo, sempre
ligado à rudeza do meio, e o trabalho burguês, vinculado a ambientes
amenos. As figuras 6 (Editora Núcleo) e 7 (Ciranda Cultural) dão-nos conta
tanto do espaço coletivo na obra, focando o cortiço, local do trabalhador
braçal, quanto do espaço burguês, do sobrado, da família burguesa, da elite.
Já a figura 8 (Ed. Gráfica Avenida, 2005) vai de encontro a esses dois espaços
majoritários da obra, oferecendo um espaço íntimo, o quarto, focalizando
apenas duas personagens (Léonie e Pombinha). Aí, o projeto gráfico destaca a
cena íntima, as personagens secundárias. Outra questão relevante para a
prosa real-naturalismo é o enfoque das patologias e taras sexuais. As
personagens Léonie e Pombinha representam o desvio do comportamento
sexual. O projeto gráfico, no entanto, trabalha a cena de modo romântico,
idílico, sentimental, distanciando-se de uma perspectiva negativa. Talvez o
projeto tenha assimilado uma outra faceta, menos analisada da obra, em que
o casal de lésbicas triunfa ao final, feliz e satisfeito, diferentemente de
outros casais do romance. A figura 7, ao invés de destacar o lado festivo do
romance, geralmente, plantado na personagem Rita Baiana, destaca a
personagem Bertoleza, triste, tímida e João Romão, sério, compenetrado,
ligado ao trabalho e à ânsia de vencer. As personagens estão localizadas em
planos diferentes, com destaque para Bertoleza, a trabalhadora braçal e
escrava fugida e João Romão, o português pobre que ascende a Visconde por
meio de seu trabalho árduo e dos outros. Por trás, o espaço coletivo do
cortiço.
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Figura 6
Figura 7
Figura 8
Casa de pensão, 1884, conta a história do moço Amâncio de Vasconcelos;
sua infância ao lado da mãe, Angela, protetora e amorosa; o pai, português,
severo, austero, autoritário e brutal. As primeiras letras são focalizadas pelo
viés do autoritarismo e da brutalidade física, causando ao herói verdadeiro
repúdio e nenhum conhecimento. Chegando à idade de enfrentar estudos
superiores, sai do Maranhão rumo ao Rio de Janeiro, onde passa a freqüentar
o curso de Medicina. Freqüenta-o apenas, pois seu único objetivo são as
aventuras amorosas e uma vida libertina da qual sempre fora tolhido. O seu
comportamento, fragmentado por seu aspecto unidimensional (a exclusividade
da busca incessante do amor sexual), advém do ambiente autoritário, cruel e
rude da casa paterna. Essa brutalidade deforma-lhe o caráter, impedindo-o de
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se relacionar de modo mais amplo com o semelhante. Ao chegar ao Rio,
hospeda-se em casa de amigos (Campos/Hortênsia), mas logo passa a habitar
a casa de pensão de Mme. Brizard, onde será manipulado e dominado pelo
trio Coqueiro, Amélia e Mme. Brizard. O objetivo destes é casar Amâncio com
Amélia e saírem da pobreza. Amâncio passa a pagar quase todas as contas da
casa de pensão, sendo envolvido por Amélia. Ao final da narrativa, deixa
Amélia e sofre um processo judicial de sedução, impetrado por Coqueiro
(irmão de Amélia). É absolvido pela justiça, mas é assassinado por este. A
fábula é inspirada na Questão Capistrano, caso verídico que apaixonou a
sociedade da época e movimentou a imprensa e a opinião pública: tratava do
estudante Capistrano, assassinado pelo colega Antônio Alexandre Pereira,
irmão de Júlia, a jovem supostamente seduzida por aquele.
O espaço é elemento vital para a narrativa, pois é onde se situa a
derrocada de Amâncio. A casa de pensão é o microcosmo da cidade
cosmopolita em que avultam os vícios, os males e o interesse material, oposta
à cidade natal da personagem, pacata, simples, onde está o lar, espaço que
pode significar aconchego e segurança. O projeto gráfico da figura 9, Editora
Escala, trabalha bastante bem com o espaço, focando na casa de pensão,
sóbria, tons austeros, desenho clássico, tom impessoal; já a figura 10, Editora
Ática, destaca a pândega e aventura do espaço urbano, coletivo, longe do
controle da cidade natal e do lar. Retrata-se Amâncio, vivendo a festa, a
alegria, afastando-se de seus propósitos de estudar Medicina para o que viera
ao Rio de Janeiro.
Figura 9
Figura 10
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Já em O homem, 1887, Aluísio Azevedo consolidou sua posição ímpar no
naturalismo brasileiro do século XIX. Mesmo seguindo com entusiasmo alguns
princípios científicos daquela corrente literária, o romancista não transformou
sua narrativa numa espécie de tratado médico. Imprimiu-lhe ingredientes
romanescos com as qualidades de língua literária.
A trama se desenvolve a partir da personagem Magda, moça rica e
educada, que se apaixona por seu irmão (filho bastardo de seu pai) e que,
muito desiludida, pois não pôde desposá-lo, passa a sofrer de histeria. No
decorrer da narrativa, apaixona-se por um trabalhador de uma pedreira, Luís,
e passa a viver uma vida fantasiosa e onírica com ele. O trabalhador, no
entanto, sem saber da paixão de Magda e sem a ela corresponder, casa-se, e
Magda, no dia de seu casamento, envenena-o e à noiva, matando-os. Magda, a
mulher que sofre de histeria em decorrência de questões afetivas não
resolvidas, é uma personagem dividida. Em sonhos e delírios, avultam a livre
expressão de sua sexualidade e carência amorosa. Nos episódios de lucidez,
refugia-se em rígidos princípios morais e religiosos, denegando as experiências
vividas no sonho e nas crises patológicas.
Os espaços da narrativa são múltiplos e significantes uma vez que
interferem diretamente no comportamento das personagens. O projeto
gráfico da figura 12 foca o espaço natural, reforçando a questão do
determinismo do meio, no caso, o tropical, decisivo para a derrocada do
elemento feminino. Já o projeto gráfico 11, Rideel, 2005, focaliza o casal e o
folhetinesco, no amor de perdição, uma vez que representa a mulher
submetida, ajoelhada aos pés do homem, seu algoz. Utiliza-se de cores
suaves, predominando rosa, lilás e tons pastéis, minimizando o arrebatamento
da paixão.
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Figura 11
Figura 12
O romance O coruja, 1885, apresenta duas personagens principais:
Teobaldo e André (o Coruja). Eles são antitéticos, mas assemelhados. André é
feio, tímido, introspectivo, órfão, pobre, sofrendo toda sorte de privações
materiais e sentimentais, taciturno e um monstro de bondade, como o define
o narrador. É também perseverante, estudioso, trabalhador, ordeiro,
organizado, metódico. Teobaldo é belo, vivaz, extrovertido, alegre, olhos
maravilhosos, amado pelos homens e pelas mulheres (estas o perseguem ao
ponto de ele querer ser feio), ansioso, jamais termina um trabalho, vaidoso ao
extremo, egoísta (tudo gira em torno de si), foi rico, torna-se pobre de tanto
esbanjar, mas ascende novamente, tornando-se político (ministro do Gabinete
Conservador e Conselheiro no Segundo Império). Teobaldo é o medalhão
carismático e vazio. André é o seu avesso. Entretanto, essa oposição entre
eles se constitui e se esclarece no relacionamento que travam entre si e com
as demais personagens.
Esse universo inter-relacional faz com que, sobretudo ao final da
narrativa, eles se assemelhem. Ambos se tornam taciturnos, solitários e
desejam inverter a situação existencial, isto é, o Coruja deseja ser Teobaldo e
vice-versa. André passa a ser vítima de sua bondade extrema e gostaria de
poder cometer uma maldade para com os homens; já Teobaldo é vítima de
sua vaidade, da adulação que sempre granjeou junto aos homens e gostaria de
poder praticar um ato bom para com outrém, sem desejar com isso se
engrandecer: “E, da mesma forma que o Coruja sentia-se cansado de ser tão
bom, tão dos outros e precisava cometer uma ação má para repousar, assim
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TriceVersa, Assis, v.2, n.1, maio-out.2008
Teobaldo, reconhecendo o seu egoísmo, a sua indiferença pelos que o
amaram, desejou pela primeira vez em sua vida praticar o bem” (AZEVEDO,
s/d, p.346). Teobaldo tipifica o político carismático, medalhão, de retórica
vazia, ligado sempre ao poder, cujas relações de favor que estende aos
necessitados afirmam e reafirmam o seu poder público e político. Ambos
adquirem consciência de si a partir do olhar e da práxis do outro. O tema da
bondade que causa desastres é bem pouco tratado na literatura.3 A fábula se
passa, primeiramente, em um internato e depois no Rio de Janeiro
oitocentista tanto em locais modestos quanto na Corte e no meio político.
O projeto gráfico da figura 13, Martins, 1963, é bem estilizado, de
formalização
cubista,
conveniente
ao
tom
da
narrativa,
cujo
teor
dostoiesviskiano se orienta para um público mais maduro e mais letrado. A
figura é sóbria, acompanhando o tom sério, moralizante, realista e
dostoiesviskiano do romance. O espaço externo da narrativa não é explorado,
mas o espaço do internato é estilizado. Há duas figuras: uma no plano de
fundo, grande, poderosa, opressora, cuja estilização sinaliza para o cônego
que adotou André, e outra no plano frontal, a figura menor, que corresponde
ao coruja, André, mostrando-o tutelado e ensombreado pelo religioso.
Figura 13
Livro de uma sogra, 1895, se constitui a partir de um discurso em
primeira pessoa, feminino, de uma sogra, Olímpia, que, sem conhecimentos
filosóficos, científicos ou acadêmicos, escreve uma tese sobre o casamento,
para ser lida e seguida por sua filha e genro. A tese, na realidade, é um
3
Sobre essa questão, ver FANINI, 2003, em que analisamos as correspondências entre as obras
O Idiota de Dostoievski e O Coruja, ambas formalizando a questão da bondade.
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receituário que define uma economia das relações conjugais no intuito de
prevenir o casamento contra o tédio. Os cônjuges devem seguir a monogamia,
mas viverem de tempos em tempos separados a fim de preservarem o
interesse mútuo, que, com a convivência diária, fenece.
De início podemos verificar na obra uma crítica ao discurso de tese
cientificista tão apregoado pelo naturalismo, pois já não temos mais o
narrador observador cientista ou a figura típica do médico, munido de arsenal
científico, afirmando e estabelecendo verdades. A personagem Olímpia,
partindo da observação social e da própria vivência conjugal, passa a
desenvolver sua
tese, seu programa, sua receita do bem viver a dois,
aplicando-a a suas duas cobaias: sua filha e seu genro. Coloca em prática o
que pensa ser um casamento perfeito: os cônjuges não devem viver sempre
sobre o mesmo teto; o amor sexual definha, porque sobrevém o tédio. Embora
Olímpia não tenha uma teoria de background, há a Bíblia, especialmente o
Levítico, em que se apregoa o afastamento do homem em relação à mulher
imunda (estado menstrual), à gestante e à parturiente, às quais Olímpia se
reporta constantemente para dar sustentação à sua tese prática de
distanciamento temporário dos cônjuges. Há também a figura do médico, na
personagem Cézar, que a acompanha e a auxilia. Aqui, porém, o saber médico
é um acessório, e não parte essencial, pois o tratado de Olímpia é apenas
acompanhado pelo discurso médico que o ratifica.
Em Livro de uma sogra, temos um estudo filosófico satírico sobre os
males e as virtudes do casamento assemelhado, em parte, à obra Fisiologia do
casamento de Honoré de Balzac. Nessa obra, o escritor francês introduz
personagens, fábulas, peripécias e toda sorte de gêneros de discurso (cartas,
anedotas, máximas, parábolas, narrativas secundárias, intertextualidade
literária, etc.) no sentido de dar sustentação à sua tese, que consiste também
em um tipo de receituário para o sucesso do matrimônio. Tal qual a obra de
Aluísio Azevedo, o discurso predominante é o analítico-satírico, que vai
desvendando os vícios, a falsa moral, as hipocrisias, os jogos de interesse que
se manifestam nas relações entre os cônjuges, apresentando uma radiografia
bem humorada e crítica da instituição matrimonial. Ambas as narrativas
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elaboram um receituário pormenorizado e detalhado de atitudes maritais que
podem contribuir para a felicidade conjugal. Entretanto, esse receituário se
torna risível em virtude de que se mostra sempre limitado em relação às
possibilidades sempre novas e variadas de infelicidade, revelando a
complexidade e a incompletude das relações sociais. Nesse sentido, essas
obras apresentam uma atitude crítica em relação aos discursos monológicos,
elaborados em forma de tratados, respaldados em análise científica, que
visam descrever o objeto fielmente, levantar os problemas e apontar soluções
definitivas.
É
o
próprio
discurso
naturalista
em
literatura
sendo
problematizado.
O projeto gráfico da figura 14 trabalha com um mesmo plano, fundo
preto, centraliza a personagem principal (cor azul) e, à direita, Palmira, a
filha (cor rosa para a heroína) e, à esquerda, o genro (em amarelo) e o
médico, Cezar (em vermelho), pouco rocambolesco uma vez que as peripécias
não se avolumam e não ocorrem fora do espaço doméstico. O espaço é o lar,
predominantemente, que funciona como o laboratório onde se dá a pesquisa,
a experiência e os resultados.
Figura 14
Considerações finais
Vimos que o espaço é categoria de suma relevância na obra de Aluísio
Azevedo, tanto para as narrativas mais folhetinescas em que avultam os
espaços destinados a receber as inúmeras peripécias, infortúnios e tragédias
que acometem as personagens. A unidade de espaço não cabe nas narrativas
folhetinescas em virtude da overdose de enredos, personagens e situações.
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Entretanto, esse espaço múltiplo é pouco captado pelos projetos gráficos que
trabalham mais com a unicidade ou focam nas personagens principais. Nas
narrativas menos rocambolescas e mais vinculadas ao projeto real-naturalista,
vimos que o espaço também é preponderante uma vez que influencia
diretamente na vida e destino das personagens. O projeto gráfico, no entanto,
também se omite, parcialmente, em relação ao espaço. Nem sempre, o
espaço é elemento estruturante de alguns projetos gráficos das capas das
obras. Há, porém, projetos gráficos que incorporam o espaço, sendo fiéis às
narrativas. Há também o diálogo em contraponto à narrativa, quando se
apresentam espaços que surpeeendem à medida que não são tão evidentes
nas obras.
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