DEISE BRESAN TEMPO MÉDIO DE JEJUM EM CIRURGIAS ELETIVAS DE PEQUENO E MÉDIO PORTE EM UM HOSPITAL DA CIDADE DE GUARAPUAVA, PR Guarapuava 2009 DEISE BRESAN TEMPO MÉDIO DE JEJUM EM CIRURGIAS ELETIVAS DE PEQUENO E MÉDIO PORTE EM UM HOSPITAL DA CIDADE DE GUARAPUAVA, PR Trabalho de Conclusão de Curso a ser apresentado ao Departamento de Nutrição da Universidade Estadual do Centro-Oeste, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Nutrição. Orientadora: Professora Ms. Silvana Franco. Guarapuava 2009 2 TEMPO MÉDIO DE JEJUM EM CIRURGIAS ELETIVAS DE PEQUENO E MÉDIO PORTE EM UM HOSPITAL DA CIDADE DE GUARAPUAVA-PR AVERAGE TIME OF FASTING IN SMALL AND MEDIUM SIZE ELECTIVE SURGERIES IN A HOSPITAL IN THE CITY OF GUARAPUAVA-PR Autoras: BRESAN, Deise1, FRANCO, Silvana2 RESUMO Objetivo: Verificar o tempo médio de jejum ao qual são submetidos pacientes de um hospital da cidade de Guarapuava-PR, em cirurgias eletivas, de pequeno e médio porte. Metodologia: Participaram do estudo 27 pacientes com idade entre 20 e 59 anos, com cirurgia programada. O tempo de jejum foi estabelecido através de consulta ao prontuário médico. A avaliação nutricional foi realizada através do método antropométrico. A análise de dados foi feita pelo software Microsoft Excel®, por meio de estatística descritiva para as variáveis contínuas. Para comparação de médias paramétricas utilizou-se o teste T de Student, fixando-se como nível de significância p<0,05. Resultados: O tempo médio de jejum encontrado foi de 27,88±9,83 horas, sendo 18,33±3,22 horas no período pré-operatório e 9,55±8,35 horas no pós-operatório. A justificativa médica para o jejum pré-operatório foi o risco de aspiração pulmonar causado pela anestesia geral ou anestesia regional com sedação. Os indivíduos submetidos às cirurgias do sistema osteomuscular permaneceram 23,22±4,29 horas sem alimentação, os que realizaram cirurgias do aparelho digestivo, órgãos anexos e parede abdominal ficaram 38,88±7,34 horas em jejum, e os que fizeram cirurgias do aparelho circulatório permaneceram 23,3±8,3 horas sem receber alimentação. Conclusão: Apesar das diversas recomendações e estudos que comprovam que a ingestão moderada de líquidos claros sem resíduos até duas horas antes do procedimento cirúrgico não aumenta os riscos de aspiração pulmonar, ainda persiste a prática de jejum prolongado via oral, desde o dia ou a noite que antecede a cirurgia. Palavras-chave: jejum, cirurgia, estado nutricional. ABSTRACT Objective: To verify the fasting average time which patients are submitted in a hospital in the city of Guarapuava-PR, in small and medium size elective surgeries. Methodology: 27 patients from 20 to 59 years old took part in the study with programmed surgery. The fasting time was established through medical prontuary 1 Acadêmica do 4º ano do curso de Nutrição da Universidade Estadual do Centro-Oeste. Nutricionista. Mestre em Enfermagem em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo. Professora do Departamento de Nutrição da Universidade Estadual do Centro-Oeste. 2 3 analysis. Nutritional evaluation was accomplished by the antropometric method. Data analysis was done using Microsoft Excel® software, through descriptive statistic for continuous variables. In order to compare of the parametric measurements, it was used the Student’s T-test, establishing as significance p<0,05 level. Results: The fasting average time was 27,88±9,83 hours, being 18,33±3,22 hours in the pre operation period and 9,55±8,35 hours in the post operation. The medic justification for the pre operation fasting was the risk of lung aspiration caused by the general or partial anesthesia with sedation. The individuals undergone ostheomuscular surgery remain 23,22±4,29 hours without eating, the ones who were operated on the digestive system, attached organs and abdominal wall remained 38,88±7,34 hours on fasting, and the ones who were operated on the circulatory system remained 23,3±8,3 without eating. Conclusion: In spite of several recommendations and studies proving that the moderated ingestion of no residual liquids until two hours before the surgery procedure does not increase the risks of lung aspiration, besides that it endures the practice of extended oral fasting since the day or the night that precedes the surgery. Keys Words: fasting, surgery, nutritional state. INTRODUÇÃO A palavra jejum deriva do latim jejunu, e significa estar sem comer. O jejum é caracterizado pela ausência da ingestão de alimentos e nutrientes por mais de seis horas. É utilizado frequentemente em pacientes hospitalizados no preparo para exames diagnósticos e em períodos pré-operatórios, e voluntariamente, por motivos religiosos ou greve de fome 1,2,3. A prática do jejum pré-operatório se difundiu principalmente a partir de 1946, quando Mandelson relacionou alimentação com aspiração pulmonar durante um parto com anestesia geral. Desde então, a técnica do jejum pré-operatório passou a ser amplamente utilizada e tomada como verdade. Nessa época, as técnicas anestésicas eram rudimentares, o que aumentava a probabilidade de haver aspiração 4,5. O objetivo do jejum pré-cirúrgico é diminuir o grau de regurgitação do conteúdo gástrico, prevenindo a aspiração pulmonar e suas conseqüências. Com o passar dos anos os processos anestésicos foram se aperfeiçoando, e hoje contam com avançada tecnologia. Assim, o jejum pré-operatório desde a noite que antecede a cirurgia vem sendo questionado, uma vez que o tempo de esvaziamento gástrico de líquidos claros é relativamente pequeno, e provavelmente haja necessidade de um volume gástrico superior a 200 mililitros para que ocorra aspiração pulmonar 5,6 . 4 Além disso, o jejum prolongado pode levar à depleção do estoque de glicogênio. Com isso, a glicemia passa a ser mantida somente pela gliconeogênese, o que significa um custo metabólico importante, pois esta via está relacionada à perda significativa de massa muscular e de tecido adiposo. Esse quadro pode ter grande impacto no estado nutricional dos pacientes, principalmente em indivíduos que já estão desnutridos. Dessa maneira, a orientação de jejum após a meia noite do dia que antecede o procedimento cirúrgico, tem sido substituída por novas recomendações 7,8,9. A Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA)10, após revisão de diversos estudos, elaborou um guia sobre o jejum pré-operatório, no qual recomenda: - Jejum de 2 horas: líquidos claros sem álcool e com um pouco de açúcar; - Jejum de 4 horas: leite materno para recém nascidos e lactentes; - Jejum de 6 horas: dieta leve e leite não materno; - Jejum de 8 horas: alimentos gordurosos, frituras e carnes. A Sociedade Canadense de Anestesiologistas, também faz essa recomendação. No Brasil, a Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo apenas difere na recomendação de jejum para o leite não materno, apontando para 8 horas de jejum pré-operatório 11,12. Estudos realizados por Diks et al13 e Henriksen et al14 mostram que a ingestão de líquidos sem resíduos, até duas horas antes da cirurgia, não apresenta maior ocorrência de broncoaspiração. Além disso, esse procedimento diminui a resistência hepática à insulina e as perdas de nitrogênio do primeiro ao terceiro dia pósoperatório. Além do tempo de jejum pré-operatório, principalmente em cirurgias do trato digestivo, o paciente permanece mais um longo período sem receber alimentação, devido ao jejum pós-operatório, prescrito até que ocorra a eliminação de flatos ou evacuações. Essa prática não apenas contribui para a piora do estado nutricional de pacientes previamente desnutridos, mas também aumenta o tempo de permanência hospitalar 15. Estudo realizado por Aguilar-Nascimento et al16 mostrou que o retorno da dieta no primeiro dia pós-operatório de operações abdominais eletivas, apresentou com sucesso, e não foi prejudicial aos pacientes. Neste contexto, o objetivo do presente estudo foi verificar o tempo médio de jejum o qual são submetidos pacientes de um hospital da cidade de Guarapuava- 5 PR, em cirurgias eletivas, de pequeno e médio porte, no intuito de conhecer a prática de jejum utilizada e promover maior qualidade de vida e bem estar aos pacientes. METODOLOGIA O projeto deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Ofício nº 043/2009– COMEP/UNICENTRO) (Anexo 1). A pesquisa foi conduzida em um hospital da cidade de Guarapuava-PR, durante os meses de junho e julho de 2009. Foram avaliados 27 pacientes adultos, submetidos à cirurgia eletiva de pequeno e médio porte, internados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Para serem inclusos no estudo os pacientes deveriam ter cirurgia agendada com no mínimo uma semana de antecedência, realizar a internação no dia anterior a cirurgia, ter idade entre 20 e 59 anos, e concordar em participar do estudo por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice 1). O instrumento utilizado para coleta de dados foi elaborado com base nas informações necessárias para a execução do estudo (Apêndice 2). Para conhecer o tempo de jejum ao qual o paciente submeteu-se, foi consultado o prontuário médico. Este tempo foi também confirmado com o paciente. O perfil nutricional dos pacientes foi traçado através da antropometria no período anterior a cirurgia. Para tanto, utilizou-se balança digital da marca Britânia®, com capacidade para 150 Kg e visor digital com escala de 100 g. A altura (m) e circunferência do braço (CB) foram medidas com fita métrica flexível e inextensível com variação em centímetros. A prega cutânea tricipital (PCT) foi aferida com adipômetro clínico da marca Cescorf®, com variação em milímetros. Por meio da CB e PCT calculou-se a circunferência muscular do braço (CMB). Os resultados encontrados de CB, PCT e CMB foram comparados ao percentil 50, de acordo com sexo e idade, conforme preconiza Frizancho17. Através do peso e altura foi estabelecido o Índice de Massa Corporal (IMC) e classificado de acordo com a Organização Mundial da Saúde18, em desnutrição (IMC <18,5 Kg/m²), eutrofia (IMC entre 18,5 e 24,9 Kg/m²), sobrepeso (IMC entre 25 e 29,9 Kg/m²) e obesidade (IMC >30 Kg/m²). 6 As cirurgias em que os indivíduos se submeteram foram classificadas de acordo com o Ministério da Saúde19, em cirurgia do sistema osteomuscular, cirurgia do aparelho digestivo, órgãos anexos e parede abdominal e cirurgia do aparelho circulatório. A análise de dados foi feita através do software Microsoft Excel®, por meio de estatística descritiva para as variáveis contínuas, estabelecendo-se média, desviopadrão e freqüências relativas. Para comparação de médias paramétricas, utilizouse o teste T de Student, fixando-se como nível de significância p<0,05. RESULTADOS E DISCUSSÃO Participaram do estudo 27 pacientes dos quais 19 (70,37%) eram no sexo feminino e 8 (29,62%) do sexo masculino. A média de idade entre as mulheres foi de 38,78±10,89 anos, e entre os homens 42,12±12,93 anos. A média de idade entre todos os pacientes estudados foi de 39,77±11,38 anos (Tabela 1). Tabela 1 – Caracterização dos pacientes estudados (N=27). N Idade (anos) Feminino Masculino Total 19 (70,37%) 8 (29,62%) 27 (100%) 38,78 ± 10,89 42,12 ± 12,93 39,77 ± 11,38 Gráfico 1 – Tipos de cirurgias realizadas* (N=27). 10 (37,03%) 9 (33,33%) 8 (29,62%) 10 9 8 7 6 N 5 4 3 2 1 0 Sistema Osteomuscular Aparelho Digestivo, Órgãos Anexos e Parede Abdominal Aparelho Circulatório * Conforme classificação da Tabela Unificada de Procedimentos, Medicamentos e Insumos 17 Estratégicos do SUS . 7 Do total de 27 cirurgias, 9 (33,33%) corresponderam à cirurgias do sistema osteomuscular, 8 (29,62%) à cirurgias do aparelho digestivo, órgãos anexos e parede abdominal, e 10 (37,03%) à operações do aparelho circulatório (Gráfico 1). Com relação ao estado nutricional dos pacientes, avaliado pelo método antropométrico, 51,85% dos indivíduos estavam eutróficos. Dos demais, 3 (11,11%) pacientes estavam desnutridos, 3 (11,11%) apresentaram sobrepeso e 7 (25,93%) estavam obesos (Gráfico 2). Gráfico 2 – Estado Nutricional dos indivíduos estudados (N=27). 14 (51,85%) 14 12 10 7 (25,93%) 8 N 6 3 (11,11%) 3 (11,11%) 4 2 0 Desnutrição Eutrofia Sobrepeso Obesidade Estudo realizado por Mourão et al20 avaliou o estado nutricional de 100 pacientes por meio da antropometria, e verificou que 48% dos pacientes estavam eutróficos, 7% deles estavam desnutridos, e 45% apresentavam sobrepeso ou obesidade. Números parecidos aos encontrados neste estudo. O tempo médio de jejum observado neste estudo foi de 27,88±9,83 horas, o que corresponde a uma média de 18,33±3,22 horas de jejum pré-operatório e 9,55±8,35 horas de jejum no período pós-operatório (Tabela 2). Quando comparados os tempos de jejum pré e pós-cirúrgico, observa-se que há diferença estatisticamente significante entre esses períodos (p<0,01). O tempo de jejum pré-operatório encontrado em um estudo realizado nos Estados Unidos, com pacientes submetidos a cirurgias eletivas foi em média 11,7 horas. Desses pacientes, 67% permaneceram no mínimo 12 horas em jejum antes da cirurgia, e 50% deles permaneceram mais de 14 horas sem alimentação21. Já os pacientes avaliados neste estudo, 100% permaneceram mais de 14 horas em jejum pré-operatório. 8 O motivo relatado pela equipe médica para o jejum pré-operatório foi o risco de aspiração pulmonar causado pela anestesia geral ou anestesia regional com sedação. Tabela 2 – Tempo de médio de jejum (N=27). Média (horas) Desvio-padrão (DP) Jejum pré-operatório 18,33 ± 3,22 Jejum pós-operatório 9,55 ± 8,35 Tempo total de jejum 27,88 ± 9,83 O tempo médio de jejum pré-operatório encontrado no estudo foi relativamente longo (18,33±3,22 horas), visto que a ASA, a CAS e a SAESP recomendam um jejum de duas horas para líquidos claros sem álcool e com um pouco de açúcar. Mesmo alimentos gordurosos e carnes, que levam um tempo maior para serem digeridos, podem ser consumidos até 8 horas antes do procedimento cirúrgico, de acordo com as recomendações 10,11,12. Uma pesquisa de nível nacional realizada nos Estados Unidos com anestesiologistas, mostrou que 62% deles orientavam seus pacientes a ingerir líquidos claros duas ou três horas antes de cirurgias eletivas. Por outro lado, 35% dos participantes relataram orientar os pacientes a fazer uma refeição leve seis horas antes da cirurgia22. Em um estudo realizado por Henriksen et al14 sobre os efeitos da administração oral de carboidratos no pré-operatório, envolvendo 48 pacientes com enfermidades gastrointestinais, mostrou que os pacientes que receberam a solução de carboidratos apresentaram menor resistência hepática à insulina e diminuição das perdas de nitrogênio, do primeiro ao terceiro dia pós-operatório. Além disso, Diks et al13 mostram em um estudo sobre o jejum pré-operatório, que a ingestão de líquidos sem resíduos, até duas horas antes da cirurgia, não apresenta maior ocorrência de broncoaspiração. A ingestão de nutrientes no pré-operatório imediato, principalmente de carboidratos tem mostrado benefícios, como menor resistência hepática à insulina, capaz de diminuir a resposta orgânica ao estresse 23. 9 O jejum pós-operatório não é regra, e varia de acordo com a cirurgia. Pacientes submetidos a operações de grande porte do trato digestivo, geralmente permanecem um longo período pós-cirúrgico em jejum, porém, a alimentação precoce tem se mostrado segura, mesmo quando oferecida entre 4 e 12 horas após a operação 24, 25, 15. Visto isso, verificando o tempo médio de jejum pós-operatório das cirurgias digestivas, órgãos anexos e parede abdominal (Tabela 3), foi constatado um jejum de 18,25±5,97 horas, tempo relativamente longo, já que as cirurgias são apenas de pequeno e médio porte. Durante esse período de jejum geralmente os pacientes recebem hidratação venosa sem aporte protéico e com um mínimo de calorias. Sendo assim, as necessidades energéticas e protéicas aumentadas pelo trauma cirúrgico não são atingidas, o que leva o indivíduo a apresentar balanço nitrogenado negativo. Este quadro pode prejudicar a evolução do paciente, aumentando o tempo de permanência hospitalar e os riscos de morbimortalidade 16 . Além disso, a cicatrização adequada dos tecidos e a resistência às infecções dependem do fornecimento adequado de macro e micronutrientes 26. Um estudo realizado por Aguilar-Nascimento et al16 mostrou que o tempo médio de jejum pré-operatório em cirurgias abdominais eletivas foi de 16 horas, tempo inferior ao encontrado neste estudo, no qual o tempo médio de jejum préoperatório foi de 20,63 horas (Tabela 3) para cirurgias abdominais. O jejum pré-operatório nas cirurgias do sistema osteomuscular e circulatório foi em média 17 horas, não apresentando diferença estatisticamente significante quando comparados entre si (p=0,47). Tabela 3 – Tempo médio de jejum em cada grupo de cirurgia (N=27). Jejum pré- Jejum pós- Tempo total operatório operatório de jejum Média (horas) Média (horas) Média (horas) Sistema Osteomuscular (SOM) 17,33 ± 3,16 5,89 ± 3,72 23,22 ± 4,29 Aparelho Digestivo, Órgãos 20,63 ± 3,89 18,25 ± 5,97 38,88 ± 7,34 17,4 ± 1,65 5,9 ± 8,13 23,3 ± 8,3 Anexos e Parede Abdominal (AD) Aparelho Circulatório (AC) 10 Porém, quando comparado o tempo de jejum pré-cirúrgico de cirurgias do sistema osteomuscular com cirurgias do aparelho digestivo, a diferença foi estatisticamente significante (p=0,03), assim como quando comparado as cirurgias do aparelho circulatório com as cirurgias do aparelho digestivo (p=0,01) (Tabela 4). O mesmo ocorre no jejum pós-operatório, não há diferença estatisticamente significativa quando comparado às cirurgias do sistema osteomuscular e aparelho circulatório (p=0,49), mas quando se compara as cirurgias do sistema osteomuscular com o aparelho digestivo, e do aparelho circulatório com o aparelho digestivo, há diferença estatisticamente significante (p<0,01; p<0,01) (Tabela 4). Tabela 4 – Comparação entre os períodos de jejum em cada grupo de cirurgia. Jejum pré- Jejum pós- Tempo total operatório operatório de jejum SOM X AD p=0,03 p<0,01 p<0,01 SOM X AC p=0,47 p=0,49 p=0,49 AC X AD p=0,01 p<0,01 p<0,01 AD X SOM + AC p<0,01 p<0,01 p<0,01 Dessa forma, percebe-se que o tempo de jejum nas cirurgias do aparelho digestivo, órgãos anexos e parede abdominal é significativamente maior quando comparado às cirurgias do sistema osteomuscular e aparelho circulatório. Tabela 5 – Tempo médio de jejum de acordo com o estado nutricional. Jejum pré-operatório Jejum pós-operatório Tempo total de jejum Média (horas) Média (horas) Média (horas) 17 ± 1 2,33 ± 1,52 19,33 ± 2,08 Eutróficos 18,42 ± 3,08 8,64 ± 7,86 27,07 ± 9,53 Sobrepeso 20 ± 2,64 20,33 ± 6,35 40,33 ± 6,02 Obesos 18 ± 4,39 9,85 ± 8,25 27,85 ± 9,65 Desnutridos A Tabela 5 mostra o tempo médio de jejum de acordo com o estado nutricional. Os pacientes obesos permaneceram 27,85±9,65 horas em jejum e os 11 que apresentaram sobrepeso permaneceram 40,33±6,02 horas sem alimentação, quando somados os períodos pré e pós-operatório. Os indivíduos desnutridos ficaram em jejum durante 19,33±2,08 horas, e pacientes eutróficos durante 27,07±9,53 horas (Tabela 5). Percebe-se que o tempo de jejum não está relacionado ao estado nutricional do indivíduo, mas sim à cirurgia que o mesmo realizou. Todos os pacientes com sobrepeso, que permaneceram o maior tempo sem alimentação, realizaram cirurgias do aparelho digestivo, órgãos anexos e parede abdominal. O mesmo se observa nos indivíduos desnutridos, que permaneceram o menor tempo em jejum, todos realizaram cirurgias do sistema osteomuscular ou cirurgias do aparelho circulatório. O jejum desde a noite que antecede a cirurgia contribui significativamente para o aumento das complicações pós-operatórias, devido ao estado de catabolismo induzido, podendo ocasionar alterações metabólicas e nutricionais, além de contribuir para o aumento da desnutrição hospitalar 27,3. A administração de suplementos orais no pré-operatório pode atenuar a perda de peso no período pós-cirúrgico, o que seria benéfico aos pacientes que estão em risco nutricional 28 . Além disso, o jejum pode ser bastante desconfortável a qualquer paciente, independente do seu estado nutricional 29 . No hospital onde o estudo foi realizado não havia a administração de suplementos no pré-operatório. Quando o paciente é submetido ao jejum prolongado, predominando o glucagon sobre a insulina, o organismo ativa a glicogenólise e o fígado passa a exportar a glicose armazenada. Porém, essa reserva é limitada, e em algumas horas seu estoque acaba, iniciando, portanto, a gliconeogenese. Quando a glicemia passa a ser mantida apenas por esta via, há um elevado custo metabólico, pois, a síntese de glicose na gliconeogenese tem como principais precursores os aminoácidos advindos do músculo esquelético, glicerol advindo da mobilização de triglicerídeos do tecido adiposo e lactato advindo das hemácias 8. Esse quadro tem, portanto, impacto no estado nutricional dos indivíduos, principalmente aqueles que já apresentam risco nutricional 7. A hipótese de que a administração de carboidratos anterior à cirurgia interfira nessa resposta orgânica pode ser vista em um estudo com ratos, no qual os animais submetidos a jejum de 6 a 24 horas apresentaram capacidade inferior de tolerar o trauma, quando comparados a ratos que receberam carboidratos 30. 12 Estudo realizado com 20 pacientes submetidos à colecistectomia mostrou que aqueles que receberam, na noite anterior à cirurgia, 5mg/Kg/minuto de carboidrato via endovenosa, tiveram redução de 50% na resistência periférica à insulina, quando comparados a pacientes em jejum por 12 horas 31. Em outro estudo, no qual houve ingestão via oral de solução de carboidratos a 12,5% na noite anterior à operação e duas horas antes da indução anestésica, também demonstrou-se diminuição da resistência periférica à insulina 23. Essa diminuição da resistência periférica à insulina é fundamental, visto que a hiperglicemia está associada ao aumento das complicações infecciosas em pacientes cirúrgicos 32. Novamente verifica-se que o tempo de jejum pré-operatório observado neste estudo (18,33±3,22 horas) foi elevado quando comparado ao tempo de jejum recomendado e benéfico aos pacientes. A mudança das práticas de jejum prolongado requer atualização dos profissionais e inserção de um novo protocolo para jejum em cirurgias na unidade hospitalar. CONCLUSÃO O tempo de jejum para procedimentos cirúrgicos é um fator que pode interferir na evolução dos pacientes, como mostram os estudos citados. Com esta pesquisa pode-se perceber que, apesar das diversas recomendações das sociedades de anestesiologia e dos estudos que apontam não haver maior risco de aspiração pulmonar quando ingerido líquidos claros sem resíduos até duas horas antes da operação, ainda há a prática de jejum prolongado, desde a noite ou dia que antecede a operação. Sabe-se que no jejum o indivíduo apresenta um estado de catabolismo induzido, onde seu estado nutricional pode ser afetado, principalmente quando já se encontra desnutrido, ou apresenta risco de desnutrição. Portanto, é necessário que as recomendações de jejum para cirurgia sejam seguidas, no intuito de promover o bem-estar do paciente, através de práticas seguras e confortáveis. 13 REFERÊNCIAS 1. Michaelis: dicionário escolar língua portuguesa. 3ª ed. São Paulo: Melhoramentos; 2009. 2. Cordás TA, Weinberg C. Santas anoréxicas na história do ocidente: o caso de Santa Maria Madalena de Piazzi. Rev Bras Psiquiatr. 2002;24(3):157-158. 3. 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ANEXOS E APÊNDICES Anexo 1 – Carta de Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual do Centro-Oeste (COMEP) Apêndice 1 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Nome da pesquisa: Estado nutricional de pacientes adultos internados na clínica médica pelo Sistema Único de Saúde (SUS) com cirurgia programada, analisando os fatores que podem influenciar no retardo da cicatrização e/ou recuperação pós-cirúrgica Estaremos realizando uma pesquisa no Hospital de Caridade São Vicente de Paulo na cidade de Guarapuava, PR, vinculada a Universidade Estadual do Centro Oeste – UNICENTRO, intitulada “Estado nutricional de pacientes adultos internados na clínica médica pelo Sistema Único de Saúde (SUS) com cirurgia programada, analisando os fatores que podem influenciar no retardo da cicatrização e/ou recuperação pós-cirúrgica”. O objetivo desta pesquisa é avaliar o estado nutricional nos pacientes adultos internados na clínica médica pelo Sistema Único de Saúde (SUS) com cirurgia programada, analisando os fatores que podem influenciar no retardo da cicatrização e/ou recuperação pós-cirúrgica. Se concordar com sua participação ou com a participação do(a) paciente que é responsável, garantimos o sigilo das informações, isto é, não serão identificados o nome do paciente nem o da pessoa responsável por ele, quando for este o caso. Os resultados da pesquisa serão divulgados por meio de trabalho científico em revistas especializadas ou em Congressos na área da saúde, sempre preservando a ética. Também não haverá gastos sendo que, poderá retirar sua concordância sem que isso traga prejuízos ao senhor (a). Obrigada pela colaboração. Pesquisadora Responsável: Profª.Ms. Silvana Franco Kmetiuk – Docente do Departamento de Nutrição da UNICENTRO. Endereço: Rua dos Girassóis, nº 17, Pérola do Oeste, Guarapuava – Pr. ___________________________________ Silvana Franco Kmetiuk – Pesquisadora Responsável Guarapuava, _____ de ____________ de _______. TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE, APÓS ESCLARECIMENTO Nome da pesquisa: Estado nutricional de pacientes adultos internados na clínica médica pelo Sistema Único de Saúde (SUS) com cirurgia programada, analisando os fatores que podem influenciar no retardo da cicatrização e/ou recuperação pós-cirúrgica Eu, ________________________________________, concordo com minha participação ou do paciente pelo qual sou responsável no estudo “Estado nutricional de pacientes adultos internados na clínica médica pelo Sistema Único de Saúde (SUS) com cirurgia programada, analisando os fatores que podem influenciar no retardo da cicatrização e/ou recuperação pós-cirúrgica”, estando ciente de que estou livre para em qualquer momento desistir de colaborar sem nenhuma espécie de prejuízo. Recebi uma cópia deste documento e tive a oportunidade de discuti-lo com a pesquisadora responsável. ________________________________________________________ Assinatura do paciente ou seu responsável (no caso de incapacidade física e/ou mental do paciente assinar). Guarapuava, _____ de ____________ de _______. Apêndice 2 – Ficha para coleta de dados UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE / UNICENTRO SETOR DE CIENCIAS DA SAÚDE / SES / G DEPARTAMENTO DE NUTRIÇÃO / DENUT / G FICHA PARA COLETA DE DADOS 1 Nº ficha: _____ 2 Data avaliação nutricional: ____/____/ ____ 3 Data cirurgia: ____/____/ ____ 4 Nome do paciente: ________________________________ 5 Data nasc: ____/____/ ____ 6 Data de admissão: ____/____/ ____ 7 Clínica: __________________ 8 Leito: ________ 9 Diagnóstico clínico: ________________________________ 10 Cirurgia realizada: ________________________________ 11 Período pré-operatório: Jejum: ( ) Sim ( ) Não - Quanto tempo? ______________________ - Última refeição prévia ao jejum: _________________________ __________________________________________________________________________ 12 Período pós-operatório: Jejum: ( ) Sim ( ) Não - Quanto tempo? ______________________ - Característica da primeira refeição pós-período de jejum: __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ 13. Motivo do Jejum pré-operatório: __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ 14 Avaliação Antropométrica: Peso atual: Peso usual: Peso ideal: Altura: IMC: CB: PCT: CMB: 17 Diagnóstico Nutricional: ______________________________