XIII SEMINÁRIO OBSCOM/CEPOS
11 de dezembro de 2014, São Cristóvão - Sergipe
POLOS DE PRODUÇÃO CINEMATOGRÁFICOS NO BRASIL:
RIO DE JANEIRO, BRASÍLIA E PAULÍNIA.
André Ricardo Araujo VIRGENS¹*
1
Universidade Federal da Bahia, Programa de Pós-graduação em Cultura e Sociedade – Salvador-BA; *[email protected];
INTRODUÇÃO
Num contexto em que a produção cinematográfica é hegemonizada pelo modelo
hollywoodiano, seja do ponto de vista do modo de produção, seja do ponto de vista da construção
de linguagem e expressão, diversos países têm buscado assegurar uma posição privilegiada para
suas cinematografias nacionais - seja por fatores culturais, e/ou por fatores político-econômicos. No
Brasil não foi diferente, e a ideologia industrial sempre esteve presente – em maior ou menor grau –
na defesa do desenvolvimento da filmografia nacional.
É um fato que o país nunca conseguiu construir uma indústria sólida, entretanto, diversas
experiências surgiram com essa finalidade. Citando algumas delas, uma das primeiras remonta ao
início do século XX, com a produção incentivada pelos donos de salas de exibição. Posteriormente,
com a criação de estúdios privados entre os anos 30 e 50. Em seguida com a atuação direta do
Estado através da criação da Embrafilme, ou mesmo com a atuação de pequenas produtoras
produzindo em larga escala – a Boca do Lixo. E, mais recentemente, com o advento das leis de
incentivo e uma intersecção entre televisão e cinema.
Dentro desse contexto de tentativa de estruturação de um modelo de produção “industrial”,
nos últimos anos, o país tem presenciado a expansão de um formato de incentivo a partir da criação
de polos locais, que visam, dentre outros objetivos, aliar o incremento da produção com a adoção de
políticas de fomento concentradas num determinado território. Assim, esse trabalho tem como
objetivo aprofundar as discussões sobre esse fenômeno em três etapas: em primeiro lugar,
localizando-os em torno da relação cinema e indústria; em segundo lugar, traçando um breve
histórico dos modelos de produção já adotados no país; e, por fim, discutir experiências que tentam
consolidar uma produção em larga escala a partir de estruturação de polos locais. Para tal,
analisamos as ações implementadas das cidades do Rio de Janeiro-RJ, Brasília-DF e Paulínia-SP.
A partir da realização desse estudo, apresentado como dissertação de mestrado no programa
de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da UFBA, sob a orientação da Prof.ª Dra. Clarissa
Bittencourt Pinho e Braga, buscamos contribuir numa perspectiva de reduzir uma lacuna teórica e
problematizar como as políticas voltadas para o campo cinematográfico tem sido adotadas no país.
MATERIAL E MÉTODOS
Por conta da natureza e o do objeto de reflexão deste trabalho, ele se enquadra como um
estudo de casos múltiplos. Nesse contexto, é importante ressaltar que as três regiões estudadas
foram escolhidas a partir de um critério que levou em consideração o mapeamento de experiências
que adotam políticas institucionalizadas de fomento. Consideramos que essa institucionalização se
apresenta de duas formas: pela existência de uma estrutura organizacional responsável pela sua
manutenção/gestão; e pela criação e vigência de marcos legais fundacionais e reguladores da sua
dinâmica de funcionamento e de planejamentos operacionais e relatórios de gestão. Listadas as
experiências, nosso critério final foi cronológico (escolha das três mais “antigas” em vigor).
Do ponto de vista teórico, a base inicial deste trabalho se localiza na discussão sobre a
relação entre cultura e economia, especialmente com base em dois campos de estudos: a economia
política da comunicação e da cultura e a economia da cultura. De forma complementar, também
XIII SEMINÁRIO OBSCOM/CEPOS
11 de dezembro de 2014, São Cristóvão - Sergipe
lançamos mão das reflexões de Raymond Williams e sua tentativa de estruturação de uma
sociologia da cultura. Também buscamos verificar como a relação cinema e indústria vem sendo
discutida teoricamente no contexto brasileiro. Para isso, acabamos confrontando autores como Jean
Claude Bernadet, Arthur Autran, Lia Bahia Cesário, Daniella Pffeiffer, dentre outros.
A partir de uma triangulação de dados, sistematizamos os dados obtidos durante o processo
de pesquisa. Lançamos mão de uma busca bibliográfica de produções que tenham como objeto de
pesquisa temas correlatos e/ou que integram o campo da economia do audiovisual, e também
buscamos dados produzidos pelos órgãos responsáveis pela gestão dos polos, tais como secretarias
de cultura, film comissions e seus respectivos planos e relatórios de gestão, além de visitas in loco.
E, por fim, estruturamos 04 categorias de análise que nortearam o processo de coleta e
analise de dados, a partir da proposição de Robert Stake para estudos de casos múltiplos: 1)
Contexto – caracterização geral das regiões analisadas (politicas, sociais, econômicas e culturais);
2) Histórico – caracterização da origem e desenvolvimento do polo/ contexto histórico de criação e
marco legal; 3) Natureza – Caracterização de aspectos como: arranjo institucional/ modelo de
gestão, infra-estrutura construída, projetos implementados, montante investido e resultados
auferidos; e 4) Informantes, com a caracterização dos gentes envolvidos no processo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
De forma geral, apesar das peculiaridades de cada experiência, percebemos a existência de
cinco aspectos em comum no processo de implementação dos polos estudados. Em primeiro lugar, a
construção de uma infraestrutura de apoio, ilustrada, especialmente, por um complexo de estúdios;
em segundo lugar, pela realização de pelo menos um festival de grande porte; em terceiro lugar,
pela aprovação de marcos legais locais que garantam a execução da proposta, e sob quais
dispositivos gerais elas serão implementadas; em quarto lugar, pela instalação (ou proposta) de uma
film comission; e, por fim, a realização de uma política de financiamento à produção.
Mas, em relação a esse ultimo ponto, chama atenção uma característica peculiar de Paulínia.
Enquanto os mecanismos de financiamento adotados no Rio de Janeiro e Brasília são voltados,
exclusivamente, para seu público interno (produtoras e realizadores locais), o público de Paulínia
sempre foi externo. Em seu último edital (lançado já no ano de 2014) houve uma restrição maior,
dando foco especial a produtoras paulistas e da Região Metropolitana de Campinas. A diferença
entre eles é que Paulínia e Rio oferecem editais específicos para o campo cinematográfico,
enquanto o Distrito federal ainda trabalha com dispositivos genéricos que norteiam o financiamento
para todos os setores do campo cultural.
Outra característica que acabou perpassando as três experiências é a sua interface com o
setor de turismo. Em Brasília percebemos isso de maneira mais forte, já que esse era o ponto de
partida de um dos principais projetos relacionados com a estruturação de seu polo. Entretanto, ele
também acaba aparecendo em Paulínia, dentro de uma perspectiva de incentivo à indústria do
entretenimento; e no Rio, como estratégia de ampliação da visibilidade da cidade a partir da atração
de produções (em especial estrangeiras).
Já do ponto de vista de gestão, percebemos três “problemas” em todos os processos
estudados. Em primeiro lugar, todos eles possuem uma estrutura vertical de tomada de decisões, ou
seja, não há mecanismos efetivos de participação social e discussão sobre suas ações. Em segundo
lugar, por uma tradição de descontinuidade, já que nenhum deles conseguiu estabelecer mecanismos
que garantissem seu funcionamento à médio e longo prazo, sofrendo sempre as intempéries de
mudanças de gestão que não dão continuidade a processos anteriores. E, em terceiro lugar, a um
processo de personalização das políticas. Os três acabaram, em algum momento, sendo associados à
pessoas, no caso, à políticas personalistas, e não à políticas públicas.
XIII SEMINÁRIO OBSCOM/CEPOS
11 de dezembro de 2014, São Cristóvão - Sergipe
CONCLUSÃO
Assim, para além da síntese dessas experiências, buscamos, a partir daí, desenvolver uma
noção inicial sobre o que entendemos como polo de produção cinematográfica. Compreendemos o
mesmo como um arranjo institucional, seja do campo público ou do campo privado, organizado de
forma a desenvolver a produção cinematográfica a partir de determinada região/ território,
perpassando pela implementação, em geral, de ações de quatro naturezas: apoio logístico,
financiamento e desoneração fiscal, formação de mão de obra e de público fruidor, e estímulo a
realização de eventos do setor. Uma proposta inicial de conceito que pode ser melhor
problematizado a partir da análise de outras experiências concretas.
É importante reconhecer, também, que a noção de território é fundamental para a realização
dessas reflexões, especialmente porque o agente municipal (ou distrital) toma corpo enquanto
incentivador do mercado cinematográfico, o que representa uma mudança significativa. Isso porque,
até então, esse era um papel basicamente ocupado pela esfera federal, e pontualmente por alguns
governos estaduais. Aqui também percebemos que a ideologia nacionalista, que defendia a
necessidade de construir uma indústria nacional de cinema com bases sólidas, ou mesmo de ver o
cinema enquanto estratégia de legitimação de uma cultura nacional, acabou perdendo espaço
(parcialmente) para uma ideia de “cinema local”.
Acreditamos que tanto o setor público quanto a classe de artistas e produtores
cinematográficos necessitam complexificar o debate das políticas de fomento a esse campo. E a
própria banalização da noção de polo cinematográfico aponta para a necessidade de refletirmos
sobre as implicações e consequências desse tipo de política de fomento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
AUTRAN, Arthur. O Pensamento Industrial Cinematográfico Brasileiro. Campinas: Unicamp,
2004.
BERNARDET, Jean-Claude. Cinema Brasileiro: propostas para uma história. São Paulo:
Companhia das Letras, 2009.
BOLAÑO, Cesar. Indústria, Criatividade e Desenvolvimento. In: Anais – 1ª Conferência
Internacional sobre Economia Criativa do Nordeste. Fortaleza: Instituto Animacult, 2011.
CESÁRIO. Lia Bahia. Discursos, políticas e ações: processos de industrialização do campo
cinematográfico brasileiro. São Paulo: Itaú Cultural, 2012.
FERNANDES, Daniela Pfeiffer. Diversidade cultural e concentração da indústria audiovisual
no eixo Rio – São Paulo: Análise do contexto e implicações para o desenvolvimento cultural
brasileiro. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: PUC, 2010.
GOMES, Paulo Emílio Salles. Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento. São Paulo: Paz e Terra,
1996.
MELEIRO, Alessandra (org.). Cinema e Economia Política – Indústria Cinematográfica Brasileira
Vol. II. São Paulo: Escrituras Editora, 2009.
MIGUEZ, Paulo Cesar. A Organização da cultura na “Cidade da Bahia”. Tese de Doutorado.
Salvador: UFBA, 2002.
ROSENFELD, Anatol. Cinema: Arte & Indústria. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.
SIMIS, Anita. Estado e Cinema no Brasil. São Paulo: Annablume, Fapesp, Itaú Cultural, 2ed,
2008.
STAKE, R.E. Investigación con Estudio de Casos. Madrid: Ediciones Morata, 1999.
WILLIAMS, Raymond. Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
Download

Rio de Janeiro, Brasília e Paulínia – André Ricardo Araújo