1 SECRETARIA DA COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTO FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser ISSN 0103-3905 A revista Indicadores Econômicos FEE é uma publicação trimestral da Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser que divulga análises socioeconômicas de caráter conjuntural no âmbito das economias gaúcha, nacional e internacional. EDITOR Octavio Augusto Camargo Conceição SECRETÁRIA EXECUTIVA Lilia Pereira Sá CONSELHO DE REDAÇÃO Octavio Augusto Camargo Conceição Adalberto Alves Maia Neto André Luis Forti Scherer Jéferson Daniel de Matos Maria Lucrécia Calandro Teresinha da Silva Bello CONSELHO EDITORIAL Octavio Augusto Camargo Conceição Álvaro Antônio Louzada Garcia Maria Aparecida Grendene de Souza Pedro Cezar Dutra Fonseca Otília Beatriz K. Carrion Dercio Garcia Munhoz Leda Paulani Maurício Coutinho Luiz G. Belluzzo Trimestral Indic. Econ. FEE Porto Alegre v. 33 n. 3 p. 1-180 2005 2 SECRETARIA DA COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTO FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser CONSELHO DE PLANEJAMENTO: Aod Cunha de Moraes Junior (Presidente), André Luis Campos, Ernesto Dornelles Saraiva, Leonardo Ely Schreiner, Nelson Machado Fagundes, Pedro Silveira Bandeira e Thômaz Nunnenkamp. CONSELHO CURADOR: Carla Giane Soares da Cunha, Flávio Pompermayer e Lauro Nestor Renck. DIRETORIA PRESIDENTE: AOD CUNHA DE MORAES JUNIOR DIRETOR TÉCNICO: ÁLVARO ANTÔNIO LOUZADA GARCIA DIRETOR ADMINISTRATIVO: ANTONIO CESAR GARGIONI NERY CENTROS ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS: Marinês Zandavali Grando PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO: Roberto da Silva Wiltgen INFORMAÇÕES ESTATÍSTICAS: Adalberto Alves Maia Neto INFORMÁTICA: Antônio Ricardo Belo EDITORAÇÃO: Valesca Casa Nova Nonnig RECURSOS: Alfredo Crestani Indicadores Econômicos FEE está indexada em: Ulrich's International Periodicals Directory Índice Brasileiro de Bibliografia de Economia (IBBE) International Bibliography of The Social Sciences (IBSS) Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y Humanidades (CLASE) Cambridge Science Abstracts (CSA) Hispanic American Periodicals Index (HAPI) INDICADORES ECONÔMICOS FEE / Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser. — v. 16, n. 2 (1988) - . - Porto Alegre: FEE, 1988 - . v.Trimestral Continuação de: Indicadores Econômicos RS, v. 16, n. 2, 1988. Índices: 1973-1988 em v. 17, n. 1; 1973-1990 em v. 19, n. 1; 1973-1992 em v. 21, n. 4; 1992-1994 em v. 23, n. 3. ISSN 0103-3905 1. Economia - periódicos. 2. Estatística - periódicos. I. Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser. CDU 33(05) CDU 31(05) Tiragem: 530 exemplares. Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores. Toda correspondência para esta publicação deverá ser endereçada à: FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser (FEE) Revista Indicadores Econômicos FEE - Secretaria Rua Duque de Caxias, 1691 - Porto Alegre, RS — CEP 90010-283 Fone: (51) 3216-9049 Fax: (51) 3225-0006 E-mail: [email protected] Home Page: www.fee.rs.gov.br 3 Sumário A CONJUNTURA NO TRIMESTRE ................................................................................................. 5-62 Política econômica As negociações comerciais do Brasil: arenas, agendas e interesses — Luiz Augusto Estrella Faria .. 07 Análise setorial Agropecuária Exportações de carne: um segmento dinâmico do agronegócio — Vivian Fürstenau ............................ 15 Indústria O emprego industrial no RS: um breve balanço no Governo Lula — Maria Isabel H. da Jornada ........... 23 Relações internacionais Algumas reflexões sobre a valorização cambial — Teresinha da Silva Bello .......................................... 33 Mercado de trabalho Mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre: melhoria no perfil dos assalariados — Alejandro Kuajara Arandia ............................................................................................................... 39 Indicadores sociais Educação infantil no Brasil e no Rio Grande do Sul: o descompasso frente à legislação — Hélios Puig Gonzalez e Salvatore Santagada .................................................................................................. 47 INDICADORES SELECIONADOS DO RS ......................................................................................... 63-70 ARTIGOS DE CONJUNTURA ............................................................................................................ 71-174 Os fluxos externos de capitais privados no Brasil — 1991-04 — Roberto Marcantonio ......................... 73 Mudança no regime cambial da China — André Moreira Cunha ............................................................ 85 4 A determinação da taxa de juros em uma economia sob metas para inflação: o caso brasileiro — Helder Ferreira de Mendonça, Lucas Lautert Dezordi e Marcelo Luiz Curado .......................................... 97 Telecomunicações: os resultados da política de competição — Renato Antonio Dal Maso ................. 111 A ineficácia dos programas públicos pró-pobres: o caso do Programa Bolsa-Família — Régis Rathmann 129 Desigualdades sociais e espaciais na metrópole: um olhar sobre a Região Metropolitana de Porto Alegre em 2000 — Rosetta Mammarella e Tanya M. de Barcellos ............................................................... 137 Concentração e especialização em setores industriais na região Noroeste Colonial do Rio Grande do Sul — David Basso, Benedito Silva Neto e Janete Stoffel ................................................................ 163 A CONJUNTURA NO TRIMESTRE 5 14 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 7-14, dez. 2005 Luiz Augusto Estrella Faria 7 De volta do futuro? O comércio exterior do Brasil no começo do século XXI Política econômica As negociações comerciais do Brasil: arenas, agendas e interesses Luiz Augusto Estrella Faria* Economista da FEE e Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Artigo recebido em 21 out. 2005. 1 - Introdução Durante a maior parte do século XX, o Brasil considerou-se o país do futuro, um futuro de modernidade, que tinha na indústria seu motor econômico. O esgotamento do modelo primário exportador foi acompanhado pela Revolução de 1930, que promoveu uma série de profundas mudanças na sociedade brasileira. Um novo consenso econômico formou-se desde então, cuja idéia central via na industrialização o caminho para o desenvolvimento. Foi assim que, a partir dos anos 40 e pela via da substituição de importações, a dinâmica da economia brasileira passou a ser comandada pelo desempenho de seu setor industrial. Desde 1981, desafortunadamente, o desenvolvimento esgotou-se. As taxas de crescimento caíram a menos de um terço do que haviam sido nos 40 anos anteriores, e o peso da indústria no PIB reduziu-se. Passados 25 anos de estagnação, em que, além do mau desempenho da estrutura produtiva, a inflação e o desequilíbrio no balanço de pagamentos, originado pela dívida externa, geraram uma circunstância de permanente estagnação, a elevação das exportações aparece como principal elemento de uma melhora no quadro cinzento da economia nacional. Assim, no alvorecer do novo século, as expectativas de crescimento econômico estão depositadas no comércio exterior, principalmente no de produtos primários. É como se o futuro se encontrasse no passado. Nessa época, a sociedade brasileira viu-se envolvida no processo mundial de financeirização capitalista, a hegemonia que a alta finança passou a * O autor agradece as críticas de Joachim Becker à pesquisa que está na origem do presente texto, bem como a FAPERGS pelo apoio. Os equívocos porventura remanescentes são de responsabilidade do autor. exercer sobre as estruturas de poder econômico e político em escala planetária. Esse processo teve no endividamento externo e em seu “outro”, a dívida pública, seu epicentro. Daí decorreu a ascensão do rentismo à condição de forma fundamental de acumulação de riqueza por parte de uma oligarquia econômica brasileira associada ao grande capital internacional, proprietários de ativos no País ou detentores de posições credoras sobre o endividamento nacional. A acumulação rentista é viabilizada por uma surpreendente capacidade de as estruturas produtivas suportarem o peso dessa transferência de valor e pela não menos surpreendente capacidade arrecadatória do Estado, que alcançou elevar a carga tributária de 28% para 36% do PIB entre 1994 e 2004, para fazer frente aos custos da dívida pública. A política monetária extremamente amigável às finanças (juros elevados, câmbio livre, baixa tributação e fraca regulamentação) atrai investidores estrangeiros, o que, somado aos bons resultados do comércio exterior, mantém a estabilidade das contas externas. A cena internacional que se descortina põe um conjunto de desafios para o Brasil, dentre os quais se destacam as transformações nas regras do comércio internacional, item decisivo em razão da fragilidade externa da economia brasileira. Este trabalho traça uma relação entre as negociações comerciais em que o País está envolvido e seus efeitos sobre as perspectivas de desenvolvimento econômico. 2 - Política externa e forças sociais A política externa brasileira teve, ao longo do século XX, uma característica pendular, que alternou períodos Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 7-14, dez. 2005 8 de estreito alinhamento com os interesses dos EUA com outros de maior autonomia. Após um último momento de alinhamento automático a Washington, que predominou na última década do século passado, o novo governo — empossado, em 2003, sob o signo da mudança e que, para decepção da opinião pública, não apenas manteve como aprofundou o caráter neoliberal da política econômica —, no que toca às relações exteriores, imprimiu uma clara inflexão. Com uma visão fortemente voltada para o que percebe ser o interesse nacional, suas prioridades passaram a ser a integração sul-americana, a consolidação de alianças com os países do sul e o fortalecimento da posição negociadora nos fóruns do comércio internacional. Uma clara contradição marca esse governo, neoliberal na economia e o que se poderia chamar neoterceiromundista nas relações exteriores. Essa contradição tem a ver com uma recomposição com mudança de hegemonia interna ao bloco do poder econômico, com o deslocamento do empresariado industrial e a ascensão da grande finança globalizada, ocorrida no final dos anos 80. A direção política da Administração Lula buscou uma conciliação com esses interesses, ao mesmo tempo em que fazia um movimento em direção à enorme massa de cerca de 100 milhões de brasileiros miseráveis e politicamente desorganizados, alvo de suas políticas sociais, embora tímidas, de grande abrangência. De um lado, os movimentos populares, base social original do PT — decepcionada com a continuidade da política econômica —, vêem na política externa um dos poucos campos em que existe espaço para uma disputa real com o modelo neoliberal. A análise das negociações comerciais que segue exemplifica bem o ponto. Do outro, encontra-se o bloco das classes dominantes, que, embora tenha abandonado, de forma geral, a antiga crença no crescimento acelerado como fonte de prosperidade, trocado que foi pelo rentismo financeiro, busca controlar a agenda da política externa, do mesmo modo como faz com a política econômica. Assim, a compreensão das posições brasileiras nas negociações comerciais deve partir das forças sociais nelas envolvidas. No bloco dominante, o primeiro segmento importante é o do chamado agronegócio: proprietários de terra produtores de commodities, indústrias beneficiadoras de produtos agropecuários e empresas comerciais exportadoras. Herdeiros das antigas oligarquias rurais, sua capacidade de ação política é desproporcional a seu peso no PIB. A importância dos temas acesso aos mercados e bens agrícolas na pauta brasileira revela toda a sua força. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 7-14, dez. 2005 Luiz Augusto Estrella Faria Um segundo grupo é aquele ligado às indústrias de produtos semimanufaturados e estandardizados, como aço, produtos de celulose, química ou minérios. É uma coalizão de poucas grandes empresas oligopolistas, muitas recém-privatizadas, de propriedade de bancos, fundos de pensão e multinacionais. Formadores de preço no mercado interno e tomadores no mercado externo, seu interesse maior é superar barreiras na Europa e nos EUA. Um terceiro segmento importante é o vinculado às indústrias de bens duráveis de consumo, como automóveis, máquinas agrícolas e eletrodomésticos, formado principalmente por multinacionais, em alguns casos associadas a grupos locais, e estruturado em mercados de concorrência monopolista no plano regional. Seu maior interesse está no Mercosul e na integração sul-americana. Um caso particular é o da indústria aeronáutica, cujo mercado é mundial e dependente fundamentalmente de iniciativas de política comercial estratégica, como subsídios, compras governamentais, negociações bilaterais e iniciativas de acionamento dos mecanismos de solução de controvérsias no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Por fim, há o grupo da indústria de bens não duráveis, como têxtil, alimentação e calçados. Seus interesses são preservar o mercado interno e superar as barreiras dos países desenvolvidos. Menos concentrado e com presença significativa de pequenas e médias empresas, é um setor menos articulado para intervir nas negociações. É também muito sensível às oscilações do câmbio, tendo sofrido duras perdas em razão da abertura indiscriminada e da valorização do real nos anos 90. No campo popular, três grupos estão mais organizados para interferir nas negociações. Os pequenos agricultores são o primeiro deles, representados pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e pelo Movimento dos Sem-Terra (MST), que luta pela preservação e pela conquista da propriedade da terra e dos empregos no campo. Seu objetivo é a produção de alimentos para o consumo popular, preservando o mercado interno e a segurança alimentar da nação. É, por essa razão, um grupo vigilante sobre as concessões de acesso ao mercado brasileiro, ao mesmo tempo em que tem pouco interesse nas exportações, não sendo, portanto, um aliado do agronegócio, como ocorre com a agricultura familiar nos países desenvolvidos. O segundo grupo é formado pelos sindicatos de trabalhadores urbanos. Da mesma forma que os pequenos agricultores, fazem oposição ideológica ao livre-mercado 9 De volta do futuro? O comércio exterior do Brasil no começo do século XXI e são muito vigilantes em relação às concessões em torno do acesso a mercados, preocupados com seu efeito sobre o emprego, principalmente na indústria nacional. Diferentemente de seus companheiros do campo, esse grupo tem mais facilidade em estabelecer alianças com os interesses empresariais da indústria na busca de acesso a mercados externos. Um colorido mosaico de ONGs, em sua maioria militantes do movimento antiglobalização, forma o terceiro grupo de interesses no campo popular. Como os demais grupos, está bastante preocupado com os efeitos do comércio sobre o emprego e é especialmente sensível a temas como propriedade intelectual, medidas “antidumping”, comércio de serviços e compras governamentais. Junto com os sindicatos de trabalhadores, diversas ONGs constituíram a Aliança Social Continental, da qual fazem parte as principais centrais sindicais do continente, a começar pela norte-americana — American Federation of Labor (AFL-CIO) — e pela brasileira — Central Única dos Trabalhadores (CUT) —, e que foi formada para se opor à proposta da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), opondo à integração dos mercados uma integração dos povos. Essas contradições da sociedade cívil estão refletidas no Estado, embora sua burocracia goze de uma relativa autonomia. O Banco Central e o Ministério da Fazenda têm, em seus quadros superiores, uma forte presença de fundamentalistas neoliberais, com sua crença nas virtudes do livre-mercado. Sua interlocução social encontra-se no grupo da alta finança internacionalizada. Muitas vezes, esse grupo poderoso é apoiado pelos Ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento, onde o agronegócio e os segmentos industriais nacionais e multinacionais estão bem representados. Em oposição a esses, estão os integracionistas do Ministério de Relações Exteriores, outra burocracia bastante tradicional do Estado brasileiro, talvez a que melhor seja capaz de formular uma interpretação ativa do interesse nacional. Sua posição negociadora é apoiada pelas forças populares, sindicatos e ONGs, tendo, em diversas oportunidades, sido alvo de movimentos de verdadeira sabotagem por parte do Ministério da Fazenda e do Banco Central. 3 - As três arenas de negociação A estratégia da política externa brasileira atual, tal como é verbalizada pelos representantes do Itamaraty, busca alcançar um protagonismo para o País na cena internacional. 1 Suas diretrizes pretendem vincular integração regional, comércio exterior e desenvolvimento. Essa posição é seguida em três arenas de negociação. A primeira é multilateral e tem seu tabuleiro principal na atual rodada de Doha, da OMC, embora fóruns como a United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD) também sejam relevantes. Uma segunda arena é formada pelas negociações em torno de acordos que chamarei bilaterais, como no caso da ALCA ou das negociações Mercosul-União Européia.2 A terceira arena é aquela da integração regional, com o Mercosul em seu centro e tendo como perspectiva a consolidação da Comunidade Sul-Americana de Nações. É importante salientar uma relativa fragilidade inicial da posição negociadora brasileira no balanço do que deseja conquistar e o que está disposto a conceder. A última década de reformas econômicas de corte neoliberal, que fizeram do Brasil e de quase todos os países latino-americanos “bons alunos” desse receituário, representa uma significativa desvantagem para sua participação nas negociações, pois reduziu significativamente as ofertas que podem ser feitas em razão do corte unilateral de tarifas do começo dos anos 90.3 O mesmo vale para a desregulamentação e para as privatizações de serviços públicos, também unilateralmente abertos ao capital estrangeiro, assim como para a abertura do mercado financeiro, da mesma maneira realizada de forma unilateral. Um outro aspecto é a definição de qual agenda para cada arena. Para o Brasil, interessa limitar a agenda dessas negociações bilaterais à questão do acesso aos mercados e remeter ao foro da OMC os temas sensíveis, como propriedade intelectual, investimento e serviços. Isto porque a diplomacia brasileira vê no foro multilateral 1 Explicando a posição do Brasil, o Embaixador José Bustani (2004) critica o que chama de um mito contemporâneo, o de uma ordem mundial imperial imposta aos menos desenvolvidos e “(...) que recomenda timidez no cenário internacional e aceitação das supostas realidades de poder”. Ao contrário, diz que “(...) é possível uma atuação corajosa e ao mesmo tempo pragmática”. 2 No caso da ALCA, bilateral porque opõe Mercosul e seus aliados sul-americanos aos EUA, como se fosse uma negociação entre dois blocos. 3 Insistindo no mesmo erro, recentemente o Ministério da Fazenda tornou pública uma proposta negociadora em que admite uma redução prévia da tarifa externa comum do Mercosul, como medida para sinalizar que um gesto equivalente deveria ser feito pelos países desenvolvidos. Essa ingenuidade do fundamentalismo de mercado, que encanta a equipe econômica, em outros tempos seria considerada uma ação de inimigo na trincheira. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 7-14, dez. 2005 10 um espaço mais favorável à sua posição, pois permite que os países em desenvolvimento ajam coordenadamente, como no bem-sucedido caso da formação do G20+ na Conferência de Cancún. No caso da arena da integração regional, o escopo é bem mais amplo, pois se trata de ir muito além de uma zona de livre comércio e consolidar uma comunidade de nações, o que implica convergência institucional e política, formação de normas comuns, construção de uma infra-estrutura comum e assim por diante. 3.1 - As negociações multilaterais na OMC Na arena multilateral, o interesse central do Brasil e de seus aliados é a superação da agenda inaugurada na Rodada Uruguai do General Agreement on Tariffs and Trade (GATT) (Bahadian, 2004), onde, sob a influência da inflexão ideológica ao neoliberalismo dos EUA e de vários países da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), foram incluídos nas negociações comerciais temas como propriedade intelectual (Trips), investimento (Trims) e serviços (GATS). Para os países em desenvolvimento, tais temas devem ser tratados à luz das diferenças e peculiaridades de suas trajetórias de desenvolvimento, pois vêem nas novas regras a imposição de uma uniformização, que muitos autores, como Rodrik (1999), qualificam como um impeditivo à sua liberdade de escolher trajetórias e estratégias de desenvolvimento em conformidade com suas características nacionais. Mais ainda, tais medidas podem vir a ser um real obstáculo ao desenvolvimento, por proibirem ações indispensáveis à sua consecução (Chang, 2003). Desde 2003, a nova agenda brasileira passou a ter no fortalecimento de alianças ao sul sua estratégia, donde resultou a formação do G20+, organizado em Cancún e culpado pelo fracasso daquele encontro, na versão dos EUA. O ponto central de dissenso foi a agricultura, com seus dois desdobramentos: o acesso aos mercados do norte por parte dos países em desenvolvimento e a redução dos subsídios aos agricultores europeus e dos EUA, responsáveis pela deterioração dos preços e pela deformação da concorrência internacional. O peso da questão agrícola para o Brasil tem três razões. Primeiro, o tema permite um alargamento considerável das alianças na arena de negociação, consolidando um bloco razoavelmente coeso de nações Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 7-14, dez. 2005 Luiz Augusto Estrella Faria em desenvolvimento. Segundo, o acesso aos mercados atende às demandas do agronegócio, politicamente importante. E, terceiro, dá um forte argumento para uma maior intransigência nas negociações de outros tópicos. Até o presente, o G20+ tem sido bem-sucedido em manter os chamados temas de Cingapura fora da agenda, o que dá uma perspectiva melhor para as negociações do que aquela da rodada Uruguai do GATT, em que os interesses dos países desenvolvidos prevaleceram largamente. Os resultados positivos até agora só foram possíveis pela organização dos países em desenvolvimento, um saldo promissor do processo até o momento (Drábek, 2004). Mesmo que a pauta desses países tenha colocado em evidência os interesses do grupo do agronegócio e dos produtores de produtos industriais estandardizados, pela própria complexidade das negociações nessa arena, o raio de manobra da burocracia do Itamaraty, para defender o que entendem como interesse nacional no longo prazo, é maior. 3.2 - Os acordos de livre-comércio bilaterais Sem dúvida, os acordos de livre-comércio bilaterais são as arenas de negociação mais difíceis, por envolverem uma assimetria muito grande das partes. As tratativas com a União Européia (UE) aceleraram-se desde 2003, num movimento visando concorrer com o calendário da ALCA, e tiveram, de início, uma agenda menos ambiciosa, onde o acesso a mercados foi o tema central. Representando mais de 40% do mercado exportador do Mercosul, concentrado em bens agropecuários, e apenas 3% das exportações européias, o fluxo de comércio entre os dois blocos produziu um déficit para a Europa de 10,3 bilhões de euros em 2003. O ponto central da discórdia está na posição européia de querer introduzir alguns dos temas de Cingapura, como proteção ao investimento e serviços, enquanto admite um pequeno recuo em sua política de quotas para produtos sensíveis, como carne suína e de frango, e força uma maior abertura no segmento de produtos industriais. Para os sul-americanos, as pressões dos grupos industriais de bens duráveis e de capital e da agricultura familiar, como no caso dos laticínios, reforçaram uma posição mais intransigente. Da mesma forma, seus negociadores perceberam no tema das quotas uma tentativa de um criar um precedente para a arena da OMC, bem como não mostraram disposição de renunciar ao direito soberano de regular investimentos e serviços e 11 De volta do futuro? O comércio exterior do Brasil no começo do século XXI mantiveram a posição de remeter tais temas ao foro multilateral da rodada de Doha. O impasse levou a um retardamento das negociações. A arena de negociações entre as nações americanas tinha uma agenda inicial que combinava comércio e desenvolvimento, respeitando as assimetrias entre seus participantes, a qual, em razão da pauta proposta pelos EUA para a ALCA, ficou reduzida à questão do livre-comércio (Bahadian, 2004). Pior, vários dos temas de Cingapura e outros elementos, como a cláusula Estado-investidor e um mecanismo de solução de controvérsia, foram sugeridos, numa repetição quase literal dos instrumentos do Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (NAFTA).4 Desde o início das negociações, grupos de interesse vêm intervindo. De um lado, o agronegócio e os produtores de bens industriais estandardizados, favoráveis a amplas concessões em troca do acesso ao mercado norte-americano e, de outro lado, uma coalizão de sindicatos de trabalhadores e ONGs, contrários ao livre-comércio e defensores de uma retirada do Brasil das negociações. Como foi referido, esse grupo está organizado em sintonia com forças sociais dos outros países, formando a Aliança Social Continental, da qual fazem parte desde a CUT brasileira até a AFL-CIO dos EUA. As negociações que haviam iniciado em 1994 passaram a assumir um caráter público apenas em 2001, quando seu conteúdo foi divulgado. Desde então, sua continuidade foi influenciada pelas mudanças políticas que levaram a uma nova atitude por parte dos maiores países da América do Sul e também a um enrijecimento da posição dos EUA. Desde 2003, o processo defronta-se com um impasse pelo desequilíbrio das concessões aceitáveis pelos principais atores, EUA e Mercosul. Os primeiros insistem em regras rígidas para investimento, propriedade intelectual e serviços, muito além do que está sendo negociado na OMC, mas recusam itens de interesse do Mercosul, como suas barreiras agrícolas ou medidas “anti-dumping”. O grupo sul-americano propôs que se fizesse um acordo geral, remetendo as questões sensíveis para a OMC e negociando avanços adicionais num formato estritamente bilateral. Essa fórmula, no entanto, só poderia funcionar num ambiente de redução generalizada 4 Tais mecanismos têm sido apontados como subversivos das leis nacionais e da soberania dos Estados, por possibilitarem a imunidade do investidor estrangeiro à lei e por impedirem a revisão judicial de contratos ou atos jurídicos, objeto de uma iniciativa de revisão do NAFTA em tramitação no Parlamento do Canadá. de tarifas. Entretanto, como lembrou o Embaixador Bahadian, a “(...) tentativa de excluir o setor agrícola ou parte dele da desgravação demonstra que se perdeu o pudor em relação à retórica na área comercial” (Bahadian, 2004). Mais ainda, além de recusar a fórmula sugerida, os EUA fizeram ao Mercosul sua pior oferta de concessões adicionais. Co-presidindo as negociações, Brasil e EUA têm a dura tarefa de superar o ambiente negativo das tratativas. Intimamente ligadas, as negociações da ALCA e do Mercosul-UE parecem dependentes de avanços na arena multilateral da OMC. 3.3 - A integração regional na América do Sul A terceira arena de negociação parece ser a mais promissora. Todas as forças sociais envolvidas no tema das relações comerciais apóiam a integração regional. Ao mesmo tempo, há razões para precaução, pois, com exceção do Mercosul, com sua trajetória, até o presente, contraditória, iniciativas nessa direção têm sido uma matéria de muita retórica e pouca efetividade. O começo do Mercosul foi entusiasmante. Entre 1991 e 1997, o comércio dentro do bloco passou de 11,1% para 24,3% do total de suas exportações. Entre 1998 e 2002, o processo de integração assumiu um caráter letárgico, em razão da profunda crise que assolou as economias da região. Apenas após 2003, iniciativas mais concretas foram retomadas, ao mesmo tempo em que o comércio voltava a crescer. Mesmo assim, as exportações do Brasil para o bloco haviam caído para a média de 1981, quando, em 2004, atingiram apenas 11,6% do total. Os princípios a regerem o Tratado de Assunção, que criou o Mercosul, além do mercado comum com livre circulação de mercadorias, capital e trabalho, apontavam também uma convergência institucional e a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais, baseados no gradualismo, na flexibilidade, na reciprocidade e no equilíbrio. Seu espírito, que inclusive norteia as iniciativas de integração que vão além dele e envolvem os países associados e as negociações com a Comunidade Andina e demais países do continente, indica uma vasta agenda, que vai muito além dos aspectos comerciais e da livre movimentação de fatores. A interconexão de sua infra-estrutura, por razões históricas construída de forma estanque entre os países, é uma primeira necessidade do processo de integração. Se o ambiente político hoje é favorável, a situação econômica é um obstáculo difícil de superar. Baixo Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 7-14, dez. 2005 12 crescimento, endividamento elevado, compromissos de austeridade fiscal e falta de mecanismos operacionais, após o desmonte das estruturas estatais da região, tornam seu financiamento de difícil execução. Outro item decisivo na agenda é a integração institucional, que tem também um obstáculo histórico a superar, a arraigada crença que confunde soberania nacional com chauvinismo. Qualquer avanço do processo além do estágio inicial de zona de livre comércio requer o deslocamento das estruturas de regulação e a transferência de certas responsabilidades e atribuições dos Estados para organismos regionais. Escasso avanço foi realizado até o momento nesse sentido, permanecendo a estrutura institucional do Mercosul organizada de modo intergovernamental. Como lembrou Werter Faria (2002), esse tipo de instituição é apropriado para cooperação, mas incompatível com as necessidades do processo de integração, o qual requer a formação de organismos dirigidos por uma burocracia que seja independente dos interesses nacionais e que se possa dedicar integralmente a suas tarefas internacionais. Apesar dos notáveis avanços na aproximação com seus vizinhos, de que são exemplos a ampliação dos membros associados, o avanço das negociações com o Pacto Andino e o recente anúncio do ingresso da Venezuela como membro pleno, no Mercosul a integração ainda está restrita ao comércio e a matérias correlatas. Sua agenda está repleta de disputas sobre desequilíbrio do comércio, pedidos de salvaguardas e acusações de dumping e outras práticas desleais, que não são mais do que a música a acompanhar o declínio dos fluxos de comércio. Nas negociações intra-regionais, os produtores de bens industrializados duráveis e não duráveis são os mais importantes grupos de interesses, com algumas intervenções localizadas do agronegócio, pois, para esses setores, o mercado regional é um destino prioritário de suas exportações. No que diz respeito às negociações em que o Mercosul está envolvido como bloco, o tema do acesso a mercados para produtos primários é predominante, mostrando a influência do agronegócio nas posições negociadoras. Como já mencionado, esse setor é forte no Brasil e, em relação à Argentina, é quase o único sobrevivente do fundamentalismo neoliberal que levou este país à devastadora crise de 2001. Embora incluídos pela estrutura institucional do Tratado de Assunção na forma da participação da sociedade civil na definição das agendas e das propostas em todas as fases do processo de integração, a presença de representações do campo popular tem sido pouco efetiva, na medida em que a agenda tem estado ocupada com os temas do Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 7-14, dez. 2005 Luiz Augusto Estrella Faria comércio; e os assuntos de maior interesse desses setores, como a livre circulação dos trabalhadores, avançaram muito pouco em virtude do insuficiente desenvolvimento institucional do Mercosul. 4 - Conclusão O triunfo do neoliberalismo não apenas consolidou a alta finança como grupo hegemônico das classes dominantes, como erodiu o compromisso do grande capital do setor produtivo com qualquer projeto de desenvolvimento nacional. A fração superior do que outrora se chamou burguesia nacional está resignada a um papel secundário, esperando que o investimento estrangeiro lidere seus movimentos. No que diz respeito ao comércio exterior, essa nova correlação de forças faz ecoar uma concepção ricardiana das vantagens comparativas do agronegócio e da exportação de bens industriais estandardizados. Se, na arena regional, o processo de integração carece de um projeto comum de desenvolvimento compartilhado pelas nações sul-americanas, que lhe dê um norte e uma perspectiva histórica; nas arenas bilaterais e na multilateral, a coordenação entre países em desenvolvimento tende a enfatizar os interesses em torno das exportações de produtos primários. Ora, tal posição reforça uma especialização regressiva e aprofunda, em vez de reduzir, o fosso que separa o grupo de países desenvolvidos dos demais. Mesmo a inclusão de tópicos como o dos têxteis ou o da siderurgia não muda muito a figura, pois não ajuda a reduzir essas distâncias. A prevalência dessas posições representa, de fato, uma reprise do passado primário exportador da América do Sul, o que, para quem já cumpriu diversas etapas de sua industrialização, aponta o regresso do que, um dia, foi o futuro. Para países pobres ou de renda intermediária, desenvolvimento significa diversificação econômica, o que ainda quer dizer industrialização, requer acesso a novas tecnologias e é o oposto da exploração de vantagens comparativas. É isso que está inscrito no Tratado de Assunção, sob a forma do princípio do equilíbrio, e que torna concreta a idéia de que, nas relações internacionais, nosso norte é o sul. De volta do futuro? O comércio exterior do Brasil no começo do século XXI 13 Referências BAHADIAN, Adhemar G. ALCA: um balanço das negociações. Disponível em: http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/ Acesso em: 22 set. 2004. (Conferência na Escola Superior de Guerra). BUSTANI, José M. Mitos e desafios da política externa. Folha de São Paulo, São Paulo, 9 set. 2004. CHANG, H. W. Kicking away the ladder: the “real” history of free trade. Foreign Policy In Focus (FPIF). Disponível em: http://www.fpif.org/papers/03trade/index.html Silver City, NM: Interhemispheric Resource Center. Acesso em: dez. 2003. COMÉRCIO exterior. Disponível em: http://www.mict.gov.br/secex Acesso em: ago. 2005. DRÁBEK, Zden k. The potential of Doha development agenda. In: Diversity in development: reconsidering the Washington consensus. Disponível em: www.fondad.org The Hague: FONDAD. Acesso em: 2004. FARIA, Werter R. O impasse do Mercosul. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal, v. 39, n.155, jul.-set., 2002. RODRIK, Dani. The new global economy and developing countries: making openness work. Washington: Overseas Development Council, 1999. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 7-14, dez. 2005 14 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 7-14, dez. 2005 Luiz Augusto Estrella Faria 15 Exportações de carne: um segmento dinâmico do agronegócio Análise setorial Agropecuária Exportações de carne: um segmento dinâmico do agronegócio Vivian Fürstenau* Economista da FEE. Artigo recebido em 10 out. 2005. Introdução O objetivo deste texto é traçar um panorama sucinto do comportamento recente das exportações do segmento produtor de carne no Brasil. Para tal, descreve-se o desempenho das vendas de carne bovina, suína e de frango no mercado internacional. A análise está baseada no desempenho em termos de valores dessas exportações. Serão também identificados os estados responsáveis pelo maior dinamismo apresentado pelos segmentos produtores de carne, dando-se especial ênfase ao desempenho do Rio Grande do Sul. O período analisado vai de 2000 a 2004. Inicialmente, traça-se um panorama geral, visando dimensionar a importância das exportações de carne na balança comercial brasileira, bem como na balança do agronegócio. A seguir, faz-se uma análise de cada um dos segmentos produtores: carne bovina in natura e industrializada, carne suína e carne de frango in natura e industrializada. Em cada caso, é analisada a taxa de crescimento de cada um dos segmentos e descrita a evolução das vendas estaduais. Panorama atual A exportação brasileira de carnes tem assumido um papel de destaque nos últimos anos, com o Brasil *A autora agradece aos colegas Maria Domingues Benetti, Martinho Roberto Lazzari e Terezinha da Silva Bello a leitura do texto e as sugestões. transformando-se no maior exportador mundial em volume. O desempenho extremamente positivo do setor no mercado internacional reflete-se numa trajetória crescente de participação dessas vendas no total das exportações brasileiras. O movimento de ganho de importância do setor exportador de carne na balança comercial brasileira tomou maior fôlego na década atual. A participação do setor produtor de carnes, que se situava em torno de 2% das exportações em 1990, chegou a 3,5% em 2000 e atingiu 6,4% em 2004. Com relação à balança comercial do agronegócio, a participação das exportações de carne, que era de 5% do total das vendas externas oriundas do agronegócio em 1990, chegou a 15,8% em 2004 (BRASIL, 2005). Essa evolução das participações decorre de um aumento de mais de 200%, entre 2002 e 2004, no total das exportações do conjunto de carnes analisado: carne bovina in natura e industrializada, carne suína e carne de frango in natura e industrializada. Dentro do setor, a maior taxa de crescimento das exportações no período é do segmento produtor de carne suína, seguido das vendas de carne de frango industrializada e das de carne bovina também industrializada. Há que se fazer aqui uma ressalva com relação às taxas de crescimento dos segmentos, especialmente no que se refere à carne de frango. As vendas no mercado internacional de carne de frango in natura apresentam, desde a década de 80, um volume significativo, tanto que o Brasil era, de longa data, o segundo maior exportador desse tipo de carne, ocupando, atualmente, o primeiro lugar nesse comércio. Mesmo assim, as exportações de carne de frango in natura permanecem em crescimento, apresentando taxas consideráveis para um setor já consolidado (Tabela 1). Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 15-22, dez. 2005 16 O Rio Grande do Sul, por sua vez, ocupava o terceiro lugar no total das exportações do agronegócio em 1990 e manteve essa posição em 2004, apesar de uma participação decrescente. As exportações gaúchas do agronegócio, que eram de 20,84% do total brasileiro exportado pelo setor em 1990, reduziram-se para 15,92% desse total em 2004 (BRASIL, 2005). A perda de participação gaúcha no total das vendas oriundas do agronegócio e exportadas pelo País deveu-se, em sua maior parte, aos demais produtos da pauta, já que, no que se refere ao setor produtor de carnes, o Rio Grande do Sul manteve sua participação, em torno de 17% do total das exportações do Brasil (Tabela 2). No entanto, ao se examinarem os diferentes segmentos produtores de carne, verifica-se que a posição do Rio Grande do Sul no total das exportações brasileiras de carne foi mantida graças ao aumento das exportações de frango in natura. Na verdade, o volume das exportações gaúchas desse tipo de carne foi significativo e crescente, capaz de compensar as perdas de participação do Estado nas vendas externas dos demais tipos de carne. O crescimento das vendas no mercado internacional dos produtos do segmento carne deu-se numa conjuntura bastante propícia. A desvalorização cambial de 1999, aliada ao surgimento da "doença da vaca louca"— encelopatia espongiforme bovina (EEB) — em diversos países da Comunidade Européia, em 2000, e ao reaparecimento da febre aftosa, inicialmente, na Inglaterra e, posteriormente, na França e na Alemanha, criou um contexto extremamente favorável para as exportações brasileiras de carne. O segmento produtor de carne de aves, por já ser um setor tradicionalmente exportador e bastante eficiente no aproveitamento das oportunidades externas para colocação de seus produtos, a partir da desvalorização do real, imediatamente passou a apresentar um crescimento de suas exportações. A partir de 2000, os problemas sanitários nos países europeus só fizeram aumentar ainda mais as vendas do setor. Em razão dos riscos oferecidos, houve uma retração no consumo de carne vermelha e suína, decorrendo daí um aumento do consumo de carne de frango. Esse aumento da demanda na Europa passou, então, a ser suprido através do redirecionamento da produção local de frango para o mercado interno. Tal movimento abriu a possibilidade de colocação da carne de aves produzida no Brasil nos mercados antes abastecidos pelos produtores europeus. No que se refere às carnes bovina e suína, os problemas sanitários fizeram com que os mercados europeus, bem como os de fora da Comunidade Européia, Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 15-22, dez. 2005 Vivian Fürstenau necessitassem de novos fornecedores. Esse quadro criou possibilidades para a colocação das carnes bovina e suína brasileiras nesses mercados. O otimismo dos produtores desses dois segmentos também tinha base no reconhecimento, em 2000, pela Organização Mundial de Epizotias (OIE), dos Estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul como áreas livres de aftosa sem vacinação e no reconhecimento de outros estados brasileiros com importante produção de carne bovina e suína como áreas livre de aftosa com vacinação. "O contexto de problemas apresentados na Comunidade Européia foi favorável também para os produtores de frango. A retração no consumo de carne vermelha na Europa decorrente do temor com a 'doença da vaca louca', ampliado com o surgimento da aftosa nos rebanhos bovino e suíno europeus, fez com que a carne de frango se tornasse a principal fonte de proteína animal. Nesse cenário, os produtores europeus passaram a atender à maior demanda na Comunidade Européia e cederam espaços no mercado internacional. Além disso, com a proibição da utilização de insumos de origem animal para a alimentação das aves, os produtores tiveram de importar farelo de soja e milho, o que se refletiu em um aumento de seus custos de produção. Esse quadro permitiu que o Brasil ocupasse uma fatia dos mercados cedidos pela Comunidade Européia e, mais ainda, conquistasse alguns mercados europeus, já que, frente aos produtores locais, havia obtido vantagens comparativas." (Furstenau, 2002, p. 163). Assim, no início da década, havia perspectivas extremamente positivas para as exportações do setor e que, na sua maior parte, se confirmaram até o momento. Com relação ao Rio Grande do Sul, o reaparecimento da febre aftosa no Estado, em maio de 2001, frustrou expectativas, e a performance não foi a esperada. Mas, mesmo assim, excetuando-se a carne bovina, as demais apresentaram um desempenho bastante positivo, acompanhando a evolução das vendas brasileiras. 17 Exportações de carne: um segmento dinâmico do agronegócio Tabela 1 Taxas de crescimento do valor das exportações de carnes brasileiras e gaúchas — 2000-04 (%) DISCRIMINAÇÃO RS Bovina in natura .................. Bovina industrializada ......... Suína .................................. De frango in natura ............. De frango industrializada .... Brasil Bovina in natura .................. Bovina industrializada ......... Suína .................................. De frango in natura ............. De frango industrializada .... 2001 2000 2002 2001 2003 2002 2004 2003 2004 2000 -55,40 -2,66 32,04 78,92 131,81 20,19 25,97 20,84 2,62 19,04 77,63 4,28 54,27 38,93 31,53 128,33 75,35 54,88 32,49 -1,39 117,40 124,22 281,26 237,97 257,88 46,79 -1,73 112,83 60,31 83,15 5,08 18,89 35,51 3,36 37,07 48,72 14,53 12,18 28,07 54,44 70,03 39,12 41,34 45,87 13,16 290,04 86,16 357,29 209,52 338,75 FONTE DOS DADOS BRUTOS: PORTAL do exportador. Alice Web. NOTA: Os códigos da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) foram agrupados segundo os tipos de carne, a saber: carne bovina in natura, 0201.10.00 até 0202.30.00; carne bovina industrializada, 1601.00.00 e 1602.50.00; carne de frango in natura, 0207.11.00 e 0207.14.00; carne de frango industrializada,1602.32.00; carne suína, 0203.11.00 até 0203.29.00. Tabela 2 Valor e participação percentual das exportações de carne do Rio Grande do Sul e do Brasil — 2000-04 2001 2000 DISCRIMINAÇÃO RS Bovina in natura .................. Bovina industrializada ......... Suína .................................. De frango in natura ............. De frango industrializada .... Subtotal (5 tipos de carne) Brasil Bovina in natura .................. Bovina industrializada ......... Suína .................................. De frango in natura ............. De frango industrializada .... Subtotal (5 tipos de carne) 2002 Valor (US$ mil) Participação no Total do BR (%) 30 076 26 855 50 526 185 406 6 174 299 038 5,98 10,12 31,04 23,01 26,83 16,99 13 414 26 142 66 717 331 736 14 312 452 321 1,82 10,02 19,26 25,68 33,96 16,88 16 122 32 930 80 622 340 433 17 038 487 145 2,08 10,62 17,18 25,50 29,49 16,52 503 296 265 468 162 758 805 737 23 009 1 760 269 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 738 805 260 872 346 401 1 291 658 42 142 2 679 878 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 776 318 310 158 469 409 1 335 051 57 765 2 948 701 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 Valor (US$ mil) RS Bovina in natura .................. Bovina industrializada ......... Suína .................................. De frango in natura ..…….... De frango industrializada .... Subtotal (5 tipos de carne) Brasil Bovina in natura .................. Bovina industrializada ......... Suína .................................. De frango in natura ............. De frango industrializada .... Subtotal (5 tipos de carne) Valor (US$ mil) Valor (US$ mil) 2004 2003 DISCRIMINAÇÃO Participação no Total do BR (%) Participação no Total do BR (%) Participação no Total do BR (%) Valor (US$ mil) Participação no Total do BR (%) 28 637 34 339 124 376 472 951 22 409 682 712 2,48 9,67 23,62 27,66 25,12 17,80 65 387 60 215 192 635 626 622 22 096 966 956 3,33 12,18 25,88 25,13 21,89 16,68 1 154 509 355 224 526 576 1 709 743 89 209 3 835 261 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 1 963 066 494 202 744 278 2 493 929 100 954 5 796 428 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 FONTE DOS DADOS BRUTOS: PORTAL do exportador. Alice Web. NOTA: Os códigos da NCM foram agrupados segundo os tipos de carne, a saber: carne bovina in natura, 0201.10.00 até 0202.30.00; carne bovina industrializada, 1601.00.00 e 1602.50.00; carne de frango in natura, 0207.11.00 e 0207.14.00; carne de frango industrializada, 1602.32.00; carne suína, 0203.11.00 até 0203.29.00. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 15-22, dez. 2005 18 Vivian Fürstenau Carne bovina As exportações brasileiras de carne bovina in natura deram um salto de quase 300% desde o início da década até 2004. Esse crescimento parece estar apenas no início, já que, se observarmos as taxas anuais, fica evidente um movimento crescente das exportações de carne bovina desse tipo. Com relação à carne industrializada, o crescimento é menor: foi de 86% entre 2000 e 2004 (Tabela 3). A carne bovina in natura já tem, de longa data, o Estado de São Paulo como principal exportador. Mesmo assim, entre 2000 e 2004, esse estado aumentou a sua participação nas exportações brasileiras. Os demais estados com produção e exportação significativas desse tipo de carne, com exceção de Goiás, perderam, no período, participação no total de carne bovina in natura exportado pelo Brasil. A perda de participação do Rio Grande do Sul foi influenciada pela suspensão dos embarques de carne desse tipo oriunda do Estado em 2001, em virtude do reaparecimento da febre aftosa em maio daquele ano. As vendas foram retomadas em 2002, e o volume de carne bovina in natura vendido pelo Estado em 2004 já foi o dobro do observado em 2000. Da mesma forma que São Paulo é um tradicional exportador de carne bovina in natura, o Rio Grande do Sul o é de carne bovina industrializada. Como a ocorrência de febre aftosa não tem implicações nas vendas dessa carne, já que é industrializada, o Estado aumentou sua participação frente aos demais exportadores desse tipo de carne entre 2000 e 2004 (Tabela 4). Tabela 3 Valor e participação percentual da exportação de carne bovina in natura de estados selecionados e do Brasil — 2000-04 2001 2000 ESTADOS E PAÍS São Paulo ......................... Paraná .............................. Rio Grande do Sul ............ Mato Grosso do Sul ....... Mato Grosso ..................... Goiás ................................ Brasil ................................ Valor (US$ mil) 309 319 29 888 30 076 42 642 29 801 35 043 503 296 Participação no Total do BR (%) 61,46 5,94 5,98 8,47 5,92 6,96 100,00 Valor (US$ mil) 384 793 42 986 13 414 133 337 47 533 80 847 738 805 2002 Participação no Total do BR (%) 52,08 5,82 1,82 18,05 6,43 10,94 100,00 2003 ESTADOS E PAÍS Valor (US$ mil) 534 383 46 553 16 122 46 462 47 271 66 539 776 318 Participação no Total do BR (%) 68,84 6,00 2,08 5,98 6,09 8,57 100,00 2004 Participação no Total do BR (%) Valor (US$ mil) São Paulo ......................... 799 590 69,26 1 338 685 Paraná .............................. 61 421 5,32 101 533 Rio Grande do Sul ............ 28 637 2,48 65 387 Mato Grosso do Sul ....... 58 221 5,04 118 062 Mato Grosso ..................... 73 515 6,37 87 806 Goiás ................................ 97 805 8,47 173 416 Brasil ................................ 1 154 509 100,00 1 963 066 FONTE DOS DADOS BRUTOS: PORTAL do exportador. Alice Web. NOTA: Os códigos da NCM para carne bovina in natura são 0201.10.00 até 0202.30.00. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 15-22, dez. 2005 Valor (US$ mil) Participação no Total do BR (%) 68,19 5,17 3,33 6,01 4,47 8,83 100,00 19 Exportações de carne: um segmento dinâmico do agronegócio Tabela 4 Valor e participação percentual da exportação de carne bovina industrializada de estados selecionados e do Brasil — 2000-04 2000 ESTADOS E PAÍS 2001 Participação no Total do BR (%) 2002 242 348 235 Participação no Total do BR (%) 78,14 0,08 São Paulo .................... Paraná ......................... 194 769 593 73,37 0,22 211 526 161 Participação no Total do BR (%) 81,08 0,06 Rio Grande do Sul ....... Mato Grosso do Sul .. Mato Grosso ................ Goiás ........................... 26 855 389 10,12 0,15 26 142 0 10,02 0,00 32 930 535 10,62 0,17 21 670 20 265 468 8,16 0,01 100,00 14 055 0 260 872 5,39 0,00 100,00 20 274 39 310 158 6,54 0,01 100,00 Brasil ............................ Valor (US$ mil) Valor (US$ mil) 2003 ESTADOS E PAÍS São Paulo .................... Paraná ......................... Rio Grande do Sul ....... Mato Grosso do Sul .. Mato Grosso ................ Goiás ........................... Brasil ........................... Valor (US$ mil) 272 779 365 34 339 1 521 23 675 0 355 224 Valor (US$ mil) 2004 Participação no Total do BR (%) Valor (US$ mil) 76,79 0,10 9,67 0,43 6,66 0,00 100,00 354 255 733 60 215 3 347 29 690 132 494 202 Participação no Total do BR (%) 71,68 0,15 12,18 0,68 6,01 0,03 100,00 FONTE DOS DADOS BRUTOS: PORTAL do exportador. Alice Web. NOTA: Os códigos da NCM para carne bovina industrializada são 1601.00.00 e 1602.50.00. Carne suína A produção e a exportação de carne suína é bastante concentrada no sul do País. Tanto é que, em 2000, 95% das exportações brasileiras dessa carne se originaram dos Estados do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Nesse grupo, Santa Catarina é o estado que mais exporta carne suína — em 2000, mais de 50% das vendas brasileiras de carne suína no mercado internacional saíram de lá. O Rio Grande do Sul é o segundo maior exportador dessa carne — com mais de 30% das vendas em 2000. No período 2000-04, tanto Santa Catarina como o Rio Grande do Sul diminuíram sua participação nas exportações nacionais de carne suína, mas mantiveram, com folga, o primeiro e o segundo lugar nas vendas do País (Tabela 5). Deve ser ressaltado que foram da carne suína as maiores taxas de crescimento das vendas brasileiras entre 2000 e 2004. As exportações do Brasil desse tipo de carne cresceram mais de 350% nesse início de década. Esse crescimento decorreu de estratégias de marketing implementadas por empresários do setor e apoiadas pelo Governo Federal, que consistiam no envio de missões de empresários aos principais países importadores, com o objetivo de firmar contratos de exportação. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 15-22, dez. 2005 20 Vivian Fürstenau Tabela 5 Valor e participação percentual da exportação de carne suína de estados selecionados e do Brasil — 2000-04 2000 ESTADOS E PAÍS Rio Grande do Sul .... Santa Catarina .......... Paraná ....................... Brasil ......................... Valor (US$ mil) 50 526 87 233 17 068 162 758 2001 Participação no Total do BR (%) 31,04 53,60 10,49 100,00 Valor (US$ mil) 66 717 218 223 36 240 346 401 2002 Participação no Total do BR (%) Valor (US$ mil) Participação no Total do BR (%) 80 622 246 967 58 765 469 409 17,18 52,61 12,52 100,00 19,26 63,00 10,46 100,00 2003 ESTADOS E PAÍS Rio Grande do Sul .... Santa Catarina .......... Paraná ....................... Brasil ......................... 2004 Valor (US$ mil) Participação no Total do BR (%) Valor (US$ mil) 124 376 186 408 90 560 526 576 23,62 35,40 17,20 100,00 192 635 324 715 101 466 744 278 Participação no Total do BR (%) 25,88 43,63 13,63 100,00 FONTE DOS DADOS BRUTOS: PORTAL do exportador. Alice Web. NOTA: Os códigos da NCM para carne suína são 0203.11.00 e 0203.29.00. Carne de frango Como já foi dito, as exportações brasileiras de carne de frango ocupam o primeiro lugar no comércio mundial, superando países como a França, que, durante muito tempo, deteve essa condição. As dificuldades interpostas pelos diferentes países importadores, como barreiras tarifárias e/ou sanitárias, estas últimas extremamente significativas quando se trata de um produto como carne, tornam bastante importante essa conquista do setor produtor e exportador brasileiro de frango. Assim, tendo em vista as dificuldades para abrir novos mercados e, especialmente, o atual volume das exportações, era de se esperar que as taxas de crescimento das exportações arrefecessem. No entanto, isso não tem ocorrido, sendo mantido o dinamismo do setor que, com relação às exportações de frango in natura, cresceu mais de 200% entre 2000 e 2004. Por sua vez, com relação às vendas de carne de frango industrializada, com um valor significativamente maior por tonelada, o crescimento de 2002 a 2004 foi de quase 340%. O Rio Grande do Sul era, em 2000, o terceiro maior exportador de carne de frango in natura, atrás de Santa Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 15-22, dez. 2005 Catarina e do Paraná. Em 2004, o estado gaúcho manteve essa colocação, mas com um diferencial: o valor alcançado pelas exportações gaúchas aproximou-se dos obtidos por Santa Catarina e pelo Paraná. Esse movimento reflete um aumento da participação das exportações do Rio Grande do Sul no total exportado pelo Brasil (Tabela 6). O que poderia parecer vantagem para o Rio Grande do Sul não é tanto assim quando se examinam as exportações de carne de frango industrializada, cujo valor da tonelada é mais do que o dobro do obtido com a venda de carne de frango in natura. A perda de participação nas vendas de frango in natura apresentadas por Santa Catarina foram compensadas por um aumento de participação daquele estado nas exportações de carne de frango industrializada. Mesmo considerando que o grosso das exportações de frango do Brasil — 96% — é in natura, o aumento da participação do estado catarinense nas exportações de carne de frango industrializada pode indicar uma especialização do estado vizinho na colocação, no mercado internacional, de produtos de maior valor (Tabela 7). 21 Exportações de carne: um segmento dinâmico do agronegócio Tabela 6 Valor e participação percentual da exportação de carne de frango in natura de estados selecionados e do Brasil — 2000-04 2000 ESTADOS E PAÍS Rio Grande do Sul ..... Santa Catarina .......... Paraná ....................... São Paulo .................. Brasil ......................... Valor (US$ mil) 2001 Participação no Total do BR (%) 185 406 356 257 219 699 16 157 805 737 23,01 44,21 27,27 2,01 100,00 2002 Valor (US$ mil) Participação no Total do BR (%) 331 736 539 181 321 267 22 304 1 291 658 25,68 41,74 24,87 1,73 100,00 2003 ESTADOS E PAÍS Rio Grande do Sul ..... Santa Catarina .......... Paraná ....................... São Paulo ................. Brasil ......................... Participação no Total do BR (%) Valor (US$ mil) 340 433 508 075 331 303 37 092 1 335 051 25,50 38,06 24,82 2,78 100,00 2004 Valor (US$ mil) Participação no Total do BR (%) Valor (US$ mil) Participação no Total do BR (%) 472 951 559 040 445 426 74 011 1 709 743 27,66 32,70 26,05 4,33 100,00 626 622 778 921 679 134 155 275 2 493 929 25,13 31,23 27,23 6,23 100,00 FONTE DOS DADOS BRUTOS: PORTAL do exportador. Alice Web. NOTA: Os códigos da NCM para carne de frango in natura são 0207.11.00 e 0207.14.00. Tabela 7 Valor e participação percentual da exportação de carne de frango industrializada de estados selecionados e do Brasil — 2000-04 2000 ESTADOS E PAÍS Valor (US$ mil) 2001 Participação no Total do BR (%) Valor (US$ mil) 2002 Participação no Total do BR (%) Valor (US$ mil) Participação no Total do BR (%) Rio Grande do Sul 6 174 26,83 14 312 33,96 17 038 29,49 Santa Catarina ..... 10 102 43,91 18 490 43,87 28 438 49,23 Paraná ................... 3 774 16,40 5 315 12,61 4 809 8,33 São Paulo ............. 503 2,19 631 1,50 1 575 2,73 Brasil ..................... 23 009 100,00 42 142 100,00 57 765 100,00 (continua) Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 15-22, dez. 2005 22 Vivian Fürstenau Tabela 7 Valor e participação percentual da exportação de carne de frango industrializada de estados selecionados e do Brasil — 2000-04 2003 ESTADOS E PAÍS Valor (US$ mil) 2004 Participação no Total do BR (%) Valor (US$ mil) Participação no Total do BR (%) Rio Grande do Sul 22 409 25,12 22 096 21,89 Santa Catarina ..... 50 393 56,49 65 689 65,07 Paraná ................... 4 867 5,46 4 459 4,42 São Paulo ............. 1 766 1,98 2 437 2,41 Brasil ..................... 89 209 100,00 100 954 100,00 FONTE DOS DADOS BRUTOS: PORTAL do exportador. Alice Web. NOTA: O código da NCM para carne de frango industrializada é 1602.32.00. Conclusões Referências O desempenho do segmento produtor de carnes no País, entre 2000 e 2004, pode ser considerado excepcional, no que se refere ao crescimento das vendas dos seus produtos no mercado internacional. No caso da exportação de carne de frango in natura, as conquistas de fatias do mercado externo têm sido constantes já há algum tempo, mas nem por isso têm apresentado perda de dinamismo. Mais recentemente, houve um incremento nas exportações de carnes bovina e suína, com especial destaque para as taxas de crescimento obtidas pelas vendas de carne suína. O Estado do Rio Grande do Sul tem acompanhado o movimento das vendas nacionais, mas não com o mesmo dinamismo. Uma razão para esse desempenho aquém do nacional foi o reaparecimento da febre aftosa no Estado, em 2001, que inviabilizou, naquele ano, as vendas externas de carne bovina in natura e de carne suína. Um episódio como esse tornou bastante difícil a situação das vendas do Estado, mas, já em 2002, houve uma retomada das exportações estaduais de carnes bovina e suína. Por sua vez, com relação à carne de frango in natura, o Estado tem aumentado o volume exportado a taxas superiores às dos demais estados exportadores. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Balança comercial. Notas à imprensa. Disponível em: http://www.agricultura.gov.br/pls/portal/docs/ Acesso em: ago. 2005. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 15-22, dez. 2005 FÜRSTENAU, Vivian. Uma análise comparada do desempenho do setor exportador de carnes no Brasil e no Rio Grande do Sul — 2001. Indicadores Econômicos FEE, Porto Alegre: FEE, v. 29, n. 4, p. 161-174, 2002. INDICADORES ECONÔMICOS FEE. Porto Alegre: FEE, v. 29, n. 4, 2002. INDICADORES ECONÔMICOS FEE. Porto Alegre: FEE, v. 30, n. 4, 2003. 23 O emprego industrial no RS: um breve balanço no Governo Lula Indústria O emprego industrial no RS: um breve balanço no Governo Lula Maria Isabel H. da Jornada* Socióloga da FEE. Artigo recebido em 18 out. 2005. Introdução O presente artigo propõe-se a realizar um balanço geral do comportamento do segmento formal do mercado de trabalho industrial ao longo do Governo Lula, contrastando o Rio Grande do Sul com o Brasil. Para tanto, utilizaram-se como fontes de dados as bases da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) e do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), ambos do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A RAIS fornece o estoque de empregados com vínculo formal em 31 de dezembro de cada ano, e o Caged informa a flutuação mensal do emprego com carteira assinada. A combinação dessas duas bases tornou possível que, mediante recomposição do estoque a partir do último dado disponível na RAIS (2003), se estendesse a análise até agosto de 2005, último dado disponível no Caged. Rigorosamente, é preciso ter presente que os níveis de emprego pós 2003 são uma aproximação da realidade. Para efeitos de compatibilização entre as duas bases, foram extraídos da RAIS todos os trabalhadores não regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), já que não são computados no Caged. O movimento do emprego formal foi examinado à luz do desempenho da atividade produtiva, utilizandose, para tanto, a Pesquisa Industrial Mensal-Produção Física (PIM-PF) (2005) e a Pesquisa Industrial Mensal de Emprego e Salário (PIMES) do IBGE (2005). No primeiro item após esta Introdução, encontra-se uma abordagem da evolução da totalidade do mercado *A autora agradece à colega Sheila Sara W. Sternberg a permanente e qualificada interlocução, o que já tem rendido tantas (e exitosas) parcerias de pesquisa. Agradece, igualmente, à estagiária de Economia Cristiane Fumegalli o apoio no tratamento estatístico. de trabalho formal; no segundo, o foco é o comportamento do emprego formal na indústria, com uma parte final dedicada ao exame dos ganhos de produtividade da indústria no RS e no Brasil. 1 - Movimento geral Mesmo que a mudança do regime cambial em 1999 tenha possibilitado uma retomada de fôlego para o mercado de trabalho, notadamente para o segmento formal, esta foi a instância que mais demorou a reagir na atual recuperação da economia brasileira. No primeiro ano do Governo Lula, o nível do emprego formal no Brasil cresceu 2,9%, passando de 21.953.360 em 2002 para 22.596.269 em 2003, uma geração líquida de 642.909 postos de trabalho. Um bom resultado, se for considerado o baixo desempenho da atividade econômica, expresso no pífio crescimento do PIB brasileiro em 2003 (0,5%). No ano seguinte, o cenário econômico aqueceu-se, mostrando sinais de recuperação, com o crescimento do PIB da ordem de 5,3%. Neste último ano, o contingente de ocupados com carteira de trabalho assinada experimentou um forte impulso com a contratação de 1.523.276 indivíduos (6,7%), elevando o nível do emprego formal para 24.119.545 ao final de 2004. Até agosto de 2005, o mercado de trabalho manteve o dinamismo graças, principalmente, às taxas recordes dos quatro primeiros meses, já que, a partir de maio, os sinais de desaceleração eram visíveis. A alta continuada das taxas de juros e o real valorizado, especialmente, começaram a travar as novas oportunidades de trabalho. A taxa de variação do emprego, considerando-se agosto de 2005, situou-se em 5,1%, o que significou a incorporação de 1.219.236 trabalhadores. Houve, assim, um crescimento do emprego formal no Brasil de 15,4% do início do Governo Lula até agosto de 2005 (Tabela 1). Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 23-32, dez. 2005 24 Maria Isabel H. de Jornada O Rio Grande do Sul acompanhou muito de perto o desempenho do mercado de trabalho formal brasileiro nos dois primeiros anos do Governo Lula, afastando-se no terceiro ano. Em 2003, o incremento do emprego formal no Estado situou-se um pouco abaixo do que foi verificado nacionalmente, 2,2%, para um crescimento do PIB estadual de 5,4%, muito acima do nacional. O estoque de trabalhadores com vínculos expandiu-se de 1.646.396 em 2002 para 1.682.526 em 2003. No ano seguinte, o RS praticamente empatou com o Brasil, com uma taxa de variação do emprego de 6,9% (um acréscimo de 116.822 trabalhadores), momento em que a variação do PIB gaúcho recuou para 3,6%, colocando-se atrás do brasileiro. Em 2005, até agosto, a perda de dinamismo do mercado de trabalho no RS é evidente. A combinação de fatores climáticos, que provocaram a quebra da safra, com o câmbio valorizado, que prejudicou as exportações, resultou na baixa taxa de crescimento do emprego com carteira; 0,8% até o mês de agosto. O nível de emprego elevou-se, assim, para 1.813.352, um acréscimo de apenas 14.004 postos. No Governo Lula, até o momento, o mercado de trabalho no RS experimentou um incremento de 10,1%, muito abaixo do alcançado no Brasil, em decorrência do seu fraco desempenho no ano em curso (Tabela 1). Na estrutura setorial do emprego formal no Brasil,1 o setor serviços liderou com 38,8% dos empregos com vínculos legais, secundado pela indústria de transformação (23,9%) e pelo comércio (22,5%). A agricultura foi responsável por 5,8% dos empregos formais; a construção civil, por 4,7%; e a administração pública2, por 2,4%. Os serviços industriais de utilidade pública (SIUP) e a indústria extrativa mineral tiveram pouco significado, 1,2% e 0,5% respectivamente. No Rio Grande do Sul, a indústria e o setor serviços apresentaram, para todos os efeitos, a mesma importância relativa, respondendo por 33,8% e 33,6% do total do emprego respectivamente.3 O comércio, o terceiro em importância, deteve 22% dos empregados; a construção civil, 4,1%; a agricultura, 3,9%; a administração pública, 1,5% do total dos celetistas; o SIUP, 1,0%; e a indústria extrativa mineral, 0,2%. A evolução setorial do emprego formal no Brasil mostrou que, no primeiro ano do Governo Lula, com exce- 1 Refere-se à última informação disponível — agosto de 2005. 2 Apenas os servidores públicos sob o regime da CLT, porque o Caged só contempla celetistas. 3 Essa situação de equilíbrio provocou uma alternância na liderança entre os dois setores, até mesmo de um ano para o outro. Em 2004, predominava a indústria de transformação, com 34,47% dos empregados, secundada pelo setor serviços, com 32,70%. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 23-32, dez. 2005 ção da construção civil (-5,1%) e da administração pública (-0,2%), todos os setores exibiram crescimento, com destaque para a agricultura (6,4%)4 e o comércio (6,0%). A indústria de transformação alcançou uma taxa de incremento próxima da média do agregado, 2,8%, um pouco acima dos 2,6% do SIUP, enquanto, no setor serviços, a variação foi de 2,1%. No ano seguinte, o único setor que não contratou empregados foi a administração pública (-0,1%). A indústria de transformação mostrou o melhor desempenho relativo, com a maior variação do emprego em 2004 (9,5%), bem acima da média do agregado, incorporando 504.610 trabalhadores. O comércio ampliou o seu contingente de empregados em 7,9%, seguindo-se a agricultura (6,6%), o setor serviços (5,3%) e a construção civil (4,9%). Embora o ano de 2005 ainda esteja em curso, já se pode falar em desaceleração no mercado de trabalho, notadamente na indústria de transformação e no comércio, que apresentaram uma das menores taxas de crescimento do emprego entre os setores, ambos com 3,7%.O SIUP exibiu o menor incremento setorial (3,3%), mas foi de escasso significado no cômputo geral do emprego, enquanto a agricultura exibiu o maior (15,6%). A construção civil teve a segunda maior variação (8,4%), seguida, a uma certa distância, pela administração pública (5,7%) e pelo setor serviços (4,8%) — Tabela 1. No Rio Grande do Sul, diferentemente do plano nacional, todos os setores de atividade experimentaram elevação no nível de emprego, no primeiro ano do novo Governo. O SIUP e a administração pública despontaram com as maiores variações de 2002 a 2003, 19,7% e 9,5% respectivamente. Seguiram-se a agricultura (4,0%), o comércio (3,7%), a indústria de transformação (2,3%), a construção civil (1,5%), a indústria extrativa mineral (1,2%) e o setor serviços (0,2%). Todavia os responsáveis pela maior parte dos postos preenchidos no ano foram o comércio (36,1%) e a indústria de transformação (35,3%). No ano de 2004, à semelhança do que ocorreu no Brasil, a indústria de transformação demonstrou o maior fôlego, com um incremento de 9,2% no contingente de empregados, próximo ao alcançado pela construção civil (8,0%) e pelo comércio (7,8%), todos eles acima da média do agregado. O emprego no setor serviços cresceu 5,0%, praticamente o mesmo da indústria extrativa mineral; na agricultura, elevou-se em 3,5%; e, no SIUP, 3,1%. O emprego celetista na administração pública foi o único caso 4 Ressalva-se que as bases de dados do MTE não são adequadas para aferir o emprego nas atividades agrícolas, porque são restritas ao emprego com vínculos legais; logo, o que essas estatísticas devem estar captando é o movimento de formalização de relações de trabalho preexistentes. 25 O emprego industrial no RS: um breve balanço no Governo Lula de recuo (-3,7%). A maior parte dos postos acrescidos em 2004 localizou-se na indústria de transformação (44,7%), seguida pelo comércio e pelo setor serviços, com praticamente a mesma participação, ao redor de 24,4%. Em 2005, mudou o panorama do mercado de trabalho formal, a desaceleração é marcadamente visível na agricultura (-4,8%), na construção civil (-2,1%) e na indústria de transformação (-1,2%), além de na indústria extrativa mineral (-2,8%), que é pouco representativa no cômputo geral do emprego no RS. O setor serviços (3,4%) e o comércio (1,2%), embora tenham crescido, perderam intensidade. O SIUP, com 5,5%, obteve a maior taxa positiva, seguida pela administração pública, com 4,4%. A indústria de transformação liderou o processo de demissões, sendo responsável pela eliminação de 7.685 vagas (Tabela 1). O acompanhamento da trajetória do mercado de trabalho formal no período recente despertou a atenção para um fenômeno já observável no final dos anos 90, no plano nacional, mas só visível, no Estado, em 2004: a tendência de crescimento do emprego em ritmo maior do que o do PIB. Isso se deve, provavelmente, a uma maior formalização das relações de trabalho, associada, em larga medida, ao crescimento do agronegócio, à interiorização da indústria — já que a indústria é o locus do emprego regulamentado — e à maior fiscalização do Ministério do Trabalho, especialmente no comércio e no setor serviços. Possivelmente, parcela do que se capta com essas estatísticas de emprego seja de pessoas que transitaram da informalidade para uma inserção regulamentada no mercado de trabalho. Após esse breve panorama do desempenho geral do mercado de trabalho formal sob a égide do Governo Lula, focaliza-se a indústria, decompondo-a na sua formação mais abrangente: os subsetores de atividade. Tabela 1 Evolução do emprego formal, por setores de atividade, no Brasil e no RS — 2002/05 2002 2003 2005 (1) 2004 SETORES Brasil RS Brasil RS Brasil RS Brasil TOTAL ............................. 21 953 360 1 646 396 22 596 269 1 682 526 24 119 545 1 799 348 25 338 781 Extrativa mineral .............. RS 1 813 352 121 000 4 406 122 154 4 459 132 491 4 693 140 807 4 561 Indústria de transformação 5 185 738 555 194 5 331 762 567 945 5 836 372 620 175 6 054 703 612 490 286 209 14 278 293 799 17 093 298 365 17 631 308 345 18 593 Construção civil ................ 1 095 676 68 752 1 039 923 69 792 1 090 686 75 388 1 181 892 73 793 Comércio .......................... 4 817 031 351 830 5 105 954 364 880 5 509 894 393 440 5 715 255 398 124 Serviços ............................ 8 739 511 Serviços industriais de utilidade pública ................... 558 904 8 922 195 560 263 9 392 318 588 385 9 845 848 608 535 Administração pública ...... 580 829 24 447 579 780 26 781 579 398 25 800 612 459 26 939 Agricultura, silvicultura, etc. ................................... 1 127 366 68 585 1 199 781 71 313 1 279 055 73 835 1 478 455 70 317 Outros/ignorado .............. - - 921 - 966 1 1 017 - FONTE: RAIS: Relação Anual de Informações Sociais. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego, 2002-2003. FONTE: CADASTRO GERAL DE EMPREGADOS E DESEMPREGADOS — CAGED. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego, 2004-2005. (1) Até agosto. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 23-32, dez. 2005 26 Maria Isabel H. de Jornada 2 - Emprego industrial A indústria brasileira vem enfrentando grandes transformações dos anos 90 até os dias de hoje. A liberalização comercial sem precedentes patrocinada pelo Governo Collor no início da década de 90 resultou em forte aumento da competição, numa indústria acostumada a uma série de barreiras protecionistas durante décadas. Pressionada pela abertura econômica e pelo acirramento da competição provocada pela entrada maciça, no mercado doméstico, de produtos fabricados no exterior, a indústria brasileira viu-se forçada a empreender um intenso processo de reestruturação na direção de um novo patamar tecnológico e organizacional. O resultado foi um substancial crescimento da produtividade sem uma política de crescimento econômico sustentado, o que levou à queima de milhares de postos de trabalho na indústria, principalmente nos primeiros anos da década de 90. As medidas de política econômica implementadas nos anos 90, especialmente o Programa de Estabilização Econômica — Plano Real I (1994 a 1999), Plano Real II (a partir de 1999) —, aprofundaram as dificuldades estruturais do mercado de trabalho brasileiro, impulsionando o processo de precarização, expresso no crescimento do número de empregados sem carteira de trabalho assinada, dos trabalhadores autônomos, dos ocupados em tempo parcial e de tantos outros tipos de ocupação à margem de qualquer proteção legal. A adoção do câmbio flutuante e do regime de metas de inflação em 1999, configurando o que se convencionou chamar de Plano Real II, alterou o ambiente socioeconômico nacional, repercutindo favoravelmente sobre o emprego industrial, notadamente no RS, que havia sido especialmente prejudicado com a valorização cambial vigente durante a fase do Plano Real I. O Presidente Lula assumiu quando o emprego formal na indústria estava em uma trajetória ascendente,5 iniciada em 1999, que foi interrompida em 2003, no final do primeiro ano do seu mandato. O pífio desempenho da atividade industrial nesse primeiro ano — variação da produção física de 0,04% para a indústria geral no Brasil e de -0,35% no RS — fez recuar a taxa de crescimento do emprego industrial6, no Brasil, de 4,7% em 2002 para 2,8% em 2003 e de 3,2% para 2,3%, respectivamente, no RS. O ano de 2004 marcou uma retomada do crescimento industrial acelerado na indústria brasileira, bem como na 5 6 maior parte dos estados, incluindo-se o RS. A produção industrial cresceu a uma taxa de 8,3% no Brasil e de 6,4% no RS, em 2004, frente a igual período do ano anterior, o que ampliou a oferta de postos de trabalho na indústria, expressa no notável crescimento de 9,5% no contingente de empregados no Brasil, praticamente o mesmo do RS: 9,2%. O desafio que se coloca é a sustentabilidade desse crescimento. A variação da produção física no Brasil, de janeiro a julho de 2005, face a igual período do ano anterior, foi de 4,31%, o que ainda não recomenda prognósticos para o ano.7 O RS, abatido pela quebra de safra e pela política cambial, acusou um descenso na atividade industrial, com um recuo de 3,99% na produção física. O emprego na indústria brasileira evoluiu, com uma taxa de 3,7% de janeiro a agosto de 2005, enquanto, na gaúcha, o emprego se retraiu (-1,2%) — Tabela 2. O descompasso entre a indústria brasileira e a do RS encontra sua explicação nas diferenças estruturais entre elas. No Brasil, os subsetores que mais pesaram na estrutura do emprego industrial foram: a indústria de produtos alimentícios, bebidas e álcool etílico (22,7%)8, a têxtil, do vestuário e artefatos de tecidos (13,6%), a química, de produtos farmacêuticos, veterinários, perfumaria (10,4%), a metalúrgica (9,8%), a da madeira e do mobiliário (7,1%), a do material de transporte (6,5%), a mecânica (5,8%), a do papel, papelão, editorial e gráfica (5,4%), a indústria de calçados (5,1%) e a de produtos minerais não-metálicos (5,0%). Os outros segmentos não atingiram 5,0% de participação cada um: a indústria da borracha, fumo, couros, peles, similares, indústrias diversas obteve 4,7%; e a de material elétrico e de comunicações, 3,6%. Já no Rio Grande do Sul, verificou-se o predomínio, na estrutura do emprego industrial, de um segmento que tem no mercado externo o seu fator dinamizador, a indústria de calçados, responsável por 21,4% do total de empregos. Segue-se, em ordem de relevância, a indústria de produtos alimentícios, bebidas e álcool etílico (17,6%), a metalúrgica (9,3%), a da borracha, fumo, etc. (8,9%), a mecânica (7,9%), a da madeira e do mobiliário (7,9%), a química, de produtos farmacêuticos, etc. (7,6%), a do material de transporte (5,4%), a têxtil, do vestuário e artefatos de tecidos (4,6%), a do papel, papelão, etc. 7 Cabe observar que, nesse momento, o emprego na indústria do RS estava crescendo acima do na indústria do País. Refere-se ao emprego na indústria de transformação. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 23-32, dez. 2005 8 Todavia recente estudo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) assinala que as taxas de crescimento da produção na comparação mês a mês, positivas a partir de março, sugerem que a indústria recuperou o ritmo de crescimento iniciado em 2004 (INSTITUTO..., 2005). Participações referentes a agosto de 2005. O emprego industrial no RS: um breve balanço no Governo Lula (4,3%), a do material elétrico e de comunicações (2,6%) e a de produtos minerais não-metálicos (2,5%). O exame da evolução do emprego por subsetores de atividade evidencia os contrastes no interior da própria indústria brasileira e da gaúcha, bem como põe em relevo os contrastes entre uma e outra (Tabela 2). Observando-se o que ocorre no plano nacional, tem-se que o subsetor que mais cresceu em 2002 e 2003 é o de maior importância relativa na estrutura do emprego industrial no País, a indústria de produtos alimentícios, bebidas e álcool etílico (6,7%), seguindo-se a do material de transporte (5,0%), a de calçados (3,8%), a metalúrgica (3,5%), a da borracha, fumo, couros, peles, similares, indústrias diversas (3,4%), a mecânica (3,1%) e a indústria química, de produtos farmacêuticos, veterinários, perfumaria (3,0%). Todos os outros segmentos ficaram abaixo da média do agregado, sendo que três experimentam retração: produtos minerais não-metálicos (-1,3%), madeira e mobiliário (-0,7%) e têxtil, do vestuário e artefatos de tecidos (-0,4). Em 2004, ano em que todos os subsetores alcançaram uma recuperação notável no emprego formal, três sobressaíram-se com as maiores taxas de crescimento — material de transporte (14,3%), calçados (13,6%) e material elétrico e de comunicações (13,2%) —, seguidos por mecânica (10,7%), metalúrgica (10,0%), produtos alimentícios, bebidas e álcool etílico (9,7%) e por borracha, fumo, etc. (9,5%). Nota-se que o segundo e o terceiro subsetores em importância na composição do emprego industrial alcançaram um incremento inferior ao da média do agregado — a indústria têxtil, do vestuário e artefatos de tecidos (9,0%) e a química, de produtos farmacêuticos, etc. (8,3%). Abaixo desses, ficaram a da madeira e do mobiliário (7,3%), a de produtos minerais não-metálicos (5,4%) e a do papel, papelão, editorial e gráfica (4,9%). Embora não se prestem a comparações, as taxas de janeiro a agosto de 2005 parecem ser mais modestas, com dois segmentos produtivos em queda: madeira e mobiliário (-2,1%) e calçados (-0,8%). A indústria de produtos alimentícios puxou a geração de postos, com um incremento de 6,9%, seguida pela do material elétrico e de comunicações (5,5%) e pela da borracha, fumo, etc. (5,3%). Acima e em torno da média do total da indústria, situaram-se, ainda, material de transporte (4,9%), têxtil, vestuário e artefatos de tecidos (4,2%), química, produtos farmacêuticos, etc. (3,7%) e produtos minerais não-metálicos (3,6%). No RS, ao contrário do que foi registrado no Brasil, em 2003, a maior empregadora, a indústria de calçados, registrou queda de 0,9%. Os segmentos que sofreram o maior impulso nesse ano foram a indústria mecânica (8,8%), a do material de transporte (6,4%) e a de produtos 27 alimentícios, bebidas e álcool etílico (5,8%), esta última, a segunda expressão em termos de emprego industrial. Acima da média da indústria, situaram-se, ainda, a química, a de produtos farmacêuticos, etc. (2,9%), a da borracha, fumo, etc. (2,8%), a metalúrgica (2,4%) e a têxtil, do vestuário e artefatos de tecido (1,6%). Somando-se ao segmento de calçados no seu comportamento declinante, tem-se material elétrico e de comunicações (-3,3%), papel, papelão, etc. (-1,5%) e madeira e mobiliário (-0,9%). A arrancada da economia em 2004 beneficiou todos os subsetores da indústria gaúcha, naturalmente uns muito mais do que outros. O emprego recebeu um forte impulso no segmento de material elétrico e de comunicações (18,0%) e no de material de transporte (17,8%), que alcançaram as maiores taxas. Acima da média do agregado, ficaram, também, a metalúrgica (10,4%), a de calçados (9,9%) e a mecânica (9,3%). A indústria de produtos alimentícios, bebidas e álcool etílico e a indústria química, de produtos farmacêuticos, etc. cresceram com intensidade um pouco menor, 8,8% e 8,1% respectivamente. Seguiram-se a da borracha, fumo, etc. (7,4%), a de madeira e mobiliário (7,3%) e a têxtil, do vestuário e artefatos de tecidos (7,2%). As menores taxas encontradas foram em papel, papelão, etc. (4,5%) e em produtos minerais não-metálicos (3,0%). Dada a importância relativa da indústria de calçados, quase um quarto (24,5%) das vagas acrescidas no ano foram dela originárias. No ano em curso de 2005, o emprego formal no segmento dos calçados despencou (-7,7%), eliminando 10.993 postos, o que equivale a 75,6% das vagas suprimidas pelo total da indústria. A trajetória de queda foi acompanhada pela indústria mecânica (-2,9%), pela de madeira e mobiliário (-2,5%) e pela metalúrgica (-1,5%). A indústria de produtos alimentícios, bebidas e álcool etílico, a segunda em importância no ranking do emprego industrial, experimentou o menor incremento (0,5%), enquanto o maior ficou por conta do segmento borracha, fumo, etc. (6,8%). A indústria química, de produtos farmacêuticos, etc., a do papel, papelão, etc., a têxtil, do vestuário, etc. e a de produtos minerais não-metálicos alcançaram 2,5%, 2,1%, 1,5% e 0,7% respectivamente. O movimento do emprego industrial está associado ao movimento de uma outra variável que é a produtividade, que, por sua vez, é resultado de estratégias empresariais para assegurar capacidade competitiva. As variações anuais da produtividade, ao longo do período janeiro de 2003 a julho de 2005, colocaram em relevo outra distinção importante entre a indústria brasileira e a gaúcha. No primeiro ano do Governo Lula, o ganho de produtividade foi maior na indústria do RS do que na do Brasil. A indústria geral teve um ganho de produtividade Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 23-32, dez. 2005 28 Maria Isabel H. de Jornada de 1,14% no Estado e de 0,90% no País, frente a igual período do ano anterior, decorrência de queda nas horas pagas, associada a um ínfimo acréscimo na produção física para o último e de queda nas horas pagas maior do que na produção física para o primeiro. No ano seguinte, os dois espaços tiveram um considerável salto na produtividade, maior para o RS, com 7,12%, do que para o Brasil, com 6,09%. No Estado, verificou-se a combinação de aumento da produção física com um pequeno declínio nas horas pagas, enquanto, no País, a produção física e as horas pagas cresceram, só que a produção cresceu bem mais. No período mais recente, a situação inverteu-se: de janeiro a julho de 2005, o incremento na produtividade foi maior no Brasil do que no RS. A indústria brasileira exibiu um ganho de 2,63% contra 1,92% da gaúcha, para igual período do ano passado. No Brasil, isso ocorreu em razão de uma elevação da produção física mais acentuada do que a das horas pagas, ao contrário do RS, em que o ganho de produtividade se deveu a um recuo na produção menor do que o recuo nas horas pagas (Tabelas 3 e 4). Em termos setoriais,9 considerando-se a abertura disponível, no primeiro ano o melhor desempenho, no tocante à produtividade, no Brasil, foi o do segmento da madeira, com um ganho de 7,19% frente a igual período do ano anterior; o pior foi o do segmento do refino de petróleo e álcool, com -12,49%. A indústria de transformação como um todo alcançou um incremento de produtividade de 1,21%. Em 2004, a indústria de transformação atingiu um ganho de produtividade que não deixa de ser notável, 6,36%, destacando-se a indústria de produtos de metal (14,23%), a têxtil (10,89%) e a do vestuário e acessórios (10,27%); no outro extremo, ficaram a metalurgia básica (-6,26%), o refino de petróleo e álcool (-4,93%) e o fumo (-3,69%). De janeiro e julho de 2005,10 a indústria de transformação conseguiu um aumento de produtividade de 2,24%, com ênfase no segmento calçados e artigos de couro, com um acréscimo de 12,74%, seguido à distância pelo segmento madeira (5,96%); o destaque negativo foi o refino de petróleo e álcool (-11,89%) e o fumo (-4,72%), registrando-se, ainda, mais três segmentos com retração em relação a igual período do ano anterior. 9 Devido à diferenciação entre a classificação setorial das duas fontes — PIMES (horas trabalhadas) e PIM-PF (produção física) —, foram usadas as aberturas que coincidem entre as duas. No entanto, a PIM-PF não disponibiliza informações para vários setores, quando se trata do âmbito estadual. 10 Nesse período, registra-se o salto da indústria extrativa brasileira, com uma elevação na produtividade de 12,33%. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 23-32, dez. 2005 No tocante à indústria gaúcha, pelas informações setoriais de que se dispõe, o ano de 2003 marcou um acréscimo de 1,16% para a indústria de transformação, sendo que apenas dois segmentos, dos em que foi possível realizar a mensuração da produtividade, alcançaram taxas positivas, produtos de metal (7,61%) e calçados e artigos de couro (1,23%); fumo e borracha e plástico tiveram as maiores taxas negativas, em torno de -10,50%. Já em 2004, a indústria de transformação do RS alcançou um aumento de produtividade maior que o do Brasil (7,11%), registrando-se o notável crescimento verificado no segmento de borracha e plástico (22,69%), seguido à distância por calçados e artigos de couro (8,41%); dois segmentos exibiram queda na produtividade, o fumo (-16,38%) e o refino de petróleo e álcool (-12,51%). Em 2005, a evolução da produtividade, de janeiro a julho, acusou um crescimento de 1,86% para a indústria de transformação (inferior à nacional), sobressaindo-se o desempenho altamente positivo de calçados e artigos de couro, com um acréscimo de 29,71%; todos os outros segmentos com dados disponíveis tiveram taxas negativas, a mais alta delas foi a da metalúrgica básica (-11,32%). O desempenho da produtividade no segmento calçados e artigos de couro ocorreu em razão de um recuo acentuado nas horas pagas (-20,06%) e de um aumento da produção (3,69%) frente a igual período do ano anterior. Assim sendo, se ainda é prematuro falar em curva de desaceleração no mercado de trabalho formal no Brasil, evidencia-se, no RS, um nítido cenário de perda de dinamismo no emprego formal, sobretudo o industrial, no último ano. A política de juros elevada, que inibe o investimento produtivo, e a apreciação cambial, que onera as exportações, foram particularmente danosas para a economia gaúcha. O RS contou ainda com prejuízos notáveis por conta da quebra de safra, em virtude da estiagem que atingiu o Estado nos primeiros meses de 2005. As perspectivas para o mercado de trabalho dependem em larga medida de uma política econômica comprometida com o crescimento sustentado, condição necessária — embora não suficiente — para a geração de postos de trabalho de qualidade, como se costuma referenciar o emprego com vínculos formais, o denominado emprego protegido. O que está em questão na presente conjuntura é o fôlego da economia para assegurar um ritmo de expansão de postos de trabalho compatível com a pressão exercida sobre o mercado de trabalho pelos indivíduos que integram a População Economicamente Ativa. 29 O emprego industrial no RS: um breve balanço no Governo Lula Tabela 2 Evolução do emprego formal, por subsetores da indústria de transformação, no Brasil e no RS — 2002/05 2002 2003 SUBSETORES TOTAL ......................................................................... Indústria de produtos minerais não-metálicos ............. Indústria metalúrgica ................................................... Indústria mecânica ...................................................... Indústria do material elétrico e de comunicações ....... Indústria do material de transporte.............................. Indústria da madeira e do mobiliário............................ Indústria do papel, papelão, editorial e gráfica ........... Indústria da borracha, fumo, couros, peles, similares, indústrias diversas ...................................................... Indústria química, de produtos farmacêuticos, veterinários, perfumaria ....................................................... Indústria têxtil, do vestuário e artefatos de tecidos ...... Indústria de calçados ................................................... Indústria de produtos alimentícios, bebidas e álcool etílico ........................................................................... Brasil RS Brasil RS 5 185 738 281 195 509 982 301 012 181 163 314 772 414 338 305 842 555 194 14 403 51 040 42 142 13 454 26 158 46 723 25 257 5 331 762 277 572 527 666 310 329 185 129 330 377 411 395 306 348 567 945 14 745 52 117 45 834 13 006 27 846 46 314 24 880 238 367 46 181 246 449 47 467 545 696 730 674 261 864 40 802 25 349 130 296 561 997 728 045 271 878 42 000 25 765 129 177 1 100 833 93 389 1 174 577 98 794 2004 2005 (1) SUBSETORES Brasil TOTAL ......................................................................... Indústria de produtos minerais não-metálicos ............. Indústria metalúrgica ................................................... Indústria mecânica ...................................................... Indústria do material elétrico e de comunicações ....... Indústria do material de transporte.............................. Indústria da madeira e do mobiliário............................ Indústria do papel, papelão, editorial e gráfica ........... Indústria da borracha, fumo, couros, peles, similares, indústrias diversas ...................................................... Indústria química, de produtos farmacêuticos, veterinários, perfumaria ....................................................... Indústria têxtil, do vestuário e artefatos de tecidos ..... Indústria de calçados .................................................. Indústria de produtos alimentícios, bebidas e álcool etílico .......................................................................... RS Brasil RS 5 836 372 292 456 580 392 343 569 209 527 377 722 441 622 321 474 620 175 15 181 57 565 50 109 15 350 32 806 49 698 26 006 6 054 703 302 892 595 496 351 760 220 958 396 231 432 140 329 468 612 490 15 287 56 715 48 636 15 676 33 176 48 465 26 545 269 906 50 961 284 328 54 405 608 427 793 670 308 960 45 412 27 612 141 989 631 161 826 830 306 367 46 542 28 034 130 996 1 288 647 107 486 1 377 072 108 013 FONTE: RAIS: Relação Anual de Informações Sociais. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego, 2002-2003. FONTE: CADASTRO GERAL DE EMPREGADOS E DESEMPREGADOS — CAGED. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego, 2004-2005. (1) Até agosto. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 23-32, dez. 2005 30 Maria Isabel H. de Jornada Tabela 3 Indicadores acumulados de produção, horas pagas e produtividade na indústria do Brasil — 2003/05 (∆%) JAN-DEZ/03 SETORES DE ATIVIDADE Indústria geral ........................ Indústria extrativa .................. Indústria de transformação .... Fumo ..................................... Têxtil ...................................... Vestuário e acessórios .......... Calçados e artigos de couro .. Madeira .................................. Refino de petróleo e álcool .... Borracha e plástico ................ Minerais não-metálicos .......... Metalurgia básica .................. Produtos de metal, exclusive máquinas e equipamentos .... JAN-DEZ/04 Produção Física Horas Pagas Produtividade 0,04 4,72 -0,20 -6,42 -4,50 -12,24 -9,65 5,31 -2,17 -3,46 -3,56 5,96 -0,85 3,47 -0,94 2,86 -4,94 -5,35 -1,75 -1,75 11,79 0,04 -4,47 1,75 -5,49 1,86 JAN-JUL/05 Produção Física Horas Pagas Produtividade 0,90 1,21 0,75 -9,02 0,46 -7,28 -8,04 7,19 -12,49 -3,50 0,95 4,14 8,30 4,28 8,52 18,94 10,11 1,54 2,33 7,68 2,32 7,77 4,85 3,35 2,08 4,44 2,03 23,50 -0,70 -7,92 -0,43 1,13 7,63 4,62 -1,78 10,25 6,09 -0,15 6,36 -3,69 10,89 10,27 2,77 6,48 -4,93 3,01 6,75 -6,26 -7,22 9,97 -3,73 14,23 Produção Física Horas Pagas Produtividade 4,31 10,48 3,99 -6,07 -0,11 0,66 1,00 0,07 1,23 -0,44 4,11 -2,83 1,64 -1,65 1,71 -1,42 3,45 -3,12 -10,41 -5,56 14,89 -2,35 0,08 4,19 2,63 12,33 2,24 -4,72 -3,44 3,90 12,74 5,96 -11,89 1,96 4,03 -6,74 2,44 6,45 -3,77 FONTE: PESQUISA INDUSTRIAL MENSAL: produção física. Rio de Janeiro: IBGE. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br Acesso em: set. 2005. PESQUISA INDUSTRIAL MENSAL DE EMPREGO E SALÁRIO. Rio de Janeiro: IBGE. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br Acesso em: set. 2005. NOTA: Calculado a partir do índice acumulado, com base em igual período do ano anterior = 100. Tabela 4 Indicadores acumulados de produção, horas pagas e produtividade na indústria do RS — 2003/05 (∆%) JAN-DEZ/03 SETORES DE ATIVIDADE JAN-DEZ/04 Horas Pagas Produtividade Produção Física Horas Pagas Produtividade 6,39 -0,68 7,12 - -1,83 - -3,99 -5,80 1,92 - -16,65 1,16 6,39 -0,67 - 7,11 -3,99 -5,74 1,86 5,23 -10,42 26,84 0,84 - - 51,69 -16,38 -8,65 -3,08 -5,75 1,61 - - 0,54 -13,94 - - - 1,40 - - 3,39 -4,43 -5,59 1,23 - 0,69 -7,12 8,41 3,69 -20,06 29,71 Madeira .................................. - -10,90 Refino de petróleo e álcool ..... -3,58 -1,14 - - 5,00 - - 5,74 - -2,47 -6,17 7,25 -12,51 -3,57 -1,45 -2,15 Borracha e plástico ................ -3,95 7,55 Minerais não-metálicos .......... - -5,36 -10,69 13,28 -7,67 22,69 -9,10 -4,92 -4,40 - - -4,86 - - -3,39 Metalurgia básica ................... Produtos de metal, exclusive máquinas e equipamentos ..... 1,30 - 1,92 -0,61 14,62 12,86 1,56 -3,62 8,68 -11,32 5,32 -2,13 7,61 8,67 7,31 1,27 2,75 7,46 -4,38 Produção Física Horas Pagas Produtividade Indústria geral ........................ -0,35 -1,47 1,14 Indústria extrativa ................... - 1,42 - Indústria de transformação ..... -0,35 -1,49 Fumo ...................................... -5,74 Têxtil ...................................... - Vestuário e acessórios ........... - Calçados e artigos de couro ... Produção Física JAN-JUL/05 FONTE: PESQUISA INDUSTRIAL MENSAL: produção física. Rio de Janeiro: IBGE. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br Acesso em: set. 2005. PESQUISA INDUSTRIAL MENSAL DE EMPREGO E SALÁRIO. Rio de Janeiro: IBGE. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br Acesso em: set. 2005. NOTA: Calculado a partir do índice acumulado, com base em igual período do ano anterior = 100. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 23-32, dez. 2005 O emprego industrial no RS: um breve balanço no Governo Lula 31 Referências CADASTRO GERAL DE EMPREGADOS E DESEMPREGADOS — CAGED. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego, 2004-2005. INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL — IEDI. Produtividade industrial no primeiro semestre de 2005: desempenho e perspectivas. Disponível em: http://www.iedi.org.br Acesso em: set. 2005. JORNADA, Maria Isabel H. da. O mercado de trabalho no Rio Grande do Sul e o Plano Real: principais evidências. Indicadores Econômicos FEE, Porto Alegre: FEE. v. 32, n. 2, p. 223-246, 2004. PESQUISA INDUSTRIAL MENSAL: produção física — PIM/PF. Rio de Janeiro: IBGE. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br Acesso em: set. 2005. PESQUISA INDUSTRIAL MENSAL DE EMPREGO E SALÁRIO — PIMES. Rio de Janeiro: IBGE. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br Acesso em: set. 2005. RAIS: Relação Anual de Informações Sociais. 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O câmbio é considerado um dos mais importantes preços macroeconômicos, sendo determinante não só do comportamento da balança comercial (BC), mas de todo o balanço de pagamentos (BP), além de manter relação com os salários reais, com o consumo, com a poupança interna e com o investimento, influindo também nos níveis de inflação. Daí a atenção que deve ser dada aos níveis de valorização alcançados pelo real. O objetivo deste texto é levantar alguns aspectos ainda pouco abordados dos efeitos de uma valorização cambial sobre a economia brasileira. Diferentemente do período 1995-98, quando violentos choques externos, aliados a um forte déficit nas contas externas, levaram a uma sucessão de crises econômicas no País, a valorização cambial da atualidade tem se deparado com um cenário favorável, tanto comercial quanto financeiro, desde 2003, o que tem limitado os efeitos danosos observados nos primeiros anos do Plano Real sobre o BP. * A autora agradece os colegas Sônia Unikowsky Teruchkin, Enéas de Souza e Martinho Lazzari pelos comentários e sugestões apresentados em leitura preliminar. 1 Na cesta de moedas, estas são ponderadas pela participação média do respectivo país na corrente de comércio brasileira (exportação mais importação), e os respectivos vetores de ponderação atuais são: Estados Unidos (35,6), Argentina (16,3), Alemanha (9,6), Japão (7,0), Itália (5,6), França (4,9), Holanda (4,6), Reino Unido (3,8), México (3,4), Bélgica (3,1), Chile (3,0), Uruguai (1,6) e Paraguai (1,5) (B. Com. Ext., 2005). Por que o real está valorizado? Não tanto os bons fundamentos da economia brasileira, mas muito mais um fato concreto vem mantendo o dólar em baixa: o excesso de oferta da moeda norte-americana no mercado, resultado não apenas da BC, como também dos altos juros internos e da liquidez internacional, com o Risco-País mantendo-se relativamente baixo — inferior a 500 pontos — e próximo dos níveis registrados no início de 1997, considerado a melhor fase do real, antes da eclosão das crises cambiais da Ásia e da Rússia e do próprio Brasil. E, quanto mais baixo o risco, menores as expectativas do mercado de que o Governo e as empresas brasileiras deixem de honrar seus compromissos com o exterior e menores os custos para levantar empréstimos no mercado financeiro internacional, o que resulta em mais um estímulo à entrada de dólares no País. Embora com menos intensidade, também o movimento do dólar no mercado internacional, perdendo valor em relação a várias moedas, tem influenciado a queda da moeda norte-americana em relação à brasileira. Mas os altos juros internos, a BC positiva e a alta liquidez internacional têm contribuído para que o real se valorize também em relação a outras moedas, como o euro. Apesar de a valorização cambial frente às moedas fortes não ser um caso típico do Brasil — vários países emergentes têm apresentado o mesmo comportamento —, o real foi o que mais teve apreciação, se comparado com as moedas da Índia, da Rússia, do México, da Turquia, do Chile e da Argentina (Borges, 2005). Não obstante as taxas de juros nos países emergentes também serem mais elevadas em relação aos juros praticados nos países desenvolvidos, é no Brasil que se encontram as maiores taxas de juros reais, em torno de 14% ao ano. Enquanto isso, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, os Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 33-38, dez. 2005 34 juros continuam desestimulando a atração de capital externo. Mesmo que o Federal Reserve Bank (o Banco Central dos EUA) tenha fixado a taxa básica, nos EUA, no maior patamar em quase quatro anos (3,5% ao ano), ainda assim, os especialistas consideram-na abaixo do que definem como “ponto neutro”. Ou seja, capaz de impulsionar a economia ao invés de contê-la, visto estar muito próxima da taxa de inflação, o que faz a taxa de juros real nos EUA ainda se manter baixa, desestimulando as aplicações internacionais em seu território. Na Europa, o Banco Central Europeu mantém sua taxa de juros em 2% há dois anos, e o Banco da Inglaterra (o Banco Central inglês) baixou sua taxa de juros de 4,75% para 4,5% ao ano, com vistas a estimular o consumo doméstico e o investimento. No Japão, as taxas de juros também têm-se mantido em baixa. Com isso, mantêm-se a liquidez internacional e o fluxo de recursos financeiros para os países emergentes. Como forma de compensar o câmbio baixo, muitos exportadores estão utilizando o mercado financeiro para contrabalançar a queda de rentabilidade em suas exportações, já que o juro alto tem estimulado operações de arbitragem. Empresas com dólares a receber vêm antecipando a liquidação através de Adiantamentos de Contratos de Câmbio (ACC) e aplicando os reais obtidos no mercado financeiro interno, compensando a perda cambial e, com isso, também alimentando a entrada de dólares no País. Assim, há um descompasso entre as exportações contratadas e as físicas, pois, de acordo com o Banco Central (Bacen), de janeiro a julho de 2005, o câmbio contratado nas operações de exportação superou em US$ 2,7 bilhões o valor das exportações efetivamente realizadas, enquanto, no mesmo período de 2004, essa diferença foi de US$ 1,2 bilhão (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2005). O fluxo de moeda estrangeira para o Brasil tem sido tão grande que nem as compras de dólares pelo Tesouro Nacional e pelo Banco Central têm conseguido alterar a valorização do real. Enquanto o Bacen atua no mercado cambial como autoridade monetária, comprando ou vendendo moeda estrangeira de acordo com as necessidades do BP e da manutenção do nível das reservas, o Tesouro Nacional é considerado um comprador como outro qualquer, comprando conforme a necessidade de quitar compromissos de sua dívida externa e levando em conta as oportunidades. Entretanto, de acordo com o Bacen, de agosto a dezembro de 2005, o Tesouro só poderá contratar, aproximadamente, US$ 3,5 bilhões, Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 33-38, dez. 2005 Teresinha da Silva Bello valor equivalente aos compromissos da dívida externa que ainda faltam ser liquidados neste ano.2 Em relação à intervenção governamental no mercado de câmbio, é importante destacar que tais operações teriam forte implicação sobre o endividamento interno do Governo, o que limitaria sua capacidade de atuação. Embora, na teoria, a capacidade do Bacen de intervir no câmbio seja ilimitada, na prática isso não ocorre, já que, para obter os reais com os quais compraria os dólares, teria de emitir títulos, pelos quais pagaria juros muito maiores do que receberia no mercado internacional ao aplicar os dólares adquiridos. Enquanto estes renderiam algo em torno de 2% a 3% ao ano, os reais custariam ao Governo 19,75% ao ano (taxa Selic atual), sob a forma da dívida pública. Além disso, se optasse pela emissão, ao jogar mais reais no mercado, teoricamente poderia aumentar a inflação, o que, considerando-se a política de controle de preços praticada pelo Governo, levaria a mais aumento nas taxas de juros. Ou seja, mesmo que queira aumentar as reservas internacionais do País, consideradas baixas quando comparadas com as de outros países emergentes (China e Rússia por exemplo), o custo é muito alto, devido às taxas internas de juros aqui praticadas. Assim, se, para a autoridade monetária, esperar pela reação do mercado, visando reverter a valorização do real, pode ter um custo (desestímulo às exportações e a novos investimentos), intervir comprando dólares também não sai de graça para o Governo e atinge diretamente a dívida pública. Ao manter-se afastado do mercado cambial, o Governo não só evita aumentar seu endividamento, como pode estar usando novamente a âncora cambial para segurar a inflação, ao baratear as importações e todas as despesas relacionadas à remessa de moeda estrangeira para o exterior. Além disso, para alguns especialistas, ao manter o real forte, estar-se-ia criando um “colchão” que permitiria o enfraquecimento da moeda nacional, caso fosse criada uma situação de aversão ao risco internacional. Entretanto a inflação brasileira está mais atrelada aos preços administrados — os quais, por não serem bens comercializáveis com o exterior, praticamente não dependem do câmbio e podem ser 2 “O Tesouro Nacional poderá contratar divisas no mercado de câmbio para liquidar o serviço da dívida (principal e juros) relativo a Clube de Paris e dívida velha (bônus bradies e pré-bradies), com vencimentos entre agosto e dezembro de 2005, cujo valor estimado é de US$ 1.763 milhões. Adicionalmente, o Tesouro Nacional poderá contratar divisas para liquidar o serviço da dívida relativo a bônus com vencimentos entre agosto e dezembro de 2005, no valor de US$ 1.764 milhões.” 35 Algumas reflexões sobre a valorização cambial substituídos por similares importados, como os serviços de energia, saneamento e telefonia — do que propriamente à demanda por bens importados. Ou seja, os contratos indexados seriam o maior problema da inflação, o que reduziria a importância do preço do dólar no controle da taxa inflacionária, embora não se possa negar o papel da valorização do real no controle de alguns preços, como ocorre com o trigo e o petróleo por exemplo. Caso não houvesse queda nos preços, pelo menos haveria crescimentos menores nos produtos tradables. O ciclo de forte elevação dos preços em dólares das commodities observado a partir de 2001, juntamente com o aumento nos preços dos bens exportados em geral e com o crescimento das exportações mundiais, tem contrabalançado, em parte, a valorização do real para os exportadores e colaborado para a obtenção do saldo comercial, apesar do câmbio. Além de ser atribuído ao próprio excesso de liquidez da economia global, o aumento dos preços internacionais também é fruto da demanda aquecida nos Estados Unidos — cujo porte de sua economia é capaz de alterar os preços externos — e da entrada com mais força da China e da Índia no mercado de consumo mundial. Esses fatores também contribuíram para que o real se valorizasse, ao favorecerem a obtenção de superávits na BC brasileira, embora seja bom lembrar que: “O espaço de tempo entre a valorização e a queda das exportações será maior quando a economia mundial estiver crescendo mais, pois os importadores poderão repassar o aumento para seus clientes. Mas se o aumento do preço foi causado por valorização do câmbio, sempre vai existir um produtor em um país que não está vivendo a mesma valorização cambial. No caso atual, de maio de 2004 a maio de 2005, o real experimentou valorização de mais de 20,91% frente ao dólar norte-americano, enquanto uma cesta de 16 países apresentou valorização média de apenas 7,64%,este diferencial de câmbio implicará um aumento de competitividade de produtores de outros países” (FEDERAÇÃO..., 2005). Alguns efeitos da valorização cambial Na cadeia produtiva Caso a valorização do real se mantenha por um período mais longo, poderá ocorrer alguma desestruturação não só no setor exportador em si, mas na própria cadeia produtiva de alguns setores, já que não apenas os bens finais, mas também insumos e matérias-primas passariam a ser adquiridos lá fora, ao invés de serem fornecidos pela produção nacional. No caso brasileiro, uma análise dos índices de preços e de quantum das importações elaborado pela Funcex mostra que, no acumulado de 12 meses, até junho de 2005, à exceção dos combustíveis, cujo preço subiu mais do que as quantidades importadas, as demais categorias de uso registraram maior crescimento nos índices de quantum do que nos de preços. O maior aumento nos índices de quantum das importações ocorreu nos bens de consumo duráveis, seguidos dos bens de capital e dos bens intermediários (B. Com. Ext., 2005). Quadro semelhante de substituição de produto nacional por importado já havia sido observado no período 1995-98, com estragos sobre as cadeias produtivas do País. A verdade é que, se a valorização do câmbio afeta as exportações no longo prazo, via perda de fôlego, nas importações a reação é mais rápida, já que os importadores, aproveitando o dólar baixo, se definem mais rapidamente em relação às suas compras. Inclusive os exportadores, na tentativa de segurarem a queda na rentabilidade das exportações, tanto quanto possível, passam a se abastecer de insumos e de matérias-primas no exterior, beneficiando-se ainda mais do drawback. Assim, as primeiras empresas a sofrerem os efeitos negativos da taxa cambial baixa são aquelas cuja mercadoria a ser exportada depende fundamentalmente de fornecedores nacionais. Tal é o caso dos produtos cuja fabricação é intensiva em mão-de-obra. Ou seja, mesmo entre os exportadores, a taxa de câmbio pode ser fator de maior ou menor importância para o sucesso de suas vendas ao exterior. Para aqueles setores que vêm incorporando vantagens de produtividade em relação aos seus concorrentes internacionais, o real valorizado terá um efeito negativo menor do que para aqueles cuja estrutura produtiva não permite reduzir custos via câmbio e que, ainda por cima, vêem reduzido o valor recebido em reais para cada dólar exportado, já que a valorização tem sido nominal e não apenas real. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 33-38, dez. 2005 36 Nos investimentos Sob o ângulo dos investimentos, a valorização do câmbio pode favorecer a modernização do parque produtivo nacional, através de maior aquisição de máquinas e equipamentos no exterior. E tudo indica que isso já esteja ocorrendo no Brasil, já que a taxa de variação do quantum importado de bens de capital ficou atrás apenas daquela de bens de consumo duráveis, conforme já citado anteriormente. Essa opção, atualmente, está sendo favorecida não só pelo câmbio, mas também pelo financiamento externo abundante e a juros baixos e pela reduzida tarifa aduaneira para bens de capital. Por outro lado, alguns segmentos do setor exportador mais prejudicados pela cotação cambial podem optar por uma redução nos investimentos, repensando projetos centrados nas exportações. E um dos aspectos perversos dessas decisões é que seus efeitos somente serão sentidos no longo prazo, na expansão futura das exportações, devido ao tempo de maturação dos investimentos. O próprio Governo, na pessoa do Ministro do Desenvolvimento, já vem dando sinais de preocupação em relação a isso (Leo, 2005). Ainda em relação aos investimentos, vale destacar que tem havido um aumento na ofensiva de companhias brasileiras no exterior, comprando empresas estrangeiras ou abrindo fábricas em outros países, fruto do estímulo à saída de capital decorrente do câmbio. Assim, de acordo com o Banco Central, de janeiro a julho de 2005, os investimentos brasileiros diretos líquidos no exterior somaram US$ 2 bilhões, com crescimento de 33% em relação a igual período do ano anterior. Os investimentos em carteira feitos pelo Brasil nos primeiros sete meses de 2005 somaram US$ 1,1 bilhão, valor 86% maior que de janeiro a julho de 2004. Já outros investimentos brasileiros no exterior apresentaram uma saída líquida de US$ 5,9 bilhões de janeiro a julho de 2005, enquanto, em igual período de 2004, houve um repatriamento (entrada) líquido de US$ 1 bilhão. Com isso, o Brasil, no passado, nunca registrou um nível tão elevado de saída de capitais brasileiros para o exterior, mesmo se levando em conta que, devido à valorização nominal de sua moeda, uma parte desse crescimento em 2005 se deve ao câmbio no momento da conversão de real para dólar. Isto porque, ao converter, como o preço do dólar está menor, se obtêm mais dólares na troca. Do mesmo modo, o estoque de investimento externo direto no País, quando convertido para dólares, também sofre uma elevação, que, em parte, pode ser explicada pela menor taxa de câmbio nominal. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 33-38, dez. 2005 Teresinha da Silva Bello Na concentração de empresas exportadoras Outro aspecto da atual valorização da moeda brasileira está relacionado com a diminuição do número total de empresas exportadoras desde março de 2005. A quantidade mensal das que saíram do mercado externo desde essa data tem sido maior que o número das que entraram, de acordo com levantamento feito pela Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) (ASSOCIAÇÃO..., 2005). Em alta havia um ano, esse crescimento mensal foi interrompido a partir de março, embora o número total de empresas, no acumulado jan.-maio/05, ainda tenha sido maior que no mesmo período de 2004. Analisando-se o número de empresas pela faixa de valor das exportações, observou-se que a redução só ocorreu para aquelas com vendas ao exterior de até US$ 60 mil por ano, ou seja, micro, pequenas e médias (Grupo 3), sendo que as empresas do Grupo 1 (de US$ 6 milhões para cima) e as do Grupo 2 (entre US$ 60 mil e US$ 6 milhões) tiveram elevação no número de empresas exportadoras, caracterizando uma concentração das vendas externas em empresas de maior porte. De acordo com a AEB, as empresas do Grupo 3 “(...) têm maior custo de produção e não possuem saúde financeira para continuar exportando com a taxa cambial vigente, que não proporciona rentabilidade financeira e muito menos competitividade comercial” (ASSOCIAÇÃO..., 2005). Afora os aspectos negativos internos dessa retirada do mercado exportador — o maior deles ligado à redução no emprego —, a concentração de empresas pode ter reflexos negativos também na vulnerabilidade externa do País, já que o volume e o valor das exportações dependeriam de um número menor de exportadores. Além disso, entre as firmas que se retiraram, predominam aquelas ligadas a segmentos com forte presença de capital nacional, como calçados, confecções e móveis (FEITIÇO..., 2005). Tal fato também pode aumentar a vulnerabilidade, já que concentra ainda mais as exportações em mãos das empresas multinacionais, e sabe-se que as decisões de entrar ou não no mercado externo, de quanto e para quem vão exportar, por exemplo, na maioria das vezes, fazem parte de uma estratégia global dessas corporações. Ou seja, políticas internas levadas a termo pelo Brasil teriam influência menor nas tomadas de decisão, já que dependeriam, principalmente, do que fosse decidido pelas matrizes das multinacionais. A própria AEB mostrou preocupação com a saída de empresas pequenas do mercado externo: 37 Algumas reflexões sobre a valorização cambial “O quadro atual é contrário aos objetivos almejados para as exportações brasileiras, representados pela descentralização das exportações, mediante o fortalecimento e a expansão do número de micro, pequenas e médias empresas exportadoras” (ASSOCIAÇÃO..., 2005). Na remessa de lucros e dividendos Ainda em relação às empresas multinacionais, é importante destacar que um real fortalecido cria uma dicotomia: se, de um lado, a desvalorização do dólar reduz a rentabilidade e as oportunidades das exportações, de outro, facilita a remessa de lucros e dividendos, além de melhorar a apresentação de resultados no exterior, já que estes, em sua maioria, são expressos em dólares. A expansão das remessas de lucros e dividendos, em valores absolutos, no Brasil, não é um evento novo e já vem sendo observada há alguns anos, juntamente com o aumento dos investimentos externos diretos. Mas, com a retomada do crescimento econômico no País e a valorização cambial, esse incremento nas remessas vinha sendo atribuído à maior lucratividade das empresas e à antecipação de remessas de lucros e dividendos devido ao câmbio. Neste último caso, haveria o temor de uma retomada da desvalorização do real, o que até agora não ocorreu. Com a queda do preço do dólar em valores nominais, outro fator pode ser apresentado como causa de aumento dessas remessas: o real valorizado nominalmente faz com que os lucros auferidos em reais, nos balanços das empresas multinacionais aqui localizadas, quando medidos em dólares, fiquem maiores, à semelhança do que ocorre com o estoque de capital estrangeiro. Assim, nos primeiros sete meses de 2005, as remessas líquidas de lucros e dividendos relativos aos investimentos diretos elevaram-se 75% em relação a jan.-jul./04. Já aquelas relativas aos investimentos em carteira tiveram um acréscimo de 53%. No total (remessas de lucros e dividendos de investimentos diretos mais remessa de lucros e dividendos de investimentos em carteira), até julho, o País enviou ao exterior US$ 6,8 bilhões contra US$ 4,1 bilhões nos primeiros sete meses de 2005 (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2005). Considerações finais Os bons resultados nas transações correntes e especialmente os recordes que vêm sendo obtidos nas exportações podem levar à suposição de que a valorização do câmbio não tenha prejudicado o desempenho da BC e da economia em geral. Entretanto, não fosse o desestímulo às vendas externas, o País poderia estar beneficiando-se bem mais das oportunidades de um mercado externo em expansão. Desde 2003, as circunstâncias internacionais têm sido muito boas, quer no plano comercial, quer no financeiro: expansão na demanda externa, com aumento no preço das commodities exportadas pelo Brasil, e excelente liquidez internacional, favorecida pelos baixos juros praticados nos maiores mercados do mundo. A dúvida que permanece é se todas essas circunstâncias se manterão nos próximos anos, devido, principalmente, ao risco representado pela situação financeira dos Estados Unidos. Assim, parece conveniente que o País não se descuide em termos de ajustamento externo e procure manter uma taxa de câmbio mais competitiva, direcionada ao estímulo às exportações e ao exercício de um relativo controle das importações de bens e serviços, evitando uma apreciação exagerada do real, como a que vem acontecendo desde 2004. O fascínio pelo aumento do valor externo da moeda é grande: barateia a importação de bens e serviços, reduz o custo doméstico das dívidas em moeda estrangeira e favorece o combate à inflação. Talvez por isso, muitos governos, em época de grande liquidez internacional, deixem-se seduzir pela sobrevalorização cambial. Vale lembrar, porém, que não se conhece exemplo de país em desenvolvimento que tenha logrado crescimento econômico expressivo com taxa de câmbio valorizada, sem um forte setor externo e com exportações e reservas substanciais. Desse modo, parece ser consenso que, se o Brasil quiser crescer, dificilmente poderá fazê-lo mantendo a atual política cambial. Mesmo longe do que aconteceu com o câmbio em 1998, já que, à época, havia forte fuga de capitais, ainda resta a lembrança do que o País enfrentou — e até hoje enfrenta — como conseqüência dos desequilíbrios externos gerados pelo uso prolongado da âncora cambial. A questão, então, é saber por quanto tempo poderá ser mantida essa política, sem causar danos expressivos à economia, especialmente para a indústria nacional, não só pela valorização, mas, mais do que isso, pela volatilidade do câmbio, já que o valor do dólar para daqui a 12 meses, no Brasil, é difícil de predizer. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 33-38, dez. 2005 38 Enquanto isso, a autoridade monetária, talvez até pelo custo que a intervenção no câmbio pode acarretar aos cofres públicos, parece esperar por um ajuste clássico da taxa de câmbio, isto é, ao sabor das forças do mercado: quando os efeitos da valorização se fizerem sentir sobre a economia, aumentando a saída e reduzindo a entrada de dólares, os próprios agentes do mercado trocarão suas posições, invertendo a tendência. Enquanto essa reversão não ocorre, a internalização de dólares para conversão em real parece ser um dos melhores negócios do mundo em 2005. Resta saber se, em um prazo mais longo, será também um bom negócio para o País. Referências ASSOCIAÇÃO DE COMÉRCIO EXTERIOR DO BRASIL (AEB). Reflexos da taxa de câmbio sobre as exportações. São Paulo. Disponível em: http://www.aeb.org.br/AEB-EmpresasExportadorasQtd Acesso em: 27 jun. 2005. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Nota para a imprensa — setor externo. Brasília, 18 ago. 2005. BOLETIM DO COMÉRCIO EXTERIOR. Rio de Janeiro: FUNCEX, v. 9, n. 7, jul. 2005. BORGES, Ana. Real é o mais valorizado entre emergentes. Jornal do Comércio, Porto Alegre, p. 11, 06 jun. 2005. FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DE SÃO PAULO (FIESP). As sete quedas das exportações: o que a história nos ensina? São Paulo. Disponível em: http://www.fiesp.com.br/download/pesquisa/ Acesso em: 24 jun. 2005. FEITIÇO cambial. Folha de São Paulo, São Paulo, p.A-2, 30 maio 2005. LEO, Sérgio. Furlan admite que câmbio já prejudica negócios e ameaça o investimento. Valor Econômico, São Paulo, p. A-3, 06 ago. 2005. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 33-38, dez. 2005 Teresinha da Silva Bello 39 Mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre... Mercado de trabalho Mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre: melhoria no perfil dos assalariados Alejandro Kuajara Arandia* Economista, Pesquisador da FEE e Professor da Unisinos. Artigo recebido em 10 out. 2005 O artigo que ora se apresenta tem por finalidade analisar o mercado de trabalho da Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) com base nas informações mais recentes da Pesquisa de Emprego e Desemprego na Região Metropolitana de Porto Alegre (PED-RMPA), através de dois recortes, um mensal e outro anual, ou seja, tomando-se o mês de agosto de 2005 como referência, estabeleceu-se comparação com o mês de julho deste ano, bem como com o mês de agosto de 2004. Para atingir o objetivo proposto, são utilizadas as principais variáveis do mercado de trabalho, tais como a ocupação, o desemprego e os rendimentos, com a finalidade de captar, através do exame das variações mensal e anual, os movimentos mais recentes do mercado de trabalho da RMPA. Examinando os dados da PED-RMPA, constata-se que o mercado de trabalho evoluiu de maneira favorável no período recente de 2005. Segundo o levantamento aludido, apesar de ter registrado, em agosto, um aumento de 1,4% na taxa de desemprego, em comparação com o mês anterior, houve crescimento do nível de ocupação tanto na comparação mensal quanto na anual, com destaque para um maior crescimento de assalariados do setor privado com carteira de trabalho assinada e elevação, nos meses recentes, da massa de rendimentos reais, tanto dos ocupados quanto dos assalariados. * O autor agradece à equipe de análise da PED-RMPA, especialmente a Roberto Wiltgen, Raul Assumpção Bastos e Míriam De Toni, pelos comentários e sugestões, bem como à bolsista Thaís Ferreira Persson e à estagiária Gabriela Holtz Boffo, pelo auxílio na elaboração das tabelas e dos gráficos. Expansão continuada da ocupação Em relação ao nível de ocupação, os dados de agosto de 2005 confirmam um aumento pelo quarto mês consecutivo — após o decréscimo de três meses seguidos —, com a criação de 11.000 novos postos de trabalho na comparação com o mês anterior. Em relação a agosto de 2004, houve crescimento de 3,7%, significando uma incorporação de 56.000 trabalhadores. Com esse desempenho, o resultado dos períodos mensal e anual pesquisados denota uma evolução positiva da ocupação (Tabela 1). Na desagregação da ocupação por setor de atividade, o comércio registrou crescimento de 5,5% tanto no confronto mensal — agosto contra julho de 2005 —, como quando se compara o mês de agosto com o mesmo mês do ano anterior, caracterizando evolução positiva de 15.000 vagas. A indústria de transformação também merece atenção especial, pois, embora tenha apresentado oscilações ao longo do período em foco, registrou alta de 2,0% em relação ao mês anterior e crescimento expressivo de 5,1% na comparação entre agosto de 2005 e agosto de 2004. Considerando-se o mês de agosto ante o de julho de 2005, o comércio foi o que apresentou o maior crescimento mensal, ao passo que, na ponta oposta, o setor serviços foi responsável pela extinção de 12.000 vagas, apresentando um saldo negativo de 1,4%. O fato de praticamente todos os setores de atividade terem mostrado expansão no mês de agosto, quando comparado ao mês anterior e ao mesmo mês do ano anterior, é indicativo do grau de consistência do desempenho do mercado de trabalho da RMPA (Tabela 2). Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 39-46, dez. 2005 40 Alejandro Kuajara Arandia Tabela 1 Estimativa do número de pessoas ocupadas, por posição na ocupação, na RMPA — ago./04-ago./05 (1 000 pessoas) ASSALARIADOS (1) PERÍODOS TOTAL DE OCUPADOS Setor Privado Total Setor Público (3) Total Com carteira assinada Sem carteira assinada EMPREGAOUTROS AUTÔNO- DOS DO(2) MOS MÉSTICOS 2004 Ago. 1 527 1 010 191 819 667 152 268 104 145 Set. 1 555 1 030 198 832 677 155 276 105 144 Out. 1 551 1 019 191 828 671 157 279 108 145 Nov. 1 536 1 012 190 822 665 157 280 107 137 Dez. 1 533 1 015 192 823 668 155 274 109 135 Jan. 1 557 1 027 191 836 688 148 286 109 135 Fev. 1 549 1 030 184 846 705 141 283 107 129 Mar. 1 544 1 031 177 854 715 139 278 103 131 Abr. 1 535 1 031 181 850 712 138 273 97 134 Maio 1 537 1 030 187 843 707 136 272 97 138 Jun. 1 550 1 042 188 854 718 136 274 99 135 Jul. 1 572 1 062 198 864 728 136 272 104 134 Ago. 1 583 1 072 193 879 740 139 269 104 138 11 10 -5 12 3 -3 0 4 56 62 2 73 -13 1 0 -7 2005 ∆ mensal Ago./05 sobre jul./05 15 ∆ anual Ago./05 sobre ago./04 60 FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP, DIEESE e apoio PMPA. NOTA: Os dados têm como base a média de 2000 = 100. (1) Exclui empregados domésticos. (2) Engloba empregadores, profissionais universitários autônomos, donos de negócio familiar, etc. (3) Engloba empregados nos Governos Municipal, Estadual e Federal, nas empresas de economia mista, nas autarquias, etc. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 39-46, dez. 2005 41 Mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre... Tabela 2 Estimativa da População Economicamente Ativa, ocupada, por setor de atividade econômica, e desempregada, na RMPA — ago./04-ago./05 (1 000 pessoas) OCUPADOS PERÍODOS PEA Total 2004 Ago. Set. Out. Nov. Dez. 2005 Jan. Fev. Mar. Abr. Maio Jun. Jul . Ago. ∆ mensal Ago./05 sobre jul./05 ∆ anual Ago./05 sobre ago./04 Indústria de Comércio Transformação Serviços Construção Serviços Outros Civil Domésticos DESEMPREGADOS 1 816 1 832 1 820 1 796 1 791 1 527 1 555 1 551 1 536 1 533 291 299 288 278 279 272 262 262 261 262 776 797 799 796 796 78 84 86 86 80 104 105 108 107 109 6 8 8 8 7 289 277 269 260 258 1 817 1 807 1 806 1 800 1 806 1 824 1 839 1 856 1 557 1 549 1 544 1 535 1 537 1 550 1 572 1 583 294 304 313 309 299 301 300 306 265 266 264 264 255 260 272 287 800 785 777 783 807 806 811 799 81 79 79 77 74 76 77 79 109 107 103 97 97 99 104 104 8 8 8 5 5 8 8 8 260 258 262 265 269 274 267 273 17 11 6 15 -12 2 0 0 6 40 56 15 15 23 1 0 2 -16 FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP, DIEESE e apoio PMPA. Maior formalização do emprego Em relação à desagregação das ocupações por tipo de inserção ocupacional, houve, para o setor privado, tanto na comparação mensal quanto na anual, uma melhora na qualidade do conjunto das ocupações, em razão de um aumento do emprego com carteira de trabalho assinada. Considerando-se o mês de agosto em relação ao mês anterior, ocorreu variação positiva para o contingente de assalariados (1,7%). No âmbito do setor privado, cabe registrar o crescimento do emprego com carteira assinada (1,6%), seguindo movimento ascendente pelo terceiro mês consecutivo, e o crescimento do emprego sem carteira de trabalho assinada (2,2%) pela primeira vez neste ano. Na comparação com o mesmo mês do ano anterior, constata-se uma expansão do contingente de assalariados de 7,3%, destacando-se a criação de postos de trabalho com carteira de trabalho assinada (73.000) em paralelo a uma expressiva redução das inserções legalmente desprotegidas, isto é, sem carteira de trabalho assinada (-13.000). Registre-se que, no setor público, as alterações foram pouco expressivas, com acréscimo de 1,0% em seu contingente (2.000 empregos a mais) — Tabela 1. Com esses movimentos, a variação do contingente de trabalhadores com carteira de trabalho assinada, por setor de atividade, ante o total de trabalhadores sem carteira manteve-se elevado para os setores serviços, indústria e comércio (Tabela 3). O grau de formalidade, considerando-se apenas os trabalhadores com carteira assinada do setor privado, em agosto, em relação ao mesmo mês do ano anterior, registrou crescimento de 7,3%, ante 1,0% do setor público, e de 3,7% para o total de ocupados, em paralelo a uma queda de 8,6% dos trabalhadores assalariados sem carteira assinada (Tabela 1). Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 39-46, dez. 2005 42 Alejandro Kuajara Arandia Tabela 3 Estimativa dos assalariados do setor privado, por setor de atividade e vínculo de trabalho, na RMPA — ago./04-ago./05 (1 000 pessoas) PERÍODOS 2004 Ago. Set. Out. Nov. Dez. 2005 Jan. Fev. Mar. Abr. Maio Jun. Jul. Ago. ∆ mensal Ago./05 sobre jul./05 ∆ anual Ago./05 sobre ago./04 INDÚSTRIA Com Sem Carteira Carteira CONSTRUÇÃO CIVIL Com Sem Carteira Carteira COMÉRCIO Com Sem Carteira Carteira SERVIÇOS Com Sem Carteira Carteira 222 226 213 210 210 31 35 35 34 32 25 25 27 27 26 (1)(1)(1)(1)(1)- 133 131 133 129 127 32 29 29 31 33 286 294 296 299 303 78 80 82 78 77 220 231 244 244 236 236 237 243 31 29 26 26 24 24 22 24 25 24 24 22 22 24 25 25 (1)(1)(1)(1)(1)(1)(1)(1)- 127 135 137 135 134 139 148 154 35 33 32 29 26 27 27 28 314 314 309 310 315 317 316 316 70 71 75 77 80 78 79 76 6 2 0 (1)- 6 1 0 -3 21 -7 0 (1)- 21 -4 30 -2 FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP, DIEESE e apoio PMPA. (1) A amostra não comporta desagregação para essa categoria. Cresce a participação feminina na ocupação Considerando as características individuais dos trabalhadores, a desagregação da ocupação por sexo apontou variação positiva para ambos os segmentos, com ampliação mais expressiva para as mulheres. Assim, na comparação dos resultados de agosto e julho de 2005, o incremento foi de 1,0% para as mulheres e de 0,4% para os homens, com aumento de 7.000 ocupações para o contingente de mulheres e de 4.000 para o de homens. No que diz respeito à comparação anual, o movimento também foi semelhante: crescimento de 4,8% para as mulheres e de 2,8% para os homens, o que significa que 32.000 mulheres foram absorvidas pelo mercado de trabalho, contra 24.000 homens. Em termos de participação relativa por sexo no total da ocupação, esse movimento significou, na comparação anual, um Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 39-46, dez. 2005 aumento, para as mulheres, de 43,4% para 43,8% e uma queda, para os homens, de 56,6% para 56,2% do total de ocupados (Tabela 4). Em relação à desagregação da ocupação por faixas de escolaridade dos trabalhadores, o contingente de pessoas que possuem ensino médio completo ou superior incompleto foi o grupo que mais cresceu. Observa-se, na comparação mensal de agosto contra julho de 2005, que um número significativo de 13.000 pessoas com ensino médio completo ou superior incompleto e um número de 2.000 pessoas com curso superior completo foram absorvidas pelo mercado de trabalho. No que diz respeito à comparação anual, dos 56.000 postos de trabalho gerados em agosto de 2005, em relação a agosto do ano anterior, 49.000 foram preenchidos pelas pessoas com ensino médio completo ou superior incompleto; o contingente de pessoas com mais escolaridade, ou seja, superior completo, aumentou em 14.000 pessoas. 43 Mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre... Considerando-se que o movimento positivo, tanto na comparação mensal quanto na anual, se deu principalmente entre os mais escolarizados, associado ao fato de o emprego no setor privado ter crescido mais entre os com carteira de trabalho assinada, pode-se apontar como característica, no período estudado, e que deve ser monitorada de perto nos próximos meses, a criação de empregos de melhor qualidade (Tabela 5). Outro fato positivo entre agosto de 2005 e o mesmo mês do ano anterior foi a capacidade de absorção de mão-de-obra mostrada pelo mercado de trabalho, quando o aumento da ocupação (56.000 pessoas) se revelou, no período em foco, mais do que suficiente para absorver a pressão dos novos ingressantes no mercado de trabalho — 40.000 pessoas entraram na População Economicamente Ativa (PEA) —, o que provocou uma diminuição no contingente de desempregados (-16.000) — Gráfico 1. Ao examinar o Informe PED de agosto de 2005, constata-se que, em relação à taxa de desemprego, apesar de ter havido elevação da mesma em agosto, na comparação com julho de 2005, de 1,4%, houve decréscimo de 7,5%, quando se leva em conta a variação anual agosto de 2005 contra agosto de 2004. A elevação da taxa de desemprego total em agosto de 2005 decorreu do aumento da taxa de desemprego oculto, que passou de 4,2% da PEA em julho para 4,6% em agosto. Já o declínio observado na comparação anual decorreu da queda conjunta tanto da taxa de desemprego aberto quanto da do oculto1. Tomando como referência a taxa de desemprego por atributo pessoal, observa-se, na comparação anual, que esse indicador caiu para quase todos os segmentos, com exceção daquele com 40 anos e mais e do dos chefes de domicílio2. No que diz respeito aos chefes de domicílio, cabe ressaltar que a taxa de desemprego respectiva, após apresentar queda desde o início de 2005, reverteu essa tendência a partir do mês de julho, sendo que, em agosto, o crescimento da taxa de desemprego dos chefes foi de 11,0% frente ao mês anterior. Caso esse movimento continue, trará efeitos adversos às famílias, na medida em que a sobrevivência passa a depender cada vez mais do esforço coletivo da família. Na comparação anual, segundo o Informe PED de agosto de 2005, o decréscimo observado na taxa de desemprego refletiu na redução do indicador tempo médio despendido pelos desempregados na procura de trabalho, o qual recuou de 44 para 39 semanas, ou seja, um decréscimo de cinco semanas. Registre-se que, embora esse resultado denote uma melhoria do indicador, o tempo de procura por trabalho ainda permanece elevado. Tabela 4 Estimativa e distribuição dos ocupados, por sexo, na RMPA — ago./04, jul./05 e ago./05 PERÍODOS E PARTICIPAÇÕES Ago./04 Absoluta (1 000 pessoas) .................................. Relativa (%) ....................................................... Ago./05 Absoluta (1 000 pessoas) .................................. Relativa (%) ....................................................... Jul./05 Absoluta (1 000 pessoas) .................................. Relativa (%) ....................................................... MULHERES HOMENS TOTAL 662 43,4 865 56,6 1 527 100,0 694 43,8 889 56,2 1 583 100,0 687 43,7 885 56,3 1 572 100,0 FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP, DIEESE e apoio PMPA. 1 Para maiores informações sobre o comportamento da taxa de desemprego aberto e oculto, consultar Informe PED (2005b). 2 Para um maior detalhamento dos dados sobre a evolução da taxa de desemprego por atributo pessoal, ver Informe PED (2005b). Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 39-46, dez. 2005 44 Alejandro Kuajara Arandia Tabela 5 Estimativa e distribuição dos ocupados, por escolaridade, na RMPA — ago./04, jul./05 e ago./05 PERÍODOS E PARTICIPAÇÕES FUNDAMENTAL COMPLETO OU MÉDIO INCOMPLETO MÉDIO COMPLETO OU SUPERIOR INCOMPLETO SUPERIOR COMPLETO TOTAL 447 29,3 321 21,0 557 36,5 182 11,9 1 527 100,0 443 28,0 322 20,3 606 38,3 196 12,4 1 583 100,0 440 28,0 326 20,7 593 37,7 198 12,6 1 572 100,0 FUNDAMENTAL INCOMPLETO Ago./04 Absoluta (1 000 pessoas) ..................... Relativa (%) .......................................... Ago./05 Absoluta (1 000 pessoas) ..................... Relativa (%) .......................................... Jul./05 Absoluta (1 000 pessoas) ..................... Relativa (%) .......................................... FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP, DIEESE e apoio PMPA. NOTA: A amostra de ocupados sem escolaridade não comporta desagregação da informação. Gráfico 1 Taxa de desemprego e estimativa do número de ocupados na RMPA — jan./04-ago./05 Taxa de desemprego (%) Ocupados (1 000 pessoas) 1 590 18 17 1 570 16 1 550 15 14 1 530 13 1 510 12 1 490 11 1 470 10 Legenda: Taxa de desemprego Ocupados FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP, DIEESE e apoio PMPA. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 39-46, dez. 2005 Ago. Jul. Jun. Maio Abr. Mar. Fev. Jan. Dez. Nov. Out. Set. Ago. Jul. Jun. Maio Abr. Mar. Fev. 01 450 Jan. 90 45 Mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre... Evolução desfavorável dos rendimentos do trabalho positiva de 0,8% para os trabalhadores com carteira de trabalho assinada e de 1,2% para os sem carteira. Ao contrário, esse indicador, na comparação com julho do ano anterior, registrou decréscimo de 1,7% para os com carteira e de 9,9% para os sem carteira de trabalho assinada. Como houve um aumento expressivo de pessoas no contingente de ocupados com carteira de trabalho assinada, é provável que esses trabalhadores tenham entrado, em grande parte, com salários menores, pressionando os rendimentos médios dessa categoria para baixo. Quanto à massa de rendimentos reais, segundo o Informe PED do mês de agosto de 2005, verificou-se crescimento, na comparação anual, de 2,7% para os ocupados e de 2,3% para os assalariados, determinado pelo aumento no emprego, que mais que compensou a queda no rendimento médio real. De acordo com as informações da PED-RMPA sobre rendimentos do trabalho, no mês de julho do corrente ano, o rendimento médio real dos ocupados permaneceu relativamente estável, e o dos assalariados apresentou variação negativa de 0,6%. Em termos monetários, esses rendimentos passaram a ser de R$ 900 e de R$ 903 respectivamente (Gráfico 2). Examinando os dados sobre o salário médio real no trabalho principal, segundo o setor de atividade econômica e o registro em carteira de trabalho3, na RMPA, verificam-se movimentos opostos de recomposição nas comparações mensal e anual. Em julho de 2005, frente ao mês anterior, o salário médio real apresentou variação Gráfico 2 Índices do rendimento e do salário médio real na RMPA — jul./04-jul./05 Índice 92 90 88 86 84 82 Legenda: Rendimento Jul./05 Jun./05 Maio/05 Abr./05 Mar./05 Fev./05 Jan./05 Dez./04 Nov./04 Out./04 Set./04 Ago./04 Jul./04 80 Salário FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP, DIEESE e apoio PMPA. NOTA: Inflator utilizado: IPC-IEPE; valores em reais de jul./05. 3 Referentemente aos dados sobre a variação dos rendimentos em geral por setor de atividade econômica e registro em carteira de trabalho, consultar Informe PED (2005b). Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 39-46, dez. 2005 46 Alejandro Kuajara Arandia Considerações finais INFORME PED. Porto Alegre: FEE, v. 14, n. 7, ago. 2005a. Apesar de ter-se registrado, em agosto de 2005, um aumento de 1,4% na taxa de desemprego, na comparação com o mês anterior, houve decréscimo de 7,5%, quando se leva em conta a variação anual agosto de 2005 contra agosto de 2004. Em sentido contrário, merece destaque o movimento desfavorável dos rendimentos do trabalho. Em relação ao nível de ocupação, houve crescimento tanto na comparação mensal quanto na anual, com destaque para um maior crescimento dos assalariados do setor privado com carteira de trabalho assinada. O grau de formalidade, considerando-se apenas os trabalhadores com carteira assinada do setor privado, em agosto, em relação ao mesmo mês do ano anterior, registrou crescimento de 7,3%, ante 1,0% do setor público e de 3,7% para o total de ocupados, em paralelo a uma queda de 8,6% dos trabalhadores assalariados sem carteira assinada. Dada a evolução desse conjunto de indicadores — exceção aos rendimentos do trabalho —, pode-se dizer que, considerando a comparação de agosto de 2005 com o mês anterior e com o mesmo mês do ano anterior, o mercado de trabalho evoluiu positivamente, com destaque para a melhoria da qualidade dos novos postos de trabalho, o que significa maior formalização. Dessa maneira, o mercado de trabalho da Região Metropolitana de Porto Alegre parece não ter sentido, ainda, os impactos da desaceleração apontada por alguns indicadores do nível de atividade, especialmente da indústria gaúcha, na esteira do processo de elevação da taxa de juros, que começou em setembro do ano passado, além da desvalorização do dólar. Contudo, a se confirmar esse cenário negativo que coloca a indústria gaúcha em estado de alerta, tal impacto deverá, mais cedo ou mais tarde, repercutir sobre a ocupação, com todas as agruras que a diminuição de criação de postos de trabalho traz para os demais indicadores do mercado de trabalho e, conseqüentemente, para a qualidade de vida da população. INFORME PED. Porto Alegre: FEE, v. 14, n. 8, ago. 2005b. Referências CARTA DE CONJUNTURA FEE. Porto Alegre: FEE, v. 14, n. 7, jun. 2005a. CARTA DE CONJUNTURA FEE. Porto Alegre: FEE, v. 14, n. 8, ago. 2005b. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 39-46, dez. 2005 MERCADO de trabalho. Conjuntura e Análise, Brasília: IPEA, v. 10, n. 27, maio 2005. 47 Educação infantil no Brasil e no Rio Grande do Sul: o descompasso frente à legislação Indicadores sociais Educação infantil no Brasil e no Rio Grande do Sul: o descompasso frente à legislação Hélios Puig Gonzalez* Economista da FEE. Salvatore Santagada* Sociólogo da FEE. 1 - Introdução Neste artigo, investiga-se a educação infantil no período 1999-05, examinando-se a compatibilização entre a oferta disponível de matrículas e o potencial da demanda acenado pelos objetivos da legislação nesse nível de ensino, através de um grupo de indicadores educacionais, quais sejam, matrículas iniciais, alunos na escola por faixa etária, formação de professores e recursos educacionais disponíveis nas escolas. Também se busca contribuir para o debate sobre a importância da educação infantil, para levar a bom termo os objetivos da educação básica brasileira. Assim, no primeiro momento, são apresentados a legislação pertinente à educação infantil e o questionamento quanto à alocação dos recursos financeiros para viabilizá-la. E, no segundo, a partir análise dos dados, são avaliadas as possibilidades e as carências no cumprimento dos objetivos estabelecidos pela legislação. 2 - A educação infantil: uma parte importante da educação básica Nos últimos 20 anos, a educação infantil, no Brasil e no mundo, foi foco de profundas reflexões no campo da legislação, da investigação pedagógica e das políticas públicas governamentais. As Nações Unidas, a partir da Conferência Mundial de Educação para Todos (em Jomtien, na Tailândia, em 1990), que contou com a participação do Governo brasileiro, preconizou que a educação é, ao mesmo tempo, um direito verdadeiramente humano e uma responsabilidade social dos governos. As transformações no campo da educação infantil de zero a seis anos, no Brasil, ocorridas a partir do final dos anos 80, foram moldadas num contexto de reivindicações por “educação pública, gratuita e de qualidade”, parcialmente reconhecidas na legislação, sendo que essa luta representa, por diversas causas, a continuidade de um movimento mais amplo no plano mundial.1 De acordo com Longhi, esse reconhecimento, no Brasil, se deve a diferentes motivações: “Dentre os principais motivos que levaram à expansão da área de educação infantil, destacam-se o reconhecimento da sociedade da importância das experiências da infância para o desenvolvimento da criança; as conquistas sociais dos movimentos pelos direitos da criança, dentre elas, o acesso à educação nos primeiros anos de vida; a crescente urbanização do País; a inserção das mulheres no mercado de trabalho. Os novos padrões de organização familiar; as condições de abandono infantil e, especialmente, o reincidente fracasso escolar nas primeiras séries do ensino básico (...)” (Longhi, 2005, p. 198). 1 * Os autores agradecem ao colega Carlos Roberto Winckler as observações feitas à versão preliminar deste artigo. Um marco básico é o do reconhecimento pelos governos, através da ONU, da necessidade da defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes. O documento inicial foi a Declaração dos Direitos da Criança (20.11.1959). Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005 48 Hélios Puig Gonzalez; Salvatore Santagada Para Alessio Surian (2005), no mundo, há mais de 900 milhões de analfabetos (70% dos quais são mulheres), 120 milhões de crianças não alfabetizadas (na grande maioria, mulheres) e 150 milhões de alunos que abandonam a escola antes de completar o quarto ano de escolarização básica. No Brasil, segundo Marie-Pierre Poirier (Rodrigues; Nascimento, 2005, p. 49), representante da Unicef no País, 2,7 milhões de crianças não completam a quarta série, e muitas saem das escolas analfabetas. Uma motivação de fundo que aponta a superação da falta de qualidade do ensino no Brasil diz respeito à crítica do Professor Dermeval Saviani (Domínios..., 2002, p. 5), que afirma que “O ensino no Brasil, a partir dos anos 90, ficou atrelado ao assistencialismo, à maquiagem estatística e à onda de privatizações” e que “(...) as políticas educacionais governamentais têm estimulado, nos últimos anos, um viés assistencialista”. A prioridade em implementar políticas públicas para alcançar a “educação para todos” tem, na educação infantil, um primeiro passo para qualificar e redefinir a educação do País. Os argumentos científicos que mostram a importância de se acompanhar o desenvolvimento da criança2 levam à requisição de uma ampliação dos recursos educacionais, através da habilitação de pedagogos e de outros profissionais para acompanharem a criança na escola. A legislação brasileira começou a reconhecer os direitos das crianças na Constituição Federal (Brasil, 1988). Esses direitos ampliaram-se com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, 1990), na definição da Política Nacional de Educação infantil (1993), e com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (Brasil, 1996), onde a creche (para crianças de zero a três anos) e a pré-escola (para crianças de quatro a seis anos) formam o primeiro nível de ensino — educação infantil. Além da educação infantil, ainda fazem parte da educação básica definida na LDB os ensinos fundamental e médio. O novo enfoque do legislador e os compromissos a serem assumidos pela sociedade civil e pelo Governo sobre a educação das crianças pequenas terão conseqüências fundamentais, conforme Kappel (2001, p. 36), “(...) na organização da política de atendimento e 2 “A ciência mostra que o período que vai da gestação até o sexto ano de vida, particularmente de 0 a 3 anos, é o mais importante na preparação das bases das competências e habilidades no curso de toda a vida humana.” (Relevância..., 2005). Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005 na definição de estratégias visando à expansão, à melhoria e à garantia da qualidade” da educação infantil. A LDB proclamou, conforme Cerisara (2002, p. 331), pela primeira vez na história das legislações brasileiras, a educação infantil como um direito das crianças, um dever do Estado e uma opção das famílias, não assumindo um caráter de obrigatoriedade. A passagem das creches para a responsabilidade das Secretarias de Educação dos municípios rompeu com o caráter, anterior, meramente assistencialista. Agora, existe uma proposta indissociável e complementar entre a obrigatoriedade da função de educar e a de cuidar. A LDB considera a educação infantil uma parte inseparável da educação básica, tendo por finalidade o desenvolvimento integral da criança de zero a seis anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. As orientações constantes na LDB (Brasil, 1996) estão consubstanciadas na proposta pedagógica e curricular indicada pelo Referencial Curricular Nacional Para a Educação Infantil (RCNEI) (Brasil, 1998, v. 1, p. 18), do Ministério da Educação, pelas Diretrizes Curriculares Nacionais Para Educação Infantil (DCNEI) (Brasil, 1999), do Conselho Nacional de Educação. Nesses documentos, são assumidas as especificidades da educação infantil e revistas as concepções sobre a infância.3 3 - O financiamento da educação infantil O financiamento da educação infantil, apesar de ser contemplado na Constituição de 1988, nunca esteve garantido, e o problema permaneceu com a Emenda Constitucional (EC) nº 14, de 12 de setembro de 1996, que visou, prioritariamente, estabelecer uma nova sistemática de financiamento para o ensino fundamental, através da criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). No que diz respeito à educação infantil, na EC 14, o art. 211 continuou com a seguinte redação: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino”. E reafirmou, na nova redação do parágrafo 3 Não é objeto do presente artigo analisar a proposta político-pedagógica subjacente tanto no RCNEI quanto nas DCNEI. 49 Educação infantil no Brasil e no Rio Grande do Sul: o descompasso frente à legislação 2º, “Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil”. A Constituição de 1988, ao apontar a responsabilidade dos municípios no atendimento da necessidade de financiamento do ensino fundamental e da pré-escola (que agora se classifica como educação infantil), estabelece que estes devem aplicar 25%, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida também a proveniente de transferências, na manutenção e no desenvolvimento do ensino sob sua responsabilidade. No art. 208, no parágrafo 1º, já estava estabelecido apenas o ensino fundamental como obrigatório. Essas determinações, juntamente com o Fundef (Brasil, 1996), acarretaram uma maior atenção ao ensino fundamental, em detrimento da educação infantil. Conforme Cerisara (2002, p. 333-334) a omissão da LDB em relação ao financiamento da educação infantil, aliada à EC 14, regulamentada pela Lei nº 9.424/ /96, que criou o Fundef, deixa clara a opção governamental de não dar nenhuma prioridade para atender à educação infantil, pois a autora afirma que os municípios canalizarão seus recursos para o ensino fundamental; os estados, para o ensino médio; e a União ficará com o ensino superior. Desse modo, a legislação, mesmo insinuando colaboração e parceria entre os entes públicos, dilui as responsabilidades em relação à educação infantil, e, na prática, recai sobre os municípios a maior responsabilidade para com esse nível de educação, dificultando a canalização de recursos para esse fim. Os movimentos de educadores, dentre eles o Movimento Interfóruns de Educação infantil no Brasil (MIEB), procuraram contra-atacar a desresponsabilização do Estado em relação à educação infantil (Cerisara, 2002, p. 334) através da proposta de defesa de uma educação infantil de qualidade, com a criação de um fundo para a educação básica ou com a criação de um fundo específico para a educação infantil.4 4 O 2º Congresso Nacional de Educação (Coned) propunha, em 1997, uma política específica de financiamento para a universalização gradativa da demanda nas creches e nas pré-escolas (Duas..., 1998, p.45). Em 1998-99, o gasto público total (municipal, estadual e federal) em educação básica e superior representava 4,3% do PIB. A educação infantil equivalia a 0,4% do PIB. A esfera municipal contribuía com 91,5% dos gastos totais nesse nível educacional, e o restante provinha dos estados (Brasil, 2003). O atual Ministro da Educação, Fernando Haddad, afirmou que o Brasil investe menos que 4% do PIB na sua área e que precisaria “(...) investir, durante 20 anos, pelo menos 6% do PIB, se quiser realmente resolver seus problemas na área educacional” (Alencar, 2005), sendo este o patamar de investimentos recomendado pela UNESCO. O embate entre a sociedade civil e o Estado, quanto ao financiamento da educação infantil, não terminou, entretanto “(...) não há boas perspectivas nesta área, em curto prazo, pois o Governo Federal enviou ao Congresso, em 15.06.2005, a proposta de emenda constitucional que cria o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica [Fundeb], que beneficiará a pré-escola, os ensinos fundamental e médio, mas excluirá as creches” (Santagada, 2005, p. 2). Conforme o Professor Magno de Aguiar Maranhão, membro do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro, a proposta governamental do Fundeb não priorizou a educação infantil devido à possível pressão dos estados.5 4 - A situação atual da educação infantil no Brasil e no Rio Grande do Sul A educação infantil, na nova agenda social brasileira, tem como objetivos buscar a educação “integral” da criança pequena — desenvolvimento físico, psicológico, intelectual e social — e também propiciar sua maior inclusão na escola. A qualificação dos docentes e do pessoal de apoio que atua com a criança, aliada às condições da infra-estrutura material das escolas, terá conseqüências diretas para a educação infantil e, por fim, para os demais níveis de ensino que receberão essa parcela da população.6 Os dados aqui reunidos foram produzidos pelo INEP, do Ministério da Educação, através do Censo Escolar e 5 “Até onde sabemos, o corte na educação infantil, expresso sobretudo na exclusão das creches do Fundeb, teria sido provocado pela pressão dos estados, que temem os gastos que seriam gerados para acolher a massa de crianças de até três anos excluídas do sistema educacional. Além disso, como já divulgado em estudo de vários órgãos do Governo, a rede de creches teria que crescer 470% até 2011, para absorver uma clientela de 4,3 milhões, e os investimentos saltariam de 0,07% para 0,56% do PIB; a despesa por aluno/ano chegaria a R$ 2.469, a maior da educação básica.” (Maranhão, 2005). 6 Investigações do Ministério de Educação e Cultura/Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (MEC/INEP) apontam um melhor desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) dos alunos do ensino fundamental que passaram pela educação infantil, em relação àqueles alunos que não cursaram a educação infantil (Maranhão, 2005). Segundo Longhi (2005, p. 221), a pré-escola pode prevenir a reprodução do analfabetismo e futuros problemas quanto à alfabetização. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005 50 Hélios Puig Gonzalez; Salvatore Santagada do Banco de Dados EDUDATABRASIL, e, quando necessários, foram trabalhados pelo Núcleo de Indicadores Sociais da FEE. A análise das informações sobre a educação infantil7 abarca, num primeiro momento, os anos 1999 e 2005, com informações sobre o total de matrículas iniciais, por dependência administrativa, em creches e na pré-escola e, no segundo momento, 1999 e 2003, sendo este o último ano do qual se tem informações sobre a faixa etária dos alunos, a formação dos professores e a infra-estrutura das escolas. A presente análise enfatiza os indicadores educacionais, no que diz respeito à situação atual da educação infantil no País e, em especial, no RS. 4.1 - Matrículas iniciais por dependência administrativa Em 2005, o número de matrículas na educação infantil foi de 7,2 milhões de crianças no Brasil e de 285 mil crianças no RS. No Brasil, no período 1999-05, as matrículas em creches aumentaram em 583.153, um crescimento de 70,1%, e, na pré-escola, aumentaram 1.554.265, um crescimento de 36,7%, totalizando 2.137.418 matrículas novas de crianças atendidas pela educação infantil no Brasil, um crescimento de 42,2%. A participação de creches e da pré-escola, no Brasil, no total da educação infantil passou de 16,4% e 83,6% em 1999, respectivamente, para 19,6% e 80,4% em 2005. A pré-escola, considerando-se apenas as crianças matriculadas, detém a maior participação no total da educação infantil, enquanto as creches representam um quinto da oferta total de matrículas desse nível de ensino. A análise do total das matrículas nas creches, no Brasil, no período investigado, indicou um pequeno acréscimo, da ordem de 3,2 pontos percentuais. Evidenciam-se, quanto à dependência administrativa, um retraimento da participação estadual e um pequeno crescimento da participação municipal e privada, que concentram a quase-totalidade das matrículas das creches, com destaque para as matrículas municipais. A oferta de matrículas iniciais na pré-escola, no Brasil, em igual período, teve uma retração de 3,2 pontos percentuais, embora estas representem 80,4% do total disponível na educação infantil, em 2005. O mesmo fenômeno de decréscimo no número de matrículas estaduais, ocorrido em creches, repete-se agora na pré-escola. Entretanto, neste nível de ensino, as perdas foram de 130.688 matrículas, um decréscimo de 34,4%, constatando-se um forte recuo da participação do Estado e uma maior presença dos municípios na oferta das matrículas perdidas naquela dependência admistrativa. Ainda na pré-escola, a iniciativa privada ampliou levemente sua participação no total de matrículas, ao realizar um crescimento de 43,4%, em números absolutos somou 457.887 novas matrículas, ou seja, quase um terço das realizadas em nível municipal, o qual aumentou 1.226.623 matrículas, apresentando um crescimento de 43,8% no período. No Brasil, ao observar-se a distribuição das matrículas iniciais existentes na educação infantil, por dependência administrativa, verifica-se que a rede pública (federal, estadual e municipal) ofereceu, em 2005, 71,6% das matrículas existentes, embora a rede privada apresente uma taxa de crescimento de 52,1%, percentual superior ao crescimento de 38,6% da rede pública. A esfera municipal é a que mais matrículas iniciais ofertou em valores absolutos. Essa instância, como está mais próxima das famílias e corresponde à prioridade constitucional de atuação dos municípios, refletindo a pressão pelo aumento de vagas, teve um melhor resultado (Brasil, 2001). No período 1999-05, no RS, as matrículas iniciais na educação infantil aumentaram em 98.158, um crescimento de 52,5%. As creches tiveram o número de matrículas iniciais aumentado em 57.776, um crescimento de 415,0%. E, na pré-escola, o número de matrículas iniciais aumentou em 40.382, um crescimento de 23,3%. A análise do total de matrículas nas creches, no RS, no período investigado, indica um desempenho bem diverso do caso brasileiro, pois essas passaram de 13.923 para 71.699, ou seja, a oferta, no período, quadruplicou.8 Sua participação no total das matrículas da educação infantil do RS passou de 7,4% para 25,1%. 8 7 Os dados da educação infantil, em especial as matrículas nas creches, devem ser avaliados com cuidado, porque, pela forma como é realizado o Censo Escolar, somente as creches com registro oficial são captadas na pesquisa do MEC (Kappel, 2001). Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005 A oferta de vagas em creches, no RS, era pequena em 1999. Vale lembrar que, nesse ano, teve início o registro oficial de novas escolas. O crescimento posterior é um somatório dos novos registros, da necessidade das mães trabalhadoras e de uma nova valorização da educação das crianças de até três anos. 51 Educação infantil no Brasil e no Rio Grande do Sul: o descompasso frente à legislação No caso da pré-escola, no RS, o comportamento da oferta de matrículas iniciais é peculiar, pois, nesse mesmo período, a oferta cresceu menos do que no País. As matrículas passaram de 173.168 para 213.550, um crescimento de 23,3%, em comparação aos 36,7% alcançados em nível nacional. Em 1999, a participação da pré-escola era de 92,6% do total da educação infantil, diminuindo, em 2005, para 74,9%. Comparando-se com o Brasil, verifica-se que, no RS, a participação da rede pública na educação infantil também se sobressai na oferta de matrículas, com 72,9% em 2005. A presença municipal cresce, embora a esfera estadual ainda participe com uma parcela importante das matrículas. A participação da rede privada (confessional, filantrópica, comunitária, ONGs e outras) aumentou, no período, na ordem de 130,0%, deixando à mostra o muito que deve ser realizado em termos de uma maior oferta da área pública no RS, sem se menosprezar a necessidade de o mesmo esforço ocorrer em nível nacional. Verifica-se que, quanto à oferta de matrículas nas creches no Estado, estas apresentam uma performance bastante diferenciada daquela do Brasil. No período 1999-05, a dependência estadual, que já ofertava poucas matrículas, diminuiu ainda mais sua participação. Em que pese à pequena oferta de matrículas em creches, tanto na rede privada quanto na esfera municipal, em 1999, o crescimento dessas dependências administrativas é bastante representativo. A rede privada cresceu 684,6%, e a esfera municipal, 322,0%, no período investigado. Vale lembrar que esses crescimentos espetaculares ocorreram segundo a causa já comentada, ou seja, devido ao fato de a base de dados de 1999 partir de um patamar pequeno de matrículas iniciais, dentre outros fatores. Comparando-se o Brasil com o Estado, constata-se, na pré-escola, uma característica do RS, onde é marcante a presença da oferta estadual, embora com uma retração de 5.064 matrículas em 2005, em relação a 1999. A rede privada aumentou sua participação no período em foco, e cresceu 63,6%, ou seja, quase o dobro da esfera municipal, mesmo assim essa dependência administrativa ofereceu mais vagas em números absolutos. Tabela 1 Matrículas iniciais em creches, na pré-escola e no total da educação infantil, por dependência administrativa, no Brasil e no Rio Grande do Sul — 1999 e 2005 a) educação infantil (creche mais pré-escola) 1999 DISCRIMINAÇÃO Brasil ...................... Rede pública ........... Federal ............... Estadual ............. Municipal ............ Rede privada ........... RS ........................... Rede pública ........... Federal ............... Estadual ............. Municipal ............ Rede privada ........... Número 5 067 256 3 720 251 1 733 396 395 3 322 123 1 347 005 187 091 153 494 0 62 049 91 445 33 597 2005 VARIAÇÃO 1999-05 Composição (%) Número Composição (%) 100,00 73,40 0,05 10,70 89,30 26,60 3,70 82,00 0,00 40,40 59,60 18,00 7 204 674 5 155 910 2 561 266 378 4 886 971 2 048 764 285 249 207 964 144 57 080 150 740 77 285 100,00 71,60 0,05 5,20 94,80 28,40 4,00 72,90 0,07 27,40 72,50 27,10 Absoluta 2 137 418 1 435 659 828 130 017 1 564 848 701 759 98 158 54 470 144 4 969 59 295 43 688 % 42,2 38,6 47,8 -32,8 47,1 52,1 52,5 35,5 -8,0 64,8 130,0 ∆ a.a. 6,0 5,6 6,7 -6,4 6,6 7,2 7,3 5,2 -1,4 8,7 14,9 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005 52 Hélios Puig Gonzalez; Salvatore Santagada Tabela 1 Matrículas iniciais em creches, na pré-escola e no total da educação infantil, por dependência administrativa, no Brasil e no Rio Grande do Sul — 1999 e 2005 b) creches 1999 DISCRIMINAÇÃO Brasil ..................... Rede pública .......... Federal ............. Estadual ............ Municipal .......... Rede privada ........ RS........................... Rede pública .......... Federal ............. Estadual ............ Municipal .......... Rede privada ......... 2005 VARIAÇÃO 1999-05 Número Composição (%) Número Composição (%) 831 978 539 804 508 16 593 522 703 292 174 13 923 10 328 0 75 10 253 3 595 16,40 64,90 0,09 3,07 96,80 35,10 7,40 74,20 0,00 0,70 99,30 25,80 1 415 131 879 085 893 17 264 860 928 536 046 71 699 43 496 58 170 43 268 28 203 19,60 62,10 0,10 1,96 97,90 37,90 25,10 60,70 0,10 0,40 99,50 39,30 Absoluta 583 153 339 281 385 671 338 225 243 872 57 776 33 168 58 95 33 015 24 608 % 70,1 62,9 75,8 4,0 64,7 83,5 415,0 321,1 126,7 322,0 684,5 ∆ a.a. 9,3 8,5 9,9 0,7 8,7 10,6 31,4 27,1 14,6 27,1 41,0 c) pré-escola 1999 DISCRIMINAÇÃO Brasil .......................... Rede pública ............... Federal ................... Estadual ................. Municipal ................ Rede privada ............... RS ............................... Rede pública ............... Federal ................... Estadual ................. Municipal ................ Rede privada ............... 2005 VARIAÇÃO 1999-05 Número Composição (%) Número Composição (%) 4 235 278 3 180 447 1 225 379 802 2 799 420 1 054 831 173 168 143 166 0 61 974 81 192 30 002 83,60 75,10 0,04 11,90 88,00 24,90 92,60 82,70 0,00 43,30 56,70 17,30 5 789 543 4 276 825 1 668 249 114 4 026 043 1 512 718 213 550 164 468 86 56 910 107 472 49 082 80,40 73,90 0,04 5,80 94,10 26,10 74,90 77,00 0,05 34,60 65,30 23,00 Absoluta 1 554 265 1 096 378 443 130 688 1 226 623 457 887 40 382 21 302 86 5 064 26 280 19 080 % 36,7 34,5 36,2 -34,4 43,8 43,4 23,3 14,9 -8,2 32,4 63,6 ∆ a.a. 5,3 5,1 5,3 -6,8 6,2 6,2 3,6 2,3 -1,4 4,8 8,5 FONTE: MEC/INEP. FEE/CIE/NIS. 4.2 - Matrículas na educação infantil por faixa etária Antes de se analisarem as informações de matrículas iniciais existentes em creches e na pré-escola, por faixa etária, para os anos de 1999 e 2003, sendo 2003 o último ano para o qual esse quesito é divulgado no Banco de Dados EDUDATABRASIL, do MEC/INEP, será abordada a taxa de escolarização líquida9. Ela permite situar as matrículas ocupadas pelas crianças na faixa etária adequada ao nível de ensino, em relação ao total da população nessas mesmas faixas etárias, bem como verificar as carências de matrículas para as crianças que estão fora da escola. 9 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005 A taxa de escolarização líquida da educação infantil, das creches e da pré-escola corresponde à relação entre o total de matrículas de estudantes na faixa etária adequada ao nível de ensino e o total da população na faixa etária correspondente àquele nível. Educação infantil no Brasil e no Rio Grande do Sul: o descompasso frente à legislação As taxas de escolarização líquida, em 2003, para o total da educação infantil, as creches e a pré-escola foram calculadas a partir dos dados de matrículas iniciais, por faixa etária, provenientes da Tabela 3 e a partir da população por faixa etária do Brasil (IBGE, 2004) e do RS (Jardim, 2005). A partir do cálculo da taxa de escolarização de cada nível de ensino, identifica-se o déficit e/ou a carência do atendimento. Em 2003, a educação infantil no Brasil atendeu a 5.318.893 crianças na faixa etária de zero a seis anos, ou seja, 21,8% da população nessa faixa etária, que era de 24.384.955 crianças. No RS, o percentual foi ainda menor (17,9%), ou seja, foram atendidas 218.976 crianças de uma população de 1.220.351 crianças. A situação é calamitosa nos diferentes níveis, embora a da pré-escola esteja numa posição diferenciada frente às outras. No Brasil, somente 5,3% (755.371 crianças) do total das crianças de zero a três anos estão em creches, e 44,8% das crianças de quatro a seis anos (4.563.522 crianças) estão na pré-escola. No RS, o atendimento nas creches era de 6,0% (42.689 crianças), ou seja, um atendimento levemente superior ao do País, enquanto, na pré-escola, 34,5% (176.287 crianças) eram atendidas, apresentando taxa de escolarização líquida bem menor que a brasileira. Como se mostra na Tabela 2, a partir das taxas de escolarização líquida, são apontadas as taxas de crianças não matriculadas, evidenciando-se uma carência por matrículas em creches da ordem de 94,7% no Brasil e de 94,0% no RS; enquanto, para a pré-escola, tal carência é de 55,2% e de 65,5% respectivamente. Dessa forma, confirmam-se o fosso existente entre a situação real e a demanda potencial10 e o muito que ainda deve ser realizado urgentemente para atender às metas do Plano Nacional de Educação. O Plano propôs alcançar, em cinco anos (até 2007), as metas de ampliação da oferta em 30% para a população de até três anos de idade e de 60% para a população de quatro a seis anos (ou quatro e cinco anos) e, em uma década, atender, respectivamente, a 50% e a 80% dessas crianças (Brasil, 2001). A distância entre a meta de escolarização da população infantil, de 30% em creches e de 60% na pré-escola, a ser alcançada para o início de 2007, conforme os objetivos do Plano Nacional de Educação, e o que havia sido realizado de concreto em dois anos, até 2003, era de 24,7 pontos percentuais para as creches no Brasil 10 Miola afirma que: “(...) dos 500 municípios brasileiros com melhores indicadores na educação infantil, somente 18 são gaúchos’’ (Miola, 2003). Estudo realizado pela equipe do Núcleo de Indicadores Sociais da FEE (Accurso, 2004) apontou que 193 municípios do RS não disponibilizavam creches em 2002. 53 e de 24,0 pontos percentuais no RS; enquanto, na pré-escola, faltavam, no Brasil, 15,2 pontos percentuais e, no RS, 25,5 pontos percentuais. Na análise em separado das faixas etárias de zero a três anos (creches) e de quatro a seis anos (pré-escola), é possível constatarem-se qual o número de matrículas dos alunos que estão participando do sistema escolar em relação à idade adequada definida nos objetivos legais da educação infantil e o quanto as instituições públicas e privadas atendem a esses dois níveis educacionais. Conforme a Tabela 3, entre 1999 e 2003, o Brasil atendia a 91,8% e a 93,3% das crianças que participavam do sistema educacional na educação infantil, com idades adequadas que variaram entre zero e seis anos. Em 2003, nas idades de sete anos e mais, havia 432.427 crianças, ou seja, elas se encontravam fora da faixa etária esperada. No Brasil, em igual período, as matrículas em creches passaram de 58,9% para 61,0% na faixa etária adequada a esse nível. Em 2003, 41,1% das crianças matriculadas em creches tinham idades acima da faixa etária adequada. A situação das matrículas na pré-escola, no Brasil e no RS, com idade adequada entre quatro e seis anos, estava em melhores condições quanto a esse quesito, quando comparada com as taxas de atendimento das creches. No Brasil, a matrícula, na pré-escola, de crianças com idade adequada variou de 85,9% para 88,5%, verificando-se uma pequena melhoria. No RS, a defasagem de faixa etária na educação infantil teve um movimento inverso do verificado no Brasil, pois o percentual de crianças matriculadas com idade adequada era de 97,5% e passou para 89,9% nos anos citados, ou seja, a distorção na faixa etária é maior que no País, pois apresentou, em 2003, uma taxa de 10,1%, e, em números absolutos, havia 27.276 crianças matriculadas fora da faixa etária adequada. Ainda no Estado, em 1999, com um número pequeno de matrículas em creches, 72,5% estavam na faixa etária adequada, e, em 2003, a situação era semelhante àquela do Brasil, embora com um percentual levemente superior (67,6%). Entre as crianças desse nível escolar, 32,4% estavam fora da idade esperada. A pré-escola, no RS, entre 1999 e 2005, passou de um atendimento de 90,6% para 85,5% de crianças matriculadas na faixa etária adequada, com uma retração de mais de cinco pontos percentuais. Comparando-se o Brasil e o RS, verifica-se, para ambos, quanto ao atendimento da faixa etária adequada das crianças e o respectivo nível de ensino, que a creche é onde a defasagem de idade se apresenta maior. Em segunda posição quanto a esse quesito, está a educação infantil como um todo e, com menor defasagem, em terceiro lugar, a pré-escola. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005 54 Hélios Puig Gonzalez; Salvatore Santagada Tabela 2 Matrícula inicial em creches, na pré-escola e no total da educação infantil, por faixa etária e taxa de escolarização líquida, no Brasil e no RS — 2003 MATRÍCULA INICIAL TAXA DE ESCOLARIZAÇÃO LÍQUIDA (%) TAXA DE NÃO MATRICULADOS (%) 21,8 78,2 DISCRIMINAÇÃO POPULAÇÃO TOTAL Educação infantil (de 0 a 6 anos) .............. 24 384 955 Creche (de 0 a 3 anos) .............................. 14 192 808 755 371 5,3 94,7 Pré-escola (de 4 a 6 anos) ........................ Rio Grande do Sul 10 192 147 4 563 522 44,8 55,2 Educação infantil (de 0 a 6 anos)............... 1 220 351 218 976 17,9 82,1 Creche (de 0 a 3 anos) .............................. 708 808 42 689 6,0 94,0 Pré-escola (de 4 a 6 anos) ........................ 511 473 176 287 34,5 65,5 Brasil 5 318 893 FONTE: MEC/INEP. IBGE. FEE/CIE/NIS. Tabela 3 Matrícula inicial em creches, na pré-escola e no total da educação infantil, por faixa etária, no Brasil e no Rio Grande do Sul — 1999 e 2003 DISCRIMINAÇÃO 1999 Número Educação infantil Brasil ..................... 5 067 256 RS ......................... 187 091 Creche Brasil ..................... 831 978 RS ......................... 13 923 Pré-escola Brasil ..................... 4 235 278 RS ......................... 173 168 DISCRIMINAÇÃO MATRÍCULAS TOTAIS 2003 % Número % ∆ a.a. 1999-03 Número % Número % ∆ a.a. 1999-03 100,0 3,7 6 393 234 269 340 100,0 4,2 6,0 9,5 688 158 23 214 13,6 12,4 930 780 45 686 14,6 17,0 7,8 18,4 100,0 1,7 1 237 558 63 176 100,0 5,1 10,4 46,0 490 070 10 090 58,9 72,5 755 371 42 689 61,0 67,6 11,4 43,4 100,0 4,1 5 155 676 206 164 100,0 4,0 5,0 4,5 198 088 13 124 4,7 7,6 175 409 2 997 3,4 1,5 -3,0 -30,9 MATRÍCULAS DE 4 A 6 ANOS 1999 2003 Número Educação infantil Brasil ..................... 3 963 072 RS ......................... 159 195 Creche Brasil ..................... 325 627 RS ......................... 2 327 Pré-escola Brasil ..................... 3 637 445 RS ......................... 156 868 MATRÍCULAS DE 0 A 3 ANOS 1999 2003 MATRÍCULAS DE 7 ANOS E MAIS 1999 2003 ∆ a.a. 1999-03 Número % Número % % Número % ∆ a.a. 1999-03 78,2 85,1 5 030 027 196 378 78,7 72,9 6,1 5,4 416 026 4 682 8,2 2,5 432 427 27 276 6,8 10,1 1,0 55,4 39,1 16,7 466 505 20 091 37,7 31,8 9,4 71,4 16 281 1 506 2,0 10,8 15 682 396 1,3 0,6 -0,9 -28,4 85,9 90,6 4 563 522 176 287 88,5 85,5 5,8 3,0 399 745 3 176 9,4 1,8 416 745 26 880 8,1 13,0 1,0 70,6 FONTE: MEC/INEP/SEEC. FONTE: FEE/CIE/NIS. NOTA: A idade foi obtida a partir do ano de nascimento informado no Censo Escolar, isto é, foi considerada a idade que o aluno completou em 1999 e 2003. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005 Educação infantil no Brasil e no Rio Grande do Sul: o descompasso frente à legislação 4.3 - A educação infantil e a formação dos professores A análise das Tabelas 4 e 5 está circunscrita à formação dos professores e à oferta de recursos educacionais que constam no EDUDATABRASIL, do MEC/INEP. Sabe-se que as questões levantadas abarcam uma parte da realidade vivenciada por alunos e professores da educação infantil em relação aos recursos humanos e físicos. Estão fora da análise os serviços de apoio pedagógico e administrativo, os serviços de saúde e alimentação, as oficinas de arte, as orientações didáticas para os profissionais, dentre outros temas11. Os professores que atuam na educação infantil, segundo a LDB, devem ter como formação mínima o Curso Normal, oferecido em nível médio. Considerando-se que a educação ocorre já desde os primeiros anos de vida e “(...) dada a maleabilidade da criança às interferências do meio social (...)” (Brasil, 2001), torna-se importante a busca da qualificação dos profissionais dessa área. No Brasil, em 2003, havia, na educação infantil, 345.340 funções docentes12, sendo 222.506 públicas (64,4%) e 122.834 particulares (35,6%). Entre as públicas, 206.811 eram municipais, e 15.440, estaduais, sendo que a dependência federal era praticamente inexpressiva. Do conjunto dos professores, 21,6% lecionavam em creches, e 78,4%, na pré-escola. Entre os que lecionavam em creches, a formação de ensino médio — formação mínima para a educação infantil — representava 70,9%, e o ensino superior, 17,7%. Somente 11,4% dos professores não tinham a formação requerida pela legislação. Entre os docentes da rede pública do Brasil, 18,8% atuavam em creches, e 81,2%, na pré-escola. A formação dos professores que atuavam em creches era a seguinte: 72,7% tinham o ensino médio, 16,7%, o superior, e 10,7%, somente o fundamental, os quais, dessa forma, não cumpriam a legislação. No Brasil, a formação dos docentes da pré-escola é mais próxima da esperada, pois 65,5% cursaram o nível médio, e 31,3%, 11 O Censo da Educação infantil 2000, do MEC (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2005), nos resultados preliminares, abarca uma série de temas que não formam o escopo da presente análise. 12 “A restrição existente na leitura desse indicador é a impossibilidade de estabelecer a carga horária cumprida pelo docente e a quantidade de turnos em que ele atua.” (Brasil, 2002). 55 o superior, sendo que somente 3,2% tinham apenas a formação de nível fundamental. Na rede privada, 26,8% dos docentes, no Brasil, trabalhavam em creches, e 73,2%, na pré-escola. Dos que atuavam em creches, 68,6% tinham a formação de nível médio, e 19,0%, a superior, e a formação de curso fundamental tinha uma participação maior que entre aqueles profissionais da rede pública, pois alcançava a taxa de 12,4%. Na pré-escola, a formação apresentava-se em sua quase-totalidade no nível esperado, pois 65,2% tinham formação de nível médio, 31,2%, de nível universitário, e apenas 3,6% atuavam apenas com a formação de nível fundamental. Em 2003, no RS, havia 19.575 pessoas exercendo funções docentes na educação infantil, sendo que 33,1% estavam lotadas nas creches, e 66,9%, na pré-escola. Ainda no Estado, nesse mesmo ano, a formação dos professores que trabalham em creches é inferior à dos docentes do Brasil, pois 21,8% tinham somente o ensino fundamental. Já a formação dos docentes que atuam na pré-escola é semelhante às do que atuam no País, embora a participação de educadores com curso superior seja maior, pois estes representavam 41,9% do total, e somente 4,4% tinham o ensino fundamental. Na rede pública, no RS, 28,4% dos professores trabalham em creches, e 71,6%, na pré-escola. Esses professores que atuam em creches têm uma formação diferenciada frente aos docentes do País, pois 18,9% possuem somente o curso fundamental. Na pré-escola, repete-se um quadro semelhante ao registrado no Brasil, no âmbito da formação geral dos professores públicos, pois 3,1% não apresentam a formação esperada. O diferencial é a participação dos professores que têm curso superior, 42,5%. Os docentes da rede privada do RS têm uma característica diferenciada em relação ao padrão nacional, pois, em creches, os professores que têm somente a formação fundamental são o dobro do percentual brasileiro, ou seja, 25,6%. Na pré-escola, a formação dos docentes com curso superior era mais elevada que a nacional, pois 40,3% deles tinham o nível superior. Entretanto os profissionais com o curso fundamental apresentavam uma taxa de 7,5%, ou seja, o dobro da brasileira. O Plano Nacional de Educação (PNE) (Brasil, 2001) propõe que, em cinco anos, todos os professores tenham habilitação específica de nível médio e, em 10 anos, Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005 56 Hélios Puig Gonzalez; Salvatore Santagada 70% tenham formação específica de nível superior.13 A partir da análise sobre a formação dos docentes que trabalham com crianças pequenas, ficou demonstrado que há uma longa distância a percorrer para se alcançarem as metas propostas no PNE. Recentemente, essas metas foram prorrogadas, tendo em vista o pedido das universidades brasileiras para terem mais tempo para criar os novos cursos de formação de professores dentro das novas diretrizes do Conselho Federal de Educação. Tabela 4 Número e percentual de professores, segundo a formação e a dependência administrativa, em creches, na pré-escola e no total da educação infantil do Brasil e do Rio Grande do Sul — 2003 a) total de professores DISCRIMINAÇÃO Brasil .................... Rede pública ......... Rede privada ........ RS ........................ Rede pública ........ Rede privada ......... EDUCAÇÃO INFANTIL Número % 345 340 222 506 122 834 19 575 13 072 6 503 100,0 64,4 35,6 5,7 66,8 33,2 CRECHES Número 74 765 41 895 32 870 6 473 3 709 2 764 PRÉ-ESCOLA % Número % 21,6 18,8 26,8 33,1 28,4 42,5 270 575 180 611 89 964 13 102 9 363 3 739 78,4 81,2 73,2 66,9 71,6 57,5 b) professores com ensino fundamental (completo ou incompleto) DISCRIMINAÇÃO Brasil ................... Rede pública ......... Rede privada ......... RS ......................... Rede pública ......... Rede privada ......... EDUCAÇÃO INFANTIL Número % 17 207 9 875 7 332 1 982 992 990 5,0 4,4 6,0 10,1 7,6 15,2 CRECHES Número 8 556 4 471 4 085 1 409 701 708 PRÉ-ESCOLA % 11,4 10,7 12,4 21,8 18,9 25,6 Número % 8 651 5 404 3 247 573 291 282 3,2 3,0 3,6 4,4 3,1 7,5 c) professores com ensino médio (completo) DISCRIMINAÇÃO Brasil .................... Rede pública ......... Rede privada ........ RS ......................... Rede pública ......... Rede privada ........ 13 EDUCAÇÃO INFANTIL Número 230 238 149 026 81 212 11 123 7 508 3 615 % 66,7 67,0 66,1 56,8 57,4 55,6 CRECHES Número 52 996 30 444 22 552 4 079 2 415 1 664 Melo (2004, p.36) afirma que: “Um dos artigos da lei [LDB] estabelecia, pela primeira vez desde a criação da primeira Escola Normal, em 1830, a necessidade de formação específica de nível superior a todos os professores contratados a partir de 2007. A exigência caiu, mas antes disso gerou uma debandada dos cursos normais”. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005 PRÉ-ESCOLA % Número % 70,9 72,7 68,6 63,0 65,1 60,2 177 242 118 582 58 660 7 044 5 093 1 951 65,5 65,7 65,2 53,8 54,4 52,2 57 Educação infantil no Brasil e no Rio Grande do Sul: o descompasso frente à legislação Tabela 4 Número e percentual de professores, segundo a formação e a dependência administrativa, em creches, na pré-escola e no total da educação infantil do Brasil e do Rio Grande do Sul — 2003 d) professores com ensino superior (completo e sem licenciatura) DISCRIMINAÇÃO Brasil ..................... Rede pública .......... Rede privada ......... RS .......................... Rede pública .......... Rede privada ......... EDUCAÇÃO INFANTIL CRECHES PRÉ-ESCOLA Número % Número % Número % 97 895 63 605 34 290 6 470 4 572 1 898 28,3 28,6 27,9 33,1 35,0 29,2 13 213 6 980 6 233 985 593 392 17,7 16,7 19,0 5,0 16,0 14,2 84 682 56 625 28 057 5 485 3 979 1 506 31,3 31,4 31,2 41,9 42,5 40,3 FONTE: MEC/INEP. FEE/CIE/NIS. NOTA: 1. O mesmo docente pode atuar em mais de um nível ou modalidade de ensino e em mais de um estabelecimento. 2. O mesmo docente com ensino fundamental pode atuar de 1ª a 4ª e de 5ª a 8ª séries. 4.4 - A educação infantil e os recursos educacionais O exame dos indicadores elaborados a partir dos recursos educacionais é uma das maneiras de visualizar como as crianças são instigadas a participar do processo de ensino-aprendizagem na educação infantil, no sentido da busca do desenvolvimento integral da criança, assim como está inscrito nos documentos que orientam o ensino infantil no País. Os recursos educacionais disponíveis — ainda que não se tenha o quadro da sua qualidade e desempenho —, aliados a uma boa formação dos professores, do pessoal de apoio e aos equipamentos, poderão ser um diferencial importante para uma boa performance das crianças pequenas. Dos 12 itens selecionados, serão analisados nove, ficando de fora os três que atingiram percentuais próximos à universalização, variando sua cobertura entre um mínimo de 83,5% e um máximo de 100%, quais sejam, água, energia elétrica e esgoto. Em 2003, o número de escolas, no Brasil, com creches era de 18.603, o número de funções docentes era de 74.765, e o número de alunos por docente era 16,6. 14 A infra-estrutura escolar dessas creches apresentava o seguinte quadro de recursos: 24,0% com bibliotecas; 11,8% com laboratório de informática; 6,0% com laboratório de ciências; 14,4% com quadra de esportes; 31,4% com sala de TV; 9,9% com TV/vídeo/ /parabólica; 26,1% com microcomputador; 6,1% com acesso a internet; e 53,3% com sanitários. Em 2003, o número de escolas, no Brasil, com pré-escola era de 80.878, o número de funções docentes era de 270.575, e o número de alunos por docente era 19,1. A infra-estrutura escolar nesse nível de ensino apresentava o seguinte quadro de recursos: 29,1% com bibliotecas; 10,9% com laboratório de informática; 7,6% com laboratório de ciências; 19,3% com quadra de esportes; 21,1% com sala de TV; 15,3% com TV/vídeo/ /parabólica; 25,2% com microcomputador; 5% com acesso a internet; e 29,9% com sanitários. Em 2003, no RS, as escolas com creches eram 1.815, e as funções docentes, 6.473, e havia 9,8 alunos para um docente. Esses indicadores apontam uma situação melhor que a brasileira, mas devem ser avaliados com os cuidados já apontados na nota de rodapé 14. A infra-estrutura escolar nessas creches apresentava o 14 “No Censo Escolar, onde o levantamento tem como unidade de coleta a escola, é registrado o número de funções docentes, já que o mesmo professor pode atuar em mais de um nível/ /modalidade de ensino, num mesmo estabelecimento de ensino, como também em mais de uma escola. A restrição existente na leitura desse indicador é a impossibilidade de estabelecer a carga horária cumprida pelo docente e a quantidade de turnos em que ele atua.” (Brasil, 2002). Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005 58 Hélios Puig Gonzalez; Salvatore Santagada seguinte quadro de recursos: 29,0% com bibliotecas; 8,8% com laboratório de informática; 3,0% com laboratório de ciências; 14,3% com quadra de esportes; 48,5% com sala de TV; 18,5% com TV/vídeo/parabólica; 36,7% com microcomputador; 13,8% com acesso a internet; e 72,8% com sanitários. Na comparação entre os recursos disponíveis nas creches do Brasil e nas do RS, o Estado leva vantagem em seis dos nove recursos educacionais analisados, sendo estes, pela ordem, as escolas com sanitários, com sala com TV, com microcomputador, com biblioteca, com TV/vídeo/parabólica e as escolas com acesso a internet. A situação das creches no Brasil supera a do RS em laboratório de informática e laboratório de ciências. No quesito quadra de esportes, o Brasil e o RS ficam equiparados. Em 2003, no RS, as escolas com pré-escola eram 5.785, e as funções docentes, 13.102, e havia 15,7 alunos para cada docente. A infra-estrutura educacional na pré-escola oferecia o seguinte quadro de recursos: 66,8% com bibliotecas; 23,5% com laboratório de informática; 25,6% com laboratório de ciências; 49,8% com quadra de esportes; 43,4% com sala de TV; 21,9% com TV/ /vídeo/parabólica; 64,9% com microcomputador; 17,0% com acesso a internet; e 65,5% com sanitários. Na comparação entre a situação da pré-escola do Brasil e a do RS, este último apresenta uma melhor oferta de recursos educacionais, pois supera o total nacional em todos os nove quesitos analisados. A oferta desses recursos na pré-escola foi, inclusive, superiores à das creches. Chamam atenção as diferenças entre os dados do Estado e os do País, sendo, respectivamente: para as bibliotecas, 66,8% contra 29,1%; para os microcomputadores, 64,9% contra 25,2%; para quadra de esportes, 49,8% contra 19,3%; para sala de TV, 43,4% contra 21,1%; e, para acesso a internet, 17,0% contra 5,0%. A essa realidade tão díspar, acrescenta-se também o fato, com preocupação, de que somente 65,5% das escolas no RS tinham sanitário, contra uma oferta menor ainda, de 29,9%, no Brasil. Tabela 5 Recursos educacionais em creches e pré-escolas, no Brasil e no Rio Grande do Sul — 2003 BRASIL DISCRIMINAÇÃO Número Creches ........................................................... 18 603 Professores ...................................................... 74 765 Matrículas ......................................................... 1 237 558 Recursos educacionais totais 4 467 Biblioteca ..................................................... Laboratório de informática ........................... 2 189 1 111 Laboratório de ciências ................................ Quadra de esportes ..................................... 2 677 5 848 Sala de TV ................................................... 1 846 TV/vídeo/parabólica ..................................... Microcomputador ......................................... 4 847 Acesso à internet ......................................... 1 129 Água ............................................................. 18 275 17 845 Energia elétrica ............................................ 18 060 Esgoto .......................................................... Sanitários ..................................................... 9 914 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005 % 100,0 24,0 11,8 6,0 14,4 31,4 9,9 26,1 6,1 98,2 95,9 97,1 53,3 RIO GRANDE DO SUL Alunos/ /Recursos 66,5 16,6 277,0 565,0 1 114,0 462,0 212,0 670,0 255,0 1 096,0 68,0 69,0 69,0 125,0 Número % 1 815 6 473 63 176 100,0 526 159 54 259 881 335 667 250 1 815 1 815 1 814 1 321 29,0 8,8 3,0 14,3 48,5 18,5 36,7 13,8 100,0 100,0 99,9 72,8 Alunos/ /Recursos 34,8 9,8 120 397 1170 244 72 189 95 253 35 35 35 48 (continua) 59 Educação infantil no Brasil e no Rio Grande do Sul: o descompasso frente à legislação Tabela 5 Recursos educacionais em creches e pré-escolas, no Brasil e no Rio Grande do Sul — 2003 BRASIL DISCRIMINAÇÃO Número Pré-escola ....................................................... 80 878 Professores ...................................................... 270 575 Matrículas ......................................................... 5 155 676 Recursos educacionais totais 23 551 Biblioteca ..................................................... Laboratório de informática ........................... 8 852 6 186 Laboratório de ciências ............................... Quadra de esportes ..................................... 15 622 17 075 Sala de TV ................................................... 12 358 TV/vídeo/parabólica .................................... Microcomputador ......................................... 20 375 Acesso à internet ......................................... 4 040 Água ............................................................ 77 698 67 559 Energia elétrica ........................................... 73 688 Esgoto ......................................................... Sanitários .................................................... 24 189 % 29,1 10,9 7,6 19,3 21,1 15,3 25,2 5,0 96,1 83,5 91,1 29,9 RIO GRANDE DO SUL Alunos/ /Recursos 63,7 19,1 219,0 582,0 833,0 330,0 302,0 417,0 253,0 1 276,0 66,0 76,0 70,0 213, 0 Número % 5 785 13 102 206 164 3 865 1 360 1 479 2 883 2 511 1 266 3 753 984 5 781 5 779 5 767 3 787 66,8 23,5 25,6 49,8 43,4 21,9 64,9 17,0 99,9 99,9 99,7 65,5 Alunos/ /Recursos 35,6 15,7 53 152 139 72 82 163 55 210 36 36 36 54 FONTE: MEC/INEP. FEE/CIE/NIS. 5 - Considerações finais A legislação construída no campo da educação infantil iniciou com a Constituição Federal, passando pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e desembocando na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A partir desses textos, foram elaborados pareceres, emendas constitucionais, decretos e resoluções que orientaram a política educacional para a criança. Constatou-se que, nas últimas décadas, a educação infantil, ao ser considerada um direito das crianças e um dever do Estado, e inserida como a primeira etapa da educação básica, passou a assumir institucionalmente um campo de investigação importante para alicerçar o desenvolvimento integral da criança, atendendo às carências e aos pré-requisitos das últimas descobertas das ciências na área da educação infantil. Apesar dos avanços sobre as diferentes dimensões do desenvolvimento das crianças, a educação infantil, no que diz respeito às responsabilidades no comprometimento de atendimento e financiamento desse nível de ensino, ainda é uma incógnita. A não-obrigatoriedade da oferta da educação infantil, aliada à escolha da esfera municipal para o seu atendimento e ao fato de o financiamento não estar assegurado por um fundo público nacional, deixou bastante vulnerável esse nível de ensino. Através da análise da oferta das matrículas tanto nas creches como na pré-escola, no Brasil e RS, nos últimos seis anos, constatou-se um crescimento significativo, mas não suficiente para atender ao enorme potencial da demanda. A rede pública, em especial a dependência municipal, atende ao maior número de alunos da educação infantil, inclusive na Constituição é assegurada a gratuidade do ensino quando ofertado por essa rede, entretanto a presença da iniciativa privada no Brasil ainda é significativa, e, no RS, ocorreu, inclusive, um crescimento na participação desse setor. Na atual conjuntura brasileira, as famílias foram forçadas a reduzir seus gastos com educação. Essa característica, aliada ao pequeno atendimento da população infantil na faixa etária legal, deixa poucas opções para os que têm necessidade de matrícula nas escolas públicas. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005 60 No conjunto da educação infantil, o fato de as creches ficarem com, aproximadamente, 20% do total das matrículas no Brasil e 25% no RS, aliado aos resultados apontados quanto à faixa etária adequada na creche e também na pré-escola, mostra o descompasso entre o arsenal das boas intenções da legislação e a realidade presente nas escolas. Esse descompasso fica evidente quando se constata que, em 2003, a taxa de escolarização líquida da educação infantil, no Brasil, foi de 21,8% na faixa etária de zero a seis anos, enquanto, no RS, o percentual foi ainda menor, da ordem de 17,9%. O reconhecimento da educação infantil como um primeiro passo na formação das crianças e um espaço de inclusão da massa da população infantil indica não ter havido um compromisso público compatível com as metas estabelecidas nos últimos anos. A formação dos professores da educação infantil pode ser considera razoável pelos parâmetros nacionais, embora ainda permaneçam, no magistério, profissionais que não possuem a formação mínima esperada, além da insuficiência de professores numa perspectiva de “educação para todos”. O descaso com a educação infantil fica comprovado com a pouca oferta nas escolas dos recursos educacionais mínimos, como biblioteca, laboratório de ciências, laboratório de informática, quadra de esportes, microcomputadores, acesso à internet, sala de TV e sanitários. O RS está melhor aparelhado, entretanto poucos desses quesitos chegam a ultrapassar a cobertura de 50% para os que estão nas escolas. Os indicadores educacionais analisados, por um lado, apontam que houve uma expansão da cobertura nos últimos seis anos e, por outro, confirmam uma forte carência da educação infantil tanto no Brasil como no RS, desvendando um impasse entre as reais necessidades da demanda por creches e pré-escolas e os parcos recursos postos à disposição de alunos e professores. Referências ACCURSO, Jorge da Silva (Coord.). Relatório da criança e do adolescente em situação de risco 2002. Porto Alegre: Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul; FEE, 2004. CD-ROM. ALENCAR, Kennedy. País investe em educação menos do que diz, São Paulo. Folha de São Paulo, 14 out. 2005. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005 Hélios Puig Gonzalez; Salvatore Santagada BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: http://www.mec.gov.br Acesso em: 4 nov. 2005. BRASIL. Constituição (1988). 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FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 63-70, dez. 2005 65 Tabela 1 Taxas de crescimento da produção, da área colhida e da produtividade dos principais produtos da lavoura no Rio Grande do Sul — 2004/05 (%) PRODUTOS Arroz ................................. Banana ............................. Batata-inglesa .................. Cana-de-açúcar ................ Cebola .............................. Feijão ................................ Fumo ................................ Laranja ............................. Maçã ................................. Mandioca .......................... Milho ................................. Soja .................................. Trigo ................................. Uva ................................... 2004/2003 Produção 34,9 -17,2 -5,8 -9,7 28,2 -3,0 49,9 0,5 7,2 -6,1 -37,9 -42,1 -13,9 42,4 Área 8,6 -3,6 -11,9 -0,7 -13,7 -12,5 16,7 0,7 0,7 -0,9 -15,2 10,5 5,8 4,8 2005/2004 (1) Produtividade 24,3 -14,1 93,0 -9,1 48,5 74,3 28,4 -0,1 6,5 -5,2 -26,7 -47,7 -18,6 36,0 Produção -3,7 13,8 -3,7 -13,6 -13,9 -43,9 -10,9 -9,3 -16,0 -8,9 -56,0 -55,9 -20,1 -12,2 Área -3,6 1,2 -9,1 2,8 -6,0 -20,4 5,6 -0,7 11,2 0,8 -19,5 -5,9 -24,8 5,2 Produtividade 0,0 12,5 8,8 -16,0 -8,4 -28,7 -15,6 -8,7 -24,5 -9,6 -45,3 -53,1 6,3 -16,5 FONTE DOS DADOS BRUTOS: LEVANTAMENTO SISTEMÁTICO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA. Rio de Janeiro: IBGE, 2004-05. (1) Dados do boletim de setembro de 2005. Tabela 2 Taxas de crescimento da produção da indústria de transformação, segundo os setores de atividade, no Rio Grande do Sul — 2004/05 (%) SETORES Alimentos ………………………...……..…..…… Bebidas ............................................................ Borracha e plástico .......................................... Calçados e artigos de couro ............................ Celulose, papel e produtos do papel ............... Edição, impressão e reprodução de gravações Fumo ................................................................ Máquinas e equipamentos ............................... Metalurgia básica ............................................. Mobiliário .......................................................... Outros produtos químicos ............................... Produtos de metal — exceto máquinas e equipamentos ......................................................... Refino de petróleo e álcool .............................. Veículos automotores ...................................... Total ................................................................ 2004 2003 -0,3 7,0 13,3 0,7 1,6 5,5 26,8 16,8 14,6 12,1 -0,6 8,7 -6,2 21,8 6,4 1° TRIM./05 1° TRIM./04 7,9 3,1 -8,9 4,7 0,4 -0,3 -22,7 -16,5 2,2 -13,7 -5,6 16,2 -10,0 -2,7 -3,4 2° TRIM./05 2° TRIM./04 2,9 -7,7 -6,5 5,2 -1,8 5,4 1,9 -23,5 -4,4 -10,9 -5,8 3° TRIM./05 3° TRIM./04 -2,4 3,9 -8,7 -10,1 6,5 2,9 -0,9 -17,8 -8,8 -7,1 -6,5 JAN-SET/05 JAN-SET/04 2,6 -1,3 -8,1 -0,6 1,5 2,7 -4,5 -19,2 -4,0 -10,5 -6,0 -2,1 0,2 -2,5 -2,9 -8,2 24,6 2,8 -3,6 0,6 3,2 -0,7 -3,3 FONTE DOS DADOS BRUTOS: PESQUISA INDUSTRIAL MENSAL: produção física. Rio de Janeiro: IBGE, 2004-05. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 63-70, dez. 2005 66 Tabela 3 Taxas de crescimento do volume real de vendas do comércio varejista, segundo os setores de atividade, no Rio Grande do Sul — 2000/05 (%) SETORES Combustíveis e lubrificantes .................................. Supermercados, hipermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo ............................................. 2004 2003 2,3 1° TRIM./05 1° TRIM./04 -9,8 2° TRIM./05 2° TRIM./04 -21,6 3° TRIM./05 3° TRIM./04 -24,9 JAN-SET/05 JAN-SET/04 -19,0 7,8 8,8 2,1 0,1 3,6 Tecidos, vestuário e calçados ................................ 2,2 -3,9 -9,7 -8,4 -7,8 Móveis e eletrodomésticos .................................... 16,2 6,2 2,7 -3,1 1,7 Artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos de perfumaria e cosméticos ........................................ - 0,1 -0,5 5,6 1,7 Equipamentos e material para escritório, informática e comunicação ........................................... - 15,9 16,7 31,0 21,5 Livros, jornais, revistas e papelaria ....................... - 3,2 12,8 8,1 7,2 Outros artigos de uso pessoal e doméstico .......... - 28,5 20,1 17,2 21,5 Comércio varejista .............................................. - 4,5 -2,1 -3,8 -0,6 Veículos, motos, partes e peças ........................... - 0,7 -10,9 -14,2 -8,4 Material de construção ......................................... - -7,7 -11,2 -16,6 -11,9 Comércio varejista ampliado (1) ....................... - 2,5 -5,0 -7,5 -3,5 FONTE DOS DADOS BRUTOS: PESQUISA MENSAL DO COMÉRCIO. Rio de Janeiro: IBGE, 2004-05. (1) Inclui os itens do comércio varejista, mais as atividades de veículos, motos, partes e peças e as de material de construção, que abarcam varejo e atacado. Tabela 4 Exportações do Brasil e de seus principais estados — jan.-out./05 BRASIL E UFs Brasil ………………………..……… São Paulo ……………………..….… Minas Gerais .................................. Rio Grande do Sul .......................... Paraná ............................................ Rio de Janeiro ................................ Santa Catarina ............................... Espírito Santo ................................ Bahia .............................................. Pará ............................................... Mato Grosso .................................. Demais estados ............................. VALOR (US$ 1 000) 96 622 520 31 183 602 10 924 221 8 592 625 8 287 135 6 414 572 4 741 335 4 608 229 4 506 112 3 870 901 3 569 817 9 923 970 JAN-OUT/05 JAN-OUT/04 (%) PARTICIPAÇÃO (%) 100,00 32,27 11,31 8,89 8,58 6,64 4,91 4,77 4,66 4,01 3,69 10,27 Valor Volume 22,1 22,9 34,2 3,9 2,3 19,0 46,1 16,1 36,4 27,2 34,5 11,7 14,0 12,9 -7,6 0,8 -9,7 17,3 6,1 -2,5 4,9 52,0 Preço 9,4 7,8 18,9 12,4 1,4 31,8 24,5 9,4 39,9 21,2 -11,5 FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Secretaria do Comércio Exterior. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 63-70, dez. 2005 67 Tabela 5 Exportações, segundo os principais setores de atividade, do Rio Grande do Sul — jan.-out./05 SETORES VALOR (US$ 1 000) JAN-OUT/05 JAN-OUT/04 (%) PARTICIPAÇÃO % Valor Volume Preço -34,4 -40,0 9,4 Agropecuária .................................................... 1 248 737 14,53 Fumo .................................................................. 1 103 485 12,84 6,7 -6,1 13,7 Soja .................................................................... 104 294 1,21 -83,4 -80,4 -14,9 Indústria de transformação ............................. 7 223 665 84,07 15,4 2,3 12,8 Produtos alimentícios e bebidas ........................ 1 704 125 19,83 8,8 4,6 4,1 Couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados ................................. 1 518 972 17,68 2,5 -9,0 12,6 Produtos químicos ............................................. 1 070 217 12,46 43,1 16,0 23,4 Máquinas e equipamentos ................................. 957 282 11,14 21,1 3,7 16,8 Veículos automotores, reboques e carrocerias 584 883 6,81 18,4 -0,1 18,5 Móveis e indústrias diversas .............................. 289 240 3,37 0,2 -11,6 13,4 3,9 -7,6 12,4 Demais setores .................................................. 1 098 945 12,79 TOTAL ............................................................... 8 592 625 100,00 FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Secretaria do Comércio Exterior. Tabela 6 Taxas de crescimento do volume físico das exportações, segundo os principais setores de atividade, do RS — 2004/05 (%) SETORES 2004 2003 1º TRIM./05 2º TRIM./05 3º TRIM./05 JAN-SET/05 1º TRIM./04 2º TRIM./04 3º TRIM./04 JAN-SET/04 Agricultura, pecuária, silvicultura e exploração florestal 2,4 -53,8 -44,4 -28,5 -39,8 Soja ......................................................................................... -42,0 -93,2 -98,8 -64,0 -82,7 Fumo ....................................................................................... 22,5 43,5 -1,0 -10,1 -0,9 Indústria de transformação .................................................. 11,0 6,8 2,8 -0,8 2,8 Produtos alimentícios e bebidas ............................................. Couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados ............................................................................... 9,7 18,3 4,3 -8,8 3,4 1,7 -7,4 -7,0 -11,0 -8,6 Produtos químicos ................................................................... -6,3 24,2 19,1 11,1 17,8 Máquinas e equipamentos ...................................................... 23,7 -2,0 -1,0 9,8 2,0 Veículos automotores, reboques e carrocerias ....................... 17,6 7,4 1,1 6,3 5,0 Móveis e indústrias diversas ................................................... 40,5 3,0 -8,9 -21,2 -10,5 Total ........................................................................................ 8,9 -3,0 -10,3 -8,0 -7,3 FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Industria e Comércio Exterior. Secretaria do Comércio Exterior. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 63-70, dez. 2005 68 Tabela 7 Taxa média de desemprego, por tipo, na Região Metropolitana de Porto Alegre — 2004/05 (%) TAXA DE DESEMPREGO PERÍODOS 2004 1º trim./04 2º trim./04 3º trim./04 Acumulado no ano 2005 1º trim./05 2º trim./05 3º trim./05 Acumulado no ano Oculto Total Aberto Total Precário Desalento 15,9 16,1 17,2 15,8 16,4 10,7 10,4 11,7 10,7 10,9 5,2 5,7 5,5 5,1 5,4 3,6 3,8 3,6 3,5 3,6 1,6 1,9 1,9 1,6 1,8 14,4 14,9 14,7 14,6 9,9 10,8 10,3 10,3 4,5 4,1 4,4 4,3 2,8 2,9 3,1 2,9 1,7 1,2 1,3 1,4 FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP e DIEESE. Tabela 8 Taxas de crescimento do nível de ocupação, segundo os setores de atividade, na RMPA — 2004/05 (%) SETORES 2004 2003 1º TRIM./05 1º TRIM./04 2º TRIM./05 2º TRIM./04 3º TRIM./05 3º TRIM./04 Indústria de transformação ........................ 5,7 11,8 5,5 3,4 JAN-SET/05 JAN-SET/04 6,8 Comércio .................................................... 6,7 4,6 3,5 4,9 4,3 Serviços ..................................................... 1,5 0,7 3,2 3,2 2,4 Construção civil .......................................... 2,4 -5,9 -9,2 -5,8 -7,0 Serviços domésticos .................................. Total ........................................................... -2,0 2,9 0,9 3,2 0,0 2,8 0,0 2,9 0,3 3,0 FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP e DIEESE. Tabela 9 Taxas de crescimento do nível de emprego, do rendimento real e da massa de rendimentos reais dos ocupados e dos assalariados na RMPA — 2004/05 (%) DISCRIMINAÇÃO Ocupados Emprego ................................................................. Rendimento real ..................................................... Massa de rendimentos reais .................................. Assalariados Emprego ................................................................. Rendimento real ..................................................... Massa de rendimentos reais .................................. 2004 2003 1º TRIM./05 1º TRIM./04 2º TRIM./05 2º TRIM./04 3º TRIM./05 3º TRIM./04 JAN-SET/05 JAN-SET/04 3,1 -0,6 2,4 3,7 -1,8 1,9 3,0 -1,5 1,4 2,9 3,6 6,7 3,2 0,1 3,4 5,6 0,5 6,1 4,7 -1,8 2,9 4,3 -3,0 1,2 5,4 2,3 7,8 4,8 -0,9 4,0 FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP e DIEESE. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 63-70, dez. 2005 69 Tabela 10 Taxas reais de crescimento do ICMS arrecadado, segundo os setores de atividade, no RS — 2004/05 (%) SETORES 2004 2003 1º TRIM./05 1º TRIM./04 2º TRIM./05 2º TRIM./04 Produção animal e extração vegetal ...... Extrativa mineral ..................................... Transformação ........................................ Comércio varejista .................................. Comércio atacadista ............................... Serviços e outros .................................... Total ....................................................... 14,6 13,6 -4,6 5,9 10,3 -2,4 0,2 -27,8 -11,4 -10,8 -2,7 6,0 19,6 -2,4 -49,0 -28,7 10,4 30,8 20,2 31,3 16,2 3º TRIM./05 3º TRIM./04 JAN-SET/05 JAN-SET/04 -39,4 -1,2 6,2 11,1 20,3 47,0 14,5 -39,9 -14,5 1,9 11,5 15,6 32,6 9,3 FONTE DOS DADOS BRUTOS: RIO GRANDE DO SUL. Secretaria Estadual da Fazenda. NOTA: ICMS deflacionado pelo IGP. Tabela 11 Inflação mensal, acumulada no ano e nos últimos 12 meses, na RMPA — 2004 e 2005 (%) PERÍODOS IPC-IEPE INPC-IBGE Dez./03-dez./04 ..................................................................... 6,9 6,9 Ago./05 .................................................................................. -0,6 -0,2 Set./05 ................................................................................... -0,1 0,1 Out./05 ................................................................................... 0,6 0,3 Acumulada no ano (jan.-out./05) ........................................... 6,3 7,2 Acumulada nos últimos 12 meses (out./04-out./05)............. 6,4 7,1 FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. IEPE. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 63-70, dez. 2005 70 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 63-70, dez. 2005 Os fluxos externos de capitais privados no Brasil — 1991-04 71 CONJUNTURA DE ARTIGOS Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005 72 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005 Roberto Marcantonio 73 Os fluxos externos de capitais privados no Brasil — 1991-04 Os fluxos externos de capitais privados no Brasil — 1991-04 Roberto Marcantonio Economista da FEE. Resumo Este artigo analisa a evolução dos fluxos líquidos do financiamento externo privado na economia nacional, entre 1991 — ano da liberalização dos fluxos internacionais de investimentos no Brasil — e 2004. Examina a contribuição dos investimentos diretos, dos investimentos em carteira e de outros investimentos para o financiamento externo total. As duas primeiras categorias de investimentos citadas foram as únicas fontes efetivas de financiamento. Para melhor elucidar os fatos, o artigo toma como referência as transformações ocorridas no sistema financeiro internacional e a liberalização dos fluxos internacionais de recursos no Brasil. A razão de fundo do artigo é tentar, a despeito das dificuldades, contribuir para o estabelecimento de bases para avaliar as perspectivas do financiamento externo no País. Palavras-chave: Securitização; liquidez internacional; dese- quilíbrios domésticos. Abstract This paper examines the evolution of the net flow of private foreign financing in brazilian’s economy, from 1991 — the year of opening to foreign investments flow in Brazil — to 2003. It analyzes the contribution of direct investiments, portfolio investiments, derivatives and the so called other investiments for the total external financiament of national economy. In order of elucidate better the facts, this paper examines the transformations that ocurred in the international financial system and the opening to capital flows in Brazil. The bottom line of this paper is endeavor to contribute, despite the difficulties, improve de conditions to asses the perspective of foreign financing in Brazil. Artigo recebido em 26 out. 2005. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005 74 Introdução Este artigo examina a evolução dos fluxos anuais do financiamento externo na economia nacional, desde que nesta se liberalizou, em 1991, a mobilidade internacional dos capitais. Nos anos finais da década de 80 e nos iniciais da de 90, verificou-se a retomada das entradas voluntárias de recursos externos na América Latina e no Brasil, depois de longos anos de escassez, devido à crise da dívida externa. A retomada dos financiamentos foi determinada por um conjunto de fatores. Dentre eles, cabe destacar o processo de mudanças do sistema financeiro internacional, intensificado na década de 80, nos países desenvolvidos. Os elementos centrais dessas mudanças foram a proliferação dos bancos internacionais, o advento dos chamados novos instrumentos financeiros, a liberação das atividades de financeiras e a emergência das novas fontes de financiamento — as companhias de seguro, os fundos de aposentadoria e as grandes corporações. Essas alterações não ocorreram de inopino, mas aprofundaram tendências manifestadas — não apenas as citadas anteriormente — desde a segunda metade da década de 60. Essas mudanças chegaram aos países em desenvolvimento principalmente nos anos 90. Um aspecto crucial das mudanças do sistema internacional de crédito foi o advento dos novos instrumentos financeiros voltados para a aquisição de títulos de renda fixa negociáveis em mercados secundários organizados e de ações, os quais, no balanço de pagamentos, passaram a ser registrados como investimentos em carteira. Excluídos os investimentos diretos, os investimentos em carteira tornaram-se praticamente a forma exclusiva de financiamento internacional, suprindo a lacuna deixada pelos empréstimos sindicalizados — operações compartilhadas por um conjunto de bancos para diluir riscos —, que foi o instrumento dominante anteriormente. Nos anos 80, a crise da dívida externa nos países em desenvolvimento e a quebra de bancos e de grandes corporações em países desenvolvidos abalaram a credibilidade do sistema bancário, diminuindo seus fundos para empréstimos. Deduz-se que os bancos arcaram com grandes prejuízos, inclusive pela desvalorização de suas ações. Desde então, os empréstimos sindicalizados mergulharam num impasse crítico definitivo, declinando globalmente, e, ao menos nos países em desenvolvimento, seus fluxos líquidos tornaram-se negativos. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005 Roberto Marcantonio Diz a autora D. M. Prates: “Essas transformações [do sistema financeiro internacional] tiveram como conseqüências o aumento significativo dos fluxos financeiros internacionais e mudanças em sua natureza. Os investimentos em portfólio — aquisição de títulos de renda fixa e ações — constituem, atualmente, o principal componente dos fluxos de capitais globais e daqueles direcionados ao países em desenvolvimento, ante os empréstimos bancários sindicalizados, que predominavam nos anos 70” (Gooptu, 1993; Baer, 1995 apud Prates, 1999). Sobre os determinantes do retorno dos financiamentos externos à América Latina, diz Prates: “A partir do final dos anos 80, os fluxos de portfólio foram direcionados, de forma crescente, para as economias latino-americanas, estimulados por um conjunto de fatores (Steiner, 1994 apud Prates, 1999). Alguns autores, dentre eles El-Erian (1992 apud Prates, 1999), enfatizam a importância dos fatores internos — os programas de estabilização e ajuste nos moldes recomendados pelos organismos multilaterais e os acordos de renegociação de dívida externa —, enquanto outros, como Calvo, Leiderman e Reinhart (1993 apud Prates, 1999), interpretam o ciclo recente de endividamento como determinado, em última instância, por fatores externos, especialmente a queda da taxa de juros e a recessão nos países centrais” (Prates, 1999). Este artigo tem como propósito analisar a evolução da conta financeira nacional entre 1991 e 2004, o que implica examinar as principais modalidades do financiamento externo da economia, nomeadamente os investimentos diretos, os investimentos em carteira e os outros investimentos.1 São avaliados apenas os fluxos de capitais privados, o que significa que foram excluídas 1 Os derivativos são registrados, na conta financeira, ao lado dos investimentos diretos, dos investimentos em carteira e de outros investimentos. Contudo, no caso brasileiro, dois aspectos caracterizam os derivativos: (a) de modo geral, as cifras registradas são negativas; sempre foram negativas na vigência do regime de câmbio flutuante; (b) os valores dos derivativos, no Brasil, no período observado, foram, em geral, pouco ou totalmente expressivos, quando comparados com as demais grandes rubricas da conta financeira. Neste artigo, essas características relegaram os derivativos a referências mínimas. De fato, os derivativos não caracterizam uma modalidade de financiamento externo, mas os pagamentos devidos por um serviço. Os fluxos externos de capitais privados no Brasil — 1991-04 as operações de regularização com o FMI e as outras operações de regularização, além das operações com agências e organismos. Essa subtração oferece duas vantagens: deixa mais visível a instabilidade dos fluxos de financiamentos privados e torna as séries dos dados nacionais comparáveis com as estatísticas do FMI referentes aos países em desenvolvimento. A despeito de todas as incertezas inerentes à evolução vindoura dos fluxos dos investimentos externos, o intuito último deste artigo é tentar identificar elementos que permitam melhor especular sobre as possibilidades futuras do financiamento estrangeiro no Brasil. Além desta Introdução, este artigo se compõe de duas seções e das Considerações finais. A primeira seção aborda dois fatores importantes na determinação da evolução do financiamento da economia brasileira. Esses fatores são a securitização do processo de endividamento internacional em escala mundial, a partir dos anos 80, e a liberalização dos fluxos financeiros internacionais no Brasil. Tomamos o início do processo de liberação financeira referido como critério para definir o ponto de partida do período examinado pelo artigo. A segunda seção descreve a trajetória dos fluxos de financiamento externo no Brasil, procurando abarcar seus principais condicionantes; como pano de fundo desse exercício, tomamos a evolução dos fluxos internacionais de financiamento nas economias em desenvolvimento. Dois condicionantes dos fluxos de capitais internacionais no Brasil Vários fatores interferem — seja nos fluxos de liquidez internacional global, seja nos fluxos de financiamento externo — numa economia nacional específica. Esta seção aborda dois condicionantes dos fluxos internacionais de capital que exercem ou passaram a exercer influência no Brasil. Eles se referem, o primeiro, à securitização das operações internacionais de financiamento e, o segundo, à liberalização dos fluxos internacionais de capital no País como forma de adequação à nova configuração do sistema financeiro internacional. A abordagem desse tema é crucial para elucidar a evolução do financiamento externo da economia nacional no período examinado. No que respeita à securitização das operações internacionais de crédito, interessa defini-la, datar sua emergência e ressaltar sua importância. Esse exercício 75 permite compreender aspectos relevantes da natureza do novo sistema internacional; isso possibilita que um conjunto de fatos nacionais correlacionados seja melhor compreendido. As securities são instrumentos financeiros que sucederam e deslocaram em importância os instrumentos dominantes em um período anterior. Estes últimos são os empréstimos sindicalizados, compartilhados por um consórcio de bancos para reduzir riscos e concedidos a partir de um contrato entre as partes credoras e devedora(s). Nos empréstimos sindicalizados, um aspecto crucial reside em que o contrato de débito-crédito não encontra um mercado organizado onde o credor possa vendê-lo. Assim, o crédito não é líquido antes da data do vencimento; mais do que isso, o valor efetivo do crédito — valor de mercado — carece de um mecanismo de explicitação. Logo, a eventual inadimplência de devedores “pesados” lança suspeita sobre o valor da carteira dos ativos bancários e sobre a solidez financeira dos próprios bancos. Nessas circunstâncias, estes arcam com prejuízos, porque os investidores retraem suas aplicações nas instituições atingidas, diminuindo seu founding e, portanto, sua capacidade de empréstimo. Como exemplo, constatamos que os depósitos captados pelos bancos internacionais junto a não-bancos caíram de US$ 63,0 bilhões em 1982 para US$ 40 bilhões em 1984; os empréstimos bancários, nos mesmos anos, caíram de US$ 80 bilhões para US$ 40 bilhões (Ferreira; Freitas, 1990). Por isso, no sistema bancário, aumentam as perdas realizadas e os riscos das perdas potenciais. No limite, se o banco não escapar suficientemente da rota de prejuízos, sua sobrevivência estará em risco. Desde os anos 60, identifica-se uma sucessão de fases na transformação do sistema financeiro internacional. No entendimento dos Economistas Ferreira e Freitas, a securitização é o aspecto distintivo do processo de transformação dos mercados financeiros internacionais nos anos 80 (Ferreira; Freitas, 1990). Para esses autores, a securitização das operações de empréstimos — entendida como processo de crescente abrangência — teria estado condicionada, em parte, à alteração ocorrida, a partir de 1982, nos fluxos internacionais de liquidez. Esse fato, por seu turno, teria resultado do seguinte conjunto de fatores: queda dos superávits em transações correntes dos países exportadores de petróleo e, pela mesma razão, redução das inversões financeiras desses países no euromercado; recuperação econômica dos países desenvolvidos; transformação dos Estados Unidos em receptor líquido de recursos; e crise da dívida externa de países do Terceiro Mundo. Ademais, à mesma época, emergiram Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005 76 as novas fontes internacionais de recursos: os fundos de pensão, as companhias de seguros e as grandes corporações. Contudo, frente à perda de credibilidade que se abateu sobre o sistema bancário, as novas fontes de recursos evitaram as operações intermediadas por esse sistema. Assim, passaram a emprestar, através de instrumentos de dívidas diretas para tomadores de “excelente risco” — governos e corporações relativamente líquidas —, a um custo inferior ao do crédito bancário. Os instrumentos de dívidas diretas são, no caso, as securities, ou bonds, títulos emitidos pelo devedor e negociáveis a qualquer momento em mercados organizados. Respeitadas essas características essenciais, as securities assumiram, no transcurso do tempo, uma variedade de formas que perseguiram o objetivo de dirimir ou transferir riscos. Rapidamente, elas atingiram abrangente proporção dos empréstimos internacionais e ampliaram a magnitude dos mesmos: “Em 1981, a emissão de securities respondia por ¼ do fluxo de endividamento global do sistema financeiro internacional, com os restantes ¾ sendo compostos por empréstimos sindicados. Essa participação [foi] rapidamente revertida e, já em 1985, o mercado de bônus alcançava mais de 90% do fluxo de endividamento total, chegando ao valor US$ 213 bilhões (US$ 289,8 bilhões em 1986), contra US$ 45 bilhões em 1981. Os empréstimos sindicados foram reduzidos de US$ 131,5 bilhões em 1981 para US$ 37,8 bilhões em 1986, sendo que, neste último ano, cerca de 20% do total representavam empréstimos ‘não espontâneos’, ligados a pacotes de reescalonamento das dívidas de países endividados” (Ferreira; Freitas, 1990). Apontamos, mais adiante, a grande participação dos investimentos no financeiamento externo do Brasil, principalmente entre 1991 e 1998. A citação acima elucida uma das causas internacionais dessa participação; outra causa relevante do mesmo fato foi a liberalização financeira externa nacional, por franquear a presença dos investimentos em carteira. A liberalização das relações financeiras externas nacionais objetivou adequar a legislação específica nacional à nova realidade do sistema financeiro internacional. A presente abordagem visa datar e caracterizar a emergência das citadas regras liberalizantes. Esta exposição segue duas linhas: primeiro, são mencionadas as mudanças institucionais que definiram as possibilidades — antes inexistentes — da presença dos investimentos de portfólio estrangeiros no Brasil; segundo, são Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005 Roberto Marcantonio apontadas medidas liberalizantes, que instituem instrumentos de captação para uso das instituições financeiras e não financeiras residentes. O primeiro passo para abrir a economia nacional aos investimentos de portfólio foi a instituição do Anexo IV à Resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) nº 1.289/87, a qual disciplina os investimentos estrangeiros em títulos e valores mobiliários de companhias abertas; o Anexo IV foi instituído pela Resolução nº 1.832/91 do CMN. “Ao contrário dos demais anexos dessa Resolução (n. 1.832/91), que exigem a constituição de sociedade ou fundo de investimento para ingresso no País, o Anexo IV não está sujeito a critérios de composição, capital mínimo inicial e período de permanência, e permite a entrada direta de investidores institucionais estrangeiros no mercado acionário doméstico, definidos como fundos de pensão, companhias de seguro, instituições financeiras estrangeiras, fundos de investimentos constituídos no exterior etc. (...) o Anexo IV concede liberdade ao investidor na constituição das carteiras (...)” (Prates, 1999). Os investidores estrangeiros passaram a participar do mercado financeiro nacional também pela aquisição de cotas de quatro diferentes modalidades de fundos de investimento, criadas na década de 90. Os Fundos de Privatização-Capital Estrangeiro foram autorizados, em 1991, para a aquisição de papéis de empresas em processo de privatização e de moedas de privatização. Em 1993, foram instituídos os Fundos de Renda Fixa-Capital Estrangeiro, que disponibilizam um conjunto de aplicações de renda fixa. Em 1996, duas modalidades preexistentes de fundos de investimentos foram abertas ao capital estrangeiro: os Fundos de Investimento em Empresas Emergentes e os Fundos de Investimento Imobiliário (Prates, 1999).2 Da liberalização financeira nacional, resta mencionar as medidas referentes à tomada de recursos no exterior por parte de instituições financeiras e não financeiras residentes. A exposição a seguir evidencia tais medidas. Antes de mencioná-las, convém apontarmos aspectos históricos, de acordo com as Economistas Prates e Freitas. 2 Nos anos 90, momentânea ou permanentemente, o Banco Central modificou as normas de alguns tipos de investimentos em carteira, para meramente aperfeiçoá-las ou para enfrentar a instabilidade cambial (Prates, 1999). 77 Os fluxos externos de capitais privados no Brasil — 1991-04 “Em relação aos instrumentos mais convencionais — eurobônus e fixed e floating rates notes —, sua emissão pelas empresas não financeiras residentes já era permitida, desde a década dos 60, para os dois primeiros instrumentos, e, após a década dos 70, para as floating rates notes (Costa, 1994 apud Prates; Freitas, 1999). A Lei n. 4.131, de 1962, regulamentava tanto o endividamento externo indireto (empréstimos bancários) quanto o endividamento externo direto (naquele momento, emissão de euronotas e eurobônus, os instrumentos então disponíveis) das empresas. Contudo, na década de 70, os empréstimos bancários eram a modalidade de empréstimo externo mais barata e abundante. Apesar de viável em termos legais, a emissão de euronotas e eurobônus no mercado internacional tornou-se uma opção de financiamento, para as empresas brasileiras, com custos relativamente baixos — em relação às fontes de financiamento interno e aos empréstimos bancários externos — apenas na presente década. A mudança fundamental introduzida na década dos 90 foi a autorização da emissão desses instrumentos pelas instituições financeiras ‘nos termos e nos fins previstos pela Resolução nº 63, de 21/8/1967’ (Resolução do CMN n. 1.835, de 31/7/1991)” (Prates; Freitas, 1999).3 Com as medidas referidas acima, as empresas foram autorizadas a emitir export securities e títulos de debêntures conversíveis em ações; às dependências externas dos bancos ficou facultada a emissão de certificados de depósitos (Prates; Freitas, 1999). As primeiras medidas de liberalização financeira ocorreram, no Brasil, em 1991, embora, nos anos posteriores, tenham havido ampliações e correção das mudanças introduzidas. Dessa forma, adequaram-se as regras nacionais aos novos instrumentos e ao novo funcionamento do sistema financeiro internacional. Tal fato exerceu importante influência na retomada e no crescimento do financiamento externo, na economia nacional. A evolução dos financiamentos externos privados no Brasil e outros dos seus principais condicionantes Os fluxos de financiamento externo da economia brasileira, no período analisado, foram determinados por um conjunto de fatores. Dois deles já apontados acima. A presente seção é complementar à anterior, porque procura considerar outros fatores intervenientes do financiamento externo da economia nacional. Dentre esses, destacamos, de um lado, a evolução dos fluxos de financiamentos internacionais nos mercados emergentes e em economias em desenvolvimento — doravante chamados simplesmente economias em desenvolvimento —, que alternou fases de expansão e retração marcadas por oscilações de curta duração.4 Examinamos também determinantes domésticos dos fluxos de financiamento externo, destacando a política cambial e suas mudanças. Numa simplificação que entendemos razoável — porque não abstrai ou “torce” qualquer aspecto relevante —, abordamos a questão cambial, como se houvessem se sucedido apenas dois regimes cambiais: o de bandas estreitas atrelado ao dólar e o regime de câmbio flutuante. No agregado dos países em desenvolvimento, entre a virada da década de 80 para a de 90 e 1996, ocorreu uma fase de forte expansão dos fluxos de financiamentos externos. A despeito da participação expressiva dos investimentos produtivos, o evento assumiu intenso caráter especulativo, o qual, segundo entendemos, foi reforçado pela vigência de regimes cambiais fixos ou pouco flexíveis, “corrigidos” segundo uma regra, num conjunto importante de economias em desenvolvimento. Na vigência desse regime, a mobilidade internacional dos capitais goza de garantias contra os riscos de perdas de renda e de capital causadas pelas imprevistas desvalorizações cambiais inerentes ao câmbio flutuante; esse fato incentivou a mobilidade especulativa dos fluxos financeiros. No mesmo sentido, agiram as maiores possibilidades especulativas dos novos instrumentos financeiros e 4 3 A Resolução nº 63 faculta aos bancos residentes tomar empréstimos externos para repassá-los internamente. A denominação mercados emergentes e países em desenvolvimento é adotada pelo FMI no seu periódico Word Economic Outlook (2004, 2005), que serviu de fonte das estatísticas internacionais utilizadas neste artigo. Por fidelidade à fonte dos dados, esse esclarecimento se fez necessário. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005 78 também a liberalização financeira na quase-totalidade dos países em questão. As componentes especulativas dos financiamentos externos terminaram por conduzir a fase expansiva dos mesmos a uma súbita e crítica interrupção, seguida por imediata fase de contração. A retração dos fluxos de financiamentos iniciou a partir das crises financeiras internacionais, que tiveram seu epicentro em países em desenvolvimento do Sudeste Asiático, em 1997. O legado dessas crises — um fortíssimo aumento da aversão ao risco financeiro — contribuiu para que novas crises eclodissem no transcorrer dos anos seguintes, em vários países. Dadas as críticas condições de financiamento externo que acometeram as economias em desenvolvimento, os regimes de câmbio fixo ou rígido “quebraram”, sendo substituídos por regimes de câmbio flutuante. Além das crises do Sudeste Asiático, o défault da Rússia reforçou o desencadeamento da fase de contração dos financiamentos externos nos países em desenvolvimento. No transcorrer dos anos, outros fatos — ocorridos com freqüência nas principais economias e praças financeiras do mundo — prolongaram e aprofundaram a fase citada, a qual apenas deu claros sinais de reversão em 2003. A Tabela 1 auxilia-nos a melhor visualizar essa evolução entre 1996 e 2004. Em 1996 e 1997, a totalidade dos financiamentos líquidos somou, respectivamente, US$ 196,7 bilhões e US$ 198,4 bilhões. Em 1997, ano das crises do Sudeste Asiático, a totalidade dos financiamentos foi sustentada, em grande parte, pelo crescimento de 27,0% dos investimentos diretos. A tendência de redução do fluxo total dos financiamentos atingiu seus níveis mínimos em 2000 e 2001, com a média anual de US$ 60,9 bilhões. Essa média foi 69,0% menor do que a globalidade dos recursos de 1996. A responsabilidade dessa queda repousa no comportamento dos capitais financeiros stricto sensu, ou seja, os investimentos em carteira e os outros investimentos. Esta última modalidade de financiamento acumulou saídas líquidas de US$ 441,8 entre 1998 e 2001; no mesmo período, os investimentos em carteira acumularam entradas líquidas de US$ 45,2 bilhões, montante significativamente menor do que os verificados nos anos anteriores. As cifras apontadas evidenciam que as formas mais tradicionais de financiamento contribuíram de modo muito mais intenso para a instabilidade dos fluxos de financiamentos do que as novas modalidades de financiamentos, contrariando, assim, o que seguidamente é dito. Por seu turno, os investimentos diretos mantiveram firme tendência de Roberto Marcantonio crescimento, passando de US$ 116,0 bilhões em 1996 para 184,7 bilhões em 2001.5 Nos países em desenvolvimento, a totalidade dos financiamentos externos atingiu os níveis mínimos em 2000 e 2001, sob a influência de um conjunto de fatores, dentre os quais cabe destacar: a desaceleração da economia norte-americana entre o terceiro trimestre de 2000 e o final de 2001; a diminuição do ritmo de crescimento da economia e do comércio mundiais; e as incertezas presentes nos Estados Unidos, que foram simultaneamente causa e efeito de expressivo declínio dos índices das bolsas de valores daquela e das demais economias industrializadas. A partir de 2003, verificou-se forte reação dos financiamentos externos aos países em desenvolvimento; esses financiamentos alcançam US$ 149,5 bilhões, montante 97,0% maior do que o do ano anterior. Em 2004, a totalidade dos financiamentos somou US$196,6 bilhões, o mesmo valor registrado em 1996, ou seja, no ano anterior ao da eclosão da crise do Sudeste Asiático. Merece destaque o fato de que a recuperação dos financiamentos ocorreu caracterizada pela grande dominância dos investimentos diretos. Em 2004, por exemplo, os investimentos diretos representaram 95,0% dos financiamentos líquidos externos totais nos países em desenvolvimento. Nas economias em desenvolvimento, a contração do financiamento externo causou desvalorização cambial expressiva e generalizada frente às moedas “fortes”. Em um conjunto dessas economias, isso ocorreu às custas da “quebra” de regimes cambiais rígidos ou pouco flexíveis. A desvalorização cambial desencadeou intensa tendência de melhora do saldo em transações correntes, no agregado dos países em desenvolvimento, como evidencia a Tabela 1. Nesse agregado, as transações correntes passaram de um déficit médio de US$ 76,4 bilhões entre 1996 e 1998 para um superávit médio de US$ 161,2 bilhões entre 1999 e 2004. Em 2003 e 2004, a retomada do crescimento do comércio mundial contribuiu para que os superávits em transações correntes atingissem as cifras de, respectivamente, US$ 233,8 bilhões e US$ 336,3 bilhões. Esses fatos fazem ver que o declínio da entrada de capitais internacionais decorreu também da diminuição ou da reversão dos desequilíbrios externos no agregado dos países em desenvolvimento. Com isso, parte dos integrantes desse agregado tenderam 5 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005 Em 2002 e 2003, os investimentos diretos evidenciaram queda na comparação com 2002, retomando trajetória de aumento em 2003. Os fluxos externos de capitais privados no Brasil — 1991-04 a diminuir suas necessidades de financiamento ou a se credenciarem como exportadores de capital. No caso do Brasil, os fluxos líquidos de financiamentos externos estão expostos na Tabela 2. O confronto desses registros com os fluxos de financiamento, no agregado dos países em desenvolvimento, permite perceber facilmente que, em grande parte do período examinado, existe elevado grau de “paralelismo” na evolução das duas séries de variáveis. Assim, enquanto o financiamento externo foi abundante no conjunto dos países em desenvolvimento, a economia nacional recebeu crescentes montantes de recursos externos, o que lhe permitiu cobrir déficits em transações correntes cada vez maiores. Quando houve uma “maré vazante” dos financiamentos internacionais no agregado dos países em desenvolvimento, o fato refletiu-se na economia nacional. As similitudes entre uma e outra das instâncias observadas não se esgota nos aspectos apontados. O comportamento dos investimentos diretos, dos investimentos em carteira e de outros investimentos, ao longo do tempo, guarda também certo grau elevado de parecença. A partir de 2002, contudo, houve uma quebra do mencionado “paralelismo” por, no mínimo, dois motivos. Em primeiro lugar, porque, em 2002, o Brasil viveu uma experiência sui generis, quando a provável vitória do candidato Luís Inácio Lula da Silva à Presidência da República assustou os investidores externos, fazendo-os retirar vultosas somas líquidas de capital do País. Sob o efeito do “Lula vem aí!”, a conta financeira registrou déficit de US$ 4,3 bilhões. Esse foi o único caso de déficit anual da conta financeira no período examinado. A crise de financiamento externo de 2002 legou para 2003 uma conjuntura marcada por elevadas taxas de inflação e juros, baixo ritmo de crescimento e incertezas, inclusive em vista da magnitude atingida pela dívida do setor público. É provável que essa conjuntura tenha contribuído para manter relativamente baixos os fluxos de capitais externos no mesmo ano; a conta financeira registrou entradas líquidas de apenas US$ 1,9 bilhão. Em segundo lugar, porque, a partir do terceiro trimestre de 2001 e até o final do período examinado neste artigo, o saldo da balança comercial manteve forte tendência de melhora. Em grande parte por esse motivo, o déficit em transações correntes caiu de US$ 23,2 bilhões em 2001 para apenas US$ 7,7 bilhões em 2002. Em 2003 e 2004, na mesma conta, houve superávits de, respectivamente, US$ 4,2 bilhões e US$ 11,7 bilhões. Dessa forma, resultou eliminada a necessidade de ampliação do endividamento 79 externo da economia, fato que contribuiu para manter reduzido — ou levemente negativo —, em 2004, o registro líquido de entrada de capitais na conta financeira. Assim, no Brasil, não se refletiu a recuperação dos fluxos de financiamentos externos ocorrida nos países em desenvolvimento, desde 2003. A seguir, procuramos descrever a evolução das diferentes modalidades de financiamento externo da economia nacional a partir de 1991. Essa descrição permitirá, adiante, melhor considerarmos aspectos referentes à política cambial e à evolução da taxa de câmbio, que tiveram grande importância na determinação dos financiamentos externos, ao longo do tempo. Na descrição anunciada, adotamos a seguinte periodização: o primeiro período vai de 1991 a 1996; o segundo, de 1997 a 2001; e o terceiro segue a partir de 2002. Os critérios principais dessa periodização foram a tendência, crescente ou decrescente, do valor das entradas anuais líquidas registradas na conta capital e a qualidade dos financiamentos recebidos. O primeiro período — transcorrido entre 1991 e 1996 — foi definido de acordo com duas características principais: primeiro, a recuperação dos fluxos de financiamentos externos voluntários, seguida por forte tendência de crescimento dos mesmos, a qual terminou por alcançar níveis insustentáveis; segundo, a grande participação dos investimentos em carteira (Tabela 2). Tais fatos se tornaram possíveis graças à liberalização da presença dos capitais estrangeiros na economia nacional, a partir de 1991. Entre 1991 e 1993, os investimentos em carteira somaram US$ 30,6 bilhões, o que ressalta seu papel na citada recuperação. Pelos mesmos motivos, foram responsáveis pela recuperação das reservas externas a partir de 1993, portanto, antes do lançamento do Plano Real. Em todo o primeiro período, os investimentos em carteira, de longe, ocuparam o primeiro lugar, segundo a ordem de grandeza das entradas líquidas; acumularam ingressos líquidos de US$ 112,1 bilhões, enquanto a conta financeira registrou ingressos líquidos de US$ 93,0 bilhões. Em termos da contribuição acumulada, entre 1991 e 1996, os investimentos em carteira e os investimentos diretos foram os exclusivos financiadores da economia. Os últimos contribuíram com US$ 18,8 bilhões. Contudo estes apenas atingiram cifra mais expressiva em 1996, anunciando, com isso, a vigorosa tendência de crescimento que se estendeu até 2000 e a importante participação, no financiamento externo, nos dois períodos Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005 80 Roberto Marcantonio posteriores.6 De outro lado, no período em consideração, os outros investimentos acumularam saídas líquidas de US$ 37,9 bilhões, evidenciando a obsolescência dos instrumentos financeiros utilizados. Os derivativos, realizaram pagamentos líquidos ao exterior de US$ 38,0 milhões. Essa minguada cifra evidencia, segundo entendemos, a ausência de risco cambial percebido pelos operadores financeiros. É necessário considerarmos a hipótese de que parte das entradas dos investimentos em carteira representaram, de fato, o remanejamento de recursos que já estavam presentes na economia sob o registro de outros investimentos. Se verdadeira essa hipótese, a nova regulamentação dos capitais estrangeiros facultou a migração de capitais dos velhos instrumentos financeiros para os novos. Essa suposição se baseia nas vultosas saídas e entradas, respectivamente, de outros investimentos e investimentos em carteira, em 1992 e 1994. Mais concretamente, baseia-se no elevado montante dos valores e em certa proximidade entre os mesmos. A descrição acima confirma que a “âncora cambial” do Plano Real se apoiou largamente nos investimentos em carteira. À época, esse fato provocou críticas, sob o argumento de que eram financiamentos altamente voláteis e, por isso, mantinham a economia na iminência de grande instabilidade. Os eventos mostraram que a crítica era pertinente. Contudo aqueles foram os recursos disponíveis aos fazedores da política econômica. Os anos de 1997 até 2001 definem o segundo período considerado, o qual transcorreu durante a fase de contração dos financiamentos externos nas economias em desenvolvimento. Na economia nacional, essa contração manifestou-se com intensidade em 1997, através de contração dos investimentos em carteira e de outros investimentos. O superávit da conta financeira caiu de US$ 34,8 bilhões em 1996 para US$ 24,7 bilhões e US$ 18,4 bilhões, respectivamente, em 1997 e 1998. Na perspectiva dos investidores internacionais, o risco percebido no Brasil resultou aumentado, porque, nos dois últimos exercícios citados, o déficit nacional em transações correntes aumentou muito, atingindo os níveis históricos máximos. A combinação da fase de contração dos financiamentos nas economias em desenvolvimento com o aumento do desequilíbrio externo brasileiro e com um amplo e persistente desequilíbrio fiscal causou, nos 6 No segundo período, os investimentos diretos atingiram níveis particularmente elevados e passaram a evidenciar tendência de redução no terceiro período. A despeito dessa tendência, os montantes anuais mantiveram níveis expressivos. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005 dois anos citados, duas crises cambiais no País, forçando o Banco Central a substituir o regime cambial de bandas estreitas pelo regime de câmbio flutuante em janeiro de 1999. Essa mudança foi de particular importância, porque, com o novo regime de câmbio, os fluxos de capitais financeiros, stricto sensu, resultaram à mercê dos riscos da variação cambial. Entendemos que esse fato contribuiu significativamente — ao lado de outros fatores externos e internos — para manter a continuidade da retração dos fluxos líquidos desses capitais — iniciada em 1997 —, nos anos posteriores. A propósito, interessa ver, na Tabela 2, que o risco cambial causou significativo aumento dos pagamentos líquidos ao exterior a título de derivativos. No período em questão — 1997-01 —, as entradas líquidas registradas na conta financeira nacional oscilaram amplamente de ano para ano, em vista do instável comportamento dos investimentos em carteira e dos outros investimentos. O superávit mínimo da conta financeira foi registrado em 1999 — US$ 11,6 bilhões —, tendo como causa o paroxismo das incertezas provocado pela “quebra” do regime cambial de bandas no início do ano. Os dramáticos acontecimentos anteriores, ocorridos em outras economias que também tiveram seus regimes cambiais fixos “quebrados”, contribuíram, certamente, para extremar os riscos percebidos na economia brasileira. Em 2000, a conta financeira registrou US$ 26,1 bilhões, o nível mais elevado entre 1998 e 2001. Em todo esse período, a conta financeira acumulou entradas líquidas de US$ 99,2 bilhões, o que corresponde à média anual, bastante elevada, da ordem de US$ 20,0 bilhões. Essa magnitude se tornou possível graças ao comportamento dos investimentos diretos, que, exceção feita ao ano de 2001, mantiveram trajetória de alta; eles acumularam, no segundo período, US$ 126,0 bilhões, dos quais US$ 28,3 bilhões corresponderam a pagamentos estrangeiros ao programa de privatizações. Convém lembrar que os investimentos diretos relacionados às privatizações somaram US$ 30,9 bilhões, integralizados, entre 1996 e 2002. Desse total, 91,5% foram pagos no segundo período. O ano de encerramento desse período, 2001, foi o último de expressiva contribuição dos pagamentos às privatizações, com o valor de US$ 7,0 bilhões; em 2002 e 2003, esses pagamentos somaram, respectivamente, US$ 1,1 bilhão e US$ 280 milhões, evidenciando o esgotamento dessa fonte de financiamento. Tal esgotamento explica, em parte, a queda do patamar dos investimentos diretos ocorrida nos anos seguintes e, igualmente em parte, a redução das entradas líquidas registradas na conta financeira. 81 Os fluxos externos de capitais privados no Brasil — 1991-04 Do primeiro para o segundo período, a mudança da qualidade dos financiamentos externos materializou-se principalmente, de um lado, pelo grande aumento dos investimentos diretos e, de outro, pela expressiva diminuição dos investimentos em carteira. Estes totalizaram US$ 41,6 bilhões. Cerca de 74,0% dessas entradas ocorreram em 1997 e 1998, ou seja, antes da adoção do regime de câmbio flutuante. Cabe insistir dizendo que os riscos inerentes ao câmbio flutuante colocaram o advento desse regime como um marco divisório entre dois “momentos” sucessivos. O primeiro marcado pelo grande afluxo, ainda que instável, de investimentos em carteira. O segundo caracterizado por forte tendência de redução dos ingressos líquidos. Em 2001, as entradas líquidas dos investimentos em carteira foram quase nulas, totalizando US$ 77,0 bilhões. Essa foi a menor cifra até então, desde que foi franqueada sua presença no Brasil. Essa tendência de redução persistiu no terceiro período, não obstante a grande oscilação dos fluxos de ano para ano. Por seu turno, as despesas líquidas com derivativos cresceram bastante e assumiram cifras significativas a partir de 1997, em decorrência do risco cambial. Em todo o segundo período, acumularam o montante líquido negativo de US$ 1,3 bilhão. Por último, foi notável o comportamento dos outros investimentos, por manterem cifras anuais negativas elevadas desde 1997 até o final dos anos observados neste artigo. O fato ilustra a superação e a obsolescência dos instrumentos financeiros tradicionais. No terceiro período — 2002-04 —, constatamos grande contração do financiamento externo. Nos três anos em questão, a conta financeira acumulou déficit de US$ 3,2 bilhões, e os investimentos diretos, superávit de US$ 32,7 bilhões. Essas duas cifras confrontadas ressaltam as elevadas saídas acumuladas pelos investimentos em carteira (US$ 4,5 bilhões) e principalmente pelos outros investimentos (US$ 30,2 bilhões). Mais uma vez é necessário apontarmos a incerteza cambial como uma das causas principais do comportamento evasivo dos capitais internacionais nas diferentes rubricas, exceção feita aos investimentos diretos, dada sua racionalidade específica, orientada pelas expectativas de longo prazo. A propósito da incerteza cambial prevalecente, um dos indícios do fato é o aumento expressivo das despesas líquidas com derivativos, com o intuito de fazer hedge no período. Em 2004, os derivativos registraram, de longe, o valor negativo mais elevado de toda a série examinada. Parece importante notar também que a incerteza cambial contraiu o fluxo de financiamento externos não apenas em vista do comportamento dos credores estrangeiros, mas, talvez principalmente, pelo comportamento dos devedores nacionais. Entendemos que estes trataram de se ver livres de posições de risco, saldando dívidas. A manifestação macroeconômica desse fato se expressou através da redução da dívida externa líquida do Brasil. Essa redução resultou, de um lado, das entradas de investimentos diretos e, de outro, dos superávits em transações correntes, em 2003 e 2004, de, respectivamente, US$ 4,2 e US$ 11,7 bilhões. Devemos frisar a contribuição desses superávits. Passando de deficitários para superavitários, os saldos em conta corrente inverteram a direção de sua ação causal sobre os fluxos de financiamentos externos. Deixaram de ser financiados com dívidas externas para passarem a fornecer fundos para a amortização dessas dívidas. É necessário falarmos dos efeitos da então provável vitória da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições à Presidência da República sobre a conta financeira no terceiro período definido por este artigo. Notoriamente, no ano da eleição, 2002, a elevada probabilidade da vitória de Lula causou grande fuga de capitais estrangeiros do País e rebuliço no mercado nacional de câmbio. A cotação cambial do dólar chegou ao pico de R$ 4,0 nos momentos mais críticos daqueles eventos. No ano, a conta financeira registrou déficit de US$ 4,7 bilhões, fato que contribuiu grandemente para reduzir o saldo acumulado da mesma conta, em todo o período.7 Todos sabemos dos graves efeitos negativos que os eventos em pauta causaram ao País em termos de — para ser breve — desaceleração do crescimento e aumento do desemprego. Contudo, especificamente quanto ao que nos interessa — a evolução dos fluxos de financiamentos externos privados —, devemos manter o cuidado para não exagerar a capacidade daqueles fatos de imprimir efeitos ou características no período em pauta. É nossa convicção que o novo perfil adquirido pelo conjunto das rubricas da conta financeira foi propiciado fundamentalmente pela auspiciosa tendência de melhora dos saldos em transações correntes desde o terceiro trimestre de 2001, graças, em especial, ao persistente crescimento do saldo da balança comercial. 7 No agregado dos países em desenvolvimento, os fluxos de financiamentos aumentaram 24,5% em 2002, na comparação com 2001. Teriam aumentado bem mais, se não fossem os eventos ocorridos na economia brasileira. Em suma, não é possível atribuir alguma influência da conjuntura internacional nos fatos ocorridos no Brasil, naquele ano. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005 82 Roberto Marcantonio Tabela 1 Fluxos líquidos de capitais privados e transações correntes nos mercados emergentes e em países em desenvolvimento — 1996-04 (US$ bilhões) DISCRIMINAÇÃO 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Total .................................. Investimento direto ............ Investimento em carteira ... Outros capitais privados .... Conta corrente .................. 196,7 116,0 86,3 -5,6 -93,8 198,4 147,2 60,4 -9,2 -83,5 84,8 159,8 42,5 -117,6 -51,9 89,1 173,3 69,1 -153,3 38,9 60,8 174,3 20,5 -134,0 126,6 60,9 184,7 -86,9 -36,9 89,4 75,8 144,4 -90,0 21,4 142,5 149,5 151,9 -9,9 7,5 233,8 196,6 186,4 28,8 -18,6 336,3 FONTE: FMI. Tabela 2 Fluxos de capitais privados e transações correntes no Brasil — 1991-04 (US$ bilhões) DISCRIMINAÇÃO 1991 1992 1993 1994 1995 1996 Conta financeira ............. 3,52 2,45 12,25 10,01 30,42 34,33 1997 24,59 Investimento direto ......... 0,09 1,92 0,80 1,46 3,31 11,26 17,88 Investimento em carteira 3,81 14,47 12,33 50,64 9,22 21,62 12,62 Derivativos ...................... 0,00 0,00 0,01 -0,03 0,02 -0,04 -0,03 Outros investimentos ...... -0,38 -13,94 -0,88 -42,07 17,88 1,49 -5,88 Transações correntes ..... -1,41 6,14 -0,59 -1,69 -17,97 -23,50 -30,45 DISCRIMINAÇÃO 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Conta financeira ............. 18,07 11,60 26,14 19,03 -4,76 1,90 -0,39 Investimento direto ......... 26,00 26,89 30,50 24,72 14,11 9,89 8,70 Investimento em carteira 18,13 3,80 6,96 0,08 -5,12 5,31 -4,76 Derivativos ...................... -0,46 -0,09 -0,20 -0,47 -0,36 -0,15 -0,68 Outros investimentos ...... -25,60 -19,00 -11,12 -5,29 -13,39 -13,15 -3,66 Transações correntes ..... -33,42 -25,34 -24,22 -23,22 -7,72 4,18 11,67 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Banco Central do Brasil. Considerações finais Anteriormente, caracterizamos três períodos, na evolução da conta financeira nacional, entre 1991 e 2004 e tecemos algumas considerações acerca dos fatos verificados. Em seguida, retomamos alguns aspectos desse quadro, incorporando, contudo, aspectos de outra natureza. Procuramos referir, de maneira um pouco mais completa, diferentes instâncias da realidade que interagiram e determinaram, em boa medida, aquela evolução. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005 No período observado por este artigo, a sucessão de fases e “momentos” de expansão e contração da liquidez dos mercados financeiros internacionais, nos países em desenvolvimento, produziu, quase sempre, reflexos de igual sentido no Brasil. Assim, a fase expansiva dos fluxos de financiamentos no agregado dos citados países, encerrada em 1997, propiciou abundantes recursos externos ao Brasil e, por isso, facultou ao Plano Real a utilização da “âncora cambial” como um importante instrumento — dentre outros — de “desindexação” dos preços e de redução das taxas de inflação. A “âncora Os fluxos externos de capitais privados no Brasil — 1991-04 cambial” foi adotada em meados de 1994 e, a partir de maio de 1995, seguiu definida como um regime cambial de bandas estreitas “atrelado” ao dólar. Ela sobreviveu às condições da liquidez internacional que possibilitaram sua adoção. No seu período de vigência, a insustentável tendência de aumento do déficit em transações correntes evidenciou que o real esteve excessivamente valorizado frente ao dólar. Porém, enquanto os fluxos de financiamentos externos permitiram, o Banco Central manteve a política cambial, na esperança de que o aumento da competitividade da produção nacional — causado pelo processo de reestruturação produtiva em curso — terminasse sendo suficiente para reduzir adequadamente os déficits em transações correntes. Essa expectativa não se cumpriu em tempo hábil. A crise de financiamento externo, iniciada no segundo semestre de 1998, “quebrou a âncora cambial” no princípio de 1999. Ato contínuo, o Banco Central adotou o regime de câmbio flutuante. No Brasil, a retomada e o crescimento dos fluxos de financiamentos externos a partir de 1991 e até 1997 foram marcados pela grande participação dos investimentos em carteira; nesses anos, a soma desses investimentos foi superior à da conta financeira. Fatores nacionais — ao lado dos internacionais — determinaram esse fato. Um dos fatores domésticos de atração dos investimentos em carteira foi a então recente abertura de um novo espaço nacional de oportunidades de aplicações lucrativas, seja na compra de ações a preços módicos, seja na aquisição de títulos de renda fixa de elevada remuneração. No mesmo sentido, cabe dizer que, quando da liberação financeira no País, o endividamento externo da economia, na perspectiva das possibilidades dos novos instrumentos financeiros, era avaliado como baixo. A ausência de risco cambial — dado o regime de câmbio que passou a viger — foi outro importante chamariz para os investimentos em carteira. Após a troca do regime cambial no País, a maioria dos analistas — orientados pela lógica econômica abstrata, mas traídos pela especificidade dos fatos concretos — previram contração dos financiamentos externos e desvalorização cambial de grandezas suficientes para, ao menos em boa parte, sanar os desequilíbrios externos da economia. Em larga medida, essas expectativas não se confirmaram, embora tenha havido expressiva contração dos fluxos de capitais financeiros stricto sensu. Assim, diminuíram as entradas líquidas dos investimentos em carteira e aumentaram as saídas líquidas dos outros investimentos. Não obstante isso, os montantes totais dos financiamentos externos foram sustentados, em certa medida, pela forte 83 tendência de crescimento dos investimentos diretos, alheios, por sua lógica, às razões que atemorizam as demais modalidades dos financiamentos. Por isso, a desvalorização cambial havida contribuiu para reduzir o déficit em transações correntes, entretanto, até 2001, em medida insuficiente para reduzi-los para níveis sustentáveis. As elevadas entradas líquidas anuais de investimentos diretos entre 1997 e 2001 fazem acreditar que se assistiu, naqueles anos, a uma momento histórico de — o leitor perdoe a redundância — características peculiares. As críticas dificuldades enfrentadas pela economia nacional durante um longo período anterior, iniciado nos anos 80, haviam-na mantido à margem dos interesses e dos investimentos das empresas estrangeiras. Quando tais dificuldades evidenciaram sinais mais claros de superação e foram iniciadas reformas modernizantes, o Brasil — uma das 10 maiores economias do mundo, dotada de uma estrutura produtiva bastante complexa e completa, além de demanda ampla e especialmente dinâmica — abriu-se como parte do espaço estratégico da competição global. Nesse momento, coube às empresas internacionais empreenderem a corrida para implantar ou ampliar sua presença no País. Por esses motivos, durante alguns anos, foi excepcionalmente elevado o montante dos investimentos diretos, que se distribuíram entre modernização e ampliação de instalações, aquisições, privatizações, fusões e abertura de novos empreendimentos. Então, a competição entre as empresas configurou-se como uma corrida para “chegar primeiro”, levando os investimentos estrangeiros diretos a um elevado grau de concentração entre 1997 e 2001. Nesses cinco anos, eles apresentaram a média anual de US$ 25,2 bilhões; nos três anos posteriores, a mesma variável registrou valor de US$ 10,9 bilhões. Esta última cifra parece ser evidência de que, no que respeita aos fluxos de investimentos diretos, o Brasil ingressou em nova fase, na qual, já anteriormente realizados os investimentos de “ocupação de espaço” e modernização, as empresas estrangeiras passaram a realizar novos investimentos, principalmente para manter a competitividade e para ampliar a capacidade produtiva. Se essa hipótese é verdadeira, os montantes das entradas líquidas de investimentos diretos estarão condicionados, daqui para a frente muito mais do que nos cinco anos anteriores, ao ritmo de crescimento do produto nacional. Em suma, as taxas de crescimento da economia — por determinarem a maior ou a menor ocupação da capacidade produtiva existente — e as expectativas mais ou menos otimistas dos rendimentos Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005 84 futuros passaram a ser os determinantes principais dos investimentos estrangeiros diretos. Os fatos e as considerações expostos acima levam-nos a entender que os elevados valores registrados a título de investimentos em carteira e investimentos diretos, nos específicos “momentos de auge” citados, não se deverão repetir nos próximos anos, no Brasil. A tendência decrescente dos investimentos em carteira — no agregado dos países em desenvolvimento e no Brasil — é um indicativo de que os agentes envolvidos na “farra especulativa” encerrada em 1997 amargaram prejuízos vultosos. As experiências do passado têm evidenciado que fatos dessa natureza exigem largo período para serem esquecidos, antes do retorno das “bolhas especulativas”. Além disso, a maior proliferação dos regimes de câmbio flutuante nos países em desenvolvimento é um forte desestímulo aos movimentos especulativos de grande monta. Aqui, os outros investimentos e os derivativos merecem apenas menção brevíssima. Os outros investimentos em carteira notabilizaram-se apenas pela enorme soma de recursos retirados da economia nacional, praticamente em todos os anos do período examinado. A persistência e a intensidade dessa tendência evidenciam que, em algum momento futuro, ela arrefecerá e se esgotará. Esse esgotamento se constituirá num fator de elevação do saldo líquido da conta financeira. Por seu turno, os derivativos acumularam saídas líquidas de US$ 2,7 bilhões em todo o período observado. Esse valor, sem ser desprezível, é pouco importante na perspectiva do financiamento externo da economia. Por isso, o interesse maior pela variação dos saldos da rubrica derivativos tende a se reduzir à indicação que fornece do estado momentâneo das incertezas referentes às operações internacionais no País. Logo, o afluxo de recursos externos para a economia nacional permanecerá estritamente ao encargo dos investimentos em carteira e dos investimentos diretos. Quanto a essas duas modalidades de financiamento, o exame feito por este artigo sugere que, nos próximos anos, não deveremos voltar a assistir à pujança verificada, no primeiro caso, até 1998 e, no segundo, especialmente entre 1998 e 2001. Essa expectativa tenderá a ser contestada, se preenchidas as seguintes condições: primeiro, na medida em que a economia nacional, evidenciando capacidade de sustentar taxas de crescimento há muito não vistas, aumente sua capacidade de atrair investimentos; segundo, se mantida a credibilidade da política econômica nacional; terceiro, se o crescimento do PIB e o do comércio mundial se mantiverem favoráveis à Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005 Roberto Marcantonio continuidade da expansão dos investimentos internacionais nos países em desenvolvimento. Referências ARONOVICH, Selmo; PEREIRA, Thiago Rabelo. Derivativos de crédito: uma introdução ao instrumento financeiro e potenciais de uso. Rio de Janeiro: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, 1994. FERREIRA, Carlos L.; FREITAS, Maria C. P. de. Mercado internacional de crédito e as inovações financeiras nos anos 70 e 80. São Paulo: FUNDAP, 1990. (Estudos de Economia do Setor Público, 1). MARCANTONIO, Roberto. Os fluxos de capitais estrangeiros privados nas economias emergentes, entre 1994 e 2002. Indicadores Econômicos FEE, Porto Alegre: FEE, v. 32, n. 1, p. 221-241, 2004. PRATES, Daniela M.; FREITAS, Maria Cristina P. de. Emissões brasileiras no mercado financeiro internacional, nos anos 90. In.: FREITAS, Maria Cristina P. de (Org.). Abertura do sistema financeiro brasileiro. São Paulo: FUNDAP: FAPESP; Brasília: IPEA, 1999. PRATES, Daniela M. Investimento de portfólio no mercado financeiro doméstico. In.: FREITAS, Maria C. P. de (Org.). Abertura do sistema financeiro brasileiro. São Paulo: FUNDAP: FAPESP; Brasília: IPEA, 1999. WORLD ECONOMIC OUTLOOK. Washington, DC: IMF, Sept 2004. WORLD ECONOMIC OUTLOOK. Washington, DC: IMF, Apr 2005. 85 Mudança no regime cambial da China Mudança no regime cambial da China* André Moreira Cunha** Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Pesquisador do CNPQ. Resumo Neste trabalho, analisa-se o novo regime cambial da China. Argumenta-se que a opção gradualista dos "policymakers" chineses reflete a necessidade de se lidar com as pressões contraditórias com respeito ao valor externo do yuan renminbi. Enfatiza-se o contexto internacional dos desequilíbrios de pagamentos entre a economia norte-americana e o resto do mundo, especialmente as economias asiáticas. Palavras-chave: China; regime cambial; desequilíbrios exter- nos. Abstract In this paper we analyze the new exchange rate regime in China. We argue that the gradualist option of chinese policymakers reflects the necessity of manage contradictory pressures over the external value of the yuan renminbi. We emphasize the international context of payments imbalances among U.S. economy and the rest of the world, especially the asian economies. Artigo recebido em 23 ago. 2005. 1 - Introdução Há cerca de três anos, intensificaram-se as críticas à opção chinesa de manter sua moeda — o yuan renminbi1 — atrelada ao dólar norte-americano (somente dólar, de agora em diante) através de um regime de câmbio fixo. Tal posição vinha tanto dos setores oficiais e privados dos EUA, quanto de países que estavam * Versão de agosto de 2005. As traduções de citações originais do inglês para o português foram feitas pelo autor. O mesmo agradece pelo apoio de pesquisa ao bolsista do PIBIC-CNPQ, Henrique B. Renck. ** E-mail: [email protected] 1 O yuan renminbi (RMB) é a moeda oficial da China. Eventualmente yuan e renminbi serão utilizados, isoladamente, ao longo do texto. Devem ser lidos como simplificações de uma mesma unidade monetária. sofrendo com a pressão concorrencial chinesa. Argumentava-se que a rigidez daquele regime cambial estaria potencializando os desequilíbrios nos pagamentos internacionais, manifestos, especialmente, nos crescentes déficits em conta corrente dos EUA. A estratégia da China e de outras economias asiáticas de atuar de forma ativa nos mercados cambiais, com o objetivo de estabilizar o valor de suas moedas em termos do dólar e de ampliar — em um ritmo sem precedente na história recente das finanças internacionais — as reservas oficiais, passou a ser apontada, de forma depreciativa, como sendo "mercantilista"2. 2 Sobre tais questões, recomenda-se a leitura de: Goldstein (2003), Bergsten (2004) e Eichengreen (2004). Ver, também, as análises da revista The Economist, de 10.07.03, de 18.09.03 e de 05.02.04 (Fear..., 2003; Oriental..., 2003; Let..., 2004). Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 85-96, dez. 2005 86 Em julho de 2005, a China surpreendeu o mundo, ao anunciar um novo regime cambial. O yuan passaria a ser administrado em função da flutuação de uma cesta composta por 11 moedas, com destaque para o dólar, o euro, o iene japonês e o won coreano. Nesse sentido, o presente artigo tem por objetivo analisar as origens de tal mudança e suas possíveis implicações. Para tanto, inicia-se analisando a natureza dos desequilíbrios recentes na economia internacional e das estratégias macroeconômicas adotadas nas regiões periféricas, especialmente na Ásia. A seguir, mostra-se o papel cada vez mais importante da China nas dinâmicas econômicas regional e mundial. A partir de tais elementos, parte-se para uma análise do novo regime cambial chinês. Mesmo sendo um fato recente, há elementos de natureza estrutural que permitem realizar uma avaliação, ainda que preliminar, daquele movimento tático da China. Seguem algumas considerações finais. 2 - Desequilíbrios estruturais na economia internacional e estratégias macroeconômicas nas economias periféricas A economia internacional vem demonstrando um grande dinamismo desde meados de 2003. Depois da retração no ritmo de crescimento de seus principais pólos dinâmicos em 2001 e 2002, os elevados estímulos fiscais e monetários nas economias centrais, especialmente nos EUA, garantiram o quadro atual de recuperação, cujo ápice se deu em 2004. Verificou-se, ali, uma convergência de fatores positivos, com destaque para: (a) o maior nível de crescimento do PIB mundial desde 1976; (b) uma forte expansão do comércio internacional, tanto em termos de volume quanto, principalmente, de preços; e (c) uma abundante liquidez financeira, que favoreceu a manutenção de um ambiente global de baixas taxas de juros reais (International Monetary Fund, 2005). Todavia os mesmos fatores determinantes da recuperação estão gerando um conjunto de desequilíbrios, dentre os quais cabe destacar o elevado déficit em conta corrente dos EUA, que passou de um patamar abaixo de 2% do PIB, no começo dos anos 90, para 4%, no final da década, atingindo 6% no ano de 2004. Sua tendência segue sendo de alta. No atual ciclo Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 85-96, dez. 2005 André Moreira Cunha político, o déficit externo vem sendo acompanhado por déficits fiscais também crescentes, dados os significativos estímulos de redução de impostos e de ampliação de gastos ocorridos depois de 2001. A volta dos "déficits gêmeos" tem colocado em debate a qualidade (no futuro) da dívida pública norte-americana, cujo nível corrente vem-se aproximando, velozmente, de patamares mais típicos das economias periféricas.3 Em uma perspectiva mais ampla, verifica-se que as famílias e as empresas também apresentam níveis recordes de endividamento4, o que caracterizaria a emergência de uma situação de elevada fragilidade financeira. O modelo de crescimento liderado pelo consumo e amparado por um elevado endividamento traduzir-se-ia em estímulos à produção mundial em regiões emergentes, que passaram a absorver, nas últimas duas décadas, uma parcela crescente da capacidade produtiva mundial. Ademais, segmentos dos mercados financeiros, como o mercado imobiliário, estariam superaquecidos. Em 2004, a variação anual dos preços dos imóveis atingiu níveis recordes nos EUA, sendo também altista em vários outros países (Ann. Rep., 2005). A contrapartida para a ampliação da posição devedora líquida dos EUA estaria no aumento da posição credora do resto do mundo, implicando exportação de poupança por parte de economias centrais e periféricas.5 3 "A medida mais ampla do total da dívida dos Estados Unidos com o resto do mundo — a posição líquida de investimentos internacionais ou PLI — aumentou de 5% do PIB em 1997 (US$ 360 bilhões) para um valor esperado de 28% do PIB (US$ 3,3 trilhões) até o final de 2004. Equivalendo a 280%, a taxa de dívida sobre exportações dos EUA está atingindo rapidamente patamares das economias latinas mais problemáticas, como Argentina e Brasil. Sem ajustes mais profundos, o endividamento externo líquido dos EUA está no caminho de atingir 50% do PIB e cerca de 500% das receitas de exportação em 2008." (Roubini; Setser, 2005b, p. 9 — esta e as demais citações foram traduzidas por nós). Roubini e Setser (2005b) estimam que, ainda em 2005, os EUA se tornem pagadores líquidos de juros para o resto do mundo. 4 Papadimitriou et al. (2005) realizam uma análise detalhada do endividamento norte-americano a partir de um referencial teórico que valoriza a tradição keynesiana-minskyiana. 5 Bernanke (2005) analisa os desequilíbrios das contas externas dos EUA, assumindo que há um problema global de "excesso de poupança" (global saving glut). Para o então Diretor do FED, a economia norte-americana seria passiva nesse processo. Tal excesso de poupança se originaria, principalmente, de: (a) questões demográficas dos países centrais (envelhecimento da população); (b) aumento do preço do petróleo (o que geraria uma transferência de renda para os países exportadores dessa importante commodity); e (c) das estratégias defensivas dos países periféricos nesse período (pós-crise asiática) de crises financeiras e de volatilidade dos mercados, caracterizadas pela 87 Mudança no regime cambial da China Países estruturalmente superavitários, especialmente em conta corrente, como Japão, China, Coréia do Sul, outras economias asiáticas emergentes, os países da região do euro, exportadores de petróleo e, desde 2003, os latino-americanos vêm financiando os "déficits gêmeos" norte-americanos pela reconversão de seus superávits externos em reservas, as quais são aplicadas em ativos financeiros denominados em dólares norte-americanos. Os bancos centrais dos países asiáticos vêm desempenhando um papel de destaque nesse processo. Diante de tal quadro, há analistas que consideram os crescentes déficits dos EUA como um elemento potencialmente desestabilizador de uma conjuntura global que se revela excepcionalmente favorável desde 2003.6 Há, porém, os que enxergam um elemento positivo nos déficits, que estariam dinamizando o crescimento de regiões periféricas.7 Entre o primeiro grupo8, cresce o consenso de que o ajuste para os "desequilíbrios" globais passaria por um realinhamento de moedas, no qual os países asiáticos, notadamente a China, deveriam aceitar uma maior flexibilidade em suas taxas de câmbio. A valorização da moeda chinesa (frente ao dólar) viria a se somar à apreciação de outras moedas, como o euro, permitindo uma depreciação mais significativa da taxa de câmbio real e efetiva do dólar, o que, por sua vez, garantiria uma acomodação dos desajustes comerciais bilaterais, pelo aumento das exportações líquidas dos EUA. Os países que estão sendo pressionados para absorver os novos ajustes cambiais — e aqui o caso chinês segue na linha de frente — passaram a argumentar que a origem dos "desequilíbrios" estaria não em suas políticas macroeconômicas "defensivas"ou "mercantilistas", mas, sim, no baixo nível de poupança norte-americana, o que é um eufemismo para o "excesso de geração de superávits em conta corrente e acúmulo de reservas. Stephen Roach, estrategista do Morgan Stanley e um dos mais festejados analistas da economia internacional, contesta a tese de Bernanke, argumentando que, de acordo com as estimativas mais recentes do FMI, a poupança global não teria aumentado significativamente no período recente. Seu ligeiro aumento (de 23% na média do período 1983-00 para 25% em 2004) teria acompanhado a elevação dos investimentos. Por isso, ele questiona: "(...) onde está o excesso de poupança?". Ver What (2005). 6 Alguns exemplos, nesse sentido, são: Roubini e Setser (2005a), Eichengreen (2004), Frankel (2005) e Summers (2004). 7 É o argumento de Dooley, Folkerts-Landau e Garber (2003) e de Dooley e Garber (2005), no que se convencionou chamar de hipótese Bretton Woods II. 8 Ver, dentre outros, Bergsten (2004), Bergsten e Williamson (2004) e International Monetary Fund (2005, cap. 3). gasto". Por essa ótica, a correção viria, principalmente, de um ajuste fiscal do Governo dos EUA e de um aumento da poupança privada.9 Diante de tal consideração, respeitados analistas norte-americanos vêm-se refugiando na tese de que há um problema global de "excesso de poupança", que busca abrigo em ativos denominados em dólares, de modo que os EUA seriam passivos nesse processo.10 A mudança no regime cambial chinês, conforme será demonstrado na seqüência, implicou uma nova linha de argumentação, que agora passou a enfatizar a busca de maior flexibilidade do renminbi. Na prática, a moeda chinesa elevou-se pouco mais de 2% diante do dólar até o presente momento. Por qualquer linha de argumentação, ao se considerarem os desequilíbrios de pagamentos como um problema a ser corrigido em um horizonte relativamente próximo, abre-se espaço para a avaliação dos possíveis impactos de um ajuste global de preços — juros e câmbio das principais moedas — e quantidades — mudanças na demanda induzidas, por exemplo, por alterações na política fiscal dos EUA. Dentre outros aspectos, há uma ênfase nos efeitos esperados: (a) de um aperto fiscal nos EUA capaz de promover a redução dos gastos públicos e privados, o que afetaria negativamente as exportações de terceiros países; (b) de mudanças súbitas e/ou mais intensas do que o projetado pelas expectativas correntes dos investidores nos preços de importantes ativos financeiros, especialmente a partir da elevação nos juros curtos e longos dos EUA11; (c) o que poderia ampliar a aversão ao risco dos investidores internacionais e, assim, reverter o quadro recente de recomposição da liquidez financeira para os países periféricos; e (d) a capacidade de mudanças de preços relativos induzidas pela queda na taxa de câmbio real e efetiva do dólar — agora com o estímulo de uma valorização do renminbi — em reverter o quadro de desequilíbrios nos 9 O debate, aqui, retoma os contornos verificados na primeira metade dos anos 80, quando os EUA pressionavam Japão e Alemanha para assumirem o ônus do ajuste dos desequilíbrios nos balanços de pagamentos. A desvalorização coordenada do dólar, depois do Acordo do Plaza, foi uma das respostas mais evidentes da tensão política da época. 10 Bernanke (2005) expôs esse argumento de forma contundente. Dooley e Garber (2005) tomam-no como um elemento acessório em sua análise da hipótese Bretton Woods II. 11 Cá está uma das aparentes "anomalias" dos mercados financeiros globais. O conundrum da taxa de juros norte-americana foi explicitado por Stephen Roach (Real..., 2005). Trata-se da questão dos reduzidos níveis da taxa real de juros e do aparente descolamento dos movimentos de elevação das taxas curtas do FED (policy rate dos Fed Funds) com respeito às taxas longas dos T-bonds. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 85-96, dez. 2005 88 André Moreira Cunha pagamentos internacionais. É importante lembrar que o ajuste nos mercados de ativos financeiros poderia ocorrer em função da perda de um movimento mais amplo de confiança no dólar, dadas as estratégias de recomposição de portfólio dos detentores dos instrumentos de dívida emitidos nos EUA. Entre os otimistas, como os proponentes da hipótese Bretton Woods II (Dooley; Folkerts-Landau; Garber, 2003; Dooley; Garber, 2005), o estabelecimento de um jogo de soma positiva entre o devedor em última instância, os EUA e os países exportadores emergentes poderia dar longa vida ao processo de (re)localização de parte significativa da produção industrial mundial, do centro para a periferia, notadamente para a região do Pacífico Asiático. Com isso, tais regiões emergentes poderiam crescer de forma acelerada, incorporando seus contingentes populacionais ainda à margem dos setores modernos. Em contrapartida, a poupança financeira gerada pelo processo de crescimento via drive exportador seria reciclada pelos mercados financeiros dos países centrais, mais especificamente, dos EUA, mais robustos e confiáveis que os mercados locais dos países periféricos. Todavia esse jogo não inclui todos os países periféricos. Os ganhos na absorção de capitais e novas tecnologias e a inserção nos mercados consumidores mais dinâmicos têm-se concentrado em poucos "países vencedores". Em geral, os resultados verificados, até agora, do processo de liberalização econômica, especialmente na dimensão financeira, sinalizam para o aumento da instabilidade e não para o crescimento sustentável.12 As tensões correntes que ligam as economias centrais às periféricas repõem, tanto na dimensão comercial quanto, principalmente, na esfera financeira, o desafio da busca de estratégias alternativas de inserção na economia global. Esta vem se caracterizando pela recorrência de ciclos de expansão e contração da liquidez financeira, o que, por sua vez, cria ondas de crescimento real e financeiro nos países receptores de capital, cujos declínios posteriores, quando dos movimentos de refluxo daqueles capitais, geram graves crises econômicas e sociais. A posição financeira externa das economias periféricas é particularmente sensível aos movimentos exogenamente determinados de expansão e contração da liquidez nos mercados financeiros dos países centrais, bem como ao perfil de composição das carteiras dos seus investidores. Movimentos de "fuga para qualidade", 12 Ver, dentre outros, Prasad et al. (2003) e Comisión Económica para America Latina y el Caribe (2002; 2004). Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 85-96, dez. 2005 provocados por um aumento na aversão ao risco dos investidores e/ou na ampliação das taxas de retorno de papéis de maior qualidade emitidos no centro do sistema, provocam fortes oscilações nos mercados financeiros domésticos dos países em desenvolvimento. No quadro atual, de sensíveis desequilíbrios nos pagamentos internacionais, uma crise de confiança no dólar só poderia ser evitada caso o resto do mundo mantenha a disposição de financiar o "crescimento liderado pelo consumo" dos EUA e, assim, seus déficits em transações correntes. Para Dolley, Folkerts-Landau e Garber (2003) e Dooley e Garber (2005), esse cenário não só é possível no curto prazo, como pode se estender ainda por um longo tempo. Os críticos à idéia de que os déficits externos dos EUA não são uma ameaça à economia internacional não consideram plausível a hipótese da sustentabilidade dos déficits norte-americanos em um horizonte de tempo muito largo. Quanto mais longo o acerto de contas entre o país deficitário e suas contrapartes superavitárias, mais dolorosos tenderiam a ser os custos desse ajuste (Roubini; Setser, 2005a). Dolley, Folkerts-Landau e Garber (2003) e Dooley e Garber (2005) consideram ser mais provável a manutenção do atual status quo, onde caberia aos bancos centrais asiáticos o papel de financiar os desequilíbrios externos dos EUA. O interesse na manutenção da aquisição de ativos denominados em dólares, especialmente de títulos emitidos pelo Tesouro norte-americano, apesar de sua baixa remuneração e do crescimento na posição devedora (fiscal e externa) daquele país, estaria fundamentado em dois elementos de caráter aparentemente estrutural. O primeiro seria o desejo, inclusive no caso japonês, de seguir priorizando o crescimento baseado nas exportações. O segundo fator estaria associado aos impactos da crise financeira de 1997-98 sobre o padrão de financiamento dos asiáticos e suas estratégias macroeconômicas. Ter-se-ia criado uma sensível rejeição ao modelo de sobre-endividamento com base em poupança externa, cuja apreciação real das moedas domésticas e a inflação nos preços de ativos financeiros e não financeiros foram os subprodutos que mais teriam contribuído para a fragilização financeira anterior à crise. As novas prioridades seriam a sustentação do valor real das taxas de câmbio frente ao dólar, o que implica a adoção de regimes cambiais duros, como nos casos da China, da Malásia e de Hong Kong, ou, no caso dos países que adotam regimes de câmbio flutuante (Japão, Coréia, Índia, Taiwan, Tailândia e Indonésia), a forte intervenção das autoridades monetárias, que passaram a reciclar os resultados dos 89 Mudança no regime cambial da China superávits em conta corrente e dos ingressos líquidos de capitais privados, transformando-os em reservas oficiais. O incremento destas, por sua vez, traduziria uma busca aparentemente intencional de reduzir o grau de exposição das diversas economias aos ciclos financeiros externamente determinados. Para se compreender a perspectiva asiática, é preciso lembrar que, depois de flertar com a liberalização financeira, o que implicou crescente fragilidade externa, muitas economias asiáticas passaram a ter como estratégia (implícita ou explícita) a criação de "colchões" de liquidez (em dólares) suficientemente elásticos para afastar o que se passou a perceber na região como um risco inerente ao processo de globalização, qual seja, crises financeiras geradas pela conversibilidade da conta capital. A idéia de que a busca de tal proteção é "racional" é admitida até por analistas contrários a essa estratégia (Eichengreen, 2004; Institute of International Finance, 2004). Alguns indicadores de vulnerabilidade externa apresentaram uma melhora substantiva na Ásia. A relação reservas internacionais com respeito ao volume de importações dobrou, ao passo que quadruplicou a relação reservas e dívida de curto prazo — proxy destacada na literatura para identificar problemas de liquidez em um contexto de livre mobilidade de capitais.13 É interessante notar que, desde o começo de 2002, a moeda norte-americana chegou a perder entre 40% e 50% de seu valor, em termos nominais (entre 10% e 25% em termos reais e considerando-se as ponderações dos fluxos de comércio), com respeito ao euro e às moedas de outros parceiros comerciais importantes dos EUA, como Canadá e Austrália, ao passo que as moedas asiáticas subiram muito menos — desde a posição fixa das moedas chinesa (até junho de 2005) e malaia, passando pela depreciação do peso filipino, até apreciações moderadas entre 5% e 20% nos demais casos. O esforço oficial para evitar flutuações significativas nas taxas de câmbio tem-se traduzido no aumento das reservas externas, que, por sua vez, tendem 13 Para se colocar em perspectiva, em 1995, a relação reservas/ /dívida de curto prazo era de 1,7 na Ásia e de 1,4 na América Latina (AL). Em 2003, passou, respectivamente, para 8,8 e 1,6. A relação reservas/importações passou de 38% para 68% na Ásia e de 51% para 48% na AL, tendo 2002 como ano de ponta (estimativas do autor com base no Anexo Estatístico do International Monetary Fund (2004)). O bom desempenho das contas externas da maior parte dos países latinos em 2004 melhorou tais indicadores (Comisión Económica para America Latina y el Caribe, 2005; World Econ. Outlook, 2005). Ainda assim, o desempenho asiático seguiu sendo superior. a resultar em medidas de esterilização do excesso de crédito doméstico (Bergsten, 2004; World Bank, 2005; BIS, 2004; 2005; Aizenman; Lee; Rhee, 2004; Eichengreen, 2004). No caso asiático, entre 2001 e 2004, a variação de reservas como proporção da renda atingiu o nível médio mais elevado das últimas quatro décadas, algo em torno de 5%, contra uma média pouco superior a 1% no período 1970-00.14 Tal nível também não encontra precedentes quando se compara o desempenho corrente ou histórico de outras regiões. As intervenções cambiais procurariam preservar a competitividade das moedas nacionais diante do dólar e, assim, o drive exportador que está no núcleo de suas estratégias de desenvolvimento. Ademais, ao atrelarem, de direito ou de fato, suas moedas ao dólar, os países asiáticos estariam criando uma área "periférica" estruturalmente ligada ao centro norte-americano tanto pelos canais comerciais quanto pelos financeiros. A analogia ao padrão dólar-ouro derivado do Acordo de Bretton Woods tenderia a se ampliar com a incorporação de novos países ao novo arranjo de "câmbio fixo". Isso se daria por efeito das pressões competitivas entre os países que adotam câmbio flutuante e apresentam forte apreciação de suas moedas frente ao dólar, ao renminbi — e, assim, frente à máquina exportadora chinesa — e às demais moedas asiáticas. Com mais países adotando a "estratégia asiática", cresceria o espaço de financiamento dos déficits em conta corrente dos EUA. No pós-guerra, os interesses geopolíticos teriam determinado um certo padrão de solidariedade entre os EUA e a Europa Ocidental e o Japão, permitindo a estes últimos lançar mão do drive exportador por meio do acesso ao mercado norte-americano como fonte de crescimento. Agora tal catching-up estaria baseado no duplo interesse da economia central (e devedora) em preservar seu "crescimento liderado pelo consumo" (e financiamento externo) e das economias periféricas a ela atreladas em manter seus respectivos modelos de "crescimento liderado pelas exportações". 14 Estimativas do autor com base nos dados de diversos World Economic Outlook Database, disponível em: http://www.imf.org Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 85-96, dez. 2005 90 André Moreira Cunha 3 - A China e as economias asiáticas: da crise financeira à crescente integração As economias asiáticas vêm demonstrando um renovado dinamismo nesses anos que se seguiram à crise financeira de 1997 e 1998. Após a abrupta interrupção de uma trajetória até então sustentada de crescimento com estabilidade econômica e avanços significativos em áreas sociais, a maioria dos países da região logrou experimentar uma vigorosa recuperação já a partir de 1999, com um interregno em 2001 e 2002, em função da retração da economia norte-americana e, por decorrência, de um desempenho desfavorável no mercado mundial de bens eletrônicos. Em 1998, com a crise financeira, o PIB retraiu-se em 13,1% na Indonésia — que precisou de quase cinco anos para recuperar o nível de renda pré-crise —, 10,5% na Tailândia, 7,4% na Malásia, 6,9% na Coréia e 0,6% nas Filipinas. Desde então, voltou a se expandir em um ritmo superior à média mundial, entre 5% e 8% em média ao ano, dependendo do grupo de país considerado, especialmente se há a inclusão da China. Em particular, os anos de 2003 e 2004 marcaram não somente uma expansão forte do produto, como também a manutenção de resultados bastante expressivos nas contas externas. O superávit global do balanço de pagamentos regional chegou à casa dos US$ 200 bilhões em 2003 e a US$ 312 bilhões em 2004.15 Neste ano, verificou-se um expressivo superávit da conta capital, à qual somou-se o resultado em conta corrente já superior a US$ 100 bilhões/ano em média nos últimos três anos (World Bank, 2005; Asian..., 2005a; Institute of Internacional Finance, 2005). Tal desempenho externo merece uma atenção especial, pois ele marca uma diferença fundamental do período que antecedeu a crise financeira, refletindo, também, o esforço de redução da vulnerabilidade externa na região. Desde o início dos anos 90, os países asiáticos vêm tentando lidar com as pressões oriundas de um ambiente internacional marcado pela crescente abertura econômica, especialmente dos mercados financeiros, e pela recorrência de episódios de ampliação e contração 15 Estimativas do Banco Mundial (World Bank, 2005, p. 27), que excluem o resultado de Hong Kong. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 85-96, dez. 2005 da liquidez financeira gerada nos países avançados. Em resposta a esse fato, alguns países, como Coréia, Indonésia, Tailândia, Malásia, ampliaram o grau de conversibilidade de suas contas capitais desde o final dos anos 80. Assim, até a crise, os países da região absorveram, em média, algo entre 3% e 4% dos respectivos produtos em poupança externa.A contrapartida disso foram os elevados déficits em transações correntes (Asian..., 2005a; World Bank, 2005). Com níveis internos de poupança já elevados, a ampliação da liquidez doméstica alimentada pelo crédito externo gerou um boom de investimentos reais e financeiros que contribuiu para o acúmulo de fragilidades financeiras e reais. A inflação nos preços dos ativos financeiros, o excesso de investimento em setores produtivos, especialmente no complexo eletrônico (o que contribuiu para a queda nos preços dos produtos eletrônicos no período que antecedeu a crise), a ampliação do endividamento do setor privado (de curto prazo e denominado em dólares) e a redução da rentabilidade em diversos setores produtivos compuseram o quadro que deu margem a uma crescente vulnerabilidade, explicitada quando da crise cambial iniciada na Tailândia e que logo contaminou os demais países da região, com destaque para o caso coreano, cuja estrutura econômica era (e é) muito mais profunda e desenvolvida que a de vários de seus vizinhos do Leste e, principalmente, do Sudeste Asiático (Asian..., 2005a; Ann. Rep., 2004; 2005). Entre 1997 e 2001, a região digeriu a crise ampliando exportações, o que permitiu, salvo na retração do mercado eletrônico, em 2001, resultados excepcionais em transações correntes. Já na conta capital, verificou-se uma saída líquida de recursos. Verificou-se uma queda no ritmo de expansão dos investimentos, mesmo no caso chinês. O crescimento dependeu fortemente de políticas fiscais e monetárias mais acomodatícias e do drive exportador. É importante destacar-se que os superávits em transações correntes mais do que compensaram os déficits nos fluxos de capitais, permitindo uma persistente recomposição dos níveis de reservas externas. A partir de 2002, o resultado global do balanço de pagamentos — que passou de 3,1% em 2001 para 9,3% do PIB em 2004 — e o nível de recomposição das reservas — que é a contrapartida contábil daquele resultado — passaram a ocorrer de uma forma que não encontra precedentes na história recente da economia internacional (World Bank, 2005). A China tem sido o motor do cada vez mais intenso processo de integração comercial e financeira da região asiática. Em termos mais amplos, o crescimento chinês respondeu por um quarto da expansão do comércio 91 Mudança no regime cambial da China mundial em 2002 e 2003 e por cerca de 15% em 2004, um ano marcado por uma sensível recuperação da demanda mundial. O efeito-China tem-se manifestado no aumento da demanda internacional de commodities,16 o que contribuiu para uma forte expansão nos preços dos produtos agrícolas e minerais nos últimos três anos.17 Aqui, quando se toma em perspectiva o comércio intra-regional, deve-se ressaltar a complementaridade entre a estrutura produtiva e comercial da China e a dos demais países da região. Assim, por exemplo, no setor agropecuário, a China é exportadora de produtos temperados para os países da ASEAN18, enquanto importa produtos tropicais. Esse fato vem garantindo a viabilização do acordo de cooperação, que tem por objetivo criar uma área de livre comércio China-ASEAN, a ser implementada entre 2010 e 2015. Nesse processo, foram reduzidos os impostos de importação dos produtos primários de origem agropecuária para níveis entre 0% e 5%. O comércio nesse setor vem crescendo a um ritmo de 15% ao ano entre tais países (World Bank, 2005). Por outro lado, países com estruturas produtivas mais complexas que a China, como Japão, Taiwan e Coréia, vêm se tornando fontes importantes de suprimento de máquinas e equipamentos, que dão sustentação a um ritmo intenso de ampliação dos investimentos no setor produtivo industrial. Capital e tecnologia fluem na forma financeira — via investimento direto externo — ou na importação de equipamentos modernos. Somente quatro economias da região, Hong Kong, Japão, Coréia e Taiwan, vêm respondendo por cerca de 60% do investimento direto externo (IDE) absorvido pela China.19 A demanda chinesa por matérias-primas e 16 Para tomar um dos exemplos mais expressivos, basta lembrar que a China foi responsável por um quinto da demanda mundial por produtos minerais em 2004 e que o crescimento anual de sua demanda esteve na casa dos 16% entre 1997 e 2004, o que representou 60% da demanda mundial (World Bank, 2005, p. 22). 17 Entre 2001 e 2003, o preço da soja e derivados cresceu mais de 50%; em 2004, verificou-se uma tendência de queda. Já as commodities metálicas, cujos preços se ampliaram em cerca de 10% naquele período, atingiram um crescimento de 20% em 2004. No começo de 2005, os segmentos energia e minerais metálicos seguiram em alta (International Monetary Fund, 2005; Ann. Rep., 2005). 18 Association of South-East Asian Nations (Associação das Nações do Sudeste Asiático): Indonésia, Malásia, Tailândia, Filipinas, Cingapura, Laos, Brunei, Camboja, Vietnã e Miamar. 19 Dados de Prasad e Wei (2005, p. 41). Em 2003, por exemplo, 33% do IDE originou-se em Hong Kong; 9,4%, no Japão; 8,4%, na Coréia; e 6,3%, em Taiwan. É importante observar que, por equipamentos fica patente no fato de suas importações passarem de uma média mensal de US$ 20 bilhões no começo de 2002 para mais de US$ 50 bilhões/mês no final de 2004, início de 2005. Para se colocar em perspectiva, a China importa, em um mês e meio, o que o Brasil importa em um ano. Segundo as estimativas do Banco Mundial, entre 2002 e 2004, as importações chinesas foram responsáveis por metade do crescimento das exportações dos demais países da região (World Bank, 2005, p. 17). Por outro lado, a presença cada vez mais forte das exportações chinesas em terceiros mercados tem-se revelado um importante desafio tanto para os países que apresentam vantagens comparativas semelhantes às chinesas, pela abundância relativa de mão-de-obra barata, quanto para países como a Coréia, que dependem sensivelmente do drive exportador em manufaturados mais sofisticados.20 Assim, a consolidação da China como motor de transmissão regional dos impulsos de crescimento vindos do ocidente está configurando um novo quadro de integração das economias asiáticas, o que, por um lado, amplia os riscos de "efeito contágio" no caso de uma reversão da conjuntura externa e, por outro, cria espaço para (em um futuro que ainda não pode ser visualizado) a emergência de um novo bloco geopolítico mais orgânico. Há, desde a crise financeira, um esforço crescente de institucionalização da cooperação econômica, tanto no comércio quanto nas finanças. Medidas recentes, como os acordos de swap da Iniciativa de Chiang Mai, os "Asian Bond Market Initiatives" — uma série de medidas voltadas ao aprimoramento dos mercados de capitais da região, com o intuito de viabilizar a fixação das poupanças na região —, e a idéia de criação de um Fundo Monetário Asiático (inicialmente esboçada pelos japoneses em 1997 e retomada pelo Banco Asiático de Desenvolvimento em 2005), além de diversos acordos de livre-comércio, vêm dando vida ao que se pode perceber com a busca politicamente consciente de se ampliarem margens de manobra para a realização de estratégias desenvolvimentistas em um novo ambiente de globalização econômica com predomínio das finanças privadas. ser uma praça financeira internacional, uma parcela não desprezível do IDE de Hong Kong representa, em última instância, capitais da própria China e de terceiros países que fazem arbitragem regulatória com vistas à obtenção de vantagens tributárias. 20 Rajan (2005) analisa os aspectos de complementaridade e concorrência entre a China e os demais países da região. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 85-96, dez. 2005 92 André Moreira Cunha 4 - A mudança no regime cambial da China e suas possíveis implicações No dia 21 de julho de 2005, o Banco do Povo da China (BPoC) anunciou que o País passaria a adotar um regime de flutuação administrada para o yuan, tendo por base uma cesta de moedas. Abandonava-se, assim, a política de mais de uma década de fixação do valor da moeda chinesa em termos do dólar, com a cotação RMB 8,27 desde 1997. A partir de julho, o yuan renminbi passou a poder flutuar 21 dentro de uma banda estreita (inicialmente, em 0,3%). Isso pode implicar movimentos mais largos com respeito às moedas que individualmente compõem a cesta, como o dólar. Até agora (agosto de 2005), não foi explicitada a ponderação exata de cada moeda naquela cesta, mas analistas de mercado acreditam que o dólar responderá por cerca de 45%, com o iene participando com 20%, e o euro, com 15%. Além da participação de cada país no comércio exterior chinês,22 também teriam sido levados em conta aspectos financeiros, tais como o perfil da dívida externa da China em termos de denominação monetária, bem como a origem dos fluxos de investimento externo, que tem sido a forma predominante de absorção de capitais (Len, 2005; Prasad; Wei, 2005). Conforme se viu no item anterior, tanto do ponto de vista do comércio quanto dos fluxos financeiros, o peso de um "bloco do dólar", composto pelos EUA e por economias que atrelam o valor de suas moedas ao dólar, de jure ou de facto, além da participação crescente dos países da região do Pacífico Asiático estão na base da cesta que, aos poucos, vai sendo revelada pelas autoridades chinesas. Os objetivos oficiais da reforma no regime cambial parecem dar conta de responder às pressões advindas do Governo e do Congresso dos EUA, que, por sua vez, faziam eco a interesses privados, financeiros e não financeiros, em torno de uma eventual valorização da moeda chinesa frente ao dólar. Assim, o anúncio do BPoC 21 Do final de julho de 2005 à primeira quinzena de agosto, o yuan flutuou entre RMB 8,1128 e RMB 8,0980 por dólar, centrando-se em 8,11 (ECONOMIC..., 2005). 22 Na média do período 2001-03, Japão e EUA participaram com um pouco mais de 15% da corrente de comércio chinesa (que foi de US$ 850 bilhões ou 60% do PIB em 2003), com os países da região do euro respondendo por cerca de 10%, e a Coréia do Sul, por 7%. Estimativas do autor com base no Asian Development Bank Key Indicators (2004). Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 85-96, dez. 2005 fala em "(...) aprimorar o sistema de economia socialista de mercado na China, capacitando os mercados de desempenharem de forma plena a alocação dos recursos (...)" (Public..., 2005) e garantir "maior flexibilidade" na relação entre o dólar e o renminbi. Por outro lado, o BPoC manteve o compromisso de atuar no mercado em função de uma estratégia econômica mais ampla, o que fica explícito quando anuncia que "(...) irá fazer ajustes na banda cambial do RMB sempre que necessário de acordo com os movimentos de mercado e, também, com a situação econômica e financeira". Assim, o BPoC considera-se responsável por "(...) manter a taxa de câmbio do RMB basicamente estável em um nível adaptativo e de equilíbrio, de modo a promover o equilíbrio do balanço de pagamentos e assegurar a estabilidade macroeconômica e financeira". Há, nessa nova estratégia chinesa, um reconhecimento de que os superávits em conta corrente e na conta capital podem agravar o quadro de desequilíbrios no comércio internacional, com um potencial político de provocar retaliações sobre o País. Os elevados níveis de reservas oficiais, acima dos US$ 700 bilhões no final de junho de 2005, atestariam o movimento interno de absorção dos superávits no balanço de pagamentos e a sustentação no antigo regime de câmbio fixo com referência no dólar. O BPoC, através do seu porta-voz, explicitou ainda mais o contexto em que se deu a mudança de regime e seus objetivos. "O ajuste apropriado no nível da taxa de câmbio do RMB ajuda na implementação de uma estratégia de desenvolvimento sustentável baseada na demanda doméstica e otimiza a alocação de recursos; contribui para aprimorar a independência da política monetária e amplia a efetividade dos controles e das regulamentações financeiras; ajuda a manter o equilíbrio entre importações e exportações e aprimora as condições de comércio; conduz à manutenção da estabilidade de preços e à redução dos custos empresariais; incentiva as empresas a alterarem seus mecanismos operacionais, aprimorando sua própria capacidade inovativa, acelerando as transformações nos padrões de crescimento do comércio exterior, ampliando a competitividade internacional e a habilidade de lidar com os riscos; auxilia a otimizar a utilização da estrutura de capital estrangeiro, aprimora a eficiência no uso daquele capital; conduz à utilização plena de recursos domésticos e estrangeiros, nos mercados Mudança no regime cambial da China interno e externo, ampliando o grau de abertura ao mundo." (PBOC..., 2005). A opção de ligar o yuan a uma cesta de moedas, enfatizando o caráter "gradual" e "adaptativo" do novo sistema, parece revelar a preocupação do Governo chinês em equilibrar tensões que são contraditórias. No front externo, a pressão pela valorização do yuan frente ao dólar manifesta-se no plano comercial, especialmente nas ameaças de retaliações protecionistas dos EUA. Ademais, os influxos crescentes de capitais de curto prazo posicionados nos mercados futuros em torno de apostas em um yuan forte vêm adicionando um elemento especulativo ao processo corrente de ajuste cambial. Era crescente o descolamento entre a antiga cotação oficial do RMB e o seu valor nos mercados futuros. Por outro lado, no plano interno, havia de se compatibilizar um eventual fortalecimento da moeda doméstica com o equilíbrio do sistema financeiro. Nos últimos anos, os bancos chineses foram capitalizados com ativos financeiros denominados em dólares. Com isso, uma valorização do yuan nos níveis desejados em Washington e Wall Street — algo entre 10% e 20% — poderia causar um profundo desequilíbrio patrimonial nos bancos chineses, com efeitos potencialmente desestabilizadores sobre o sistema financeiro, em particular, e o conjunto da economia, em uma perspectiva mais geral. Os exemplos recentes da crise financeira japonesa e de outros países asiáticos, como Coréia, Indonésia e Tailândia, parecem assombrar os líderes da tecnocracia econômica chinesa.23 É importante lembrar que praticamente toda a intermediação financeira na China se dá através do sistema bancário. Em meados de 2005, os empréstimos bancários equivaliam a 145% do PIB; e os depósitos, a 190% do PIB. Para se colocar em perspectiva, o mercado de títulos de dívida tem uma proporção muito menor, 20% do PIB, e é praticamente dominado por títulos públicos. Roubini e Setser (2005) apontam a elevada inadimplência no setor bancário, estimando a existência de empréstimos problemáticos, que podem oscilar entre 30% do PIB (US$ 570 bilhões) e 50% do PIB (US$ 770 bilhões). Nesse contexto, uma crise bancária teria efeitos profundamente desestabilizadores sobre a economia. Desde 2003, o BPoC capitalizou em US$ 60 bilhões três dos quatro principais bancos comerciais estatais — o Banco da Construção, o Banco da China e o Banco 23 Uma análise detalhada dos riscos envolvidos na (então possível) valorização do yuan sobre o sistema financeiro chinês pode ser encontrada em Roubini e Setser (2005c). 93 Comercial e Industrial da China. É bem provável que aquele montante tenha sido insuficiente para garantir a solvência do núcleo duro do sistema bancário. Ademais, a capitalização deu-se com base em ativos denominados em dólares, transferidos das reservas internacionais, o que faz com que o fortalecimento do yuan gere perdas de capital. Quanto maiores os movimentos de valorização, maiores as perdas no potencial de capitalização do sistema bancário. Há, também, uma clara preocupação em estabelecer um padrão de crescimento "sustentável", o que se traduziu no esforço, iniciado em 2003, de frear a expansão dos investimentos industriais, que vêm se situando em níveis superiores a 40% ao ano. Tal ritmo gera pressões sobre a infra-estrutura dos principais centros industriais, com impactos adicionais sobre: o meio ambiente, os preços de commodities industriais e a capacidade de gestão política do sucesso econômico, para citar algumas áreas enfatizadas pelos policymakers chineses (Roubini; Setser, 2005c). Uma certa flexibilidade cambial ampliaria a autonomia da política monetária, e a valorização controlada do yuan permitiria reduzir potenciais pressões inflacionárias e ampliar, gradualmente, a participação do consumo doméstico como fonte de crescimento da demanda. Além disso, ao se retomar o tema dos desequilíbrios de pagamentos na economia internacional, explorado no item 2 do presente trabalho, é possível especular sobre alguns possíveis desdobramentos da mudança no regime cambial chinês. No curto prazo, a ênfase no ajuste "gradual" e "adaptativo" do câmbio chinês parece afastar do horizonte uma valorização mais significativa do yuan frente ao dólar. Se isso é verdade, não parece razoável imaginar-se uma reversão dos déficits comerciais norte-americanos por essa via. No cálculo estratégico da China, teme-se uma valorização excessiva ou "descontrolada" do yuan, que poderia provocar significativos desequilíbrios patrimoniais no seu sistema financeiro. Já em um horizonte de médio e longo prazos, há desdobramentos adicionais que devem ser considerados com maior atenção. Com uma ligação menos rígida entre o yuan e o dólar, o BPoC poderá ter menos incentivos para manter o ritmo atual de aquisição de ativos emitidos nos EUA para a composição de suas reservas. Em tese, quanto mais flexível for um regime cambial, mais os ajustes nos fluxos de divisas se dão por mudanças na taxa de câmbio em detrimento de alterações nos níveis de reservas. Tal cenário pode gerar um afrouxamento — mesmo que parcial — na atual simbiose entre as economias norte-americana e chinesa e que está na base da tese otimista de Dooley, Folkerts-Landau e Garber Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 85-96, dez. 2005 94 (2003), onde os déficits externos dos EUA poderiam ser facilmente financiados pelos bancos centrais da Ásia. Não que desapareça o interesse desenvolvimentista da China e das demais economias asiáticas em garantir o crescimento baseado no consumo (e no endividamento) dos EUA. Mas, sim, porque uma eventual redução no ritmo de aquisição asiática de ativos denominados em dólares, especialmente de dívida pública, poderá contaminar os mercados de dívida, o que poderia levar a: (a) uma elevação mais intensa dos juros longos; e/ou (b) um ajuste fiscal mais forte, capaz de sinalizar para a solvência dos papéis governamentais dos EUA. A hipótese anterior ampliaria a possibilidade de uma reversão no quadro atual de expansão na demanda agregada dos EUA, com efeitos potencialmente contracionistas sobre a economia internacional. O elevado nível de endividamento de famílias, empresas e governos nos EUA (Papadimitriou et al., 2005) torna a sua economia significativamente sensível a mudanças abruptas no arranjo corrente de juros baixos e expansionismo fiscal. Ainda que o crescimento da economia chinesa e o yuan forte possam, no futuro, ampliar (ainda mais) o papel da China como fonte global de demanda, a possibilidade de uma retração mais intensa da economia norte-americana seguirá ditando os humores dos mercados financeiros e o potencial de crescimento da economia mundial. 5 - Considerações finais A recente mudança no regime cambial chinês parece ser um movimento tático da China em seu esforço estratégico de manter uma bem-sucedida trajetória de modernização e crescimento econômico. Expandindo-se em um ritmo anual de 9% no último quarto de século, o País defrontou-se, no período recente, com a necessidade de administrar tensões externas e internas aparentemente contraditórias. As pressões em torno da valorização do yuan vinham tanto dos interesses comerciais de quem via na sua política cambial uma fonte adicional de vantagens competitivas, quanto dos interesses financeiros dos que estão apostando, nos mercados futuros, em um yuan forte. Ademais, parte significativa do establishment oficial e privado norte-americano passou a canalizar para o "problema chinês" os desconfortos causados pela dimensão externa dos déficits gêmeos, o que eximia a atual administração republicana (no Tesouro) e greenspaniana (no FED) de qualquer culpa pela "bolha" consumista e pela especulação em diversos segmentos dos mercados de Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 85-96, dez. 2005 André Moreira Cunha ativos, especialmente em imóveis. No plano interno, uma valorização traria benefícios potenciais na gestão macroeconômica chinesa, ao ampliar a autonomia da política monetária e criar espaço para o desenvolvimento dos mercados financeiros, mais especificamente, dos instrumentos de hedge cambial. Pesando no sentido contrário, estaria o temor de se gerarem desequilíbrios patrimoniais nos bancos, além de uma maior abertura para a tomada de posições especulativas na esfera financeira. A China optou por um modelo "gradual" e "adaptativo" de ajuste no yuan. Ainda que a nova política já tenha sido tornada pública, sua gestão cotidiana e detalhes operacionais ainda estão por serem descobertos e "testados", tanto pelos operadores de mercado quanto pelos analistas preocupados com os impactos das políticas chinesas sobre a economia internacional. No bojo do novo arranjo cambial, a valorização de 2% do yuan frente ao dólar surge como um sinal de "boa vontade" diante das pressões externas. Explorou-se, neste artigo, o fato de que os desequilíbrios correntes nos pagamentos internacionais vêm sendo amortecidos pela política de aquisição de ativos denominados em dólares, realizada pelos bancos centrais asiáticos, com destaque para o Banco do Povo da China. A mudança no regime cambial chinês introduz, no horizonte de médio e longo prazos, a possibilidade de tal arranjo perder vitalidade. Se tal hipótese se verificar, tende a crescer a possibilidade de os EUA terem de ajustar seus desequilíbrios externo e fiscal mediante a elevação do nível de poupança interna — pública e privada —, o que colocaria em xeque o padrão corrente de crescimento liderado pelo consumo e pelo endividamento. Ainda é prematuro afirmar que tal desdobramento é inexorável. Todavia a China está movendo, de forma mais explícita, suas peças no xadrez geopolítico e geoeconômico internacional. Não se pode deixar de ficar atento a tais movimentos, cujas repercussões tendem a transbordar cada vez mais para fora da própria China e de seu entorno, atingindo os mais distintos mercados — de mercadorias e financeiros — dos países centrais e periféricos. Referências AIZENMAN, J.; LEE, Y.; RHEE, Y. International reserves management an capital mobility in a volatile world: policy considerations an case study of Korea. Cambridge, Mass.: National Bureau of Economic Research, 2004. (NBER Working Paper, n. 10.534). 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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 85-96, dez. 2005 André Moreira Cunha 97 A determinação da taxa de juros em uma economia sob metas para inflação: o caso brasileiro A determinação da taxa de juros em uma economia sob metas para inflação: o caso brasileiro Helder Ferreira de Mendonça Lucas Lautert Dezordi Marcelo Luiz Curado Professor do Departamento de Economia da UFF e Pesquisador do CNPq. Mestre em Economia pela UFPR e Professor do Departamento de Economia da FAE Business School. Professor do Departamento de Economia da UFPR. Resumo A resposta da taxa de juros ao processo inflacionário e ao hiato do produto é o principal desafio para a condução da política monetária sob um regime de metas para inflação. Com o objetivo de avaliar a adequabilidade da adoção da regra de Taylor (RT) original para a determinação da taxa de juros básica da economia brasileira, foi calculada a taxa de juros, com base nessa regra, para o período posterior à introdução do regime monetário supracitado. Ademais, foi estimada a influência do desvio da inflação em relação à meta, do hiato do produto, da Selic defasada e do Risco-País sobre a taxa Selic. Os resultados obtidos sugerem que a taxa Selic nem se encontra em um patamar capaz de fazer com que as metas para inflação determinadas sejam alcançadas, nem é capaz de obter uma taxa de desemprego compatível com o produto potencial. Palavras-chave: inflação; taxa de juros; regra de Taylor. Abstract The response of the interest rate to both the gap between the inflation rate and a given target for inflation, and the gap between real GDP and potential real GDP is the main challenge under inflation targeting. With the aim of evaluating the adequacy of the adoption of the original Taylor’s rule in the determination of the basic Brazilian interest rate, the interest rate was calculated, based on this rule, after the implementation of the above-mentioned monetary regime. Furthermore, the influences of the departure of inflation from its target, of the output gap, of the Selic lagged, and of the country-risk, over the Selic rate were estimated. The findings denote that the Selic rate has neither an adequate level for leading to the achievement of the inflation targets nor is capable of maintaining the unemployment rate compatible with potential output. Artigo recebido em 10 out. 2005. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005 98 Helder Ferreira de Mendonça; Lucas Lautert Dezordi; Marcelo Luiz Curado 1 - Introdução Do ponto de vista macroeconômico, a política econômica pode ser dividida em dois instrumentos básicos: a política monetária e a fiscal.1 Ao longo das décadas de 80 e 90, a maioria das nações passou a concentrar-se na busca da estabilidade de preços. A principal estrutura utilizada para a consecução desse objetivo tem sido a separação da função monetária de outras instituições fiscais do Governo. Os motivos que levaram à mudança na condução da política monetária se devem aos choques de oferta ocorridos nos anos 70 e ao rompimento com o paradigma keynesiano tradicional para a condução da política econômica. Em resposta às transformações observadas nos anos 70, houve o desenvolvimento do debate regras versus discrição. A antiga literatura sobre o assunto considerava, na análise, as intenções e a capacidade do responsável pela condução da política. Argumentos favoráveis ao uso de regras tinham por base o conhecimento imperfeito dos agentes sobre a economia e a tendência de as autoridades políticas conduzirem a política econômica para fins inadequados do ponto de vista do bem-estar social. Essa visão sobre regras ou discrição sofreu uma mudança significativa a partir do estudo feito por Kydland e Prescott (1977). Desde então, as regras passaram a ser consideradas uma tecnologia de compromisso capaz de evitar a manifestação do problema de inconsistência temporal. Nos anos 80, esse tema para análise da política econômica recebeu novo impulso com a proposta feita por Rogoff (1985), na qual a condução da política monetária deveria ser feita por um banco central independente e conservador. Com a consolidação do argumento de que o banco central deve ter independência operacional e de que o seu objetivo deve ser a busca da estabilidade de preços, o regime de metas para inflação tornou-se uma estratégia adotada por diversos países para a condução da política monetária desde o início dos anos 90. 2 Como conseqüência de o objetivo final da condução da política monetária estar focado na busca da estabilidade de preços, a taxa de juros tornou-se a meta intermediária do banco central.3 É reconhecido que a taxa de juros representa o instrumento mais importante à disposição da autoridade monetária para o combate à inflação. Todavia uma taxa de juros muito elevada pode prejudicar o equilíbrio fiscal devido à incidência da mesma sobre o estoque da dívida pública, implicando déficits cada vez mais elevados. Portanto, há limitações para o uso da taxa de juros na tentativa de estabilizar a inflação. Um outro ponto a ser considerado é que não é adequada uma taxa de juros baixa resultante de uma passividade monetária, pois há o risco de se colocar a economia em uma rota de aumento do endividamento público e de aceleração inflacionária. Em suma, para estabilizar a razão dívida/PIB e a taxa de inflação, é preciso um esforço para o alcance de uma disciplina fiscal concomitante ao combate à inflação. Desde junho de 1999, devido à introdução do regime de metas para inflação no Brasil, a taxa de juros tornou-se uma variável proeminente para análise da condução da política econômica.4 Com o objetivo de se avaliar a adequabilidade da adoção da regra de Taylor (RT) original para a determinação da taxa de juros básica da economia brasileira, foi calculada a taxa de juros, com base nessa regra, para o período posterior à introdução do regime sobredito. Ademais, foi estimada a influência do desvio da inflação em relação à meta, do hiato do produto, da Selic defasada e do Risco-País sobre a taxa Selic. Além desta Introdução, o artigo está organizado da seguinte forma. A segunda seção apresenta, brevemente, a estrutura utilizada pelo Banco Central do Brasil (Bacen) para a definição da taxa de juros básica da economia e a proposta feita por Taylor (1993). A terceira seção apresenta a evolução da taxa de juros brasileira no período posterior à introdução do regime de metas para inflação, com base 3 1 É importante ressaltar-se que a análise desenvolvida neste artigo se concentra no estudo da política monetária. Além disso, a divisão mencionada não significa, por parte dos autores, que há uma negação aos instrumentos microeconômicos, tais como política comercial, estrutura de impostos, etc. 2 De forma diferente de simples regras políticas, as metas para inflação permitem ao banco central levar em conta todas as informações relevantes na escolha da ação política mais adequada para a obtenção da meta. Ademais, há a possibilidade do uso de políticas discricionárias sem levar à perda de credibilidade. Ou seja, o regime de metas inflacionárias deve ser entendido como um caso onde há discrição limitada. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005 4 Deve-se ressaltar que a escolha da meta intermediária pelo banco central deve levar em conta três características fundamentais: (a) ela deve ser mensurável; (b) o banco central deve possuir controle sobre a mesma; e (c) deve haver um efeito previsível sobre o objetivo. Dado que um banco central pode determinar a taxa de juros, ainda que não tenha controle perfeito sobre a oferta de moeda, isso implica que o seu uso é mais conveniente do que os agregados monetários. Existem diversas taxas de juros na economia — taxas de poupança, taxas de empréstimo, taxas de financiamento, etc. —, que são classificadas, de acordo com o prazo, como curto, médio e longo termo. É importante ressaltar que o banco central possui controle direto apenas sobre a taxa de juros do mercado de reservas bancárias. A determinação da taxa de juros em uma economia sob metas para inflação: o caso brasileiro na regra de Taylor original, e a importância do Risco-País para a análise da taxa de juros. A quarta seção apresenta algumas evidências empíricas para se avaliar a determinação da Selic. Por último, é apresentada a conclusão do artigo. 2 - A determinação da taxa de juros e a regra de Taylor O principal instrumento à disposição do Bacen para a condução da política monetária é a taxa de juros do mercado de reservas bancárias (taxa Selic). A importância da definição da taxa de juros pelo Bacen é a capacidade que essa variável possui para influenciar o comportamento do nível de preços e a atividade da economia. Também se deve ressaltar que é por meio da taxa Selic que as demais taxas, por arbitragem, são determinadas. Desde junho de 1996, as diretrizes da política monetária e a definição da taxa Selic têm sido um encargo do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil.5 O principal objetivo da criação do Comitê foi a tentativa de aumentar a transparência para a definição da taxa de juros.6 Esse é um ponto que merece atenção, porque a necessidade do aumento da transparência na condução da política monetária se tem constituído em um dos principais argumentos favoráveis à adoção de metas inflacionárias.7 O argumento central é que, na maioria dos países que utilizam o sistema de metas para inflação, a transparência se torna maior, 5 A taxa de juros fixada na reunião do Copom é a meta para a taxa Selic (taxa média dos financiamentos diários, com lastro em títulos federais, apurados no Sistema Especial de Liquidação e Custódia), a qual vigora por todo o período entre reuniões ordinárias do Comitê. 6 O Copom teve como referência o Federal Open Market Committee (FOMC), do Banco Central dos Estados Unidos, e o Central Bank Council, do Banco Central da Alemanha. 7 O caso mais formalizado para a transparência das ações de um banco central é o da Nova Zelândia. Neste país, o Governo tem o direito de demitir o presidente de seu banco central, caso a inflação se desvie em 25% da taxa anunciada. Exemplo de benefícios oriundos de maior transparência das ações de bancos centrais podem ser ilustradas com os casos do Canadá e da Inglaterra. Para uma análise detalhada sobre esses países, ver Mishkin e Posen (1997). 99 devido ao anúncio de uma meta explícita e ao aumento da comunicação entre a autoridade monetária e o público.8 O regulamento do Copom sofreu uma série de alterações ao longo do tempo, visando ao aperfeiçoamento do processo decisório em relação à taxa de juros e para adequar-se às mudanças de regime monetário. Dentre as principais mudanças efetuadas, merece destaque a introdução do regime de metas para inflação. Desde então, as decisões do Copom passaram a ter como objetivo cumprir as metas para inflação definidas pelo Conselho Monetário Nacional. No caso de as metas não serem alcançadas, o Presidente do Bacen deve explicar os motivos do descumprimento ao Ministro da Fazenda e anunciar as medidas tomadas para que a inflação se situe dentro dos limites estabelecidos. Em suma, são três os objetivos do Copom: (a) implementar a política monetária; (b) definir a meta da taxa Selic e seu eventual viés;9 e (c) analisar o relatório de inflação. De acordo com o Bacen, a taxa de juros básica da economia tem sido definida com o objetivo de alcançar a meta anual de inflação. Conforme pode ser observado por meio da Figura 1, verifica-se que há uma elevada correlação (0,86) entre a Selic e a taxa de inflação no período posterior à introdução do regime de metas para inflação. Essa constatação sugere que o comportamento da inflação tem sido a principal variável levada em consideração para a definição da taxa de juros. Um teste de causalidade de Granger confirma a intuição presente na Figura 1. A Tabela 1 apresenta o resultado de um teste de causalidade de Granger entre a inflação (medida pelo IPCA) e a taxa Selic, entre julho de 1999 e dezembro de 2003, para uma defasagem. De acordo com o teste de Granger efetuado, observa-se que há uma relação recíproca de “causalidade” entre a inflação e a Selic. A probabilidade de a inflação não causar, no sentido de Granger, Selic (e vice-versa) é menor do que 1%. Não obstante, a taxa de juros no modelo estrutural utilizado pelo Bacen durante o regime de metas para inflação considera três possibilidades para a adoção de uma regra para condução da política monetária: (a) uma trajetória exógena para a taxa de juros; (b) a possibilidade de a taxa de juros responder ao hiato do produto e ao desvio da inflação em relação à meta (uma regra de 8 Uma boa resenha da literatura sobre a transparência da política monetária encontra-se em Geraats (2002). 9 O viés representa uma prerrogativa concedida ao Presidente do Bacen para alterar, na direção do viés, a meta para a taxa Selic, a qualquer momento entre as reuniões ordinárias. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005 100 Taylor); e (c) uma regra de reação ótima, calculada de forma determinística ou estocástica.10 O segundo ponto supracitado tem sido objeto de intensa pesquisa acadêmica desde a proposta elaborada por Taylor (1993). Judd e Rudebusch (1998) apresentam, de forma sumária, os motivos que despertaram o interesse na análise da regra para a definição da taxa de juros. “(...) a regra de Taylor original ajusta-se razoavelmente bem à taxa de juros no período Greenspan. O R2, para o período, é de 87% referente à taxa de juros nominal trimestral em nível e de 52% para variações trimestrais. Os argumentos na regra — inflação e hiato do PIB — aproximadamente correspondem às metas definidas para a política monetária nos EUA — preços estáveis e pleno emprego (tradução nossa).” (Judd; Rudebusch, 1998, p. 5-6).11 O elemento fundamental da análise diz respeito ao horizonte para a ação da política monetária. A grande maioria dos economistas acredita na ineficácia da política monetária para afetar variáveis reais no longo prazo (crescimento do produto, nível de emprego, etc.). Entretanto, no curto prazo, a autoridade monetária não deve negligenciar a estabilização do emprego ou os efeitos sobre a economia oriundos da condução da política monetária na busca da estabilidade de preços. A justificativa para que o banco central tenha esse procedimento é resultado da observação de que o comportamento da inflação se deve, em alguma medida, ao efeito da taxa de juros sobre o emprego e a atividade real. A proposta de Taylor estabelece uma regra simples para a determinação da taxa de juros, que leva em consideração quatro fatores básicos: (a) a inflação; (b) a taxa de juros real de equilíbrio; (c) a diferença entre a inflação observada e a meta; e (d) o hiato entre o produto efetivo e o potencial. Os dois primeiros fatores servem 10 11 De acordo com os resultados encontrados por Freitas e Muinhos (2001), regras do tipo Taylor podem ter um desempenho tão satisfatório quanto o das regras ótimas. O ponto principal para que esse resultado seja obtido é a escolha adequada dos parâmetros às preferências do banco central. “(...) the original Taylor rule fits reasonably well to the actual funds rate during the Greenspan period. The R2 for the period is 87 percent for quarterly levels of the nominal funds rate, and 52 percent for quarterly changes. The arguments in the rule — inflation and the GDP gap — roughly correspond with goals legislated for US monetary policy — stable prices and full employment.” (Judd; Rudebusch, 1998, p. 5-6). Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005 Helder Ferreira de Mendonça; Lucas Lautert Dezordi; Marcelo Luiz Curado de referência para o caso em que a economia se encontra funcionando no nível potencial e revelam a hipótese implícita do uso de uma taxa de juros real constante.12 Os fatores subseqüentes da regra de Taylor representam os objetivos da política monetária, sendo que os parâmetros de ajuste se referem ao trade-off de curto prazo entre a inflação e o produto. O terceiro fator indica um aumento (ou uma queda) da taxa de juros, quando a inflação se encontra acima (ou abaixo) da meta. De forma análoga, o quarto fator indica que, no caso de uma diferença positiva (ou negativa) entre o produto efetivo e o produto potencial, deve haver um aumento (ou uma queda) na taxa de juros (Kozicki, 1999). Ou seja, de acordo com a proposta original de Taylor (1993), a taxa básica de juros seria obtida por meio da equação (1). it = pt + r* + g(yt) + h(pt - p*) (1) onde i = taxa básica de juros nominais; r* = taxa real de juros de equilíbrio; π = taxa média da inflação dos últimos quatro trimestres (deflator do PIB); π* = meta da taxa de inflação; e y = hiato do produto (100 . (PIB real - PIB potencial) ÷ PIB potencial).13 Taylor (1993, 1998) sugere que os pesos dados pela autoridade monetária aos desvios da inflação (h) e do produto (g), para a determinação da taxa de juros, correspondam a 0,5. Além disso, é assumido que a taxa de juros real e a meta para a inflação são ambas iguais a 2%. Ou seja, a taxa de juros real será igual a 2%, quando a inflação for de 2% e não houver divergência entre o PIB real e o PIB potencial. Também é observado que, para cada ponto percentual de inflação ou do PIB acima (ou abaixo) de 2%, a taxa básica de juros aumenta (ou diminui) 0,5%. Uma importante observação feita por Taylor, em relação à sua regra, refere-se à ausência da taxa de câmbio para a definição da taxa de juros. Conforme salientado pelo autor em consideração, o fato de a taxa 12 Deve-se ressaltar que a taxa de juros real desempenha papel relevante na formulação da política monetária. Embora a taxa de juros nominal seja a variável de ajuste da autoridade monetária, é a taxa de juros real que afeta o lado real da economia. 13 Taylor (1993) utilizou uma tendência linear do logaritmo do PIB real, com base no período compreendido entre 1984 (primeiro trimestre) e 1992 (terceiro trimestre), como proxy para o produto potencial. 101 A determinação da taxa de juros em uma economia sob metas para inflação: o caso brasileiro de juros responder ao hiato do produto e à meta de inflação revela uma importante reação indireta à taxa de câmbio. Considerando-se um regime de metas para inflação, a equação (1) pode mostrar-se útil como um guia normativo para a condução da política monetária e, conseqüentemente, para a decisão de aumentar ou diminuir a taxa de juros de curto prazo. É importante destacar que o coeficiente da inclinação da inflação na equação (1) é dado por 1 + h. Assim, a resposta da taxa de juros em relação ao produto é capturada pelo parâmetro g, enquanto aquela relativa à inflação é dada por 1 + h. Também deve ser ressaltado que os valores de g e 1 + h dependem do regime de política monetária adotado pelo banco central, mas a probabilidade de os valores serem positivos é alta. Simulações de diferentes modelos econômicos indicam que o coeficiente h não deve ser negativo, uma vez que isso implicaria um valor de 1 + h menor do que 1, levando a uma queda significativa da taxa de juros real e a um aumento considerável no caso de uma queda da inflação. Figura 1 Inflação versus taxa Selic no Brasil — jul./99-dez./03 27 Selic Taxa 24 21 18 15 12 9 6 3 Fonte: Estimações dos autores. Inflação 0 0 3 6 9 12 15 18 FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Bacen. NOTA: Inflação medida pelo IPCA. Tabela 1 Teste de precedência temporal de Granger para a taxa Selic e a inflação no Brasil — jul./99-dez./03 HIPÓTESE NULA NÚMERO DE OBSERVAÇÕES ESTATÍSTICA-F PROBABILIDADE Selic não Granger causa inflação ........................... Inflação não Granger causa Selic ........................... 53 53 91,74600 6,79531 6,7E-13 0,01201 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Bacen. IBGE. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005 102 3 - A obtenção da taxa de juros brasileira por meio da utilização da regra de Taylor original Conforme foi destacado na seção anterior, a determinação da taxa de juros representa o mais importante instrumento operacional do Bacen para a consecução das metas para inflação. Ainda que a taxa de juros seja um instrumento eficiente para o combate à inflação, é forçoso reconhecer que uma taxa de juros elevada implica efeitos negativos sobre o produto, que podem ser compreendidos como um aumento do custo social. A Figura 2 mostra a trajetória da taxa Selic durante o regime de metas para inflação. Observa-se que, mesmo que se exclua o ano de 2003 da análise,14 a taxa de juros se situou dentro da faixa de 15% a 19% (ver área definida pelas linhas pontilhadas na Figura 2). Logo, pode-se afirmar que, depois de transcorridos quatro anos e meio da adoção do regime de metas para inflação, a taxa de juros não atingiu um nível que pudesse, de forma concomitante, conduzir a inflação para o alcance das metas estabelecidas e/ou estimular a atividade econômica.15 Diante da imperícia do Banco Central para o alcance das metas para inflação e estímulo ao crescimento econômico no período recente, uma importante análise a ser feita consiste em verificar se a utilização de uma regra do tipo Taylor (o mais próximo possível da original) seria mais eficiente para a definição da taxa de juros (mesma taxa de inflação e taxas de juros mais baixas). Deve-se ressaltar que, de acordo com a teoria econômica, uma economia que possui mobilidade de capitais e um regime de câmbio flexível permite a ação de uma política monetária ativa. Ou seja, o Banco Central tem a capacidade de determinar a taxa de juros. A regra de Taylor sugerida por Bogdanski, Tombini e Werlang 14 Período marcado pela necessidade de o novo governo federal acomodar a instabilidade gerada na expectativa dos agentes econômicos sobre a condução da política econômica durante o processo de eleição presidencial. 15 Com exceção de 1999 e 2000, as metas para inflação dos anos subseqüentes foram descumpridas. Cabe destacar que, na análise da condução da política monetária com base nas atas do Copom e nos relatórios de inflação, não foi encontrado nenhum indício significativo que mostrasse uma preocupação do Bacen em conduzir a política monetária com objetivo de estabilizar o produto real. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005 Helder Ferreira de Mendonça; Lucas Lautert Dezordi; Marcelo Luiz Curado (2000), trabalho que serve como referência para análise do regime de metas para inflação implementado no Brasil, é a seguinte: it = (1 – ë)it-1 + ë(α1(ðt – ð*) + α2yt + α3) (2) onde ðt = log da inflação; ð* = log da meta de inflação; yt = hiato do produto; e it = log da taxa de juros. De acordo com os mesmos autores, “(...) quando ë = 1, isso é equivalente à regra de Taylor padrão; embora quando ë å (Q1), essa é uma regra de Taylor com suavização da taxa de juros (tradução nossa)” 16 (Bogdanski; Tombini; Werlang, 2000, p. 15). Essa afirmação merece uma reflexão. Não é verdade que, se ë for igual 1, se obtém a regra de Taylor padrão. O fato de o primeiro termo da equação ser eliminado quando ë é igual 1 não é suficiente para capturar a essência da proposta de Taylor (1993, 1998). Conforme apresentado na seção anterior, a regra de Taylor original considera uma taxa de juros real de equilíbrio adicionada à taxa de inflação, o que, por conseguinte, não é equivalente à constante α3, utilizada na equação (2). Ademais, o fato de considerar, na equação sobredita, a taxa de juros defasada implica a possibilidade de haver uma inércia para a taxa de juros que prejudica uma possível redução. Diante das divergências apontadas, decidiu-se pelo uso da regra de Taylor original para a obtenção da taxa de juros no período posterior à introdução do regime de metas para a inflação (jul./99-dez./03). Destarte, tomando-se como referência a equação (2), as seguintes séries foram utilizadas: a) taxa de juros nominal (it) - é utilizada a taxa de juros básica da economia (Selic) com periodicidade mensal divulgada pelo Bacen; b) taxa de juros real (r*) - taxa de juros Selic deflacionada pelo IPCA (divulgado pelo IBGE);17 c) hiato do produto (yt) - são utilizados os dados divulgados pelo IBGE sobre a produção industrial 16 “(…) when ë=1 , this is equivalent to a standard Taylor rule, while when ë ∈ (0,1) this is a Taylor rule with interest rate smoothing.” (Bogdanski; Tombini; Werlang, 2000, p. 15). 17 A variável inflação esperada foi obtida por meio de informação divulgada pelo Bacen sobre as expectativas de mercado para a inflação. A determinação da taxa de juros em uma economia sob metas para inflação: o caso brasileiro em razão da periodicidade mensal. A série do hiato do produto é obtida a partir da diferença entre o valor observado para o produto e o produto potencial. O produto potencial (tendência) é calculado por meio da aplicação do filtro de Hodrick-Prescott;18 d) inflação (πt) - média (geométrica) da inflação dos últimos 12 meses, medida pelo IPCA. A Figura 3 mostra a evolução da taxa Selic e da taxa de juros obtida pela regra de Taylor. A trajetória das duas taxas permite observar que, ao longo de quase todo o período, a taxa Selic se situou abaixo da RT. Esse resultado não chega a ser surpreendente. Deve-se ressaltar que a RT tem como principais variáveis para explicar sua flutuação tanto os desvios da inflação em relação à meta quanto os desvios do produto efetivo em relação ao potencial. Dado que, desde 2000, as metas para inflação não são alcançadas pelo Bacen, é natural que um valor de (πt - π*) > 0 contribua para uma elevação/ /manutenção da taxa de juros. Além disso, observa-se que, ao longo do período, o hiato do produto apresentou oscilações que não justificam uma redução da RT. Logo, observa-se que os dois motivos mencionados representam dois aspectos fundamentais que justificam a tendência de aumento da taxa de juros capturada pela RT. A observação acima não significa que a RT seja adequada para definir a taxa de juros básica da economia brasileira ao longo do período em consideração. Ao contrário, a manutenção da taxa de juros em um patamar elevado tem conseqüências importantes para a economia. Além do conhecido argumento keynesiano de que uma taxa de juros acima do necessário provoca um efeito perverso sobre o produto, devido à queda no nível de investimento,19 uma importante observação prática para o impacto dos juros sobre a economia brasileira diz respeito às suas conseqüências sobre a dívida pública. Essa ponderação se justifica pelo fato de que o principal indexador da dívida é a taxa Selic.20 Logo, a manutenção 18 O método de Hodrick-Prescott para suavização de uma série é muito empregado por macroeconomistas, para estimar a tendência de longo prazo de uma série. A metodologia para a obtenção do hiato do produto é a mesma que foi aplicada por Gonçalves (2001). 19 A justificativa para a queda no nível de investimento deve-se ao fato de que o retorno real proveniente dos juros se torna superior à eficiência marginal do capital em parte da economia. 20 Atualmente, a taxa Selic é responsável por mais de 60% da indexação da dívida pública. 103 da taxa de juros em um patamar inadequado provoca um aumento desnecessário na razão dívida pública/PIB. Uma conseqüência do aumento da dívida pública provocada por uma taxa de juros elevada é a criação de uma rigidez para a queda na própria taxa de juros, devido a duas razões básicas: (a) aumento do risco de insolvência do Governo — os investidores preferem transferir-se para outros mercados, provocando uma desvalorização cambial, o que, por conseguinte, pressiona para uma alta da inflação —; e (b) necessidade de aumento da carga tributária — o Governo aumenta a alíquota dos impostos, ou cria novas contribuições, para evitar que a dívida pública entre em uma rota explosiva. O resultado desse procedimento é um encarecimento no custo de produção das empresas, que tende a ser repassado para os seus preços. Vale ressaltar que a regra sugerida por Taylor (1993) foi elaborada para análise da economia norte-americana, o que, por sua vez, justifica a desnecessidade de apresentar elementos que capturem modificações, no cenário internacional, capazes de influenciar a definição da taxa de juros. Como o Brasil não representa o caso de uma grande economia e ainda pelo fato de a taxa de juros no período posterior ao Real ter sido fixada com base no desequilíbrio externo e não no nível de atividades, é necessário considerar alguma outra variável, além daquelas presentes na regra de Taylor, que seja um indicador representativo de modificações da conjuntura internacional. Com o objetivo de observar se há alguma associação entre as mudanças no cenário internacional e a determinação da taxa de juros, foi considerado o Risco-País (EMBI+) para análise.21 A idéia para considerar a diferença entre a taxa de juros doméstica e a dos títulos do Governo norte-americano é que, com um Risco-País mais elevado (ou mais baixo), a taxa de câmbio tende a ser depreciada (ou apreciada).22 A justificativa para o procedimento adotado é que a taxa de câmbio influencia, de forma indireta, o nível de preços por meio de dois canais: (a) o uso de insumos importados — quando a taxa de câmbio sofre apreciação (ou depreciação), o custo de produção dos bens diminui (ou aumenta), implicando provável redução (ou aumento) no preço —; 21 O EMBI+ é calculado pelo banco JP Morgan e mede, em centésimos de pontos percentuais, o prêmio sobre os títulos brasileiros no exterior, em comparação com papéis do Tesouro norte-americano. 22 Para uma análise elucidativa da relação entre o Risco-País e a taxa de juros, ver Toledo (2002). Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005 104 Helder Ferreira de Mendonça; Lucas Lautert Dezordi; Marcelo Luiz Curado e (b) a substituição de bens domésticos por similares importados — quando a taxa de câmbio sofre apreciação, o preço dos bens importados torna-se mais barato, implicando um deslocamento de parte da demanda dos bens domésticos por similares importados, o que, por sua vez, acarreta queda na demanda agregada e menor pressão sobre o nível dos preços. Em suma, um aumento (ou uma queda) no Risco-País tende a prejudicar (ou a facilitar) quedas na taxa de juros. A Figura 4 mostra que há uma forte correlação entre o Risco-País e a taxa Selic (0,90) no período posterior à introdução do regime de metas para inflação. Um teste de precedência temporal de Granger para seis defasagens entre as duas variáveis supracitadas confirma a idéia de que o Risco-País afeta a taxa Selic, mas não o contrário.23 Conforme pode ser observado por meio da Tabela 2, verifica-se que o Risco-País implica “causalidade” sobre a taxa Selic, com um nível de confiança de 99%. Em relação à possibilidade de a Selic apresentar alguma “causalidade” sobre o Risco-País, o teste não evidencia um resultado robusto que confirme essa possibilidade (a hipótese nula só é rejeitada a mais de 85%). Figura 2 Trajetória da taxa Selic durante o regime de metas para a inflação no Brasil — jul./99-dez./03 Taxa Selic 30 25 20 15 10 5 0 Nov./03 Set./03 Jul./03 Maio/03 Mar./03 Jan./03 Nov./02 Set./02 Jul./02 Maio/02 Mar./02 Jan./02 Nov./01 Set./01 Jul./01 Maio/01 Mar./01 Jan./01 Nov./00 Set./00 Jul./00 Maio/00 Mar./00 Jan./00 Nov./99 Set./99 Jul./99 Rompimento na trajetória provocada pelas eleições presidenciais FONTE DOS DADOS BRUTOS: Bacen. 23 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005 A justificativa para o uso das defasagens é que a influência do Risco-País sobre a taxa de juros não ocorre de forma instantânea. É preciso algum tempo para que o processo descrito no parágrafo anterior seja concluído. 105 A determinação da taxa de juros em uma economia sob metas para inflação: o caso brasileiro Figura 3 Evolução da taxa Selic e da RT no Brasil — jul./99-dez./03 (%) Legenda: Legenda: Selic Nov./03 Set./03 Jul./03 Maio/03 Mar./03 Jan./03 Nov./02 Set./02 Jul./02 Maio/02 Mar./02 Jan./02 Nov./01 Set./01 Jul./01 Maio/01 Mar./01 Jan./01 Nov./00 Set./00 Jul./00 Maio/00 Mar./00 Jan./00 Nov.99 Jul./99 Set./99 35 30 25 20 15 10 5 0 RT FONTE DOS DADOS BRUTOS: Bacen. Figura 4 Risco-País (-6) versus taxa Selic no Brasil — dez./99-dez./03 Taxa Selic 30 25 20 15 10 5 Risco-País 0 0 5 10 15 20 25 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Bacen. JP Morgan. Tabela 2 Teste de precedência temporal de Granger para a taxa Selic e o Risco-País no Brasil — jul./99-dez./03 HIPÓTESE NULA NÚMERO DE OBSERVAÇÕES ESTATÍSTICA-F PROBABILIDADE Risco-País não Granger causa Selic ..................................... Selic não Granger causa Risco-País ..................................... 48 48 5,48316 0,44789 0,00044 0,84147 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Bacen. IBGE. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005 106 4 - Algumas evidências empíricas para a taxa Selic Uma questão importante a ser destacada na condução da política monetária sobre o regime de metas de inflação refere-se à resposta da taxa Selic em relação à inflação e ao produto. A equação (1) mostra que os parâmetros g e h são, respectivamente, os responsáveis pela resposta da taxa de juros ao hiato do produto e ao desvio da inflação em relação à meta. Em razão da forte correlação existente entre a taxa Selic e a inflação medida pelo IPCA, no período posterior a junho de 1999 (ver Figura 1), é esperado que a sensibilidade da taxa de juros em relação à inflação seja muito significativa (um parâmetro 1 + h > 1,5). Em outras palavras, a resposta da taxa de juros em relação à inflação deve ser maior do que aquela proposta por Taylor (1993) — 1 + h = 1,5. Por outro lado, devido à despreocupação do Bacen (registrada nos relatórios de inflação) em estabilizar o produto, é esperado que o parâmetro g não tenha significância estatística. Conforme ficou evidenciado na seção anterior, é esperado que a influência do Risco-País na determinação da Selic seja significativa. Além disso, é importante verificar em que medida a própria taxa de juros influencia sua trajetória. Com o objetivo de evitar os problemas salientados por Granger e Newbold (1974) em relação à possibilidade de que equações estimadas com base em séries de tempo podem apresentar resultados espúrios, foi realizado o teste de raiz unitária das séries. Conforme pode ser observado por meio dos resultados apresentados na Tabela 3, o teste ampliado de Dickey-Fuller (ADF) indica, com exceção da série hiato do produto, a aceitação da hipótese nula (séries não estacionárias) para os valores originais das séries. Por outro lado, em relação às primeiras diferenças, a hipótese nula é rejeitada para as séries ao nível de significância de 1%. Portanto, excetuando-se a série hiato do produto, as demais séries são integradas de primeira ordem, isto é, I(1). Com a finalidade de se avaliar a importância das variáveis supracitadas na determinação da taxa Selic, foi utilizado um modelo auto-regressivo vetorial (VAR) na análise. Fazendo-se uso dos critérios de Schwarz e Hannan-Quinn, para a definição da ordem ótima do VAR, Helder Ferreira de Mendonça; Lucas Lautert Dezordi; Marcelo Luiz Curado verificou-se que o modelo adequado se refere àquele com duas defasagens e sem constante (Tabela 4).24 Por causa da dificuldade de se interpretarem os coeficientes estimados para o modelo VAR, é usual que os resultados sejam analisados por intermédio da análise da função impulso-resposta parcial e por meio da decomposição da variância. Devido ao fato de os dados utilizados na amostra serem mensais, é levado em conta o período de 12 meses depois da incidência de um choque na análise impulso-resposta para o VAR e para a explicação da variância das séries. Dado que o objetivo principal é verificar qual o impacto que as variáveis presentes na regra de Taylor acrescida do Risco-País geram sobre a taxa Selic, a ordenação que se mostra razoável para análise do VAR é dada por: Selic, hiato do produto, desvio da inflação em relação à meta e Risco-País. As seqüências de valores das funções impulso-respostas podem ser visualizadas por meio da Figura 5, enquanto os dados relativos à explicação da variância se encontram na Tabela 5. O Gráfico A da Figura 5 revela que os impactos originários de choques externos sobre os valores passados da taxa Selic apresentam regularidade histórica significativa. A significância estatística é confirmada pela importância da própria Selic na explicação de sua variância, depois de transcorridos 12 meses — 41% (Tabela 5). Esse resultado sugere que uma elevação na taxa de juros, no período atual, tende a se perpetuar na economia, implicando a necessidade de um esforço maior, no futuro, por parte da autoridade monetária, no caso de haver o interesse em provocar uma queda nessa variável. A análise do hiato do produto indica o quão desimportante é essa variável para a determinação da taxa de juros na economia brasileira, no período recente. O Gráfico B da Figura 5 mostra que os impactos do hiato do produto sobre a Selic não possuem significância estatística. Ademais, a decomposição da variância denota uma participação desprezível do hiato do produto na explicação da variância da taxa Selic (menos de 1%). Essa observação denota uma resposta da taxa de juros ao desvio do produto efetivo em relação ao potencial muitíssimo inferior ao daquela sugerida por Taylor. O resultado, até certo ponto, surpreendente refere-se à resposta da taxa Selic aos desvios da inflação em relação à meta estabelecida. De acordo com o regime 24 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005 SC = -2(l/T) + klog(T)/T e HQ = -2(l/T) + 2klog(log(T))/T consideram uma regressão com k parâmetros estimados usando T observações; l é o valor do log da função probabilidade com k parâmetros estimados. 107 A determinação da taxa de juros em uma economia sob metas para inflação: o caso brasileiro monetário em vigência no País, seria esperado o encontro de uma forte significância estatística. Entretanto a resposta da Selic em relação ao desvio da inflação (Gráfico C da Figura 5) encontra-se próxima ao eixo. Soma-se a isso o fato de a decomposição da variância denotar uma importância relativa do desvio da inflação na explicação da variância da Selic menor que 2%. Esse é um resultado problemático, pois sugere que o processo inflacionário não está sendo combatido de forma eficiente pelo Bacen. Em termos da proposta de Taylor, 1 + h estaria próximo a 1, o que implicaria uma rigidez para a taxa de juros real.25 Por último, contata-se que a principal variável que influencia o comportamento da taxa Selic no período recente é o Risco-País. O Gráfico D da Figura 5 indica que os impactos do Risco-País sobre a Selic são estatisticamente relevantes e que um aumento no Risco-País tende a provocar uma elevação na taxa Selic, que não é eliminada ao longo do tempo. A importância do Risco-País para a taxa de juros é corroborada com a análise da decomposição da variância. O resultado obtido mostra que cerca de 57% da variância da taxa Selic, passados 12 meses, se deve ao Risco-País. Tabela 3 Teste de raiz unitária ADF ESPECIFICAÇÃO SELIC ∆ DA SELIC HIATO DO PRODUTO Constante ........................ Variável defasada ........... Tendência ....................... Primeira diferença ........... Segunda diferença .......... Terceira diferença ........... Quarta diferença ............. Quinta diferença ............. Sexta diferença ............... Sétima diferença ............. AIC0 ................................. AIC1 ……………………… AIC2 ................................. AIC3 ................................. AIC4 ................................. AIC5 ................................. AIC6 ................................. AIC7 ................................. AIC8 ................................. Valor crítico a 1%............. Valor crítico a 5% ............ 2,7136 -2,8062 6,3164 0,2119 2,5162 1,4069 1,3831 1,4382 1,4259 1,4664 1,4903 1,5415 1,5559 -3,5625 -2,9190 -2,1007 0,8619 1,4808 1,4632 1,4983 1,5034 1,5568 1,5824 1,5959 1,6316 1,6701 -2,6081 -1,9471 2,1801 -5,3643 -2,0945 3,6754 4,4920 4,0429 3,0223 3,3582 2,8828 2,1827 6,1764 6,2202 6,1969 6,1621 6,2205 6,1758 6,1173 6,0708 6,1226 -4,1678 -3,5088 (πT - π*) 2,8866 -2,2225 2,4120 2,4447 2,4745 2,4993 2,5218 2,5340 2,5645 2,6293 2,6872 -3,5572 -2,9167 ∆(πT - π*) RISCO-PAÍS ∆ DO RISCO-PAÍS 1,7462 -6,7876 2,5236 2,5837 2,6454 2,7077 2,7699 2,6389 2,7023 2,7694 2,8318 -3,5598 -2,9178 2,2929 -2,6215 5,8996 3,3983 2,9335 2,9440 3,0006 3,0561 3,1085 3,1628 3,2326 3,2659 -3,5598 -2,9178 -3,6186 2,9930 3,0022 3,0200 3,0715 3,0922 3,1464 3,2028 3,2557 3,3070 -2,6072 -1,9470 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Bacen. IBGE. NOTA: A estatística t do teste ADF e a estatística do critério de informação de Akaike (AIC) mínimo para a seleção do número adequado de defasagens estão em negrito. 25 Uma análise sobre a rigidez da taxa de juros no Brasil ultrapassa o escopo deste artigo. Todavia o resultado obtido sugere que a presença de falhas de mercado, tais como o grau de monopólio e a possibilidade de assimetrias de informação que favoreçam a ação de rentistas, pode justificar a dificuldade para reduções na taxa de juros. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005 108 Helder Ferreira de Mendonça; Lucas Lautert Dezordi; Marcelo Luiz Curado Tabela 4 Critério de Schuvarz (SC) e critério de Hannan-Quinn (HQ) para a ordem do VAR DEFASAGENS PRESENÇA DE CONSTANTE 0 1 2 3 4 1 2 3 4 Com constante Com constante Com constante Com constante Com constante Sem constante Sem constante Sem constante Sem constante SC HQ 21,49591 14,77967 (1)14,08086 14,56679 15,34883 14,59777 (1)13,96869 14,54714 15,45292 21,40120 14,30610 (1)13,22845 13,33552 13,73871 14,21892 (1)13,21099 13,41059 13,93751 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Bacen. IBGE. (1) Denota a ordem selecionada pelo critério. Figura 5 Funções de impulso-resposta para o VAR (A) Resposta de SELIC para SELIC (B) Resposta de SELIC para hiato do produto 4 4 3 3 2 2 1 1 0 0 -11 -1 -22 -2 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 1 (C(C) ) RResposta e sp o s ta dde e SELIC S E L IC para p aradesvio d es viodad ainflação in flaç ã o 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 (D R e sp o sta da d a SELIC S E L ICpara p a rarisco-país ris c o -p a ís (D)) Resposta 4 4 3 3 2 2 1 1 0 0 -1 1 -1 -2 2 2 -2 1 2 2 33 4 55 66 7 7 88 99 10 10 111 1 112 2 NOTA: Impulso-resposta de dois desvios padrões. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005 1 1 22 3 44 55 6 77 88 99 10 10 11 11 12 12 109 A determinação da taxa de juros em uma economia sob metas para inflação: o caso brasileiro Tabela 5 Decomposição da variância da taxa Selic MESES TAXA SELIC HIATO DO PRODUTO 1 100,0000 2 98,17430 3 96,61319 4 92,61411 5 84,63950 6 74,37193 7 64,53148 8 56,54874 9 50,57737 10 46,25381 11 43,14761 12 40,90630 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Bacen. IBGE. 5 - Considerações finais Calibrar a resposta dos juros nominais, tomando como referência os processos inflacionários e o hiato do produto, é um desafio para a condução da política monetária sob um regime de metas para inflação. Uma taxa de juros elevada pode não ser um bom instrumento para o combate à inflação, podendo, até mesmo, gerar um efeito reverso ao esperado. Ainda que a taxa de juros seja o principal instrumento à disposição do Bacen para o combate à inflação, há indícios de que a mesma não foi utilizada de forma correta durante o período analisado. Em relação ao controle da inflação, observou-se um sucessivo descumprimento das metas para inflação nos últimos anos. Essa observação está de acordo com os resultados encontrados na seção anterior, pois a ausência de uma resposta efetiva da taxa de juros aos desvios da inflação fez com que o regime de metas para inflação não alcançasse os resultados pretendidos quando de sua implementação.26 Uma conseqüência direta do descumprimento das metas anunciadas é a dificuldade que o Bacen encontra para reduzir a taxa Selic, sem comprometer as expectativas dos agentes econômicos para um possível descontrole da inflação. 26 Para uma análise sobre a implementação do regime de metas para inflação no Brasil, ver Mendonça (2001) e Netto (1999). 0,000000 0,102122 0,165145 0,325949 0,543044 0,709101 0,775361 0,763769 0,713200 0,651276 0,592188 0,541573 (πT - π*) 0,000000 1,719880 2,708031 3,021798 2,843723 2,463685 2,106703 1,864857 1,748154 1,740165 1,821917 1,977534 RISCO-PAÍS 0,000000 0,003693 0,513633 4,038141 11,973730 22,455280 32,586460 40,822630 46,961270 51,354750 54,438290 56,574590 Essa é uma observação importante, pois justifica o resultado encontrado para a relevância da própria Selic na explicação de sua trajetória. Um outro aspecto a ser ressaltado diz respeito ao hiato do produto. O fato de o Bacen não responder aos desvios do produto significa que a taxa de juros não se encontra em um nível adequado para que o produto potencial seja alcançado. Uma conseqüência é que a manutenção de uma elevada taxa de juros tende a causar um desestímulo à atividade econômica, o que, por conseguinte, incrementa a taxa de desemprego. Logo, observa-se que a taxa Selic nem se encontra em um patamar capaz de fazer com que as metas para inflação determinadas sejam alcançadas nem é capaz de manter a taxa de desemprego compatível com o produto potencial. O ponto crucial para a explicação do comportamento da taxa Selic refere-se ao Risco-País. A importância dessa variável é justificada pelo fato de que há fortes indícios de que a taxa de juros básica da economia brasileira tem sido utilizada tendo como principal objetivo o alcance do equilíbrio do balanço de pagamentos. Assim, para que a taxa de juros possa ser utilizada de forma efetiva para o controle da inflação, ou que considere de forma simultânea o desvio da inflação em relação à meta e o hiato do produto, é preciso que a necessidade de um superávit na conta de capitais, via sustentação de uma elevada taxa de juros, seja eliminada. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005 110 Referências BOGDANSKI, J.; TOMBINI, A. A.; WERLANG, S. R. Implementing inflation target in Brazil. Brasília: Banco Central do Brasil, 2000. (Working Paper, n. 1). FREITAS, P.; MUINHOS, M. A simple model for inflation targeting in Brazil. Brasília: Banco Central do Brasil, 2001. (Working Paper, n. 18). GERAATS, P. M. Central bank transparency. The Economic Journal, London: [s. n.], v. 112, p. 532-565, Nov, 2002. GONÇALVES, C. E. S. Metas de inflação e mecanismos de transmissão de política monetária: o caso brasileiro. 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Revista de Economia Política, São Paulo: Editora 34, p. 138-145, v. 22, n. 3 (87), jul.-set., 2002. 111 Telecomunicações: os resultados da política de competição Telecomunicações: os resultados da política de competição Renato Antonio Dal Maso* Economista e Coordenador do Núcleo de Políticas Públicas da FEE. Resumo O texto aborda a política de competição nas telecomunicações implementada pelo Governo Federal entre 1997 e 2004. Pesquisam-se os resultados dessa política, que teve como objetivo liberar a entrada de empresas no setor, permitindo que a maioria dos usuários pudesse escolher a operadora dos serviços de sua preferência. Buscaram-se informações relacionadas às empresas prestadoras e à participação no mercado, bem como indicadores quantitativos destas no controle dos acessos fixos e celulares e sobre a evolução das tarifas no período. A análise evidencia a presença da competição na telefonia celular e nos serviços internacionais, pouca competição nos demais serviços e um processo de concentração do capital no setor. Esse movimento constituiu grandes grupos de empresas prestadoras multisserviços, restringindo a competição e consolidando a liderança de uma firma dominante em nível regional. Palavras-chave: telecomunicações; competição na telefonia; concentração na telefonia. Abstract This paper is concerned with the competition policy implemented in the area of telecommunications by the Brazilian federal government between 1997 and 2004. The research is focused on the results of this policy, which was aimed at liberating the entry of enterprises in this economic sector so that users could freely choose the services of the company they prefer. The evidence used in this research were: information related to the activities of the enterprises and their respective participation in the market; quantitative data on the share of the companies in the control of accesses of users to fixed and mobile telephones; and the evolution of the taxes. The analysis indicates that a measure of competition, as well as a capital concentration in multi-services firms, has developed in the sector. This process hindered full competition between companies and consolidated the dominance of a firm at a regional level. Artigo recebido em 18 out. 2005. * O autor agradece as sugestões precisas de Walter Arno Pichler e o apoio do acadêmico Paulo Henrique de Campos. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005 112 1 - Introdução A política de telecomunicações do Governo Federal envolve questões relacionadas à regulação do mercado, à universalização, à qualidade dos serviços, à política industrial e tecnológica e ao regime de competição. Esses aspectos se entrelaçam na implementação da política setorial. Entretanto este texto foca apenas a política de competição, implementada entre os anos de 1997 e 2004, ressaltando alguns aspectos para a compreensão do objeto. A implementação da política iniciou-se com a abertura do mercado dos serviços de telefonia celular, seguindo-se a instituição do órgão regulador, a privatização das empresas originárias do Sistema Telebrás e a entrada de novos investidores privados no mercado. A política de competição compreende o conjunto de medidas implementadas para criar um mercado sem limite de prestadoras dos serviços, onde a maioria dos usuários pudesse exercer a liberdade de escolha das empresas provedoras dos serviços de sua preferência.1 Esse cenário foi chamado de “plena competição”. Atualmente, o processo de competição é uma realidade visível no mercado, especialmente na telefonia celular, onde operam quatro grandes grupos empresariais. Na telefonia fixa, o cenário atual não é o de “plena competição” apregoado, vigorando um regime onde uma firma é dominante no mercado. O cenário atual está organizado a partir da liderança dessa firma. Esse fato comprova existir pouca competição. Se a política não implantou o cenário de plena competição, conforme idealizaram os policies makers, que regime ela configurou? O regime de liderança de uma firma e de oligopólios configura a competição possível no setor de telecomunicações? Para responder às questões, propõe-se, neste texto, que os resultados efetivos da política na experiência brasileira carecem de melhor qualificação. Certamente, a competição instalou-se em algumas modalidades de serviços e nos nichos mais lucrativos do mercado, mas não sob o regime de plena competição. Ao contrário, na maioria das pequenas e médias cidades, ela não existe. Argumenta-se ainda que as operadoras originárias do Sistema Telebrás herdaram 1 Conforme a Lei Geral de Telecomunicações, n° 9.472, de 16.07.97, define-se telecomunicações como a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radieletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza (art. 60). Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005 Renato Antonio Dal Maso assimetrias que lhes garantem grande poder competitivo em relação às demais entrantes. Essas assimetrias são o controle dos acessos e das redes e a sua grande capilaridade. A análise da política envolve aspectos complexos que dificultam o entendimento do funcionamento do modelo de telecomunicações, apresentado a seguir para ilustrar a funcionalidade do cenário competitivo idealizado.2 O modelo de telefonia fixa representou-se no Quadro 1, e o modelo de telefonia celular, no Quadro 2. Neles, o mercado brasileiro foi dividido em regiões, criadas especificamente para o setor, que delimitam a área de autorização das empresas para prestar serviços, embora sempre necessitem obter autorização para atuarem nas regiões, nas localidades e nos municípios. Observa-se, com isso, que o cenário competitivo tem como locus a região, mais especificamente os nichos do mercado, onde as empresas buscam vantagens na prestação das modalidades de serviços da telefonia fixa (local ou residencial e não residencial, longas distâncias nacional (LDN) e internacional (LDI)), da telefonia celular e dos demais serviços de comunicação de dados e internet. A política de competição implantou o regime, gradualmente, pelas etapas destacadas abaixo. No cenário da telefonia fixa, atuam a Telemar, a Brasil Telecom, a Telefônica e a Embratel nas suas respectivas Regiões I, II, III e IV, denominadas empresas originárias, pois elas herdaram os acessos telefônicos e as redes do Sistema Telebrás. As empresas Vésper, a Global Village Telecom (GVT) e Intelig Telecom, chamadas de entrantes (espelhos), também são prestadoras, respectivamente, naquelas regiões, a partir de 1999. Outras empresas entrantes (espelhinhos), a partir de 2000, passaram a atuar em alguns dos municípios e em algumas localidades onde as “espelhos” decidiram não prestar serviços. A partir de 2002, novas empresas entrantes foram autorizadas, não havendo mais limites para a presença de prestadoras. A liberação para a entrada no mercado e a presença de diversas empresas criaram um cenário de competição, por suposto, em cada região (Quadro 1). 2 Para uma análise detalhada do modelo, ver Anatel (2005), Dalmazo (2002, Cap. 4) e Relatórios Teleco (2005a). Toda a base material e legal que fundamenta o mercado de telecomunicações encontra-se no site da Anatel. Telecomunicações: os resultados da política de competição Na telefonia celular, o modelo idealizado estabeleceu 10 áreas, que também foram criadas especificamente para o setor. Em cada área, atuavam uma empresa originária, operando a Banda A, e uma entrante, na Banda B, sob regime de duopólio no Sistema Móvel Celular (SMC). Esse regime foi modificado, no ano de 2000, para o Sistema Móvel Pessoal (SMP), que delimitou a atuação das empresas não por área, mas pelo mesmo espaço das Regiões I, II e III. Todas as prestadoras se adaptaram ao SMP, configurando um novo cenário, não no regime de duopólio, mas por quatro grandes operadoras nas Bandas A, B, D e E em cada região (Quadro 2). A política implantou, gradualmente, a competição, criando oportunidades atraentes para os investidores privados e liberando a entrada de prestadoras no setor. Seu objetivo maior foi criar um cenário de “plena competição”, em cujo mercado não existiria limite para entrada de empresas e onde os usuários poderiam escolher os serviços das prestadoras segundo suas preferências. Esse processo implicou também impor assimetrias de direitos e deveres entre as empresas, com a finalidade de reduzir as vantagens das originárias e estimular as entrantes. As assimetrias impostas às primeiras foram as obrigações de universalização e continuidade, de qualidade dos serviços, o controle de tarifas e sanções para os casos de quebra das regras do contrato. E, para as entrantes, exigiram-se um plano de compromisso de abrangência dos acessos e uma regulação menos intensa, como a ausência de controle de tarifas e de universalização. Essas assimetrias foram consideradas suficientes para configurar, assim, o regime competitivo.3 A partir dessa visão sintética do modelo e do cenário idealizado das telecomunicações, apresenta-se, a seguir, a política de competição. Conforme citado no Quadro 3, a implementação da política ocorreu por etapas. Cabe apontar aqui os fatos relevantes do processo: em 1997, teve início a competição na telefonia celular, autorizando-se novas empresas entrantes para operar a Banda B; em 1998, ocorreu a privatização das empresas originárias do Sistema Telebrás e a vigência de monopólio privado temporário. Em 2000, iniciou-se a competição na telefonia fixa, através das autorizações para as empresas entrantes (espelhos) atuarem em cada região e da implantação do Código de Seleção de Prestadora (CSP), cuja medida permitiu que o usuário escolhesse a 3 Ver texto sobre o tema em Santos e Taboada (2004). 113 prestadora dos serviços de longa distância, bem como através da implantação do Serviço Móvel Pessoal, que limita o número de prestadoras por região a quatro empresas nas Bandas A, B, D e E. Esse rearranjo do modelo inicial mudou o cenário da competição de duas para quatro empresas, atuando não mais por área, mas por região. Na verdade, ocorreu um movimento de fusões e aquisições entre as empresas para se adaptarem ao SMP, e elas marcaram presença em todas as regiões. Assim, a competição nessa modalidade passou a ser disputada no plano nacional e nos nichos regionais. Por último, em 2002, ocorreu a liberação do mercado de telefonia fixa para novas entrantes e a implantação do CSP na telefonia celular, em julho de 2003. Assim, o cenário idealizado da “plena competição” está representado nos Quadros 1 e 2, onde se registra a presença de diversas prestadoras de telefonia fixa em cada região. Por sua vez, na telefonia celular, implantou-se o regime de oligopólio limitado à presença de quatro empresas em cada região. Além desta Introdução, contendo uma síntese do modelo idealizado, o texto está estruturado nos seguintes itens. No item 2, pesquisou-se a reação das principais prestadoras frente ao cenário competitivo, através de informações qualitativas sobre fusões e aquisições e sobre as estratégias adotadas para ganhar vantagens em relação às demais. No item 3, analisa-se um conjunto importante de indicadores, que revelam os resultados da política de competição. Os indicadores examinados são: (a) a participação percentual das operadoras originárias na receita bruta de telefonia fixa, que revela, de fato, qual a fonte de riqueza que está em jogo no setor de telecomunicações; (b) a participação percentual das empresas nos acessos fixos e celulares e nos acessos totais, que apresentam uma visão geral da importância delas em termos de controle de acessos no mercado nacional; (c) a participação das empresas nos acessos fixos e celulares por região, que revela a liderança e o domínio das operadoras na sua região-base; e (d) a evolução das tarifas praticadas pelas operadoras originárias para serviços locais, LDN e LDI. No item 4, além de se tomarem informações sobre a reação das empresas em relação ao novo cenário, examinam-se os indicadores do jogo oligopolista na telefonia celular, os indicadores da participação das empresas nos acessos e da evolução das tarifas, bem como as razões da explosão dos acessos celulares. A abordagem em separado das telefonias fixa e celular nesses itens teve por objetivo qualificar a competição possível nas modalidades de serviços de telecomunicações (telecoms). Por último, registram-se as considerações finais. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005 114 Renato Antonio Dal Maso Quadro 1 Modelo de telecomunicações para a telefonia fixa no Brasil — 1998-2002 REGIÕES Região I (2) Região II (3) Região III (4) Região IV (5) SETORES (1) ORIGINÁRIAS (1998) 1, 2, 4 a 17 3 Telemar CTBC 18,19,21,23, 24, 26 a 30 20 22 a 25 31, 32 e 34 Brasil Telecom Todo o Brasil Embratel ENTRANTES (espelhinhos) (2000) ENTRANTES (espelhos) (1999) Vésper (Embratel) Sercomtel CTBC Telefônica NOVAS ENTRANTES (2002) Tmais; Transit; Telefônica; GVT; Enlevos; Nortelpa; Intelig Telecom; Sermatel. Telmex (AT&T); Teledados (EMTL). Tmais; Telefônica; Embratel; Transit; Telmex (AT&T); Options. Intelig Telecom; Sercomtel. GVT Vésper SP (Embratel) Tmais; Transit; Aerotech; Ampla. Intelig Telecom Aerotech; Enlevos; Transit. Intelig Telecom; GVT; Comercial Cabo TV São Paulo; Telmex (AT&T). Telemar; Brasil Telecom; Telefônica; Claro; TIM; CTBC. FONTE: DALMAZO, Renato. As mediações cruciais das mudanças político-institucionais nas telecomunicações do FONTE: Brasil. Porto Alegre: FEE, 2002. Cap. 4. (Teses FEE, n. 2). FONTE: RELATÓRIOS TELECO. Telefonia Celular no Brasil 2005. 2005a. Disponível em: http: www.teleco.com.br Acesso em: 2005. FONTE: ANATEL. Relatório anual 2004. Disponível em http: www.anatel.gov.br Acesso em: 2005. (1) Setor é uma divisão do Brasil em áreas que delimitam o espaço de atuação das empresas e, no caso, definem os setores das empresas existentes CTBC (3, 22 a 25) e Sercomtel (20). (2) RJ, MG, ES, BA, SE, AL, PE, PB, RN, CE, PI, MA, PA, AP, AM, RR. (3) RS, DF, GO, MT, RN, AC, MS, PR, SC. (4) SP. (5) Todo o Brasil. Quadro 2 Modelo de telecomunicações para a telefonia celular no Brasil — 1997 e 2002 REGIÕES Região I Região II Região III Outras ÁREAS DE CONCESSÃO Área 3: RJ e ES Área 9: BA e SE Área 4: MG Área 8: AM, RO, AP, PA e MA Área 10: PI, CE, RN,PB, PE ,AL Área 5: PR, SC Área 6: RS Área 7: DF, GO, TO MS, MT, RD e AC Área 1: SP Capital Área 2: SP interior Áreas 2, 4 e 7: GO, MG e SP Londrina (PR) ORIGINÁRIAS DA BANDA A (1997) ENTRANTES DA BANDA B (1997) Vivo Claro Opportunity TIM Vivo TIM Claro TIM Vivo Claro Vivo Claro TIM Brasil Telecom (set./2003) Vivo Claro TIM - CTBC Telecom Sercomtel - - - ENTRANTES DA BANDA D (2002) ENTRANTES DA BANDA E (2002) TIM Oi Claro - FONTE: DALMAZO, Renato. As mediações cruciais das mudanças político-institucionais nas telecomunicações do FONTE: Brasil. Porto Alegre: FEE, 2002. Cap. 4. (Teses FEE, n. 2). FONTE: RELATÓRIOS TELECO. Telefonia celular no Brasil 2005. 2005b. Disponível em: http: www.teleco.com.br Acesso FONTE: em: 2005. FONTE: ANATEL. Relatório anual 2004. Disponível em: http: www. anatel.gov.br Acesso em: 2005. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005 115 Telecomunicações: os resultados da política de competição Quadro 3 As etapas de implantação da política de competição no Brasil ANOS ETAPAS DO CENÁRIO COMPETITIVO 1997 Autorização para a entrada de novas operadoras da Banda B na telefonia celular em 10 áreas. Início da competição na telefonia celular. Privatização das empresas públicas originárias do Sistema Telebrás nas quatro regiões seguintes: Região I - RJ, MG, ES, BA, SE, AL, PE, PB, RN, CE, PI, MA, PA, AP, AM, RR (Telemar); Região II - RS, DF, GO, MT, RN, AC, MS, PR, SC (Brasil Telecom); Região III - SP (Telefônica); Região IV - todo o Brasil (Embratel). Empresas originárias iniciam competição nos serviços de LDN. Autorização para a entrada de uma nova empresa em cada região (espelho ou entrante), criando o regime de duopólio: Região I, Global Village Telecom (GVT); Região II, Vésper Holding S.A.; Região III, Vésper Holding São Paulo S/A; Região IV, Intelig Telecom. Início da competição entre originárias e entrantes. Mudanças no cenário da competição: - implantação do Sistema Móvel Pessoal pela autorização de novas empresas operarem as Bandas D e E nas Regiões I, II e III; - adaptação das operadoras do Sistema Móvel Celular das Bandas A e B existentes ao SMP; - permissão para as fusões e aquisições de empresas; - autorização para a entrada de novas empresas (espelhinhos) para operar em municípios e localidades onde as espelhos decidiram não prestar telefonia fixa; - implantação do Código de Seleção de Prestadora na telefonia fixa, através do qual o usuário escolhe a operadora dos serviços de LDN e LDI. Ampliação da competição nos serviços de longa distância e na telefonia celular. Liberação do mercado de telefonia fixa sem limite para operadoras nas regiões. Novas autorizações às originárias que cumpriram as obrigações de universalização para operar nas demais regiões. Concentração do capital em quatro grandes grupos que operam multisserviços: Telemar/Oi; Brasil Telecom/TIM (e BrTelecom Celular); Telefônica/Vivo e Embratel/Claro/Vésper. Implantação do Código de Seleção de Prestadora na telefonia celular. Vigência da plena competição. 1998 1999 2000 2002 2003 FONTE: DALMAZO, Renato. As mediações cruciais das mudanças político-institucionais nas telecomunicações do Brasil. Porto Alegre: FEE, 2002. Cap. 4, p. 220. (Teses FEE, n. 2). 2 - Fusões e aquisições consolidam a liderança dos grupos dominantes Neste item, analisam-se informações mais qualitativas, que revelam os movimentos das empresas frente ao cenário competitivo. Para tal, pesquisaram-se as estratégias e o movimento de concentração do capital das empresas originárias, tendo em vista a sua experiência similar e a representatividade no setor. Inicialmente, cabe ressaltar que as novas autorizações para entrantes no mercado, a implementação do SMP e do CSP e a liberação do mercado foram fatos relevantes e inexoráveis da política de competição4. As empresas reagiram com estratégias um tanto similares. Por exemplo, a Telemar, a Telefônica e a Embratel buscaram antecipar o cumprimento das obrigações de universalização dos serviços em 2001, para obterem novas autorizações para atuarem nas demais regiões. Todas buscaram capacitar-se para prover multisserviços de telecomunicações. E o fizeram por uma razão singular, dada pela convergência dos serviços que podem ser providos pelas mesmas redes. Também 4 Para implementar a política, a Anatel concedeu 11 novas autorizações de telefonia local com abrangência variada, 14 autorizações para LDN e LDI e licitou as Bandas D e E. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005 116 desenvolveram ações voltadas para a fidelização dos seus usuários, através das seguintes ações: na telefonia fixa residencial, disponibilizaram serviços inteligentes, tais como secretária eletrônica virtual, discagem rápida, chamada em espera, siga-me (transferência temporária), identificador de chamadas, acesso à internet em banda larga, acessos fixos pré-pagos e ações para retenção de usuários; na telefonia local não residencial corporativa, disponibilizaram serviços inteligentes, atendimento exclusivo e diferenciado, planos de tarifas mais atrativos, acessos à internet em banda larga, etc. Nos serviços de LDN e LDI, a introdução do Código de Seleção de Prestadora promoveu a quebra do monopólio da Embratel, que passou a ser o inimigo comum das demais e, especialmente, das originárias, que passaram a praticar tarifas sempre inferiores às dos concorrentes, bem como promoveram campanhas de fidelização dos usuários. No caso da Intelig Telecom, inicialmente, promoveram-se preços abaixo das concorrentes, porém estes foram mantidos apenas por um certo período de tempo (Santos; Taboada, 2004). Em suma, a reação dos grandes grupos foi consolidar, na sua região-base, a capacidade para prover multisserviços. A seguir, apresentam-se informações sobre o movimento de concentração do capital para formar os quatro grandes grupos e consolidar a estratégia comum. A Telemar buscou capacitar-se para prover multisserviços. Em junho de 2002, obteve autorização para operar a Banda D na Região I, através da TNL PCS S/A (Oi), e serviços de LDN e LDI nas Regiões I, II e III. Em dezembro de 2002, adquiriu o controle acionário da Pegasus Telecom S/A, para exploração e prestação de serviços de transmissão de dados nas três regiões, especialmente no mercado corporativo e empresarial de São Paulo.5 Controla a Companhia AIX Participações, especializada na construção de infra-estrutura de dutos para instalação de fibras óticas, que atua em rodovias do Estado de São Paulo e da Capital, bem como para a Telemar e para a Pegasus. Em março de 2001, criou a ABS 52 Participações Ltda., alterada para Telemar Internet, para prestar serviços de instalação e prestação de serviços de acesso à internet em banda larga, chamada de Velox. A Brasil Telecom decidiu garantir o domínio na Região II, buscando desenvolver infra-estrutura e consolidar um Renato Antonio Dal Maso grupo para prover todos os serviços de telecoms. Em 2000, adquiriu o controle da CRT, operadora de telefonia fixa no Rio Grande do Sul. Em junho de 2003, passou a gerar serviços de LDI, ao comprar todo o sistema de cabos submarinos de fibra ótica do Grupo GlobeNet6, reforçando sua posição em tráfego de dados, LDI e redução de custos de interconexão, bem como assumiu a MetroRed, em fevereiro de 2003, que operava redes digitais de fibras óticas. Adquiriu ainda a iBest Serviços de Internet S/A, em junho de 2003, e passou a ser o segundo maior provedor de internet gratuita no mercado brasileiro. Em 2002, lançou os acessos em banda larga, o BrTurbo, baseado em tecnologia Asymmetric Digital Subscriber Line (ADSL). Atualmente, avança com ações de aquisição de infra-estrutura de rede de alta tecnologia para fincar liderança no mercado corporativo, bem como faz gestões para compra da Intelig Telecom e da Internet Group do Brasil Ltda. (iG). Um dos seres controladores, Itália Móbile Telecom, controla a prestadora de telefonia celular nas três regiões. Outro controlador, Opportunity e outros, controla a Brasil Telecom Celular que atua na Região II, na Banda E. O grupo Telefônica instalou novas empresas no Brasil, com o objetivo de centrar sua atuação nos serviços convergentes de telecomunicações. Adquiriu o controle da ZAZ na área de internet, segundo maior provedor do País, e constituiu a empresa Terra Networks Brasil em junho de 1999. No ano 2000, realizou vários negócios: em outubro, concluiu a incorporação da Ceterb S/A e da Ceterb Celular, que operavam em Ribeirão Preto, São Paulo; em novembro, constituiu a subsidiária Telefônica Empresas S/A, para prover serviços de comunicação de dados, lançou serviço de conexão rápida à internet chamado Speedy, bem como adaptou suas empresas de celular nas Bandas A e B ao SMP, através da operadora Vivo, em todo o País. Também criou a Atendo Holding, para prestar serviços de call centers a terceiros, de telemarketing e de administração de banco de dados, além de publicar listas telefônicas, através da TPI Páginas Amarelas. A Embratel buscou complementar sua capacitação para prover também serviços locais e celular. Em 2003, adquiriu a Vésper Holding S/A e a Vésper Holding São Paulo S/A, da empresa norte-americana QUALCOMM 6 5 A Pegasus opera uma rede de cabos de fibra óptica e também via rádio (wireless) nas 25 cidades mais importantes do Sudeste e do Sul do País, representando a segunda maior rede de anéis metropolitanos na Cidade de São Paulo. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005 A GlobeNet Communications Group Ltd. interliga pontos de interconexão nas regiões de Nova Iorque e Miami (EUA), St. David’s (Ilhas Bermudas), Maiquetia (Venezuela) e Fortaleza e Rio de Janeiro (Brasil). Trata-se de empresa criada em 1998, para prover serviços de comunicação de fibra ótica entre os EUA e a América do Sul. Telecomunicações: os resultados da política de competição Incorporadora, nas Regiões I e III, e a CT Torres Ltda., que controlava 622 torres de comunicação. Mantém-se como líder no mercado brasileiro de transmissão de dados. Em novembro de 2000, constituiu a Star One S/A, para gerir e operar satélites, sendo a principal operadora de transponders para serviços de comunicação no Brasil e a principal fornecedora de internet em banda larga via satélite. Lançará, em 2006 e 2007, os satélites Star One C1 e C2, para substituir os BrasilSat B1 e B2. Em agosto de 2003, constituiu a Click 21 Comércio e Publicidade Ltda., para prestar serviços de conexão e oferecer produtos de internet para clientes residenciais e empresas. Manteve a sua rede internacional de cabos submarinos inteiramente óticos, ligando o Brasil a diversos países.7 Por último, a mexicana Telmex, que controla a Claro na telefonia celular, adquiriu a Embratel da norte-americana MCI, em março de 2004. Portanto, o processo de fusões e aquisições nas empresas originárias, desencadeado para consolidar um grupo empresarial de multisserviços, por um lado, configura uma reação clara dos agentes ao cenário de competição, buscando ganhar vantagens no mercado. Por outro, representou um movimento de concentração do capital para constituir uma escala adequada para garantir posição de liderança de firma dominante. 3 - Os resultados da política de competição Neste item, examinam-se os resultados da política, avaliados através de indicadores da participação relativa das empresas nas receitas dos serviços, do controle dos acessos fixos e celulares e da evolução das tarifas. O primeiro indicador sintetiza as principais fontes de riqueza disputadas nas telecoms. Em seguida, tomaram-se dados sobre o controle dos acessos telefônicos e a participação das prestadoras, e, por último, examina-se a evolução de tarifas, que reflete a rivalidade vista pelos preços cobrados. Em relação às tarifas, as empresas comprometeram-se, no contrato de concessão, a reduzi-las, de forma escalonada, entre 1998 e 2005, nos montantes de 4,9% nos serviços locais, de 23,3% nos de LDN e de 64,2% nos de LDI. 7 A rede de cabos submarinos da Embratel permite mais de 25 mil ligações simultâneas por telefone e compõe-se das seguintes redes: Américas-1 e Américas-2 (EUA); Columbus-1, Columbus-2 e Atlantis-2 (Europa e Ásia); e Unisur (América do Sul). 117 O primeiro indicador é revelador da disputa, sem dúvida, obtido pelas participações percentuais na receita bruta dos serviços. Os dados estão disponíveis apenas para as originárias, mas são representativos para os argumentos da análise. Conforme dados da Tabela 1, a Embratel fatura mais provendo ligações de LDN (54,7%) e serviços de comunicação de dados (23,3%). As demais originárias faturam alto com serviços locais, em torno de 42,5%, especialmente com receitas da assinatura básica. Essa é uma importante fonte de receita vinculada ao controle dos acessos fixos, como se fossem recursos cativos das empresas. As receitas das ligações fixo-móvel também são significativas e representam o montante de 21%. Elas cresceram em decorrência da expansão da rede, especialmente da rede celular com os planos pré-pagos. Por sua vez, a relevância das receitas com serviços de LDN em torno de 15% também se deve à expansão da planta. No essencial, representam-se, na Tabela 1, as principais fontes de receitas disputadas pelas empresas, as quais apontam os limites possíveis do novo cenário. Na telefonia fixa residencial, a competição existente é muito pouca e restringe-se aos nichos mais lucrativos do mercado. As originárias Telemar, Brasil Telecom e Telefônica dominam, na sua região-base, essa modalidade, porque controlam os acessos e as redes, como dito anteriormente. No caso das entrantes, entretanto, elas conquistaram uma minúscula fatia do mercado. A participação mais expressiva tem sido da Vésper — adquirida pela Embratel em 2003 —, na Região I, onde controla 20,9% dos acessos. Elas se fixaram apenas nos nichos do mercado, localizados nas grandes cidades, nas áreas de comércio e indústrias e nos bairros de altas rendas. Além do alto custo para construírem redes, pesa contra as entrantes a baixíssima taxa de migração dos usuários entre as prestadoras. Portanto, a fraca competição nessa modalidade, atualmente, deve-se à baixa migração dos usuários entre prestadoras e à pouca penetração das redes das entrantes. Em relação às tarifas dos serviços locais, sua evolução pouco ou nada reflete a existência de competição, como a queda esperada dos preços, apesar de haver diferenciações nos valores cobrados entre as originárias (Tabela 2). Na verdade, as empresas obtiveram ganhos reais nas tarifas de assinatura residencial e não residencial, e reduziram-se os preços dos pulso e ficha locais. Elas também desoneraram os custos para habilitação dos telefones, para facilitar a adesão dos usuários. Exceto estes, todos os demais são preços administrados, no sentido de que é o agente regulador quem define a tarifa. Dessa forma, a grande expansão Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005 118 da rede e dos acessos gerou receitas cativas às prestadoras, tendo em vista desfrutarem da condição dominante no mercado. Essa condição em si limita os espaços para um ambiente competitivo na telefonia local, que poderá ser ampliado não pelo número de prestadoras, mas por meio de inovações e da oferta de novos serviços. Os impactos da política nas tarifas dos serviços de LDI foram significativos. Um deles ocorreu na participação da Embratel na receita bruta total, que, ano após ano, vem perdendo posição no mercado. Em 2000, embolsava 91,9%, mas faturou 66,3% da receita em 2004. A Intelig Telecom, que é a concorrente direta, ficou com 14,8% (Tabela 3). As demais vêm obtendo ganhos crescentes desde que passaram a realizar ligações internacionais. Isso sugere que a entrada de novas prestadoras ampliou a disputa entre a Embratel, a inimiga comum, contra os três grupos, mais a Intelig Telecom e outras. Portanto, a entrada de novas empresas implicou atribuir crescentes perdas à Embratel. Porém ela continua líder nessa modalidade, operando suas redes internacionais. A emergência recente da Brasil Telecom e da Telefônica nessa modalidade, também operando suas próprias redes internacionais, aprofundará a disputa pelas receitas de LDI. Além disso, a mudança nas tarifas praticadas pela Embratel revela os impactos provocados pelas medidas que autorizam a entrantre Intelig em 1999, a implantação do Código de Seleção de Prestadora (CSP) em 2000 e as que autorizam a Brasil Telecom, a Telefônica e outras a operarem chamadas de LDI. Principalmente, a queda é explicada pelo compromisso assumido no contrato de concessão, para reduzir em 64,2% os valores cobrados no período. Enfim, essas medidas se refletiram em todas as tarifas internacionais da Embratel, num montante em torno de 70%, no período, especialmente nas ligações para EUA (76,5%), Portugal (69,5%) e países da América Latina (Tabela 4). Portanto, a redução dos preços nessa modalidade superou o compromisso acordado no contrato. Não obstante, a tendência das prestadoras será praticar tarifas niveladas, como está a ocorrer hoje, e evitar guerra de tarifas. Na modalidade dos serviços de LDN, a competição foi ampliada em 2000, quando os usuários passaram a ter a possibilidade de escolha da prestadora dos serviços, via o CSP, e pelas autorizações para novas entrantes no mercado. Essas medidas criaram forte rivalidade para com a Embratel, que era a inimiga comum das originárias, da Intelig Telecom e demais entrantes, GVT e Vésper basicamente. Disputava, com as originárias, os serviços intra-regionais e, com a Intelig, os inter-regionais e os de Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005 Renato Antonio Dal Maso LDI. A importância que essas empresas assumiram pode ser examinada pelo indicador da participação dos grandes grupos na receita bruta das ligações de LDN (Tabela 5) e pela participação no controle dos acessos fixos e celulares em cada região (Tabela 6). O indicador da participação dos grupos na receita bruta mostra vantagens e perdas para as prestadoras. A Embratel apresentou perda no faturamento, entre 2000 e 2004, de 44% para 31,1%, bem como a Telemar. Por sua vez, a Telefônica, a Brasil Telecom e a Intelig Telecom obtiveram ganhos expressivos. A participação dos grupos para mais ou para menos, de fato, é um indicativo da rivalidade existente, como mostra a Tabela 5. Entretanto o nível de competição aqui será melhor qualificado com indicadores da participação no controle de acessos e da evolução das tarifas, sem, todavia, negá-la. Uma conclusão geral importante nesse nível da análise é que a competição se trava, de fato, na região-base das prestadoras, onde as originárias disputam as ligações intra-regionais com a Embratel e com as entrantes Intelig, GVT ou Vésper. Nessa busca por vantagens, as originárias têm assegurado posição de liderança e domínio na respectiva região-base. E, nas ligações inter-regionais, elas fizeram acordos de reciprocidade entre si, especialmente para as chamadas fixo-fixo de regiões distintas. Significa dizer que uma originária, como a Telefônica, não invadirá o mercado das demais, mas negociou interconexão para completar suas ligações nas demais regiões, embora tenha autorização para prestar o serviço. A seguir, examinam-se os indicadores que afirmam a liderança das firmas através do controle dos acessos fixos e celulares em cada região. Na Região I, o grupo Telemar/Oi controla 76,6% dos telefones fixos e 44% dos acessos fixos e celulares, e o grupo Embratel/ /Vésper/Claro, 20,9% e 17,6% respectivamente. O grupo Brasil Telecom/TIM controla 89,9% dos acessos fixos e 41,8% do total de acessos na sua região-base. O grupo Telefônica/Vivo desfruta vantagens, explorando serviços de 89,4% dos fixos e 68,9% dos celulares e fixos na Região III (Tabela 6). Esses dados sobre o grande controle dos acessos telefônicos e das redes são a prova do domínio dos grupos na sua região-base. O domínio sobre a infra-estrutura de rede inexoravelmente garante apropriação da maior fatia de receitas dos serviços, especialmente das ligações locais e de LDN intra-regional. O controle dos acessos revela existir também uma outra forma de competição entre os grupos. Ela está a ocorrer não por modalidade de serviço conforme idealizada, mas por serviços diferentes, como a telefonia local versus telefonia celular pré-paga. Os grupos desenvolveram-se 119 Telecomunicações: os resultados da política de competição para prestar todos os serviços. São hoje prestadores de multisserviços (telefonia fixa, celular, comunicação de dados e internet) e marcam presença em todas as regiões. Dessa forma, cada originária, através da sua operadora celular, compete nas demais regiões via planos basicamente pré-pagos. Aquele argumento anterior sobre a liderança encontra guarida também nos relatórios anuais das originárias, que reafirmam a sua existência nas ligações de LDN intra-regional e na crescente participação nas de LDI. A Brasil Telecom cita ter provido 84,3% das ligações intra-regionais, 48,9% das inter-regionais e 26,6% das internacionais em 2004. A Telefônica também destaca ter a vantagem de operar em torno de 75% das chamadas intra-regionais e, em 2002, controlou 36% das chamadas inter-regionais e 32% das LDI. Portanto, tem-se, nessas informações, mais um dado revelador da liderança das firmas. Assim, a pouca competição pode ser dimensionada pelas receitas geradas e apropriadas pelas demais prestadoras, que são relativas ao montante de acessos que controlam, sendo em torno de 5% nas Regiões II e III e de 23,4% dos acessos na Região I (Tabela 6). Por sua vez, o efeito da política sobre redução das tarifas de LDN não foi o esperado. A evolução do custo do minuto normal de uma ligação, na verdade, retrata a competição possível nessa modalidade. Os relatórios anuais das originárias registram que praticaram tarifas sempre inferiores às concorrentes e reafirmam a estratégia comum dos grupos de fixarem o seu código de prestadora na cultura dos seus usuários para preferirem seus serviços. Qual é a competição possível então? A pouca competição ocorre nos nichos do mercado, junto às áreas metropolitanas, onde as entrantes GVT, Vésper e Intelig se fixaram. Nesse filão do mercado, aplica-se a tarifa conurbada ou tarifa de ligação local. São ligações locais feitas dentro da cidade ou entre cidades adjacentes que a Anatel estabeleceu que fossem consideradas locais. Nesse caso, a reação das originárias foi reduzir as tarifas, especialmente nas Regiões I e III, por conta da entrada da Vésper; além disso, elas reduziram os custos das ligações com distância em torno de 300km ou mais (Tabela 7). Novamente, aqui, trata-se de preços administrados pela Anatel, que acordou permitir reajustes anuais pelo IGP-DI e aplicar um redutor de 23,3%, de forma escalonada, no período. Em suma, a competição na telefonia fixa revela-se muitíssimo restrita nas ligações locais e nas de LDN, pois os grupos originários controlam os acessos e as redes e garantem liderança e domínio do mercado. Destacou-se também que foram constituídos grandes grupos capazes de prover multisserviços, buscando operar, no plano nacional, todos os serviços convergentes de telecomunicações. Tabela 1 Receita bruta de telefonia fixa das principais operadoras no Brasil — 2004 (%) TIPOS DE SERVIÇOS TELEMAR BRASIL TELECOM Total do serviço local (fixo-fixo) Habilitação .................................... Assinatura ..................................... Serviço (pulsos) ............................ Outros ........................................... Total do LDN (2) .......................... Intra-regional ............................... Inter-regiões ................................. Serviços de LDI (3) ..................... Serviço fixo-móvel ...................... TUP (“orelhão”) .......................... Comunicação de dados ............. Uso da rede ................................ Outros serviços .......................... TOTAL .......................................... 44,6 30,5 13,5 0,6 14,5 11,4 3,1 0,5 17,4 5,1 8,1 5,9 3,6 100,0 37,2 24,8 11,6 0,7 13,3 11,7 1,7 0,3 24,4 3,8 11,7 5,8 3,6 100,0 TELEFÔNICA 43,9 27,3 16,6 16,6 12,7 4,0 0,6 21,8 2,1 5,4 6,0 3,5 100,0 TOTAL 42,5 0,3 27,6 14,2 0,4 15,0 11,9 3,1 0,5 20,8 3,7 8,0 5,9 3,6 100,0 EMBRATEL (1) 8,3 54,7 10,5 23,3 3,2 100,0 FONTE DOS DADOS BRUTOS: RELATÓRIOS TELECO. Telefonia celular no Brasil 2005. 2005a. Disponível em: http: www.teleco.com.br Acesso em: 2005. (1) Dado sobre a receita líquida. (2) LDN: longa distância nacional. (3) LDI: longa distância internacional. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005 120 Renato Antonio Dal Maso Tabela 2 Índice das tarifas de telefonia fixa local no Brasil — 1998/2005 CHAMADAS LOCAIS (horário normal) Assinatura residencial .......................... Assinatura não residencial .................... Assinatura-tronco ... Pulso local .............. Habilitação residencial .......................... Habilitação não residencial .................... Habilitação-tronco .. Ficha local .............. Mudança de endereço ........................ Tarifa rede de uso local TU-RL ............ TELEMAR (Setor 2-RJ) BRASIL TELECOM (Setor 29-RS) TELEFÔNICA (Setor 34-SP Capital) 1998 2000 2003 2005 1998 2000 2003 2005 1998 2000 2003 2005 100,0 118,6 134,0 121,7 100,0 118,6 133,6 121,4 100,0 118,6 133,2 121,0 100,0 100,0 100,0 123,1 123,1 95,7 158,7 119,0 88,4 144,2 108,1 80,3 100,0 100,0 100,0 109,1 98,9 102,6 123,7 92,8 92,7 111,9 75,0 84,2 100,0 100,0 100,0 123,1 123,1 94,9 152,2 114,1 88,6 138,3 103,7 80,6 100,0 52,5 30,0 20,2 100,0 52,5 45,3 25,0 100,0 57,4 54,6 42,5 100,0 100,0 100,0 52,5 87,5 70,0 30,0 49,9 63,0 20,2 33,7 64,2 100,0 100,0 100,0 52,5 87,5 70,0 45,3 75,5 67,7 25,0 41,6 ... 100,0 100,0 100,0 57,4 95,7 70,0 54,6 91,0 67,7 42,5 70,8 69,1 100,0 99,9 105,8 107,9 100,0 87,5 92,6 64,3 100,0 99,9 105,8 107,9 100,0 99,9 84,6 51,8 100,0 102,3 86,6 ... 100,0 94,9 80,3 49,2 FONTE DOS DADOS BRUTOS: ANATEL. NOTA: Valores deflacionados pelo IGP-DI médio anual entre maio/04 e abr./05 = 100. Tabela 3 Participação das operadoras na receita bruta dos serviços de longa distância internacional, no Brasil — 2001-04 (% sobre a receita total) OPERADORAS 2000 2001 2002 2003 2004 1,0 5,2 7,0 Telemar ................................... - - Brasil Telecom ........................ - - - 0,1 2,2 Telefônica ................................ - - 2,7 6,5 7,4 Embratel (1) ............................ 91,9 82,9 79,4 71,3 66,3 Intelig ....................................... 8,1 17,1 17,0 17,0 14,8 Outros (2) ................................ - - ... ... 2,3 TOTAL .................................... 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 FONTE DOS DADOS BRUTOS: ANATEL. FONTE DOS DADOS BRUTOS: RELATÓRIOS TELECO. Telefonia celular no Brasil 2005. 2005a. Disponível em: FONTE DOS DADOS BRUTOS: http: www.teleco.com.br Acesso em: 2005. FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL TELECOM. Relatório da anual da administração 1999-2004. Disponível em: FONTE DOS DADOS BRUTOS: http: www.brasiltelecom.com.br Acesso em: 2005. (1) Valores estimados. (2) Inclui as participações da Intelig Telecom, da CTBC, da Sercomtel, da GVT e da Vésper. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005 121 Telecomunicações: os resultados da política de competição Tabela 4 Valor das tarifas de longa distância internacional (LDI) cobradas pela Embratel no Brasil — 1997-05 VALOR (1) REDUÇÃO DAS TARIFAS (%) PAÍSES DE DESTINO 1997 1998 2000 2001 2003 Argentina ........................ 106,7 100,0 85,4 100,8 Estados Unidos ............... 106,7 100,0 85,4 100,8 Portugal .......................... 106,7 100,0 85,4 100,8 39,0 Países da Europa ........... 106,7 100,0 85,4 100,8 Países da África .............. 106,7 100,0 85,4 100,8 Países da Ásia ................ 106,7 100,0 85,4 100,8 Rio Grande do Sul para Uruguai ........................... 106,7 100,0 85,4 Amazonas para Colômbia 106,7 100,0 85,4 Santa Catarina para Argentina ............................ 106,7 100,0 85,4 2000 1998 2003 2000 2005 2004 2005 1998 2004 2005 54,1 47,5 28,3 14,6 36,6 40,3 71,7 34,6 30,3 23,5 14,6 59,5 22,6 76,5 34,2 30,5 14,6 54,4 10,8 69,5 58,7 45,7 37,9 14,6 31,3 17,1 62,1 69,2 36,1 32,4 14,6 19,0 10,1 67,6 69,2 36,1 32,4 14,6 19,0 10,1 67,6 100,8 38,7 29,5 22,6 14,6 54,7 23,5 77,4 100,8 38,1 29,1 22,2 14,6 55,4 23,5 77,8 100,8 38,7 29,5 22,6 14,6 54,7 23,5 77,4 LDI por DDI (2) LDI Regional por DDI (2) FONTE DOS DADOS BRUTOS: ANATEL. NOTA: Valores deflacionados pelo IGP-DI médio anual entre maio/04 e abr./05 = 100. (1) Valor em reais do minuto inicial normal. (2) DDI: discagem direta internacional. Tabela 5 Participação das operadoras na receita bruta dos serviços de longa distância nacional, no Brasil — 2001-04 (%) GRUPOS 2000 2001 2002 2003 2004 Telemar ................................................. 16,8 14,2 13,6 12,9 11,8 Brasil Telecom ...................................... 13,6 15,2 17,2 17,7 19,8 Telefônica .............................................. 19,2 21,1 22,7 27,4 29,8 Embratel (1) .......................................... 44,0 43,7 38,0 33,9 31,1 Outros (2) .............................................. 6,3 5,8 8,5 8,2 7,5 TOTAL .................................................. 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 FONTE DOS DADOS BRUTOS: RELATÓRIOS TELECO. Telefonia celular no Brasil 2005. 2005a. Disponível em: http: www.teleco.com.br Acesso em 2005. (1) Estimativa a partir da receita líquida. (2) Estimativa que inclui as participações de Intelig, CTBC, Sercomtel, GVT e Vésper. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005 122 Renato Antonio Dal Maso Tabela 6 Participação dos principais grupos nas telecomunicações do Brasil — 2004 e jun./05 (% de acessos) BRASIL (ano de 2004) GRUPOS Fixos JUNHO DE 2005 Região II Região I Celulares Total Receita Bruta Fixos Fixos e celulares Fixos 10,5 21,7 40,5 20,8 93,4 6,0 0,5 0,1 1,5 100,0 19,9 21,3 35,2 17,8 94,3 3,4 1,3 0,2 0,9 100,0 22,6 22,0 33,6 16,6 94,8 2,0 3,2 100,0 76,6 20,9 97,5 2,5 100,0 44,0 14,1 14,5 17,6 90,2 8,3 1,5 100,0 89,9 89,9 0,4 1,4 8,4 100,0 Telemar/Oi ........................... 35,2 Brasil Telecom /TIM (1) ....... 21,7 Telefônica/Vivo .................... 26,8 12,3 Embratel/Vésper/Claro ........ Subtotal .............................. 95,9 Telemig/Amazonas Celular CTBC Telecom .................... 1,7 0,3 Sercomtel ............................ 2,0 GVT ..................................... Demais espelhinhos ............ Outros .................................. TOTAL ................................ 100,0 Fixos e celulares 12,4 41,8 29,2 13,3 96,7 0,2 0,6 2,5 100,0 Região III Fixos Fixos e celulares 89,4 8,9 98,4 1,6 100,0 10,6 68,9 19,6 99,1 0,9 100,0 FONTE DOS DADOS BRUTOS: ANATEL. Relatório anual 2004. Disponível em: http: www.anatel.gov.br Acesso em: 2005. RELATÓRIOS TELECO. Telefonia celular no Brasil 2005. 2005a. Disponível em: http: www.teleco.com.br Acesso em: 2005. RELATÓRIOS TELECO. Telefonia fixa no Brasil 2005. 2005b. Disponível em: http: www.teleco.com.br Acesso em: 2005. (1) Inclui os acessos celulares da Brasil Telecom Celular. Tabela 7 Índice das tarifas das ligações de longa distância nacional (LDN) no Brasil — 1998-05 CHAMADAS LDN (horário normal) TELEMAR (Setor 2-RJ) 1998 BRASIL TELECOM (Setor 29-RS) TELEFÔNICA (Setor 31-SP Capital) 2000 2003 2005 1998 2000 2003 2005 1998 2000 2003 2005 96,4 55,3 51,5 100,0 103,6 113,3 102,5 100,0 106,2 87,4 81,3 D1 - < 50km ................... 100,0 114,3 140,0 110,4 100,0 114,3 119,0 99,7 100,0 106,3 110,5 91,2 D2 - > 50km e < 100km 100,0 114,3 140,0 113,9 100,0 114,3 119,0 99,8 100,0 101,8 105,8 87,4 D3 - > 100km e < 300km 100,0 100,8 111,6 96,9 100,0 114,3 93,6 78,4 100,0 93,1 96,8 79,9 D4 - > 300km ................. 100,0 114,3 112,4 86,0 100,0 102,7 82,1 66,7 100,0 93,1 84,0 73,0 92,8 ... 100,0 112,6 106,7 89,4 100,0 112,6 106,7 89,4 DC - Conurbada (1) ....... 100,0 TU-RIU por minuto ......... 100,0 97,9 FONTE DOS DADOS BRUTOS: ANATEL. NOTA: Valores deflacionados pelo IGP-DI médio anual entre maio/04 e abr./05 = 100. (1) São ligações locais feitas dentro da cidade ou entre cidades adjacentes que a Anatel estabeleceu que fossem consideradas locais. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005 Telecomunicações: os resultados da política de competição 4 - O oligopólio institucional na telefonia celular e o nivelamento das tarifas Igualmente foram decisivas, no cenário da telefonia celular, as seguintes medidas da política de competição: as empresas entrantes na freqüência da Banda B, a implantação do SMP, o Código de Seleção de Prestadora e a liberação para quatro operadoras em cada região. Desde meados de 1997, as empresas buscaram, com ousadia e agressividade, firmar posição nas áreas mais densas, através de planos de expansão arrojados para cobertura de rede, da oferta de planos de tarifas atrativos e de campanhas agressivas para diferenciar seus serviços. O segundo fato relevante foi a nova regulamentação para o Serviço Móvel Pessoal (Resolução nº 248/2000, da Anatel), substituindo o Serviço Móvel Celular. As autorizações do SMP passaram a ser não mais para as nove áreas do SMC, mas para as Regiões I, II e III. A medida autorizou novas entrantes para as freqüências das Bandas D e E em cada região e permitiu que as operadoras das Bandas A e B se adaptassem ao novo cenário. Esse rearranjo no modelo da telefonia celular promoveu uma corrida de fusões e aquisições e culminou com a adaptação de todas as empresas, obtendo autorização para atuar em todas as regiões. Vale lembrar que o impedimento das fusões e aquisições teria findado após cinco anos do início das operações. Os resultados do novo cenário foram os seguintes: a) a Vivo, controlada pela Telefônica, incorporou a Spice do Brasil na Região I (área 8), a Global Telecom, da japonesa DDI, na Região II (área 5) e associou-se a Portugal Telecom na Região III; b) a Claro (ou Telecom Américas) é controlada pela mexicana Telmex. Na Região I, incorporou a Algar, da norte-americana Southwesther Bell (área 3), e a BSE, da norte-americana Bell South/ /Bombshell e do Banco Safra (área 10); na Região II, incorporou a Telet, das canadenses Bell Canadá e Telesystem Wireless (área 6); na Região I, incorporou a BCP, da norte-americana Bell South e do Banco Safra (área 1) e a Tess S/A, da operadora sueca Telia Overseas (área 2); adaptou-se ao SMP, adquirindo autorização para operar a Banda E nas áreas 4 e 9; e, atualmente, está associada à Embratel e à Vésper; 123 c) a TIM é controlada pela Telecom Itália Móbile, que detém o controle da Brasil Telecom (telefonia fixa). Na Região I, adquiriu autorização para a Banda E (áreas 3 e 8), bem como para a Banda D nas Regiões II (áreas 6 e 7) e III (áreas 1 e 2); d) a Oi é controlada pela Telemar e foi uma entrante da Banda D em 2002; e) a Brasil Telecom Celular é controlada pela Brasil Telecom e passou a operar serviços na Banda D, na Região II, em setembro de 2004. Nesse caso, existe propriedade cruzada irregular da Telecom Itália, controladora da TIM, que também opera na Região II, e, indiretamente, também da Brasil Telecom Celular, através da participação acionária na Brasil Telecom. Essa irregularidade será objeto de decisão da Anatel. No essencial, os resultados da política, sem dúvida, foram significativos: primeiro, porque acirraram a disputa no plano regional; segundo, porque promoveram a concentração de capitais em grandes grupos, ampliando o jogo competitivo para o plano nacional. Na verdade, trata-se de uma medida de ajuste do modelo que atendeu aos interesses dos agentes, particularmente para consolidar suas estratégias de prover multisserviços em todas as regiões (Quadro 2). O rearranjo do modelo e seus resultados na formação de quatro grandes grupos certamente configurou uma escala e uma estrutura empresarial adequadas ao fortalecimento da liderança no novo cenário competitivo. No que se refere aos indicadores quantitativos, a distribuição dos acessos celulares entre as operadoras reafirma a liderança do grupo Telefônica/Vivo em todo o Brasil. O Grupo operou 44,8% dos acessos totais em 2003 e 36,5% dos mesmos em agosto de 2005. Ele predomina nas Regiões II e III, onde controla em torno de 53% dos acessos. A TIM detém a segunda posição no ranking e explora 22,8% dos acessos celulares. Seu desempenho é significativo, dizendo-se a única operadora que atua em todos os estados brasileiros. A Claro é a terceira no ranking, controlando 21,7% dos acessos, localizados principalmente nas Regiões II e III. A Oi tem uma fatia do mercado nacional de 11,1% dos acessos e lidera na Região I. As demais empresas controlam menos de 7% dos celulares totais, exceto a participação do grupo Opportunity na Região I, que é de 13,0% (Tabela 8). Portanto, os ganhos da política vieram com as altas taxas de adesão e mobilidade dos usuários a partir de 1999, especialmente quando os planos de acessos pré-pagos passaram a ser o carro-chefe da expansão dos celulares. A oferta de acessos e o número de usuários tiveram crescimento explosivo de 32,9% em 2003 e de Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005 124 41,5% em 2004. Porém a competição pesada ocorre na fração de mercado dos usuários de planos pós-pagos, cujos usuários são empresas e as classes de renda A e B, que propiciam receita média por acesso mais elevada. Essa fração encontrava-se estagnada num montante de 9,8 milhões de usuários até 2002 e expandiu-se para 12,8 milhões em 2004. Atualmente, eles representam em torno de 17% dos acessos. O crescimento recente foi o resultado das campanhas focadas para aumentar a receita média desses planos, diferençando os serviços através de qualidades fictícias, tecnológicas, ofertas de planos de tarifas, disponibilizando outros serviços e o baixo custo do aparelho celular, “objeto de desejo” fascinante, contendo multifunções (som, imagem, dados, internet, hora, despertar, avisos, rádio, jogos, câmera fotográfica, etc.). Os acessos com planos pré-pagos atraíram milhões de usuários. Representavam 59% dos usuários ou 13,6 milhões de acessos em 2000 e ampliaram-se para 52,8 milhões de usuários, que representam 83,4% dos acessos em 2004. Esse fato singular explica a grande expansão da telefonia celular, tendo em vista a alta participação dos pré-pagos em todas as operadoras (Tabela 8). Os usuários dos pré-pagos desejavam ter controle dos gastos com ligações mensais. Por isso, os planos adequaram-se à renda disponível ao acesso e uso dos serviços. Trata-se de usuários que pouco originam chamadas ou fazem ligações rápidas, porém potencializam a utilização das redes, recebendo ligações e torpedos. O interesse das empresas em ofertar esses planos está nas receitas significativas que geram via tarifa de interconexão, denominada Valor de Uso da rede Móvel (VU-M), pois ela remunera a rede de uma prestadora móvel, quando a ligação iniciada de um telefone da prestadora fixa é terminada no celular. Ou seja, na área da operadora, a regra é: quem liga paga. Portanto, a explosão dos planos pré-pagos protagoniza uma guinada na tendência da telefonia em geral, determinada por duas condições principais: a grande capilaridade das redes celular e fixa e a necessidade dos usuários em controlar gastos. A grande capilaridade da rede, atualmente, sustenta a expansão e o sucesso dos pré-pagos. A principal barreira que limita a competição entre os acessos pré-pagos e os fixos está no grande diferencial das tarifas desses, em torno de R$ 0,90 o minuto e de R$ 0,105 por pulso de quatro minutos normais respectivamente. Como os usuários e as famílias resolvem esse ônus preferindo o celular pré-pago? Controlam gastos, ajustando-os à sua renda e às suas necessidades. Assim, esse “objeto de desejo” preferido Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005 Renato Antonio Dal Maso passou a gerar um serviço substituto mais eficiente e rival da telefonia fixa local. Trata-se de uma nova rivalidade impulsionada pelas firmas multisserviços e pela competição ampliada para o plano nacional. Os grandes grupos marcam presença em todas as regiões, controlando parte expressiva dos acessos celulares, especialmente os pré-pagos (Tabela 8). Os impactos da política sobre as tarifas celulares foram expressivos. Para dimensioná-los, selecionaram-se indicadores das tarifas para chamadas locais (VC-1), chamadas para fora de sua área de registro (VC2) e chamadas de fora da área de concessões (VC3). Uma observação geral é que as tarifas praticadas por cada grupo não foram similares, mas distintas em cada estado. Porém apresentaram a mesma tendência de queda no período. Por isso, elegeu-se São Paulo (interior), por ser um mercado muito competitivo, para mostrar a evolução dos preços por prestadora (Tabelas 9) e a evolução da tarifa média em alguns estados representativos (Tabela 10). A tarifa VC3 sofreu a maior redução por todas as operadoras. A Vivo e a Claro diminuíram-na num montante superior a 50% em termos reais, e a TIM (SP), em torno de 20%. Basicamente, essa queda foi o resultado do impacto da medida que permitiu aos usuários escolherem a operadora de sua preferência para as chamadas de LDN (VC3). A tarifa VC2 sofreu redução próxima de 40% reais aplicada pela Vivo e pela Claro e de 20% aplicados pela TIM. O maior impacto ocorreu nas tarifas médias cobradas em São Paulo (interior), conforme revelam os dados da Tabela 10. No caso das chamadas locais (VC1), ocorreu um nivelamento das tarifas em todos os estados, algumas tendo elevação, outras, redução. Ou seja, as operadoras Vivo e Claro reduziram significativamente suas tarifas, como resultado da entrada de novas operadoras. Porém a tendência é se tornarem niveladas. Os agentes oligopolistas evitam competir por tarifas. Sempre preferem buscar vantagens através da diferenciação dos serviços. Em suma, em 2003 e 2004, a explosão dos pré-pagos e as receitas de interconexão atrativas passaram a ser fatores dinâmicos que tiraram da estagnação as prestadoras. O efeito da política de competição já cumpriu sua missão, e a tendência será o nivelamento ou a prática de tarifas similares. O rearranjo do cenário da telefonia celular foi ao encontro dos interesses dos grandes grupos, ao consolidar empresas operadoras de multisserviços, concentrando capital e configurando a liderança de firmas dominantes. 125 Telecomunicações: os resultados da política de competição Tabela 8 Participação das operadoras no total de acessos celulares do Brasil — 2003-05 (% de acessos) 2005 OPERADORAS BANDAS Vivo ....................... 2003 PRÉ-PAGOS 2004 Região I Região II Região III Total 2003 2004 76,6 80,0 A, B 44,8 40,5 23,0 48,0 51,0 36,5 TIM ........................ A, B, D, E Claro ...................... B, D, E Oi ........................... D 18,0 20,7 24,0 22,0 20,0 22,8 - 76,0 20,6 8,4 20,8 10,5 16,0 24,0 23,0 - 29,0 - 21,7 11,1 81,3 83,0 82,4 86,1 Telemig/Amazonas Celular ................... Brasil Telecom ...... A E 7,3 - 6,0 0,9 13,0 - 6,0 - 5,4 2,1 70,1 - 73,0 66,9 TBC Telecom ........ Sercomtel Celular A A 0,7 0,2 0,52 0,14 100,0 0,4 0,1 100,0 - 100,0 100,0 - TOTAL .................. 100,0 Total de acessos (1 000) ................... A, B, D, E 46 373 1,0 100,0 76,2 80,5 65 605 33 675 22 881 18 962 78 947 35 336 52 812 FONTE DOS DADOS BRUTOS: ANATEL. Relatório anual 2004. Disponível em: http: www.anatel.gov.br Acesso em: 2005. RELATÓRIOS TELECO. Telefonia Celular no Brasil 2005. 2005a. Disponível em: http: www.teleco.com.br Acesso em: 2005. Tabela 9 Tarifas das operadoras da telefonia celular em São Paulo (interior) — 1997/05 (R$ do minuto normal) VC-2 (2) VC-1 (1) VC-3 (3) ANOS Vivo CTBC Claro 1997 0,648 0,672 - 1998 0,607 0,630 1999 0,653 0,661 2000 0,628 2001 2002 TIM Vivo CTBC Claro TIM Vivo CTBC Claro TIM - 1,392 1,392 - - 1,584 1,584 - - 0,562 - 1,304 1,304 1,102 - 1,484 1,484 1,327 - 0,637 - 1,402 1,369 1,258 - 1,596 1,558 1,515 - 0,636 0,613 - 1,349 1,317 1,210 - 1,535 1,499 1,457 - 0,560 0,567 0,547 - 1,204 1,176 1,080 - 1,370 1,338 1,300 - 0,562 0,562 0,562 - 1,214 1,176 1,110 - 1,381 1,338 1,337 - 2003 2004 0,588 0,552 0,588 0,552 0,588 0,552 0,597 0,645 0,765 0,717 0,765 0,717 0,765 0,717 0,597 0,645 0,629 0,717 0,629 0,717 0,629 0,717 0,735 0,645 2005 0,536 0,536 0,542 0,650 0,697 0,697 0,704 0,650 0,697 0,697 0,704 0,650 FONTE DOS DADOS BRUTOS: ANATEL. Relatório anual 2004. Disponível em: http: www.anatel.gov.br Acesso em: 2005. NOTA: Tarifas reais corrigidas pelo IGP-DI, média anual de maio/04 a abr./05 = 100. (1) VC1: valor da comunicação das chamadas locais de celular. (2) VC2: chamada celular da área de registro. (3) VC3: chamada celular para fora da área de concessão. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005 126 Renato Antonio Dal Maso Tabela 10 Tarifas médias praticadas na telefonia celular — 1997/05 (R$ do minuto normal) ANOS RIO DE JANEIRO (Vivo, Claro, TIM e Oi) SP-INTERIOR (Vivo, Claro, TIM e CTBC) RIO GRANDE DO SUL (Vivo, Claro, TIM e Brasil Telecom) BAHIA (Vivo, Claro, Oi e TIM) VC-1 (1) VC-2 (2) VC3 (3) VC-1 (1) VC-2 (2) VC3 (3) VC-1(1) VC-2 (2) VC3 (3) VC-1(1) VC-2 (2) VC3 (3) 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 0,67 0,56 0,59 0,57 0,51 0,53 0,57 0,57 0,53 1,39 0,90 0,94 0,91 0,81 0,83 0,66 0,65 0,61 1,38 1,47 1,41 1,26 1,33 0,66 0,65 0,61 0,66 0,60 0,65 0,63 0,56 0,56 0,59 0,57 0,57 1,39 1,24 1,34 1,29 1,15 1,17 0,72 0,70 0,69 1,58 1,43 1,56 1,50 1,34 1,35 0,66 0,70 0,69 0,60 0,64 0,62 0,55 0,54 0,56 0,54 0,57 1,39 1,02 1,10 1,06 0,94 0,94 0,71 0,67 0,65 1,58 1,47 1,58 1,52 1,36 1,36 0,71 0,67 0,65 0,62 0,55 0,59 0,56 0,53 0,56 0,62 0,55 0,55 1,39 1,23 1,32 1,14 1,09 1,13 0,76 0,68 0,67 1,58 1,39 1,51 1,30 1,24 1,29 0,76 0,68 0,67 FONTE DOS DADOS BRUTOS: ANATEL. Relatório anual 2004. Disponível em: http: www.anatel.gov.br Acesso em: 2005. NOTA: Tarifas reais corrigidas pelo IGP-DI, média anual de jun.-maio, base maio/05 = 100. (1) VC1: valor da comunicação das chamadas locais celular. (2) VC2: chamada celular da área de registro. (3) VC3: chamada celular para fora da área de concessão. 5 - Observações finais A política de telecomunicações do Governo Federal, a partir de 1997, buscou implantar um regime competitivo sem limite de prestadoras de serviços nas regiões, o qual, por suposto, criaria um cenário de “plena competição” até 2003. A competição é uma realidade visível em algumas modalidades, como na telefonia celular, na LDN inter-regional e na LDI; noutras, revelou-se muito restrita, como na telefonia local e na LDN intra-regional. Nestas últimas, concentram-se as maiores fontes de receitas, conforme Tabela 1. A análise destacou que o jogo competitivo ocorreu no plano regional, onde duas assimetrias basicamente asseguraram liderança das empresas dominantes, que são o controle das redes e dos acessos telefônicos. As originárias Telemar, Brasil Telecom, Telefônica e Embratel reafirmaram o domínio dos mercados regionais, controlando as redes e os acessos fixos, bem como os celulares, através de suas respectivas operadoras Oi, TIM, Vivo e Claro. A formação dos quatro grandes grupos foi decisiva para consolidar empresas multisserviços convergentes das telecomunicações. Fala-se muito em competição equilibrada entre os grupos, sugerindo a presença da plena competição. Porém os indicadores analisados sugerem outra leitura, Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005 que é a liderança de firmas dominantes em cada região, formando quatro grandes grupos empresariais. Certamente, a telefonia celular é uma exceção, devido às suas características, que possibilitam maior diferenciação dos serviços e maior mobilidade dos usuários, e por desfrutar das tecnologias de última geração. O rearranjo do modelo e do cenário competitivo, combinado com o processo de fusões e aquisições, promoveu a concentração de capitais em quatro grandes grupos e projetou a competição para o plano nacional, inclusive uma nova forma de competição entre os planos do celular pré-pago com os serviços de telefonia fixa local, apesar do grande diferencial nas tarifas cobradas. Em relação às tarifas, a análise dos dados permite afirmar, primeiro, a tendência de queda e, segundo, de nivelamento com as das concorrentes. Esse fato sugere que a prática de redução das tarifas tenha se esgotado. A disputa via tarifas, sendo destrutiva, faz com que os grupos a evitem, preferindo rivalizar pela diferenciação dos serviços, pelas inovações e pela oferta de novos serviços. Telecomunicações: os resultados da política de competição 127 Referências ANATEL. Relatório anual. 2004. Disponível em: http: www.anatel.gov.br Acesso em: 2005. BRASIL. Ministério das Comunicações. Lei específica n° 9.295, de 17.07.1996. Brasília: O Ministério, 1996. BRASIL. Ministério das Comunicações. Lei geral de telecomunicações nº 9.472/97. Brasília: O Ministério, 1997. BRASIL. TELECOM. Relatório anual da administração 1999-2004. Disponível em: http: www.brasiltelecom.com.br Acesso em: 2005. DALMAZO, Renato. As mediações cruciais das mudanças político-institucionais nas telecomunicanicações do Brasil. Porto Alegre: FEE, 2002. (Teses FEE, n. 2). EMBRATEL. Relatório anual da administração 2000/ /2004. Disponível em: http: www.embratel.com.br Acesso em: 2005. FREDRICI FILHO, Roberto F. Regulamentação e competição na telefonia fixa no Brasil. Disponível em: http: www.teleco.com.br Acesso em: 09 ago. 2004. MELCHIOR, Silvia Regina B. 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FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005 Renato Antonio Dal Maso 129 A ineficácia dos programas públicos pró-pobres: o caso do Programa Bolsa-Família A ineficácia dos programas públicos pró-pobres: o caso do Programa Bolsa-Família Régis Rathmann* Graduado da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Resumo A intenção, neste artigo, é apresentar-se a problemática atual do Programa Bolsa-Família, relacionada ao relatório do Banco Mundial de 2004 (WDR 2004), em consonância com os dados atuais dos gastos com o Programa e com suas fontes de financiamento. Tem-se como objetivo verificar se as normas de regulação estão sendo seguidas, quais os impactos reais dessa entrada de dinheiro na economia e como a teoria trata a eficácia desses programas de redistribuição de renda. Para isso, utilizam-se pesquisas nos atos normativos de institucionalização do Programa, de dados do lado real da economia e pesquisa de teorias da economia do setor público. Conclui-se que existe uma falta de interação entre os poderes, ou seja, uma total inexistência de "accountability", além do fato de que o Programa não conseguiu, até hoje, atingir seu principal objetivo: distribuir renda. Palavras-chave: setor público; programa social; distribuição de renda. Abstract The intention of this article is to present problematic current of the Programa Bolsa-Família, related to the report of the World Bank of 2004 (WDR 2004), in accord to the current data of the expenses with the program and its sources of financing. We have as objective to verify if the regulation norms are being followed, which the real impacts in the economy of this money entrance and as the theory deals with the effectiveness these programs of income redistribution.For this in we will use them of research to the normative acts of institutionalization of the program, data of the real side of the economy and searches to the theories of the economy of the public sector. Concludes that a lack of interaction between exists being able them, or either, one total inexistence of "accountability", beyond the fact that the program did not obtain today until reaching its main objective; to distribute income. Artigo recebido em 03 out. 2005. *E-mail: [email protected] Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 129-136, dez. 2005 130 1 - Introdução Nos últimos meses, foram amplamente divulgadas pela imprensa as distorções ocorridas no acesso ao Bolsa-Família, o qual é um programa de auxílio, do Governo Federal brasileiro, que surgiu com a missão de unificar os antigos benefícios, ainda não extintos: Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Cartão-Alimentação e Auxílio-Gás. O Bolsa-Família visa atingir aquelas famílias com renda de até R$ 100,00 per capita mensais; portanto, é um programa que visa à transferência de renda à população, procurando, através disso, diminuir as mazelas sociais. Esses programas também vêm ganhando espaço na agenda mundial, demonstrando o reconhecimento das nações de que o sistema capitalista de produção distribui a renda de forma altamente desigual (Galbraith, 1998). Daí decorre, atualmente, a defesa desses programas por um grande número de economistas (apesar de seus objetivos políticos divergentes), sejam ligados à corrente heterodoxa, sejam à ortodoxa, estando entre eles: Frederick Hayek, Milton Friedman, Mario Henrique Simonsen, Paul Singer e Eduardo Suplicy (Suplicy, 1993). Os mecanismos para a obtenção do benefício no Brasil agregam, dentre outros fatores, o fato de que "se obriga", para a obtenção do benefício, o acesso de uma grande massa de crianças à educação, assim como requerem a adesão total das crianças da família beneficiada aos programas de vacinação. Isso possui lógica econômica, pois, supostamente, levaria, por um lado, à "qualificação" de uma futura massa de trabalhadores e, por outro, enquanto na lógica da medicina preventiva, diminuiria gastos com saúde pública "curativa", que nada mais é do que aquela que visa evitar a doença e não as curar após seu surgimento. Como o cadastramento é de responsabilidade das prefeituras, começaram a surgir distorções, advindas de "interesses políticos", de "beneficiamento ilícito" e/ou de falhas institucionais intrínsecas ao processo. Esses tipos de benefícios, em muitos casos, acabam por não atender àquelas famílias necessitadas, demonstrando uma ineficácia distributiva, pois os mesmos terminam, algumas vezes, privilegiando as classes médias, o que acaba levando a uma concentração maior da renda. Portanto, a intenção, neste estudo, é apresentar possíveis soluções à atual problemática da gestão de políticas públicas do Governo Federal brasileiro — no caso, o Programa Bolsa-Família — em consonância com o World Development Report 2004 (World..., 2004), do Banco Mundial, o qual apresenta amplamente a necessiIndic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 129-136, dez. 2005 Régis Rathmann dade de accountability para a superação das ineficiências de gestão governamental, porém sem deixar de apresentar antes tanto as atribuições do Programa quanto as conclusões do citado relatório. O termo acima referido significa, literalmente, que é preciso haver uma comunicação interativa dos mais diversos agentes públicos com a sociedade, assim como uma total prestação de contas e uma avaliação acerca da qualidade dos serviços públicos prestados (World..., 2004). Além disso, busca-se efetuar tanto o levantamento dos gastos atuais com o dito programa, quanto identificar questões acerca das fontes de financiamento do mesmo. Também se tem a intenção de demonstrar, no final, possíveis soluções para a eficácia do Programa, baseadas tanto na interpretação do referencial teórico utilizado quanto nas conclusões propostas no relatório do Banco Mundial. 2 - O Programa Bolsa-Família e suas atribuições Criado através da Lei nº 10.836, de 09 de janeiro de 2004, o Programa é destinado às ações de transferência de renda com condicionalidades, tendo por finalidade a unificação dos procedimentos de gestão e execução das ações de transferência de renda do Governo Federal, especialmente do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação, o Bolsa-Escola; do Programa Nacional de Acesso à Alimentação (PNAA); do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Saúde, o Bolsa-Alimentação; e do Programa Auxílio-Gás (BRASIL, 2004). As finalidades dos mesmos são: - benefício básico - destinado a unidades familiares que se encontrem em situação de extrema pobreza; - benefício variável - destinado a unidades familiares que se encontrem em situação de pobreza ou de extrema pobreza e que tenham em sua composição gestantes, nutrizes, crianças entre zero e 12 anos ou adolescentes de até 15 anos de idade. Ademais, são seus objetivos: a) promover o acesso à rede de serviços públicos, em especial, de saúde, educação e assistência social; b) combater a fome e promover a segurança alimentar e nutricional; 131 A ineficácia dos programas públicos pró-pobres: o caso do Programa Bolsa-Família c) estimular a emancipação sustentada das famílias que vivem em situação de pobreza ou de extrema pobreza; d) combater a pobreza; e e) promover a intersetorialidade, a complementaridade e a sinergia das ações sociais do poder público (BRASIL, 2004). O valor mensal dos benefícios pode variar de R$ 50,00 para famílias com renda per capita de até R$ 50,00, assim como de R$ 15,00 por beneficiário, até o limite de R$ 45,00, para famílias com renda per capita de até R$ 100,00, devendo ser concedido, através de depósito, em dinheiro, em uma conta corrente previamente cadastrada junto ao sistema bancário público. Cabe à Caixa Econômica Federal (CEF) a emissão dos cartões magnéticos, a serem confeccionados com base no cadastro efetuado pelas prefeituras municipais, devendo o crédito dos valores acima referidos ser efetuado em conta bancária, preferencialmente à mulher. Ao analisar-se a finalidade do Programa, observam-se semelhanças com o Programa de Garantia de Renda Minima (PGRM), defendido, dentre outros, por Hayek, que tem como objetivo a distribuição de renda à sociedade sob a forma de papel moeda e não através de cestas básicas, remédios e outros serviços, o que, segundo o autor, levaria ao uso da renda segundo a preferência de cada um (Hayek apud Suplicy, 1993). 3 - A execução do Programa Bolsa-Família e suas distorções A lei que criou o Programa condiciona o mantenimento do benefício a periódicas avaliações, sendo elas: - exame pré-natal; - acompanhamento nutricional; - acompanhamento de saúde; - freqüência escolar de 85% em estabelecimento de ensino regular. Os administradores públicos responsáveis pelo controle do Programa (prefeituras) apontam que não conseguem efetuar a fiscalização acerca dos itens acima, alegando, preponderantemente, que têm carência de funcionários para a sua execução (Clicnotícias, 2004). Porém existem distorções que são originadas pela própria forma como é concebido o Programa, sendo um exemplo a forma como é feito o cadastramento, no caso, declaratório. Este se baseia em informações prestadas pelas pessoas que desejam obter acesso ao serviço, onde o declarante informa quanto aufere em renda mensalmente, munido da cópia de seu RG e acompanhado de uma testemunha. Assim sendo, colocam-se inúmeros problemas: - impossibilidade de conferência da renda de trabalho informal, a qual leva a que sejam aceitas as informações na íntegra; - defasagem de informações, o que conduz a que beneficiários com renda recebam o beneficio, ou seja, quando efetuou o cadastro estava desempregado, porém depois arrumou emprego e continuou recebendo o beneficio; - famílias com alunos em estado de evasão escolar continuam recebendo o beneficio, ou seja, na ocasião do cadastro, estavam estudando, porém, após, deixaram de freqüentar a escola. Todos os problemas acima são apontados pelos próprios funcionários responsáveis pelo cadastramento no Programa. Entretanto os mesmos alegam que, em função do baixo contingente de funcionários, não conseguem efetuar a fiscalização satisfatoriamente (Clicnotícias, 2004). 4 - O Programa Bolsa-Família em números O resumo demonstrativo do Bolsa-Família por unidade da Federação, para o mês de referência março de 2005, mostra uma participação de 99,50% de municípios brasileiros recebendo o beneficio, sendo que a participação não atinge 100% somente nos Estados de Goiás, Pernambuco, Piauí, Rondônia, São Paulo e Tocantins. O número de famílias atendidas foi de 6.562.155, e receberam um montante de R$ 430.198.315,00 no mês citado, sendo o valor médio por beneficio R$ 65,56 (BRASIL, 2004). Cabe ressaltar que esses valores se referem unicamente ao Bolsa-Família, tendo sido destinado aos demais benefícios: R$ 61.131.660,00 (Bolsa-Escola); R$ 887.775,00 (Bolsa-Alimentação); R$ 5.267.850,00 (Cartão-Alimentação); e R$ 76.842.705,00 (Auxilio-Gás). Então, o total de "gastos" do Governo com benefícios de distribuição de renda totalizaram, para o mês de março de 2005, R$ 574.628.305,00. Assim, ao se avaliarem os valores acima de forma agregada, pode-se chegar às seguintes conclusões: Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 129-136, dez. 2005 132 a) o gasto projetado com o Programa Bolsa-Família para o ano de 2005 (R$ 5.162.379.780,00) é de 0,003% em relação ao PIB total de 2004; b) o gasto projetado com o Programa Bolsa-Família atinge, aproximadamente, 5% do total do gasto público com o pagamento dos juros da dívida interna (JURO..., 2005); c) o Programa Bolsa-Família atinge em torno de 10% da população total do Brasil, enquanto os juros da divida interna são pagos a 4% da população total; d) a parcela de renda apropriada pelos 10% mais ricos 1 em 2002 era de 47,02% (valores percentuais da renda total), valor quase idêntico ao de 1994, que era de 47,85% (Pesq. Nac. Amost. Domic., 2002); e) a parcela de renda apropriada pelos 50% mais pobres 2 em 2002 era de 12,98% (valores percentuais da renda total), valor praticamente idêntico ao de 1994, que era de 12,35% (Pesq. Nac. Amost. Domic., 2002). A análise preliminar desses números aponta a conclusão de que a distribuição de renda no País continua, em níveis percentuais, semelhante na última década. Uma das causadoras dessa situação, dentre outras, foram as altas taxas de juros no período 1994-04, o que levou a que o montante dos juros pagos da dívida interna pelo Governo fosse cada vez maior, os quais são, sabidamente, destinados a uma pequena parcela da população, que é detentora de títulos da dívida pública, no caso, aquela situada na parcela dos 10% mais ricos da população. Ademais, no que tange às fontes de financiamento, cabe ressaltar-se que os juros da dívida interna são pagos sem "(...) restrições orçamentárias, ou seja, se o caixa do governo não é suficiente para pagar todos os encargos da dívida, o governo pode tomar empréstimos (através da emissão de mais títulos), opção que não existe para gastos sociais" (JURO..., 2005). Entretanto o Governo brasileiro, atualmente, encontrou uma nova forma de financiar seus gastos sociais. Recentemente, conforme inúmeras publicações na 1 Série baseada na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE. É a proporção da renda apropriada pelos indivíduos pertencentes aos 10% mais ricos da distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita. 2 Série baseada na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE. É a proporção da renda apropriada pelos indivíduos pertencentes aos 50% mais pobres da distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 129-136, dez. 2005 Régis Rathmann imprensa, o País obteve empréstimo, junto ao Banco Mundial, de US$ 572 milhões (aproximadamente R$ 1.372.000.000,00, o que representa 25% do total necessário para financiar o Bolsa-Família no ano de 2005). Tal empréstimo é reflexo da concordância da instituição com as políticas econômico-sociais adotadas no Brasil e tem como foco, segundo o próprio Banco, "(...) a consolidação dos quatro principais programas de transferência condicional de renda (Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Cartão-Alimentação e Auxílio-Gás) e o aprimoramento da arquitetura básica do Programa Bolsa Família" (World..., 2005). Aqui cabe um questionamento, que tem como base o fundamento econômico da distribuição de renda, sob o qual está embasado, conforme citado anteriormente, o arcabouço teórico dos programas de redistribuição de renda. O País gerou renda para distribuir? Essa pergunta torna-se fundamental, pois o valor obtido junto ao Banco Mundial foi repassado como empréstimo; logo, dando a idéia de que essa renda já existia para ser distribuída, pois assim haveria como pagar o valor emprestado. Fundamentalmente, fruto de uma política econômica que não beneficia a desconcentração de renda, pois "privilegia" a esfera financeira ao invés do circuito produtivo, vem ocorrendo uma não-absorção de níveis crescentes de trabalhadores desempregados. Decorrente dessa conjuntura, observa-se, no Gráfico 1, que o rendimento real médio do trabalhador, entre dezembro de 2004 e março de 2005, caiu de R$ 1.159,95 para R$ 948,83. Ainda se analisando o período de um ano, que compreende março de 2004 a março de 2005, verifica-se que não houve qualquer acréscimo na renda real média, o que comprova uma estagnação em níveis de renda. Em especial os jovens recém-chegados ao mercado de trabalho são os mais atingidos, por não encontrarem alocação para a sua força de trabalho, o que implica que estes, em conjunção com o restante da massa de desempregados, procurem formas alternativas de obterem seu sustento e o de suas famílias. Isso leva a que esse contingente de pessoas fora da produção, ou ligados à mesma precariamente, sejam os depositários do Programa Bolsa-Família. 133 A ineficácia dos programas públicos pró-pobres: o caso do Programa Bolsa-Família Gráfico 1 Rendimento real médio efetivo das pessoas ocupadas no Brasil — set./01-mar./05 (R$) 1 400,00 1 159,95 1 200,00 1 000,00 948,83 800,00 600,00 400,00 200,00 Mar./05 Jan./05 Nov./04 Set./04 Jul./04 Maio/04 Mar./04 Jan./04 Nov./03 Set./03 Jul./03 Maio/03 Mar./03 Jan./03 Nov./02 Set./02 Jul./02 Maio/02 Mar./02 Jan./02 Nov./01 Set./01 0,00 FONTE: www.bcb.gov.br Acesso em mar. 2005. 5 - Apresentando o Relatório de Desenvolvimento do Mundo do Banco Mundial (WDR 2004) Em suma, o relatório elaborado pelo Banco Mundial para 2004 procura demonstrar, utilizando-se de amplos exemplos empíricos, como se dá atualmente o acesso por parte da população, em nível mundial, aos serviços básicos de responsabilidade do Estado, como saúde, educação, saneamento, eletricidade e água. Introduz o termo accountability como a solução principal dos problemas atuais, o qual será apresentado posteriormente (World..., 2004). Mesmo sabendo ser o foco deste trabalho o Brasil, e mais especificamente o Programa Bolsa-Família, não se podem deixar de lado as conclusões principais do Relatório, pois as mesmas são totalmente factíveis na realidade brasileira. Uma das principais conclusões desse relatório é que o crescimento econômico não necessariamente é revertido em benefício aos pobres, pois os gastos em saúde e educação, assim como os gastos em geral, favorecem muito mais os ricos. Essas distorções são apontadas também pelas Metas do Milênio (World..., 2004), as quais apontam que somente a pobreza "está a caminho" de diminuir, porém devido a um único país- -potencial: a China. No que tange a esta última informação, cabe citar que tais dados demonstram-se "enganadores", pois 100 milhões de pessoas passaram a ganhar, apenas, mais de um dólar por dia (antes ganhavam menos de US$ 1), o que não garante o atendimento, tampouco, às necessidades básicas das pessoas. Os recursos não atingem, muitas vezes, a camada mais pobre da população por alguns fatores, conforme o Relatório: - acesso longínquo à saúde e à educação (benefício ao rico), o que leva à exclusão ao serviço por falta de condições de deslocamento da população pobre; - "patronagem" e "clientelismo" na prestação do serviço público; - serviços disfuncionais (médicos não aceitam ir para locais onde há miséria); - estrutura da prestação do serviço público disfuncional (por exemplo, falta de hospitais públicos em vilas, atendimento público centralizado em regiões centrais, distantes da periferia); - distância social entre provedores e clientes; - baixo nível técnico dos prestadores do serviço público; - falta de incentivo ao servidor público. Assim, o relatório apresenta como solução-chave para o funcionamento do serviço público a relação interativa entre policy makers, funcionalismo e população, que nada mais é do que a tradução correta do termo Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 129-136, dez. 2005 134 accountability, ou seja, precisa haver uma comunicação interativa entre esses agentes, assim como uma total prestação de contas e uma avaliação acerca da qualidade do serviço público (World..., 2004). 6 - Conclusões Avaliando-se o Programa Bolsa-Família do Governo Federal em conjunto com a leitura do WDR 2004, não há como deixar de evidenciar semelhanças. Existe uma total dependência desse programa da interação entre o Poder Central e as prefeituras municipais, na medida em que o cadastramento e a fiscalização são de inteira responsabilidade municipal. Assim sendo, coloca-se a seguinte problemática: por que a eficácia do Programa vem sendo atualmente discutida pela imprensa e pela opinião pública e também porque não tem gerado ganhos reais de renda para os trabalhadores? Fica muito claro, pelos depoimentos dos funcionários públicos, que existe uma falta de interação entre os poderes, ou seja, uma total inexistência de accountability, até mesmo porque a população fica à margem da discussão, resignando-se à exclusão do Programa, o qual deveria ser o mais abrangente possível. Ainda, muitas vezes, pessoas sem necessidade têm acesso ao Programa, caracterizando uma ineficácia na distribuição do gasto público. Isso corrobora a opinião de Gough (1975), o qual enfatiza que os programas sociais de distribuição de renda não têm como seu objeto a redução da desigualdade social e tampouco conseguem redistribuir renda, o que de fato se verifica na exposição gráfica colocada neste trabalho, a qual comprova que o Programa não conseguiu, até hoje, atingir seu principal objetivo: distribuir renda. Ademais, o autor vê esses programas como uma ampliação da responsabilidade do Estado em relação aos custos da reprodução da força do trabalho, seja como formas de controle, seja de diminuição dos graus explosivos de luta de classe (Gough, 1975). Possíveis soluções para o aumento da eficácia do Programa passam pela necessidade de que sejam ouvidos os responsáveis pela "ponta" do Programa, isto é, aqueles que verificam, in loco, as distorções, no caso os agentes públicos lotados em prefeituras municipais. Abaixo, apontam-se algumas sugestões para a correção do rumo do Programa, porém reconhece-se que, para que as mesmas tenham sucesso, deva existir uma abertura do poder público à avaliação da população, a qual sabe analisar as distorções e os problemas com os quais se depara diariamente: Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 129-136, dez. 2005 Régis Rathmann - inclusão e conferência dos dados cadastrais em conjunto com o Censo do IBGE; - inclusão de campos específicos na Declaração Anual de Isento da Secretaria da Receita Federal, que permitam verificar os dados constantes do cadastro do Programa Bolsa-Família; - campanha de conscientização da responsabilidade social do cidadão; - conscientização do poder público para a inibição de fraudes. Ainda assim, reconhece-se que não bastam tais sugestões para a resolução do problema, pois há, em muitos casos, a necessidade de uma reestruturação da estrutura dos gastos públicos, o que não é permitido, muitas vezes, pela política macroeconômica adotada, como no caso brasileiro. Referências BRASIL. Governo. Bolsa Família. Brasília: O Governo, 2004. Disponível em: http://www.fomezero.gov.br/ Acesso em: 15 maio 2005. BRASIL. Governo. Dados estatísticos do Programa Bolsa Família. Brasília: O Governo, 2004. Disponível em: https://www.fomezero.gov.br/download/ Acesso em: 15 maio 2005. CLICNOTÍCIAS. Fraudes e falta de fiscalização desviam verbas do Bolsa Família: Governo Federal e prefeituras distribuem recursos para quem não precisa. Porto Alegre: RBS, 2004. Disponível em: http://www.clicrbs.com.br/clicnoticias Acesso em: 02 dez. 2004. GALBRAITH, John Kenneth. O engajamento social hoje. Folha de São Paulo, São Paulo, p. 5, 20 dez. 1998. GOUGH, I. State expenditure in advanced capitalism. New Left Review, London: Oxford University, n. 92, p. 53-92, July-Aug 1975. JURO alto transfere mais renda para ricos. Folha de São Paulo, São Paulo, 2005. Subcaderno Folha Dinheiro, p. 2-3, 15 jun., 2005. PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS. Brasília: IBGE. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/ Acesso em: 25 mar. 2005. SUPLICY, Eduardo Matarazzo. O escorpião e a rã. Opinião Econômica, São Paulo, p. 95-115, 1993. A ineficácia dos programas públicos pró-pobres: o caso do Programa Bolsa-Família 135 WORLD BANK. World development report 2004. New York: Oxford University Press, 2004. Disponível em: https://www.fomezero.gov.br/download/ Acesso em: 15 dez. 2004. WORLD BANK. O Banco Mundial libera US$ 574 milhões para o Programa Bolsa Família. New York: Oxford University Press, 2005. Disponível em: http://www.obancomundial.org/index.php/content/ Acesso em: 25 mar. 2005. (Reportagem). Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 129-136, dez. 2005 136 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 129-136, dez. 2005 Régis Rathmann 137 Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:... Desigualdades sociais e espaciais na metrópole: um olhar sobre a Região Metropolitana de Porto Alegre em 2000* Rosetta Mammarella Mestre em Sociologia e Técnica da Fundação de Economia e Estatística. Tanya M. de Barcellos Mestre em Sociologia e Técnica da Fundação de Economia e Estatística. Resumo Partindo do pressuposto de que o trabalho tem papel estruturador na sociedade e tomando como base as informações sobre a população ocupada levantadas no Censo Demográfico 2000, este texto apresenta um retrato da segmentação e da diversidade social do espaço metropolitano de Porto Alegre. A análise desenvolve-se a partir da construção de uma tipologia socioocupacional e da identificação de algumas características básicas da população. A hipótese principal gira em torno da idéia de que está em curso uma tendência de segregação socioespacial que se aprofunda nas grandes aglomerações urbanas, tendo em vista as transformações provocadas pela reestruturação econômica. Palavras-chave: metropolização; diferenças sociais; estrutura social. Abstract This paper presents a picture of the segmentation and social diversity in the Metropolitan Area of Porto Alegre. It is based on the assumption that labor has a structuring role in society. Evidence was collected in the Demographic Census of the year 2000. The authors built a social-occupational typology and it identifies a number of basic characteristics in the population. The main hypothesis is that a process of social and spatial segregation is under way and that this was deepened in the most densely populated urban areas due to the transformations provoked by the economic restructuring. Artigo recebido em 03 out. 2005. * Este texto tem por base o trabalho apresentado no XXV Congresso da Associação Latino-Americana de Sociologia (ALAS), ocorrido em Porto Alegre, entre 22 e 26 de agosto de 2005. Uma versão do trabalho enfocando basicamente os resultados da tipologia socioespacial e discutindo sua construção metodológica foi encaminhada para publicação na revista Cadernos Metrópole. Na discussão e na definição da tipologia da Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA), as autoras contaram com a participação da Arquiteta Mirian Regina Koch, membro da equipe responsável pela pesquisa na FEE. As autoras agradecem a equipe do Núcleo de Estudos Regionais e Urbanos pelas sugestões e pelos comentários sobre o texto. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005 138 Introdução Este texto tem por finalidade apresentar um retrato da segmentação social do espaço metropolitano de Porto Alegre no ano 2000.1 Integrado ao Projeto Observatório das Metrópoles2, o estudo dá seqüência a análises realizadas sobre o tema com foco nos anos de 1980 e 1991 (Mammarella; Barcellos; Koch, 2004). A partir da identificação dos principais traços que marcam a configuração da metrópole gaúcha, permitida pela construção de uma tipologia social de seus espaços, procura-se ressaltar sua diversidade, apontando algumas características básicas das populações que vivem nessas áreas. O cenário de referência para a abordagem é o quadro de mudanças que se instalou, a partir dos anos 70 e, com maior visibilidade, durante os 80, com a reestruturação econômica, social e política nos âmbitos mundial, nacional e local. A hipótese principal que orienta a análise diz respeito à tendência de segregação socioespacial que se avoluma nas grandes aglomerações urbanas, tendo em vista essas profundas transformações. Em grande parte, isso se evidencia na opção crescente dos ricos e de parcelas das camadas médias pela residência em bairros cada vez mais elitizados e auto-suficientes e em “condomínios fechados”, promovendo um isolamento em relação ao resto da população.3 Por outro lado, a moradia em áreas precárias, do ponto de vista do acesso aos benefícios urbanos, aparece como alternativa também sempre mais freqüente para os segmentos que se situam na base da pirâmide social.4 A tipologia dos diferentes espaços que conformam a Região foi elaborada com base em um trabalho estatístico de correlação entre categorias socioocupacionais (CATs), definidas a partir de uma classificação das ocupações, e áreas de ponderação, 1 A tipologia trabalha a Região na sua formatação vigente em 2000, o que introduz uma maior complexidade na expressão do urbano e em sua análise, uma vez que os municípios que foram incorporados à RMPA no período mais recente não têm perfil tipicamente urbano. A RMPA foi originalmente constituída com 14 municípios, foi expandida para 22 municípios em 1989, a partir das mudanças na Constituição Estadual, e é atualmente formada por 31 municípios. Existem ainda dois processos de inclusão tramitando na Assembléia Legislativa. 2 Disponível em: http://www.ippur.ufrj.br/observatorio 3 Ver, por exemplo, Caldeira (1997), Andrade (2001), Ueda (2004) e Bogus e Pasternak (2004). 4 Sobre essas tendências do fenômeno metropolitano, ver Ribeiro (2000). Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005 Rosetta Mammarella; Tanya M. de Barcellos ou Áreas de Expansão dos Dados da Amostra (AEDs)5, que configuram a menor unidade espacial que o IBGE disponibilizou para os resultados da amostra do Censo Demográfico 2000.6 O pressuposto nessa escolha metodológica é o de que o trabalho tem papel estruturador na sociedade. Nessa perspectiva, as categorias foram construídas levando em consideração as grandes oposições que captam as formas de segmentação social da sociedade brasileira e que se expressam na relação entre as seguintes categorias: capital e trabalho; grande e pequeno capital; autonomia e subordinação; manual e não manual; controle e execução; Secundário e Terciário; moderno e tradicional (Ribeiro; Lago, 2000, p. 113-114).7 O texto foi organizado em duas partes, além desta Introdução. Na primeira, são apresentados os resultados da tipologia socioespacial, com ênfase na descrição do perfil sociourbano geral dos tipos; na segunda, é realizada uma análise das principais características da população residente nas áreas dos diferentes tipos, utilizando indicadores que dão conta de aspectos relativos à qualidade de vida: situação no trabalho, instrução, renda e infra-estrutura das moradias. Sobre a estrutura ocupacional e socioespacial da RMPA A tipologia socioespacial tem sustentação em um conjunto de categorias socioocupacionais, cuja 5 As AEDs foram definidas como unidades geográficas formadas por agrupamentos de setores censitários, visando à “(...) aplicação dos procedimentos de calibração das estimativas com as informações conhecidas para a população como um todo”. O tamanho dessas áreas em termos de número de domicílios e de população foi estabelecido com a finalidade de garantir a precisão das estimativas. Para o Censo 2000, o IBGE usou métodos e sistemas automáticos de formatação de áreas de ponderação, “(...) que conjugam critérios tais como tamanho, contigüidade (no sentido de serem constituídas por conjuntos de setores limítrofes com sentido geográfico) e homogeneidade em relação a um conjunto de características populacionais e de infra-estrutura conhecidas” (IBGE, 2002). 6 Para os dados do universo, o IBGE disponibiliza as informações por setores censitários. 7 As categorias socioocupacionais são construções feitas a partir da discussão entre pesquisadores franceses e brasileiros, visando a trabalhos comparativos sobre desigualdades socioespaciais nas grandes metrópoles. Sobre as particularidades que orientaram sua montagem, ver Ribeiro e Lago (2000). 139 Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:... construção se baseia em informações obtidas a partir dos dados de ocupação do Censo8. A intenção é obter uma visão aproximada da estrutura social e permitir uma leitura hierarquizada da composição social da RMPA. Entende-se que as categorias resultantes desse trabalho traduzem, em grande medida, o lugar que as pessoas ocupam nas relações econômicas, bem como a dimensão simbólica desse lugar (Bourdieu, 1989). Como já se mencionou, essa construção se sustenta em pressupostos teóricos que concebem, de um lado, o trabalho como variável central para a compreensão da sociedade e, de outro, a noção de espaço social como permitindo compreender as posições que os agentes ocupam no espaço. A idéia implícita é a de que a sociedade está estratificada em classes e que essa é a divisão fundamental para entender a hierarquia social (Barcellos; Mammarella, 2000). O primeiro aspecto que ressalta na análise da distribuição dos ocupados segundo as categorias socioocupacionais, em 2000, é a importância das categorias dos Trabalhadores do Setor Secundário e das Ocupações Médias, que têm participação quase igual na conformação da estrutura social metropolitana (27,7% e 26,5% respectivamente) (Anexo 1)9. Essa é uma constatação importante, se forem considerados as grandes mudanças verificadas na RMPA, entre 1991 e 2000, no que diz respeito à sua espacialidade, com a incorporação de sete novos municípios, e os movimentos mais amplos da economia. Esses novos municípios, como se salientou antes, apresentam perfil não propriamente metropolitano, o que poderia interferir na configuração social da região.10 Com relação à estrutura 8 Na Documentação dos Microdados da Amostra do Censo Demográfico 2000, a ocupação está assim definida: “Entende-se por ocupação a função, cargo, profissão ou ofício desempenhado por uma pessoa numa atividade econômica, referindo-se sempre ao trabalho principal” (IBGE, 2002). 9 O Anexo 1 reúne as informações que dizem respeito à distribuição absoluta e relativa dos ocupados segundo os oito grandes conjuntos de categorias definidoras da estrutura socioocupacional e as 24 categorias em que eles se subdividem (primeira e segunda colunas), as quais são objeto de análise nesta parte do texto. Inclui também a tipologia dos espaços metropolitano e seu perfil socioocupacional e a densidade das CATs em cada tipo. 10 No seu conjunto, esses municípios contribuem com 6% dos ocupados nos 24 municípios que compunham a Região em 1991. Levando em consideração a estrutura social apenas nesses sete municípios, tanto o peso dos agricultores como o dos trabalhadores da indústria tradicional são, de fato, muito significativos (12,10% e 13,92% respectivamente). Mas, quando se considera a Região como um todo, essa particularidade é diluída. produtiva metropolitana, é importante ressaltar que, na última década, ela sofreu relevantes alterações, tendo-se reduzido, entre 1990 e 1998, a participação relativa do setor industrial no conjunto do Produto Interno Bruto, com a contrapartida de um avanço do setor serviços. Já no período que vai de 1999 a 2001, o setor industrial recuperou posição na formação do produto. Ao mesmo tempo, a indústria experimentou profundo processo de ajuste (fusões, terceirização de serviços e introdução de inovações tecnológicas), acompanhando a reestruturação produtiva internacional e seus desdobramentos no País (Alonso, 2004). A estrutura social da Região, não obstante tal rearticulação, reflete a concentração industrial e a atratividade da RMPA para investimentos industriais. É importante observar que tanto os trabalhadores da indústria como as camadas médias participam com um peso significativo na estrutura social metropolitana (representam, em conjunto, mais de 54% dos ocupados). Esse fato contraria, de certo modo, a perspectiva posta por alguns estudiosos dos efeitos da globalização e da reestruturação sobre a evolução da estrutura social e seu correlato espacial, que identificam, nas grandes metrópoles, a existência de um processo de polarização social. Como resultado, o segmento dos operários experimentaria rápida e forte redução, tendo em vista os avanços tecnológicos, e as camadas médias tenderiam a ser reduzidas em função das novas formas de articulação e inserção no mundo do trabalho. Essas análises projetam uma hierarquia mais pesada nos segmentos profissionais muito especializados e, no seu oposto, uma massa de trabalhadores sem qualificação (Sassen, 1998). Na metrópole gaúcha, tal fenômeno não foi constatado. Os operários têm grande importância na conformação da estrutura da Região, o que deve ser creditado, em boa parte, ao tamanho do segmento coureiro-calçadista, estabelecido especialmente no Vale do Sinos. Considerando o tamanho das CATs que se situam nas extremidades da pirâmide social, ou seja, as relativas às elites e às camadas populares (Anexo 1), verifica-se que a presença da elite Dirigentes no conjunto da estrutura social da Região é muito reduzida (1,4%). A elite Intelectuais, por sua vez, tem participação um pouco mais expressiva (7,4%), mas ainda relativamente pequena, incluindo ocupações nem sempre bem remuneradas, como os professores com formação de nível superior.11 No outro limite, os Trabalhadores do Setor 11 No nível das representações sociais, os professores detêm um status que os situa entre as elites. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005 140 Terciário Não Especializado apresentam uma representatividade um pouco maior (14,6%), e os agricultores, como é coerente com a configuração metropolitana, são minoritários (2,0%).12 Feitas essas primeiras considerações, devem-se destacar algumas particularidades que dizem respeito às categorias de ocupações que integram e compõem cada um dos agrupamentos de CATs (Anexo 1). No conjunto dos Trabalhadores do Setor Secundário, o maior peso é o dos operários da indústria tradicional (9,2%). Salientam-se, no que diz respeito às Ocupações Médias, as de escritório (9,1%), que reúnem um contingente bastante diversificado de atividades, em grande parte, tradicionais, como contínuos, escriturários, cobradores, secretários de expediente e estenógrafos. Também são dignas de nota a importância dos trabalhadores no comércio e a dos prestadores de serviços especializados, cada um participando com mais de 8% na estrutura social. Essa estrutura social foi o componente fundamental para a elaboração da tipologia dos espaços, construída para analisar a RMPA sob o enfoque da segmentação socioespacial de seu território. A tipologia foi construída com base nas técnicas estatísticas da Análise Fatorial e da Classificação Hierárquica Ascendente (CHA), considerando a relação entre CATs e AEDs.13 A análise fatorial mostra que os três primeiros fatores, que expressam fundamentalmente a divisão entre trabalho manual e intelectual, explicam 84,15% das variações totais do conjunto original de dados. O espaço fatorial no plano das CATs expõe essa oposição, mostrando, de um lado, a presença dos trabalhadores da indústria tradicional (em maior escala) e a dos agricultores. Em contraposição, estão as categorias de profissionais de nível superior, junto com os grandes empregadores, estes últimos em menor escala. Mais uma vez, esses resultados não coincidem com as perspectivas postas pela bibliografia sobre a global 12 Com a incorporação de sete novos municípios à RMPA após 1991, acreditava-se que haveria uma certa proeminência dessa categoria, tendo em vista as características socioeconômicas desses municípios. No entanto, essa hipótese não se confirmou. 13 A primeira cria fatores pela ordem de explicação do problema, que é a relação entre as AEDs e as categorias socioocupacionais. Com isso, permite a diminuição da dimensionalidade do universo com que se está trabalhando e o conhecimento da importância de cada variável na composição da variação dos principais fatores. A segunda é um instrumento para definir agrupamentos a partir das informações dos fatores extraídos dos dados, levando em conta a proximidade dos perfis das áreas e a sua distância em relação ao perfil médio. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005 Rosetta Mammarella; Tanya M. de Barcellos city, que está vendo crescer, nas metrópoles globais, os reflexos espaciais de uma estrutura polarizada entre, de um lado, poucos trabalhadores muito qualificados e com altos salários e, de outro, uma massa de mão-de-obra com inserção precária no mercado de trabalho, com baixíssimos rendimentos e sem qualificação. No caso da RMPA, o peso das ocupações da indústria tradicional está demarcando ainda fortemente a configuração do espaço metropolitano. Conhecidas as principais oposições que configuram o espaço fatorial da RMPA, foi procedida a CHA, com o intuito de obter grupos de AEDs que mantivessem entre si o máximo de homogeneidade e de diferenciação em relação às médias. Através da análise do perfil social dos tipos, da distribuição das categorias nos tipos (que revela o grau de concentração social) e do índice de densidade relativa, foi possível identificar nove agrupamentos capazes de representar a estruturação do espaço metropolitano em 2000. Esses grupos foram assim nomeados: superior, médio superior, médio, médio inferior, operário, operário tradicional, operário inferior, popular e agrícola popular. Essa denominação, além de já expressar uma hierarquia social, procura também traduzir o tipo de combinação de categorias ou de mistura social que marca de modo predominante cada um desses espaços. Como pode ser conferido no Anexo 1, em todos os espaços ocorre uma certa mistura social. No entanto, é visível que, em alguns, em especial naqueles classificados no topo da hierarquia espacial, predomina um perfil mais homogêneo em termos sociais.14 A análise da tipologia, descrita a seguir, tem como interesse subjacente a busca de elementos que permitam situar a questão da segregação socioespacial na realidade da metrópole gaúcha e as especificidades por ela assumidas. Examinando a composição dos tipos segundo o perfil ocupacional e a densidade relativa, verifica-se que as áreas de tipo superior são aquelas onde está concentrada a moradia dos Dirigentes e dos Intelectuais, embora nelas também seja significativa a presença de camadas médias, representadas pelas Ocupações Médias e pelos Pequenos Empregadores. A participação 14 Além do contingente absoluto e do perfil geral das CATs, o Anexo 1 apresenta a distribuição percentual e a densidade das categorias em cada um dos nove tipos que foram definidos no estudo. O primeiro indicador permite identificar qual o perfil social de cada um dos tipos. A segunda medida, a da densidade, permite inferir o grau de representação de cada categoria nos diferentes tipos de área, sendo obtida pela divisão dos percentuais do perfil das CATs nos tipos pelos do perfil médio metropolitano. Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:... das categorias Dirigentes e Intelectuais nesses espaços é cerca de quatro vezes maior do que sua representatividade no perfil médio da metrópole. Nas de tipo médio superior, a moradia de Dirigentes e Intelectuais é igualmente expressiva, porém com menor intensidade do que no tipo superior. Nessas áreas, é muito destacada a incidência de Ocupações Médias, que têm o maior peso na conformação do tipo, com uma participação de 41%. As camadas médias também são os elementos marcantes na estruturação do tipo médio, não obstante sua presença seja menos intensa do que no anterior (39%). A característica central do perfil desses três tipos de agrupamentos é a menor participação e a menor densidade relativa das camadas operárias e populares. Dando seqüência à análise do perfil dos tipos, constata-se que o grupo de tipo médio inferior já apresenta maior mistura social. Ele se caracteriza como moradia de uma parte relevante das Ocupações Médias (29,8%) e pela presença significativa dos Trabalhadores do Setor Terciário — especializado (20,5%) ou não especializado (16,6%) — e do Setor Secundário (23,5%). É interessante ressaltar que apenas os trabalhadores do Setor Terciário e do Secundário representam, em conjunto, mais de 60% dos ocupados que conformam o tipo. A partir desse patamar da hierarquia, a característica fundamental dos agrupamentos é a quase-inexistência de moradia das categorias superiores (Dirigentes e Intelectuais). Tal evidência aponta uma separação das classes sociais no espaço, de tal modo que, embora a moradia de parcela das camadas médias se misture aos espaços de elites, fica demarcado um tipo de segmentação em relação às categorias operárias e populares. Os grupos de AEDs onde a residência de operários é muito expressiva foram classificados em três tipos: o tipo operário, em que predominam trabalhadores do Secundário, em especial os trabalhadores da indústria moderna (15,0%)15; o tipo operário tradicional, onde a presença dos trabalhadores da indústria tradicional ultrapassa os 32% e tem uma densidade relativa quase quatro vezes maior do que a média do tipo; e o tipo 15 Apesar de a categoria dos trabalhados da indústria moderna ser predominante na conformação desse tipo, optou-se por não qualificá-lo como “moderno”, porque também se verifica uma presença importante dos trabalhadores dos serviços auxiliares à indústria e dos da construção civil, ao contrário, por exemplo, do tipo operário tradicional, em que os trabalhadores da indústria tradicional são efetivamente definidores do tipo. 141 operário inferior, onde os trabalhadores do Setor Secundário dividem moradia com categorias do Setor Terciário Especializado e Não Especializado. Em comparação com o tipo operário tradicional, a heterogeneidade social é bem maior nos outros dois tipos operários, onde é sempre mais relevante a presença de outras categorias socioocupacionais. A relativa homogeneidade dos espaços da indústria tradicional corresponde, em grande parte, a áreas em que, de fato, está concentrada a moradia dos operários, mas que, em alguns casos, a AED, devido ao tamanho da população, foi formada pelo município inteiro, não possibilitando a expressão de toda a estratificação social no exercício tipológico. Ou seja, o tamanho das elites é muito pequeno e não pesa na configuração do tipo de área. No que diz respeito aos demais espaços operários, a heterogeneidade abrange sobretudo categorias médias e populares, estas correspondendo aos trabalhadores do Terciário não especializado. O grupo de tipo popular caracteriza-se pela presença mais intensa, relativamente aos demais agrupamentos, dos trabalhadores do Terciário não especializado, com destaque para os empregados domésticos, que têm uma participação de 10,8% na estrutura socioocupacional. São áreas onde se verificam as maiores representatividade e densidade das camadas populares, embora sua participação seja menor que a dos trabalhadores do Secundário. As categorias do Terciário não especializado juntam-se aos ocupados em atividades do Terciário especializado e do Secundário, nesse caso, salientando-se os operários da construção civil (12,3%). O perfil do último grupo, do tipo agrícola popular, é marcado pela intensidade da moradia dos agricultores (19%), presença que significa uma densidade dessa categoria cerca de 10 vezes superior à representada na média metropolitana. A formação desse agrupamento está fortemente relacionada com a presença, na RMPA, de municípios com perfil agrícola, em especial aqueles que foram incorporados após 1991. Outro destaque, agora referente à concentração de categorias em alguns espaços da metrópole, faz-se necessário, porquanto ilustrativo da existência de polarização social na metrópole gaúcha. Trata-se, de um lado, da forte presença de Dirigentes e de Intelectuais nos espaços de tipo superior e médio superior: 43% dos Dirigentes e 52% dos Intelectuais vivem em áreas desses dois tipos. De outro, na outra ponta da hierarquia, observa-se que mais de 56% da moradia dos operários da indústria tradicional se situa em áreas que conformam o tipo operário tradicional, sendo que, no caso dos Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005 142 agricultores, suas residências no tipo agrícola popular é da ordem de 46%. Com isso, pode-se dizer que, embora os espaços sejam bastante heterogêneos, existe polarização naqueles caracterizados como superiores, de tipo operário tradicional e agrícola popular (Mammarella, 2005). Sobre as diferenciações sociais dos espaços metropolitanos Complementando essas análises, será efetuada, a seguir, a localização dos tipos no território da RMPA, conforme o Mapa 1 e a listagem dos Anexos 2 e 3, onde se encontram a distribuição das AEDs por município e a correspondência destas em relação a bairros e municípios da região.16 Com isso, estão-se abrindo caminhos para fazer uma incursão na temática da expansão imobiliária na Metrópole. Ao mesmo tempo, a tipologia será qualificada do ponto de vista da infra-estrutura urbana e das principais características demográficas e sociais de suas populações, de modo a traçar um quadro da segmentação social que se evidencia na região. As informações sobre as principais características demográficas e sociais dos tipos estão contidas nas Tabelas 1, 2 e 3 e nos Gráficos 1, 2 e 3 e orientarão as análises a partir deste momento. O tipo superior é composto por nove AEDs, todas de Porto Alegre (Anexo 3). Uma parte dessas áreas localiza-se na zona sul, e outra, na zona central do Município. Na zona sul, as AEDs representativas são as que abrangem dois conjuntos de bairros: Vila Assunção, Tristeza e Vila Conceição; Pedra Redonda, Ipanema, Espírito Santo e Guarujá. As AEDs centrais congregam um conjunto de bairros onde se identificam características diversificadas de ocupação. Em alguns, está consolidada a moradia das elites locais (Independência, Moinhos de Vento, Auxiliadora); em outros, verificou-se, e ainda está em curso, importante transformação por conta da expansão imobiliária (Bela Vista, Boa Vista, Três Figueiras, Mont´Serrat, Chácara Rosetta Mammarella; Tanya M. de Barcellos das Pedras, Higienópolis, Rio Branco, Santa Cecília, Petrópolis)17 — Mapa 1. Examinando inicialmente o perfil demográfico da população residente nesse tipo de área, verifica-se a presença de uma estrutura marcada pelas seguintes características: índices elevados de pessoas nas faixas de idade entre 45 e 64 anos e acima de 65 anos (Tabela 1) — os mais significativos, tendo em vista os outros tipos —, juntamente com os menores percentuais de crianças; preponderância de mulheres, numa proporção que é a segunda mais elevada (para cada 100 mulheres há 82,56 homens); e predomínio de população branca, que tem a maior participação em relação a todos os tipos — quase 93,35% dos residentes no tipo (Tabela 2). Em relação à situação social, encontram-se, nessas áreas, as maiores proporções de pessoas com instrução universitária (31,32%), como mostra o Gráfico 1, e com altos rendimentos (19,14% recebem entre 10 e 20 salários mínimos (SMs), e 21,20% têm rendimentos superiores a 20 salários mínimos, conforme o Gráfico 2). A distância que separa a população do tipo superior daquelas menos privilegiadas pode ser vista nas taxas médias de instrução e de rendimento (Tabela 2). Nesse sentido, verifica-se que a população do tipo superior alcança o dobro de anos de estudo da média da das áreas de tipo popular e em torno de cinco vezes a sua renda média. Quanto à posição na ocupação (Tabela 3), que mostra o modo de inserção no mercado de trabalho, a partir da qual se podem extrair dados sobre a qualidade da ocupação, contata-se que, nesse tipo, os empregadores têm uma participação relativa alta (10,93%), bastante mais elevada que a média (3,96%); o percentual dos empregados sem carteira não é pequeno (20,74%), sendo inclusive maior que o da média da região. Mas, nesse caso, deve-se levar em conta que os funcionários públicos e os militares têm um peso muito significativo no conjunto dos qualificados como sem carteira. Os trabalhadores domésticos com e sem carteira chegam a quase 5% na distribuição dos ocupados segundo a posição na ocupação, revelando uma situação em que moradia e emprego provavelmente coincidem. É ainda nesse tipo que se pode observar o maior índice de cobertura em termos de saneamento (Gráfico 3). 17 16 As AEDs, fora as do Município de Porto Alegre, não respeitam o traçado dos bairros, portanto, a identificação representa partes de diferenciados bairros. Mesmo em Porto Alegre, uma AED pode congregar mais de um bairro. Por isso, é preciso esclarecer que a denominação dada às AEDs pretende ser, acima de tudo, uma referência para o reconhecimento das áreas. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005 Porém esses processos de expansão imobiliária não atingiram de maneira homogênea os diferentes bairros. Pode-se mencionar, por exemplo, a AED que reúne os bairros Três Figueiras, Chácara da Pedras e Vila Jardim, onde se encontra uma situação de polarização social, uma vez que nele convivem camadas Dirigentes com parcela importante de camadas populares. 143 Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:... O tipo médio superior é formado por 15 AEDs, sendo que apenas quatro delas pertencem à Capital: duas são de Canoas, e duas, de São Leopoldo. Nesses casos, estão abrangidos os bairros centrais. Na capital, por sua vez, referem-se a bairros que estão no entorno dos de tipo superior, tais como Centro, Cidade Baixa, Santana, Menino Deus, Teresópolis, Cavalhada (Anexo 3). Um percentual elevado da população que conforma esse tipo, de modo similar ao que se verifica no tipo superior, recai nas faixas etárias entre 45 e 64 anos (22,18%) e mais de 65 anos (11,40%), com presença reduzida de crianças com até 9 anos de idade (10,97%) e de crianças e adolescentes com idade entre 10 e 14 anos (6,43%). Há predominância feminina e de população de cor branca, sendo que 32,15% da população do tipo têm nível universitário incompleto (de 11 a 14 anos de estudo), e apenas 18,96% concluíram o ensino superior. Tal percentual é significativamente menor do que o verificado no tipo superior, mas representa uma situação bem mais favorável do que a da média da região. O rendimento médio é de 6,79 salários mínimos, praticamente a metade do que foi encontrado para a população nas áreas de tipo superior. Em termos de distribuição dos rendimentos, chama atenção que, nesse tipo, a proporção de pessoas na faixa superior de rendimentos (mais de 20 SMs) cai significativamente em relação ao tipo superior, não alcançando 10%. Em termos da distribuição da população segundo a posição na ocupação, destaca-se que se encontra a maior proporção, dentre todos os tipos, de empregados sem carteira assinada (24,12%), novamente mostrando a importância de funcionários públicos e militares na configuração das áreas melhor situadas na hierarquia socioespacial da região. Tal como no tipo superior, as áreas do tipo médio superior têm baixa proporção de população em domicílios com saneamento inadequado (1,59%). O tipo médio é composto por 13 AEDs. Destas, como pode ser visto no Anexo 3, oito estão localizadas em Porto Alegre, também no entorno da zona central dos bairros de tipo superior e aproximando-se da zona sul (Jardim Lindóia, Floresta, São João, Navegantes, Cristal, dentre outros). As outras cinco AEDs desse tipo estão assim situadas (total ou parcialmente): uma no centro de Esteio, uma na região do Orçamento Participativo Centro de Gravataí e três em Novo Hamburgo, sendo uma delas o Centro. Mais uma vez, observa-se que as áreas melhor situadas em termos sociais, quando localizadas em outros municípios que não a Capital, são, na sua maioria, centrais. Também no tipo médio, há uma presença importante de população madura (de 45 a 64 anos) e idosa (mais de 65 anos), com números que se situam acima da média da região. Ainda como nos agrupamentos anteriores, isso é acompanhado por uma baixa incidência de crianças, indicando que são áreas onde o ciclo familiar e de vida de uma parte relevante das pessoas está em uma fase já avançada (Cecconi, 2004); a presença de homens face à de mulheres é mais significativa do que nos dois tipos anteriores (86,11 homens para 100 mulheres), e 92,80% da população são de cor branca. Quanto à média de anos de estudo, não há grande diferença em relação ao tipo médio superior, e, em termos de rendimento médio, os ocupados recebem em torno de um salário mínimo a menos do que no tipo anterior. O grupo apresenta proporção de trabalhadores sem carteira assinada abaixo da média metropolitana, e, nele, os empregadores têm maior significado do que no tipo médio superior, o que surpreende, pois essa categoria, em tese, estaria enquadrada nas elites. A incidência de condições inadequadas de saneamento sofre um aumento considerável nesse agrupamento (4,20%), mas é nos tipos subseqüentes ao médio que a proporção de população com saneamento inadequado passa a ser mais significativa. No tipo médio inferior, há 37 AEDs, e é nele que começa a ser percebida uma maior mistura social. Também a partir desse grupo, passa-se a verificar uma predominância de áreas localizadas fora da Capital. Chama atenção que a maior parte dessas áreas se concentra nos municípios do entorno imediato de Porto Alegre e no sentido do eixo da BR-116 (Guaíba, Alvorada, Cachoeirinha, Canoas, Gravataí, Viamão, Esteio, Sapucaia do Sul, São Leopoldo e Novo Hamburgo), em grande parte, também circundando áreas de tipos hierarquicamente superiores. Em Porto Alegre, são, na maioria, bairros situados na periferia da cidade — como Belém Novo, Passo das Pedras, Vila Nova e Serraria, por onde se expande a urbanização —, outros mais populares — como Sarandi e Rubem Berta — e alguns tipicamente de classe média — como Glória e Medianeira.18 Esse conjunto de áreas demarca um diferencial, em termos sociais, entre os tipos superiores e inferiores da hierarquia que foi construída. Destacam-se o baixo percentual de população com 65 anos e mais (5,98%) e o percentual de crianças de zero a nove anos (17,46%) na média metropolitana. A razão de masculinidade é maior do que nos tipos anteriores (para cada 100 mulheres, há 18 Em alguns desses bairros, estão ocorrendo importantes processos de investimentos do setor imobiliário. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005 144 92,75 homens), e o percentual de negros e pardos é elevado (17,64%), sendo a segunda maior concentração dentre os tipos de áreas. A média de anos de estudo da população é de 6,09 anos, ficando em 32,99% a parcela dos que não chegaram a completar a oitava série. Nesse tipo, já começa a ser pouco relevante o percentual de população que completa o ciclo universitário (só 4,14%). Em termos médios, o rendimento nesse agrupamento é de três SMs, inferior à média da RMPA, que é de 3,65 SMs. Quando se analisa a distribuição da população por faixas de renda, percebe-se que o tipo médio inferior obedece à mesma lógica que o torna demarcador do diferencial social: mais de 15% da população ganham até um salário mínimo, e só 8,43% têm renda superior a 10 SMs. Com relação ao modo de inserção na ocupação, destaca-se que a mudança de patamar em relação aos tipos anteriores dá-se em dois aspectos: no peso dos empregados domésticos, tanto aqueles com carteira como os sem carteira assinada, que aqui já ultrapassa a média da região, e na importância dos empregadores, cuja participação se reduz para apenas 3,30%. As baixas condições de saneamento também começam a ser motivo de grande preocupação: mais de 86 mil pessoas (9,24%) convivem com situações inadequadas. Os tipos operário (13 áreas), operário tradicional (25 áreas) e operário inferior (13 áreas) não contemplam nenhuma AED de Porto Alegre. Aliás, o tipo operário tradicional concentra as AEDs localizadas exclusivamente na região da produção calçadista, à exceção de uma referente à área urbana de Santo Antônio da Patrulha. Nos demais tipos, predominam (mas não com exclusividade) AEDs localizadas em municípios limítrofes a Porto Alegre, como Canoas, Gravataí, Esteio, Alvorada, Cachoeirinha, Guaíba. Em termos gerais, o perfil demográfico dos tipos operários é semelhante. A razão de masculinidade aproxima-se da paridade entre homens e mulheres, particularmente nos tipos operário e operário tradicional. A distribuição etária é mais carregada nas faixas menores de idade, com percentuais inferiores tanto à média como à distribuição encontrada nos tipos que lhes antecedem (em torno de 19% da população têm até 9 anos de idade), com a contrapartida de uma menor participação dos idosos (em torno de 4%). O tipo operário tradicional expõe, considerando os demais tipos, o mais elevado percentual de população na faixa de maior atividade, que vai dos 25 aos 44 anos (33,16%). Quanto ao perfil de cor, ressalta a baixa participação de negros e pardos nos tipos operários, sempre abaixo da média (variando entre 8% e 12%, quando ela é de 13,5% na RMPA). No tipo operário tradicional, a participação de negros e pardos ocupa a Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005 Rosetta Mammarella; Tanya M. de Barcellos terceira menor posição dentre todos os agrupamentos, sendo apenas precedida pelos superior e médio. Tal situação pode estar relacionada com a forte influência da imigração européia (em especial a alemã) na região onde as áreas desse tipo se localizam. A situação social dos moradores das áreas dos tipos operário, operário tradicional e operário inferior é bastante próxima. Com uma média de anos de estudo que fica ao redor dos cinco anos e de rendimentos um pouco acima de dois salários mínimos, a população dessas áreas concentra-se em faixas de instrução mais baixas, sempre com valores acima da média metropolitana. Em termos de escolaridade, o maior percentual está na faixa que equivale ao fundamental incompleto, especialmente no tipo operário tradicional, onde 44,22% da população acima de cinco anos de idade não completaram esse ciclo. Nessas áreas (assim como nos tipos popular e agrícola popular,) a parcela das pessoas que chegou a concluir o nível universitário é quase 20 vezes inferior à do tipo superior. Em relação aos níveis de rendimento, ressalta a elevada participação, no tipo operário tradicional, de ocupados na faixa de um até dois salários mínimos (35,96%). Nos outros tipos operários, a concentração fica na faixa de dois a cinco SMs (em torno de 36%). Além disso, em todos os grupos operários, é significativo, e sempre acima da média da região (15,41%), o percentual de ocupados que ganham até um salário mínimo. É interessante observar, por outro lado, que nos tipos operários estão as maiores proporções de empregados com carteira assinada, o que é ainda mais relevante no operário tradicional, onde essa situação atinge 55,62%. Esse nível de formalização do trabalho, juntamente com a concentração dos rendimentos na faixa entre um e dois salários mínimos, aponta uma das características do trabalho industrial tradicional, predominante nessas áreas. Finalmente, o patamar que define a população desprotegida em termos de saneamento adequado atinge mais de 100.000 pessoas, considerando-se os três tipos operários (31,42%). Examinando as áreas de tipo popular (30 AEDs), observa-se que sua característica principal é não aparecerem na região da produção coureiro-calçadista, nem nos últimos municípios incorporados à RMPA. Concentram-se na periferia leste-sul de Porto Alegre, em municípios do seu entorno e em outros espaços com alta densidade de população urbana e/ou significativa concentração de atividades econômicas (Canoas, Gravataí, Guaíba, Eldorado do Sul, Cachoeirinha, Alvorada e Viamão). No perfil demográfico dessas áreas, é importante ressaltar o peso que têm as crianças com até nove anos Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:... de idade (21,84%) e a alta participação de negros e pardos (20,34%), índices estes mais elevados, considerando-se todos os tipos. Do ponto de vista social, algumas evidências chamam atenção, sinalizando aspectos indicativos dos diferenciais de nível de vida existentes na metrópole. A população no tipo popular tem a mais baixa média de anos de estudo (4,79) e uma proporção de pessoas sem instrução que é a segunda mais elevada entre os tipos (12,78%). O rendimento médio é o mais baixo também, levando-se em conta todos os outros tipos (menos de dois SMs) e, como não poderia deixar de ser, a parcela da população com rendimentos elevados, acima de 10 SMs, é também a menor (3,30%). Em relação à inserção no trabalho, é nesse agrupamento que o trabalho doméstico tem o maior significado, seja com ou sem carteira assinada. Cerca de 11% dos ocupados no tipo são trabalhadores domésticos, enquanto essa cifra não atinge 7% na média metropolitana. É interessante observar que também é representativa a presença de trabalhadores por conta própria no tipo popular (22,55%), completando o quadro de precariedade no trabalho. Altos percentuais também se verificam, com igual e até maior intensidade, nos tipos superior, médio superior e médio, onde, porém, essa condição não está ligada a situações de fragilidade da inserção no mercado de trabalho. Quanto às condições de saneamento, a população das áreas de tipo popular só se encontra em situação mais favorável do que a dos moradores das áreas de tipo agrícola popular, onde é baixo o índice de urbanização. São praticamente 130.000 pessoas que moram em domicílios onde o saneamento é inadequado (18,51% da população dessas áreas). As nove áreas de tipo agrícola popular compreendem as AEDs-Municípios de Arroio dos Ratos, Glorinha, Montenegro, São Jerônimo e Triunfo, além da AED rural de Santo Antônio da Patrulha e os distritos de Gravataí. Além dessas, são desse tipo duas AEDs de Viamão, correspondendo às regiões de Águas Claras, Espigão e Itapuã. Sua localização coincide, em grande parte, com os novos municípios incorporados à RMPA após 1991, sendo dotados de grande extensão territorial. Em termos demográficos, destaca-se que é apenas nesse tipo que a proporção de homens supera a de mulheres. Na distribuição etária, chama atenção que a proporção de população na faixa mais ativa (25 a 44 anos) seja a menor (29,47%) dentre todos os tipos e que a participação dos maduros e dos idosos seja levemente superior à média metropolitana, revelando, dessa forma, possíveis efeito de processos de emigração. A proporção 145 de negros e pardos está entre as quatro menores dentre todos os tipos. O perfil social dessas áreas não se distingue muito daquele das áreas de tipo popular. O maior diferencial em relação à instrução e aos níveis de rendimento está na proporção de pessoas que concluíram o curso universitário e que recebem mais de 10 SMs. A instrução e os níveis de rendimento são significativamente mais altos, embora estejam bem abaixo da média metropolitana, configurando situações que devem ser atribuídas à própria delimitação das AEDs que abrangem municípios inteiros, cuja diversidade social não pode ser captada em função do tamanho da população. O diferencial desse tipo quanto ao modo de inserção no trabalho é a existência de alguma representatividade, quando se trata de pessoas que trabalham sem remuneração em ajuda a membros do domicílio (4,15%) e em atividades para o próprio consumo (2,80%), situações típicas da produção agrícola. Nessas áreas, também é significativa, quase na mesma intensidade que no tipo popular, a participação de empregados domésticos, seja com ou sem arteira assinada, atingindo quase 10% dos ocupados. Quanto às condições de saneamento, é no tipo agrícola popular que se encontra o maior índice de população em domicílios com saneamento inadequado (31,96%), embora, em termos absolutos (57.000), não alcance os números das áreas de tipo popular. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005 146 Rosetta Mammarella; Tanya M. de Barcellos Mapa 1 FONTE: IBGE. Censo Demográfico 2000: dados da amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2002. MALHA de setores censitários do Censo Demográfico 2000. (Cedida pela METROPLAN, versão revisada, tendo como fonte o Atlas Social da Região Metropolitana de Porto Alegre. Dados primários do IBGE.) Considerações finais A análise das desigualdades sociais que se expressam na configuração espacial da metrópole gaúcha enseja alguns comentários finais, onde se pretende destacar os principais resultados alcançados e demarcar uma agenda para novos estudos. No que diz respeito à estrutura social metropolitana, é interessante apontar que seu formato, fortemente influenciado pela importância dos operários, com grande peso dos trabalhadores da indústria tradicional, ainda expressa uma conformação típica da sociedade industrial em sua fase fordista. A presença significativa das camadas médias reforça esse caráter. Essas características não correspondem à imagem que, para uma parte da literatura internacional, ilustraria o modelo da sociedade atual, que é da ampulheta, com Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005 estreitamento do meio (operariado e categorias médias) e alargamento das extremidades (elites e subproletariado). Quanto à configuração tipológica da estrutura socioespacial, o primeiro registro que merece ser feito é o da existência de uma demarcação do espaço, pela presença, de um lado, dos operários da indústria tradicional e, de outro, dos profissionais de nível superior, equivalente à oposição entre trabalho manual e intelectual. Esse fenômeno expressa-se em uma relativa polarização que se verifica nas áreas de tipo superior, localizadas exclusivamente em Porto Alegre, onde as elites estão concentradas, e nas áreas de tipo operário tradicional, situadas ao norte da região, no espaço de influência dos Municípios de Novo Hamburgo e São Leopoldo, onde a produção coureiro-calçadista é predominante. Em segundo lugar, é interessante assinalar que, mesmo sendo fundamentais na caracterização dos tipos 147 Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:... superior, médio superior e médio, as Ocupações Médias não se constituíram em fatores determinantes na sua definição, uma vez que elas se distribuem por praticamente todo o espaço metropolitano. Essa maneira de localização extensiva pelo território, em especial nos espaços mais urbanizados, suscita algumas indagações que merecem aprofundamento: existe alguma diferenciação na distribuição espacial, na metrópole, das ocupações que conformam as Ocupações Médias? Será que são as mesmas que se fazem presentes em todos os espaços? Quais são as parcelas das camadas médias que estão nos espaços superiores? Quais são as que dividem os espaços com as classes populares? A abordagem do perfil demográfico e social da população, considerando a diferenciação dessas condições entre os tipos, permitiu, antes de tudo, identificar-se uma grande distância separando o tipo superior dos demais. Há situações, como, por exemplo, na renda e na instrução, em que a diferença entre o percentual de ocupados nas melhores situações é cerca de duas vezes maior no tipo superior do que o encontrado no tipo médio superior. Um segundo patamar demarca as diferenças entre os tipos médio superior e médio e as áreas dos tipos médio inferior, operários e populares. O tipo popular, por exemplo, apresenta proporção de pessoas com nível universitário cerca de 13 vezes menor do que o tipo médio e rendimentos na faixa de mais de 20 SMs em proporção sete vezes inferior. Em síntese, pode-se afirmar que existe uma correspondência entre a hierarquia socioespacial e o perfil social predominante das populações que vivem nos diferentes tipos de áreas da Região Metropolitana de Porto Alegre. Diante dessas constatações, a primeira leitura da tipologia socioespacial aqui realizada deixa em aberto um leque de possibilidades analíticas para um avanço do conhecimento sobre a diferenciação social e espacial da RMPA. Permanece como agenda para próximas investigações a análise da evolução da estrutura socioespacial e do comportamento do setor imobiliário e de seu papel na estruturação do espaço metropolitano, em especial no que diz respeito às novas formas de segregação representadas pela moradia em condomínios fechados. Tabela 1 Distribuição da população, segundo faixas de idade e tipos de áreas, na RMPA — 2000 (%) TIPOS DE 0 ATÉ 9 ANOS DE 10 ATÉ 14 ANOS DE 15 ATÉ 24 ANOS DE 25 ATÉ 44 ANOS DE 45 ATÉ 64 ANOS 65 ANOS OU MAIS TOTAL Superior ........................ Médio superior .............. Médio ............................ Médio inferior ................ Operário ........................ Operário tradicional ...... Operário inferior ........... Popular ......................... Agrícola popular ........... Total ............................. 9,92 10,97 12,30 17,46 18,62 19,14 19,41 21,84 17,71 17,42 6,21 6,43 7,21 8,87 9,40 9,38 9,73 9,98 8,96 8,78 17,73 17,46 17,47 18,81 19,30 18,61 19,03 19,02 17,34 18,53 30,53 31,56 31,53 30,80 31,78 33,16 31,09 30,12 29,47 31,13 23,84 22,18 21,76 18,08 16,78 15,03 16,38 14,92 18,98 17,81 11,77 11,40 9,74 5,98 4,12 4,68 4,36 4,12 7,55 6,34 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Censo Demográfico 2000: dados da amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2002. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005 148 Rosetta Mammarella; Tanya M. de Barcellos Tabela 2 Indicadores selecionados, segundo os tipos de áreas, na RMPA — 2000 RAZÃO DE MASCULINIDADE TIPOS Superior ...................................... Médio superior ........................... Médio ......................................... Médio inferior ............................. Operário ..................................... Operário tradicional .................... Operário inferior ......................... Popular ....................................... Agrícola popular ......................... Total ........................................... 82,56 81,88 86,11 92,75 99,83 99,33 96,41 97,32 101,87 93,57 COR (%) Brancos Negros e Pardos 93,35 89,35 92,80 81,74 89,51 91,44 87,37 79,01 89,68 86,02 6,26 10,11 6,85 17,64 10,11 8,27 12,27 20,34 9,68 13,47 ANOS DE ESTUDO 10,04 8,82 8,14 6,09 5,34 4,94 5,20 4,79 4,90 6,11 RENDA (SMs) 11,45 6,79 5,65 3,00 2,20 2,44 2,10 1,89 2,33 3,65 FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Censo Demográfico 2000: dados da amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2002. Tabela 3 Distribuição da população, por modo de inserção no trabalho e tipos, na RMPA — 2000 TIPOS TRABALHADORES DOMÉSTICOS COM CARTEIRA TRABALHADORES DOMÉSTICOS SEM CARTEIRA Agrícola popular ..... Popular ................... Operário inferior ...... Operário tradicional Operário .................. Médio inferior .......... Médio ...................... Médio superior ........ Superior .................. Média da RMPA ...... 4,61 5,52 3,17 2,23 2,62 3,92 1,58 1,77 3,43 3,40 5,12 5,24 4,40 2,33 3,57 3,40 1,38 1,53 1,51 3,25 TIPOS CONTA-PRÓPRIA APRENDIZ OU ESTAGIÁRIO SEM REMUNERAÇÃO Agrícola popular ..... Popular ................... Operário inferior ..... Operário tradicional Operário ................. Médio inferior ......... Médio ..................... Médio superior ....... Superior ................. Média da RMPA ..... 24,73 22,55 21,14 16,29 21,07 22,50 23,03 22,67 23,86 21,59 0,30 0,36 0,38 0,21 0,34 0,40 0,76 0,97 1,52 0,51 EMPREGADOS COM CARTEIRA 35,92 45,44 48,99 55,62 50,63 45,97 45,23 42,21 37,22 46,41 NÃO REMUNERADO EM AJUDA A MEMBRO DO DOMICÍLIO 4,15 1,02 0,84 0,82 0,93 0,93 0,90 0,90 0,75 1,06 EMPREGADOS SEM CARTEIRA EMPREGADOR 19,58 18,32 18,64 18,26 18,35 19,49 18,82 24,12 20,74 19,49 2,78 1,33 2,32 3,61 2,24 3,30 8,19 5,79 10,9 3,96 TRABALHADOR NA PRODUÇÃO PARA O PRÓPRIO CONSUMO TOTAL 2,80 0,22 0,11 0,64 0,25 0,10 0,10 0,04 0,04 0,33 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Censo Demográfico 2000: dados da amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2002. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005 149 Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:... Gráfico 1 Distribuição da população de cinco anos e mais, por anos de estudo e segundo os tipos, na RMPA — 2000 6,43 Média da RMPA 13,16 Superior 4,14 18,09 17,24 14,54 9,69 34,01 31,32 29,51 15,51 6,35 18,96 16,06 Médio superior 5,31 32,15 19,63 7,90 13,95 17,48 Médio 5,73 4,14 9,01 20,03 19,24 Médio inferior 1,59 13,76 Operário 1,73 19,39 10,80 14,94 1,19 13,48 10,61 0,96 18,45 16,98 10,92 Popular 12,78 2,47 39,30 17,53 18,11 39,69 11,42 14,53 13,18 Agrícola popular 5,00 44,22 17,53 10,78 Operário inferior 38,50 15,85 10,91 Operário tradicional 32,99 14,09 9,52 -0 30,49 23,34 10,00 15,00 Legenda: 38,91 19,48 (%) 20,00 25,00 30,00 35,00 40,00 Sem instrução Básico incompleto Fundamental incompleto Médio incompleto Superior incompleto Superior completo 45,00 50,00 FONTE: IBGE. Censo Demográfico 2000: dados da amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2002. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005 150 Rosetta Mammarella; Tanya M. de Barcellos Gráfico 2 Distribuição da população total, segundo as faixas de rendimento e os tipos, na RMPA — 2000 4,18 7,38 15,96 Média da RMPA 31,84 25,23 15,41 21,20 19,14 Superior 11,16 6,97 9,30 20,06 21,47 16,71 24,45 Médio superior 14,24 8,87 7,47 13,51 23,76 Médio 2,20 28,55 17,03 9,69 6,23 17,47 Médio inferior 34,19 24,65 15,26 0,99 3,96 13,49 Operário 3,42 36,83 27,13 17,59 1,25 26,43 10,60 Operário tradicional 31,99 35,96 16,77 0,82 3,38 13,40 Operário inferior 0,79 2,51 10,82 Popular 30,89 19,66 1,87 3,69 11,10 Agrícola popular -0 5,00 Legenda: 35,72 28,32 18,36 10,00 28,24 27,98 27,13 15,00 20,00 25,00 30,00 Até 1 SM De 1 até 2 SMs De 2 até 5 SMs De 5 até 10 SMs De 10 até 20 SMs Mais de 20 SMs FONTE: IBGE. Censo Demográfico 2000: dados da amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2002. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005 35,31 (%) 35,00 40,00 151 Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:... Gráfico 3 Distribuição da população, segundo as condições de saneamento e tipos, na RMPA — 2000 Média da RMPA 88,98 11,02 Superior 0,88 Médio superior 1,59 Médio 99,12 98,41 95,80 4,20 Médio inferior 90,76 9,24 Operário 11,32 Operário tradicional 11,49 Operário inferior 88,68 88,51 91,39 8,61 Popular 81,49 18,51 Agrícola popular 68,04 31,96 -0 20,00 Legenda: 40,00 60,00 80,00 (%) 100,00 120,00 População com saneamento adequado População com saneamento inadequado FONTE: IBGE. Censo Demográfico 2000: dados da amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2002. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005 152 Rosetta Mammarella; Tanya M. de Barcellos Anexo Anexo 1 Perfil e índice de densidade relativa das categorias socioocupacionais, segundo os tipos de áreas, na Região Metropolitana de Porto Alegre — 2000 a) RMPA, superior, médio superior, médio e médio inferior RMPA SUPERIOR CATs MÉDIO SUPERIOR MÉDIO Perfil Densidade (%) Perfil Densidade (%) MÉDIO INFERIOR Freqüência Perfil (%) Densidade Perfil (%) Densidade Perfil (%) Dirigentes ................. 21 742 1,4 1,0 5,0 3,6 2,5 1,8 2,7 1,9 1,0 0,7 CAT 21 - grandes empregadores ................ 12 228 0,8 1,0 3,2 4,1 1,2 1,5 1,8 2,4 0,5 0,7 CAT 22 - dirigentes do setor público .............. 4 355 0,3 1,0 0,8 2,9 0,8 2,8 0,2 0,9 0,2 0,7 CAT 23 - dirigentes do setor privado .............. Densidade 5 159 0,3 1,0 1,0 3,1 0,6 1,8 0,6 1,7 0,3 0,8 Intelectuais ............... 115 979 7,4 1,0 27,7 3,7 19,3 2,6 13,7 1,8 5,3 0,7 CAT 41 - profissionais autônomos de nível superior ...................... 32 439 2,1 1,0 9,4 4,6 5,1 2,5 3,9 1,9 1,2 0,6 CAT 42 - profissionais empregados de nível superior ...................... 42 981 2,7 1,0 10,0 3,7 6,8 2,5 5,3 1,9 2,1 0,8 CAT 43 - profissionais estatutários de nível superior ...................... 10 658 0,7 1,0 2,7 4,0 2,3 3,4 0,9 1,3 0,5 0,7 CAT 44 - professores de nível superior ........ 29 901 1,9 1,0 5,5 2,9 5,0 2,6 3,6 1,9 1,5 0,8 Pequenos Empregadores ......................... 50 425 3,2 1,0 7,9 2,5 4,7 1,5 6,4 2,0 2,8 0,9 CAT 31 - pequenos empregadores ........... 50 425 3,2 1,0 7,9 2,5 4,7 1,5 6,4 2,0 2,8 0,9 Ocupações Médias .. 414 925 26,5 1,0 33,8 1,3 41,0 1,5 39,0 1,5 29,8 1,1 CAT 51 - ocupações de escritório ............... 142 868 9,1 1,0 9,0 1,0 13,9 1,5 12,4 1,4 11,1 1,2 CAT 52 - ocupações de supervisão ............ 68 870 4,4 1,0 7,9 1,8 7,0 1,6 7,5 1,7 4,2 1,0 CAT 53 - ocupações técnicas ..................... 97 494 6,2 1,0 8,4 1,4 9,5 1,5 11,0 1,8 6,6 1,1 CAT 54 - ocupações médias da saúde e educação ................... 56 573 3,6 1,0 3,6 1,0 5,3 1,5 4,6 1,3 4,4 1,2 CAT 55 - ocupações da segurança pública, justiça e correios ........ 29 882 1,9 1,0 2,7 1,4 3,4 1,8 1,9 1,0 2,4 1,2 CAT 32 - ocupações artísticas e similares .. 19 238 1,2 1,0 2,2 1,8 1,9 1,5 1,5 1,2 1,2 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005 1,0 (continua) 153 Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:... Perfil e índice de densidade relativa das categorias socioocupacionais, segundo os tipos de áreas, na Região Metropolitana de Porto Alegre — 2000 a) RMPA, superior, médio superior, médio e médio inferior RMPA SUPERIOR CATs Freqüência Perfil (%) Densidade Trabalhadores do Setor Terciário Especializado ............... 270 806 17,3 CAT 61 - trabalhadores do comércio ......... 136 450 CAT 62 - prestadores de serviços especializados ....................... MÉDIO SUPERIOR MÉDIO MÉDIO INFERIOR Perfil Densidade (%) Perfil (%) Densidade Perfil (%) Densidade Perfil (%) 1,0 11,1 0,6 14,9 0,9 15,8 0,9 20,5 1,2 8,7 1,0 5,5 0,6 7,4 0,9 8,5 1,0 10,1 1,2 134 356 8,6 1,0 5,6 0,6 7,5 0,9 7,3 0,9 10,4 1,2 Trabalhadores do Setor Secundário ..... 433 916 27,7 1,0 5,8 0,2 8,8 0,3 13,4 0,5 23,5 0,9 CAT 71 - trabalhadores da indústria moderna ......................... 100 319 6,4 1,0 1,2 0,2 2,4 0,4 3,6 0,6 5,8 0,9 CAT 72 - trabalhadores da indústria tradicional ......................... 144 081 9,2 1,0 1,3 0,1 2,1 0,2 4,2 0,5 4,8 0,5 CAT 73 - trabalhadores dos serviços auxiliares ....................... 76 226 4,9 1,0 1,5 0,3 2,1 0,4 2,8 0,6 5,5 1,1 CAT 74 - trabalhadores da construção civil 113 290 7,2 1,0 1,8 0,3 2,2 0,3 2,8 0,4 7,4 1,0 Trabalhadores do Setor Terciário Não Especializado ........... 229 468 14,6 1,0 8,6 0,6 8,6 0,6 8,7 0,6 16,6 1,1 CAT 63 - prestadores de serviços não especializados ................... 71 350 4,5 1,0 1,8 0,4 2,5 0,5 2,5 0,5 5,1 1,1 CAT 81 - trabalhadores domésticos .......... 105 220 6,7 1,0 5,0 0,7 3,4 0,5 3,0 0,4 7,4 1,1 CAT 82 - ambulantes e catadores ................ 52 898 3,4 1,0 1,7 0,5 2,8 0,8 3,2 1,0 4,1 1,2 Agricultores ............. 30 956 2,0 1,0 0,2 0,1 0,2 0,1 0,3 0,2 0,5 0,3 CAT 10 - agricultores 30 956 2,0 1,0 0,2 0,1 0,2 0,1 0,3 0,2 0,5 0,3 TOTAL ....................... 1 568 217 100,0 1,0 100,0 1,0 100,0 1,0 100,0 1,0 100,0 1,0 Densidade Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005 154 Rosetta Mammarella; Tanya M. de Barcellos Perfil e índice de densidade relativa das categorias socioocupacionais, segundo os tipos de áreas, na Região Metropolitana de Porto Alegre — 2000 b) operário, operário tradicional, operário inferior, popular e agrícola popular OPERÁRIO CATs Perfil (%) Densidade OPERÁRIO TRADICIONAL OPERÁRIO INFERIOR Perfil (%) Densidade Perfil (%) Densidade POPULAR Perfil (%) Densidade AGRÍCOLA POPULAR Perfil (%) Densidade Dirigentes ................. 0,7 0,5 1,1 0,8 0,6 0,5 0,3 0,2 0,9 0,6 CAT 21 - grandes empregadores ................ 0,3 0,4 0,7 0,9 0,3 0,4 0,1 0,2 0,3 0,4 CAT 22 - dirigentes do setor público .............. 0,2 0,6 0,1 0,5 0,2 0,6 0,1 0,5 0,2 0,7 CAT 23 - dirigentes do setor privado .............. 0,2 0,6 0,3 0,8 0,2 0,5 0,1 0,2 0,4 1,2 Intelectuais ............... 3,2 0,4 2,5 0,3 2,5 0,3 2,0 0,3 3,7 0,5 CAT 41 - profissionais autônomos de nível superior ...................... 0,6 0,3 0,6 0,3 0,7 0,3 0,6 0,3 1,2 0,6 CAT 42 - profissionais empregados de nível superior ...................... 1,2 0,4 1,0 0,4 0,9 0,3 0,8 0,3 1,1 0,4 CAT 43 - profissionais estatutários de nível superior ...................... 0,3 0,4 0,2 0,2 0,1 0,2 0,1 0,2 0,3 0,4 CAT 44 - professores de nível superior ........ 1,1 0,6 0,8 0,4 0,8 0,4 0,5 0,3 1,2 0,6 Pequenos Empregadores ......................... 2,9 0,9 2,0 0,6 1,2 0,4 2,5 0,8 2,0 0,6 CAT 31 - pequenos empregadores ........... 2,0 0,6 2,9 0,9 2,0 0,6 1,2 0,4 2,5 0,8 Ocupações Médias .. 21,8 0,8 18,9 0,7 21,1 0,8 18,7 0,7 15,9 0,6 CAT 51 - ocupações de escritório ............... 7,1 0,8 6,0 0,7 7,7 0,8 7,3 0,8 5,3 0,6 CAT 52 - ocupações de supervisão ............ 3,4 0,8 3,9 0,9 3,0 0,7 2,4 0,6 2,4 0,5 CAT 53 - ocupações técnicas ..................... 5,7 0,9 4,7 0,8 5,5 0,9 3,7 0,6 2,8 0,5 CAT 54 - ocupações médias da saúde e educação ................... 3,2 0,9 2,5 0,7 2,6 0,7 2,8 0,8 3,4 0,9 CAT 55 - ocupações da segurança pública, justiça e correios ........ 1,3 0,7 0,7 0,4 1,2 0,6 1,7 0,9 1,4 0,7 CAT 32 - ocupações artísticas e similares .. 1,1 0,9 1,1 0,9 1,1 0,9 0,8 0,7 0,7 0,6 (continua) Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005 155 Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:... Perfil e índice de densidade relativa das categorias socioocupacionais, segundo os tipos de áreas, na Região Metropolitana de Porto Alegre — 2000 b) operário, operário tradicional, operário inferior, popular e agrícola popular OPERÁRIO CATs Perfil (%) OPERÁRIO TRADICIONAL OPERÁRIO INFERIOR POPULAR AGRÍCOLA POPULAR Densidade Perfil (%) Densidade Perfil (%) Densidade Perfil (%) Densidade Perfil (%) Densidade Trabalhadores do Setor Terciário Especializado ............... 17,8 1,0 12,2 0,7 19,9 1,2 21,2 1,2 14,5 0,8 CAT 61 - trabalhadores do comércio ......... 9,0 1,0 6,4 0,7 10,8 1,2 10,2 1,2 7,8 0,9 CAT 62 - prestadores de serviços especializados ....................... 8,8 1,0 5,8 0,7 9,1 1,1 11,1 1,3 6,7 0,8 Trabalhadores do Setor Secundário ..... 38,5 1,4 49,7 1,8 36,4 1,3 31,5 1,1 26,8 1,0 CAT 71 - trabalhadores da indústria moderna ......................... 15,0 2,4 6,6 1,0 11,2 1,7 7,6 1,2 6,1 0,9 CAT 72 - trabalhadores da indústria tradicional ......................... 7,6 0,8 32,6 3,6 7,8 0,9 5,0 0,5 7,1 0,8 CAT 73 - trabalhadores dos serviços auxiliares ....................... 6,9 1,4 3,9 0,8 7,6 1,6 6,6 1,4 5,0 1,0 CAT 74 - trabalhadores da construção civil 9,0 1,2 6,6 0,9 9,8 1,4 12,3 1,7 8,6 1,2 Trabalhadores do Setor Terciário Não Especializado ........... 15,0 1,0 9,6 0,7 16,8 1,1 23,2 1,6 16,6 1,1 CAT 63 - prestadores de serviços não especializados ................... 5,3 1,2 3,0 0,7 5,2 1,1 7,9 1,7 4,5 1,0 CAT 81 - trabalhadores domésticos .......... 6,2 0,9 4,6 0,7 7,6 1,1 10,8 1,6 9,8 1,5 CAT 82 - ambulantes e catadores ................ 3,5 1,0 2,0 0,6 4,0 1,2 4,5 1,3 2,3 0,7 Agricultores ............. 1,1 0,6 2,9 1,5 0,5 0,3 1,9 0,9 19,1 9,7 CAT 10 - agricultores 1,1 0,6 2,9 1,5 0,5 0,3 1,9 0,9 19,1 9,7 TOTAL ....................... 100,0 1,0 100,0 1,0 100,0 1,0 100,0 1,0 100,0 1,0 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Censo Demográfico 2000. Amostra. IBGE. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005 156 Rosetta Mammarella; Tanya M. de Barcellos Anexo 2 Número de AEDs e códigos adotados segundo os municípios da RMPA — 2000 MUNICÍPIOS NÚMERO DE AEDs CÓDIGOS Alvorada 9 Alv01... Alv09 Araricá 1 Araricá01 Arroio dos Ratos 1 Arroio Ratos01 Cachoeirinha 7 Cach01... Cach07 Campo Bom 1 Campo Bom01 15 Can01... Can15 Canoas Capela de Santana 1 Capela de Santana01 Charqueadas 1 Charqueadas01 Dois Irmãos 1 Dois Irmãos01 Eldorado do Sul 1 Eldorado do Sul01 Estância Velha 1 Estância Velha01 Esteio 4 Estei01... Estei04 Glorinha 1 Glorinha01 Gravataí 11 Guaíba 3 Guai01... Guai03 Ivoti 1 Ivoti01 Montenegro 1 Montenegro01 Novo Hamburgo 15 Gravat01... Gravat11 Nham01... Nham15 Nova Hartz 1 Nova Hartz01 Nova Santa Rita 1 Nova Santa Rita01 Parobé 1 Parobé01 Porto Alegre 49 Poa01... Poa49 Portão 1 Portão01 Santo Antônio da Patrulha 2 Santpa01; Santpa02 São Jerônimo 1 São Jerônimo01 Sapiranga 4 Sapir01... Sapir04 Sapucaia do Sul 6 Sapuc01... Sapuc06 São Leopoldo 10 Sleo01... Sleo10 Taquara 1 Taquara01 Triunfo 1 Triunfo01 Viamão 11 TOTAL DA REGIÃO METROPOLITANA FONTE: IBGE. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005 164 Viam1... Viam11 157 Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:... Anexo 3 Identificação das AEDs de acordo com a tipologia e sua localização na RMPA — 2000 CÓDIGO DAS AEDs TIPOLOGIA Arroio Ratos01 Glorinha01 Gravat11 Montenegro01 Santpa02 São Jerônimo01 Triunfo01 Viam09 Viam11 Alv02 lv08 Cach04 Agrícola popular Agrícola popular Agrícola popular Agrícola popular Agrícola popular Agrícola popular Agrícola popular Agrícola popular Agrícola popular Médio inferior Médio inferior Médio inferior Cach05 Médio inferior Cach07 Médio inferior Can01 Can10 Can11 Esteio01 Gravat03 Gravat04 Gravat07 Guai03 Nham08 Nham13 Poa2 Poa03 Poa15 Poa18 Poa23 Poa25 Poa28 Poa29 Poa34 Poa35 Poa36 Poa37 Poa39 Poa43 Sleo03 Sapuc06 Viam01 Viam02 Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior LOCALIZAÇÃO Município Arroio dos Ratos Município Glorinha Distritos Gravataí (OP7Barro Vermelho/ /OP8Morungava/OP10Ipiranga) Município Montenegro Parte rural Município São Jerônimo Município Triunfo OP12 Região Águas Claras OP13 Região Espigão/OP15 Região Itapuã Maringá Algarve OP3 Vila Bom Princípio/Parque Matriz; OP4 Parques Atlântico/Silveira Martins OP2 City Nova/City Velha/Distrito Industrial; OP1 Veranópolis/Eunice Nova OP1 Vila Imbuhi/Eunice Velha/Jardim América/Santo Ângelo; OP2 Wilkens/Vila Regina Niterói/Base Aérea Igara/Brigadeira/São José/São Luiz Chácara Barreto/Fernandes Vila Nova/Cruzeiro/São José OP2 São Geraldo OP12 Vila Branca OP1 Moradas/OP11 Águas Claras Centro/Balneáreos Ideal/Liberdade Primavera/Rincão/Vila Rosa Belém Novo Camaquã Passo das Pedras Rubem Berta Sarandi Jardim Carvalho Morro Santana Arquipélago/Humaitá/Anchieta Bom Jesus/Jardim do Salso Vila João Pessoa/Coronel Aparicio Borges Glória/Cascata/Belem Velho Medianeira/Santa Teresa Vila Nova/Campo Novo Serraria/Hípica Campestre/Feitoria (parte) Vacchi/Kurashiki/Diehl/Silva/Centro (parte) OP2 Região Cecília OP1 Região Santa Isabel (continua) Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005 158 Rosetta Mammarella; Tanya M. de Barcellos Identificação das AEDs de acordo com a tipologia e sua localização na RMPA — 2000 CÓDIGO DAS AEDs Vviam04 Viam05 Viam06 Viam07 Estei03 Gravat08 Nham05 Nham12 Nham14 Poa07 Poa08 Poa09 Poa21 Poa30 Poa31 Poa32 Poa49 Can09 Can15 Poa04 Poa05 Poa06 Poa11 Poa13 Poa14 Poa19 Poa20 Poa26 Poa38 Poa44 Sleo09 Sleo10 ALV01 ALV06 CACH02 CAN12 ESTEI02 GRAVAT02 Guai02 Sleo01 Sleo02 Sleo04 Sleo07 Sapuc01 Sapuc02 Ararica01 TIPOLOGIA Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio inferior Médio Médio Médio Médio Médio Médio Médio Médio Médio Médio Médio Médio Médio Médio superior Médio superior Médio superior Médio superior Médio superior Médio superior Médio superior Médio superior Médio superior Médio superior Médio superior Médio superior Médio superior Médio superior Médio superior Operário inferior Operário inferior Operário inferior Operário inferior Operário inferior Operário inferior Operário inferior Operário inferior Operário inferior Operário inferior Operário inferior Operário inferior Operário inferior Operário tradicional Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005 LOCALIZAÇÃO OP5 Região São Lucas/OP7 Volta da Figueira OP9 Região Centro/OP8 Região Querência OP10 Região Autódromo OP6 Região São Tomé Centro/Vila Rica OP5 Centro (parte) Centro/Hamburgo Velho/Rio Branco/São José Industrial/Ouro Branco/Pátria Nova Operário/Vila Nova/Guarani Cristal Cristo Redentor Floresta São João Navegantes/São Geraldo Jardim São Pedro/Santa Maria Goretti/Jardim Floresta Jardim Lindóia/São Sebastião Vila Ipiranga/Jardim Itú Ideal/Cidade Nova; Igara/Marechal Rondon/Chácara Barreto (parte) Centro/Fernandes; Harmonia/Marechal Rondon (parte) Cavalhada Centro Cidade Baixa Jardim Botânico Partenon Passo da Areia Santana Santo Antônio Jardim Sabará Teresópolis/Nonoai Azenha/Menino Deus/Praia de Belas Fião/Padre Reus/São João/Cristo Rei/Morro do Espelho/Rio Branco Centro Passo do Feijó/União Sumaré/Americana OP7 Vista Alegre Fátima/Mato Grande Parque Claret/Parque Primavera/Santo Antônio OP3 Parque Florido/OP13 Central COHAB/Jardim Santa Rita Vicentina/São Miguel;São João Batista (parte) Scharlau/Campina Feitoria Santos Dumont/Rio dos Sinos Capão da Cruz Vargas/Camboim/Nova Sapucaia/Walderes Município Araricá (continua) 159 Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:... Identificação das AEDs de acordo com a tipologia e sua localização na RMPA — 2000 CÓDIGO DAS AEDs TIPOLOGIA Campo Bom01 Caoelo de Santana01 Dois Irmãos01 Estância Velha01 Ivoti01 Nova Hartz01 Nham01 Nham02 Nham03 Nham04 Nham06 Nham07 Nham09 Nham10 Nham11 Nham5 Parobé01 Portão01 Santpa01 Sapir01 Sapir02 Sapir03 Sapir04 Taquara01 Cach03 Can03 Charqueadas01 Estei04 Gravat01 Gravat05 Gravat09 Sleo05 Sleo06 Operário tradicional Operário tradicional Operário tradicional Operário tradicional Operário tradicional Operário tradicional Operário tradicional Operário tradicional Operário tradicional Operário tradicional Operário tradicional Operário tradicional Operário tradicional Operário tradicional Operário tradicional Operário tradicional Operário tradicional Operário tradicional Operário tradicional Operário tradicional Operário tradicional Operário tradicional Operário tradicional Operário tradicional Operário Operário Operário Operário Operário Operário Operário Operário Operário Sleo08 Sapuc03 Sapuc04 Sapuc05 Alv03 Alv004 Alv005 Alv007 Alv009 Cach01 Operário Operário Operário Operário Popular Popular Popular Popular Popular Popular LOCALIZAÇÃO Município Campo Bom Município Capela de Santana Município Dois Irmãos Município Estância Velha Município Ivoti Município Nova Hartz Canudos (parte) Canudos (parte) Mauá/Canudos (parte-Horto Municipal) São Jorge Dihel/Roselândia Santo Afonso Lomba Grande Canudos (parte-Aeroclube) Rondônia/Boa Vista Boa Saúde/Petrópolis Município Parobé Município Portão Parte urbana Centro/Piquete São Luiz/Santa Fé/Quatro Colônias Vila Nova/Amaral Ribeiro Centenário/Oeste Município Taquara OP5 Parque Tancredo Neves/Granja Esperança/Fátima Jardim Atlântico/Estância Velha Município Charqueadas Parque de Exposições/Teópolis/Parque Amador OP4 COHAB A/OP14 São Jerônimo OP15 São Vicente OP5 Centro (parte) Pinheiro/Fazenda São Borja/Santo André Campus Unisinos/Duque de Caxias/Santa Tereza; Jardim América/São João Batista (parte) Boa Vista/Arroio Manteiga Centro/São José Boa Vista/Ipiranga/Jardim América/Lomba da Palmeira COHAB/São Jorge/Colonial Parque Madepinho/São Francisco Chácara do Tordilho/Formosa/Três Figueiras/Intersul Stella Maris/Aparecida Salomé Distrito Estância Grande OP8 Nova Cachoeirinha (continua) Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005 160 Rosetta Mammarella; Tanya M. de Barcellos Identificação das AEDs de acordo com a tipologia e sua localização na RMPA — 2000 CÓDIGO DAS AEDs TIPOLOGIA LOCALIZAÇÃO Cach06 Can02 Can04 Can05 Can06 Can07 Can08 Can13 Can14 Eldorado do Sul01 Gravat06 Gravat10 Guai01 Nova Santa Rita01 Poa01 Poa12 Poa17 Poa22 Poa24 Poa27 Poa40 Popular Popular Popular Popular Popular Popular Popular Popular Popular Popular Popular Popular Popular Popular Popular Popular Popular Popular Popular Popular Popular OP6 Residencial Ritter/Moradas do Bosque/Sítios Rio Branco/Niterói (parte) Olaria/Planalto Canoense/Guajuviras (parte) Guajuviras Santo Operário/Matias Velho (parte) Cinco Colônias; Natal/Santo Operário (parte) Natal/Matia Velho (parte) Harmonia/Matias Velho (parte) Matias Velho/ Industrial Município Eldorado do Sul OP9 Itacolomi OP6 Parque dos Anjos Morada da Colina/Pedras Brancas/Parque 35/Columbia City Município Nova Santa Rita Agronomia Lomba do Pinheiro Restinga São José Farrapos Mario Quintana Ponta Grossa/ Chapéu do Sol/Lageado/Lami Viam03 Popular OP7 Região Volta da Figueira/OP9 Região Centro Viam08 Viam10 Poa10 Poa16 Poa33 Poa41 Poa42 Poa45 Poa46 Poa47 Popular Popular Superior Superior Superior Superior Superior Superior Superior Superior OP3 Região Passo Dorneles OP4 Região Viamópolis Independência Petrópolis Higienópolis/Boa Vista Vila Assunção/Tristeza/Vila Conceição Pedra Redonda/Ipanema/Espírito Santo/Guarujá Bom Fim/ Farroupilha Auxiliadora/ Mont Serrat/Moinhos de Vento/ Bela Vista Rio Branco/Santa Cecília POA48 Superior Três Figueiras/Chácara das Pedras/Vila Jardim FONTE: IBGE. NOTA: OP é área do Orçamento Participativo. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005 Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:... Referências ALONSO, José Antonio Fialho. Efeitos da reestruturação produtiva na dinâmica da Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA), na década de 90. In: FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA SIEGFRIED EMANUEL HEUSER. Desigualdades socioespaciais na Região Metropolitana de Porto Alegre: uma coletânea. Porto Alegre: FEE, 2004. (CD-Rom). ANDRADE, Luciana Teixeira de. Condomínios fechados da Região Metropolitana de Belo Horizonte: novas e velhas experiências. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, 9, 2001, Rio de Janeiro Anais... Rio de Janeiro: ANPUR, 2001. BOGUS; PASTERNAK. A cidade dos extremos. São Paulo: ABEP, 2004. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: DIFEL; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Enclaves fortificados: a nova segregação urbana. 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Concentração e especialização em setores industriais na região Noroeste Colonial do Rio Grande do Sul David Basso* Doutor e Professor do Departamento de Economia e Contabilidade da Unijuí. Doutor e Professor do Departamento de Estudos Agrários da Unijuí. Mestre e Professora do Departamento de Economia e Contabilidade da Unijuí. Benedito Silva Neto** Janete Stoffel*** Resumo Este trabalho analisa o grau de concentração industrial nos setores de madeira e mobiliário, têxtil e metal-mecânico, na região Noroeste Colonial, comparativamente às regiões formadas pelos demais Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes) do Rio Grande do Sul, e o grau de especialização entre os municípios daquela região. Foram calculados os Índices de Gini locacionais (GLs) para os Coredes e os quocientes locacionais (GLs) para os municípios, com base no número de estabelecimentos e no número de empregados. Constatou-se que existe concentração e especialização nas indústrias metal-mecânica e de madeira e mobiliário, em alguns municípios do Corede Noroeste Colonial, especialmente em relação ao número de empregados. Palavras-chave: aglomeração industrial; especialização pro- dutiva; desenvolvimento regional. Abstract The paper analyzes the industrial concentration in the sectors of the wood and of the furniture, textile and metal-mechanic in the Corede Noroeste Colonial (Regional Council of Development) region comparatively to the group of the regions formed by the Coredes of the Rio Grande do Sul State. The paper analyses too the industrial specialization these sectors among the municipal districts inside the region of the Noroeste Colonial. The Locacionals Quotients and Gini Locacional's Coefficients were calculated, for the Coredes and the municipal districts, with base in the number of establishments and in the number of employees. A concentration and specialization was verified in the industry metal-mechanic and in the industry of the wood and of the furniture in some municipal districts of the region Noroeste Colonial, especially in relation to the number of employees. Artigo recebido em 28 set. 2005. *E-mail: [email protected] **E-mail: [email protected] ***E-mail: [email protected] Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005 164 1 - Introdução Os estudos sobre concentração e especialização industrial inserem-se nas discussões acerca do papel que aglomerações, sistemas locais de produção e clusters desempenham no desenvolvimento local. A caracterização da distribuição geográfica das atividades econômicas quanto ao seu grau de especialização e concentração é, nesse sentido, uma etapa importante para a compreensão das dinâmicas presentes nos processos locais de desenvolvimento. O presente trabalho busca identificar a existência de aglomerações industriais nos setores de madeira e mobiliário, têxtil e metal-mecânico na região integrada pelos municípios que compõem o Conselho Regional de Desenvolvimento (Corede) Noroeste Colonial. Além desta Introdução, o trabalho compõe-se de três partes, iniciando com a apresentação de algumas abordagens que privilegiam a análise dos processos de desenvolvimento a partir das dinâmicas locais de produção. Em seguida, apresentam-se os procedimentos metodológicos utilizados para mensurar o grau de concentração e especialização industrial. Por fim, são discutidos os resultados obtidos, e, deles, retiradas algumas conclusões. 2 - Aglomerações industriais e dinâmicas de desenvolvimento local Entender e explicar as especificidades e a forma como o desenvolvimento acontece nas diferentes regiões e localidades têm merecido uma preocupação crescente por parte de estudiosos do mundo inteiro, em particular a partir do último quartel do século XX. Experiências localizadas de desenvolvimento, com destaque para o caso da Terceira Itália, mereceram o olhar atento de pesquisadores de várias áreas do conhecimento, particularmente interessados em embasar cientificamente sua compreensão do processo de desenvolvimento como um fenômeno local ou regional (Becattini, 1979; Bagnasco, 1988; Garofoli, 1985). Tais experiências tiveram o mérito de evidenciar que a análise do desenvolvimento centrada unicamente no viés da dinâmica de acumulação capitalista é, no mínimo, insuficiente para apreender a complexidade e a Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005 David Basso; Benedito Silva Neto; Janete Stoffel diversidade das situações observadas em vários países ou regiões, a partir dos anos 70 do século XX. Uma das referências que têm exercido forte influência em muitos dos estudos contemporâneos voltados ao estudo de processos de desenvolvimento local vem da noção de distrito industrial desenvolvida por Alfred Marshall, ainda no século XIX, com base na constatação de um fenômeno de concentração de empresas especializadas em um ramo de produção, em certas comunidades inglesas, com uma divisão de trabalho entre pequenos produtores baseada em laços de solidariedade. Marshall (1985) explica esse fenômeno em função das externalidades ou economias externas às empresas individuais, mas internas aos ramos de produção, tratando-se, portanto, de economias que não surgem diretamente de empresas, mas, sim, do território onde elas estão localizadas, em função da proximidade dos produtores. Tais economias externas podem estar relacionadas à difusão de conhecimento, à aprendizagem difusa das profissões, às invenções e inovações, ao desenvolvimento do comércio e dos transportes, aos contatos estreitos entre fornecedores e compradores, às redes de subcontratação de serviços e ao mercado de mão-de-obra qualificada, etc. Segundo Marshall, no entanto, a cooperação econômica explica apenas em parte as vantagens de um distrito industrial, e, por isso, o seu interesse vai além dos aspectos econômicos, realçando a importância dos valores imateriais da localização, como as relações sociais e a cultura local, para mostrar que a dinâmica industrial não pode ser reduzida a seu aspecto meramente mercantil. Alguns trabalhos que aprofundaram a noção de distrito industrial desenvolvida por Marshall para explicar a experiência italiana se tornaram centrais nos estudos relacionados com o desenvolvimento local, dentre os quais destacam-se as contribuições de Becattini (1979), Garofoli (1985) e Bagnasco (1988), exercendo grande influência na estruturação de abordagens recentes, como, por exemplo, a dos sistemas locais de produção (Schmitz, 1990; 1994; Benko; Lipietz, 1992; Courlet, 2001a; 2001b). Outros estudiosos foram buscar em Schumpeter (1985) as explicações teóricas sobre a diversidade observada no desenvolvimento em níveis local e regional, enfatizando o papel das inovações na análise das condições que permitiram a certas regiões se destacarem das demais em termos de desenvolvimento. Diferentemente de Schumpeter, no entanto, algumas correntes neo-schumpeterianas enfatizam que o desenvolvimento não necessariamente acontece por rupturas radicais, podendo dar-se de forma adaptativa e 165 Concentração e especialização em setores industriais... progressiva, destacando o papel do aprendizado no processo (learning by doing e learning by using), do conhecimento tácito e da rotina nos processos inovadores. Da mesma forma, a figura isolada do empresário, central no modelo original de Schumpeter, é menos enfatizada em favor das instituições de pesquisa e desenvolvimento de produtos e processos, surgindo, assim, conceitos como "meios inovadores" (Aydalot, 1986) e "sistemas nacionais/locais de inovação" (Freeman, 1995; Dosi et al., 1988; Nelson; Winter, 1997; Cassiolato; Lastres, 1999). No Brasil, o interesse pelos estudos sobre sistemas locais de produção cresceu muito a partir da década de 90 do século XX, a ponto de hoje existirem vários centros ou grupos de pesquisa em várias instituições.1 Além do interesse acadêmico, também é expressivo o envolvimento de instituições na identificação de sistemas produtivos e no fomento de aglomerações nas diferentes regiões do País.2 Segundo Suzigan et al. (2004), aglomerações de empresas e instituições têm como característica essencial a capacidade de gerar economias externas, incidentais ou deliberadamente criadas, que contribuem para o incremento da competitividade das empresas e, em conseqüência, de todo o sistema local de produção. Além das economias externas tradicionais, já apontadas nos estudos do próprio Marshall, a cooperação entre as empresas e o apoio público são fatores fundamentais para o êxito de sistemas locais de produção (Suzigan et al., 2001). De acordo com os estudos da Redesist, no Brasil é mais freqüente a identificação de conjuntos de atividades econômicas em municípios ou microrregiões que se constituem sob a forma de arranjos produtivos locais não avançados ou não "clusterizados", que apresentam como características: (a) concentração geográfica; (b) elevado grau de especialização setorial; (c) grupos de micro e pequenas empresas sem nucleação por grande empresa ou empresa-âncora; (d) baixo nível de eficiência coletiva baseada em economias externas e em ação conjunta; (e) e coesão e intensidade na divisão de trabalho entre as firmas relativamente limitadas. 1 Podem-se citar, por exemplo, a Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (Redesist), da URRJ, disponível em http://www.ie.ufrj.br/redesist, e o grupo liderado pelo Professor Wilson Suzigan, da Unicamp. 2 Dentre outras, merecem destaque instituições como o Sebrae, o BNDES, o Banco do Nordeste e secretarias ou institutos ligados a governos estaduais. A predominância de micro e pequenas empresas nesses ambientes locais organizados industrialmente como sistemas produtivos explica por que a literatura sobre a economia industrial vem incorporando, nos últimos tempos, a dimensão da proximidade geográfica e da formação de redes de cooperação como elementos de competitividade e sobrevivência dessas empresas de menor porte. Por meio de redes horizontais, as empresas podem, coletivamente, atingir economias de escala acima da capacidade individual de cada uma, realizar compras conjuntas de matérias-primas e insumos, melhorar o uso da maquinaria, definir estratégias mercadológicas conjuntas, concentrar atividades de design e promover vendas em conjunto. Tanto a forma de articulação das empresas quanto o papel que elas desempenham nos diferentes arranjos ou sistemas produtivos locais podem variar. A conformação de diferentes tipos de sistemas produtivos locais, por conseqüência, vai depender dos atributos socioeconômicos, institucionais e culturais, do sistema de governança, da capacidade inovadora, dos princípios de organização e da qualidade dos encadeamentos produtivos internos e externos a cada uma das aglomerações geográficas. Possuir um diagnóstico adequado das especificidades das dinâmicas produtivas, portanto, é indispensável para embasar projetos e políticas de desenvolvimento local, justificando, assim, o esforço de identificação do grau de especialização e concentração de setores industriais para qualificar as aglomerações geográficas e setoriais de empresas que podem ser potencializadas por ações conjuntas deliberadas, seja no sentido de incrementar a cooperação entre as empresas, seja no direcionamento das políticas públicas. 3 - Metodologia A análise da concentração e da especialização industrial dos setores de madeira e mobiliário, têxtil e metal-mecânico nas regiões delimitadas segue os procedimentos utilizados por Suzigan, Garcia e Furtado (2003), a partir de dois índices básicos: o Índice de Gini locacional (GL) e o quociente locacional (QL). O primeiro permite identificar as classes industriais que são geograficamente concentradas na região em estudo, enquanto o segundo possibilita identificar e delimitar especializações dentro da região e apontar algumas das características principais da estrutura industrial local. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005 166 3.1 - A base de dados A base de dados utilizada neste trabalho é a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho e Emprego. As informações utilizadas referem-se ao número de estabelecimentos e de empregados nos setores industriais da madeira e do mobiliário, têxtil e metal-mecânico referentes ao ano de 2001. A coleta e a tabulação dos dados da RAIS são realizadas anualmente pelo Ministério do Trabalho e Emprego, apresentando informações detalhadas sobre volume de emprego e número de estabelecimentos por atividade econômica e por município. A principal vantagem da RAIS é a desagregação setorial e geográfica dos dados, o que facilita o detalhamento das informações. Dentre as principais limitações da RAIS, podem-se citar: (a) o fato de que ela informa apenas as relações contratuais formalizadas; (b) as informações são autoclassificadas pelas empresas informantes, sem que haja qualquer verificação sobre sua consistência; e (c) as empresas informantes podem optar por respostas únicas, seja no caso de empresas que atuem em vários setores, que podem concentrar os dados em um único setor de atividade, seja no de empresas multiplantas, que podem informar os dados em uma única unidade (geralmente na matriz). A base de dados da Pesquisa Industrial Anual (PIA), organizada pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), também pode ser utilizada para avaliar a especialização e a concentração industrial, mas ela apresenta duas inconveniências importantes: a primeira é que oferece uma baixa cobertura de micro e pequenas empresas, uma vez que os dados dessa pesquisa cobrem preferencialmente unidades com mais de 30 empregados; a segunda é que a pesquisa é feita por amostragem, não cobrindo todas as localidades. Assim, mesmo reconhecendo as limitações da base de dados da RAIS, considera-se que a amplitude das informações levantadas e a possibilidade de referenciá-las a uma análise descentralizada no âmbito de municípios justificam a opção metodológica pela sua utilização. David Basso; Benedito Silva Neto; Janete Stoffel 3.2 - Indicadores de concentração e de especialização Conforme Suzigan, Garcia e Furtado (2003), os indicadores de concentração e especialização permitem verificar a distribuição geográfica da produção, identificar especializações regionais e mapear movimentos de deslocamento por região das atividades econômicas, sejam elas concentradas ou descentralizadas economicamente. A concentração e a especialização podem ser observadas em função de distintas variáveis, como, por exemplo, o número de estabelecimentos e o número de empregados. O Índice de Gini locacional possibilita identificar classes de indústrias com elevado grau de concentração geográfica da produção, enquanto o quociente locacional mede o grau de especialização e serve para identificar sistemas locais de produção nas classes de indústrias geograficamente concentradas. O Índice de Gini é um dos indicadores mais utilizados como medida de concentração (Hoffmann, 1998). Suzigan, Garcia e Furtado (2003), por exemplo, utilizam o Índice de Gini locacional para estudar a concentração industrial nas regiões do Estado de São Paulo. Esse índice varia de zero a um, e, quanto mais concentrada for a indústria na região, mais próximo da unidade ele estará, de tal forma que, se a indústria for uniformemente distribuída no espaço (território), o índice será zero. Para calcular o GL, é preciso ordenar as regiões de forma decrescente quanto ao QL da variável considerada (número de empregados ou número de estabelecimentos). O cálculo do GL é efetuado por meio da elaboração de uma poligonal de Lorenz, onde o total acumulado da variável considerada é colocado na ordenada, e o setorial acumulado é colocado na abscissa, conforme exemplificado na Figura 1. Por definição, o Índice de Gini é a relação entre a área de concentração, indicada na Figura 1 por α, e a área do triângulo ABC (cujo valor é 0,5), isto é, G = α / 0,5 = 2 α Sendo 0 <= α < 0,5 , temos 0 <= G < 1 , o qual é adimensional. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005 167 Concentração e especialização em setores industriais... ou estabelecimentos em ∑∑ Eij = empregos todos os setores de todas as regiões. Assim, pelo cálculo e pela somatória dos trapézios que se situam entre a linha da poligonal e o eixo das abscissas, obtêm-se a área β , indicada na Figura 1, e, na seqüência, o GL (na medida em que α = β - 0,5). Para o cálculo do QL, com base no número de estabelecimentos ou de empregados, Suzigan, Garcia e Furtado (2003) propõem a seguinte equação: Eij i O QL indica a especialização relativa de uma indústria num local delimitado. Esse índice, no entanto, deve ser utilizado com cuidado, já que comparações absolutas entre regiões podem gerar conclusões equivocadas, como no caso de uma região pouco desenvolvida industrialmente que pode apresentar índice de especialização elevado, mesmo existindo nela apenas uma unidade produtiva. Excluídas as situações em que a atividade industrial é inexpressiva, quanto maior for o QL, maior será o peso do setor na estrutura produtiva local comparativamente ao peso do mesmo setor no Estado ou na região, indicando a especialização produtiva, característica dos clusters ou sistemas locais de produção. A partir da análise do QL, é possível identificar a especialização produtiva na microrregião. A região do Corede Noroeste Colonial é formada por 32 municípios, sendo que, na maioria deles, a atividade industrial é pouco significativa. Para facilitar a análise do grau de especialização industrial da região, foram considerados apenas os municípios que, na RAIS do Ministério do Trabalho e Emprego referente ao ano de 2001, possuíam pelo menos 10 estabelecimentos na soma de todos os setores industriais. ∑E ij QLij = ∑E j ij i ∑∑ E ij i j j onde QLij= quociente locacional do setor i da região j; E ij= empregos ou estabelecimentos no setor i da região j; ou estabelecimentos no setor i ∑ Eij = empregos em todas as regiões; j ou estabelecimentos em todos ∑ Eij = empregos os setores da região j; i Figura 1 Exemplo de poligonal de Lorenz para o cálculo do GL Acumulado total 1,0 C 0,8 α 0,6 0,4 β 0,2 0,0 Α B 0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 Acumulado do setor 1,0 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005 168 4 - Apresentação e discussão dos resultados Neste trabalho, comparou-se o grau de concentração industrial observado na região formada pelo conjunto dos Coredes do Estado do Rio Grande do Sul e aquele observado na região do Corede Noroeste Colonial, nos setores de madeira e mobiliário, têxtil e metal-mecânico. O cálculo do Índice de Gini locacional para o Estado como um todo tomou por base a regionalização dos 22 Conselhos Regionais de Desenvolvimento, enquanto o GL para a região Noroeste Colonial levou em conta os 32 municípios que compõem este Corede. Na seqüência, analisa-se o grau de especialização industrial na região constituída pelo Corede Noroeste Colonial, nos três setores selecionados. 4.1 - Concentração industrial no Corede Noroeste Colonial comparativamente aos demais Coredes do Rio Grande do Sul O grau de concentração industrial entre as regiões que compõem os 22 Coredes do Estado do Rio Grande Sul, nos setores de madeira e mobiliário, têxtil e metal-mecânico, medido pelo Índice de Gini locacional em função do número de estabelecimentos e do número de empregados, é mostrado na Tabela 1. Os resultados apresentados na Tabela 1 indicam que nenhum dos três setores apresenta um grau de concentração significativo, já que os índices de GL calculados podem ser considerados baixos, indicando que essas indústrias estão distribuídas de forma relativamente uniforme entre as diferentes regiões do Estado. Em termos relativos, no entanto, a indústria de madeira e mobiliário é a que apresenta maiores níveis de concentração dentre os três setores analisados, apresentando índices de GL mais elevados tanto do ponto de vista do número de estabelecimentos quanto do do número de empregados. A indústria têxtil, por sua vez, é a que se apresenta de forma mais dispersa entre as regiões gaúchas, em relação tanto ao número de estabelecimentos como ao número de empregados. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005 David Basso; Benedito Silva Neto; Janete Stoffel Tabela 1 Índices de Gini locacional nas indústrias de madeira e mobiliário, têxtil e metal-mecânica, segundo o número de estabelecimentos e o número de empregados, calculados a partir dos 22 Coredes do RS — 2001 INDÚSTRIAS De madeira e mobiliário Têxtil ........................... Metal-mecânica .......... NÚMERO DE NÚMERO ESTABELECIDE MENTOS EMPREGADOS 0,30 0,14 0,19 0,41 0,19 0,29 FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. RAIS: Relação Anual de Informações Sociais. Brasília: O Ministério, 2001. Pode-se observar ainda, pelos dados da Tabela 1, que o grau de concentração analisado em função do número de empregados é maior do que quando calculado a partir do número de empresas para os três setores analisados. A Tabela 2, por sua vez, mostra o grau de concentração nos três setores selecionados na região do Corede Noroeste Colonial, com base no número de estabelecimentos e no número de empregados. Tabela 2 Índices de Gini locacional nas indústrias de madeira e mobiliário, têxtil e metal-mecânica, segundo o número de estabelecimentos e o número de empregados, calculados a partir dos 32 municípios do Corede Noroeste Colonial do RS — 2001 INDÚSTRIAS De madeira e mobiliário Têxtil ............................ Metal-mecânica ........... NÚMERO DE NÚMERO ESTABELECIDE MENTOS EMPREGADOS 0,35 0,45 0,25 0,68 0,66 0,77 FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. RAIS: Relação Anual de Informações Sociais. Brasília: O Ministério, 2001. 169 Concentração e especialização em setores industriais... A primeira constatação que se retira da observação dos dados da Tabela 2 é que existe uma concentração importante na região do Corede Noroeste Colonial, nos três setores estudados, segundo a variável número de empregados, com níveis ligeiramente superiores na indústria metal-mecânica, mas igualmente relevantes nos segmentos de madeira e mobiliário e têxtil. A segunda observação é que há uma inversão na posição dos setores quando o grau de concentração é calculado segundo o número de estabelecimentos. Se, de um lado, o setor metal-mecânico apresenta o maior grau de concentração em função do número de empregados, de outro, é o que apresenta a menor concentração, quando se refere ao número de estabelecimentos, indicando o predomínio de empresas de maior porte, com maior oferta de emprego por estabelecimento. O setor têxtil, por sua vez, possui a maior concentração de estabelecimentos e a menor concentração de trabalhadores ocupados, indicando a presença de um número maior de empresas de pequeno porte, com um baixo volume de emprego em cada uma delas. Comparando-se os resultados apresentados nas Tabelas 1 e 2, pode-se observar que a concentração industrial nos setores analisados é mais elevada na região do Corede Noroeste Colonial do que entre os Coredes do Estado do Rio Grande do Sul, em especial quando calculada com base no número de empregados. Confirmada a existência de uma concentração industrial, avalia-se, na seqüência, o grau de especialização dos municípios daquela região nos segmentos industriais metal-mecânico, têxtil e de madeira e mobiliário. 4.2 - Análise da especialização industrial nos municípios da região Noroeste Colonial Nesta seção, são apresentados e discutidos os indicadores de especialização industrial, segundo o quociente locacional, na região do Corede Noroeste Colonial, com base nos setores de madeira e mobiliário, têxtil e metal-mecânico, em função do número de estabelecimentos e do número de empregados. A Tabela 3 apresenta dados do QL da indústria de madeira e mobiliário para os municípios do Corede Noroeste Colonial do Rio Grande do Sul, calculados a partir do número de estabelecimentos. O Município de Crissiumal é o que apresenta a maior especialização no ramo de madeira e mobiliário, quando se toma como referência o número de estabelecimentos. Apesar de alguns municípios disporem de um número significativo de estabelecimentos, como é o caso de Ijuí, Panambi e Três Passos, eles apresentam quocientes locacionais consideravelmente baixos, porque a importância do setor se dilui diante de outros setores industriais presentes nessas localidades, e, por isso, o grau de especialização é inexpressivo. Tabela 3 Quocientes locacionais da indústria de madeira e mobiliário, segundo o número de estabelecimentos, nos municípios do Corede Noroeste Colonial do RS — 2001 ORDEM MUNICÍPIOS NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS Total 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 Crissiumal ......... Condor .............. Augusto Pestana Ajuricaba ........... Pejuçara ............ Tenente Portela Catuípe .............. Humaitá ............. Três Passos ...... São Martinho ..... Panambi ............ Ijuí ...................... Campo Novo ...... Santo Augusto .. Outros ................ TOTAL ............... 46 23 19 19 12 44 32 17 117 32 158 284 17 42 76 938 EMPRESAS DO SETOR Setor QL 18 8 5 5 3 9 6 3 15 4 15 25 1 1 19 137 2,68 2,38 1,80 1,80 1,71 1,40 1,28 1,21 0,88 0,86 0,65 0,60 0,40 0,16 - % do Total 39,00 35,00 26,00 26,00 25,00 20,00 19,00 18,00 13,00 13,00 9,00 9,00 6,00 2,00 14,00 FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. RAIS: Relação Anual de Informações Sociais. Brasília: O Ministério, 2001. Os indicadores de especialização na indústria de madeira e mobiliário dos municípios do Corede Noroeste Colonial, segundo o número de empregados, são apresentados na Tabela 4. Observa-se que, segundo essa variável, o Município de Crissiumal também apresenta o maior grau de especialização, seguido dos Municípios de Tenente Portela e Catuípe. Nesses municípios, o número de empregos no setor de madeira e mobiliário representa mais da metade do número de vagas de todos os setores industriais locais, chegando a representar 77% no caso do Município de Crissiumal. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005 170 David Basso; Benedito Silva Neto; Janete Stoffel Confrontando-se as Tabelas 3 e 4, observa-se uma especialização maior do Município de Crissiumal no âmbito do Corede Noroeste Colonial, na indústria de madeira e mobiliário, em relação tanto ao número de estabelecimentos quanto ao de empregados no setor. A ordem de classificação dos demais municípios mais especializados segundo o número de estabelecimentos (Condor e Augusto Pestana), no entanto, não é a mesma, quando se toma como referência o número de empregados (Tenente Portela e Catuípe), indicando a existência de uma considerável variação no número de empregados por estabelecimento entre os municípios. Quocientes locacionais da indústria de madeira e mobiliário, segundo o número de empregados, nos municípios do Corede Noroeste Colonial do RS — 2001 MUNICÍPIOS (1) NÚMERO DE EMPREGADOS Total Setor ORDEM 20 1,76 17,00 12 2 1,72 17,00 3 São Martinho .... 32 5 1,61 16,00 4 Tenente Portela 44 6 1,41 14,00 5 Humaitá ............ 17 2 1,21 12,00 6 Ajuricaba .......... 19 2 1,09 11,00 7 Augusto Pestana 19 2 1,09 11,00 8 Santo Augusto .. 42 4 0,98 10,00 16,00 9 Crissiumal ......... 46 4 0,90 9,00 Panambi ............ 158 12 0,78 8,00 2 Tenente Portela 265 155 6,70 58,00 3 Catuípe .............. 101 58 6,58 57,00 30,00 5 Pejuçara ............ 57 16 3,21 28,00 6 Humaitá ............. 50 14 3,21 28,00 Ajuricaba ............ 67 11 1,88 % do Total 117 77,00 7 QL Três Passos ..... 8,82 3,41 Setor Pejuçara ........... 171 14 Total EMPRESAS NO SETOR 2 222 47 NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS 1 % do Total QL Crissiumal .......... Augusto Pestana MUNICÍPIOS (1) EMPREGOS NO SETOR 1 4 Tabela 5 Quocientes locacionais da indústria têxtil, segundo o número de estabelecimentos, para os municípios do Corede Noroeste Colonial do RS — 2001 Tabela 4 ORDEM Como se vê na Tabela 5, o maior grau de especialização na indústria têxtil no Corede Noroeste Colonial, considerando-se o número de estabelecimentos, aparece no Município de Três Passos. O baixo grau de especialização no setor têxtil de municípios como Ijuí e Panambi, os quais possuem um número absoluto mais elevado de empresas no ramo do que outros municípios dessa região, explica-se pela presença de um maior número de empresas em outros setores industriais. 8 Condor .............. 178 24 1,54 13,00 10 9 São Martinho ..... 104 9 0,99 9,00 11 Ijuí ..................... 284 21 0,76 7,00 10 Três Passos ...... 1 148 92 0,92 8,00 12 Catuípe ............. 32 2 0,64 6,00 5,00 13 Campo Novo ..... 17 1 0,61 6,00 1,00 Outros ............... 76 19 - - TOTAL .............. 938 91 - 9,00 11 12 Ijuí ...................... 2 111 Panambi ............ 3 714 110 45 0,60 0,14 Outros ............... 568 34 - - TOTAL .............. 8 634 754 - 8,70 FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. RAIS: Relação Anual de Informações Sociais. Brasília: O Ministério, 2001. (1) Santo Augusto e Campo Novo não possuíam empregados registrados no setor. A Tabela 5 apresenta o quociente locacional na indústria têxtil, nos municípios que compõem a região do Corede Noroeste Colonial do Estado do Rio Grande do Sul, em função do número de estabelecimentos no setor, comparativamente ao total de empresas industriais existentes em cada município. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005 FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. RAIS: Relação Anual de Informações Sociais. Brasília: O Ministério, 2001. (1) Condor não possuía estabelecimentos registrados no setor. A Tabela 6 apresenta o quociente locacional da indústria têxtil para os municípios da região Noroeste Colonial, confrontando o número de empregados no setor com o total de empregos industriais. Segundo os dados da Tabela 6, três municípios do Corede Noroeste Colonial apresentam um grau de especialização na indústria têxtil, segundo o número de empregados, ligeiramente superior aos demais — São 171 Concentração e especialização em setores industriais... Martinho, Humaitá e Ajuricaba. Mesmo assim, os trabalhadores ocupados no setor, nesses municípios, não chega a 40% do total de empregados industriais. Tabela 6 Quocientes locacionais da indústria têxtil, segundo o número de empregados, para os municípios do Corede Noroeste Colonial do RS — 2001 ORDEM MUNICÍPIOS (1) NÚMERO DE EMPREGADOS Total EMPREGADOS NO SETOR Setor QL % do Total 39,00 1 São Martinho ..... 104 41 6,77 2 Humaitá ............. 50 19 6,53 38,00 3 Ajuricaba ........... 67 23 5,90 34,00 4 Três Passos ...... 1 148 178 2,66 16,00 5 Pejuçara ............. 57 7 2,11 12,00 6 Esperança do Sul 10 1 1,78 10,00 7 Santo Augusto ... 181 11 1,04 6,00 8 Tenente Portela 265 16 1,04 6,00 9 Crissiumal .......... 222 10 0,77 5,00 10 Augusto Pestana 47 2 0,73 4,00 11 Ijuí ...................... 2 111 72 0,59 3,00 12 Catuípe .............. 101 2 0,34 2,00 13 Panambi ............. 3 714 48 0,22 1,00 Outros ................ 526 - - TOTAL ............... 8 634 484 - nos municípios do Corede Noroeste Colonial, com base no número de estabelecimentos podem ser observados na Tabela 7. A participação do número de estabelecimentos na indústria metal-mecânica só é relevante para o Município de Panambi, onde representam, como revelam os dados da Tabela 7, pouco mais de um terço do total das empresas industriais locais. É interessante observar que, na região Noroeste Colonial, apenas os Municípios de Panambi e Ijuí apresentam mais de 10 empresas no setor. No geral, pode-se dizer que não existe uma especialização no setor metal-mecânico nessa região do Estado, considerando-se apenas o número de unidades de produção. Tabela 7 Quocientes locacionais da indústria metal-mecânica, segundo o número de estabelecimentos, para os municípios do Corede Noroeste Colonial do RS — 2001 ORDEM MUNICÍPIOS (1) NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS Total Setor EMPRESAS DO SETOR QL % do Total 1 Panambi .............. 158 57 2,29 36,00 2 Humaitá .............. 17 5 1,86 29,00 - 3 Condor ................ 23 4 1,10 17,00 5,60 4 Tenente Portela 44 7 1,01 16,00 FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. RAIS: Relação Anual de Informações Sociais. Brasília: O Ministério, 2001. 5 Ijuí ...................... 284 44 0,98 15,00 6 Santo Augusto ... 42 5 0,75 12,00 7 Augusto Pestana 19 2 0,67 11,00 (1) Condor não possuía empregados registrados no setor. 8 Ajuricaba ............ 19 2 0,67 11,00 Comparando-se as Tabelas 5 e 6, observa-se que a posição dos municípios dentro do Corede Noroeste Colonial, segundo o grau de especialização, é diferente, conforme se adota como critério o número de estabelecimentos ou o de empregados para o cálculo do quociente locacional. Isso pode ser explicado pelo fato de haver uma certa disparidade no número médio de empregados por empresa entre os municípios. Mesmo apresentando o maior número de trabalhadores no ramo têxtil, em 2001, o Município de Três Passos não é o mais especializado dessa região, pois o conjunto de trabalhadores está disperso em outros setores da indústria local. Os indicadores do quociente locacional que medem o grau de especialização da indústria metal-mecânica, 9 Catuípe ............... 32 3 0,59 9,00 10 Crissiumal ........... 46 4 0,55 9,00 11 Pejuçara ............. 12 1 0,53 8,00 12 Três Passos ....... 117 6 0,33 5,00 13 São Martinho ...... 32 1 0,20 3,00 Outros ................ 61 0 - - TOTAL ............... 938 148 - 16,00 FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. RAIS:Relação Anual de Informações Sociais. Brasília: O Ministério, 2001. (1) Campo Novo não possuía estabelecimentos registrado no setor. A Tabela 8 apresenta os indicadores do quociente locacional da indústria metal-mecânica nos municípios que compõem o Corede Noroeste Colonial, considerando- Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005 172 David Basso; Benedito Silva Neto; Janete Stoffel -se o número de empregados no setor confrontado com o volume total de empregos no conjunto da atividade industrial em cada município. Como pode ser observado na Tabela 8, há uma forte especialização na indústria metal-mecânica, segundo o número de empregados, nos Municípios de Panambi e Condor, nos quais 73% e 63%, respectivamente, dos trabalhadores industriais estão ocupados em empresas desse setor industrial. Mesmo possuindo um número importante de trabalhadores ocupados, o grau de especialização do Município de Ijuí nesse setor de atividade é baixo, o que se explica pela presença de um número maior de empregos gerados em outros setores da atividade industrial nesse município. A observação conjunta das Tabelas 7 e 8 permite constatar que a maior especialização na região Noroeste Colonial, no setor metal-mecânico, se encontra no Município de Panambi, tanto em relação ao número de estabelecimentos (36%) quanto ao de empregados com carteira assinada (73%). Tabela 8 Quocientes locacionais da indústria metal-mecânica, segundo o número de empregados, para os municípios do Corede Noroeste Colonial do RS — 2001 ORDEM MUNICÍPIOS (1) NÚMERO DE EMPREGADOS EMPREGOS NO SETOR Total Setor QL % do Total 1 Panambi ............. 3 714 2 726 1,87 73,00 2 Condor ............... 178 113 1,62 63,00 3 Ajuricaba ............. 67 14 0,53 21,00 4 Ijuí ....................... 2 111 440 0,53 21,00 5 Humaitá .............. 50 6 0,31 12,00 6 Santo Augusto ... 181 16 0,23 9,00 7 Tenente Portela .. 265 21 0,20 8,00 8 Augusto Pestana 47 2 0,11 4,00 9 Catuípe .............. 101 4 0,10 4,00 10 Crissiumal ........... 222 6 0,07 3,00 11 Pejuçara ............. 57 1 0,04 2,00 12 Três Passos ....... 1 148 14 0,03 1,00 425 - - - TOTAL ............... 8 634 3 382 - 39,00 Outros ................ 5 - Conclusões Os resultados obtidos neste trabalho permitem concluir que as indústrias de madeira e mobiliário, têxtil e metal-mecânica apresentam uma distribuição relativamente uniforme (baixo grau de concentração) entre os Coredes do Estado. Entre os municípios do Corede Noroeste Colonial, entretanto, existe uma distribuição não uniforme (alto grau de concentração) nos setores de madeira e mobiliário, têxtil e metal-mecânico, quando se toma por base o número de empregados, em especial quando se trata da indústria metal-mecânica. No interior do Corede Noroeste Colonial, existe uma especialização industrial, em alguns municípios, nos setores de madeira e mobiliário e metal-mecânico, principalmente quando se considera o número de empregados com carteira assinada. Crissiumal é o município com maior especialização na indústria de madeira e mobiliário, enquanto Panambi é o município mais especializado no setor metal-mecânico. O setor têxtil é o que apresenta os menores índices de especialização, em termos tanto de número de estabelecimentos como de empregados. Por fim, deve-se destacar que o quociente locacional apresenta algumas limitações para identificar o grau de especialização industrial, já que ele não considera adequadamente o grau absoluto de industrialização do município analisado. Assim, alguns resultados obtidos indicam um alto grau de especialização em alguns ramos industriais, em municípios cujo setor industrial apresenta um papel praticamente nulo na sua dinâmica de desenvolvimento. Tais resultados aconselham prudência na interpretação dos valores de QL obtidos, especialmente quando se pretenda utilizá-los na identificação de aglomerados industriais como base para a elaboração de políticas de desenvolvimento. Nesse sentido, devem-se agregar outros dados na análise, que permitam um melhor dimensionamento dos setores industriais não apenas em relação ao conjunto da atividade industrial, mas também em relação à dinâmica econômica local no seu todo. Referências FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. RAIS: Relação Anual de Informações Sociais. Brasília: O Ministério, 2001. AYDALOT, P. (Ed.). Millieux innovateurs en Europe. Paris: GREMI, 1986. (1) Campo Novo e São Martinho não possuíam empregados registrados no setor. BAGNASCO, A. La costruzione sociale del mercato. Bologna: Societa Editrice Il Mulino, 1988. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005 Concentração e especialização em setores industriais... 173 BECATTINI, G. Dal settore industriale al distretto industriale. Rivista di Economia e Politica Industriale, Bologna: Societa Editrice Il Mulino, v. 5, n. 1, p. 7-21, 1979. SUZIGAN, W. et al. Clusters ou sistemas locais de produção: mapeamento, tipologia e sugestões de políticas. Revista de Economia Política, São Paulo: Editora 34, v. 24, n. 4 (96), p. 543-562, out./dez., 2004. BENKO, G.; LIPIETZ, A., (Ed.). Les régions qui gagnent.-.districts et reseaux: les nouveaux paradigmes de la geographie économique. Paris: PUF, 1992. SUZIGAN, W. et. al. 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ORIENTAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE ARTIGOS 1 - A revista Indicadores Econômicos FEE é uma publicação trimestral da Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser e tem por objetivo a divulgação de artigos de caráter conjuntural no âmbito das economias gaúcha, nacional e internacional. 2 - Os artigos remetidos à revista Indicadores Econômicos FEE para publicação devem ser inéditos, em língua portuguesa (Brasil), apresentados na sua versão definitiva e acompanhados de um abstract em inglês e de um resumo em português, com 10 linhas no máximo. 3 - Devem ser apresentadas as palavras-chave do texto, no número máximo de três. 4 - Os artigos devem vir acompanhados do nome completo do autor, de sua titulação acadêmica e do nome das instituições a que está vinculado, além do endereço para contato, e-mail, telefone ou fax. 5 - Devem ser encaminhadas três cópias impressas dos artigos, com as páginas numeradas na margem superior direita e não excedendo 25 laudas de 24 linhas, em espaço duplo, fonte Times New Roman, tamanho 12, incluindo notas, bibliografia e outras referências. As cópias impressas devem vir acompanhadas do arquivo correspondente em MS-Word. 6 - As notas de rodapé devem conter apenas informações explicativas ou complementares e apresentadas em ordem seqüencial. 7 - As citações devem ser feitas no próprio texto, com a respectiva fonte: sobrenome do autor, ano da publicação e número da página entre parênteses (Vanin, 1980, p. 8). As citações em língua estrangeira devem vir traduzidas, ficando a critério do autor a publicação do original em nota de rodapé. 8 - As referências bibliográficas devem conter o nome completo do autor, o título da obra, o local e a data de publicação, o nome do editor e o número de páginas, enquadrando-se em uma das situações a seguir referidas: a) livros - POCHMANN, Márcio (2001). O emprego na globalização. A nova internacionalização do trabalho e a) livros - os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo Editorial, 151p. a) livros -CASTRO, Antônio B. de, SOUZA, Francisco E. P. de (1985). A economia brasileira em marcha fora) livros - çada, 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 217p. b) capítulo ou artigo de livro - MIRANDA, José Carlos da Rocha (1997). Dinâmica financeira e política macroeb) capítulo ou artigo de livro conômica. In: TAVARES, M. C.; FIORI, J. L., orgs. Poder e dinheiro: uma ecob) capítulo ou artigo de livro - nomia política da globalização. Petrópolis: Vozes, p. 243-275. c) periódicos - CONJUNTURA ECONÔMICA (2000). Rio de Janeiro: FGV, n. 12, dez. e) artigos de jornais - SALGUEIRO, Sônia (2000). Autopeças brasileiras conquistam mercado externo. Gazeta e) artigos de jornais - Mercantil, São Paulo, p. A-4, 6-8 mar. e) artigos de jornais - PARTICIPAÇÃO de salários no PIB cai para 38% (1997). Folha de São Paulo, São e) artigos de jornais - Paulo, 12 dez., p. 2-5. f) informação ou texto obtidos pela internet - BNDES (2000). O IED no Brasil e no mundo: principais tendênf) informação ou texto obtidos pela internet - cias. Sinopse Econômica. Disponível em: f) informação ou texto obtidos pela internet - http://bndes.gov.br/sinopse/poleco.htm Acesso em 21 mar. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005 176 David Basso; Benedito Silva Neto; Janete Stoffel 9 - As tabelas e os gráficos apresentados no artigo devem ser numerados e apresentar título e fonte completos. Os gráficos devem ser gerados no MS-Excel, com formatação em preto e branco. O arquivo do MS-Excel deve ser encaminhado à revista Indicadores Econômicos FEE contendo as tabelas dos dados vinculadas aos gráficos gerados. 10 - Os artigos encaminhados à revista Indicadores Econômicos FEE serão submetidos à apreciação do Conseselho de Redação, sendo os autores informados da aceitação ou da recusa de seus trabalhos. 11 - Em se tratando de artigos aprovados, o Conselho de Redação reserva-se o direito de introduzir as modificações editoriais que julgar convenientes. 12 - O envio espontâneo de qualquer colaboração implica, automaticamente, a cessão integral dos direitos autorais à FEE. 13 - Toda correspondência deverá ser enviada à: Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser Revista Indicadores Econômicos FEE Rua Duque de Caxias, 1691 CEP 90010-283 — Porto Alegre — RS E-mail: [email protected] Fone: (0XX51) 3216-9050 Fax: (0XX51) 3225-0006 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005 177 Concentração e especialização em setores industriais... FICHA DE ASSINATURA As revistas Indicadores Econômicos FEE e Ensaios FEE podem ser adquiridas na Livraria da FEE, Rua Duque de Caxias, 1691, térreo, CEP 90010-283, Porto Alegre-RS, de segunda a sexta-feira, das 8h30min às 12h e das 13h30min às 18h, ou por fone (0xx51) 3216-9118, fax (0xx51) 3225-0006, e-mail [email protected], ou, ainda, pela Home Page www.fee.rs.gov.br Você também pode optar por uma assinatura, preenchendo o formulário abaixo e enviando o cheque ou o comprovante de depósito para a Secretaria das Revistas, no 6º andar do endereço acima. Publicação Desejo receber a revista Ensaios FEE pelo preço de R$ 40,00 cada assinatura anual (edição semestral). Desejo receber a revista Indicadores Econômicos FEE pelo preço de R$ 75,00 cada assinatura anual (edição trimestral). 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Conferência: Elisabeth Alende Lopes e Rejane Schimitt Hübner. Impressão: Cassiano Osvaldo Machado Vargas e Luiz Carlos da Silva. Capa: Ezequiel Dias de Oliveira. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005 180 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005 David Basso; Benedito Silva Neto; Janete Stoffel