1
SECRETARIA DA COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTO
FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser
ISSN 0103-3905
A revista Indicadores Econômicos FEE é uma publicação trimestral da Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser que divulga análises
socioeconômicas de caráter conjuntural no âmbito das economias gaúcha, nacional e internacional.
EDITOR
Octavio Augusto Camargo Conceição
SECRETÁRIA EXECUTIVA
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CONSELHO DE REDAÇÃO
Octavio Augusto Camargo Conceição
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Teresinha da Silva Bello
CONSELHO EDITORIAL
Octavio Augusto Camargo Conceição
Álvaro Antônio Louzada Garcia
Maria Aparecida Grendene de Souza
Pedro Cezar Dutra Fonseca
Otília Beatriz K. Carrion
Dercio Garcia Munhoz
Leda Paulani
Maurício Coutinho
Luiz G. Belluzzo
Trimestral
Indic. Econ. FEE
Porto Alegre
v. 33
n. 3
p. 1-180
2005
2
SECRETARIA DA COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTO
FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser
CONSELHO DE PLANEJAMENTO: Aod Cunha de Moraes Junior (Presidente), André Luis Campos, Ernesto Dornelles Saraiva, Leonardo Ely Schreiner, Nelson Machado
Fagundes, Pedro Silveira Bandeira e Thômaz Nunnenkamp.
CONSELHO CURADOR: Carla Giane Soares da Cunha, Flávio Pompermayer e Lauro Nestor Renck.
DIRETORIA
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DIRETOR TÉCNICO: ÁLVARO ANTÔNIO LOUZADA GARCIA
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Emanuel Heuser. — v. 16, n. 2 (1988) - . - Porto Alegre: FEE, 1988 - . v.Trimestral
Continuação de: Indicadores Econômicos RS, v. 16, n. 2, 1988.
Índices: 1973-1988 em v. 17, n. 1;
1973-1990 em v. 19, n. 1;
1973-1992 em v. 21, n. 4;
1992-1994 em v. 23, n. 3.
ISSN 0103-3905
1. Economia - periódicos. 2. Estatística - periódicos. I. Fundação de Economia e
Estatística Siegfried Emanuel Heuser.
CDU 33(05)
CDU 31(05)
Tiragem: 530 exemplares.
Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores.
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3
Sumário
A CONJUNTURA NO TRIMESTRE .................................................................................................
5-62
Política econômica
As negociações comerciais do Brasil: arenas, agendas e interesses — Luiz Augusto Estrella Faria ..
07
Análise setorial
Agropecuária
Exportações de carne: um segmento dinâmico do agronegócio — Vivian Fürstenau ............................
15
Indústria
O emprego industrial no RS: um breve balanço no Governo Lula — Maria Isabel H. da Jornada ...........
23
Relações internacionais
Algumas reflexões sobre a valorização cambial — Teresinha da Silva Bello ..........................................
33
Mercado de trabalho
Mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre: melhoria no perfil dos assalariados —
Alejandro Kuajara Arandia ...............................................................................................................
39
Indicadores sociais
Educação infantil no Brasil e no Rio Grande do Sul: o descompasso frente à legislação — Hélios Puig
Gonzalez e Salvatore Santagada ..................................................................................................
47
INDICADORES SELECIONADOS DO RS .........................................................................................
63-70
ARTIGOS DE CONJUNTURA ............................................................................................................
71-174
Os fluxos externos de capitais privados no Brasil — 1991-04 — Roberto Marcantonio .........................
73
Mudança no regime cambial da China — André Moreira Cunha ............................................................
85
4
A determinação da taxa de juros em uma economia sob metas para inflação: o caso brasileiro — Helder
Ferreira de Mendonça, Lucas Lautert Dezordi e Marcelo Luiz Curado ..........................................
97
Telecomunicações: os resultados da política de competição — Renato Antonio Dal Maso .................
111
A ineficácia dos programas públicos pró-pobres: o caso do Programa Bolsa-Família — Régis Rathmann
129
Desigualdades sociais e espaciais na metrópole: um olhar sobre a Região Metropolitana de Porto Alegre
em 2000 — Rosetta Mammarella e Tanya M. de Barcellos ...............................................................
137
Concentração e especialização em setores industriais na região Noroeste Colonial do Rio Grande do
Sul — David Basso, Benedito Silva Neto e Janete Stoffel ................................................................
163
A
CONJUNTURA
NO
TRIMESTRE
5
14
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 7-14, dez. 2005
Luiz Augusto Estrella Faria
7
De volta do futuro? O comércio exterior do Brasil no começo do século XXI
Política econômica
As negociações comerciais do Brasil: arenas,
agendas e interesses
Luiz Augusto Estrella Faria*
Economista da FEE e Professor da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Artigo recebido em 21 out. 2005.
1 - Introdução
Durante a maior parte do século XX, o Brasil
considerou-se o país do futuro, um futuro de modernidade,
que tinha na indústria seu motor econômico. O
esgotamento do modelo primário exportador foi
acompanhado pela Revolução de 1930, que promoveu
uma série de profundas mudanças na sociedade
brasileira. Um novo consenso econômico formou-se desde
então, cuja idéia central via na industrialização o caminho
para o desenvolvimento. Foi assim que, a partir dos anos
40 e pela via da substituição de importações, a dinâmica
da economia brasileira passou a ser comandada pelo
desempenho de seu setor industrial. Desde 1981,
desafortunadamente, o desenvolvimento esgotou-se. As
taxas de crescimento caíram a menos de um terço do
que haviam sido nos 40 anos anteriores, e o peso da
indústria no PIB reduziu-se. Passados 25 anos de
estagnação, em que, além do mau desempenho da
estrutura produtiva, a inflação e o desequilíbrio no balanço
de pagamentos, originado pela dívida externa, geraram
uma circunstância de permanente estagnação, a elevação
das exportações aparece como principal elemento de
uma melhora no quadro cinzento da economia nacional.
Assim, no alvorecer do novo século, as expectativas de
crescimento econômico estão depositadas no comércio
exterior, principalmente no de produtos primários. É como
se o futuro se encontrasse no passado.
Nessa época, a sociedade brasileira viu-se
envolvida no processo mundial de financeirização
capitalista, a hegemonia que a alta finança passou a
* O autor agradece as críticas de Joachim Becker à pesquisa
que está na origem do presente texto, bem como a FAPERGS
pelo apoio. Os equívocos porventura remanescentes são de
responsabilidade do autor.
exercer sobre as estruturas de poder econômico e político
em escala planetária. Esse processo teve no
endividamento externo e em seu “outro”, a dívida pública,
seu epicentro. Daí decorreu a ascensão do rentismo à
condição de forma fundamental de acumulação de riqueza
por parte de uma oligarquia econômica brasileira
associada ao grande capital internacional, proprietários
de ativos no País ou detentores de posições credoras
sobre o endividamento nacional. A acumulação rentista
é viabilizada por uma surpreendente capacidade de as
estruturas produtivas suportarem o peso dessa
transferência de valor e pela não menos surpreendente
capacidade arrecadatória do Estado, que alcançou elevar
a carga tributária de 28% para 36% do PIB entre 1994 e
2004, para fazer frente aos custos da dívida pública. A
política monetária extremamente amigável às finanças
(juros elevados, câmbio livre, baixa tributação e fraca
regulamentação) atrai investidores estrangeiros, o que,
somado aos bons resultados do comércio exterior,
mantém a estabilidade das contas externas.
A cena internacional que se descortina põe um
conjunto de desafios para o Brasil, dentre os quais se
destacam as transformações nas regras do comércio
internacional, item decisivo em razão da fragilidade
externa da economia brasileira. Este trabalho traça uma
relação entre as negociações comerciais em que o País
está envolvido e seus efeitos sobre as perspectivas de
desenvolvimento econômico.
2 - Política externa e forças
sociais
A política externa brasileira teve, ao longo do século
XX, uma característica pendular, que alternou períodos
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 7-14, dez. 2005
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de estreito alinhamento com os interesses dos EUA com
outros de maior autonomia. Após um último momento de
alinhamento automático a Washington, que predominou
na última década do século passado, o novo governo —
empossado, em 2003, sob o signo da mudança e que,
para decepção da opinião pública, não apenas manteve
como aprofundou o caráter neoliberal da política
econômica —, no que toca às relações exteriores,
imprimiu uma clara inflexão. Com uma visão fortemente
voltada para o que percebe ser o interesse nacional, suas
prioridades passaram a ser a integração sul-americana,
a consolidação de alianças com os países do sul e o
fortalecimento da posição negociadora nos fóruns do
comércio internacional.
Uma clara contradição marca esse governo,
neoliberal na economia e o que se poderia chamar
neoterceiromundista nas relações exteriores. Essa
contradição tem a ver com uma recomposição com
mudança de hegemonia interna ao bloco do poder
econômico, com o deslocamento do empresariado
industrial e a ascensão da grande finança globalizada,
ocorrida no final dos anos 80. A direção política da
Administração Lula buscou uma conciliação com esses
interesses, ao mesmo tempo em que fazia um movimento
em direção à enorme massa de cerca de 100 milhões de
brasileiros miseráveis e politicamente desorganizados,
alvo de suas políticas sociais, embora tímidas, de grande
abrangência. De um lado, os movimentos populares, base
social original do PT — decepcionada com a continuidade
da política econômica —, vêem na política externa um
dos poucos campos em que existe espaço para uma
disputa real com o modelo neoliberal. A análise das
negociações comerciais que segue exemplifica bem o
ponto. Do outro, encontra-se o bloco das classes
dominantes, que, embora tenha abandonado, de forma
geral, a antiga crença no crescimento acelerado como
fonte de prosperidade, trocado que foi pelo rentismo
financeiro, busca controlar a agenda da política externa,
do mesmo modo como faz com a política econômica.
Assim, a compreensão das posições brasileiras nas
negociações comerciais deve partir das forças sociais
nelas envolvidas.
No bloco dominante, o primeiro segmento
importante é o do chamado agronegócio: proprietários
de terra produtores de commodities, indústrias
beneficiadoras de produtos agropecuários e empresas
comerciais exportadoras. Herdeiros das antigas
oligarquias rurais, sua capacidade de ação política é
desproporcional a seu peso no PIB. A importância dos
temas acesso aos mercados e bens agrícolas na pauta
brasileira revela toda a sua força.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 7-14, dez. 2005
Luiz Augusto Estrella Faria
Um segundo grupo é aquele ligado às indústrias de
produtos semimanufaturados e estandardizados, como
aço, produtos de celulose, química ou minérios. É uma
coalizão de poucas grandes empresas oligopolistas,
muitas recém-privatizadas, de propriedade de bancos,
fundos de pensão e multinacionais. Formadores de preço
no mercado interno e tomadores no mercado externo,
seu interesse maior é superar barreiras na Europa e nos
EUA.
Um terceiro segmento importante é o vinculado às
indústrias de bens duráveis de consumo, como
automóveis, máquinas agrícolas e eletrodomésticos,
formado principalmente por multinacionais, em alguns
casos associadas a grupos locais, e estruturado em
mercados de concorrência monopolista no plano regional.
Seu maior interesse está no Mercosul e na integração
sul-americana. Um caso particular é o da indústria
aeronáutica, cujo mercado é mundial e dependente
fundamentalmente de iniciativas de política comercial
estratégica, como subsídios, compras governamentais,
negociações bilaterais e iniciativas de acionamento dos
mecanismos de solução de controvérsias no âmbito da
Organização Mundial do Comércio (OMC).
Por fim, há o grupo da indústria de bens não
duráveis, como têxtil, alimentação e calçados. Seus
interesses são preservar o mercado interno e superar as
barreiras dos países desenvolvidos. Menos concentrado
e com presença significativa de pequenas e médias
empresas, é um setor menos articulado para intervir nas
negociações. É também muito sensível às oscilações
do câmbio, tendo sofrido duras perdas em razão da
abertura indiscriminada e da valorização do real nos anos
90.
No campo popular, três grupos estão mais
organizados para interferir nas negociações. Os pequenos
agricultores são o primeiro deles, representados pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
(Contag) e pelo Movimento dos Sem-Terra (MST), que
luta pela preservação e pela conquista da propriedade
da terra e dos empregos no campo. Seu objetivo é a
produção de alimentos para o consumo popular,
preservando o mercado interno e a segurança alimentar
da nação. É, por essa razão, um grupo vigilante sobre as
concessões de acesso ao mercado brasileiro, ao mesmo
tempo em que tem pouco interesse nas exportações,
não sendo, portanto, um aliado do agronegócio, como
ocorre com a agricultura familiar nos países
desenvolvidos.
O segundo grupo é formado pelos sindicatos de
trabalhadores urbanos. Da mesma forma que os pequenos
agricultores, fazem oposição ideológica ao livre-mercado
9
De volta do futuro? O comércio exterior do Brasil no começo do século XXI
e são muito vigilantes em relação às concessões em
torno do acesso a mercados, preocupados com seu efeito
sobre o emprego, principalmente na indústria nacional.
Diferentemente de seus companheiros do campo, esse
grupo tem mais facilidade em estabelecer alianças com
os interesses empresariais da indústria na busca de
acesso a mercados externos.
Um colorido mosaico de ONGs, em sua maioria
militantes do movimento antiglobalização, forma o terceiro
grupo de interesses no campo popular. Como os demais
grupos, está bastante preocupado com os efeitos do
comércio sobre o emprego e é especialmente sensível a
temas como propriedade intelectual, medidas
“antidumping”, comércio de serviços e compras governamentais. Junto com os sindicatos de trabalhadores,
diversas ONGs constituíram a Aliança Social Continental,
da qual fazem parte as principais centrais sindicais do
continente, a começar pela norte-americana — American
Federation of Labor (AFL-CIO) — e pela brasileira —
Central Única dos Trabalhadores (CUT) —, e que foi
formada para se opor à proposta da Área de Livre
Comércio das Américas (ALCA), opondo à integração
dos mercados uma integração dos povos.
Essas contradições da sociedade cívil estão
refletidas no Estado, embora sua burocracia goze de uma
relativa autonomia. O Banco Central e o Ministério da
Fazenda têm, em seus quadros superiores, uma forte
presença de fundamentalistas neoliberais, com sua
crença nas virtudes do livre-mercado. Sua interlocução
social encontra-se no grupo da alta finança internacionalizada. Muitas vezes, esse grupo poderoso é apoiado
pelos Ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento,
onde o agronegócio e os segmentos industriais nacionais
e multinacionais estão bem representados. Em oposição
a esses, estão os integracionistas do Ministério de
Relações Exteriores, outra burocracia bastante tradicional
do Estado brasileiro, talvez a que melhor seja capaz de
formular uma interpretação ativa do interesse nacional.
Sua posição negociadora é apoiada pelas forças
populares, sindicatos e ONGs, tendo, em diversas
oportunidades, sido alvo de movimentos de verdadeira
sabotagem por parte do Ministério da Fazenda e do Banco
Central.
3 - As três arenas de negociação
A estratégia da política externa brasileira atual, tal
como é verbalizada pelos representantes do Itamaraty,
busca alcançar um protagonismo para o País na cena
internacional. 1 Suas diretrizes pretendem vincular
integração regional, comércio exterior e desenvolvimento.
Essa posição é seguida em três arenas de negociação.
A primeira é multilateral e tem seu tabuleiro principal na
atual rodada de Doha, da OMC, embora fóruns como a
United Nations Conference on Trade and Development
(UNCTAD) também sejam relevantes. Uma segunda arena
é formada pelas negociações em torno de acordos que
chamarei bilaterais, como no caso da ALCA ou das
negociações Mercosul-União Européia.2 A terceira arena
é aquela da integração regional, com o Mercosul em seu
centro e tendo como perspectiva a consolidação da
Comunidade Sul-Americana de Nações.
É importante salientar uma relativa fragilidade inicial
da posição negociadora brasileira no balanço do que
deseja conquistar e o que está disposto a conceder. A
última década de reformas econômicas de corte
neoliberal, que fizeram do Brasil e de quase todos os
países latino-americanos “bons alunos” desse receituário,
representa uma significativa desvantagem para sua
participação nas negociações, pois reduziu significativamente as ofertas que podem ser feitas em razão do corte
unilateral de tarifas do começo dos anos 90.3 O mesmo
vale para a desregulamentação e para as privatizações
de serviços públicos, também unilateralmente abertos
ao capital estrangeiro, assim como para a abertura do
mercado financeiro, da mesma maneira realizada de
forma unilateral.
Um outro aspecto é a definição de qual agenda para
cada arena. Para o Brasil, interessa limitar a agenda
dessas negociações bilaterais à questão do acesso aos
mercados e remeter ao foro da OMC os temas sensíveis,
como propriedade intelectual, investimento e serviços.
Isto porque a diplomacia brasileira vê no foro multilateral
1
Explicando a posição do Brasil, o Embaixador José Bustani
(2004) critica o que chama de um mito contemporâneo, o de
uma ordem mundial imperial imposta aos menos desenvolvidos
e “(...) que recomenda timidez no cenário internacional e aceitação
das supostas realidades de poder”. Ao contrário, diz que “(...) é
possível uma atuação corajosa e ao mesmo tempo pragmática”.
2
No caso da ALCA, bilateral porque opõe Mercosul e seus aliados
sul-americanos aos EUA, como se fosse uma negociação entre
dois blocos.
3
Insistindo no mesmo erro, recentemente o Ministério da Fazenda
tornou pública uma proposta negociadora em que admite uma
redução prévia da tarifa externa comum do Mercosul, como
medida para sinalizar que um gesto equivalente deveria ser feito
pelos países desenvolvidos. Essa ingenuidade do fundamentalismo de mercado, que encanta a equipe econômica, em outros
tempos seria considerada uma ação de inimigo na trincheira.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 7-14, dez. 2005
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um espaço mais favorável à sua posição, pois permite
que os países em desenvolvimento ajam coordenadamente, como no bem-sucedido caso da formação do
G20+ na Conferência de Cancún. No caso da arena da
integração regional, o escopo é bem mais amplo, pois se
trata de ir muito além de uma zona de livre comércio e
consolidar uma comunidade de nações, o que implica
convergência institucional e política, formação de normas
comuns, construção de uma infra-estrutura comum e
assim por diante.
3.1 - As negociações multilaterais na OMC
Na arena multilateral, o interesse central do Brasil
e de seus aliados é a superação da agenda inaugurada
na Rodada Uruguai do General Agreement on Tariffs and
Trade (GATT) (Bahadian, 2004), onde, sob a influência
da inflexão ideológica ao neoliberalismo dos EUA e de
vários países da Organização de Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), foram incluídos
nas negociações comerciais temas como propriedade
intelectual (Trips), investimento (Trims) e serviços (GATS).
Para os países em desenvolvimento, tais temas devem
ser tratados à luz das diferenças e peculiaridades de
suas trajetórias de desenvolvimento, pois vêem nas
novas regras a imposição de uma uniformização, que
muitos autores, como Rodrik (1999), qualificam como
um impeditivo à sua liberdade de escolher trajetórias e
estratégias de desenvolvimento em conformidade com
suas características nacionais. Mais ainda, tais medidas
podem vir a ser um real obstáculo ao desenvolvimento,
por proibirem ações indispensáveis à sua consecução
(Chang, 2003).
Desde 2003, a nova agenda brasileira passou a ter
no fortalecimento de alianças ao sul sua estratégia,
donde resultou a formação do G20+, organizado em
Cancún e culpado pelo fracasso daquele encontro, na
versão dos EUA. O ponto central de dissenso foi a
agricultura, com seus dois desdobramentos: o acesso
aos mercados do norte por parte dos países em
desenvolvimento e a redução dos subsídios aos
agricultores europeus e dos EUA, responsáveis pela
deterioração dos preços e pela deformação da
concorrência internacional.
O peso da questão agrícola para o Brasil tem três
razões. Primeiro, o tema permite um alargamento
considerável das alianças na arena de negociação,
consolidando um bloco razoavelmente coeso de nações
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 7-14, dez. 2005
Luiz Augusto Estrella Faria
em desenvolvimento. Segundo, o acesso aos mercados
atende às demandas do agronegócio, politicamente
importante. E, terceiro, dá um forte argumento para uma
maior intransigência nas negociações de outros tópicos.
Até o presente, o G20+ tem sido bem-sucedido em
manter os chamados temas de Cingapura fora da agenda,
o que dá uma perspectiva melhor para as negociações
do que aquela da rodada Uruguai do GATT, em que os
interesses dos países desenvolvidos prevaleceram
largamente. Os resultados positivos até agora só foram
possíveis pela organização dos países em desenvolvimento, um saldo promissor do processo até o momento
(Drábek, 2004). Mesmo que a pauta desses países tenha
colocado em evidência os interesses do grupo do
agronegócio e dos produtores de produtos industriais
estandardizados, pela própria complexidade das
negociações nessa arena, o raio de manobra da
burocracia do Itamaraty, para defender o que entendem
como interesse nacional no longo prazo, é maior.
3.2 - Os acordos de livre-comércio bilaterais
Sem dúvida, os acordos de livre-comércio bilaterais
são as arenas de negociação mais difíceis, por
envolverem uma assimetria muito grande das partes. As
tratativas com a União Européia (UE) aceleraram-se
desde 2003, num movimento visando concorrer com o
calendário da ALCA, e tiveram, de início, uma agenda
menos ambiciosa, onde o acesso a mercados foi o tema
central. Representando mais de 40% do mercado exportador do Mercosul, concentrado em bens agropecuários,
e apenas 3% das exportações européias, o fluxo de
comércio entre os dois blocos produziu um déficit para a
Europa de 10,3 bilhões de euros em 2003. O ponto central
da discórdia está na posição européia de querer introduzir
alguns dos temas de Cingapura, como proteção ao
investimento e serviços, enquanto admite um pequeno
recuo em sua política de quotas para produtos sensíveis,
como carne suína e de frango, e força uma maior abertura
no segmento de produtos industriais.
Para os sul-americanos, as pressões dos grupos
industriais de bens duráveis e de capital e da agricultura
familiar, como no caso dos laticínios, reforçaram uma
posição mais intransigente. Da mesma forma, seus
negociadores perceberam no tema das quotas uma
tentativa de um criar um precedente para a arena da OMC,
bem como não mostraram disposição de renunciar ao
direito soberano de regular investimentos e serviços e
11
De volta do futuro? O comércio exterior do Brasil no começo do século XXI
mantiveram a posição de remeter tais temas ao foro
multilateral da rodada de Doha. O impasse levou a um
retardamento das negociações.
A arena de negociações entre as nações
americanas tinha uma agenda inicial que combinava
comércio e desenvolvimento, respeitando as assimetrias
entre seus participantes, a qual, em razão da pauta
proposta pelos EUA para a ALCA, ficou reduzida à questão
do livre-comércio (Bahadian, 2004). Pior, vários dos temas
de Cingapura e outros elementos, como a cláusula
Estado-investidor e um mecanismo de solução de
controvérsia, foram sugeridos, numa repetição quase
literal dos instrumentos do Acordo de Livre-Comércio da
América do Norte (NAFTA).4
Desde o início das negociações, grupos de interesse
vêm intervindo. De um lado, o agronegócio e os produtores
de bens industriais estandardizados, favoráveis a amplas
concessões em troca do acesso ao mercado norte-americano e, de outro lado, uma coalizão de sindicatos
de trabalhadores e ONGs, contrários ao livre-comércio e
defensores de uma retirada do Brasil das negociações.
Como foi referido, esse grupo está organizado em sintonia
com forças sociais dos outros países, formando a Aliança
Social Continental, da qual fazem parte desde a CUT
brasileira até a AFL-CIO dos EUA.
As negociações que haviam iniciado em 1994
passaram a assumir um caráter público apenas em 2001,
quando seu conteúdo foi divulgado. Desde então, sua
continuidade foi influenciada pelas mudanças políticas
que levaram a uma nova atitude por parte dos maiores
países da América do Sul e também a um enrijecimento
da posição dos EUA. Desde 2003, o processo defronta-se com um impasse pelo desequilíbrio das concessões
aceitáveis pelos principais atores, EUA e Mercosul. Os
primeiros insistem em regras rígidas para investimento,
propriedade intelectual e serviços, muito além do que
está sendo negociado na OMC, mas recusam itens de
interesse do Mercosul, como suas barreiras agrícolas
ou medidas “anti-dumping”.
O grupo sul-americano propôs que se fizesse um
acordo geral, remetendo as questões sensíveis para a
OMC e negociando avanços adicionais num formato
estritamente bilateral. Essa fórmula, no entanto, só
poderia funcionar num ambiente de redução generalizada
4
Tais mecanismos têm sido apontados como subversivos das
leis nacionais e da soberania dos Estados, por possibilitarem a
imunidade do investidor estrangeiro à lei e por impedirem a
revisão judicial de contratos ou atos jurídicos, objeto de uma
iniciativa de revisão do NAFTA em tramitação no Parlamento do
Canadá.
de tarifas. Entretanto, como lembrou o Embaixador
Bahadian, a “(...) tentativa de excluir o setor agrícola ou
parte dele da desgravação demonstra que se perdeu o
pudor em relação à retórica na área comercial” (Bahadian,
2004). Mais ainda, além de recusar a fórmula sugerida,
os EUA fizeram ao Mercosul sua pior oferta de
concessões adicionais. Co-presidindo as negociações,
Brasil e EUA têm a dura tarefa de superar o ambiente
negativo das tratativas. Intimamente ligadas, as
negociações da ALCA e do Mercosul-UE parecem
dependentes de avanços na arena multilateral da OMC.
3.3 - A integração regional na
América do Sul
A terceira arena de negociação parece ser a mais
promissora. Todas as forças sociais envolvidas no tema
das relações comerciais apóiam a integração regional.
Ao mesmo tempo, há razões para precaução, pois, com
exceção do Mercosul, com sua trajetória, até o presente,
contraditória, iniciativas nessa direção têm sido uma
matéria de muita retórica e pouca efetividade. O começo
do Mercosul foi entusiasmante. Entre 1991 e 1997, o
comércio dentro do bloco passou de 11,1% para 24,3%
do total de suas exportações. Entre 1998 e 2002, o
processo de integração assumiu um caráter letárgico,
em razão da profunda crise que assolou as economias
da região. Apenas após 2003, iniciativas mais concretas
foram retomadas, ao mesmo tempo em que o comércio
voltava a crescer. Mesmo assim, as exportações do
Brasil para o bloco haviam caído para a média de 1981,
quando, em 2004, atingiram apenas 11,6% do total.
Os princípios a regerem o Tratado de Assunção,
que criou o Mercosul, além do mercado comum com livre
circulação de mercadorias, capital e trabalho, apontavam
também uma convergência institucional e a coordenação
de políticas macroeconômicas e setoriais, baseados no
gradualismo, na flexibilidade, na reciprocidade e no
equilíbrio. Seu espírito, que inclusive norteia as iniciativas
de integração que vão além dele e envolvem os países
associados e as negociações com a Comunidade Andina
e demais países do continente, indica uma vasta agenda,
que vai muito além dos aspectos comerciais e da livre
movimentação de fatores.
A interconexão de sua infra-estrutura, por razões
históricas construída de forma estanque entre os países,
é uma primeira necessidade do processo de integração.
Se o ambiente político hoje é favorável, a situação
econômica é um obstáculo difícil de superar. Baixo
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 7-14, dez. 2005
12
crescimento, endividamento elevado, compromissos de
austeridade fiscal e falta de mecanismos operacionais,
após o desmonte das estruturas estatais da região,
tornam seu financiamento de difícil execução.
Outro item decisivo na agenda é a integração
institucional, que tem também um obstáculo histórico a
superar, a arraigada crença que confunde soberania
nacional com chauvinismo. Qualquer avanço do processo
além do estágio inicial de zona de livre comércio requer
o deslocamento das estruturas de regulação e a transferência de certas responsabilidades e atribuições dos
Estados para organismos regionais. Escasso avanço foi
realizado até o momento nesse sentido, permanecendo
a estrutura institucional do Mercosul organizada de modo
intergovernamental. Como lembrou Werter Faria (2002),
esse tipo de instituição é apropriado para cooperação,
mas incompatível com as necessidades do processo de
integração, o qual requer a formação de organismos
dirigidos por uma burocracia que seja independente dos
interesses nacionais e que se possa dedicar integralmente a suas tarefas internacionais.
Apesar dos notáveis avanços na aproximação com
seus vizinhos, de que são exemplos a ampliação dos
membros associados, o avanço das negociações com o
Pacto Andino e o recente anúncio do ingresso da
Venezuela como membro pleno, no Mercosul a integração
ainda está restrita ao comércio e a matérias correlatas.
Sua agenda está repleta de disputas sobre desequilíbrio
do comércio, pedidos de salvaguardas e acusações de
dumping e outras práticas desleais, que não são mais
do que a música a acompanhar o declínio dos fluxos de
comércio. Nas negociações intra-regionais, os produtores
de bens industrializados duráveis e não duráveis são os
mais importantes grupos de interesses, com algumas
intervenções localizadas do agronegócio, pois, para
esses setores, o mercado regional é um destino prioritário
de suas exportações.
No que diz respeito às negociações em que o
Mercosul está envolvido como bloco, o tema do acesso
a mercados para produtos primários é predominante,
mostrando a influência do agronegócio nas posições
negociadoras. Como já mencionado, esse setor é forte
no Brasil e, em relação à Argentina, é quase o único
sobrevivente do fundamentalismo neoliberal que levou
este país à devastadora crise de 2001. Embora incluídos
pela estrutura institucional do Tratado de Assunção na
forma da participação da sociedade civil na definição
das agendas e das propostas em todas as fases do
processo de integração, a presença de representações
do campo popular tem sido pouco efetiva, na medida em
que a agenda tem estado ocupada com os temas do
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 7-14, dez. 2005
Luiz Augusto Estrella Faria
comércio; e os assuntos de maior interesse desses
setores, como a livre circulação dos trabalhadores,
avançaram muito pouco em virtude do insuficiente
desenvolvimento institucional do Mercosul.
4 - Conclusão
O triunfo do neoliberalismo não apenas consolidou
a alta finança como grupo hegemônico das classes
dominantes, como erodiu o compromisso do grande
capital do setor produtivo com qualquer projeto de
desenvolvimento nacional. A fração superior do que
outrora se chamou burguesia nacional está resignada a
um papel secundário, esperando que o investimento
estrangeiro lidere seus movimentos. No que diz respeito
ao comércio exterior, essa nova correlação de forças faz
ecoar uma concepção ricardiana das vantagens comparativas do agronegócio e da exportação de bens industriais
estandardizados.
Se, na arena regional, o processo de integração
carece de um projeto comum de desenvolvimento
compartilhado pelas nações sul-americanas, que lhe dê
um norte e uma perspectiva histórica; nas arenas
bilaterais e na multilateral, a coordenação entre países
em desenvolvimento tende a enfatizar os interesses em
torno das exportações de produtos primários. Ora, tal
posição reforça uma especialização regressiva e
aprofunda, em vez de reduzir, o fosso que separa o grupo
de países desenvolvidos dos demais. Mesmo a inclusão
de tópicos como o dos têxteis ou o da siderurgia não
muda muito a figura, pois não ajuda a reduzir essas
distâncias. A prevalência dessas posições representa,
de fato, uma reprise do passado primário exportador da
América do Sul, o que, para quem já cumpriu diversas
etapas de sua industrialização, aponta o regresso do que,
um dia, foi o futuro.
Para países pobres ou de renda intermediária,
desenvolvimento significa diversificação econômica, o
que ainda quer dizer industrialização, requer acesso a
novas tecnologias e é o oposto da exploração de
vantagens comparativas. É isso que está inscrito no
Tratado de Assunção, sob a forma do princípio do
equilíbrio, e que torna concreta a idéia de que, nas
relações internacionais, nosso norte é o sul.
De volta do futuro? O comércio exterior do Brasil no começo do século XXI
13
Referências
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negociações. Disponível em:
http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/
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em: dez. 2003.
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agenda. In: Diversity in development: reconsidering the
Washington consensus. Disponível em: www.fondad.org
The Hague: FONDAD. Acesso em: 2004.
FARIA, Werter R. O impasse do Mercosul. Revista de
Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal, v. 39,
n.155, jul.-set., 2002.
RODRIK, Dani. The new global economy and
developing countries: making openness work.
Washington: Overseas Development Council, 1999.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 7-14, dez. 2005
14
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 7-14, dez. 2005
Luiz Augusto Estrella Faria
15
Exportações de carne: um segmento dinâmico do agronegócio
Análise setorial
Agropecuária
Exportações de carne: um segmento dinâmico
do agronegócio
Vivian Fürstenau*
Economista da FEE.
Artigo recebido em 10 out. 2005.
Introdução
O objetivo deste texto é traçar um panorama sucinto
do comportamento recente das exportações do segmento
produtor de carne no Brasil. Para tal, descreve-se o
desempenho das vendas de carne bovina, suína e de
frango no mercado internacional. A análise está baseada
no desempenho em termos de valores dessas
exportações. Serão também identificados os estados
responsáveis pelo maior dinamismo apresentado pelos
segmentos produtores de carne, dando-se especial
ênfase ao desempenho do Rio Grande do Sul. O período
analisado vai de 2000 a 2004.
Inicialmente, traça-se um panorama geral, visando
dimensionar a importância das exportações de carne na
balança comercial brasileira, bem como na balança do
agronegócio. A seguir, faz-se uma análise de cada um
dos segmentos produtores: carne bovina in natura e
industrializada, carne suína e carne de frango in natura e
industrializada. Em cada caso, é analisada a taxa de
crescimento de cada um dos segmentos e descrita a
evolução das vendas estaduais.
Panorama atual
A exportação brasileira de carnes tem assumido
um papel de destaque nos últimos anos, com o Brasil
*A autora agradece aos colegas Maria Domingues Benetti,
Martinho Roberto Lazzari e Terezinha da Silva Bello a leitura do
texto e as sugestões.
transformando-se no maior exportador mundial em
volume. O desempenho extremamente positivo do setor
no mercado internacional reflete-se numa trajetória
crescente de participação dessas vendas no total das
exportações brasileiras. O movimento de ganho de
importância do setor exportador de carne na balança
comercial brasileira tomou maior fôlego na década atual.
A participação do setor produtor de carnes, que se situava
em torno de 2% das exportações em 1990, chegou a
3,5% em 2000 e atingiu 6,4% em 2004. Com relação à
balança comercial do agronegócio, a participação das
exportações de carne, que era de 5% do total das vendas
externas oriundas do agronegócio em 1990, chegou a
15,8% em 2004 (BRASIL, 2005).
Essa evolução das participações decorre de um
aumento de mais de 200%, entre 2002 e 2004, no total
das exportações do conjunto de carnes analisado: carne
bovina in natura e industrializada, carne suína e carne de
frango in natura e industrializada. Dentro do setor, a maior
taxa de crescimento das exportações no período é do
segmento produtor de carne suína, seguido das vendas
de carne de frango industrializada e das de carne bovina
também industrializada. Há que se fazer aqui uma ressalva
com relação às taxas de crescimento dos segmentos,
especialmente no que se refere à carne de frango. As
vendas no mercado internacional de carne de frango in
natura apresentam, desde a década de 80, um volume
significativo, tanto que o Brasil era, de longa data, o
segundo maior exportador desse tipo de carne, ocupando,
atualmente, o primeiro lugar nesse comércio. Mesmo
assim, as exportações de carne de frango in natura
permanecem em crescimento, apresentando taxas
consideráveis para um setor já consolidado (Tabela 1).
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 15-22, dez. 2005
16
O Rio Grande do Sul, por sua vez, ocupava o terceiro
lugar no total das exportações do agronegócio em 1990
e manteve essa posição em 2004, apesar de uma
participação decrescente. As exportações gaúchas do
agronegócio, que eram de 20,84% do total brasileiro
exportado pelo setor em 1990, reduziram-se para 15,92%
desse total em 2004 (BRASIL, 2005). A perda de
participação gaúcha no total das vendas oriundas do
agronegócio e exportadas pelo País deveu-se, em sua
maior parte, aos demais produtos da pauta, já que, no
que se refere ao setor produtor de carnes, o Rio Grande
do Sul manteve sua participação, em torno de 17% do
total das exportações do Brasil (Tabela 2).
No entanto, ao se examinarem os diferentes
segmentos produtores de carne, verifica-se que a posição
do Rio Grande do Sul no total das exportações brasileiras
de carne foi mantida graças ao aumento das exportações
de frango in natura. Na verdade, o volume das
exportações gaúchas desse tipo de carne foi significativo
e crescente, capaz de compensar as perdas de
participação do Estado nas vendas externas dos demais
tipos de carne.
O crescimento das vendas no mercado internacional
dos produtos do segmento carne deu-se numa conjuntura
bastante propícia. A desvalorização cambial de 1999,
aliada ao surgimento da "doença da vaca louca"—
encelopatia espongiforme bovina (EEB) — em diversos
países da Comunidade Européia, em 2000, e ao
reaparecimento da febre aftosa, inicialmente, na Inglaterra
e, posteriormente, na França e na Alemanha, criou um
contexto extremamente favorável para as exportações
brasileiras de carne. O segmento produtor de carne de
aves, por já ser um setor tradicionalmente exportador e
bastante eficiente no aproveitamento das oportunidades
externas para colocação de seus produtos, a partir da
desvalorização do real, imediatamente passou a
apresentar um crescimento de suas exportações. A partir
de 2000, os problemas sanitários nos países europeus
só fizeram aumentar ainda mais as vendas do setor. Em
razão dos riscos oferecidos, houve uma retração no
consumo de carne vermelha e suína, decorrendo daí um
aumento do consumo de carne de frango. Esse aumento
da demanda na Europa passou, então, a ser suprido
através do redirecionamento da produção local de frango
para o mercado interno. Tal movimento abriu a
possibilidade de colocação da carne de aves produzida
no Brasil nos mercados antes abastecidos pelos
produtores europeus.
No que se refere às carnes bovina e suína, os
problemas sanitários fizeram com que os mercados
europeus, bem como os de fora da Comunidade Européia,
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 15-22, dez. 2005
Vivian Fürstenau
necessitassem de novos fornecedores. Esse quadro criou
possibilidades para a colocação das carnes bovina e
suína brasileiras nesses mercados. O otimismo dos
produtores desses dois segmentos também tinha base
no reconhecimento, em 2000, pela Organização Mundial
de Epizotias (OIE), dos Estados de Santa Catarina e do
Rio Grande do Sul como áreas livres de aftosa sem
vacinação e no reconhecimento de outros estados
brasileiros com importante produção de carne bovina e
suína como áreas livre de aftosa com vacinação.
"O contexto de problemas apresentados na
Comunidade Européia foi favorável também
para os produtores de frango. A retração no
consumo de carne vermelha na Europa
decorrente do temor com a 'doença da vaca
louca', ampliado com o surgimento da aftosa
nos rebanhos bovino e suíno europeus, fez
com que a carne de frango se tornasse a
principal fonte de proteína animal. Nesse
cenário, os produtores europeus passaram a
atender à maior demanda na Comunidade
Européia e cederam espaços no mercado
internacional. Além disso, com a proibição da
utilização de insumos de origem animal para
a alimentação das aves, os produtores tiveram
de importar farelo de soja e milho, o que se
refletiu em um aumento de seus custos de
produção. Esse quadro permitiu que o Brasil
ocupasse uma fatia dos mercados cedidos
pela Comunidade Européia e, mais ainda,
conquistasse alguns mercados europeus, já
que, frente aos produtores locais, havia obtido
vantagens comparativas." (Furstenau, 2002,
p. 163).
Assim, no início da década, havia perspectivas
extremamente positivas para as exportações do setor e
que, na sua maior parte, se confirmaram até o momento.
Com relação ao Rio Grande do Sul, o reaparecimento da
febre aftosa no Estado, em maio de 2001, frustrou
expectativas, e a performance não foi a esperada. Mas,
mesmo assim, excetuando-se a carne bovina, as demais
apresentaram um desempenho bastante positivo,
acompanhando a evolução das vendas brasileiras.
17
Exportações de carne: um segmento dinâmico do agronegócio
Tabela 1
Taxas de crescimento do valor das exportações de carnes brasileiras e gaúchas — 2000-04
(%)
DISCRIMINAÇÃO
RS
Bovina in natura ..................
Bovina industrializada .........
Suína ..................................
De frango in natura .............
De frango industrializada ....
Brasil
Bovina in natura ..................
Bovina industrializada .........
Suína ..................................
De frango in natura .............
De frango industrializada ....
2001
2000
2002
2001
2003
2002
2004
2003
2004
2000
-55,40
-2,66
32,04
78,92
131,81
20,19
25,97
20,84
2,62
19,04
77,63
4,28
54,27
38,93
31,53
128,33
75,35
54,88
32,49
-1,39
117,40
124,22
281,26
237,97
257,88
46,79
-1,73
112,83
60,31
83,15
5,08
18,89
35,51
3,36
37,07
48,72
14,53
12,18
28,07
54,44
70,03
39,12
41,34
45,87
13,16
290,04
86,16
357,29
209,52
338,75
FONTE DOS DADOS BRUTOS: PORTAL do exportador. Alice Web.
NOTA: Os códigos da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) foram agrupados segundo os tipos de carne, a saber: carne
bovina in natura, 0201.10.00 até 0202.30.00; carne bovina industrializada, 1601.00.00 e 1602.50.00; carne de frango in natura,
0207.11.00 e 0207.14.00; carne de frango industrializada,1602.32.00; carne suína, 0203.11.00 até 0203.29.00.
Tabela 2
Valor e participação percentual das exportações de carne do Rio Grande do Sul e do Brasil — 2000-04
2001
2000
DISCRIMINAÇÃO
RS
Bovina in natura ..................
Bovina industrializada .........
Suína ..................................
De frango in natura .............
De frango industrializada ....
Subtotal (5 tipos de carne)
Brasil
Bovina in natura ..................
Bovina industrializada .........
Suína ..................................
De frango in natura .............
De frango industrializada ....
Subtotal (5 tipos de carne)
2002
Valor
(US$ mil)
Participação
no Total do
BR (%)
30 076
26 855
50 526
185 406
6 174
299 038
5,98
10,12
31,04
23,01
26,83
16,99
13 414
26 142
66 717
331 736
14 312
452 321
1,82
10,02
19,26
25,68
33,96
16,88
16 122
32 930
80 622
340 433
17 038
487 145
2,08
10,62
17,18
25,50
29,49
16,52
503 296
265 468
162 758
805 737
23 009
1 760 269
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
738 805
260 872
346 401
1 291 658
42 142
2 679 878
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
776 318
310 158
469 409
1 335 051
57 765
2 948 701
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
Valor
(US$ mil)
RS
Bovina in natura ..................
Bovina industrializada .........
Suína ..................................
De frango in natura ..……....
De frango industrializada ....
Subtotal (5 tipos de carne)
Brasil
Bovina in natura ..................
Bovina industrializada .........
Suína ..................................
De frango in natura .............
De frango industrializada ....
Subtotal (5 tipos de carne)
Valor
(US$ mil)
Valor
(US$ mil)
2004
2003
DISCRIMINAÇÃO
Participação
no Total do
BR (%)
Participação
no Total do
BR (%)
Participação
no Total do
BR (%)
Valor
(US$ mil)
Participação
no Total do
BR (%)
28 637
34 339
124 376
472 951
22 409
682 712
2,48
9,67
23,62
27,66
25,12
17,80
65 387
60 215
192 635
626 622
22 096
966 956
3,33
12,18
25,88
25,13
21,89
16,68
1 154 509
355 224
526 576
1 709 743
89 209
3 835 261
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
1 963 066
494 202
744 278
2 493 929
100 954
5 796 428
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
FONTE DOS DADOS BRUTOS: PORTAL do exportador. Alice Web.
NOTA: Os códigos da NCM foram agrupados segundo os tipos de carne, a saber: carne bovina in natura, 0201.10.00 até 0202.30.00; carne
bovina industrializada, 1601.00.00 e 1602.50.00; carne de frango in natura, 0207.11.00 e 0207.14.00; carne de frango industrializada,
1602.32.00; carne suína, 0203.11.00 até 0203.29.00.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 15-22, dez. 2005
18
Vivian Fürstenau
Carne bovina
As exportações brasileiras de carne bovina in natura
deram um salto de quase 300% desde o início da década
até 2004. Esse crescimento parece estar apenas no início,
já que, se observarmos as taxas anuais, fica evidente
um movimento crescente das exportações de carne
bovina desse tipo. Com relação à carne industrializada,
o crescimento é menor: foi de 86% entre 2000 e 2004
(Tabela 3).
A carne bovina in natura já tem, de longa data, o
Estado de São Paulo como principal exportador. Mesmo
assim, entre 2000 e 2004, esse estado aumentou a sua
participação nas exportações brasileiras. Os demais
estados com produção e exportação significativas desse
tipo de carne, com exceção de Goiás, perderam, no
período, participação no total de carne bovina in natura
exportado pelo Brasil. A perda de participação do Rio
Grande do Sul foi influenciada pela suspensão dos
embarques de carne desse tipo oriunda do Estado em
2001, em virtude do reaparecimento da febre aftosa em
maio daquele ano. As vendas foram retomadas em 2002,
e o volume de carne bovina in natura vendido pelo Estado
em 2004 já foi o dobro do observado em 2000.
Da mesma forma que São Paulo é um tradicional
exportador de carne bovina in natura, o Rio Grande do
Sul o é de carne bovina industrializada. Como a ocorrência
de febre aftosa não tem implicações nas vendas dessa
carne, já que é industrializada, o Estado aumentou sua
participação frente aos demais exportadores desse tipo
de carne entre 2000 e 2004 (Tabela 4).
Tabela 3
Valor e participação percentual da exportação de carne bovina in natura
de estados selecionados e do Brasil — 2000-04
2001
2000
ESTADOS
E PAÍS
São Paulo .........................
Paraná ..............................
Rio Grande do Sul ............
Mato Grosso do Sul .......
Mato Grosso .....................
Goiás ................................
Brasil ................................
Valor
(US$ mil)
309 319
29 888
30 076
42 642
29 801
35 043
503 296
Participação
no Total
do BR (%)
61,46
5,94
5,98
8,47
5,92
6,96
100,00
Valor
(US$ mil)
384 793
42 986
13 414
133 337
47 533
80 847
738 805
2002
Participação
no Total
do BR (%)
52,08
5,82
1,82
18,05
6,43
10,94
100,00
2003
ESTADOS
E PAÍS
Valor
(US$ mil)
534 383
46 553
16 122
46 462
47 271
66 539
776 318
Participação
no Total
do BR (%)
68,84
6,00
2,08
5,98
6,09
8,57
100,00
2004
Participação
no Total
do BR (%)
Valor
(US$ mil)
São Paulo .........................
799 590
69,26
1 338 685
Paraná ..............................
61 421
5,32
101 533
Rio Grande do Sul ............
28 637
2,48
65 387
Mato Grosso do Sul .......
58 221
5,04
118 062
Mato Grosso .....................
73 515
6,37
87 806
Goiás ................................
97 805
8,47
173 416
Brasil ................................
1 154 509
100,00
1 963 066
FONTE DOS DADOS BRUTOS: PORTAL do exportador. Alice Web.
NOTA: Os códigos da NCM para carne bovina in natura são 0201.10.00 até 0202.30.00.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 15-22, dez. 2005
Valor
(US$ mil)
Participação
no Total
do BR (%)
68,19
5,17
3,33
6,01
4,47
8,83
100,00
19
Exportações de carne: um segmento dinâmico do agronegócio
Tabela 4
Valor e participação percentual da exportação de carne bovina industrializada
de estados selecionados e do Brasil — 2000-04
2000
ESTADOS
E PAÍS
2001
Participação
no Total
do BR (%)
2002
242 348
235
Participação
no Total
do BR (%)
78,14
0,08
São Paulo ....................
Paraná .........................
194 769
593
73,37
0,22
211 526
161
Participação
no Total
do BR (%)
81,08
0,06
Rio Grande do Sul .......
Mato Grosso do Sul ..
Mato Grosso ................
Goiás ...........................
26 855
389
10,12
0,15
26 142
0
10,02
0,00
32 930
535
10,62
0,17
21 670
20
265 468
8,16
0,01
100,00
14 055
0
260 872
5,39
0,00
100,00
20 274
39
310 158
6,54
0,01
100,00
Brasil ............................
Valor
(US$ mil)
Valor
(US$ mil)
2003
ESTADOS
E PAÍS
São Paulo ....................
Paraná .........................
Rio Grande do Sul .......
Mato Grosso do Sul ..
Mato Grosso ................
Goiás ...........................
Brasil ...........................
Valor
(US$ mil)
272 779
365
34 339
1 521
23 675
0
355 224
Valor
(US$ mil)
2004
Participação
no Total
do BR (%)
Valor
(US$ mil)
76,79
0,10
9,67
0,43
6,66
0,00
100,00
354 255
733
60 215
3 347
29 690
132
494 202
Participação
no Total
do BR (%)
71,68
0,15
12,18
0,68
6,01
0,03
100,00
FONTE DOS DADOS BRUTOS: PORTAL do exportador. Alice Web.
NOTA: Os códigos da NCM para carne bovina industrializada são 1601.00.00 e 1602.50.00.
Carne suína
A produção e a exportação de carne suína é
bastante concentrada no sul do País. Tanto é que, em
2000, 95% das exportações brasileiras dessa carne se
originaram dos Estados do Paraná, de Santa Catarina e
do Rio Grande do Sul. Nesse grupo, Santa Catarina é o
estado que mais exporta carne suína — em 2000, mais
de 50% das vendas brasileiras de carne suína no
mercado internacional saíram de lá. O Rio Grande do Sul
é o segundo maior exportador dessa carne — com mais
de 30% das vendas em 2000. No período 2000-04, tanto
Santa Catarina como o Rio Grande do Sul diminuíram
sua participação nas exportações nacionais de carne
suína, mas mantiveram, com folga, o primeiro e o segundo
lugar nas vendas do País (Tabela 5).
Deve ser ressaltado que foram da carne suína as
maiores taxas de crescimento das vendas brasileiras
entre 2000 e 2004. As exportações do Brasil desse tipo
de carne cresceram mais de 350% nesse início de
década. Esse crescimento decorreu de estratégias de
marketing implementadas por empresários do setor e
apoiadas pelo Governo Federal, que consistiam no envio
de missões de empresários aos principais países
importadores, com o objetivo de firmar contratos de
exportação.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 15-22, dez. 2005
20
Vivian Fürstenau
Tabela 5
Valor e participação percentual da exportação de carne suína de estados
selecionados e do Brasil — 2000-04
2000
ESTADOS
E PAÍS
Rio Grande do Sul ....
Santa Catarina ..........
Paraná .......................
Brasil .........................
Valor
(US$ mil)
50 526
87 233
17 068
162 758
2001
Participação
no Total
do BR (%)
31,04
53,60
10,49
100,00
Valor
(US$ mil)
66 717
218 223
36 240
346 401
2002
Participação
no Total
do BR (%)
Valor
(US$ mil)
Participação
no Total
do BR (%)
80 622
246 967
58 765
469 409
17,18
52,61
12,52
100,00
19,26
63,00
10,46
100,00
2003
ESTADOS
E PAÍS
Rio Grande do Sul ....
Santa Catarina ..........
Paraná .......................
Brasil .........................
2004
Valor
(US$ mil)
Participação
no Total
do BR (%)
Valor
(US$ mil)
124 376
186 408
90 560
526 576
23,62
35,40
17,20
100,00
192 635
324 715
101 466
744 278
Participação
no Total
do BR (%)
25,88
43,63
13,63
100,00
FONTE DOS DADOS BRUTOS: PORTAL do exportador. Alice Web.
NOTA: Os códigos da NCM para carne suína são 0203.11.00 e 0203.29.00.
Carne de frango
Como já foi dito, as exportações brasileiras de carne
de frango ocupam o primeiro lugar no comércio mundial,
superando países como a França, que, durante muito
tempo, deteve essa condição. As dificuldades interpostas
pelos diferentes países importadores, como barreiras
tarifárias e/ou sanitárias, estas últimas extremamente
significativas quando se trata de um produto como carne,
tornam bastante importante essa conquista do setor
produtor e exportador brasileiro de frango. Assim, tendo
em vista as dificuldades para abrir novos mercados e,
especialmente, o atual volume das exportações, era de
se esperar que as taxas de crescimento das exportações
arrefecessem. No entanto, isso não tem ocorrido, sendo
mantido o dinamismo do setor que, com relação às
exportações de frango in natura, cresceu mais de 200%
entre 2000 e 2004. Por sua vez, com relação às vendas
de carne de frango industrializada, com um valor
significativamente maior por tonelada, o crescimento de
2002 a 2004 foi de quase 340%.
O Rio Grande do Sul era, em 2000, o terceiro maior
exportador de carne de frango in natura, atrás de Santa
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 15-22, dez. 2005
Catarina e do Paraná. Em 2004, o estado gaúcho manteve
essa colocação, mas com um diferencial: o valor
alcançado pelas exportações gaúchas aproximou-se dos
obtidos por Santa Catarina e pelo Paraná. Esse
movimento reflete um aumento da participação das
exportações do Rio Grande do Sul no total exportado
pelo Brasil (Tabela 6).
O que poderia parecer vantagem para o Rio Grande
do Sul não é tanto assim quando se examinam as
exportações de carne de frango industrializada, cujo valor
da tonelada é mais do que o dobro do obtido com a venda
de carne de frango in natura. A perda de participação
nas vendas de frango in natura apresentadas por Santa
Catarina foram compensadas por um aumento de
participação daquele estado nas exportações de carne
de frango industrializada. Mesmo considerando que o
grosso das exportações de frango do Brasil — 96% — é
in natura, o aumento da participação do estado
catarinense nas exportações de carne de frango
industrializada pode indicar uma especialização do estado
vizinho na colocação, no mercado internacional, de
produtos de maior valor (Tabela 7).
21
Exportações de carne: um segmento dinâmico do agronegócio
Tabela 6
Valor e participação percentual da exportação de carne de frango in natura
de estados selecionados e do Brasil — 2000-04
2000
ESTADOS
E PAÍS
Rio Grande do Sul .....
Santa Catarina ..........
Paraná .......................
São Paulo ..................
Brasil .........................
Valor
(US$ mil)
2001
Participação
no Total
do BR (%)
185 406
356 257
219 699
16 157
805 737
23,01
44,21
27,27
2,01
100,00
2002
Valor
(US$ mil)
Participação
no Total
do BR (%)
331 736
539 181
321 267
22 304
1 291 658
25,68
41,74
24,87
1,73
100,00
2003
ESTADOS
E PAÍS
Rio Grande do Sul .....
Santa Catarina ..........
Paraná .......................
São Paulo .................
Brasil .........................
Participação
no Total
do BR (%)
Valor
(US$ mil)
340 433
508 075
331 303
37 092
1 335 051
25,50
38,06
24,82
2,78
100,00
2004
Valor
(US$ mil)
Participação
no Total
do BR (%)
Valor
(US$ mil)
Participação
no Total
do BR (%)
472 951
559 040
445 426
74 011
1 709 743
27,66
32,70
26,05
4,33
100,00
626 622
778 921
679 134
155 275
2 493 929
25,13
31,23
27,23
6,23
100,00
FONTE DOS DADOS BRUTOS: PORTAL do exportador. Alice Web.
NOTA: Os códigos da NCM para carne de frango in natura são 0207.11.00 e 0207.14.00.
Tabela 7
Valor e participação percentual da exportação de carne de frango industrializada de estados
selecionados e do Brasil — 2000-04
2000
ESTADOS
E PAÍS
Valor
(US$ mil)
2001
Participação
no Total
do BR (%)
Valor
(US$ mil)
2002
Participação
no Total
do BR (%)
Valor
(US$ mil)
Participação
no Total
do BR (%)
Rio Grande do Sul
6 174
26,83
14 312
33,96
17 038
29,49
Santa Catarina .....
10 102
43,91
18 490
43,87
28 438
49,23
Paraná ...................
3 774
16,40
5 315
12,61
4 809
8,33
São Paulo .............
503
2,19
631
1,50
1 575
2,73
Brasil .....................
23 009
100,00
42 142
100,00
57 765
100,00
(continua)
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 15-22, dez. 2005
22
Vivian Fürstenau
Tabela 7
Valor e participação percentual da exportação de carne de frango industrializada de estados
selecionados e do Brasil — 2000-04
2003
ESTADOS
E PAÍS
Valor
(US$ mil)
2004
Participação
no Total
do BR (%)
Valor
(US$ mil)
Participação
no Total
do BR (%)
Rio Grande do Sul
22 409
25,12
22 096
21,89
Santa Catarina .....
50 393
56,49
65 689
65,07
Paraná ...................
4 867
5,46
4 459
4,42
São Paulo .............
1 766
1,98
2 437
2,41
Brasil .....................
89 209
100,00
100 954
100,00
FONTE DOS DADOS BRUTOS: PORTAL do exportador. Alice Web.
NOTA: O código da NCM para carne de frango industrializada é 1602.32.00.
Conclusões
Referências
O desempenho do segmento produtor de carnes no
País, entre 2000 e 2004, pode ser considerado
excepcional, no que se refere ao crescimento das vendas
dos seus produtos no mercado internacional. No caso da
exportação de carne de frango in natura, as conquistas
de fatias do mercado externo têm sido constantes já há
algum tempo, mas nem por isso têm apresentado perda
de dinamismo. Mais recentemente, houve um incremento
nas exportações de carnes bovina e suína, com especial
destaque para as taxas de crescimento obtidas pelas
vendas de carne suína.
O Estado do Rio Grande do Sul tem acompanhado
o movimento das vendas nacionais, mas não com o
mesmo dinamismo. Uma razão para esse desempenho
aquém do nacional foi o reaparecimento da febre aftosa
no Estado, em 2001, que inviabilizou, naquele ano, as
vendas externas de carne bovina in natura e de carne
suína. Um episódio como esse tornou bastante difícil a
situação das vendas do Estado, mas, já em 2002, houve
uma retomada das exportações estaduais de carnes
bovina e suína. Por sua vez, com relação à carne de
frango in natura, o Estado tem aumentado o volume
exportado a taxas superiores às dos demais estados
exportadores.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Balança comercial. Notas à imprensa. Disponível em: http://www.agricultura.gov.br/pls/portal/docs/
Acesso em: ago. 2005.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 15-22, dez. 2005
FÜRSTENAU, Vivian. Uma análise comparada do
desempenho do setor exportador de carnes no Brasil e
no Rio Grande do Sul — 2001. Indicadores Econômicos
FEE, Porto Alegre: FEE, v. 29, n. 4, p. 161-174, 2002.
INDICADORES ECONÔMICOS FEE. Porto Alegre: FEE,
v. 29, n. 4, 2002.
INDICADORES ECONÔMICOS FEE. Porto Alegre: FEE,
v. 30, n. 4, 2003.
23
O emprego industrial no RS: um breve balanço no Governo Lula
Indústria
O emprego industrial no RS: um breve
balanço no Governo Lula
Maria Isabel H. da Jornada*
Socióloga da FEE.
Artigo recebido em 18 out. 2005.
Introdução
O presente artigo propõe-se a realizar um balanço
geral do comportamento do segmento formal do mercado
de trabalho industrial ao longo do Governo Lula,
contrastando o Rio Grande do Sul com o Brasil. Para
tanto, utilizaram-se como fontes de dados as bases da
Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) e do
Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
(Caged), ambos do Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE). A RAIS fornece o estoque de empregados com
vínculo formal em 31 de dezembro de cada ano, e o
Caged informa a flutuação mensal do emprego com
carteira assinada. A combinação dessas duas bases
tornou possível que, mediante recomposição do estoque
a partir do último dado disponível na RAIS (2003), se
estendesse a análise até agosto de 2005, último dado
disponível no Caged. Rigorosamente, é preciso ter
presente que os níveis de emprego pós 2003 são uma
aproximação da realidade. Para efeitos de
compatibilização entre as duas bases, foram extraídos
da RAIS todos os trabalhadores não regidos pela
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), já que não são
computados no Caged.
O movimento do emprego formal foi examinado à
luz do desempenho da atividade produtiva, utilizandose, para tanto, a Pesquisa Industrial Mensal-Produção
Física (PIM-PF) (2005) e a Pesquisa Industrial Mensal
de Emprego e Salário (PIMES) do IBGE (2005).
No primeiro item após esta Introdução, encontra-se uma abordagem da evolução da totalidade do mercado
*A autora agradece à colega Sheila Sara W. Sternberg a
permanente e qualificada interlocução, o que já tem rendido tantas
(e exitosas) parcerias de pesquisa. Agradece, igualmente, à
estagiária de Economia Cristiane Fumegalli o apoio no tratamento
estatístico.
de trabalho formal; no segundo, o foco é o comportamento
do emprego formal na indústria, com uma parte final
dedicada ao exame dos ganhos de produtividade da
indústria no RS e no Brasil.
1 - Movimento geral
Mesmo que a mudança do regime cambial em 1999
tenha possibilitado uma retomada de fôlego para o
mercado de trabalho, notadamente para o segmento
formal, esta foi a instância que mais demorou a reagir na
atual recuperação da economia brasileira. No primeiro
ano do Governo Lula, o nível do emprego formal no Brasil
cresceu 2,9%, passando de 21.953.360 em 2002 para
22.596.269 em 2003, uma geração líquida de 642.909
postos de trabalho. Um bom resultado, se for considerado
o baixo desempenho da atividade econômica, expresso
no pífio crescimento do PIB brasileiro em 2003 (0,5%).
No ano seguinte, o cenário econômico aqueceu-se,
mostrando sinais de recuperação, com o crescimento do
PIB da ordem de 5,3%. Neste último ano, o contingente
de ocupados com carteira de trabalho assinada
experimentou um forte impulso com a contratação de
1.523.276 indivíduos (6,7%), elevando o nível do emprego
formal para 24.119.545 ao final de 2004. Até agosto de
2005, o mercado de trabalho manteve o dinamismo
graças, principalmente, às taxas recordes dos quatro
primeiros meses, já que, a partir de maio, os sinais de
desaceleração eram visíveis. A alta continuada das taxas
de juros e o real valorizado, especialmente, começaram
a travar as novas oportunidades de trabalho. A taxa de
variação do emprego, considerando-se agosto de 2005,
situou-se em 5,1%, o que significou a incorporação de
1.219.236 trabalhadores. Houve, assim, um crescimento
do emprego formal no Brasil de 15,4% do início do
Governo Lula até agosto de 2005 (Tabela 1).
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 23-32, dez. 2005
24
Maria Isabel H. de Jornada
O Rio Grande do Sul acompanhou muito de perto o
desempenho do mercado de trabalho formal brasileiro
nos dois primeiros anos do Governo Lula, afastando-se
no terceiro ano. Em 2003, o incremento do emprego formal
no Estado situou-se um pouco abaixo do que foi verificado
nacionalmente, 2,2%, para um crescimento do PIB
estadual de 5,4%, muito acima do nacional. O estoque
de trabalhadores com vínculos expandiu-se de 1.646.396
em 2002 para 1.682.526 em 2003. No ano seguinte, o
RS praticamente empatou com o Brasil, com uma taxa
de variação do emprego de 6,9% (um acréscimo de
116.822 trabalhadores), momento em que a variação do
PIB gaúcho recuou para 3,6%, colocando-se atrás do
brasileiro. Em 2005, até agosto, a perda de dinamismo
do mercado de trabalho no RS é evidente. A combinação
de fatores climáticos, que provocaram a quebra da safra,
com o câmbio valorizado, que prejudicou as exportações,
resultou na baixa taxa de crescimento do emprego com
carteira; 0,8% até o mês de agosto. O nível de emprego
elevou-se, assim, para 1.813.352, um acréscimo de
apenas 14.004 postos. No Governo Lula, até o momento,
o mercado de trabalho no RS experimentou um
incremento de 10,1%, muito abaixo do alcançado no
Brasil, em decorrência do seu fraco desempenho no ano
em curso (Tabela 1).
Na estrutura setorial do emprego formal no Brasil,1
o setor serviços liderou com 38,8% dos empregos com
vínculos legais, secundado pela indústria de transformação (23,9%) e pelo comércio (22,5%). A agricultura foi
responsável por 5,8% dos empregos formais; a construção civil, por 4,7%; e a administração pública2, por 2,4%.
Os serviços industriais de utilidade pública (SIUP) e a
indústria extrativa mineral tiveram pouco significado, 1,2%
e 0,5% respectivamente. No Rio Grande do Sul, a
indústria e o setor serviços apresentaram, para todos os
efeitos, a mesma importância relativa, respondendo por
33,8% e 33,6% do total do emprego respectivamente.3
O comércio, o terceiro em importância, deteve 22% dos
empregados; a construção civil, 4,1%; a agricultura, 3,9%;
a administração pública, 1,5% do total dos celetistas; o
SIUP, 1,0%; e a indústria extrativa mineral, 0,2%.
A evolução setorial do emprego formal no Brasil
mostrou que, no primeiro ano do Governo Lula, com exce-
1
Refere-se à última informação disponível — agosto de 2005.
2
Apenas os servidores públicos sob o regime da CLT, porque o
Caged só contempla celetistas.
3
Essa situação de equilíbrio provocou uma alternância na liderança
entre os dois setores, até mesmo de um ano para o outro. Em
2004, predominava a indústria de transformação, com 34,47%
dos empregados, secundada pelo setor serviços, com 32,70%.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 23-32, dez. 2005
ção da construção civil (-5,1%) e da administração pública
(-0,2%), todos os setores exibiram crescimento, com
destaque para a agricultura (6,4%)4 e o comércio (6,0%).
A indústria de transformação alcançou uma taxa de incremento próxima da média do agregado, 2,8%, um pouco
acima dos 2,6% do SIUP, enquanto, no setor serviços, a
variação foi de 2,1%. No ano seguinte, o único setor que
não contratou empregados foi a administração pública
(-0,1%). A indústria de transformação mostrou o melhor
desempenho relativo, com a maior variação do emprego
em 2004 (9,5%), bem acima da média do agregado, incorporando 504.610 trabalhadores. O comércio ampliou o
seu contingente de empregados em 7,9%, seguindo-se
a agricultura (6,6%), o setor serviços (5,3%) e a construção civil (4,9%). Embora o ano de 2005 ainda esteja em
curso, já se pode falar em desaceleração no mercado de
trabalho, notadamente na indústria de transformação e
no comércio, que apresentaram uma das menores taxas
de crescimento do emprego entre os setores, ambos com
3,7%.O SIUP exibiu o menor incremento setorial (3,3%),
mas foi de escasso significado no cômputo geral do
emprego, enquanto a agricultura exibiu o maior (15,6%).
A construção civil teve a segunda maior variação (8,4%),
seguida, a uma certa distância, pela administração pública
(5,7%) e pelo setor serviços (4,8%) — Tabela 1.
No Rio Grande do Sul, diferentemente do plano
nacional, todos os setores de atividade experimentaram
elevação no nível de emprego, no primeiro ano do novo
Governo. O SIUP e a administração pública despontaram
com as maiores variações de 2002 a 2003, 19,7% e 9,5%
respectivamente. Seguiram-se a agricultura (4,0%), o
comércio (3,7%), a indústria de transformação (2,3%), a
construção civil (1,5%), a indústria extrativa mineral
(1,2%) e o setor serviços (0,2%). Todavia os responsáveis
pela maior parte dos postos preenchidos no ano foram o
comércio (36,1%) e a indústria de transformação (35,3%).
No ano de 2004, à semelhança do que ocorreu no Brasil,
a indústria de transformação demonstrou o maior fôlego,
com um incremento de 9,2% no contingente de empregados, próximo ao alcançado pela construção civil (8,0%)
e pelo comércio (7,8%), todos eles acima da média do
agregado. O emprego no setor serviços cresceu 5,0%,
praticamente o mesmo da indústria extrativa mineral; na
agricultura, elevou-se em 3,5%; e, no SIUP, 3,1%. O emprego celetista na administração pública foi o único caso
4
Ressalva-se que as bases de dados do MTE não são adequadas
para aferir o emprego nas atividades agrícolas, porque são
restritas ao emprego com vínculos legais; logo, o que essas
estatísticas devem estar captando é o movimento de formalização
de relações de trabalho preexistentes.
25
O emprego industrial no RS: um breve balanço no Governo Lula
de recuo (-3,7%). A maior parte dos postos acrescidos
em 2004 localizou-se na indústria de transformação
(44,7%), seguida pelo comércio e pelo setor serviços,
com praticamente a mesma participação, ao redor de
24,4%. Em 2005, mudou o panorama do mercado de trabalho formal, a desaceleração é marcadamente visível na
agricultura (-4,8%), na construção civil (-2,1%) e na indústria de transformação (-1,2%), além de na indústria extrativa mineral (-2,8%), que é pouco representativa no cômputo geral do emprego no RS. O setor serviços (3,4%) e o
comércio (1,2%), embora tenham crescido, perderam intensidade. O SIUP, com 5,5%, obteve a maior taxa positiva, seguida pela administração pública, com 4,4%. A indústria de transformação liderou o processo de demissões, sendo responsável pela eliminação de 7.685 vagas
(Tabela 1).
O acompanhamento da trajetória do mercado de
trabalho formal no período recente despertou a atenção
para um fenômeno já observável no final dos anos 90,
no plano nacional, mas só visível, no Estado, em 2004:
a tendência de crescimento do emprego em ritmo maior
do que o do PIB. Isso se deve, provavelmente, a uma
maior formalização das relações de trabalho, associada,
em larga medida, ao crescimento do agronegócio, à
interiorização da indústria — já que a indústria é o locus
do emprego regulamentado — e à maior fiscalização do
Ministério do Trabalho, especialmente no comércio e no
setor serviços. Possivelmente, parcela do que se capta
com essas estatísticas de emprego seja de pessoas que
transitaram da informalidade para uma inserção regulamentada no mercado de trabalho.
Após esse breve panorama do desempenho geral
do mercado de trabalho formal sob a égide do Governo
Lula, focaliza-se a indústria, decompondo-a na sua formação mais abrangente: os subsetores de atividade.
Tabela 1
Evolução do emprego formal, por setores de atividade, no Brasil e no RS — 2002/05
2002
2003
2005 (1)
2004
SETORES
Brasil
RS
Brasil
RS
Brasil
RS
Brasil
TOTAL ............................. 21 953 360 1 646 396 22 596 269 1 682 526 24 119 545 1 799 348 25 338 781
Extrativa mineral ..............
RS
1 813 352
121 000
4 406
122 154
4 459
132 491
4 693
140 807
4 561
Indústria de transformação 5 185 738
555 194
5 331 762
567 945
5 836 372
620 175
6 054 703
612 490
286 209
14 278
293 799
17 093
298 365
17 631
308 345
18 593
Construção civil ................ 1 095 676
68 752
1 039 923
69 792
1 090 686
75 388
1 181 892
73 793
Comércio .......................... 4 817 031
351 830
5 105 954
364 880
5 509 894
393 440
5 715 255
398 124
Serviços ............................ 8 739 511
Serviços industriais de utilidade pública ...................
558 904
8 922 195
560 263
9 392 318
588 385
9 845 848
608 535
Administração pública ......
580 829
24 447
579 780
26 781
579 398
25 800
612 459
26 939
Agricultura, silvicultura,
etc. ...................................
1 127 366
68 585
1 199 781
71 313
1 279 055
73 835
1 478 455
70 317
Outros/ignorado ..............
-
-
921
-
966
1
1 017
-
FONTE: RAIS: Relação Anual de Informações Sociais. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego, 2002-2003.
FONTE: CADASTRO GERAL DE EMPREGADOS E DESEMPREGADOS — CAGED. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego, 2004-2005.
(1) Até agosto.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 23-32, dez. 2005
26
Maria Isabel H. de Jornada
2 - Emprego industrial
A indústria brasileira vem enfrentando grandes
transformações dos anos 90 até os dias de hoje. A
liberalização comercial sem precedentes patrocinada pelo
Governo Collor no início da década de 90 resultou em
forte aumento da competição, numa indústria acostumada
a uma série de barreiras protecionistas durante décadas.
Pressionada pela abertura econômica e pelo acirramento
da competição provocada pela entrada maciça, no mercado doméstico, de produtos fabricados no exterior, a
indústria brasileira viu-se forçada a empreender um intenso processo de reestruturação na direção de um novo
patamar tecnológico e organizacional. O resultado foi um
substancial crescimento da produtividade sem uma
política de crescimento econômico sustentado, o que
levou à queima de milhares de postos de trabalho na
indústria, principalmente nos primeiros anos da década
de 90. As medidas de política econômica implementadas
nos anos 90, especialmente o Programa de Estabilização
Econômica — Plano Real I (1994 a 1999), Plano Real II
(a partir de 1999) —, aprofundaram as dificuldades estruturais do mercado de trabalho brasileiro, impulsionando
o processo de precarização, expresso no crescimento
do número de empregados sem carteira de trabalho assinada, dos trabalhadores autônomos, dos ocupados em
tempo parcial e de tantos outros tipos de ocupação à
margem de qualquer proteção legal.
A adoção do câmbio flutuante e do regime de metas
de inflação em 1999, configurando o que se convencionou
chamar de Plano Real II, alterou o ambiente socioeconômico nacional, repercutindo favoravelmente sobre o
emprego industrial, notadamente no RS, que havia sido
especialmente prejudicado com a valorização cambial
vigente durante a fase do Plano Real I. O Presidente
Lula assumiu quando o emprego formal na indústria estava em uma trajetória ascendente,5 iniciada em 1999, que
foi interrompida em 2003, no final do primeiro ano do seu
mandato. O pífio desempenho da atividade industrial
nesse primeiro ano — variação da produção física de
0,04% para a indústria geral no Brasil e de -0,35% no
RS — fez recuar a taxa de crescimento do emprego
industrial6, no Brasil, de 4,7% em 2002 para 2,8% em
2003 e de 3,2% para 2,3%, respectivamente, no RS. O
ano de 2004 marcou uma retomada do crescimento
industrial acelerado na indústria brasileira, bem como na
5
6
maior parte dos estados, incluindo-se o RS. A produção
industrial cresceu a uma taxa de 8,3% no Brasil e de
6,4% no RS, em 2004, frente a igual período do ano anterior, o que ampliou a oferta de postos de trabalho na
indústria, expressa no notável crescimento de 9,5% no
contingente de empregados no Brasil, praticamente o
mesmo do RS: 9,2%. O desafio que se coloca é a sustentabilidade desse crescimento. A variação da produção
física no Brasil, de janeiro a julho de 2005, face a igual
período do ano anterior, foi de 4,31%, o que ainda não
recomenda prognósticos para o ano.7 O RS, abatido pela
quebra de safra e pela política cambial, acusou um descenso na atividade industrial, com um recuo de 3,99%
na produção física. O emprego na indústria brasileira evoluiu, com uma taxa de 3,7% de janeiro a agosto de 2005,
enquanto, na gaúcha, o emprego se retraiu (-1,2%) —
Tabela 2.
O descompasso entre a indústria brasileira e a do
RS encontra sua explicação nas diferenças estruturais
entre elas. No Brasil, os subsetores que mais pesaram
na estrutura do emprego industrial foram: a indústria de
produtos alimentícios, bebidas e álcool etílico (22,7%)8,
a têxtil, do vestuário e artefatos de tecidos (13,6%), a
química, de produtos farmacêuticos, veterinários, perfumaria (10,4%), a metalúrgica (9,8%), a da madeira e do
mobiliário (7,1%), a do material de transporte (6,5%), a
mecânica (5,8%), a do papel, papelão, editorial e gráfica
(5,4%), a indústria de calçados (5,1%) e a de produtos
minerais não-metálicos (5,0%). Os outros segmentos não
atingiram 5,0% de participação cada um: a indústria da
borracha, fumo, couros, peles, similares, indústrias diversas obteve 4,7%; e a de material elétrico e de comunicações, 3,6%.
Já no Rio Grande do Sul, verificou-se o predomínio,
na estrutura do emprego industrial, de um segmento que
tem no mercado externo o seu fator dinamizador, a
indústria de calçados, responsável por 21,4% do total de
empregos. Segue-se, em ordem de relevância, a indústria
de produtos alimentícios, bebidas e álcool etílico (17,6%),
a metalúrgica (9,3%), a da borracha, fumo, etc. (8,9%), a
mecânica (7,9%), a da madeira e do mobiliário (7,9%), a
química, de produtos farmacêuticos, etc. (7,6%), a do
material de transporte (5,4%), a têxtil, do vestuário e
artefatos de tecidos (4,6%), a do papel, papelão, etc.
7
Cabe observar que, nesse momento, o emprego na indústria do
RS estava crescendo acima do na indústria do País.
Refere-se ao emprego na indústria de transformação.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 23-32, dez. 2005
8
Todavia recente estudo do Instituto de Estudos para o
Desenvolvimento Industrial (IEDI) assinala que as taxas de
crescimento da produção na comparação mês a mês, positivas
a partir de março, sugerem que a indústria recuperou o ritmo de
crescimento iniciado em 2004 (INSTITUTO..., 2005).
Participações referentes a agosto de 2005.
O emprego industrial no RS: um breve balanço no Governo Lula
(4,3%), a do material elétrico e de comunicações (2,6%)
e a de produtos minerais não-metálicos (2,5%).
O exame da evolução do emprego por subsetores
de atividade evidencia os contrastes no interior da própria
indústria brasileira e da gaúcha, bem como põe em relevo
os contrastes entre uma e outra (Tabela 2).
Observando-se o que ocorre no plano nacional, tem-se que o subsetor que mais cresceu em 2002 e 2003 é
o de maior importância relativa na estrutura do emprego
industrial no País, a indústria de produtos alimentícios,
bebidas e álcool etílico (6,7%), seguindo-se a do material
de transporte (5,0%), a de calçados (3,8%), a metalúrgica
(3,5%), a da borracha, fumo, couros, peles, similares,
indústrias diversas (3,4%), a mecânica (3,1%) e a indústria química, de produtos farmacêuticos, veterinários,
perfumaria (3,0%). Todos os outros segmentos ficaram
abaixo da média do agregado, sendo que três experimentam retração: produtos minerais não-metálicos (-1,3%),
madeira e mobiliário (-0,7%) e têxtil, do vestuário e
artefatos de tecidos (-0,4). Em 2004, ano em que todos
os subsetores alcançaram uma recuperação notável no
emprego formal, três sobressaíram-se com as maiores
taxas de crescimento — material de transporte (14,3%),
calçados (13,6%) e material elétrico e de comunicações
(13,2%) —, seguidos por mecânica (10,7%), metalúrgica
(10,0%), produtos alimentícios, bebidas e álcool etílico
(9,7%) e por borracha, fumo, etc. (9,5%). Nota-se que o
segundo e o terceiro subsetores em importância na
composição do emprego industrial alcançaram um incremento inferior ao da média do agregado — a indústria
têxtil, do vestuário e artefatos de tecidos (9,0%) e a
química, de produtos farmacêuticos, etc. (8,3%). Abaixo
desses, ficaram a da madeira e do mobiliário (7,3%), a
de produtos minerais não-metálicos (5,4%) e a do papel,
papelão, editorial e gráfica (4,9%). Embora não se prestem
a comparações, as taxas de janeiro a agosto de 2005
parecem ser mais modestas, com dois segmentos produtivos em queda: madeira e mobiliário (-2,1%) e calçados
(-0,8%). A indústria de produtos alimentícios puxou a geração de postos, com um incremento de 6,9%, seguida
pela do material elétrico e de comunicações (5,5%) e pela da borracha, fumo, etc. (5,3%). Acima e em torno da
média do total da indústria, situaram-se, ainda, material
de transporte (4,9%), têxtil, vestuário e artefatos de tecidos (4,2%), química, produtos farmacêuticos, etc. (3,7%)
e produtos minerais não-metálicos (3,6%).
No RS, ao contrário do que foi registrado no Brasil,
em 2003, a maior empregadora, a indústria de calçados,
registrou queda de 0,9%. Os segmentos que sofreram o
maior impulso nesse ano foram a indústria mecânica
(8,8%), a do material de transporte (6,4%) e a de produtos
27
alimentícios, bebidas e álcool etílico (5,8%), esta última,
a segunda expressão em termos de emprego industrial.
Acima da média da indústria, situaram-se, ainda, a química, a de produtos farmacêuticos, etc. (2,9%), a da borracha, fumo, etc. (2,8%), a metalúrgica (2,4%) e a têxtil,
do vestuário e artefatos de tecido (1,6%). Somando-se
ao segmento de calçados no seu comportamento declinante, tem-se material elétrico e de comunicações
(-3,3%), papel, papelão, etc. (-1,5%) e madeira e mobiliário
(-0,9%). A arrancada da economia em 2004 beneficiou
todos os subsetores da indústria gaúcha, naturalmente
uns muito mais do que outros. O emprego recebeu um
forte impulso no segmento de material elétrico e de
comunicações (18,0%) e no de material de transporte
(17,8%), que alcançaram as maiores taxas. Acima da
média do agregado, ficaram, também, a metalúrgica
(10,4%), a de calçados (9,9%) e a mecânica (9,3%). A
indústria de produtos alimentícios, bebidas e álcool etílico
e a indústria química, de produtos farmacêuticos, etc.
cresceram com intensidade um pouco menor, 8,8% e
8,1% respectivamente. Seguiram-se a da borracha, fumo,
etc. (7,4%), a de madeira e mobiliário (7,3%) e a têxtil,
do vestuário e artefatos de tecidos (7,2%). As menores
taxas encontradas foram em papel, papelão, etc. (4,5%)
e em produtos minerais não-metálicos (3,0%). Dada a
importância relativa da indústria de calçados, quase um
quarto (24,5%) das vagas acrescidas no ano foram dela
originárias. No ano em curso de 2005, o emprego formal
no segmento dos calçados despencou (-7,7%), eliminando 10.993 postos, o que equivale a 75,6% das vagas
suprimidas pelo total da indústria. A trajetória de queda
foi acompanhada pela indústria mecânica (-2,9%), pela
de madeira e mobiliário (-2,5%) e pela metalúrgica
(-1,5%). A indústria de produtos alimentícios, bebidas e
álcool etílico, a segunda em importância no ranking do
emprego industrial, experimentou o menor incremento
(0,5%), enquanto o maior ficou por conta do segmento
borracha, fumo, etc. (6,8%). A indústria química, de produtos farmacêuticos, etc., a do papel, papelão, etc., a têxtil,
do vestuário, etc. e a de produtos minerais não-metálicos
alcançaram 2,5%, 2,1%, 1,5% e 0,7% respectivamente.
O movimento do emprego industrial está associado
ao movimento de uma outra variável que é a produtividade, que, por sua vez, é resultado de estratégias empresariais para assegurar capacidade competitiva. As variações anuais da produtividade, ao longo do período janeiro
de 2003 a julho de 2005, colocaram em relevo outra
distinção importante entre a indústria brasileira e a gaúcha.
No primeiro ano do Governo Lula, o ganho de
produtividade foi maior na indústria do RS do que na do
Brasil. A indústria geral teve um ganho de produtividade
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 23-32, dez. 2005
28
Maria Isabel H. de Jornada
de 1,14% no Estado e de 0,90% no País, frente a igual
período do ano anterior, decorrência de queda nas horas
pagas, associada a um ínfimo acréscimo na produção
física para o último e de queda nas horas pagas maior
do que na produção física para o primeiro. No ano
seguinte, os dois espaços tiveram um considerável salto
na produtividade, maior para o RS, com 7,12%, do que
para o Brasil, com 6,09%. No Estado, verificou-se a combinação de aumento da produção física com um pequeno
declínio nas horas pagas, enquanto, no País, a produção
física e as horas pagas cresceram, só que a produção
cresceu bem mais. No período mais recente, a situação
inverteu-se: de janeiro a julho de 2005, o incremento na
produtividade foi maior no Brasil do que no RS. A indústria
brasileira exibiu um ganho de 2,63% contra 1,92% da
gaúcha, para igual período do ano passado. No Brasil,
isso ocorreu em razão de uma elevação da produção
física mais acentuada do que a das horas pagas, ao
contrário do RS, em que o ganho de produtividade se
deveu a um recuo na produção menor do que o recuo
nas horas pagas (Tabelas 3 e 4).
Em termos setoriais,9 considerando-se a abertura
disponível, no primeiro ano o melhor desempenho, no
tocante à produtividade, no Brasil, foi o do segmento da
madeira, com um ganho de 7,19% frente a igual período
do ano anterior; o pior foi o do segmento do refino de
petróleo e álcool, com -12,49%. A indústria de transformação como um todo alcançou um incremento de produtividade de 1,21%. Em 2004, a indústria de transformação
atingiu um ganho de produtividade que não deixa de ser
notável, 6,36%, destacando-se a indústria de produtos
de metal (14,23%), a têxtil (10,89%) e a do vestuário e
acessórios (10,27%); no outro extremo, ficaram a metalurgia básica (-6,26%), o refino de petróleo e álcool (-4,93%)
e o fumo (-3,69%). De janeiro e julho de 2005,10 a indústria
de transformação conseguiu um aumento de produtividade de 2,24%, com ênfase no segmento calçados e artigos
de couro, com um acréscimo de 12,74%, seguido à distância pelo segmento madeira (5,96%); o destaque
negativo foi o refino de petróleo e álcool (-11,89%) e o
fumo (-4,72%), registrando-se, ainda, mais três segmentos com retração em relação a igual período do ano
anterior.
9
Devido à diferenciação entre a classificação setorial das duas
fontes — PIMES (horas trabalhadas) e PIM-PF (produção física) —, foram usadas as aberturas que coincidem entre as duas.
No entanto, a PIM-PF não disponibiliza informações para vários
setores, quando se trata do âmbito estadual.
10
Nesse período, registra-se o salto da indústria extrativa brasileira,
com uma elevação na produtividade de 12,33%.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 23-32, dez. 2005
No tocante à indústria gaúcha, pelas informações
setoriais de que se dispõe, o ano de 2003 marcou um
acréscimo de 1,16% para a indústria de transformação,
sendo que apenas dois segmentos, dos em que foi
possível realizar a mensuração da produtividade,
alcançaram taxas positivas, produtos de metal (7,61%)
e calçados e artigos de couro (1,23%); fumo e borracha
e plástico tiveram as maiores taxas negativas, em torno
de -10,50%. Já em 2004, a indústria de transformação
do RS alcançou um aumento de produtividade maior que
o do Brasil (7,11%), registrando-se o notável crescimento
verificado no segmento de borracha e plástico (22,69%),
seguido à distância por calçados e artigos de couro
(8,41%); dois segmentos exibiram queda na produtividade,
o fumo (-16,38%) e o refino de petróleo e álcool (-12,51%).
Em 2005, a evolução da produtividade, de janeiro a julho,
acusou um crescimento de 1,86% para a indústria de
transformação (inferior à nacional), sobressaindo-se o
desempenho altamente positivo de calçados e artigos
de couro, com um acréscimo de 29,71%; todos os outros
segmentos com dados disponíveis tiveram taxas
negativas, a mais alta delas foi a da metalúrgica básica
(-11,32%). O desempenho da produtividade no segmento
calçados e artigos de couro ocorreu em razão de um
recuo acentuado nas horas pagas (-20,06%) e de um
aumento da produção (3,69%) frente a igual período do
ano anterior.
Assim sendo, se ainda é prematuro falar em curva
de desaceleração no mercado de trabalho formal no
Brasil, evidencia-se, no RS, um nítido cenário de perda
de dinamismo no emprego formal, sobretudo o industrial,
no último ano. A política de juros elevada, que inibe o
investimento produtivo, e a apreciação cambial, que onera
as exportações, foram particularmente danosas para a
economia gaúcha. O RS contou ainda com prejuízos
notáveis por conta da quebra de safra, em virtude da
estiagem que atingiu o Estado nos primeiros meses de
2005.
As perspectivas para o mercado de trabalho
dependem em larga medida de uma política econômica
comprometida com o crescimento sustentado, condição
necessária — embora não suficiente — para a geração
de postos de trabalho de qualidade, como se costuma
referenciar o emprego com vínculos formais, o denominado emprego protegido. O que está em questão na presente conjuntura é o fôlego da economia para assegurar
um ritmo de expansão de postos de trabalho compatível
com a pressão exercida sobre o mercado de trabalho
pelos indivíduos que integram a População Economicamente Ativa.
29
O emprego industrial no RS: um breve balanço no Governo Lula
Tabela 2
Evolução do emprego formal, por subsetores da indústria de transformação, no Brasil e no RS — 2002/05
2002
2003
SUBSETORES
TOTAL .........................................................................
Indústria de produtos minerais não-metálicos .............
Indústria metalúrgica ...................................................
Indústria mecânica ......................................................
Indústria do material elétrico e de comunicações .......
Indústria do material de transporte..............................
Indústria da madeira e do mobiliário............................
Indústria do papel, papelão, editorial e gráfica ...........
Indústria da borracha, fumo, couros, peles, similares,
indústrias diversas ......................................................
Indústria química, de produtos farmacêuticos, veterinários, perfumaria .......................................................
Indústria têxtil, do vestuário e artefatos de tecidos ......
Indústria de calçados ...................................................
Indústria de produtos alimentícios, bebidas e álcool
etílico ...........................................................................
Brasil
RS
Brasil
RS
5 185 738
281 195
509 982
301 012
181 163
314 772
414 338
305 842
555 194
14 403
51 040
42 142
13 454
26 158
46 723
25 257
5 331 762
277 572
527 666
310 329
185 129
330 377
411 395
306 348
567 945
14 745
52 117
45 834
13 006
27 846
46 314
24 880
238 367
46 181
246 449
47 467
545 696
730 674
261 864
40 802
25 349
130 296
561 997
728 045
271 878
42 000
25 765
129 177
1 100 833
93 389
1 174 577
98 794
2004
2005 (1)
SUBSETORES
Brasil
TOTAL .........................................................................
Indústria de produtos minerais não-metálicos .............
Indústria metalúrgica ...................................................
Indústria mecânica ......................................................
Indústria do material elétrico e de comunicações .......
Indústria do material de transporte..............................
Indústria da madeira e do mobiliário............................
Indústria do papel, papelão, editorial e gráfica ...........
Indústria da borracha, fumo, couros, peles, similares,
indústrias diversas ......................................................
Indústria química, de produtos farmacêuticos, veterinários, perfumaria .......................................................
Indústria têxtil, do vestuário e artefatos de tecidos .....
Indústria de calçados ..................................................
Indústria de produtos alimentícios, bebidas e álcool
etílico ..........................................................................
RS
Brasil
RS
5 836 372
292 456
580 392
343 569
209 527
377 722
441 622
321 474
620 175
15 181
57 565
50 109
15 350
32 806
49 698
26 006
6 054 703
302 892
595 496
351 760
220 958
396 231
432 140
329 468
612 490
15 287
56 715
48 636
15 676
33 176
48 465
26 545
269 906
50 961
284 328
54 405
608 427
793 670
308 960
45 412
27 612
141 989
631 161
826 830
306 367
46 542
28 034
130 996
1 288 647
107 486
1 377 072
108 013
FONTE: RAIS: Relação Anual de Informações Sociais. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego, 2002-2003.
FONTE: CADASTRO GERAL DE EMPREGADOS E DESEMPREGADOS — CAGED. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego, 2004-2005.
(1) Até agosto.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 23-32, dez. 2005
30
Maria Isabel H. de Jornada
Tabela 3
Indicadores acumulados de produção, horas pagas e produtividade na indústria do Brasil — 2003/05
(∆%)
JAN-DEZ/03
SETORES DE ATIVIDADE
Indústria geral ........................
Indústria extrativa ..................
Indústria de transformação ....
Fumo .....................................
Têxtil ......................................
Vestuário e acessórios ..........
Calçados e artigos de couro ..
Madeira ..................................
Refino de petróleo e álcool ....
Borracha e plástico ................
Minerais não-metálicos ..........
Metalurgia básica ..................
Produtos de metal, exclusive
máquinas e equipamentos ....
JAN-DEZ/04
Produção
Física
Horas
Pagas
Produtividade
0,04
4,72
-0,20
-6,42
-4,50
-12,24
-9,65
5,31
-2,17
-3,46
-3,56
5,96
-0,85
3,47
-0,94
2,86
-4,94
-5,35
-1,75
-1,75
11,79
0,04
-4,47
1,75
-5,49
1,86
JAN-JUL/05
Produção
Física
Horas
Pagas
Produtividade
0,90
1,21
0,75
-9,02
0,46
-7,28
-8,04
7,19
-12,49
-3,50
0,95
4,14
8,30
4,28
8,52
18,94
10,11
1,54
2,33
7,68
2,32
7,77
4,85
3,35
2,08
4,44
2,03
23,50
-0,70
-7,92
-0,43
1,13
7,63
4,62
-1,78
10,25
6,09
-0,15
6,36
-3,69
10,89
10,27
2,77
6,48
-4,93
3,01
6,75
-6,26
-7,22
9,97
-3,73
14,23
Produção
Física
Horas
Pagas
Produtividade
4,31
10,48
3,99
-6,07
-0,11
0,66
1,00
0,07
1,23
-0,44
4,11
-2,83
1,64
-1,65
1,71
-1,42
3,45
-3,12
-10,41
-5,56
14,89
-2,35
0,08
4,19
2,63
12,33
2,24
-4,72
-3,44
3,90
12,74
5,96
-11,89
1,96
4,03
-6,74
2,44
6,45
-3,77
FONTE: PESQUISA INDUSTRIAL MENSAL: produção física. Rio de Janeiro: IBGE. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br Acesso em:
set. 2005.
PESQUISA INDUSTRIAL MENSAL DE EMPREGO E SALÁRIO. Rio de Janeiro: IBGE. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br
Acesso em: set. 2005.
NOTA: Calculado a partir do índice acumulado, com base em igual período do ano anterior = 100.
Tabela 4
Indicadores acumulados de produção, horas pagas e produtividade na indústria do RS — 2003/05
(∆%)
JAN-DEZ/03
SETORES DE ATIVIDADE
JAN-DEZ/04
Horas
Pagas
Produtividade
Produção
Física
Horas
Pagas
Produtividade
6,39
-0,68
7,12
-
-1,83
-
-3,99
-5,80
1,92
-
-16,65
1,16
6,39
-0,67
-
7,11
-3,99
-5,74
1,86
5,23
-10,42
26,84
0,84
-
-
51,69
-16,38
-8,65
-3,08
-5,75
1,61
-
-
0,54
-13,94
-
-
-
1,40
-
-
3,39
-4,43
-5,59
1,23
-
0,69
-7,12
8,41
3,69
-20,06
29,71
Madeira ..................................
-
-10,90
Refino de petróleo e álcool .....
-3,58
-1,14
-
-
5,00
-
-
5,74
-
-2,47
-6,17
7,25
-12,51
-3,57
-1,45
-2,15
Borracha e plástico ................
-3,95
7,55
Minerais não-metálicos ..........
-
-5,36
-10,69
13,28
-7,67
22,69
-9,10
-4,92
-4,40
-
-
-4,86
-
-
-3,39
Metalurgia básica ...................
Produtos de metal, exclusive
máquinas e equipamentos .....
1,30
-
1,92
-0,61
14,62
12,86
1,56
-3,62
8,68
-11,32
5,32
-2,13
7,61
8,67
7,31
1,27
2,75
7,46
-4,38
Produção
Física
Horas
Pagas
Produtividade
Indústria geral ........................
-0,35
-1,47
1,14
Indústria extrativa ...................
-
1,42
-
Indústria de transformação .....
-0,35
-1,49
Fumo ......................................
-5,74
Têxtil ......................................
-
Vestuário e acessórios ...........
-
Calçados e artigos de couro ...
Produção
Física
JAN-JUL/05
FONTE: PESQUISA INDUSTRIAL MENSAL: produção física. Rio de Janeiro: IBGE. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br Acesso em:
set. 2005.
PESQUISA INDUSTRIAL MENSAL DE EMPREGO E SALÁRIO. Rio de Janeiro: IBGE. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br
Acesso em: set. 2005.
NOTA: Calculado a partir do índice acumulado, com base em igual período do ano anterior = 100.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 23-32, dez. 2005
O emprego industrial no RS: um breve balanço no Governo Lula
31
Referências
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Emprego, 2004-2005.
INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL — IEDI. Produtividade industrial
no primeiro semestre de 2005: desempenho e
perspectivas. Disponível em: http://www.iedi.org.br
Acesso em: set. 2005.
JORNADA, Maria Isabel H. da. O mercado de trabalho
no Rio Grande do Sul e o Plano Real: principais
evidências. Indicadores Econômicos FEE, Porto
Alegre: FEE. v. 32, n. 2, p. 223-246, 2004.
PESQUISA INDUSTRIAL MENSAL: produção física —
PIM/PF. Rio de Janeiro: IBGE. Disponível em:
http://www.sidra.ibge.gov.br Acesso em: set. 2005.
PESQUISA INDUSTRIAL MENSAL DE EMPREGO E
SALÁRIO — PIMES. Rio de Janeiro: IBGE. Disponível
em: http://www.sidra.ibge.gov.br Acesso em: set. 2005.
RAIS: Relação Anual de Informações Sociais. Brasília:
Ministério do Trabalho e Emprego, 2002-2003.
STERNBERG, Sheila S. W. O Plano Real e o mercado
formal de trabalho no Rio Grande do Sul. Indicadores
Econômicos FEE, Porto Alegre: FEE, v. 32, n. 4,
p. 249-270, 2005.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 23-32, dez. 2005
32
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 23-32, dez. 2005
Maria Isabel H. de Jornada
33
Algumas reflexões sobre a valorização cambial
Relações internacionais
Algumas reflexões sobre a valorização cambial
Teresinha da Silva Bello*
Economista da FEE.
Artigo recebido em 14 set. 2005.
Introdução
Desde meados de 2004, o real vem valorizando-se
não só frente ao dólar como em relação à cesta das 13
moedas mais importantes na corrente de comércio do
País1 e, segundo a Fundação Centro de Estudos de
Comércio Exterior (Funcex), em julho deste ano, atingiu
a maior valorização em relação à cesta de moedas. O
câmbio é considerado um dos mais importantes preços
macroeconômicos, sendo determinante não só do
comportamento da balança comercial (BC), mas de todo
o balanço de pagamentos (BP), além de manter relação
com os salários reais, com o consumo, com a poupança
interna e com o investimento, influindo também nos níveis
de inflação. Daí a atenção que deve ser dada aos níveis
de valorização alcançados pelo real.
O objetivo deste texto é levantar alguns aspectos
ainda pouco abordados dos efeitos de uma valorização
cambial sobre a economia brasileira. Diferentemente do
período 1995-98, quando violentos choques externos,
aliados a um forte déficit nas contas externas, levaram
a uma sucessão de crises econômicas no País, a valorização cambial da atualidade tem se deparado com um
cenário favorável, tanto comercial quanto financeiro, desde 2003, o que tem limitado os efeitos danosos observados nos primeiros anos do Plano Real sobre o BP.
* A autora agradece os colegas Sônia Unikowsky Teruchkin, Enéas
de Souza e Martinho Lazzari pelos comentários e sugestões
apresentados em leitura preliminar.
1
Na cesta de moedas, estas são ponderadas pela participação
média do respectivo país na corrente de comércio brasileira
(exportação mais importação), e os respectivos vetores de
ponderação atuais são: Estados Unidos (35,6), Argentina (16,3),
Alemanha (9,6), Japão (7,0), Itália (5,6), França (4,9), Holanda
(4,6), Reino Unido (3,8), México (3,4), Bélgica (3,1), Chile (3,0),
Uruguai (1,6) e Paraguai (1,5) (B. Com. Ext., 2005).
Por que o real está valorizado?
Não tanto os bons fundamentos da economia
brasileira, mas muito mais um fato concreto vem
mantendo o dólar em baixa: o excesso de oferta da moeda
norte-americana no mercado, resultado não apenas da
BC, como também dos altos juros internos e da liquidez internacional, com o Risco-País mantendo-se relativamente baixo — inferior a 500 pontos — e próximo dos
níveis registrados no início de 1997, considerado a melhor
fase do real, antes da eclosão das crises cambiais da
Ásia e da Rússia e do próprio Brasil. E, quanto mais
baixo o risco, menores as expectativas do mercado de
que o Governo e as empresas brasileiras deixem de honrar
seus compromissos com o exterior e menores os custos
para levantar empréstimos no mercado financeiro
internacional, o que resulta em mais um estímulo à entrada
de dólares no País.
Embora com menos intensidade, também o movimento do dólar no mercado internacional, perdendo valor
em relação a várias moedas, tem influenciado a queda
da moeda norte-americana em relação à brasileira. Mas
os altos juros internos, a BC positiva e a alta liquidez
internacional têm contribuído para que o real se valorize
também em relação a outras moedas, como o euro.
Apesar de a valorização cambial frente às moedas fortes
não ser um caso típico do Brasil — vários países emergentes têm apresentado o mesmo comportamento —, o
real foi o que mais teve apreciação, se comparado com
as moedas da Índia, da Rússia, do México, da Turquia,
do Chile e da Argentina (Borges, 2005). Não obstante as
taxas de juros nos países emergentes também serem
mais elevadas em relação aos juros praticados nos países
desenvolvidos, é no Brasil que se encontram as maiores
taxas de juros reais, em torno de 14% ao ano. Enquanto
isso, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, os
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 33-38, dez. 2005
34
juros continuam desestimulando a atração de capital
externo.
Mesmo que o Federal Reserve Bank (o Banco
Central dos EUA) tenha fixado a taxa básica, nos EUA,
no maior patamar em quase quatro anos (3,5% ao ano),
ainda assim, os especialistas consideram-na abaixo do
que definem como “ponto neutro”. Ou seja, capaz de
impulsionar a economia ao invés de contê-la, visto estar
muito próxima da taxa de inflação, o que faz a taxa de
juros real nos EUA ainda se manter baixa, desestimulando
as aplicações internacionais em seu território. Na Europa,
o Banco Central Europeu mantém sua taxa de juros em
2% há dois anos, e o Banco da Inglaterra (o Banco Central
inglês) baixou sua taxa de juros de 4,75% para 4,5% ao
ano, com vistas a estimular o consumo doméstico e o
investimento. No Japão, as taxas de juros também têm-se mantido em baixa. Com isso, mantêm-se a liquidez
internacional e o fluxo de recursos financeiros para os
países emergentes.
Como forma de compensar o câmbio baixo, muitos
exportadores estão utilizando o mercado financeiro para
contrabalançar a queda de rentabilidade em suas
exportações, já que o juro alto tem estimulado operações
de arbitragem. Empresas com dólares a receber vêm
antecipando a liquidação através de Adiantamentos de
Contratos de Câmbio (ACC) e aplicando os reais obtidos
no mercado financeiro interno, compensando a perda
cambial e, com isso, também alimentando a entrada de
dólares no País. Assim, há um descompasso entre as
exportações contratadas e as físicas, pois, de acordo
com o Banco Central (Bacen), de janeiro a julho de 2005,
o câmbio contratado nas operações de exportação
superou em US$ 2,7 bilhões o valor das exportações
efetivamente realizadas, enquanto, no mesmo período
de 2004, essa diferença foi de US$ 1,2 bilhão (BANCO
CENTRAL DO BRASIL, 2005).
O fluxo de moeda estrangeira para o Brasil tem sido
tão grande que nem as compras de dólares pelo Tesouro
Nacional e pelo Banco Central têm conseguido alterar a
valorização do real. Enquanto o Bacen atua no mercado
cambial como autoridade monetária, comprando ou
vendendo moeda estrangeira de acordo com as
necessidades do BP e da manutenção do nível das
reservas, o Tesouro Nacional é considerado um comprador
como outro qualquer, comprando conforme a necessidade
de quitar compromissos de sua dívida externa e levando
em conta as oportunidades. Entretanto, de acordo com o
Bacen, de agosto a dezembro de 2005, o Tesouro só
poderá contratar, aproximadamente, US$ 3,5 bilhões,
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 33-38, dez. 2005
Teresinha da Silva Bello
valor equivalente aos compromissos da dívida externa
que ainda faltam ser liquidados neste ano.2
Em relação à intervenção governamental no
mercado de câmbio, é importante destacar que tais
operações teriam forte implicação sobre o endividamento
interno do Governo, o que limitaria sua capacidade de
atuação. Embora, na teoria, a capacidade do Bacen de
intervir no câmbio seja ilimitada, na prática isso não
ocorre, já que, para obter os reais com os quais compraria
os dólares, teria de emitir títulos, pelos quais pagaria
juros muito maiores do que receberia no mercado
internacional ao aplicar os dólares adquiridos. Enquanto
estes renderiam algo em torno de 2% a 3% ao ano, os
reais custariam ao Governo 19,75% ao ano (taxa Selic
atual), sob a forma da dívida pública. Além disso, se
optasse pela emissão, ao jogar mais reais no mercado,
teoricamente poderia aumentar a inflação, o que,
considerando-se a política de controle de preços praticada
pelo Governo, levaria a mais aumento nas taxas de juros.
Ou seja, mesmo que queira aumentar as reservas
internacionais do País, consideradas baixas quando
comparadas com as de outros países emergentes (China
e Rússia por exemplo), o custo é muito alto, devido às
taxas internas de juros aqui praticadas. Assim, se, para
a autoridade monetária, esperar pela reação do mercado,
visando reverter a valorização do real, pode ter um custo
(desestímulo às exportações e a novos investimentos),
intervir comprando dólares também não sai de graça para
o Governo e atinge diretamente a dívida pública.
Ao manter-se afastado do mercado cambial, o
Governo não só evita aumentar seu endividamento, como
pode estar usando novamente a âncora cambial para
segurar a inflação, ao baratear as importações e todas
as despesas relacionadas à remessa de moeda
estrangeira para o exterior. Além disso, para alguns
especialistas, ao manter o real forte, estar-se-ia criando
um “colchão” que permitiria o enfraquecimento da moeda
nacional, caso fosse criada uma situação de aversão ao
risco internacional. Entretanto a inflação brasileira está
mais atrelada aos preços administrados — os quais, por
não serem bens comercializáveis com o exterior,
praticamente não dependem do câmbio e podem ser
2
“O Tesouro Nacional poderá contratar divisas no mercado de
câmbio para liquidar o serviço da dívida (principal e juros) relativo
a Clube de Paris e dívida velha (bônus bradies e pré-bradies),
com vencimentos entre agosto e dezembro de 2005, cujo valor
estimado é de US$ 1.763 milhões. Adicionalmente, o Tesouro
Nacional poderá contratar divisas para liquidar o serviço da dívida
relativo a bônus com vencimentos entre agosto e dezembro de
2005, no valor de US$ 1.764 milhões.”
35
Algumas reflexões sobre a valorização cambial
substituídos por similares importados, como os serviços
de energia, saneamento e telefonia — do que propriamente à demanda por bens importados. Ou seja, os
contratos indexados seriam o maior problema da inflação,
o que reduziria a importância do preço do dólar no controle
da taxa inflacionária, embora não se possa negar o papel
da valorização do real no controle de alguns preços,
como ocorre com o trigo e o petróleo por exemplo. Caso
não houvesse queda nos preços, pelo menos haveria
crescimentos menores nos produtos tradables.
O ciclo de forte elevação dos preços em dólares
das commodities observado a partir de 2001, juntamente
com o aumento nos preços dos bens exportados em
geral e com o crescimento das exportações mundiais,
tem contrabalançado, em parte, a valorização do real
para os exportadores e colaborado para a obtenção do
saldo comercial, apesar do câmbio. Além de ser atribuído
ao próprio excesso de liquidez da economia global, o
aumento dos preços internacionais também é fruto da
demanda aquecida nos Estados Unidos — cujo porte de
sua economia é capaz de alterar os preços externos —
e da entrada com mais força da China e da Índia no
mercado de consumo mundial. Esses fatores também
contribuíram para que o real se valorizasse, ao favorecerem a obtenção de superávits na BC brasileira, embora
seja bom lembrar que:
“O espaço de tempo entre a valorização e a
queda das exportações será maior quando a
economia mundial estiver crescendo mais,
pois os importadores poderão repassar o
aumento para seus clientes. Mas se o aumento do preço foi causado por valorização
do câmbio, sempre vai existir um produtor em
um país que não está vivendo a mesma
valorização cambial. No caso atual, de maio
de 2004 a maio de 2005, o real experimentou
valorização de mais de 20,91% frente ao dólar
norte-americano, enquanto uma cesta de 16
países apresentou valorização média de
apenas 7,64%,este diferencial de câmbio
implicará um aumento de competitividade de
produtores de outros países” (FEDERAÇÃO...,
2005).
Alguns efeitos da
valorização cambial
Na cadeia produtiva
Caso a valorização do real se mantenha por um
período mais longo, poderá ocorrer alguma desestruturação não só no setor exportador em si, mas na própria
cadeia produtiva de alguns setores, já que não apenas
os bens finais, mas também insumos e matérias-primas
passariam a ser adquiridos lá fora, ao invés de serem
fornecidos pela produção nacional. No caso brasileiro,
uma análise dos índices de preços e de quantum das
importações elaborado pela Funcex mostra que, no
acumulado de 12 meses, até junho de 2005, à exceção
dos combustíveis, cujo preço subiu mais do que as
quantidades importadas, as demais categorias de uso
registraram maior crescimento nos índices de quantum
do que nos de preços. O maior aumento nos índices de
quantum das importações ocorreu nos bens de consumo
duráveis, seguidos dos bens de capital e dos bens
intermediários (B. Com. Ext., 2005).
Quadro semelhante de substituição de produto
nacional por importado já havia sido observado no período
1995-98, com estragos sobre as cadeias produtivas do
País. A verdade é que, se a valorização do câmbio afeta
as exportações no longo prazo, via perda de fôlego, nas
importações a reação é mais rápida, já que os
importadores, aproveitando o dólar baixo, se definem mais
rapidamente em relação às suas compras. Inclusive os
exportadores, na tentativa de segurarem a queda na
rentabilidade das exportações, tanto quanto possível,
passam a se abastecer de insumos e de matérias-primas
no exterior, beneficiando-se ainda mais do drawback.
Assim, as primeiras empresas a sofrerem os efeitos
negativos da taxa cambial baixa são aquelas cuja
mercadoria a ser exportada depende fundamentalmente
de fornecedores nacionais. Tal é o caso dos produtos
cuja fabricação é intensiva em mão-de-obra. Ou seja,
mesmo entre os exportadores, a taxa de câmbio pode
ser fator de maior ou menor importância para o sucesso
de suas vendas ao exterior. Para aqueles setores que
vêm incorporando vantagens de produtividade em relação
aos seus concorrentes internacionais, o real valorizado
terá um efeito negativo menor do que para aqueles cuja
estrutura produtiva não permite reduzir custos via câmbio
e que, ainda por cima, vêem reduzido o valor recebido
em reais para cada dólar exportado, já que a valorização
tem sido nominal e não apenas real.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 33-38, dez. 2005
36
Nos investimentos
Sob o ângulo dos investimentos, a valorização do
câmbio pode favorecer a modernização do parque
produtivo nacional, através de maior aquisição de
máquinas e equipamentos no exterior. E tudo indica que
isso já esteja ocorrendo no Brasil, já que a taxa de
variação do quantum importado de bens de capital ficou
atrás apenas daquela de bens de consumo duráveis,
conforme já citado anteriormente. Essa opção, atualmente,
está sendo favorecida não só pelo câmbio, mas também
pelo financiamento externo abundante e a juros baixos e
pela reduzida tarifa aduaneira para bens de capital. Por
outro lado, alguns segmentos do setor exportador mais
prejudicados pela cotação cambial podem optar por uma
redução nos investimentos, repensando projetos
centrados nas exportações. E um dos aspectos perversos
dessas decisões é que seus efeitos somente serão
sentidos no longo prazo, na expansão futura das
exportações, devido ao tempo de maturação dos
investimentos. O próprio Governo, na pessoa do Ministro
do Desenvolvimento, já vem dando sinais de
preocupação em relação a isso (Leo, 2005).
Ainda em relação aos investimentos, vale destacar
que tem havido um aumento na ofensiva de companhias
brasileiras no exterior, comprando empresas estrangeiras
ou abrindo fábricas em outros países, fruto do estímulo
à saída de capital decorrente do câmbio. Assim, de
acordo com o Banco Central, de janeiro a julho de 2005,
os investimentos brasileiros diretos líquidos no exterior
somaram US$ 2 bilhões, com crescimento de 33% em
relação a igual período do ano anterior. Os investimentos
em carteira feitos pelo Brasil nos primeiros sete meses
de 2005 somaram US$ 1,1 bilhão, valor 86% maior que
de janeiro a julho de 2004. Já outros investimentos
brasileiros no exterior apresentaram uma saída líquida
de US$ 5,9 bilhões de janeiro a julho de 2005, enquanto,
em igual período de 2004, houve um repatriamento
(entrada) líquido de US$ 1 bilhão. Com isso, o Brasil, no
passado, nunca registrou um nível tão elevado de saída
de capitais brasileiros para o exterior, mesmo se levando
em conta que, devido à valorização nominal de sua
moeda, uma parte desse crescimento em 2005 se deve
ao câmbio no momento da conversão de real para dólar.
Isto porque, ao converter, como o preço do dólar está
menor, se obtêm mais dólares na troca.
Do mesmo modo, o estoque de investimento externo
direto no País, quando convertido para dólares, também
sofre uma elevação, que, em parte, pode ser explicada
pela menor taxa de câmbio nominal.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 33-38, dez. 2005
Teresinha da Silva Bello
Na concentração de empresas
exportadoras
Outro aspecto da atual valorização da moeda
brasileira está relacionado com a diminuição do número
total de empresas exportadoras desde março de 2005. A
quantidade mensal das que saíram do mercado externo
desde essa data tem sido maior que o número das que
entraram, de acordo com levantamento feito pela
Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB)
(ASSOCIAÇÃO..., 2005). Em alta havia um ano, esse
crescimento mensal foi interrompido a partir de março,
embora o número total de empresas, no acumulado jan.-maio/05, ainda tenha sido maior que no mesmo período
de 2004.
Analisando-se o número de empresas pela faixa de
valor das exportações, observou-se que a redução só
ocorreu para aquelas com vendas ao exterior de até US$
60 mil por ano, ou seja, micro, pequenas e médias (Grupo
3), sendo que as empresas do Grupo 1 (de US$ 6 milhões
para cima) e as do Grupo 2 (entre US$ 60 mil e US$ 6
milhões) tiveram elevação no número de empresas
exportadoras, caracterizando uma concentração das
vendas externas em empresas de maior porte. De acordo
com a AEB, as empresas do Grupo 3 “(...) têm maior
custo de produção e não possuem saúde financeira para
continuar exportando com a taxa cambial vigente, que
não proporciona rentabilidade financeira e muito menos
competitividade comercial” (ASSOCIAÇÃO..., 2005).
Afora os aspectos negativos internos dessa retirada do
mercado exportador — o maior deles ligado à redução
no emprego —, a concentração de empresas pode ter
reflexos negativos também na vulnerabilidade externa
do País, já que o volume e o valor das exportações
dependeriam de um número menor de exportadores.
Além disso, entre as firmas que se retiraram,
predominam aquelas ligadas a segmentos com forte
presença de capital nacional, como calçados, confecções
e móveis (FEITIÇO..., 2005). Tal fato também pode
aumentar a vulnerabilidade, já que concentra ainda mais
as exportações em mãos das empresas multinacionais,
e sabe-se que as decisões de entrar ou não no mercado
externo, de quanto e para quem vão exportar, por exemplo,
na maioria das vezes, fazem parte de uma estratégia
global dessas corporações. Ou seja, políticas internas
levadas a termo pelo Brasil teriam influência menor nas
tomadas de decisão, já que dependeriam, principalmente,
do que fosse decidido pelas matrizes das multinacionais.
A própria AEB mostrou preocupação com a saída de
empresas pequenas do mercado externo:
37
Algumas reflexões sobre a valorização cambial
“O quadro atual é contrário aos objetivos
almejados para as exportações brasileiras,
representados pela descentralização das
exportações, mediante o fortalecimento e a
expansão do número de micro, pequenas e
médias empresas exportadoras” (ASSOCIAÇÃO..., 2005).
Na remessa de lucros e
dividendos
Ainda em relação às empresas multinacionais, é
importante destacar que um real fortalecido cria uma
dicotomia: se, de um lado, a desvalorização do dólar reduz
a rentabilidade e as oportunidades das exportações, de
outro, facilita a remessa de lucros e dividendos, além de
melhorar a apresentação de resultados no exterior, já que
estes, em sua maioria, são expressos em dólares. A
expansão das remessas de lucros e dividendos, em
valores absolutos, no Brasil, não é um evento novo e já
vem sendo observada há alguns anos, juntamente com
o aumento dos investimentos externos diretos. Mas, com
a retomada do crescimento econômico no País e a
valorização cambial, esse incremento nas remessas
vinha sendo atribuído à maior lucratividade das empresas
e à antecipação de remessas de lucros e dividendos
devido ao câmbio. Neste último caso, haveria o temor de
uma retomada da desvalorização do real, o que até agora
não ocorreu. Com a queda do preço do dólar em valores
nominais, outro fator pode ser apresentado como causa
de aumento dessas remessas: o real valorizado nominalmente faz com que os lucros auferidos em reais, nos
balanços das empresas multinacionais aqui localizadas,
quando medidos em dólares, fiquem maiores, à semelhança do que ocorre com o estoque de capital estrangeiro.
Assim, nos primeiros sete meses de 2005, as
remessas líquidas de lucros e dividendos relativos aos
investimentos diretos elevaram-se 75% em relação a jan.-jul./04. Já aquelas relativas aos investimentos em
carteira tiveram um acréscimo de 53%. No total
(remessas de lucros e dividendos de investimentos
diretos mais remessa de lucros e dividendos de
investimentos em carteira), até julho, o País enviou ao
exterior US$ 6,8 bilhões contra US$ 4,1 bilhões nos
primeiros sete meses de 2005 (BANCO CENTRAL DO
BRASIL, 2005).
Considerações finais
Os bons resultados nas transações correntes e
especialmente os recordes que vêm sendo obtidos nas
exportações podem levar à suposição de que a
valorização do câmbio não tenha prejudicado o desempenho da BC e da economia em geral. Entretanto, não
fosse o desestímulo às vendas externas, o País poderia
estar beneficiando-se bem mais das oportunidades de
um mercado externo em expansão. Desde 2003, as
circunstâncias internacionais têm sido muito boas, quer
no plano comercial, quer no financeiro: expansão na
demanda externa, com aumento no preço das
commodities exportadas pelo Brasil, e excelente liquidez
internacional, favorecida pelos baixos juros praticados
nos maiores mercados do mundo.
A dúvida que permanece é se todas essas circunstâncias se manterão nos próximos anos, devido, principalmente, ao risco representado pela situação financeira
dos Estados Unidos. Assim, parece conveniente que o
País não se descuide em termos de ajustamento externo
e procure manter uma taxa de câmbio mais competitiva,
direcionada ao estímulo às exportações e ao exercício
de um relativo controle das importações de bens e
serviços, evitando uma apreciação exagerada do real,
como a que vem acontecendo desde 2004.
O fascínio pelo aumento do valor externo da moeda
é grande: barateia a importação de bens e serviços, reduz
o custo doméstico das dívidas em moeda estrangeira e
favorece o combate à inflação. Talvez por isso, muitos
governos, em época de grande liquidez internacional,
deixem-se seduzir pela sobrevalorização cambial. Vale
lembrar, porém, que não se conhece exemplo de país
em desenvolvimento que tenha logrado crescimento
econômico expressivo com taxa de câmbio valorizada,
sem um forte setor externo e com exportações e reservas
substanciais. Desse modo, parece ser consenso que, se
o Brasil quiser crescer, dificilmente poderá fazê-lo
mantendo a atual política cambial. Mesmo longe do que
aconteceu com o câmbio em 1998, já que, à época, havia
forte fuga de capitais, ainda resta a lembrança do que o
País enfrentou — e até hoje enfrenta — como
conseqüência dos desequilíbrios externos gerados pelo
uso prolongado da âncora cambial.
A questão, então, é saber por quanto tempo poderá
ser mantida essa política, sem causar danos expressivos
à economia, especialmente para a indústria nacional, não
só pela valorização, mas, mais do que isso, pela
volatilidade do câmbio, já que o valor do dólar para daqui
a 12 meses, no Brasil, é difícil de predizer.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 33-38, dez. 2005
38
Enquanto isso, a autoridade monetária, talvez até
pelo custo que a intervenção no câmbio pode acarretar
aos cofres públicos, parece esperar por um ajuste
clássico da taxa de câmbio, isto é, ao sabor das forças
do mercado: quando os efeitos da valorização se fizerem
sentir sobre a economia, aumentando a saída e reduzindo
a entrada de dólares, os próprios agentes do mercado
trocarão suas posições, invertendo a tendência. Enquanto
essa reversão não ocorre, a internalização de dólares
para conversão em real parece ser um dos melhores
negócios do mundo em 2005. Resta saber se, em um
prazo mais longo, será também um bom negócio para o
País.
Referências
ASSOCIAÇÃO DE COMÉRCIO EXTERIOR DO BRASIL (AEB). Reflexos da taxa de câmbio sobre as
exportações. São Paulo. Disponível em:
http://www.aeb.org.br/AEB-EmpresasExportadorasQtd
Acesso em: 27 jun. 2005.
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Nota para a imprensa — setor externo. Brasília, 18 ago. 2005.
BOLETIM DO COMÉRCIO EXTERIOR. Rio de Janeiro:
FUNCEX, v. 9, n. 7, jul. 2005.
BORGES, Ana. Real é o mais valorizado entre emergentes. Jornal do Comércio, Porto Alegre, p. 11, 06 jun.
2005.
FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DE SÃO PAULO
(FIESP). As sete quedas das exportações: o que a
história nos ensina? São Paulo. Disponível em:
http://www.fiesp.com.br/download/pesquisa/ Acesso em:
24 jun. 2005.
FEITIÇO cambial. Folha de São Paulo, São Paulo, p.A-2, 30 maio 2005.
LEO, Sérgio. Furlan admite que câmbio já prejudica
negócios e ameaça o investimento. Valor Econômico,
São Paulo, p. A-3, 06 ago. 2005.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 33-38, dez. 2005
Teresinha da Silva Bello
39
Mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre...
Mercado de trabalho
Mercado de trabalho na Região Metropolitana
de Porto Alegre: melhoria no perfil
dos assalariados
Alejandro Kuajara Arandia*
Economista, Pesquisador da FEE e Professor da Unisinos.
Artigo recebido em 10 out. 2005
O artigo que ora se apresenta tem por finalidade
analisar o mercado de trabalho da Região Metropolitana
de Porto Alegre (RMPA) com base nas informações mais
recentes da Pesquisa de Emprego e Desemprego na
Região Metropolitana de Porto Alegre (PED-RMPA),
através de dois recortes, um mensal e outro anual, ou
seja, tomando-se o mês de agosto de 2005 como
referência, estabeleceu-se comparação com o mês de
julho deste ano, bem como com o mês de agosto de
2004.
Para atingir o objetivo proposto, são utilizadas as
principais variáveis do mercado de trabalho, tais como a
ocupação, o desemprego e os rendimentos, com a
finalidade de captar, através do exame das variações
mensal e anual, os movimentos mais recentes do mercado
de trabalho da RMPA.
Examinando os dados da PED-RMPA, constata-se
que o mercado de trabalho evoluiu de maneira favorável
no período recente de 2005. Segundo o levantamento
aludido, apesar de ter registrado, em agosto, um aumento
de 1,4% na taxa de desemprego, em comparação com o
mês anterior, houve crescimento do nível de ocupação
tanto na comparação mensal quanto na anual, com
destaque para um maior crescimento de assalariados do
setor privado com carteira de trabalho assinada e
elevação, nos meses recentes, da massa de rendimentos
reais, tanto dos ocupados quanto dos assalariados.
* O autor agradece à equipe de análise da PED-RMPA, especialmente a Roberto Wiltgen, Raul Assumpção Bastos e Míriam De
Toni, pelos comentários e sugestões, bem como à bolsista Thaís
Ferreira Persson e à estagiária Gabriela Holtz Boffo, pelo auxílio
na elaboração das tabelas e dos gráficos.
Expansão continuada da
ocupação
Em relação ao nível de ocupação, os dados de
agosto de 2005 confirmam um aumento pelo quarto mês
consecutivo — após o decréscimo de três meses
seguidos —, com a criação de 11.000 novos postos de
trabalho na comparação com o mês anterior. Em relação
a agosto de 2004, houve crescimento de 3,7%,
significando uma incorporação de 56.000 trabalhadores.
Com esse desempenho, o resultado dos períodos mensal
e anual pesquisados denota uma evolução positiva da
ocupação (Tabela 1).
Na desagregação da ocupação por setor de
atividade, o comércio registrou crescimento de 5,5% tanto
no confronto mensal — agosto contra julho de 2005 —,
como quando se compara o mês de agosto com o mesmo
mês do ano anterior, caracterizando evolução positiva
de 15.000 vagas.
A indústria de transformação também merece atenção especial, pois, embora tenha apresentado oscilações
ao longo do período em foco, registrou alta de 2,0% em
relação ao mês anterior e crescimento expressivo de
5,1% na comparação entre agosto de 2005 e agosto de
2004.
Considerando-se o mês de agosto ante o de julho
de 2005, o comércio foi o que apresentou o maior
crescimento mensal, ao passo que, na ponta oposta, o
setor serviços foi responsável pela extinção de 12.000
vagas, apresentando um saldo negativo de 1,4%.
O fato de praticamente todos os setores de atividade terem mostrado expansão no mês de agosto, quando
comparado ao mês anterior e ao mesmo mês do ano anterior, é indicativo do grau de consistência do desempenho
do mercado de trabalho da RMPA (Tabela 2).
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 39-46, dez. 2005
40
Alejandro Kuajara Arandia
Tabela 1
Estimativa do número de pessoas ocupadas, por posição na ocupação, na RMPA — ago./04-ago./05
(1 000 pessoas)
ASSALARIADOS (1)
PERÍODOS
TOTAL DE
OCUPADOS
Setor Privado
Total
Setor
Público
(3)
Total
Com
carteira
assinada
Sem
carteira
assinada
EMPREGAOUTROS
AUTÔNO- DOS DO(2)
MOS
MÉSTICOS
2004
Ago.
1 527
1 010
191
819
667
152
268
104
145
Set.
1 555
1 030
198
832
677
155
276
105
144
Out.
1 551
1 019
191
828
671
157
279
108
145
Nov.
1 536
1 012
190
822
665
157
280
107
137
Dez.
1 533
1 015
192
823
668
155
274
109
135
Jan.
1 557
1 027
191
836
688
148
286
109
135
Fev.
1 549
1 030
184
846
705
141
283
107
129
Mar.
1 544
1 031
177
854
715
139
278
103
131
Abr.
1 535
1 031
181
850
712
138
273
97
134
Maio
1 537
1 030
187
843
707
136
272
97
138
Jun.
1 550
1 042
188
854
718
136
274
99
135
Jul.
1 572
1 062
198
864
728
136
272
104
134
Ago.
1 583
1 072
193
879
740
139
269
104
138
11
10
-5
12
3
-3
0
4
56
62
2
73
-13
1
0
-7
2005
∆ mensal
Ago./05 sobre jul./05
15
∆ anual
Ago./05 sobre ago./04
60
FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP, DIEESE e apoio PMPA.
NOTA: Os dados têm como base a média de 2000 = 100.
(1) Exclui empregados domésticos. (2) Engloba empregadores, profissionais universitários autônomos, donos de negócio familiar, etc. (3) Engloba empregados nos Governos Municipal, Estadual e Federal, nas empresas de economia mista, nas autarquias, etc.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 39-46, dez. 2005
41
Mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre...
Tabela 2
Estimativa da População Economicamente Ativa, ocupada, por setor de atividade econômica,
e desempregada, na RMPA — ago./04-ago./05
(1 000 pessoas)
OCUPADOS
PERÍODOS
PEA
Total
2004
Ago.
Set.
Out.
Nov.
Dez.
2005
Jan.
Fev.
Mar.
Abr.
Maio
Jun.
Jul .
Ago.
∆ mensal
Ago./05 sobre jul./05
∆ anual
Ago./05 sobre ago./04
Indústria
de
Comércio
Transformação
Serviços
Construção Serviços
Outros
Civil
Domésticos
DESEMPREGADOS
1 816
1 832
1 820
1 796
1 791
1 527
1 555
1 551
1 536
1 533
291
299
288
278
279
272
262
262
261
262
776
797
799
796
796
78
84
86
86
80
104
105
108
107
109
6
8
8
8
7
289
277
269
260
258
1 817
1 807
1 806
1 800
1 806
1 824
1 839
1 856
1 557
1 549
1 544
1 535
1 537
1 550
1 572
1 583
294
304
313
309
299
301
300
306
265
266
264
264
255
260
272
287
800
785
777
783
807
806
811
799
81
79
79
77
74
76
77
79
109
107
103
97
97
99
104
104
8
8
8
5
5
8
8
8
260
258
262
265
269
274
267
273
17
11
6
15
-12
2
0
0
6
40
56
15
15
23
1
0
2
-16
FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP, DIEESE e apoio PMPA.
Maior formalização do
emprego
Em relação à desagregação das ocupações por tipo
de inserção ocupacional, houve, para o setor privado,
tanto na comparação mensal quanto na anual, uma
melhora na qualidade do conjunto das ocupações, em
razão de um aumento do emprego com carteira de
trabalho assinada.
Considerando-se o mês de agosto em relação ao
mês anterior, ocorreu variação positiva para o contingente
de assalariados (1,7%). No âmbito do setor privado, cabe
registrar o crescimento do emprego com carteira assinada
(1,6%), seguindo movimento ascendente pelo terceiro
mês consecutivo, e o crescimento do emprego sem
carteira de trabalho assinada (2,2%) pela primeira vez
neste ano. Na comparação com o mesmo mês do ano
anterior, constata-se uma expansão do contingente de
assalariados de 7,3%, destacando-se a criação de postos
de trabalho com carteira de trabalho assinada (73.000)
em paralelo a uma expressiva redução das inserções
legalmente desprotegidas, isto é, sem carteira de trabalho
assinada (-13.000). Registre-se que, no setor público, as
alterações foram pouco expressivas, com acréscimo de
1,0% em seu contingente (2.000 empregos a mais) —
Tabela 1.
Com esses movimentos, a variação do contingente
de trabalhadores com carteira de trabalho assinada, por
setor de atividade, ante o total de trabalhadores sem
carteira manteve-se elevado para os setores serviços,
indústria e comércio (Tabela 3). O grau de formalidade,
considerando-se apenas os trabalhadores com carteira
assinada do setor privado, em agosto, em relação ao
mesmo mês do ano anterior, registrou crescimento de
7,3%, ante 1,0% do setor público, e de 3,7% para o total
de ocupados, em paralelo a uma queda de 8,6% dos
trabalhadores assalariados sem carteira assinada (Tabela 1).
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 39-46, dez. 2005
42
Alejandro Kuajara Arandia
Tabela 3
Estimativa dos assalariados do setor privado, por setor de atividade e vínculo de trabalho,
na RMPA — ago./04-ago./05
(1 000 pessoas)
PERÍODOS
2004
Ago.
Set.
Out.
Nov.
Dez.
2005
Jan.
Fev.
Mar.
Abr.
Maio
Jun.
Jul.
Ago.
∆ mensal
Ago./05 sobre jul./05
∆ anual
Ago./05 sobre ago./04
INDÚSTRIA
Com
Sem
Carteira
Carteira
CONSTRUÇÃO CIVIL
Com
Sem
Carteira
Carteira
COMÉRCIO
Com
Sem
Carteira
Carteira
SERVIÇOS
Com
Sem
Carteira
Carteira
222
226
213
210
210
31
35
35
34
32
25
25
27
27
26
(1)(1)(1)(1)(1)-
133
131
133
129
127
32
29
29
31
33
286
294
296
299
303
78
80
82
78
77
220
231
244
244
236
236
237
243
31
29
26
26
24
24
22
24
25
24
24
22
22
24
25
25
(1)(1)(1)(1)(1)(1)(1)(1)-
127
135
137
135
134
139
148
154
35
33
32
29
26
27
27
28
314
314
309
310
315
317
316
316
70
71
75
77
80
78
79
76
6
2
0
(1)-
6
1
0
-3
21
-7
0
(1)-
21
-4
30
-2
FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP, DIEESE e apoio PMPA.
(1) A amostra não comporta desagregação para essa categoria.
Cresce a participação
feminina na ocupação
Considerando as características individuais dos
trabalhadores, a desagregação da ocupação por sexo
apontou variação positiva para ambos os segmentos,
com ampliação mais expressiva para as mulheres. Assim,
na comparação dos resultados de agosto e julho de 2005,
o incremento foi de 1,0% para as mulheres e de 0,4%
para os homens, com aumento de 7.000 ocupações para
o contingente de mulheres e de 4.000 para o de homens.
No que diz respeito à comparação anual, o movimento
também foi semelhante: crescimento de 4,8% para as
mulheres e de 2,8% para os homens, o que significa que
32.000 mulheres foram absorvidas pelo mercado de
trabalho, contra 24.000 homens. Em termos de
participação relativa por sexo no total da ocupação, esse
movimento significou, na comparação anual, um
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 39-46, dez. 2005
aumento, para as mulheres, de 43,4% para 43,8% e uma
queda, para os homens, de 56,6% para 56,2% do total
de ocupados (Tabela 4).
Em relação à desagregação da ocupação por faixas
de escolaridade dos trabalhadores, o contingente de
pessoas que possuem ensino médio completo ou superior
incompleto foi o grupo que mais cresceu. Observa-se,
na comparação mensal de agosto contra julho de 2005,
que um número significativo de 13.000 pessoas com
ensino médio completo ou superior incompleto e um
número de 2.000 pessoas com curso superior completo
foram absorvidas pelo mercado de trabalho.
No que diz respeito à comparação anual, dos 56.000
postos de trabalho gerados em agosto de 2005, em
relação a agosto do ano anterior, 49.000 foram
preenchidos pelas pessoas com ensino médio completo
ou superior incompleto; o contingente de pessoas com
mais escolaridade, ou seja, superior completo, aumentou
em 14.000 pessoas.
43
Mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre...
Considerando-se que o movimento positivo, tanto
na comparação mensal quanto na anual, se deu
principalmente entre os mais escolarizados, associado
ao fato de o emprego no setor privado ter crescido mais
entre os com carteira de trabalho assinada, pode-se
apontar como característica, no período estudado, e que
deve ser monitorada de perto nos próximos meses, a
criação de empregos de melhor qualidade (Tabela 5).
Outro fato positivo entre agosto de 2005 e o mesmo
mês do ano anterior foi a capacidade de absorção de
mão-de-obra mostrada pelo mercado de trabalho, quando
o aumento da ocupação (56.000 pessoas) se revelou, no
período em foco, mais do que suficiente para absorver a
pressão dos novos ingressantes no mercado de
trabalho — 40.000 pessoas entraram na População
Economicamente Ativa (PEA) —, o que provocou uma
diminuição no contingente de desempregados
(-16.000) — Gráfico 1.
Ao examinar o Informe PED de agosto de 2005,
constata-se que, em relação à taxa de desemprego,
apesar de ter havido elevação da mesma em agosto, na
comparação com julho de 2005, de 1,4%, houve
decréscimo de 7,5%, quando se leva em conta a variação
anual agosto de 2005 contra agosto de 2004. A elevação
da taxa de desemprego total em agosto de 2005 decorreu
do aumento da taxa de desemprego oculto, que passou
de 4,2% da PEA em julho para 4,6% em agosto. Já o
declínio observado na comparação anual decorreu da
queda conjunta tanto da taxa de desemprego aberto
quanto da do oculto1.
Tomando como referência a taxa de desemprego
por atributo pessoal, observa-se, na comparação anual,
que esse indicador caiu para quase todos os segmentos,
com exceção daquele com 40 anos e mais e do dos
chefes de domicílio2. No que diz respeito aos chefes de
domicílio, cabe ressaltar que a taxa de desemprego
respectiva, após apresentar queda desde o início de 2005,
reverteu essa tendência a partir do mês de julho, sendo
que, em agosto, o crescimento da taxa de desemprego
dos chefes foi de 11,0% frente ao mês anterior. Caso
esse movimento continue, trará efeitos adversos às
famílias, na medida em que a sobrevivência passa a
depender cada vez mais do esforço coletivo da família.
Na comparação anual, segundo o Informe PED de
agosto de 2005, o decréscimo observado na taxa de
desemprego refletiu na redução do indicador tempo médio
despendido pelos desempregados na procura de trabalho,
o qual recuou de 44 para 39 semanas, ou seja, um
decréscimo de cinco semanas. Registre-se que, embora
esse resultado denote uma melhoria do indicador, o tempo
de procura por trabalho ainda permanece elevado.
Tabela 4
Estimativa e distribuição dos ocupados, por sexo, na RMPA — ago./04, jul./05 e ago./05
PERÍODOS E PARTICIPAÇÕES
Ago./04
Absoluta (1 000 pessoas) ..................................
Relativa (%) .......................................................
Ago./05
Absoluta (1 000 pessoas) ..................................
Relativa (%) .......................................................
Jul./05
Absoluta (1 000 pessoas) ..................................
Relativa (%) .......................................................
MULHERES
HOMENS
TOTAL
662
43,4
865
56,6
1 527
100,0
694
43,8
889
56,2
1 583
100,0
687
43,7
885
56,3
1 572
100,0
FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP, DIEESE e apoio PMPA.
1
Para maiores informações sobre o comportamento da taxa de
desemprego aberto e oculto, consultar Informe PED (2005b).
2
Para um maior detalhamento dos dados sobre a evolução da
taxa de desemprego por atributo pessoal, ver Informe PED
(2005b).
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 39-46, dez. 2005
44
Alejandro Kuajara Arandia
Tabela 5
Estimativa e distribuição dos ocupados, por escolaridade, na RMPA — ago./04, jul./05 e ago./05
PERÍODOS E PARTICIPAÇÕES
FUNDAMENTAL
COMPLETO OU
MÉDIO
INCOMPLETO
MÉDIO
COMPLETO OU
SUPERIOR
INCOMPLETO
SUPERIOR
COMPLETO
TOTAL
447
29,3
321
21,0
557
36,5
182
11,9
1 527
100,0
443
28,0
322
20,3
606
38,3
196
12,4
1 583
100,0
440
28,0
326
20,7
593
37,7
198
12,6
1 572
100,0
FUNDAMENTAL
INCOMPLETO
Ago./04
Absoluta (1 000 pessoas) .....................
Relativa (%) ..........................................
Ago./05
Absoluta (1 000 pessoas) .....................
Relativa (%) ..........................................
Jul./05
Absoluta (1 000 pessoas) .....................
Relativa (%) ..........................................
FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP, DIEESE e apoio PMPA.
NOTA: A amostra de ocupados sem escolaridade não comporta desagregação da informação.
Gráfico 1
Taxa de desemprego e estimativa do número de ocupados na RMPA — jan./04-ago./05
Taxa de desemprego (%)
Ocupados (1 000 pessoas)
1 590
18
17
1 570
16
1 550
15
14
1 530
13
1 510
12
1 490
11
1 470
10
Legenda:
Taxa de desemprego
Ocupados
FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP, DIEESE e apoio PMPA.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 39-46, dez. 2005
Ago.
Jul.
Jun.
Maio
Abr.
Mar.
Fev.
Jan.
Dez.
Nov.
Out.
Set.
Ago.
Jul.
Jun.
Maio
Abr.
Mar.
Fev.
01 450
Jan.
90
45
Mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre...
Evolução desfavorável dos
rendimentos do trabalho
positiva de 0,8% para os trabalhadores com carteira de
trabalho assinada e de 1,2% para os sem carteira. Ao
contrário, esse indicador, na comparação com julho do
ano anterior, registrou decréscimo de 1,7% para os com
carteira e de 9,9% para os sem carteira de trabalho
assinada. Como houve um aumento expressivo de
pessoas no contingente de ocupados com carteira de
trabalho assinada, é provável que esses trabalhadores
tenham entrado, em grande parte, com salários menores,
pressionando os rendimentos médios dessa categoria
para baixo.
Quanto à massa de rendimentos reais, segundo o
Informe PED do mês de agosto de 2005, verificou-se
crescimento, na comparação anual, de 2,7% para os
ocupados e de 2,3% para os assalariados, determinado
pelo aumento no emprego, que mais que compensou a
queda no rendimento médio real.
De acordo com as informações da PED-RMPA sobre
rendimentos do trabalho, no mês de julho do corrente
ano, o rendimento médio real dos ocupados permaneceu
relativamente estável, e o dos assalariados apresentou
variação negativa de 0,6%. Em termos monetários, esses
rendimentos passaram a ser de R$ 900 e de R$ 903
respectivamente (Gráfico 2).
Examinando os dados sobre o salário médio real
no trabalho principal, segundo o setor de atividade
econômica e o registro em carteira de trabalho3, na RMPA,
verificam-se movimentos opostos de recomposição nas
comparações mensal e anual. Em julho de 2005, frente
ao mês anterior, o salário médio real apresentou variação
Gráfico 2
Índices do rendimento e do salário médio real na RMPA — jul./04-jul./05
Índice
92
90
88
86
84
82
Legenda:
Rendimento
Jul./05
Jun./05
Maio/05
Abr./05
Mar./05
Fev./05
Jan./05
Dez./04
Nov./04
Out./04
Set./04
Ago./04
Jul./04
80
Salário
FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP, DIEESE e apoio PMPA.
NOTA: Inflator utilizado: IPC-IEPE; valores em reais de jul./05.
3
Referentemente aos dados sobre a variação dos rendimentos
em geral por setor de atividade econômica e registro em carteira
de trabalho, consultar Informe PED (2005b).
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 39-46, dez. 2005
46
Alejandro Kuajara Arandia
Considerações finais
INFORME PED. Porto Alegre: FEE, v. 14, n. 7, ago.
2005a.
Apesar de ter-se registrado, em agosto de 2005,
um aumento de 1,4% na taxa de desemprego, na
comparação com o mês anterior, houve decréscimo de
7,5%, quando se leva em conta a variação anual agosto
de 2005 contra agosto de 2004. Em sentido contrário,
merece destaque o movimento desfavorável dos
rendimentos do trabalho.
Em relação ao nível de ocupação, houve
crescimento tanto na comparação mensal quanto na
anual, com destaque para um maior crescimento dos
assalariados do setor privado com carteira de trabalho
assinada. O grau de formalidade, considerando-se apenas
os trabalhadores com carteira assinada do setor privado,
em agosto, em relação ao mesmo mês do ano anterior,
registrou crescimento de 7,3%, ante 1,0% do setor público
e de 3,7% para o total de ocupados, em paralelo a uma
queda de 8,6% dos trabalhadores assalariados sem
carteira assinada.
Dada a evolução desse conjunto de indicadores —
exceção aos rendimentos do trabalho —, pode-se dizer
que, considerando a comparação de agosto de 2005 com
o mês anterior e com o mesmo mês do ano anterior, o
mercado de trabalho evoluiu positivamente, com
destaque para a melhoria da qualidade dos novos postos
de trabalho, o que significa maior formalização.
Dessa maneira, o mercado de trabalho da Região
Metropolitana de Porto Alegre parece não ter sentido,
ainda, os impactos da desaceleração apontada por alguns
indicadores do nível de atividade, especialmente da
indústria gaúcha, na esteira do processo de elevação da
taxa de juros, que começou em setembro do ano passado,
além da desvalorização do dólar. Contudo, a se confirmar
esse cenário negativo que coloca a indústria gaúcha em
estado de alerta, tal impacto deverá, mais cedo ou mais
tarde, repercutir sobre a ocupação, com todas as agruras
que a diminuição de criação de postos de trabalho traz
para os demais indicadores do mercado de trabalho e,
conseqüentemente, para a qualidade de vida da
população.
INFORME PED. Porto Alegre: FEE, v. 14, n. 8, ago.
2005b.
Referências
CARTA DE CONJUNTURA FEE. Porto Alegre: FEE,
v. 14, n. 7, jun. 2005a.
CARTA DE CONJUNTURA FEE. Porto Alegre: FEE,
v. 14, n. 8, ago. 2005b.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 39-46, dez. 2005
MERCADO de trabalho. Conjuntura e Análise, Brasília:
IPEA, v. 10, n. 27, maio 2005.
47
Educação infantil no Brasil e no Rio Grande do Sul: o descompasso frente à legislação
Indicadores sociais
Educação infantil no Brasil e no Rio Grande do Sul:
o descompasso frente à legislação
Hélios Puig Gonzalez*
Economista da FEE.
Salvatore Santagada*
Sociólogo da FEE.
1 - Introdução
Neste artigo, investiga-se a educação infantil no
período 1999-05, examinando-se a compatibilização entre
a oferta disponível de matrículas e o potencial da
demanda acenado pelos objetivos da legislação nesse
nível de ensino, através de um grupo de indicadores
educacionais, quais sejam, matrículas iniciais, alunos
na escola por faixa etária, formação de professores e
recursos educacionais disponíveis nas escolas. Também
se busca contribuir para o debate sobre a importância
da educação infantil, para levar a bom termo os objetivos
da educação básica brasileira.
Assim, no primeiro momento, são apresentados a
legislação pertinente à educação infantil e o
questionamento quanto à alocação dos recursos
financeiros para viabilizá-la. E, no segundo, a partir
análise dos dados, são avaliadas as possibilidades e as
carências no cumprimento dos objetivos estabelecidos
pela legislação.
2 - A educação infantil:
uma parte importante
da educação básica
Nos últimos 20 anos, a educação infantil, no Brasil
e no mundo, foi foco de profundas reflexões no campo
da legislação, da investigação pedagógica e das políticas
públicas governamentais.
As Nações Unidas, a partir da Conferência Mundial
de Educação para Todos (em Jomtien, na Tailândia, em
1990), que contou com a participação do Governo
brasileiro, preconizou que a educação é, ao mesmo
tempo, um direito verdadeiramente humano e uma
responsabilidade social dos governos.
As transformações no campo da educação infantil
de zero a seis anos, no Brasil, ocorridas a partir do final
dos anos 80, foram moldadas num contexto de
reivindicações por “educação pública, gratuita e de
qualidade”, parcialmente reconhecidas na legislação,
sendo que essa luta representa, por diversas causas, a
continuidade de um movimento mais amplo no plano
mundial.1
De acordo com Longhi, esse reconhecimento, no
Brasil, se deve a diferentes motivações:
“Dentre os principais motivos que levaram à
expansão da área de educação infantil,
destacam-se o reconhecimento da sociedade
da importância das experiências da infância
para o desenvolvimento da criança; as
conquistas sociais dos movimentos pelos
direitos da criança, dentre elas, o acesso à
educação nos primeiros anos de vida; a
crescente urbanização do País; a inserção das
mulheres no mercado de trabalho. Os novos
padrões de organização familiar; as condições
de abandono infantil e, especialmente, o
reincidente fracasso escolar nas primeiras
séries do ensino básico (...)” (Longhi, 2005,
p. 198).
1
* Os autores agradecem ao colega Carlos Roberto Winckler as
observações feitas à versão preliminar deste artigo.
Um marco básico é o do reconhecimento pelos governos,
através da ONU, da necessidade da defesa dos direitos das
crianças e dos adolescentes. O documento inicial foi a
Declaração dos Direitos da Criança (20.11.1959).
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005
48
Hélios Puig Gonzalez; Salvatore Santagada
Para Alessio Surian (2005), no mundo, há mais de
900 milhões de analfabetos (70% dos quais são
mulheres), 120 milhões de crianças não alfabetizadas
(na grande maioria, mulheres) e 150 milhões de alunos
que abandonam a escola antes de completar o quarto
ano de escolarização básica. No Brasil, segundo Marie-Pierre Poirier (Rodrigues; Nascimento, 2005, p. 49),
representante da Unicef no País, 2,7 milhões de crianças
não completam a quarta série, e muitas saem das escolas
analfabetas.
Uma motivação de fundo que aponta a superação
da falta de qualidade do ensino no Brasil diz respeito à
crítica do Professor Dermeval Saviani (Domínios..., 2002,
p. 5), que afirma que “O ensino no Brasil, a partir dos
anos 90, ficou atrelado ao assistencialismo, à maquiagem
estatística e à onda de privatizações” e que “(...) as
políticas educacionais governamentais têm estimulado,
nos últimos anos, um viés assistencialista”.
A prioridade em implementar políticas públicas para
alcançar a “educação para todos” tem, na educação
infantil, um primeiro passo para qualificar e redefinir a
educação do País. Os argumentos científicos que
mostram a importância de se acompanhar o
desenvolvimento da criança2 levam à requisição de uma
ampliação dos recursos educacionais, através da
habilitação de pedagogos e de outros profissionais para
acompanharem a criança na escola.
A legislação brasileira começou a reconhecer os
direitos das crianças na Constituição Federal (Brasil,
1988). Esses direitos ampliaram-se com o Estatuto da
Criança e do Adolescente (Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente, 1990), na definição
da Política Nacional de Educação infantil (1993), e com
a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB) (Brasil, 1996), onde a creche (para crianças de
zero a três anos) e a pré-escola (para crianças de quatro
a seis anos) formam o primeiro nível de ensino —
educação infantil. Além da educação infantil, ainda fazem
parte da educação básica definida na LDB os ensinos
fundamental e médio.
O novo enfoque do legislador e os compromissos a
serem assumidos pela sociedade civil e pelo Governo
sobre a educação das crianças pequenas terão
conseqüências fundamentais, conforme Kappel (2001,
p. 36), “(...) na organização da política de atendimento e
2
“A ciência mostra que o período que vai da gestação até o sexto
ano de vida, particularmente de 0 a 3 anos, é o mais importante
na preparação das bases das competências e habilidades no
curso de toda a vida humana.” (Relevância..., 2005).
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005
na definição de estratégias visando à expansão, à
melhoria e à garantia da qualidade” da educação infantil.
A LDB proclamou, conforme Cerisara (2002, p. 331),
pela primeira vez na história das legislações brasileiras,
a educação infantil como um direito das crianças, um
dever do Estado e uma opção das famílias, não
assumindo um caráter de obrigatoriedade. A passagem
das creches para a responsabilidade das Secretarias de
Educação dos municípios rompeu com o caráter, anterior,
meramente assistencialista. Agora, existe uma proposta
indissociável e complementar entre a obrigatoriedade da
função de educar e a de cuidar.
A LDB considera a educação infantil uma parte
inseparável da educação básica, tendo por finalidade o
desenvolvimento integral da criança de zero a seis anos,
em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e da comunidade.
As orientações constantes na LDB (Brasil, 1996)
estão consubstanciadas na proposta pedagógica e
curricular indicada pelo Referencial Curricular Nacional
Para a Educação Infantil (RCNEI) (Brasil, 1998, v. 1, p.
18), do Ministério da Educação, pelas Diretrizes
Curriculares Nacionais Para Educação Infantil (DCNEI)
(Brasil, 1999), do Conselho Nacional de Educação.
Nesses documentos, são assumidas as especificidades
da educação infantil e revistas as concepções sobre a
infância.3
3 - O financiamento da
educação infantil
O financiamento da educação infantil, apesar de
ser contemplado na Constituição de 1988, nunca esteve
garantido, e o problema permaneceu com a Emenda
Constitucional (EC) nº 14, de 12 de setembro de 1996,
que visou, prioritariamente, estabelecer uma nova
sistemática de financiamento para o ensino fundamental,
através da criação do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino fundamental e de Valorização
do Magistério (Fundef).
No que diz respeito à educação infantil, na EC 14,
o art. 211 continuou com a seguinte redação: “A União,
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
organizarão em regime de colaboração seus sistemas
de ensino”. E reafirmou, na nova redação do parágrafo
3
Não é objeto do presente artigo analisar a proposta político-pedagógica subjacente tanto no RCNEI quanto nas DCNEI.
49
Educação infantil no Brasil e no Rio Grande do Sul: o descompasso frente à legislação
2º, “Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino
fundamental e na educação infantil”.
A Constituição de 1988, ao apontar a responsabilidade dos municípios no atendimento da necessidade de
financiamento do ensino fundamental e da pré-escola (que
agora se classifica como educação infantil), estabelece
que estes devem aplicar 25%, no mínimo, da receita
resultante de impostos, compreendida também a
proveniente de transferências, na manutenção e no
desenvolvimento do ensino sob sua responsabilidade.
No art. 208, no parágrafo 1º, já estava estabelecido
apenas o ensino fundamental como obrigatório. Essas
determinações, juntamente com o Fundef (Brasil, 1996),
acarretaram uma maior atenção ao ensino fundamental,
em detrimento da educação infantil.
Conforme Cerisara (2002, p. 333-334) a omissão
da LDB em relação ao financiamento da educação
infantil, aliada à EC 14, regulamentada pela Lei nº 9.424/
/96, que criou o Fundef, deixa clara a opção governamental
de não dar nenhuma prioridade para atender à educação
infantil, pois a autora afirma que os municípios canalizarão
seus recursos para o ensino fundamental; os estados,
para o ensino médio; e a União ficará com o ensino
superior. Desse modo, a legislação, mesmo insinuando
colaboração e parceria entre os entes públicos, dilui as
responsabilidades em relação à educação infantil, e, na
prática, recai sobre os municípios a maior responsabilidade para com esse nível de educação, dificultando a
canalização de recursos para esse fim.
Os movimentos de educadores, dentre eles o
Movimento Interfóruns de Educação infantil no Brasil
(MIEB), procuraram contra-atacar a desresponsabilização
do Estado em relação à educação infantil (Cerisara, 2002,
p. 334) através da proposta de defesa de uma educação
infantil de qualidade, com a criação de um fundo para a
educação básica ou com a criação de um fundo específico
para a educação infantil.4
4
O 2º Congresso Nacional de Educação (Coned) propunha, em
1997, uma política específica de financiamento para a
universalização gradativa da demanda nas creches e nas pré-escolas (Duas..., 1998, p.45). Em 1998-99, o gasto público total
(municipal, estadual e federal) em educação básica e superior
representava 4,3% do PIB. A educação infantil equivalia a 0,4%
do PIB. A esfera municipal contribuía com 91,5% dos gastos
totais nesse nível educacional, e o restante provinha dos estados
(Brasil, 2003). O atual Ministro da Educação, Fernando Haddad,
afirmou que o Brasil investe menos que 4% do PIB na sua área
e que precisaria “(...) investir, durante 20 anos, pelo menos 6%
do PIB, se quiser realmente resolver seus problemas na área
educacional” (Alencar, 2005), sendo este o patamar de
investimentos recomendado pela UNESCO.
O embate entre a sociedade civil e o Estado, quanto
ao financiamento da educação infantil, não terminou,
entretanto “(...) não há boas perspectivas nesta área,
em curto prazo, pois o Governo Federal enviou ao
Congresso, em 15.06.2005, a proposta de emenda
constitucional que cria o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica [Fundeb], que
beneficiará a pré-escola, os ensinos fundamental e médio,
mas excluirá as creches” (Santagada, 2005, p. 2).
Conforme o Professor Magno de Aguiar Maranhão,
membro do Conselho Estadual de Educação do Rio de
Janeiro, a proposta governamental do Fundeb não
priorizou a educação infantil devido à possível pressão
dos estados.5
4 - A situação atual da educação infantil no Brasil
e no Rio Grande do Sul
A educação infantil, na nova agenda social brasileira,
tem como objetivos buscar a educação “integral” da
criança pequena — desenvolvimento físico, psicológico,
intelectual e social — e também propiciar sua maior
inclusão na escola. A qualificação dos docentes e do
pessoal de apoio que atua com a criança, aliada às
condições da infra-estrutura material das escolas, terá
conseqüências diretas para a educação infantil e, por
fim, para os demais níveis de ensino que receberão essa
parcela da população.6
Os dados aqui reunidos foram produzidos pelo INEP,
do Ministério da Educação, através do Censo Escolar e
5
“Até onde sabemos, o corte na educação infantil, expresso
sobretudo na exclusão das creches do Fundeb, teria sido
provocado pela pressão dos estados, que temem os gastos
que seriam gerados para acolher a massa de crianças de até
três anos excluídas do sistema educacional. Além disso, como
já divulgado em estudo de vários órgãos do Governo, a rede de
creches teria que crescer 470% até 2011, para absorver uma
clientela de 4,3 milhões, e os investimentos saltariam de 0,07%
para 0,56% do PIB; a despesa por aluno/ano chegaria a R$
2.469, a maior da educação básica.” (Maranhão, 2005).
6
Investigações do Ministério de Educação e Cultura/Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(MEC/INEP) apontam um melhor desempenho no Sistema de
Avaliação da Educação Básica (SAEB) dos alunos do ensino
fundamental que passaram pela educação infantil, em relação
àqueles alunos que não cursaram a educação infantil (Maranhão,
2005). Segundo Longhi (2005, p. 221), a pré-escola pode prevenir
a reprodução do analfabetismo e futuros problemas quanto à
alfabetização.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005
50
Hélios Puig Gonzalez; Salvatore Santagada
do Banco de Dados EDUDATABRASIL, e, quando
necessários, foram trabalhados pelo Núcleo de
Indicadores Sociais da FEE.
A análise das informações sobre a educação infantil7
abarca, num primeiro momento, os anos 1999 e 2005,
com informações sobre o total de matrículas iniciais, por
dependência administrativa, em creches e na pré-escola
e, no segundo momento, 1999 e 2003, sendo este o último
ano do qual se tem informações sobre a faixa etária dos
alunos, a formação dos professores e a infra-estrutura
das escolas.
A presente análise enfatiza os indicadores
educacionais, no que diz respeito à situação atual da
educação infantil no País e, em especial, no RS.
4.1 - Matrículas iniciais por dependência administrativa
Em 2005, o número de matrículas na educação
infantil foi de 7,2 milhões de crianças no Brasil e de 285
mil crianças no RS.
No Brasil, no período 1999-05, as matrículas em
creches aumentaram em 583.153, um crescimento de
70,1%, e, na pré-escola, aumentaram 1.554.265, um
crescimento de 36,7%, totalizando 2.137.418 matrículas
novas de crianças atendidas pela educação infantil no
Brasil, um crescimento de 42,2%.
A participação de creches e da pré-escola, no
Brasil, no total da educação infantil passou de 16,4% e
83,6% em 1999, respectivamente, para 19,6% e 80,4%
em 2005.
A pré-escola, considerando-se apenas as crianças
matriculadas, detém a maior participação no total da
educação infantil, enquanto as creches representam um
quinto da oferta total de matrículas desse nível de ensino.
A análise do total das matrículas nas creches, no
Brasil, no período investigado, indicou um pequeno
acréscimo, da ordem de 3,2 pontos percentuais.
Evidenciam-se, quanto à dependência administrativa, um
retraimento da participação estadual e um pequeno
crescimento da participação municipal e privada, que
concentram a quase-totalidade das matrículas das
creches, com destaque para as matrículas municipais.
A oferta de matrículas iniciais na pré-escola, no
Brasil, em igual período, teve uma retração de 3,2 pontos
percentuais, embora estas representem 80,4% do total
disponível na educação infantil, em 2005. O mesmo
fenômeno de decréscimo no número de matrículas
estaduais, ocorrido em creches, repete-se agora na pré-escola. Entretanto, neste nível de ensino, as perdas foram
de 130.688 matrículas, um decréscimo de 34,4%,
constatando-se um forte recuo da participação do Estado
e uma maior presença dos municípios na oferta das
matrículas perdidas naquela dependência admistrativa.
Ainda na pré-escola, a iniciativa privada ampliou
levemente sua participação no total de matrículas, ao
realizar um crescimento de 43,4%, em números absolutos
somou 457.887 novas matrículas, ou seja, quase um
terço das realizadas em nível municipal, o qual aumentou
1.226.623 matrículas, apresentando um crescimento de
43,8% no período.
No Brasil, ao observar-se a distribuição das
matrículas iniciais existentes na educação infantil, por
dependência administrativa, verifica-se que a rede pública
(federal, estadual e municipal) ofereceu, em 2005, 71,6%
das matrículas existentes, embora a rede privada
apresente uma taxa de crescimento de 52,1%, percentual
superior ao crescimento de 38,6% da rede pública.
A esfera municipal é a que mais matrículas iniciais
ofertou em valores absolutos. Essa instância, como está
mais próxima das famílias e corresponde à prioridade
constitucional de atuação dos municípios, refletindo a
pressão pelo aumento de vagas, teve um melhor resultado
(Brasil, 2001).
No período 1999-05, no RS, as matrículas iniciais
na educação infantil aumentaram em 98.158, um
crescimento de 52,5%. As creches tiveram o número de
matrículas iniciais aumentado em 57.776, um
crescimento de 415,0%.
E, na pré-escola, o número de matrículas iniciais
aumentou em 40.382, um crescimento de 23,3%.
A análise do total de matrículas nas creches, no
RS, no período investigado, indica um desempenho bem
diverso do caso brasileiro, pois essas passaram de
13.923 para 71.699, ou seja, a oferta, no período,
quadruplicou.8 Sua participação no total das matrículas
da educação infantil do RS passou de 7,4% para 25,1%.
8
7
Os dados da educação infantil, em especial as matrículas nas
creches, devem ser avaliados com cuidado, porque, pela forma
como é realizado o Censo Escolar, somente as creches com
registro oficial são captadas na pesquisa do MEC (Kappel, 2001).
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005
A oferta de vagas em creches, no RS, era pequena em 1999.
Vale lembrar que, nesse ano, teve início o registro oficial de
novas escolas. O crescimento posterior é um somatório dos
novos registros, da necessidade das mães trabalhadoras e de
uma nova valorização da educação das crianças de até três
anos.
51
Educação infantil no Brasil e no Rio Grande do Sul: o descompasso frente à legislação
No caso da pré-escola, no RS, o comportamento
da oferta de matrículas iniciais é peculiar, pois, nesse
mesmo período, a oferta cresceu menos do que no País.
As matrículas passaram de 173.168 para 213.550, um
crescimento de 23,3%, em comparação aos 36,7%
alcançados em nível nacional. Em 1999, a participação
da pré-escola era de 92,6% do total da educação infantil,
diminuindo, em 2005, para 74,9%.
Comparando-se com o Brasil, verifica-se que, no
RS, a participação da rede pública na educação infantil
também se sobressai na oferta de matrículas, com 72,9%
em 2005. A presença municipal cresce, embora a esfera
estadual ainda participe com uma parcela importante das
matrículas. A participação da rede privada (confessional,
filantrópica, comunitária, ONGs e outras) aumentou, no
período, na ordem de 130,0%, deixando à mostra o muito
que deve ser realizado em termos de uma maior oferta
da área pública no RS, sem se menosprezar a
necessidade de o mesmo esforço ocorrer em nível
nacional.
Verifica-se que, quanto à oferta de matrículas nas
creches no Estado, estas apresentam uma performance
bastante diferenciada daquela do Brasil. No período 1999-05, a dependência estadual, que já ofertava poucas
matrículas, diminuiu ainda mais sua participação. Em
que pese à pequena oferta de matrículas em creches,
tanto na rede privada quanto na esfera municipal, em
1999, o crescimento dessas dependências administrativas é bastante representativo. A rede privada cresceu
684,6%, e a esfera municipal, 322,0%, no período
investigado. Vale lembrar que esses crescimentos
espetaculares ocorreram segundo a causa já comentada,
ou seja, devido ao fato de a base de dados de 1999
partir de um patamar pequeno de matrículas iniciais,
dentre outros fatores.
Comparando-se o Brasil com o Estado, constata-se, na pré-escola, uma característica do RS, onde é
marcante a presença da oferta estadual, embora com
uma retração de 5.064 matrículas em 2005, em relação
a 1999. A rede privada aumentou sua participação no
período em foco, e cresceu 63,6%, ou seja, quase o dobro
da esfera municipal, mesmo assim essa dependência
administrativa ofereceu mais vagas em números
absolutos.
Tabela 1
Matrículas iniciais em creches, na pré-escola e no total da educação infantil, por dependência
administrativa, no Brasil e no Rio Grande do Sul — 1999 e 2005
a) educação infantil (creche mais pré-escola)
1999
DISCRIMINAÇÃO
Brasil ......................
Rede pública ...........
Federal ...............
Estadual .............
Municipal ............
Rede privada ...........
RS ...........................
Rede pública ...........
Federal ...............
Estadual .............
Municipal ............
Rede privada ...........
Número
5 067 256
3 720 251
1 733
396 395
3 322 123
1 347 005
187 091
153 494
0
62 049
91 445
33 597
2005
VARIAÇÃO 1999-05
Composição
(%)
Número
Composição
(%)
100,00
73,40
0,05
10,70
89,30
26,60
3,70
82,00
0,00
40,40
59,60
18,00
7 204 674
5 155 910
2 561
266 378
4 886 971
2 048 764
285 249
207 964
144
57 080
150 740
77 285
100,00
71,60
0,05
5,20
94,80
28,40
4,00
72,90
0,07
27,40
72,50
27,10
Absoluta
2 137 418
1 435 659
828
130 017
1 564 848
701 759
98 158
54 470
144
4 969
59 295
43 688
%
42,2
38,6
47,8
-32,8
47,1
52,1
52,5
35,5
-8,0
64,8
130,0
∆ a.a.
6,0
5,6
6,7
-6,4
6,6
7,2
7,3
5,2
-1,4
8,7
14,9
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005
52
Hélios Puig Gonzalez; Salvatore Santagada
Tabela 1
Matrículas iniciais em creches, na pré-escola e no total da educação infantil, por dependência
administrativa, no Brasil e no Rio Grande do Sul — 1999 e 2005
b) creches
1999
DISCRIMINAÇÃO
Brasil .....................
Rede pública ..........
Federal .............
Estadual ............
Municipal ..........
Rede privada ........
RS...........................
Rede pública ..........
Federal .............
Estadual ............
Municipal ..........
Rede privada .........
2005
VARIAÇÃO 1999-05
Número
Composição
(%)
Número
Composição
(%)
831 978
539 804
508
16 593
522 703
292 174
13 923
10 328
0
75
10 253
3 595
16,40
64,90
0,09
3,07
96,80
35,10
7,40
74,20
0,00
0,70
99,30
25,80
1 415 131
879 085
893
17 264
860 928
536 046
71 699
43 496
58
170
43 268
28 203
19,60
62,10
0,10
1,96
97,90
37,90
25,10
60,70
0,10
0,40
99,50
39,30
Absoluta
583 153
339 281
385
671
338 225
243 872
57 776
33 168
58
95
33 015
24 608
%
70,1
62,9
75,8
4,0
64,7
83,5
415,0
321,1
126,7
322,0
684,5
∆ a.a.
9,3
8,5
9,9
0,7
8,7
10,6
31,4
27,1
14,6
27,1
41,0
c) pré-escola
1999
DISCRIMINAÇÃO
Brasil ..........................
Rede pública ...............
Federal ...................
Estadual .................
Municipal ................
Rede privada ...............
RS ...............................
Rede pública ...............
Federal ...................
Estadual .................
Municipal ................
Rede privada ...............
2005
VARIAÇÃO 1999-05
Número
Composição
(%)
Número
Composição
(%)
4 235 278
3 180 447
1 225
379 802
2 799 420
1 054 831
173 168
143 166
0
61 974
81 192
30 002
83,60
75,10
0,04
11,90
88,00
24,90
92,60
82,70
0,00
43,30
56,70
17,30
5 789 543
4 276 825
1 668
249 114
4 026 043
1 512 718
213 550
164 468
86
56 910
107 472
49 082
80,40
73,90
0,04
5,80
94,10
26,10
74,90
77,00
0,05
34,60
65,30
23,00
Absoluta
1 554 265
1 096 378
443
130 688
1 226 623
457 887
40 382
21 302
86
5 064
26 280
19 080
%
36,7
34,5
36,2
-34,4
43,8
43,4
23,3
14,9
-8,2
32,4
63,6
∆ a.a.
5,3
5,1
5,3
-6,8
6,2
6,2
3,6
2,3
-1,4
4,8
8,5
FONTE: MEC/INEP.
FEE/CIE/NIS.
4.2 - Matrículas na educação
infantil por faixa etária
Antes de se analisarem as informações de
matrículas iniciais existentes em creches e na pré-escola,
por faixa etária, para os anos de 1999 e 2003, sendo
2003 o último ano para o qual esse quesito é divulgado
no Banco de Dados EDUDATABRASIL, do MEC/INEP,
será abordada a taxa de escolarização líquida9. Ela
permite situar as matrículas ocupadas pelas crianças na
faixa etária adequada ao nível de ensino, em relação ao
total da população nessas mesmas faixas etárias, bem
como verificar as carências de matrículas para as
crianças que estão fora da escola.
9
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005
A taxa de escolarização líquida da educação infantil, das creches
e da pré-escola corresponde à relação entre o total de matrículas
de estudantes na faixa etária adequada ao nível de ensino e o
total da população na faixa etária correspondente àquele nível.
Educação infantil no Brasil e no Rio Grande do Sul: o descompasso frente à legislação
As taxas de escolarização líquida, em 2003, para o
total da educação infantil, as creches e a pré-escola foram
calculadas a partir dos dados de matrículas iniciais, por
faixa etária, provenientes da Tabela 3 e a partir da
população por faixa etária do Brasil (IBGE, 2004) e do
RS (Jardim, 2005). A partir do cálculo da taxa de
escolarização de cada nível de ensino, identifica-se o
déficit e/ou a carência do atendimento.
Em 2003, a educação infantil no Brasil atendeu a
5.318.893 crianças na faixa etária de zero a seis anos,
ou seja, 21,8% da população nessa faixa etária, que era
de 24.384.955 crianças. No RS, o percentual foi ainda
menor (17,9%), ou seja, foram atendidas 218.976
crianças de uma população de 1.220.351 crianças.
A situação é calamitosa nos diferentes níveis,
embora a da pré-escola esteja numa posição diferenciada
frente às outras. No Brasil, somente 5,3% (755.371
crianças) do total das crianças de zero a três anos estão
em creches, e 44,8% das crianças de quatro a seis anos
(4.563.522 crianças) estão na pré-escola. No RS, o
atendimento nas creches era de 6,0% (42.689 crianças),
ou seja, um atendimento levemente superior ao do País,
enquanto, na pré-escola, 34,5% (176.287 crianças) eram
atendidas, apresentando taxa de escolarização líquida
bem menor que a brasileira.
Como se mostra na Tabela 2, a partir das taxas de
escolarização líquida, são apontadas as taxas de crianças
não matriculadas, evidenciando-se uma carência por
matrículas em creches da ordem de 94,7% no Brasil e
de 94,0% no RS; enquanto, para a pré-escola, tal carência
é de 55,2% e de 65,5% respectivamente. Dessa forma,
confirmam-se o fosso existente entre a situação real e a
demanda potencial10 e o muito que ainda deve ser
realizado urgentemente para atender às metas do Plano
Nacional de Educação. O Plano propôs alcançar, em cinco
anos (até 2007), as metas de ampliação da oferta em
30% para a população de até três anos de idade e de
60% para a população de quatro a seis anos (ou quatro
e cinco anos) e, em uma década, atender, respectivamente, a 50% e a 80% dessas crianças (Brasil, 2001).
A distância entre a meta de escolarização da
população infantil, de 30% em creches e de 60% na pré-escola, a ser alcançada para o início de 2007, conforme
os objetivos do Plano Nacional de Educação, e o que
havia sido realizado de concreto em dois anos, até 2003,
era de 24,7 pontos percentuais para as creches no Brasil
10
Miola afirma que: “(...) dos 500 municípios brasileiros com
melhores indicadores na educação infantil, somente 18 são
gaúchos’’ (Miola, 2003). Estudo realizado pela equipe do Núcleo
de Indicadores Sociais da FEE (Accurso, 2004) apontou que
193 municípios do RS não disponibilizavam creches em 2002.
53
e de 24,0 pontos percentuais no RS; enquanto, na pré-escola, faltavam, no Brasil, 15,2 pontos percentuais e,
no RS, 25,5 pontos percentuais.
Na análise em separado das faixas etárias de zero
a três anos (creches) e de quatro a seis anos (pré-escola),
é possível constatarem-se qual o número de matrículas
dos alunos que estão participando do sistema escolar
em relação à idade adequada definida nos objetivos legais
da educação infantil e o quanto as instituições públicas
e privadas atendem a esses dois níveis educacionais.
Conforme a Tabela 3, entre 1999 e 2003, o Brasil
atendia a 91,8% e a 93,3% das crianças que participavam
do sistema educacional na educação infantil, com idades
adequadas que variaram entre zero e seis anos. Em 2003,
nas idades de sete anos e mais, havia 432.427 crianças,
ou seja, elas se encontravam fora da faixa etária esperada.
No Brasil, em igual período, as matrículas em creches
passaram de 58,9% para 61,0% na faixa etária adequada
a esse nível. Em 2003, 41,1% das crianças matriculadas
em creches tinham idades acima da faixa etária
adequada. A situação das matrículas na pré-escola, no
Brasil e no RS, com idade adequada entre quatro e seis
anos, estava em melhores condições quanto a esse
quesito, quando comparada com as taxas de atendimento
das creches. No Brasil, a matrícula, na pré-escola, de
crianças com idade adequada variou de 85,9% para
88,5%, verificando-se uma pequena melhoria.
No RS, a defasagem de faixa etária na educação
infantil teve um movimento inverso do verificado no Brasil,
pois o percentual de crianças matriculadas com idade
adequada era de 97,5% e passou para 89,9% nos anos
citados, ou seja, a distorção na faixa etária é maior que
no País, pois apresentou, em 2003, uma taxa de 10,1%,
e, em números absolutos, havia 27.276 crianças
matriculadas fora da faixa etária adequada. Ainda no
Estado, em 1999, com um número pequeno de matrículas
em creches, 72,5% estavam na faixa etária adequada,
e, em 2003, a situação era semelhante àquela do Brasil,
embora com um percentual levemente superior (67,6%).
Entre as crianças desse nível escolar, 32,4% estavam
fora da idade esperada. A pré-escola, no RS, entre 1999
e 2005, passou de um atendimento de 90,6% para 85,5%
de crianças matriculadas na faixa etária adequada, com
uma retração de mais de cinco pontos percentuais.
Comparando-se o Brasil e o RS, verifica-se, para
ambos, quanto ao atendimento da faixa etária adequada
das crianças e o respectivo nível de ensino, que a creche
é onde a defasagem de idade se apresenta maior. Em
segunda posição quanto a esse quesito, está a educação
infantil como um todo e, com menor defasagem, em
terceiro lugar, a pré-escola.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005
54
Hélios Puig Gonzalez; Salvatore Santagada
Tabela 2
Matrícula inicial em creches, na pré-escola e no total da educação infantil, por faixa etária e taxa
de escolarização líquida, no Brasil e no RS — 2003
MATRÍCULA
INICIAL
TAXA DE
ESCOLARIZAÇÃO
LÍQUIDA (%)
TAXA DE NÃO
MATRICULADOS
(%)
21,8
78,2
DISCRIMINAÇÃO
POPULAÇÃO
TOTAL
Educação infantil (de 0 a 6 anos) ..............
24 384 955
Creche (de 0 a 3 anos) ..............................
14 192 808
755 371
5,3
94,7
Pré-escola (de 4 a 6 anos) ........................
Rio Grande do Sul
10 192 147
4 563 522
44,8
55,2
Educação infantil (de 0 a 6 anos)...............
1 220 351
218 976
17,9
82,1
Creche (de 0 a 3 anos) ..............................
708 808
42 689
6,0
94,0
Pré-escola (de 4 a 6 anos) ........................
511 473
176 287
34,5
65,5
Brasil
5 318 893
FONTE: MEC/INEP.
IBGE.
FEE/CIE/NIS.
Tabela 3
Matrícula inicial em creches, na pré-escola e no total da educação infantil, por faixa etária,
no Brasil e no Rio Grande do Sul — 1999 e 2003
DISCRIMINAÇÃO
1999
Número
Educação infantil
Brasil ..................... 5 067 256
RS ......................... 187 091
Creche
Brasil ..................... 831 978
RS .........................
13 923
Pré-escola
Brasil ..................... 4 235 278
RS ......................... 173 168
DISCRIMINAÇÃO
MATRÍCULAS TOTAIS
2003
%
Número
%
∆ a.a.
1999-03
Número
%
Número
%
∆ a.a.
1999-03
100,0
3,7
6 393 234
269 340
100,0
4,2
6,0
9,5
688 158
23 214
13,6
12,4
930 780
45 686
14,6
17,0
7,8
18,4
100,0
1,7
1 237 558
63 176
100,0
5,1
10,4
46,0
490 070
10 090
58,9
72,5
755 371
42 689
61,0
67,6
11,4
43,4
100,0
4,1
5 155 676
206 164
100,0
4,0
5,0
4,5
198 088
13 124
4,7
7,6
175 409
2 997
3,4
1,5
-3,0
-30,9
MATRÍCULAS DE 4 A 6 ANOS
1999
2003
Número
Educação infantil
Brasil ..................... 3 963 072
RS ......................... 159 195
Creche
Brasil ..................... 325 627
RS .........................
2 327
Pré-escola
Brasil ..................... 3 637 445
RS ......................... 156 868
MATRÍCULAS DE 0 A 3 ANOS
1999
2003
MATRÍCULAS DE 7 ANOS E MAIS
1999
2003
∆ a.a.
1999-03
Número
%
Número
%
%
Número
%
∆ a.a.
1999-03
78,2
85,1
5 030 027
196 378
78,7
72,9
6,1
5,4
416 026
4 682
8,2
2,5
432 427
27 276
6,8
10,1
1,0
55,4
39,1
16,7
466 505
20 091
37,7
31,8
9,4
71,4
16 281
1 506
2,0
10,8
15 682
396
1,3
0,6
-0,9
-28,4
85,9
90,6
4 563 522
176 287
88,5
85,5
5,8
3,0
399 745
3 176
9,4
1,8
416 745
26 880
8,1
13,0
1,0
70,6
FONTE: MEC/INEP/SEEC.
FONTE: FEE/CIE/NIS.
NOTA: A idade foi obtida a partir do ano de nascimento informado no Censo Escolar, isto é, foi considerada a idade que o
aluno completou em 1999 e 2003.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005
Educação infantil no Brasil e no Rio Grande do Sul: o descompasso frente à legislação
4.3 - A educação infantil e a
formação dos professores
A análise das Tabelas 4 e 5 está circunscrita à
formação dos professores e à oferta de recursos
educacionais que constam no EDUDATABRASIL, do
MEC/INEP. Sabe-se que as questões levantadas
abarcam uma parte da realidade vivenciada por alunos e
professores da educação infantil em relação aos recursos
humanos e físicos. Estão fora da análise os serviços de
apoio pedagógico e administrativo, os serviços de saúde
e alimentação, as oficinas de arte, as orientações
didáticas para os profissionais, dentre outros temas11.
Os professores que atuam na educação infantil,
segundo a LDB, devem ter como formação mínima o
Curso Normal, oferecido em nível médio. Considerando-se que a educação ocorre já desde os primeiros anos
de vida e “(...) dada a maleabilidade da criança às
interferências do meio social (...)” (Brasil, 2001), torna-se importante a busca da qualificação dos profissionais
dessa área.
No Brasil, em 2003, havia, na educação infantil,
345.340 funções docentes12, sendo 222.506 públicas
(64,4%) e 122.834 particulares (35,6%). Entre as públicas,
206.811 eram municipais, e 15.440, estaduais, sendo
que a dependência federal era praticamente inexpressiva.
Do conjunto dos professores, 21,6% lecionavam em
creches, e 78,4%, na pré-escola. Entre os que lecionavam
em creches, a formação de ensino médio — formação
mínima para a educação infantil — representava 70,9%,
e o ensino superior, 17,7%. Somente 11,4% dos
professores não tinham a formação requerida pela
legislação.
Entre os docentes da rede pública do Brasil,
18,8% atuavam em creches, e 81,2%, na pré-escola.
A formação dos professores que atuavam em creches
era a seguinte: 72,7% tinham o ensino médio, 16,7%, o
superior, e 10,7%, somente o fundamental, os quais,
dessa forma, não cumpriam a legislação. No Brasil, a
formação dos docentes da pré-escola é mais próxima da
esperada, pois 65,5% cursaram o nível médio, e 31,3%,
11
O Censo da Educação infantil 2000, do MEC (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira,
2005), nos resultados preliminares, abarca uma série de temas
que não formam o escopo da presente análise.
12
“A restrição existente na leitura desse indicador é a impossibilidade de estabelecer a carga horária cumprida pelo docente e
a quantidade de turnos em que ele atua.” (Brasil, 2002).
55
o superior, sendo que somente 3,2% tinham apenas a
formação de nível fundamental.
Na rede privada, 26,8% dos docentes, no Brasil,
trabalhavam em creches, e 73,2%, na pré-escola. Dos
que atuavam em creches, 68,6% tinham a formação de
nível médio, e 19,0%, a superior, e a formação de curso
fundamental tinha uma participação maior que entre
aqueles profissionais da rede pública, pois alcançava a
taxa de 12,4%. Na pré-escola, a formação apresentava-se em sua quase-totalidade no nível esperado, pois
65,2% tinham formação de nível médio, 31,2%, de nível
universitário, e apenas 3,6% atuavam apenas com a
formação de nível fundamental.
Em 2003, no RS, havia 19.575 pessoas exercendo
funções docentes na educação infantil, sendo que 33,1%
estavam lotadas nas creches, e 66,9%, na pré-escola.
Ainda no Estado, nesse mesmo ano, a formação dos
professores que trabalham em creches é inferior à dos
docentes do Brasil, pois 21,8% tinham somente o ensino
fundamental. Já a formação dos docentes que atuam na
pré-escola é semelhante às do que atuam no País, embora
a participação de educadores com curso superior seja
maior, pois estes representavam 41,9% do total, e
somente 4,4% tinham o ensino fundamental.
Na rede pública, no RS, 28,4% dos professores
trabalham em creches, e 71,6%, na pré-escola. Esses
professores que atuam em creches têm uma formação
diferenciada frente aos docentes do País, pois 18,9%
possuem somente o curso fundamental. Na pré-escola,
repete-se um quadro semelhante ao registrado no Brasil,
no âmbito da formação geral dos professores públicos,
pois 3,1% não apresentam a formação esperada. O
diferencial é a participação dos professores que têm curso
superior, 42,5%.
Os docentes da rede privada do RS têm uma
característica diferenciada em relação ao padrão nacional,
pois, em creches, os professores que têm somente a
formação fundamental são o dobro do percentual
brasileiro, ou seja, 25,6%. Na pré-escola, a formação dos
docentes com curso superior era mais elevada que a
nacional, pois 40,3% deles tinham o nível superior.
Entretanto os profissionais com o curso fundamental
apresentavam uma taxa de 7,5%, ou seja, o dobro da
brasileira.
O Plano Nacional de Educação (PNE) (Brasil, 2001)
propõe que, em cinco anos, todos os professores tenham
habilitação específica de nível médio e, em 10 anos,
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005
56
Hélios Puig Gonzalez; Salvatore Santagada
70% tenham formação específica de nível superior.13 A
partir da análise sobre a formação dos docentes que
trabalham com crianças pequenas, ficou demonstrado
que há uma longa distância a percorrer para se alcançarem
as metas propostas no PNE. Recentemente, essas metas
foram prorrogadas, tendo em vista o pedido das
universidades brasileiras para terem mais tempo para
criar os novos cursos de formação de professores dentro
das novas diretrizes do Conselho Federal de Educação.
Tabela 4
Número e percentual de professores, segundo a formação e a dependência administrativa, em creches,
na pré-escola e no total da educação infantil do Brasil e do Rio Grande do Sul — 2003
a) total de professores
DISCRIMINAÇÃO
Brasil ....................
Rede pública .........
Rede privada ........
RS ........................
Rede pública ........
Rede privada .........
EDUCAÇÃO INFANTIL
Número
%
345 340
222 506
122 834
19 575
13 072
6 503
100,0
64,4
35,6
5,7
66,8
33,2
CRECHES
Número
74 765
41 895
32 870
6 473
3 709
2 764
PRÉ-ESCOLA
%
Número
%
21,6
18,8
26,8
33,1
28,4
42,5
270 575
180 611
89 964
13 102
9 363
3 739
78,4
81,2
73,2
66,9
71,6
57,5
b) professores com ensino fundamental (completo ou incompleto)
DISCRIMINAÇÃO
Brasil ...................
Rede pública .........
Rede privada .........
RS .........................
Rede pública .........
Rede privada .........
EDUCAÇÃO INFANTIL
Número
%
17 207
9 875
7 332
1 982
992
990
5,0
4,4
6,0
10,1
7,6
15,2
CRECHES
Número
8 556
4 471
4 085
1 409
701
708
PRÉ-ESCOLA
%
11,4
10,7
12,4
21,8
18,9
25,6
Número
%
8 651
5 404
3 247
573
291
282
3,2
3,0
3,6
4,4
3,1
7,5
c) professores com ensino médio (completo)
DISCRIMINAÇÃO
Brasil ....................
Rede pública .........
Rede privada ........
RS .........................
Rede pública .........
Rede privada ........
13
EDUCAÇÃO INFANTIL
Número
230 238
149 026
81 212
11 123
7 508
3 615
%
66,7
67,0
66,1
56,8
57,4
55,6
CRECHES
Número
52 996
30 444
22 552
4 079
2 415
1 664
Melo (2004, p.36) afirma que: “Um dos artigos da lei [LDB]
estabelecia, pela primeira vez desde a criação da primeira Escola
Normal, em 1830, a necessidade de formação específica de
nível superior a todos os professores contratados a partir de
2007. A exigência caiu, mas antes disso gerou uma debandada
dos cursos normais”.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005
PRÉ-ESCOLA
%
Número
%
70,9
72,7
68,6
63,0
65,1
60,2
177 242
118 582
58 660
7 044
5 093
1 951
65,5
65,7
65,2
53,8
54,4
52,2
57
Educação infantil no Brasil e no Rio Grande do Sul: o descompasso frente à legislação
Tabela 4
Número e percentual de professores, segundo a formação e a dependência administrativa, em creches,
na pré-escola e no total da educação infantil do Brasil e do Rio Grande do Sul — 2003
d) professores com ensino superior (completo e sem licenciatura)
DISCRIMINAÇÃO
Brasil .....................
Rede pública ..........
Rede privada .........
RS ..........................
Rede pública ..........
Rede privada .........
EDUCAÇÃO INFANTIL
CRECHES
PRÉ-ESCOLA
Número
%
Número
%
Número
%
97 895
63 605
34 290
6 470
4 572
1 898
28,3
28,6
27,9
33,1
35,0
29,2
13 213
6 980
6 233
985
593
392
17,7
16,7
19,0
5,0
16,0
14,2
84 682
56 625
28 057
5 485
3 979
1 506
31,3
31,4
31,2
41,9
42,5
40,3
FONTE: MEC/INEP.
FEE/CIE/NIS.
NOTA: 1. O mesmo docente pode atuar em mais de um nível ou modalidade de ensino e em mais de um estabelecimento.
2. O mesmo docente com ensino fundamental pode atuar de 1ª a 4ª e de 5ª a 8ª séries.
4.4 - A educação infantil e os
recursos educacionais
O exame dos indicadores elaborados a partir dos
recursos educacionais é uma das maneiras de visualizar
como as crianças são instigadas a participar do
processo de ensino-aprendizagem na educação infantil,
no sentido da busca do desenvolvimento integral da
criança, assim como está inscrito nos documentos que
orientam o ensino infantil no País. Os recursos
educacionais disponíveis — ainda que não se tenha o
quadro da sua qualidade e desempenho —, aliados a
uma boa formação dos professores, do pessoal de apoio
e aos equipamentos, poderão ser um diferencial
importante para uma boa performance das crianças
pequenas. Dos 12 itens selecionados, serão analisados
nove, ficando de fora os três que atingiram percentuais
próximos à universalização, variando sua cobertura entre
um mínimo de 83,5% e um máximo de 100%, quais
sejam, água, energia elétrica e esgoto.
Em 2003, o número de escolas, no Brasil, com
creches era de 18.603, o número de funções docentes
era de 74.765, e o número de alunos por docente era
16,6. 14 A infra-estrutura escolar dessas creches
apresentava o seguinte quadro de recursos: 24,0% com
bibliotecas; 11,8% com laboratório de informática; 6,0%
com laboratório de ciências; 14,4% com quadra de
esportes; 31,4% com sala de TV; 9,9% com TV/vídeo/
/parabólica; 26,1% com microcomputador; 6,1% com
acesso a internet; e 53,3% com sanitários.
Em 2003, o número de escolas, no Brasil, com pré-escola era de 80.878, o número de funções docentes
era de 270.575, e o número de alunos por docente era
19,1. A infra-estrutura escolar nesse nível de ensino
apresentava o seguinte quadro de recursos: 29,1% com
bibliotecas; 10,9% com laboratório de informática; 7,6%
com laboratório de ciências; 19,3% com quadra de
esportes; 21,1% com sala de TV; 15,3% com TV/vídeo/
/parabólica; 25,2% com microcomputador; 5% com
acesso a internet; e 29,9% com sanitários.
Em 2003, no RS, as escolas com creches eram
1.815, e as funções docentes, 6.473, e havia 9,8 alunos
para um docente. Esses indicadores apontam uma
situação melhor que a brasileira, mas devem ser avaliados
com os cuidados já apontados na nota de rodapé 14. A
infra-estrutura escolar nessas creches apresentava o
14
“No Censo Escolar, onde o levantamento tem como unidade de
coleta a escola, é registrado o número de funções docentes, já
que o mesmo professor pode atuar em mais de um nível/
/modalidade de ensino, num mesmo estabelecimento de ensino,
como também em mais de uma escola. A restrição existente na
leitura desse indicador é a impossibilidade de estabelecer a
carga horária cumprida pelo docente e a quantidade de turnos
em que ele atua.” (Brasil, 2002).
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005
58
Hélios Puig Gonzalez; Salvatore Santagada
seguinte quadro de recursos: 29,0% com bibliotecas; 8,8%
com laboratório de informática; 3,0% com laboratório de
ciências; 14,3% com quadra de esportes; 48,5% com
sala de TV; 18,5% com TV/vídeo/parabólica; 36,7% com
microcomputador; 13,8% com acesso a internet; e 72,8%
com sanitários.
Na comparação entre os recursos disponíveis nas
creches do Brasil e nas do RS, o Estado leva vantagem
em seis dos nove recursos educacionais analisados,
sendo estes, pela ordem, as escolas com sanitários, com
sala com TV, com microcomputador, com biblioteca, com
TV/vídeo/parabólica e as escolas com acesso a internet.
A situação das creches no Brasil supera a do RS em
laboratório de informática e laboratório de ciências. No
quesito quadra de esportes, o Brasil e o RS ficam
equiparados.
Em 2003, no RS, as escolas com pré-escola eram
5.785, e as funções docentes, 13.102, e havia 15,7 alunos
para cada docente. A infra-estrutura educacional na pré-escola oferecia o seguinte quadro de recursos: 66,8%
com bibliotecas; 23,5% com laboratório de informática;
25,6% com laboratório de ciências; 49,8% com quadra
de esportes; 43,4% com sala de TV; 21,9% com TV/
/vídeo/parabólica; 64,9% com microcomputador; 17,0%
com acesso a internet; e 65,5% com sanitários.
Na comparação entre a situação da pré-escola do
Brasil e a do RS, este último apresenta uma melhor oferta
de recursos educacionais, pois supera o total nacional
em todos os nove quesitos analisados. A oferta desses
recursos na pré-escola foi, inclusive, superiores à das
creches. Chamam atenção as diferenças entre os dados
do Estado e os do País, sendo, respectivamente: para
as bibliotecas, 66,8% contra 29,1%; para os
microcomputadores, 64,9% contra 25,2%; para quadra
de esportes, 49,8% contra 19,3%; para sala de TV, 43,4%
contra 21,1%; e, para acesso a internet, 17,0% contra
5,0%. A essa realidade tão díspar, acrescenta-se também
o fato, com preocupação, de que somente 65,5% das
escolas no RS tinham sanitário, contra uma oferta menor
ainda, de 29,9%, no Brasil.
Tabela 5
Recursos educacionais em creches e pré-escolas, no Brasil e no Rio Grande do Sul — 2003
BRASIL
DISCRIMINAÇÃO
Número
Creches ...........................................................
18 603
Professores ......................................................
74 765
Matrículas ......................................................... 1 237 558
Recursos educacionais totais
4 467
Biblioteca .....................................................
Laboratório de informática ...........................
2 189
1 111
Laboratório de ciências ................................
Quadra de esportes .....................................
2 677
5 848
Sala de TV ...................................................
1 846
TV/vídeo/parabólica .....................................
Microcomputador .........................................
4 847
Acesso à internet .........................................
1 129
Água .............................................................
18 275
17 845
Energia elétrica ............................................
18 060
Esgoto ..........................................................
Sanitários .....................................................
9 914
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005
%
100,0
24,0
11,8
6,0
14,4
31,4
9,9
26,1
6,1
98,2
95,9
97,1
53,3
RIO GRANDE DO SUL
Alunos/
/Recursos
66,5
16,6
277,0
565,0
1 114,0
462,0
212,0
670,0
255,0
1 096,0
68,0
69,0
69,0
125,0
Número
%
1 815
6 473
63 176
100,0
526
159
54
259
881
335
667
250
1 815
1 815
1 814
1 321
29,0
8,8
3,0
14,3
48,5
18,5
36,7
13,8
100,0
100,0
99,9
72,8
Alunos/
/Recursos
34,8
9,8
120
397
1170
244
72
189
95
253
35
35
35
48
(continua)
59
Educação infantil no Brasil e no Rio Grande do Sul: o descompasso frente à legislação
Tabela 5
Recursos educacionais em creches e pré-escolas, no Brasil e no Rio Grande do Sul — 2003
BRASIL
DISCRIMINAÇÃO
Número
Pré-escola .......................................................
80 878
Professores ......................................................
270 575
Matrículas ......................................................... 5 155 676
Recursos educacionais totais
23 551
Biblioteca .....................................................
Laboratório de informática ...........................
8 852
6 186
Laboratório de ciências ...............................
Quadra de esportes .....................................
15 622
17 075
Sala de TV ...................................................
12 358
TV/vídeo/parabólica ....................................
Microcomputador .........................................
20 375
Acesso à internet .........................................
4 040
Água ............................................................
77 698
67 559
Energia elétrica ...........................................
73 688
Esgoto .........................................................
Sanitários ....................................................
24 189
%
29,1
10,9
7,6
19,3
21,1
15,3
25,2
5,0
96,1
83,5
91,1
29,9
RIO GRANDE DO SUL
Alunos/
/Recursos
63,7
19,1
219,0
582,0
833,0
330,0
302,0
417,0
253,0
1 276,0
66,0
76,0
70,0
213, 0
Número
%
5 785
13 102
206 164
3 865
1 360
1 479
2 883
2 511
1 266
3 753
984
5 781
5 779
5 767
3 787
66,8
23,5
25,6
49,8
43,4
21,9
64,9
17,0
99,9
99,9
99,7
65,5
Alunos/
/Recursos
35,6
15,7
53
152
139
72
82
163
55
210
36
36
36
54
FONTE: MEC/INEP.
FEE/CIE/NIS.
5 - Considerações finais
A legislação construída no campo da educação
infantil iniciou com a Constituição Federal, passando
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e
desembocando na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. A partir desses textos, foram
elaborados pareceres, emendas constitucionais, decretos
e resoluções que orientaram a política educacional para
a criança.
Constatou-se que, nas últimas décadas, a educação
infantil, ao ser considerada um direito das crianças e um
dever do Estado, e inserida como a primeira etapa da
educação básica, passou a assumir institucionalmente
um campo de investigação importante para alicerçar o
desenvolvimento integral da criança, atendendo às
carências e aos pré-requisitos das últimas descobertas
das ciências na área da educação infantil.
Apesar dos avanços sobre as diferentes dimensões
do desenvolvimento das crianças, a educação infantil,
no que diz respeito às responsabilidades no
comprometimento de atendimento e financiamento desse
nível de ensino, ainda é uma incógnita.
A não-obrigatoriedade da oferta da educação infantil,
aliada à escolha da esfera municipal para o seu
atendimento e ao fato de o financiamento não estar
assegurado por um fundo público nacional, deixou
bastante vulnerável esse nível de ensino.
Através da análise da oferta das matrículas tanto
nas creches como na pré-escola, no Brasil e RS, nos
últimos seis anos, constatou-se um crescimento
significativo, mas não suficiente para atender ao enorme
potencial da demanda.
A rede pública, em especial a dependência
municipal, atende ao maior número de alunos da educação
infantil, inclusive na Constituição é assegurada a
gratuidade do ensino quando ofertado por essa rede,
entretanto a presença da iniciativa privada no Brasil ainda
é significativa, e, no RS, ocorreu, inclusive, um
crescimento na participação desse setor. Na atual
conjuntura brasileira, as famílias foram forçadas a reduzir
seus gastos com educação. Essa característica, aliada
ao pequeno atendimento da população infantil na faixa
etária legal, deixa poucas opções para os que têm
necessidade de matrícula nas escolas públicas.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005
60
No conjunto da educação infantil, o fato de as
creches ficarem com, aproximadamente, 20% do total
das matrículas no Brasil e 25% no RS, aliado aos
resultados apontados quanto à faixa etária adequada na
creche e também na pré-escola, mostra o descompasso
entre o arsenal das boas intenções da legislação e a
realidade presente nas escolas. Esse descompasso fica
evidente quando se constata que, em 2003, a taxa de
escolarização líquida da educação infantil, no Brasil, foi
de 21,8% na faixa etária de zero a seis anos, enquanto,
no RS, o percentual foi ainda menor, da ordem de 17,9%.
O reconhecimento da educação infantil como um
primeiro passo na formação das crianças e um espaço
de inclusão da massa da população infantil indica não
ter havido um compromisso público compatível com as
metas estabelecidas nos últimos anos.
A formação dos professores da educação infantil
pode ser considera razoável pelos parâmetros nacionais,
embora ainda permaneçam, no magistério, profissionais
que não possuem a formação mínima esperada, além
da insuficiência de professores numa perspectiva de
“educação para todos”.
O descaso com a educação infantil fica comprovado
com a pouca oferta nas escolas dos recursos
educacionais mínimos, como biblioteca, laboratório de
ciências, laboratório de informática, quadra de esportes,
microcomputadores, acesso à internet, sala de TV e
sanitários. O RS está melhor aparelhado, entretanto
poucos desses quesitos chegam a ultrapassar a cobertura
de 50% para os que estão nas escolas.
Os indicadores educacionais analisados, por um
lado, apontam que houve uma expansão da cobertura
nos últimos seis anos e, por outro, confirmam uma forte
carência da educação infantil tanto no Brasil como no
RS, desvendando um impasse entre as reais
necessidades da demanda por creches e pré-escolas e
os parcos recursos postos à disposição de alunos e
professores.
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62
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 47-62, dez. 2005
Hélios Puig Gonzalez; Salvatore Santagada
63
RS
DO
SELECIONADOS
INDICADORES
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 63-70, dez. 2005
64
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 63-70, dez. 2005
65
Tabela 1
Taxas de crescimento da produção, da área colhida e da produtividade dos principais produtos da lavoura
no Rio Grande do Sul — 2004/05
(%)
PRODUTOS
Arroz .................................
Banana .............................
Batata-inglesa ..................
Cana-de-açúcar ................
Cebola ..............................
Feijão ................................
Fumo ................................
Laranja .............................
Maçã .................................
Mandioca ..........................
Milho .................................
Soja ..................................
Trigo .................................
Uva ...................................
2004/2003
Produção
34,9
-17,2
-5,8
-9,7
28,2
-3,0
49,9
0,5
7,2
-6,1
-37,9
-42,1
-13,9
42,4
Área
8,6
-3,6
-11,9
-0,7
-13,7
-12,5
16,7
0,7
0,7
-0,9
-15,2
10,5
5,8
4,8
2005/2004 (1)
Produtividade
24,3
-14,1
93,0
-9,1
48,5
74,3
28,4
-0,1
6,5
-5,2
-26,7
-47,7
-18,6
36,0
Produção
-3,7
13,8
-3,7
-13,6
-13,9
-43,9
-10,9
-9,3
-16,0
-8,9
-56,0
-55,9
-20,1
-12,2
Área
-3,6
1,2
-9,1
2,8
-6,0
-20,4
5,6
-0,7
11,2
0,8
-19,5
-5,9
-24,8
5,2
Produtividade
0,0
12,5
8,8
-16,0
-8,4
-28,7
-15,6
-8,7
-24,5
-9,6
-45,3
-53,1
6,3
-16,5
FONTE DOS DADOS BRUTOS: LEVANTAMENTO SISTEMÁTICO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA. Rio de Janeiro: IBGE,
2004-05.
(1) Dados do boletim de setembro de 2005.
Tabela 2
Taxas de crescimento da produção da indústria de transformação, segundo os setores de atividade,
no Rio Grande do Sul — 2004/05
(%)
SETORES
Alimentos ………………………...……..…..……
Bebidas ............................................................
Borracha e plástico ..........................................
Calçados e artigos de couro ............................
Celulose, papel e produtos do papel ...............
Edição, impressão e reprodução de gravações
Fumo ................................................................
Máquinas e equipamentos ...............................
Metalurgia básica .............................................
Mobiliário ..........................................................
Outros produtos químicos ...............................
Produtos de metal — exceto máquinas e equipamentos .........................................................
Refino de petróleo e álcool ..............................
Veículos automotores ......................................
Total ................................................................
2004
2003
-0,3
7,0
13,3
0,7
1,6
5,5
26,8
16,8
14,6
12,1
-0,6
8,7
-6,2
21,8
6,4
1° TRIM./05
1° TRIM./04
7,9
3,1
-8,9
4,7
0,4
-0,3
-22,7
-16,5
2,2
-13,7
-5,6
16,2
-10,0
-2,7
-3,4
2° TRIM./05
2° TRIM./04
2,9
-7,7
-6,5
5,2
-1,8
5,4
1,9
-23,5
-4,4
-10,9
-5,8
3° TRIM./05
3° TRIM./04
-2,4
3,9
-8,7
-10,1
6,5
2,9
-0,9
-17,8
-8,8
-7,1
-6,5
JAN-SET/05
JAN-SET/04
2,6
-1,3
-8,1
-0,6
1,5
2,7
-4,5
-19,2
-4,0
-10,5
-6,0
-2,1
0,2
-2,5
-2,9
-8,2
24,6
2,8
-3,6
0,6
3,2
-0,7
-3,3
FONTE DOS DADOS BRUTOS: PESQUISA INDUSTRIAL MENSAL: produção física. Rio de Janeiro: IBGE, 2004-05.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 63-70, dez. 2005
66
Tabela 3
Taxas de crescimento do volume real de vendas do comércio varejista, segundo os setores de atividade,
no Rio Grande do Sul — 2000/05
(%)
SETORES
Combustíveis e lubrificantes ..................................
Supermercados, hipermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo .............................................
2004
2003
2,3
1° TRIM./05
1° TRIM./04
-9,8
2° TRIM./05
2° TRIM./04
-21,6
3° TRIM./05
3° TRIM./04
-24,9
JAN-SET/05
JAN-SET/04
-19,0
7,8
8,8
2,1
0,1
3,6
Tecidos, vestuário e calçados ................................
2,2
-3,9
-9,7
-8,4
-7,8
Móveis e eletrodomésticos ....................................
16,2
6,2
2,7
-3,1
1,7
Artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos de
perfumaria e cosméticos ........................................
-
0,1
-0,5
5,6
1,7
Equipamentos e material para escritório, informática e comunicação ...........................................
-
15,9
16,7
31,0
21,5
Livros, jornais, revistas e papelaria .......................
-
3,2
12,8
8,1
7,2
Outros artigos de uso pessoal e doméstico ..........
-
28,5
20,1
17,2
21,5
Comércio varejista ..............................................
-
4,5
-2,1
-3,8
-0,6
Veículos, motos, partes e peças ...........................
-
0,7
-10,9
-14,2
-8,4
Material de construção .........................................
-
-7,7
-11,2
-16,6
-11,9
Comércio varejista ampliado (1) .......................
-
2,5
-5,0
-7,5
-3,5
FONTE DOS DADOS BRUTOS: PESQUISA MENSAL DO COMÉRCIO. Rio de Janeiro: IBGE, 2004-05.
(1) Inclui os itens do comércio varejista, mais as atividades de veículos, motos, partes e peças e as de material de construção,
que abarcam varejo e atacado.
Tabela 4
Exportações do Brasil e de seus principais estados — jan.-out./05
BRASIL E UFs
Brasil ………………………..………
São Paulo ……………………..….…
Minas Gerais ..................................
Rio Grande do Sul ..........................
Paraná ............................................
Rio de Janeiro ................................
Santa Catarina ...............................
Espírito Santo ................................
Bahia ..............................................
Pará ...............................................
Mato Grosso ..................................
Demais estados .............................
VALOR
(US$ 1 000)
96 622 520
31 183 602
10 924 221
8 592 625
8 287 135
6 414 572
4 741 335
4 608 229
4 506 112
3 870 901
3 569 817
9 923 970
JAN-OUT/05
JAN-OUT/04
(%)
PARTICIPAÇÃO
(%)
100,00
32,27
11,31
8,89
8,58
6,64
4,91
4,77
4,66
4,01
3,69
10,27
Valor
Volume
22,1
22,9
34,2
3,9
2,3
19,0
46,1
16,1
36,4
27,2
34,5
11,7
14,0
12,9
-7,6
0,8
-9,7
17,3
6,1
-2,5
4,9
52,0
Preço
9,4
7,8
18,9
12,4
1,4
31,8
24,5
9,4
39,9
21,2
-11,5
FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Secretaria do Comércio Exterior.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 63-70, dez. 2005
67
Tabela 5
Exportações, segundo os principais setores de atividade, do Rio Grande do Sul — jan.-out./05
SETORES
VALOR
(US$ 1 000)
JAN-OUT/05
JAN-OUT/04
(%)
PARTICIPAÇÃO
%
Valor
Volume
Preço
-34,4
-40,0
9,4
Agropecuária ....................................................
1 248 737
14,53
Fumo ..................................................................
1 103 485
12,84
6,7
-6,1
13,7
Soja ....................................................................
104 294
1,21
-83,4
-80,4
-14,9
Indústria de transformação .............................
7 223 665
84,07
15,4
2,3
12,8
Produtos alimentícios e bebidas ........................
1 704 125
19,83
8,8
4,6
4,1
Couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados .................................
1 518 972
17,68
2,5
-9,0
12,6
Produtos químicos .............................................
1 070 217
12,46
43,1
16,0
23,4
Máquinas e equipamentos .................................
957 282
11,14
21,1
3,7
16,8
Veículos automotores, reboques e carrocerias
584 883
6,81
18,4
-0,1
18,5
Móveis e indústrias diversas ..............................
289 240
3,37
0,2
-11,6
13,4
3,9
-7,6
12,4
Demais setores ..................................................
1 098 945
12,79
TOTAL ...............................................................
8 592 625
100,00
FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Secretaria do Comércio Exterior.
Tabela 6
Taxas de crescimento do volume físico das exportações, segundo os principais setores de atividade, do RS — 2004/05
(%)
SETORES
2004
2003
1º TRIM./05 2º TRIM./05 3º TRIM./05 JAN-SET/05
1º TRIM./04 2º TRIM./04 3º TRIM./04 JAN-SET/04
Agricultura, pecuária, silvicultura e exploração florestal
2,4
-53,8
-44,4
-28,5
-39,8
Soja .........................................................................................
-42,0
-93,2
-98,8
-64,0
-82,7
Fumo .......................................................................................
22,5
43,5
-1,0
-10,1
-0,9
Indústria de transformação ..................................................
11,0
6,8
2,8
-0,8
2,8
Produtos alimentícios e bebidas .............................................
Couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem
e calçados ...............................................................................
9,7
18,3
4,3
-8,8
3,4
1,7
-7,4
-7,0
-11,0
-8,6
Produtos químicos ...................................................................
-6,3
24,2
19,1
11,1
17,8
Máquinas e equipamentos ......................................................
23,7
-2,0
-1,0
9,8
2,0
Veículos automotores, reboques e carrocerias .......................
17,6
7,4
1,1
6,3
5,0
Móveis e indústrias diversas ...................................................
40,5
3,0
-8,9
-21,2
-10,5
Total ........................................................................................
8,9
-3,0
-10,3
-8,0
-7,3
FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Industria e Comércio Exterior. Secretaria do Comércio
Exterior.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 63-70, dez. 2005
68
Tabela 7
Taxa média de desemprego, por tipo, na Região Metropolitana de Porto Alegre — 2004/05
(%)
TAXA DE DESEMPREGO
PERÍODOS
2004
1º trim./04
2º trim./04
3º trim./04
Acumulado no ano
2005
1º trim./05
2º trim./05
3º trim./05
Acumulado no ano
Oculto
Total
Aberto
Total
Precário
Desalento
15,9
16,1
17,2
15,8
16,4
10,7
10,4
11,7
10,7
10,9
5,2
5,7
5,5
5,1
5,4
3,6
3,8
3,6
3,5
3,6
1,6
1,9
1,9
1,6
1,8
14,4
14,9
14,7
14,6
9,9
10,8
10,3
10,3
4,5
4,1
4,4
4,3
2,8
2,9
3,1
2,9
1,7
1,2
1,3
1,4
FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP e DIEESE.
Tabela 8
Taxas de crescimento do nível de ocupação, segundo os setores de atividade, na RMPA — 2004/05
(%)
SETORES
2004
2003
1º TRIM./05
1º TRIM./04
2º TRIM./05
2º TRIM./04
3º TRIM./05
3º TRIM./04
Indústria de transformação ........................
5,7
11,8
5,5
3,4
JAN-SET/05
JAN-SET/04
6,8
Comércio ....................................................
6,7
4,6
3,5
4,9
4,3
Serviços .....................................................
1,5
0,7
3,2
3,2
2,4
Construção civil ..........................................
2,4
-5,9
-9,2
-5,8
-7,0
Serviços domésticos ..................................
Total ...........................................................
-2,0
2,9
0,9
3,2
0,0
2,8
0,0
2,9
0,3
3,0
FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP e DIEESE.
Tabela 9
Taxas de crescimento do nível de emprego, do rendimento real e da massa de rendimentos reais dos
ocupados e dos assalariados na RMPA — 2004/05
(%)
DISCRIMINAÇÃO
Ocupados
Emprego .................................................................
Rendimento real .....................................................
Massa de rendimentos reais ..................................
Assalariados
Emprego .................................................................
Rendimento real .....................................................
Massa de rendimentos reais ..................................
2004
2003
1º TRIM./05
1º TRIM./04
2º TRIM./05
2º TRIM./04
3º TRIM./05
3º TRIM./04
JAN-SET/05
JAN-SET/04
3,1
-0,6
2,4
3,7
-1,8
1,9
3,0
-1,5
1,4
2,9
3,6
6,7
3,2
0,1
3,4
5,6
0,5
6,1
4,7
-1,8
2,9
4,3
-3,0
1,2
5,4
2,3
7,8
4,8
-0,9
4,0
FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP e DIEESE.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 63-70, dez. 2005
69
Tabela 10
Taxas reais de crescimento do ICMS arrecadado, segundo os setores de atividade, no RS — 2004/05
(%)
SETORES
2004
2003
1º TRIM./05
1º TRIM./04
2º TRIM./05
2º TRIM./04
Produção animal e extração vegetal ......
Extrativa mineral .....................................
Transformação ........................................
Comércio varejista ..................................
Comércio atacadista ...............................
Serviços e outros ....................................
Total .......................................................
14,6
13,6
-4,6
5,9
10,3
-2,4
0,2
-27,8
-11,4
-10,8
-2,7
6,0
19,6
-2,4
-49,0
-28,7
10,4
30,8
20,2
31,3
16,2
3º TRIM./05
3º TRIM./04
JAN-SET/05
JAN-SET/04
-39,4
-1,2
6,2
11,1
20,3
47,0
14,5
-39,9
-14,5
1,9
11,5
15,6
32,6
9,3
FONTE DOS DADOS BRUTOS: RIO GRANDE DO SUL. Secretaria Estadual da Fazenda.
NOTA: ICMS deflacionado pelo IGP.
Tabela 11
Inflação mensal, acumulada no ano e nos últimos 12 meses, na RMPA — 2004 e 2005
(%)
PERÍODOS
IPC-IEPE
INPC-IBGE
Dez./03-dez./04 .....................................................................
6,9
6,9
Ago./05 ..................................................................................
-0,6
-0,2
Set./05 ...................................................................................
-0,1
0,1
Out./05 ...................................................................................
0,6
0,3
Acumulada no ano (jan.-out./05) ...........................................
6,3
7,2
Acumulada nos últimos 12 meses (out./04-out./05).............
6,4
7,1
FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE.
IEPE.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 63-70, dez. 2005
70
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 63-70, dez. 2005
Os fluxos externos de capitais privados no Brasil — 1991-04
71
CONJUNTURA
DE
ARTIGOS
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005
72
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005
Roberto Marcantonio
73
Os fluxos externos de capitais privados no Brasil — 1991-04
Os fluxos externos de capitais privados
no Brasil — 1991-04
Roberto Marcantonio
Economista da FEE.
Resumo
Este artigo analisa a evolução dos fluxos líquidos do financiamento externo
privado na economia nacional, entre 1991 — ano da liberalização dos
fluxos internacionais de investimentos no Brasil — e 2004. Examina a
contribuição dos investimentos diretos, dos investimentos em carteira e
de outros investimentos para o financiamento externo total. As duas
primeiras categorias de investimentos citadas foram as únicas fontes
efetivas de financiamento. Para melhor elucidar os fatos, o artigo toma
como referência as transformações ocorridas no sistema financeiro
internacional e a liberalização dos fluxos internacionais de recursos no
Brasil. A razão de fundo do artigo é tentar, a despeito das dificuldades,
contribuir para o estabelecimento de bases para avaliar as perspectivas
do financiamento externo no País.
Palavras-chave:
Securitização; liquidez internacional; dese-
quilíbrios domésticos.
Abstract
This paper examines the evolution of the net flow of private foreign financing
in brazilian’s economy, from 1991 — the year of opening to foreign
investments flow in Brazil — to 2003. It analyzes the contribution of direct
investiments, portfolio investiments, derivatives and the so called other
investiments for the total external financiament of national economy. In
order of elucidate better the facts, this paper examines the transformations
that ocurred in the international financial system and the opening to capital
flows in Brazil. The bottom line of this paper is endeavor to contribute,
despite the difficulties, improve de conditions to asses the perspective
of foreign financing in Brazil.
Artigo recebido em 26 out. 2005.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005
74
Introdução
Este artigo examina a evolução dos fluxos anuais
do financiamento externo na economia nacional, desde
que nesta se liberalizou, em 1991, a mobilidade
internacional dos capitais. Nos anos finais da década de
80 e nos iniciais da de 90, verificou-se a retomada das
entradas voluntárias de recursos externos na América
Latina e no Brasil, depois de longos anos de escassez,
devido à crise da dívida externa. A retomada dos
financiamentos foi determinada por um conjunto de
fatores. Dentre eles, cabe destacar o processo de
mudanças do sistema financeiro internacional,
intensificado na década de 80, nos países desenvolvidos.
Os elementos centrais dessas mudanças foram a
proliferação dos bancos internacionais, o advento dos
chamados novos instrumentos financeiros, a liberação
das atividades de financeiras e a emergência das novas
fontes de financiamento — as companhias de seguro,
os fundos de aposentadoria e as grandes corporações.
Essas alterações não ocorreram de inopino, mas
aprofundaram tendências manifestadas — não apenas
as citadas anteriormente — desde a segunda metade da
década de 60. Essas mudanças chegaram aos países
em desenvolvimento principalmente nos anos 90.
Um aspecto crucial das mudanças do sistema
internacional de crédito foi o advento dos novos instrumentos financeiros voltados para a aquisição de títulos de
renda fixa negociáveis em mercados secundários
organizados e de ações, os quais, no balanço de pagamentos, passaram a ser registrados como investimentos
em carteira. Excluídos os investimentos diretos, os
investimentos em carteira tornaram-se praticamente a
forma exclusiva de financiamento internacional, suprindo
a lacuna deixada pelos empréstimos sindicalizados —
operações compartilhadas por um conjunto de bancos
para diluir riscos —, que foi o instrumento dominante
anteriormente. Nos anos 80, a crise da dívida externa
nos países em desenvolvimento e a quebra de bancos e
de grandes corporações em países desenvolvidos
abalaram a credibilidade do sistema bancário, diminuindo
seus fundos para empréstimos. Deduz-se que os bancos
arcaram com grandes prejuízos, inclusive pela
desvalorização de suas ações. Desde então, os
empréstimos sindicalizados mergulharam num impasse
crítico definitivo, declinando globalmente, e, ao menos
nos países em desenvolvimento, seus fluxos líquidos
tornaram-se negativos.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005
Roberto Marcantonio
Diz a autora D. M. Prates:
“Essas transformações [do sistema financeiro
internacional] tiveram como conseqüências o
aumento significativo dos fluxos financeiros
internacionais e mudanças em sua natureza.
Os investimentos em portfólio — aquisição
de títulos de renda fixa e ações — constituem,
atualmente, o principal componente dos fluxos
de capitais globais e daqueles direcionados
ao países em desenvolvimento, ante os
empréstimos bancários sindicalizados, que
predominavam nos anos 70” (Gooptu, 1993;
Baer, 1995 apud Prates, 1999).
Sobre os determinantes do retorno dos financiamentos externos à América Latina, diz Prates:
“A partir do final dos anos 80, os fluxos de
portfólio foram direcionados, de forma crescente, para as economias latino-americanas,
estimulados por um conjunto de fatores
(Steiner, 1994 apud Prates, 1999). Alguns
autores, dentre eles El-Erian (1992 apud
Prates, 1999), enfatizam a importância dos
fatores internos — os programas de estabilização e ajuste nos moldes recomendados pelos
organismos multilaterais e os acordos de
renegociação de dívida externa —, enquanto
outros, como Calvo, Leiderman e Reinhart
(1993 apud Prates, 1999), interpretam o ciclo
recente de endividamento como determinado,
em última instância, por fatores externos,
especialmente a queda da taxa de juros e a
recessão nos países centrais” (Prates, 1999).
Este artigo tem como propósito analisar a evolução
da conta financeira nacional entre 1991 e 2004, o que
implica examinar as principais modalidades do
financiamento externo da economia, nomeadamente os
investimentos diretos, os investimentos em carteira e
os outros investimentos.1 São avaliados apenas os fluxos
de capitais privados, o que significa que foram excluídas
1
Os derivativos são registrados, na conta financeira, ao lado dos
investimentos diretos, dos investimentos em carteira e de outros
investimentos. Contudo, no caso brasileiro, dois aspectos
caracterizam os derivativos: (a) de modo geral, as cifras
registradas são negativas; sempre foram negativas na vigência
do regime de câmbio flutuante; (b) os valores dos derivativos,
no Brasil, no período observado, foram, em geral, pouco ou
totalmente expressivos, quando comparados com as demais
grandes rubricas da conta financeira. Neste artigo, essas
características relegaram os derivativos a referências mínimas.
De fato, os derivativos não caracterizam uma modalidade de
financiamento externo, mas os pagamentos devidos por um
serviço.
Os fluxos externos de capitais privados no Brasil — 1991-04
as operações de regularização com o FMI e as outras
operações de regularização, além das operações com
agências e organismos. Essa subtração oferece duas
vantagens: deixa mais visível a instabilidade dos fluxos
de financiamentos privados e torna as séries dos dados
nacionais comparáveis com as estatísticas do FMI
referentes aos países em desenvolvimento. A despeito
de todas as incertezas inerentes à evolução vindoura
dos fluxos dos investimentos externos, o intuito último
deste artigo é tentar identificar elementos que permitam
melhor especular sobre as possibilidades futuras do
financiamento estrangeiro no Brasil.
Além desta Introdução, este artigo se compõe de
duas seções e das Considerações finais. A primeira
seção aborda dois fatores importantes na determinação
da evolução do financiamento da economia brasileira.
Esses fatores são a securitização do processo de
endividamento internacional em escala mundial, a partir
dos anos 80, e a liberalização dos fluxos financeiros
internacionais no Brasil. Tomamos o início do processo
de liberação financeira referido como critério para definir
o ponto de partida do período examinado pelo artigo. A
segunda seção descreve a trajetória dos fluxos de
financiamento externo no Brasil, procurando abarcar seus
principais condicionantes; como pano de fundo desse
exercício, tomamos a evolução dos fluxos internacionais
de financiamento nas economias em desenvolvimento.
Dois condicionantes dos
fluxos de capitais
internacionais no Brasil
Vários fatores interferem — seja nos fluxos de
liquidez internacional global, seja nos fluxos de
financiamento externo — numa economia nacional
específica. Esta seção aborda dois condicionantes dos
fluxos internacionais de capital que exercem ou passaram
a exercer influência no Brasil. Eles se referem, o primeiro,
à securitização das operações internacionais de
financiamento e, o segundo, à liberalização dos fluxos
internacionais de capital no País como forma de
adequação à nova configuração do sistema financeiro
internacional. A abordagem desse tema é crucial para
elucidar a evolução do financiamento externo da
economia nacional no período examinado.
No que respeita à securitização das operações
internacionais de crédito, interessa defini-la, datar sua
emergência e ressaltar sua importância. Esse exercício
75
permite compreender aspectos relevantes da natureza
do novo sistema internacional; isso possibilita que um
conjunto de fatos nacionais correlacionados seja melhor
compreendido.
As securities são instrumentos financeiros que
sucederam e deslocaram em importância os instrumentos dominantes em um período anterior. Estes últimos
são os empréstimos sindicalizados, compartilhados por
um consórcio de bancos para reduzir riscos e concedidos
a partir de um contrato entre as partes credoras e
devedora(s). Nos empréstimos sindicalizados, um
aspecto crucial reside em que o contrato de débito-crédito
não encontra um mercado organizado onde o credor
possa vendê-lo. Assim, o crédito não é líquido antes da
data do vencimento; mais do que isso, o valor efetivo do
crédito — valor de mercado — carece de um mecanismo
de explicitação. Logo, a eventual inadimplência de
devedores “pesados” lança suspeita sobre o valor da
carteira dos ativos bancários e sobre a solidez financeira
dos próprios bancos. Nessas circunstâncias, estes arcam
com prejuízos, porque os investidores retraem suas
aplicações nas instituições atingidas, diminuindo seu
founding e, portanto, sua capacidade de empréstimo. Como
exemplo, constatamos que os depósitos captados pelos
bancos internacionais junto a não-bancos caíram de US$
63,0 bilhões em 1982 para US$ 40 bilhões em 1984; os
empréstimos bancários, nos mesmos anos, caíram de
US$ 80 bilhões para US$ 40 bilhões (Ferreira; Freitas,
1990). Por isso, no sistema bancário, aumentam as
perdas realizadas e os riscos das perdas potenciais. No
limite, se o banco não escapar suficientemente da rota
de prejuízos, sua sobrevivência estará em risco.
Desde os anos 60, identifica-se uma sucessão de
fases na transformação do sistema financeiro
internacional. No entendimento dos Economistas Ferreira
e Freitas, a securitização é o aspecto distintivo do
processo de transformação dos mercados financeiros
internacionais nos anos 80 (Ferreira; Freitas, 1990). Para
esses autores, a securitização das operações de
empréstimos — entendida como processo de crescente
abrangência — teria estado condicionada, em parte, à
alteração ocorrida, a partir de 1982, nos fluxos
internacionais de liquidez. Esse fato, por seu turno, teria
resultado do seguinte conjunto de fatores: queda dos
superávits em transações correntes dos países
exportadores de petróleo e, pela mesma razão, redução
das inversões financeiras desses países no euromercado;
recuperação econômica dos países desenvolvidos;
transformação dos Estados Unidos em receptor líquido
de recursos; e crise da dívida externa de países do
Terceiro Mundo. Ademais, à mesma época, emergiram
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005
76
as novas fontes internacionais de recursos: os fundos
de pensão, as companhias de seguros e as grandes
corporações. Contudo, frente à perda de credibilidade que
se abateu sobre o sistema bancário, as novas fontes de
recursos evitaram as operações intermediadas por esse
sistema. Assim, passaram a emprestar, através de
instrumentos de dívidas diretas para tomadores de
“excelente risco” — governos e corporações
relativamente líquidas —, a um custo inferior ao do crédito
bancário. Os instrumentos de dívidas diretas são, no caso,
as securities, ou bonds, títulos emitidos pelo devedor e
negociáveis a qualquer momento em mercados
organizados. Respeitadas essas características
essenciais, as securities assumiram, no transcurso do
tempo, uma variedade de formas que perseguiram o
objetivo de dirimir ou transferir riscos. Rapidamente, elas
atingiram abrangente proporção dos empréstimos
internacionais e ampliaram a magnitude dos mesmos:
“Em 1981, a emissão de securities respondia
por ¼ do fluxo de endividamento global do
sistema financeiro internacional, com os
restantes ¾ sendo compostos por empréstimos sindicados. Essa participação [foi]
rapidamente revertida e, já em 1985, o mercado de bônus alcançava mais de 90% do fluxo
de endividamento total, chegando ao valor US$
213 bilhões (US$ 289,8 bilhões em 1986),
contra US$ 45 bilhões em 1981. Os empréstimos sindicados foram reduzidos de US$
131,5 bilhões em 1981 para US$ 37,8 bilhões
em 1986, sendo que, neste último ano, cerca
de 20% do total representavam empréstimos
‘não espontâneos’, ligados a pacotes de
reescalonamento das dívidas de países
endividados” (Ferreira; Freitas, 1990).
Apontamos, mais adiante, a grande participação
dos investimentos no financeiamento externo do Brasil,
principalmente entre 1991 e 1998. A citação acima elucida
uma das causas internacionais dessa participação; outra
causa relevante do mesmo fato foi a liberalização
financeira externa nacional, por franquear a presença dos
investimentos em carteira.
A liberalização das relações financeiras externas
nacionais objetivou adequar a legislação específica
nacional à nova realidade do sistema financeiro
internacional. A presente abordagem visa datar e caracterizar a emergência das citadas regras liberalizantes. Esta
exposição segue duas linhas: primeiro, são mencionadas
as mudanças institucionais que definiram as possibilidades — antes inexistentes — da presença dos investimentos de portfólio estrangeiros no Brasil; segundo, são
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005
Roberto Marcantonio
apontadas medidas liberalizantes, que instituem
instrumentos de captação para uso das instituições
financeiras e não financeiras residentes.
O primeiro passo para abrir a economia nacional
aos investimentos de portfólio foi a instituição do Anexo
IV à Resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN)
nº 1.289/87, a qual disciplina os investimentos
estrangeiros em títulos e valores mobiliários de companhias abertas; o Anexo IV foi instituído pela Resolução
nº 1.832/91 do CMN.
“Ao contrário dos demais anexos dessa Resolução (n. 1.832/91), que exigem a constituição
de sociedade ou fundo de investimento para
ingresso no País, o Anexo IV não está sujeito
a critérios de composição, capital mínimo
inicial e período de permanência, e permite a
entrada direta de investidores institucionais
estrangeiros no mercado acionário doméstico,
definidos como fundos de pensão, companhias
de seguro, instituições financeiras estrangeiras, fundos de investimentos constituídos
no exterior etc. (...) o Anexo IV concede
liberdade ao investidor na constituição das
carteiras (...)” (Prates, 1999).
Os investidores estrangeiros passaram a participar
do mercado financeiro nacional também pela aquisição
de cotas de quatro diferentes modalidades de fundos de
investimento, criadas na década de 90. Os Fundos de
Privatização-Capital Estrangeiro foram autorizados, em
1991, para a aquisição de papéis de empresas em
processo de privatização e de moedas de privatização.
Em 1993, foram instituídos os Fundos de Renda Fixa-Capital Estrangeiro, que disponibilizam um conjunto de
aplicações de renda fixa. Em 1996, duas modalidades
preexistentes de fundos de investimentos foram abertas
ao capital estrangeiro: os Fundos de Investimento em
Empresas Emergentes e os Fundos de Investimento
Imobiliário (Prates, 1999).2
Da liberalização financeira nacional, resta
mencionar as medidas referentes à tomada de recursos
no exterior por parte de instituições financeiras e não
financeiras residentes. A exposição a seguir evidencia
tais medidas. Antes de mencioná-las, convém apontarmos aspectos históricos, de acordo com as
Economistas Prates e Freitas.
2
Nos anos 90, momentânea ou permanentemente, o Banco
Central modificou as normas de alguns tipos de investimentos
em carteira, para meramente aperfeiçoá-las ou para enfrentar
a instabilidade cambial (Prates, 1999).
77
Os fluxos externos de capitais privados no Brasil — 1991-04
“Em relação aos instrumentos mais convencionais — eurobônus e fixed e floating rates
notes —, sua emissão pelas empresas não
financeiras residentes já era permitida, desde
a década dos 60, para os dois primeiros
instrumentos, e, após a década dos 70, para
as floating rates notes (Costa, 1994 apud
Prates; Freitas, 1999). A Lei n. 4.131, de 1962,
regulamentava tanto o endividamento externo
indireto (empréstimos bancários) quanto o
endividamento externo direto (naquele
momento, emissão de euronotas e eurobônus,
os instrumentos então disponíveis) das
empresas. Contudo, na década de 70, os
empréstimos bancários eram a modalidade de
empréstimo externo mais barata e abundante.
Apesar de viável em termos legais, a emissão
de euronotas e eurobônus no mercado
internacional tornou-se uma opção de financiamento, para as empresas brasileiras, com
custos relativamente baixos — em relação às
fontes de financiamento interno e aos empréstimos bancários externos — apenas na
presente década. A mudança fundamental
introduzida na década dos 90 foi a autorização
da emissão desses instrumentos pelas
instituições financeiras ‘nos termos e nos fins
previstos pela Resolução nº 63, de 21/8/1967’
(Resolução do CMN n. 1.835, de 31/7/1991)”
(Prates; Freitas, 1999).3
Com as medidas referidas acima, as empresas
foram autorizadas a emitir export securities e títulos de
debêntures conversíveis em ações; às dependências
externas dos bancos ficou facultada a emissão de
certificados de depósitos (Prates; Freitas, 1999).
As primeiras medidas de liberalização financeira
ocorreram, no Brasil, em 1991, embora, nos anos
posteriores, tenham havido ampliações e correção das
mudanças introduzidas. Dessa forma, adequaram-se as
regras nacionais aos novos instrumentos e ao novo
funcionamento do sistema financeiro internacional. Tal
fato exerceu importante influência na retomada e no
crescimento do financiamento externo, na economia
nacional.
A evolução dos financiamentos externos privados
no Brasil e outros dos seus
principais condicionantes
Os fluxos de financiamento externo da economia
brasileira, no período analisado, foram determinados por
um conjunto de fatores. Dois deles já apontados acima.
A presente seção é complementar à anterior, porque
procura considerar outros fatores intervenientes do
financiamento externo da economia nacional. Dentre
esses, destacamos, de um lado, a evolução dos fluxos
de financiamentos internacionais nos mercados
emergentes e em economias em desenvolvimento —
doravante chamados simplesmente economias em
desenvolvimento —, que alternou fases de expansão e
retração marcadas por oscilações de curta duração.4
Examinamos também determinantes domésticos dos
fluxos de financiamento externo, destacando a política
cambial e suas mudanças. Numa simplificação que
entendemos razoável — porque não abstrai ou “torce”
qualquer aspecto relevante —, abordamos a questão
cambial, como se houvessem se sucedido apenas dois
regimes cambiais: o de bandas estreitas atrelado ao
dólar e o regime de câmbio flutuante.
No agregado dos países em desenvolvimento, entre
a virada da década de 80 para a de 90 e 1996, ocorreu
uma fase de forte expansão dos fluxos de financiamentos
externos. A despeito da participação expressiva dos
investimentos produtivos, o evento assumiu intenso
caráter especulativo, o qual, segundo entendemos, foi
reforçado pela vigência de regimes cambiais fixos ou
pouco flexíveis, “corrigidos” segundo uma regra, num
conjunto importante de economias em desenvolvimento.
Na vigência desse regime, a mobilidade internacional dos
capitais goza de garantias contra os riscos de perdas de
renda e de capital causadas pelas imprevistas desvalorizações cambiais inerentes ao câmbio flutuante; esse fato
incentivou a mobilidade especulativa dos fluxos financeiros. No mesmo sentido, agiram as maiores possibilidades especulativas dos novos instrumentos financeiros e
4
3
A Resolução nº 63 faculta aos bancos residentes tomar
empréstimos externos para repassá-los internamente.
A denominação mercados emergentes e países em
desenvolvimento é adotada pelo FMI no seu periódico Word
Economic Outlook (2004, 2005), que serviu de fonte das
estatísticas internacionais utilizadas neste artigo. Por fidelidade
à fonte dos dados, esse esclarecimento se fez necessário.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005
78
também a liberalização financeira na quase-totalidade dos
países em questão. As componentes especulativas dos
financiamentos externos terminaram por conduzir a fase
expansiva dos mesmos a uma súbita e crítica interrupção,
seguida por imediata fase de contração. A retração dos
fluxos de financiamentos iniciou a partir das crises
financeiras internacionais, que tiveram seu epicentro em
países em desenvolvimento do Sudeste Asiático, em
1997. O legado dessas crises — um fortíssimo aumento
da aversão ao risco financeiro — contribuiu para que
novas crises eclodissem no transcorrer dos anos
seguintes, em vários países. Dadas as críticas condições
de financiamento externo que acometeram as economias
em desenvolvimento, os regimes de câmbio fixo ou rígido
“quebraram”, sendo substituídos por regimes de câmbio
flutuante.
Além das crises do Sudeste Asiático, o défault da
Rússia reforçou o desencadeamento da fase de contração
dos financiamentos externos nos países em desenvolvimento. No transcorrer dos anos, outros fatos — ocorridos
com freqüência nas principais economias e praças
financeiras do mundo — prolongaram e aprofundaram a
fase citada, a qual apenas deu claros sinais de reversão
em 2003. A Tabela 1 auxilia-nos a melhor visualizar essa
evolução entre 1996 e 2004. Em 1996 e 1997, a totalidade
dos financiamentos líquidos somou, respectivamente,
US$ 196,7 bilhões e US$ 198,4 bilhões. Em 1997, ano
das crises do Sudeste Asiático, a totalidade dos financiamentos foi sustentada, em grande parte, pelo crescimento de 27,0% dos investimentos diretos. A tendência
de redução do fluxo total dos financiamentos atingiu seus
níveis mínimos em 2000 e 2001, com a média anual de
US$ 60,9 bilhões. Essa média foi 69,0% menor do que a
globalidade dos recursos de 1996. A responsabilidade
dessa queda repousa no comportamento dos capitais
financeiros stricto sensu, ou seja, os investimentos em
carteira e os outros investimentos. Esta última modalidade
de financiamento acumulou saídas líquidas de US$ 441,8
entre 1998 e 2001; no mesmo período, os investimentos
em carteira acumularam entradas líquidas de US$ 45,2
bilhões, montante significativamente menor do que os
verificados nos anos anteriores. As cifras apontadas
evidenciam que as formas mais tradicionais de
financiamento contribuíram de modo muito mais intenso
para a instabilidade dos fluxos de financiamentos do que
as novas modalidades de financiamentos, contrariando,
assim, o que seguidamente é dito. Por seu turno, os
investimentos diretos mantiveram firme tendência de
Roberto Marcantonio
crescimento, passando de US$ 116,0 bilhões em 1996
para 184,7 bilhões em 2001.5
Nos países em desenvolvimento, a totalidade dos
financiamentos externos atingiu os níveis mínimos em
2000 e 2001, sob a influência de um conjunto de fatores,
dentre os quais cabe destacar: a desaceleração da
economia norte-americana entre o terceiro trimestre de
2000 e o final de 2001; a diminuição do ritmo de crescimento da economia e do comércio mundiais; e as incertezas
presentes nos Estados Unidos, que foram simultaneamente causa e efeito de expressivo declínio dos índices das
bolsas de valores daquela e das demais economias
industrializadas.
A partir de 2003, verificou-se forte reação dos
financiamentos externos aos países em desenvolvimento; esses financiamentos alcançam US$ 149,5 bilhões,
montante 97,0% maior do que o do ano anterior. Em
2004, a totalidade dos financiamentos somou US$196,6
bilhões, o mesmo valor registrado em 1996, ou seja, no
ano anterior ao da eclosão da crise do Sudeste Asiático.
Merece destaque o fato de que a recuperação dos financiamentos ocorreu caracterizada pela grande dominância
dos investimentos diretos. Em 2004, por exemplo, os
investimentos diretos representaram 95,0% dos financiamentos líquidos externos totais nos países em desenvolvimento.
Nas economias em desenvolvimento, a contração
do financiamento externo causou desvalorização cambial
expressiva e generalizada frente às moedas “fortes”. Em
um conjunto dessas economias, isso ocorreu às custas
da “quebra” de regimes cambiais rígidos ou pouco
flexíveis. A desvalorização cambial desencadeou intensa
tendência de melhora do saldo em transações correntes,
no agregado dos países em desenvolvimento, como
evidencia a Tabela 1. Nesse agregado, as transações
correntes passaram de um déficit médio de US$ 76,4
bilhões entre 1996 e 1998 para um superávit médio de
US$ 161,2 bilhões entre 1999 e 2004. Em 2003 e 2004, a
retomada do crescimento do comércio mundial contribuiu
para que os superávits em transações correntes
atingissem as cifras de, respectivamente, US$ 233,8
bilhões e US$ 336,3 bilhões. Esses fatos fazem ver que
o declínio da entrada de capitais internacionais decorreu
também da diminuição ou da reversão dos desequilíbrios
externos no agregado dos países em desenvolvimento.
Com isso, parte dos integrantes desse agregado tenderam
5
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005
Em 2002 e 2003, os investimentos diretos evidenciaram queda
na comparação com 2002, retomando trajetória de aumento em
2003.
Os fluxos externos de capitais privados no Brasil — 1991-04
a diminuir suas necessidades de financiamento ou a se
credenciarem como exportadores de capital.
No caso do Brasil, os fluxos líquidos de financiamentos externos estão expostos na Tabela 2. O confronto
desses registros com os fluxos de financiamento, no
agregado dos países em desenvolvimento, permite
perceber facilmente que, em grande parte do período
examinado, existe elevado grau de “paralelismo” na
evolução das duas séries de variáveis. Assim, enquanto
o financiamento externo foi abundante no conjunto dos
países em desenvolvimento, a economia nacional
recebeu crescentes montantes de recursos externos, o
que lhe permitiu cobrir déficits em transações correntes
cada vez maiores. Quando houve uma “maré vazante”
dos financiamentos internacionais no agregado dos países
em desenvolvimento, o fato refletiu-se na economia
nacional. As similitudes entre uma e outra das instâncias
observadas não se esgota nos aspectos apontados. O
comportamento dos investimentos diretos, dos
investimentos em carteira e de outros investimentos, ao
longo do tempo, guarda também certo grau elevado de
parecença.
A partir de 2002, contudo, houve uma quebra do
mencionado “paralelismo” por, no mínimo, dois motivos.
Em primeiro lugar, porque, em 2002, o Brasil viveu uma
experiência sui generis, quando a provável vitória do
candidato Luís Inácio Lula da Silva à Presidência da
República assustou os investidores externos, fazendo-os retirar vultosas somas líquidas de capital do País.
Sob o efeito do “Lula vem aí!”, a conta financeira registrou
déficit de US$ 4,3 bilhões. Esse foi o único caso de déficit
anual da conta financeira no período examinado. A crise
de financiamento externo de 2002 legou para 2003 uma
conjuntura marcada por elevadas taxas de inflação e
juros, baixo ritmo de crescimento e incertezas, inclusive
em vista da magnitude atingida pela dívida do setor
público. É provável que essa conjuntura tenha contribuído
para manter relativamente baixos os fluxos de capitais
externos no mesmo ano; a conta financeira registrou
entradas líquidas de apenas US$ 1,9 bilhão. Em segundo
lugar, porque, a partir do terceiro trimestre de 2001 e até
o final do período examinado neste artigo, o saldo da
balança comercial manteve forte tendência de melhora.
Em grande parte por esse motivo, o déficit em transações
correntes caiu de US$ 23,2 bilhões em 2001 para apenas
US$ 7,7 bilhões em 2002. Em 2003 e 2004, na mesma
conta, houve superávits de, respectivamente, US$ 4,2
bilhões e US$ 11,7 bilhões. Dessa forma, resultou
eliminada a necessidade de ampliação do endividamento
79
externo da economia, fato que contribuiu para manter
reduzido — ou levemente negativo —, em 2004, o registro
líquido de entrada de capitais na conta financeira. Assim,
no Brasil, não se refletiu a recuperação dos fluxos de
financiamentos externos ocorrida nos países em
desenvolvimento, desde 2003.
A seguir, procuramos descrever a evolução das
diferentes modalidades de financiamento externo da
economia nacional a partir de 1991. Essa descrição
permitirá, adiante, melhor considerarmos aspectos
referentes à política cambial e à evolução da taxa de
câmbio, que tiveram grande importância na determinação
dos financiamentos externos, ao longo do tempo. Na
descrição anunciada, adotamos a seguinte periodização:
o primeiro período vai de 1991 a 1996; o segundo, de
1997 a 2001; e o terceiro segue a partir de 2002. Os
critérios principais dessa periodização foram a tendência,
crescente ou decrescente, do valor das entradas anuais
líquidas registradas na conta capital e a qualidade dos
financiamentos recebidos.
O primeiro período — transcorrido entre 1991 e
1996 — foi definido de acordo com duas características
principais: primeiro, a recuperação dos fluxos de financiamentos externos voluntários, seguida por forte tendência
de crescimento dos mesmos, a qual terminou por alcançar
níveis insustentáveis; segundo, a grande participação dos
investimentos em carteira (Tabela 2). Tais fatos se
tornaram possíveis graças à liberalização da presença
dos capitais estrangeiros na economia nacional, a partir
de 1991. Entre 1991 e 1993, os investimentos em carteira
somaram US$ 30,6 bilhões, o que ressalta seu papel na
citada recuperação. Pelos mesmos motivos, foram
responsáveis pela recuperação das reservas externas a
partir de 1993, portanto, antes do lançamento do Plano
Real. Em todo o primeiro período, os investimentos em
carteira, de longe, ocuparam o primeiro lugar, segundo a
ordem de grandeza das entradas líquidas; acumularam
ingressos líquidos de US$ 112,1 bilhões, enquanto a conta
financeira registrou ingressos líquidos de US$ 93,0
bilhões.
Em termos da contribuição acumulada, entre 1991
e 1996, os investimentos em carteira e os investimentos
diretos foram os exclusivos financiadores da economia.
Os últimos contribuíram com US$ 18,8 bilhões. Contudo
estes apenas atingiram cifra mais expressiva em 1996,
anunciando, com isso, a vigorosa tendência de crescimento que se estendeu até 2000 e a importante participação, no financiamento externo, nos dois períodos
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005
80
Roberto Marcantonio
posteriores.6 De outro lado, no período em consideração,
os outros investimentos acumularam saídas líquidas de
US$ 37,9 bilhões, evidenciando a obsolescência dos
instrumentos financeiros utilizados. Os derivativos,
realizaram pagamentos líquidos ao exterior de US$ 38,0
milhões. Essa minguada cifra evidencia, segundo
entendemos, a ausência de risco cambial percebido pelos
operadores financeiros.
É necessário considerarmos a hipótese de que parte
das entradas dos investimentos em carteira representaram, de fato, o remanejamento de recursos que já
estavam presentes na economia sob o registro de outros
investimentos. Se verdadeira essa hipótese, a nova
regulamentação dos capitais estrangeiros facultou a
migração de capitais dos velhos instrumentos financeiros
para os novos. Essa suposição se baseia nas vultosas
saídas e entradas, respectivamente, de outros investimentos e investimentos em carteira, em 1992 e 1994. Mais
concretamente, baseia-se no elevado montante dos
valores e em certa proximidade entre os mesmos.
A descrição acima confirma que a “âncora cambial”
do Plano Real se apoiou largamente nos investimentos
em carteira. À época, esse fato provocou críticas, sob o
argumento de que eram financiamentos altamente
voláteis e, por isso, mantinham a economia na iminência
de grande instabilidade. Os eventos mostraram que a
crítica era pertinente. Contudo aqueles foram os recursos
disponíveis aos fazedores da política econômica.
Os anos de 1997 até 2001 definem o segundo
período considerado, o qual transcorreu durante a fase
de contração dos financiamentos externos nas
economias em desenvolvimento. Na economia nacional,
essa contração manifestou-se com intensidade em 1997,
através de contração dos investimentos em carteira e
de outros investimentos. O superávit da conta financeira
caiu de US$ 34,8 bilhões em 1996 para US$ 24,7 bilhões
e US$ 18,4 bilhões, respectivamente, em 1997 e 1998.
Na perspectiva dos investidores internacionais, o risco
percebido no Brasil resultou aumentado, porque, nos dois
últimos exercícios citados, o déficit nacional em
transações correntes aumentou muito, atingindo os níveis
históricos máximos. A combinação da fase de contração
dos financiamentos nas economias em desenvolvimento
com o aumento do desequilíbrio externo brasileiro e com
um amplo e persistente desequilíbrio fiscal causou, nos
6
No segundo período, os investimentos diretos atingiram níveis
particularmente elevados e passaram a evidenciar tendência de
redução no terceiro período. A despeito dessa tendência, os
montantes anuais mantiveram níveis expressivos.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005
dois anos citados, duas crises cambiais no País, forçando
o Banco Central a substituir o regime cambial de bandas
estreitas pelo regime de câmbio flutuante em janeiro de
1999. Essa mudança foi de particular importância, porque,
com o novo regime de câmbio, os fluxos de capitais
financeiros, stricto sensu, resultaram à mercê dos riscos
da variação cambial. Entendemos que esse fato
contribuiu significativamente — ao lado de outros fatores
externos e internos — para manter a continuidade da
retração dos fluxos líquidos desses capitais — iniciada
em 1997 —, nos anos posteriores. A propósito, interessa
ver, na Tabela 2, que o risco cambial causou significativo
aumento dos pagamentos líquidos ao exterior a título de
derivativos.
No período em questão — 1997-01 —, as entradas
líquidas registradas na conta financeira nacional oscilaram
amplamente de ano para ano, em vista do instável
comportamento dos investimentos em carteira e dos
outros investimentos. O superávit mínimo da conta financeira foi registrado em 1999 — US$ 11,6 bilhões —, tendo
como causa o paroxismo das incertezas provocado pela
“quebra” do regime cambial de bandas no início do ano.
Os dramáticos acontecimentos anteriores, ocorridos em
outras economias que também tiveram seus regimes
cambiais fixos “quebrados”, contribuíram, certamente,
para extremar os riscos percebidos na economia brasileira.
Em 2000, a conta financeira registrou US$ 26,1 bilhões,
o nível mais elevado entre 1998 e 2001. Em todo esse
período, a conta financeira acumulou entradas líquidas
de US$ 99,2 bilhões, o que corresponde à média anual,
bastante elevada, da ordem de US$ 20,0 bilhões. Essa
magnitude se tornou possível graças ao comportamento
dos investimentos diretos, que, exceção feita ao ano de
2001, mantiveram trajetória de alta; eles acumularam,
no segundo período, US$ 126,0 bilhões, dos quais US$
28,3 bilhões corresponderam a pagamentos estrangeiros
ao programa de privatizações. Convém lembrar que os
investimentos diretos relacionados às privatizações
somaram US$ 30,9 bilhões, integralizados, entre 1996 e
2002. Desse total, 91,5% foram pagos no segundo
período. O ano de encerramento desse período, 2001,
foi o último de expressiva contribuição dos pagamentos
às privatizações, com o valor de US$ 7,0 bilhões; em
2002 e 2003, esses pagamentos somaram, respectivamente, US$ 1,1 bilhão e US$ 280 milhões, evidenciando
o esgotamento dessa fonte de financiamento. Tal esgotamento explica, em parte, a queda do patamar dos investimentos diretos ocorrida nos anos seguintes e,
igualmente em parte, a redução das entradas líquidas
registradas na conta financeira.
81
Os fluxos externos de capitais privados no Brasil — 1991-04
Do primeiro para o segundo período, a mudança da
qualidade dos financiamentos externos materializou-se
principalmente, de um lado, pelo grande aumento dos
investimentos diretos e, de outro, pela expressiva diminuição dos investimentos em carteira. Estes totalizaram
US$ 41,6 bilhões. Cerca de 74,0% dessas entradas
ocorreram em 1997 e 1998, ou seja, antes da adoção do
regime de câmbio flutuante. Cabe insistir dizendo que os
riscos inerentes ao câmbio flutuante colocaram o advento
desse regime como um marco divisório entre dois
“momentos” sucessivos. O primeiro marcado pelo grande
afluxo, ainda que instável, de investimentos em carteira.
O segundo caracterizado por forte tendência de redução
dos ingressos líquidos. Em 2001, as entradas líquidas
dos investimentos em carteira foram quase nulas,
totalizando US$ 77,0 bilhões. Essa foi a menor cifra até
então, desde que foi franqueada sua presença no Brasil.
Essa tendência de redução persistiu no terceiro período,
não obstante a grande oscilação dos fluxos de ano para
ano. Por seu turno, as despesas líquidas com derivativos
cresceram bastante e assumiram cifras significativas a
partir de 1997, em decorrência do risco cambial. Em
todo o segundo período, acumularam o montante líquido
negativo de US$ 1,3 bilhão. Por último, foi notável o
comportamento dos outros investimentos, por manterem
cifras anuais negativas elevadas desde 1997 até o final
dos anos observados neste artigo. O fato ilustra a
superação e a obsolescência dos instrumentos
financeiros tradicionais.
No terceiro período — 2002-04 —, constatamos
grande contração do financiamento externo. Nos três anos
em questão, a conta financeira acumulou déficit de US$
3,2 bilhões, e os investimentos diretos, superávit de US$
32,7 bilhões. Essas duas cifras confrontadas ressaltam
as elevadas saídas acumuladas pelos investimentos em
carteira (US$ 4,5 bilhões) e principalmente pelos outros
investimentos (US$ 30,2 bilhões).
Mais uma vez é necessário apontarmos a incerteza
cambial como uma das causas principais do
comportamento evasivo dos capitais internacionais nas
diferentes rubricas, exceção feita aos investimentos
diretos, dada sua racionalidade específica, orientada pelas
expectativas de longo prazo. A propósito da incerteza
cambial prevalecente, um dos indícios do fato é o
aumento expressivo das despesas líquidas com
derivativos, com o intuito de fazer hedge no período. Em
2004, os derivativos registraram, de longe, o valor negativo
mais elevado de toda a série examinada. Parece
importante notar também que a incerteza cambial
contraiu o fluxo de financiamento externos não apenas
em vista do comportamento dos credores estrangeiros,
mas, talvez principalmente, pelo comportamento dos
devedores nacionais. Entendemos que estes trataram
de se ver livres de posições de risco, saldando dívidas.
A manifestação macroeconômica desse fato se
expressou através da redução da dívida externa líquida
do Brasil. Essa redução resultou, de um lado, das entradas
de investimentos diretos e, de outro, dos superávits em
transações correntes, em 2003 e 2004, de, respectivamente, US$ 4,2 e US$ 11,7 bilhões. Devemos frisar a
contribuição desses superávits. Passando de deficitários
para superavitários, os saldos em conta corrente
inverteram a direção de sua ação causal sobre os fluxos
de financiamentos externos. Deixaram de ser financiados
com dívidas externas para passarem a fornecer fundos
para a amortização dessas dívidas.
É necessário falarmos dos efeitos da então provável
vitória da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva nas
eleições à Presidência da República sobre a conta
financeira no terceiro período definido por este artigo.
Notoriamente, no ano da eleição, 2002, a elevada
probabilidade da vitória de Lula causou grande fuga de
capitais estrangeiros do País e rebuliço no mercado
nacional de câmbio. A cotação cambial do dólar chegou
ao pico de R$ 4,0 nos momentos mais críticos daqueles
eventos. No ano, a conta financeira registrou déficit de
US$ 4,7 bilhões, fato que contribuiu grandemente para
reduzir o saldo acumulado da mesma conta, em todo o
período.7 Todos sabemos dos graves efeitos negativos
que os eventos em pauta causaram ao País em termos
de — para ser breve — desaceleração do crescimento e
aumento do desemprego. Contudo, especificamente
quanto ao que nos interessa — a evolução dos fluxos de
financiamentos externos privados —, devemos manter
o cuidado para não exagerar a capacidade daqueles fatos
de imprimir efeitos ou características no período em
pauta. É nossa convicção que o novo perfil adquirido
pelo conjunto das rubricas da conta financeira foi
propiciado fundamentalmente pela auspiciosa tendência
de melhora dos saldos em transações correntes desde o
terceiro trimestre de 2001, graças, em especial, ao
persistente crescimento do saldo da balança comercial.
7
No agregado dos países em desenvolvimento, os fluxos de
financiamentos aumentaram 24,5% em 2002, na comparação
com 2001. Teriam aumentado bem mais, se não fossem os
eventos ocorridos na economia brasileira. Em suma, não é
possível atribuir alguma influência da conjuntura internacional
nos fatos ocorridos no Brasil, naquele ano.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005
82
Roberto Marcantonio
Tabela 1
Fluxos líquidos de capitais privados e transações correntes nos mercados emergentes
e em países em desenvolvimento — 1996-04
(US$ bilhões)
DISCRIMINAÇÃO
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Total ..................................
Investimento direto ............
Investimento em carteira ...
Outros capitais privados ....
Conta corrente ..................
196,7
116,0
86,3
-5,6
-93,8
198,4
147,2
60,4
-9,2
-83,5
84,8
159,8
42,5
-117,6
-51,9
89,1
173,3
69,1
-153,3
38,9
60,8
174,3
20,5
-134,0
126,6
60,9
184,7
-86,9
-36,9
89,4
75,8
144,4
-90,0
21,4
142,5
149,5
151,9
-9,9
7,5
233,8
196,6
186,4
28,8
-18,6
336,3
FONTE: FMI.
Tabela 2
Fluxos de capitais privados e transações correntes no Brasil — 1991-04
(US$ bilhões)
DISCRIMINAÇÃO
1991
1992
1993
1994
1995
1996
Conta financeira .............
3,52
2,45
12,25
10,01
30,42
34,33
1997
24,59
Investimento direto .........
0,09
1,92
0,80
1,46
3,31
11,26
17,88
Investimento em carteira
3,81
14,47
12,33
50,64
9,22
21,62
12,62
Derivativos ......................
0,00
0,00
0,01
-0,03
0,02
-0,04
-0,03
Outros investimentos ......
-0,38
-13,94
-0,88
-42,07
17,88
1,49
-5,88
Transações correntes .....
-1,41
6,14
-0,59
-1,69
-17,97
-23,50
-30,45
DISCRIMINAÇÃO
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Conta financeira .............
18,07
11,60
26,14
19,03
-4,76
1,90
-0,39
Investimento direto .........
26,00
26,89
30,50
24,72
14,11
9,89
8,70
Investimento em carteira
18,13
3,80
6,96
0,08
-5,12
5,31
-4,76
Derivativos ......................
-0,46
-0,09
-0,20
-0,47
-0,36
-0,15
-0,68
Outros investimentos ......
-25,60
-19,00
-11,12
-5,29
-13,39
-13,15
-3,66
Transações correntes .....
-33,42
-25,34
-24,22
-23,22
-7,72
4,18
11,67
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Banco Central do Brasil.
Considerações finais
Anteriormente, caracterizamos três períodos, na
evolução da conta financeira nacional, entre 1991 e 2004
e tecemos algumas considerações acerca dos fatos
verificados. Em seguida, retomamos alguns aspectos
desse quadro, incorporando, contudo, aspectos de outra
natureza. Procuramos referir, de maneira um pouco mais
completa, diferentes instâncias da realidade que
interagiram e determinaram, em boa medida, aquela
evolução.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005
No período observado por este artigo, a sucessão
de fases e “momentos” de expansão e contração da
liquidez dos mercados financeiros internacionais, nos
países em desenvolvimento, produziu, quase sempre,
reflexos de igual sentido no Brasil. Assim, a fase
expansiva dos fluxos de financiamentos no agregado dos
citados países, encerrada em 1997, propiciou abundantes
recursos externos ao Brasil e, por isso, facultou ao Plano
Real a utilização da “âncora cambial” como um importante
instrumento — dentre outros — de “desindexação” dos
preços e de redução das taxas de inflação. A “âncora
Os fluxos externos de capitais privados no Brasil — 1991-04
cambial” foi adotada em meados de 1994 e, a partir de
maio de 1995, seguiu definida como um regime cambial
de bandas estreitas “atrelado” ao dólar. Ela sobreviveu
às condições da liquidez internacional que possibilitaram
sua adoção. No seu período de vigência, a insustentável
tendência de aumento do déficit em transações correntes
evidenciou que o real esteve excessivamente valorizado
frente ao dólar. Porém, enquanto os fluxos de
financiamentos externos permitiram, o Banco Central
manteve a política cambial, na esperança de que o
aumento da competitividade da produção nacional —
causado pelo processo de reestruturação produtiva em
curso — terminasse sendo suficiente para reduzir
adequadamente os déficits em transações correntes.
Essa expectativa não se cumpriu em tempo hábil. A crise
de financiamento externo, iniciada no segundo semestre
de 1998, “quebrou a âncora cambial” no princípio de 1999.
Ato contínuo, o Banco Central adotou o regime de câmbio
flutuante.
No Brasil, a retomada e o crescimento dos fluxos
de financiamentos externos a partir de 1991 e até 1997
foram marcados pela grande participação dos
investimentos em carteira; nesses anos, a soma desses
investimentos foi superior à da conta financeira. Fatores
nacionais — ao lado dos internacionais — determinaram
esse fato. Um dos fatores domésticos de atração dos
investimentos em carteira foi a então recente abertura
de um novo espaço nacional de oportunidades de
aplicações lucrativas, seja na compra de ações a preços
módicos, seja na aquisição de títulos de renda fixa de
elevada remuneração. No mesmo sentido, cabe dizer que,
quando da liberação financeira no País, o endividamento
externo da economia, na perspectiva das possibilidades
dos novos instrumentos financeiros, era avaliado como
baixo. A ausência de risco cambial — dado o regime de
câmbio que passou a viger — foi outro importante
chamariz para os investimentos em carteira.
Após a troca do regime cambial no País, a maioria
dos analistas — orientados pela lógica econômica
abstrata, mas traídos pela especificidade dos fatos
concretos — previram contração dos financiamentos
externos e desvalorização cambial de grandezas
suficientes para, ao menos em boa parte, sanar os
desequilíbrios externos da economia. Em larga medida,
essas expectativas não se confirmaram, embora tenha
havido expressiva contração dos fluxos de capitais
financeiros stricto sensu. Assim, diminuíram as entradas
líquidas dos investimentos em carteira e aumentaram
as saídas líquidas dos outros investimentos. Não
obstante isso, os montantes totais dos financiamentos
externos foram sustentados, em certa medida, pela forte
83
tendência de crescimento dos investimentos diretos,
alheios, por sua lógica, às razões que atemorizam as
demais modalidades dos financiamentos. Por isso, a
desvalorização cambial havida contribuiu para reduzir o
déficit em transações correntes, entretanto, até 2001,
em medida insuficiente para reduzi-los para níveis
sustentáveis.
As elevadas entradas líquidas anuais de
investimentos diretos entre 1997 e 2001 fazem acreditar
que se assistiu, naqueles anos, a uma momento histórico
de — o leitor perdoe a redundância — características
peculiares. As críticas dificuldades enfrentadas pela
economia nacional durante um longo período anterior,
iniciado nos anos 80, haviam-na mantido à margem dos
interesses e dos investimentos das empresas
estrangeiras. Quando tais dificuldades evidenciaram sinais
mais claros de superação e foram iniciadas reformas
modernizantes, o Brasil — uma das 10 maiores
economias do mundo, dotada de uma estrutura produtiva
bastante complexa e completa, além de demanda ampla
e especialmente dinâmica — abriu-se como parte do
espaço estratégico da competição global. Nesse
momento, coube às empresas internacionais
empreenderem a corrida para implantar ou ampliar sua
presença no País. Por esses motivos, durante alguns
anos, foi excepcionalmente elevado o montante dos
investimentos diretos, que se distribuíram entre
modernização e ampliação de instalações, aquisições,
privatizações, fusões e abertura de novos
empreendimentos. Então, a competição entre as
empresas configurou-se como uma corrida para “chegar
primeiro”, levando os investimentos estrangeiros diretos
a um elevado grau de concentração entre 1997 e 2001.
Nesses cinco anos, eles apresentaram a média anual de
US$ 25,2 bilhões; nos três anos posteriores, a mesma
variável registrou valor de US$ 10,9 bilhões. Esta última
cifra parece ser evidência de que, no que respeita aos
fluxos de investimentos diretos, o Brasil ingressou em
nova fase, na qual, já anteriormente realizados os
investimentos de “ocupação de espaço” e modernização,
as empresas estrangeiras passaram a realizar novos
investimentos, principalmente para manter a
competitividade e para ampliar a capacidade produtiva.
Se essa hipótese é verdadeira, os montantes das
entradas líquidas de investimentos diretos estarão
condicionados, daqui para a frente muito mais do que
nos cinco anos anteriores, ao ritmo de crescimento do
produto nacional. Em suma, as taxas de crescimento da
economia — por determinarem a maior ou a menor
ocupação da capacidade produtiva existente — e as
expectativas mais ou menos otimistas dos rendimentos
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005
84
futuros passaram a ser os determinantes principais dos
investimentos estrangeiros diretos.
Os fatos e as considerações expostos acima levam-nos a entender que os elevados valores registrados a
título de investimentos em carteira e investimentos
diretos, nos específicos “momentos de auge” citados,
não se deverão repetir nos próximos anos, no Brasil. A
tendência decrescente dos investimentos em carteira —
no agregado dos países em desenvolvimento e no Brasil — é um indicativo de que os agentes envolvidos na
“farra especulativa” encerrada em 1997 amargaram
prejuízos vultosos. As experiências do passado têm
evidenciado que fatos dessa natureza exigem largo
período para serem esquecidos, antes do retorno das
“bolhas especulativas”. Além disso, a maior proliferação
dos regimes de câmbio flutuante nos países em
desenvolvimento é um forte desestímulo aos movimentos
especulativos de grande monta.
Aqui, os outros investimentos e os derivativos
merecem apenas menção brevíssima. Os outros
investimentos em carteira notabilizaram-se apenas pela
enorme soma de recursos retirados da economia nacional,
praticamente em todos os anos do período examinado.
A persistência e a intensidade dessa tendência
evidenciam que, em algum momento futuro, ela arrefecerá
e se esgotará. Esse esgotamento se constituirá num fator
de elevação do saldo líquido da conta financeira. Por seu
turno, os derivativos acumularam saídas líquidas de US$
2,7 bilhões em todo o período observado. Esse valor,
sem ser desprezível, é pouco importante na perspectiva
do financiamento externo da economia. Por isso, o
interesse maior pela variação dos saldos da rubrica
derivativos tende a se reduzir à indicação que fornece
do estado momentâneo das incertezas referentes às
operações internacionais no País. Logo, o afluxo de
recursos externos para a economia nacional permanecerá
estritamente ao encargo dos investimentos em carteira
e dos investimentos diretos. Quanto a essas duas
modalidades de financiamento, o exame feito por este
artigo sugere que, nos próximos anos, não deveremos
voltar a assistir à pujança verificada, no primeiro caso,
até 1998 e, no segundo, especialmente entre 1998 e 2001.
Essa expectativa tenderá a ser contestada, se
preenchidas as seguintes condições: primeiro, na medida
em que a economia nacional, evidenciando capacidade
de sustentar taxas de crescimento há muito não vistas,
aumente sua capacidade de atrair investimentos;
segundo, se mantida a credibilidade da política econômica
nacional; terceiro, se o crescimento do PIB e o do
comércio mundial se mantiverem favoráveis à
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 73-84, dez. 2005
Roberto Marcantonio
continuidade da expansão dos investimentos
internacionais nos países em desenvolvimento.
Referências
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Derivativos de crédito: uma introdução ao instrumento
financeiro e potenciais de uso. Rio de Janeiro: Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, 1994.
FERREIRA, Carlos L.; FREITAS, Maria C. P. de. Mercado
internacional de crédito e as inovações financeiras
nos anos 70 e 80. São Paulo: FUNDAP, 1990. (Estudos
de Economia do Setor Público, 1).
MARCANTONIO, Roberto. Os fluxos de capitais
estrangeiros privados nas economias emergentes, entre
1994 e 2002. Indicadores Econômicos FEE, Porto
Alegre: FEE, v. 32, n. 1, p. 221-241, 2004.
PRATES, Daniela M.; FREITAS, Maria Cristina P. de.
Emissões brasileiras no mercado financeiro internacional,
nos anos 90. In.: FREITAS, Maria Cristina P. de (Org.).
Abertura do sistema financeiro brasileiro. São Paulo:
FUNDAP: FAPESP; Brasília: IPEA, 1999.
PRATES, Daniela M. Investimento de portfólio no
mercado financeiro doméstico. In.: FREITAS, Maria C. P.
de (Org.). Abertura do sistema financeiro brasileiro.
São Paulo: FUNDAP: FAPESP; Brasília: IPEA, 1999.
WORLD ECONOMIC OUTLOOK. Washington, DC: IMF,
Sept 2004.
WORLD ECONOMIC OUTLOOK. Washington, DC: IMF,
Apr 2005.
85
Mudança no regime cambial da China
Mudança no regime cambial da China*
André Moreira Cunha**
Professor do Departamento de Economia da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul e Pesquisador do CNPQ.
Resumo
Neste trabalho, analisa-se o novo regime cambial da China. Argumenta-se que a opção gradualista dos "policymakers" chineses reflete a
necessidade de se lidar com as pressões contraditórias com respeito ao
valor externo do yuan renminbi. Enfatiza-se o contexto internacional dos
desequilíbrios de pagamentos entre a economia norte-americana e o resto
do mundo, especialmente as economias asiáticas.
Palavras-chave:
China; regime cambial; desequilíbrios exter-
nos.
Abstract
In this paper we analyze the new exchange rate regime in China. We
argue that the gradualist option of chinese policymakers reflects the
necessity of manage contradictory pressures over the external value of
the yuan renminbi. We emphasize the international context of payments
imbalances among U.S. economy and the rest of the world, especially the
asian economies.
Artigo recebido em 23 ago. 2005.
1 - Introdução
Há cerca de três anos, intensificaram-se as críticas
à opção chinesa de manter sua moeda — o yuan
renminbi1 — atrelada ao dólar norte-americano (somente
dólar, de agora em diante) através de um regime de
câmbio fixo. Tal posição vinha tanto dos setores oficiais
e privados dos EUA, quanto de países que estavam
* Versão de agosto de 2005. As traduções de citações originais do
inglês para o português foram feitas pelo autor. O mesmo
agradece pelo apoio de pesquisa ao bolsista do PIBIC-CNPQ,
Henrique B. Renck.
** E-mail: [email protected]
1
O yuan renminbi (RMB) é a moeda oficial da China. Eventualmente
yuan e renminbi serão utilizados, isoladamente, ao longo do
texto. Devem ser lidos como simplificações de uma mesma
unidade monetária.
sofrendo com a pressão concorrencial chinesa.
Argumentava-se que a rigidez daquele regime cambial
estaria potencializando os desequilíbrios nos pagamentos
internacionais, manifestos, especialmente, nos
crescentes déficits em conta corrente dos EUA. A
estratégia da China e de outras economias asiáticas de
atuar de forma ativa nos mercados cambiais, com o
objetivo de estabilizar o valor de suas moedas em termos
do dólar e de ampliar — em um ritmo sem precedente na
história recente das finanças internacionais — as reservas
oficiais, passou a ser apontada, de forma depreciativa,
como sendo "mercantilista"2.
2
Sobre tais questões, recomenda-se a leitura de: Goldstein (2003),
Bergsten (2004) e Eichengreen (2004). Ver, também, as análises
da revista The Economist, de 10.07.03, de 18.09.03 e de
05.02.04 (Fear..., 2003; Oriental..., 2003; Let..., 2004).
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 85-96, dez. 2005
86
Em julho de 2005, a China surpreendeu o mundo,
ao anunciar um novo regime cambial. O yuan passaria a
ser administrado em função da flutuação de uma cesta
composta por 11 moedas, com destaque para o dólar, o
euro, o iene japonês e o won coreano. Nesse sentido, o
presente artigo tem por objetivo analisar as origens de
tal mudança e suas possíveis implicações. Para tanto,
inicia-se analisando a natureza dos desequilíbrios
recentes na economia internacional e das estratégias
macroeconômicas adotadas nas regiões periféricas,
especialmente na Ásia. A seguir, mostra-se o papel cada
vez mais importante da China nas dinâmicas econômicas
regional e mundial. A partir de tais elementos, parte-se
para uma análise do novo regime cambial chinês. Mesmo
sendo um fato recente, há elementos de natureza
estrutural que permitem realizar uma avaliação, ainda que
preliminar, daquele movimento tático da China. Seguem
algumas considerações finais.
2 - Desequilíbrios estruturais na economia internacional e estratégias
macroeconômicas nas
economias periféricas
A economia internacional vem demonstrando um
grande dinamismo desde meados de 2003. Depois da
retração no ritmo de crescimento de seus principais pólos
dinâmicos em 2001 e 2002, os elevados estímulos fiscais
e monetários nas economias centrais, especialmente nos
EUA, garantiram o quadro atual de recuperação, cujo ápice
se deu em 2004. Verificou-se, ali, uma convergência de
fatores positivos, com destaque para: (a) o maior nível
de crescimento do PIB mundial desde 1976; (b) uma forte
expansão do comércio internacional, tanto em termos
de volume quanto, principalmente, de preços; e (c) uma
abundante liquidez financeira, que favoreceu a
manutenção de um ambiente global de baixas taxas de
juros reais (International Monetary Fund, 2005).
Todavia os mesmos fatores determinantes da
recuperação estão gerando um conjunto de
desequilíbrios, dentre os quais cabe destacar o elevado
déficit em conta corrente dos EUA, que passou de um
patamar abaixo de 2% do PIB, no começo dos anos 90,
para 4%, no final da década, atingindo 6% no ano de
2004. Sua tendência segue sendo de alta. No atual ciclo
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 85-96, dez. 2005
André Moreira Cunha
político, o déficit externo vem sendo acompanhado por
déficits fiscais também crescentes, dados os
significativos estímulos de redução de impostos e de
ampliação de gastos ocorridos depois de 2001. A volta
dos "déficits gêmeos" tem colocado em debate a
qualidade (no futuro) da dívida pública norte-americana,
cujo nível corrente vem-se aproximando, velozmente, de
patamares mais típicos das economias periféricas.3 Em
uma perspectiva mais ampla, verifica-se que as famílias
e as empresas também apresentam níveis recordes de
endividamento4, o que caracterizaria a emergência de
uma situação de elevada fragilidade financeira. O modelo
de crescimento liderado pelo consumo e amparado por
um elevado endividamento traduzir-se-ia em estímulos
à produção mundial em regiões emergentes, que
passaram a absorver, nas últimas duas décadas, uma
parcela crescente da capacidade produtiva mundial.
Ademais, segmentos dos mercados financeiros, como o
mercado imobiliário, estariam superaquecidos. Em 2004,
a variação anual dos preços dos imóveis atingiu níveis
recordes nos EUA, sendo também altista em vários outros
países (Ann. Rep., 2005).
A contrapartida para a ampliação da posição
devedora líquida dos EUA estaria no aumento da posição
credora do resto do mundo, implicando exportação de
poupança por parte de economias centrais e periféricas.5
3
"A medida mais ampla do total da dívida dos Estados Unidos
com o resto do mundo — a posição líquida de investimentos
internacionais ou PLI — aumentou de 5% do PIB em 1997 (US$
360 bilhões) para um valor esperado de 28% do PIB (US$ 3,3
trilhões) até o final de 2004. Equivalendo a 280%, a taxa de
dívida sobre exportações dos EUA está atingindo rapidamente
patamares das economias latinas mais problemáticas, como
Argentina e Brasil. Sem ajustes mais profundos, o endividamento
externo líquido dos EUA está no caminho de atingir 50% do PIB
e cerca de 500% das receitas de exportação em 2008." (Roubini;
Setser, 2005b, p. 9 — esta e as demais citações foram traduzidas
por nós). Roubini e Setser (2005b) estimam que, ainda em 2005,
os EUA se tornem pagadores líquidos de juros para o resto do
mundo.
4
Papadimitriou et al. (2005) realizam uma análise detalhada do
endividamento norte-americano a partir de um referencial teórico
que valoriza a tradição keynesiana-minskyiana.
5
Bernanke (2005) analisa os desequilíbrios das contas externas
dos EUA, assumindo que há um problema global de "excesso
de poupança" (global saving glut). Para o então Diretor do FED,
a economia norte-americana seria passiva nesse processo. Tal
excesso de poupança se originaria, principalmente, de: (a)
questões demográficas dos países centrais (envelhecimento
da população); (b) aumento do preço do petróleo (o que geraria
uma transferência de renda para os países exportadores dessa
importante commodity); e (c) das estratégias defensivas dos
países periféricos nesse período (pós-crise asiática) de crises
financeiras e de volatilidade dos mercados, caracterizadas pela
87
Mudança no regime cambial da China
Países estruturalmente superavitários, especialmente em
conta corrente, como Japão, China, Coréia do Sul, outras
economias asiáticas emergentes, os países da região
do euro, exportadores de petróleo e, desde 2003, os latino-americanos vêm financiando os "déficits gêmeos" norte-americanos pela reconversão de seus superávits
externos em reservas, as quais são aplicadas em ativos
financeiros denominados em dólares norte-americanos.
Os bancos centrais dos países asiáticos vêm
desempenhando um papel de destaque nesse processo.
Diante de tal quadro, há analistas que consideram
os crescentes déficits dos EUA como um elemento
potencialmente desestabilizador de uma conjuntura global
que se revela excepcionalmente favorável desde 2003.6
Há, porém, os que enxergam um elemento positivo nos
déficits, que estariam dinamizando o crescimento de
regiões periféricas.7 Entre o primeiro grupo8, cresce o
consenso de que o ajuste para os "desequilíbrios" globais
passaria por um realinhamento de moedas, no qual os
países asiáticos, notadamente a China, deveriam aceitar
uma maior flexibilidade em suas taxas de câmbio. A
valorização da moeda chinesa (frente ao dólar) viria a se
somar à apreciação de outras moedas, como o euro,
permitindo uma depreciação mais significativa da taxa
de câmbio real e efetiva do dólar, o que, por sua vez,
garantiria uma acomodação dos desajustes comerciais
bilaterais, pelo aumento das exportações líquidas dos
EUA.
Os países que estão sendo pressionados para
absorver os novos ajustes cambiais — e aqui o caso
chinês segue na linha de frente — passaram a argumentar
que a origem dos "desequilíbrios" estaria não em suas
políticas macroeconômicas "defensivas"ou "mercantilistas", mas, sim, no baixo nível de poupança norte-americana, o que é um eufemismo para o "excesso de
geração de superávits em conta corrente e acúmulo de reservas.
Stephen Roach, estrategista do Morgan Stanley e um dos mais
festejados analistas da economia internacional, contesta a tese
de Bernanke, argumentando que, de acordo com as estimativas
mais recentes do FMI, a poupança global não teria aumentado
significativamente no período recente. Seu ligeiro aumento (de
23% na média do período 1983-00 para 25% em 2004) teria
acompanhado a elevação dos investimentos. Por isso, ele
questiona: "(...) onde está o excesso de poupança?". Ver What
(2005).
6
Alguns exemplos, nesse sentido, são: Roubini e Setser (2005a),
Eichengreen (2004), Frankel (2005) e Summers (2004).
7
É o argumento de Dooley, Folkerts-Landau e Garber (2003) e
de Dooley e Garber (2005), no que se convencionou chamar de
hipótese Bretton Woods II.
8
Ver, dentre outros, Bergsten (2004), Bergsten e Williamson (2004)
e International Monetary Fund (2005, cap. 3).
gasto". Por essa ótica, a correção viria, principalmente,
de um ajuste fiscal do Governo dos EUA e de um aumento
da poupança privada.9 Diante de tal consideração,
respeitados analistas norte-americanos vêm-se
refugiando na tese de que há um problema global de
"excesso de poupança", que busca abrigo em ativos
denominados em dólares, de modo que os EUA seriam
passivos nesse processo.10 A mudança no regime cambial
chinês, conforme será demonstrado na seqüência,
implicou uma nova linha de argumentação, que agora
passou a enfatizar a busca de maior flexibilidade do
renminbi. Na prática, a moeda chinesa elevou-se pouco
mais de 2% diante do dólar até o presente momento.
Por qualquer linha de argumentação, ao se
considerarem os desequilíbrios de pagamentos como um
problema a ser corrigido em um horizonte relativamente
próximo, abre-se espaço para a avaliação dos possíveis
impactos de um ajuste global de preços — juros e câmbio
das principais moedas — e quantidades — mudanças
na demanda induzidas, por exemplo, por alterações na
política fiscal dos EUA. Dentre outros aspectos, há uma
ênfase nos efeitos esperados: (a) de um aperto fiscal
nos EUA capaz de promover a redução dos gastos
públicos e privados, o que afetaria negativamente as
exportações de terceiros países; (b) de mudanças súbitas
e/ou mais intensas do que o projetado pelas expectativas
correntes dos investidores nos preços de importantes
ativos financeiros, especialmente a partir da elevação
nos juros curtos e longos dos EUA11; (c) o que poderia
ampliar a aversão ao risco dos investidores internacionais
e, assim, reverter o quadro recente de recomposição da
liquidez financeira para os países periféricos; e (d) a
capacidade de mudanças de preços relativos induzidas
pela queda na taxa de câmbio real e efetiva do dólar —
agora com o estímulo de uma valorização do
renminbi — em reverter o quadro de desequilíbrios nos
9
O debate, aqui, retoma os contornos verificados na primeira
metade dos anos 80, quando os EUA pressionavam Japão e
Alemanha para assumirem o ônus do ajuste dos desequilíbrios
nos balanços de pagamentos. A desvalorização coordenada do
dólar, depois do Acordo do Plaza, foi uma das respostas mais
evidentes da tensão política da época.
10
Bernanke (2005) expôs esse argumento de forma contundente.
Dooley e Garber (2005) tomam-no como um elemento acessório
em sua análise da hipótese Bretton Woods II.
11
Cá está uma das aparentes "anomalias" dos mercados
financeiros globais. O conundrum da taxa de juros norte-americana foi explicitado por Stephen Roach (Real..., 2005). Trata-se
da questão dos reduzidos níveis da taxa real de juros e do
aparente descolamento dos movimentos de elevação das taxas
curtas do FED (policy rate dos Fed Funds) com respeito às
taxas longas dos T-bonds.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 85-96, dez. 2005
88
André Moreira Cunha
pagamentos internacionais. É importante lembrar que o
ajuste nos mercados de ativos financeiros poderia ocorrer
em função da perda de um movimento mais amplo de
confiança no dólar, dadas as estratégias de recomposição
de portfólio dos detentores dos instrumentos de dívida
emitidos nos EUA.
Entre os otimistas, como os proponentes da
hipótese Bretton Woods II (Dooley; Folkerts-Landau;
Garber, 2003; Dooley; Garber, 2005), o estabelecimento
de um jogo de soma positiva entre o devedor em última
instância, os EUA e os países exportadores emergentes
poderia dar longa vida ao processo de (re)localização de
parte significativa da produção industrial mundial, do
centro para a periferia, notadamente para a região do
Pacífico Asiático. Com isso, tais regiões emergentes
poderiam crescer de forma acelerada, incorporando seus
contingentes populacionais ainda à margem dos setores
modernos. Em contrapartida, a poupança financeira
gerada pelo processo de crescimento via drive exportador
seria reciclada pelos mercados financeiros dos países
centrais, mais especificamente, dos EUA, mais robustos
e confiáveis que os mercados locais dos países
periféricos. Todavia esse jogo não inclui todos os países
periféricos. Os ganhos na absorção de capitais e novas
tecnologias e a inserção nos mercados consumidores
mais dinâmicos têm-se concentrado em poucos "países
vencedores". Em geral, os resultados verificados, até
agora, do processo de liberalização econômica,
especialmente na dimensão financeira, sinalizam para o
aumento da instabilidade e não para o crescimento
sustentável.12
As tensões correntes que ligam as economias
centrais às periféricas repõem, tanto na dimensão
comercial quanto, principalmente, na esfera financeira, o
desafio da busca de estratégias alternativas de inserção
na economia global. Esta vem se caracterizando pela
recorrência de ciclos de expansão e contração da liquidez
financeira, o que, por sua vez, cria ondas de crescimento
real e financeiro nos países receptores de capital, cujos
declínios posteriores, quando dos movimentos de refluxo
daqueles capitais, geram graves crises econômicas e
sociais. A posição financeira externa das economias
periféricas é particularmente sensível aos movimentos
exogenamente determinados de expansão e contração
da liquidez nos mercados financeiros dos países centrais,
bem como ao perfil de composição das carteiras dos
seus investidores. Movimentos de "fuga para qualidade",
12
Ver, dentre outros, Prasad et al. (2003) e Comisión Económica
para America Latina y el Caribe (2002; 2004).
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 85-96, dez. 2005
provocados por um aumento na aversão ao risco dos
investidores e/ou na ampliação das taxas de retorno de
papéis de maior qualidade emitidos no centro do sistema,
provocam fortes oscilações nos mercados financeiros
domésticos dos países em desenvolvimento.
No quadro atual, de sensíveis desequilíbrios nos
pagamentos internacionais, uma crise de confiança no
dólar só poderia ser evitada caso o resto do mundo
mantenha a disposição de financiar o "crescimento
liderado pelo consumo" dos EUA e, assim, seus déficits
em transações correntes. Para Dolley, Folkerts-Landau
e Garber (2003) e Dooley e Garber (2005), esse cenário
não só é possível no curto prazo, como pode se estender
ainda por um longo tempo. Os críticos à idéia de que os
déficits externos dos EUA não são uma ameaça à
economia internacional não consideram plausível a
hipótese da sustentabilidade dos déficits norte-americanos em um horizonte de tempo muito largo.
Quanto mais longo o acerto de contas entre o país
deficitário e suas contrapartes superavitárias, mais
dolorosos tenderiam a ser os custos desse ajuste (Roubini;
Setser, 2005a).
Dolley, Folkerts-Landau e Garber (2003) e Dooley e
Garber (2005) consideram ser mais provável a
manutenção do atual status quo, onde caberia aos bancos
centrais asiáticos o papel de financiar os desequilíbrios
externos dos EUA. O interesse na manutenção da
aquisição de ativos denominados em dólares,
especialmente de títulos emitidos pelo Tesouro norte-americano, apesar de sua baixa remuneração e do
crescimento na posição devedora (fiscal e externa)
daquele país, estaria fundamentado em dois elementos
de caráter aparentemente estrutural. O primeiro seria o
desejo, inclusive no caso japonês, de seguir priorizando
o crescimento baseado nas exportações. O segundo fator
estaria associado aos impactos da crise financeira de
1997-98 sobre o padrão de financiamento dos asiáticos
e suas estratégias macroeconômicas. Ter-se-ia criado
uma sensível rejeição ao modelo de sobre-endividamento
com base em poupança externa, cuja apreciação real
das moedas domésticas e a inflação nos preços de ativos
financeiros e não financeiros foram os subprodutos que
mais teriam contribuído para a fragilização financeira
anterior à crise. As novas prioridades seriam a
sustentação do valor real das taxas de câmbio frente ao
dólar, o que implica a adoção de regimes cambiais duros,
como nos casos da China, da Malásia e de Hong Kong,
ou, no caso dos países que adotam regimes de câmbio
flutuante (Japão, Coréia, Índia, Taiwan, Tailândia e
Indonésia), a forte intervenção das autoridades
monetárias, que passaram a reciclar os resultados dos
89
Mudança no regime cambial da China
superávits em conta corrente e dos ingressos líquidos
de capitais privados, transformando-os em reservas
oficiais. O incremento destas, por sua vez, traduziria uma
busca aparentemente intencional de reduzir o grau de
exposição das diversas economias aos ciclos financeiros
externamente determinados.
Para se compreender a perspectiva asiática, é
preciso lembrar que, depois de flertar com a liberalização
financeira, o que implicou crescente fragilidade externa,
muitas economias asiáticas passaram a ter como
estratégia (implícita ou explícita) a criação de "colchões"
de liquidez (em dólares) suficientemente elásticos para
afastar o que se passou a perceber na região como um
risco inerente ao processo de globalização, qual seja,
crises financeiras geradas pela conversibilidade da conta
capital. A idéia de que a busca de tal proteção é "racional"
é admitida até por analistas contrários a essa estratégia
(Eichengreen, 2004; Institute of International Finance,
2004). Alguns indicadores de vulnerabilidade externa
apresentaram uma melhora substantiva na Ásia. A
relação reservas internacionais com respeito ao volume
de importações dobrou, ao passo que quadruplicou a
relação reservas e dívida de curto prazo — proxy
destacada na literatura para identificar problemas de
liquidez em um contexto de livre mobilidade de capitais.13
É interessante notar que, desde o começo de 2002,
a moeda norte-americana chegou a perder entre 40% e
50% de seu valor, em termos nominais (entre 10% e
25% em termos reais e considerando-se as ponderações
dos fluxos de comércio), com respeito ao euro e às
moedas de outros parceiros comerciais importantes dos
EUA, como Canadá e Austrália, ao passo que as moedas
asiáticas subiram muito menos — desde a posição fixa
das moedas chinesa (até junho de 2005) e malaia,
passando pela depreciação do peso filipino, até
apreciações moderadas entre 5% e 20% nos demais
casos. O esforço oficial para evitar flutuações
significativas nas taxas de câmbio tem-se traduzido no
aumento das reservas externas, que, por sua vez, tendem
13
Para se colocar em perspectiva, em 1995, a relação reservas/
/dívida de curto prazo era de 1,7 na Ásia e de 1,4 na América
Latina (AL). Em 2003, passou, respectivamente, para 8,8 e 1,6.
A relação reservas/importações passou de 38% para 68% na
Ásia e de 51% para 48% na AL, tendo 2002 como ano de ponta
(estimativas do autor com base no Anexo Estatístico do
International Monetary Fund (2004)). O bom desempenho das
contas externas da maior parte dos países latinos em 2004
melhorou tais indicadores (Comisión Económica para America
Latina y el Caribe, 2005; World Econ. Outlook, 2005). Ainda assim,
o desempenho asiático seguiu sendo superior.
a resultar em medidas de esterilização do excesso de
crédito doméstico (Bergsten, 2004; World Bank, 2005;
BIS, 2004; 2005; Aizenman; Lee; Rhee, 2004;
Eichengreen, 2004). No caso asiático, entre 2001 e 2004,
a variação de reservas como proporção da renda atingiu
o nível médio mais elevado das últimas quatro décadas,
algo em torno de 5%, contra uma média pouco superior
a 1% no período 1970-00.14 Tal nível também não encontra
precedentes quando se compara o desempenho corrente
ou histórico de outras regiões.
As intervenções cambiais procurariam preservar a
competitividade das moedas nacionais diante do dólar
e, assim, o drive exportador que está no núcleo de suas
estratégias de desenvolvimento. Ademais, ao atrelarem,
de direito ou de fato, suas moedas ao dólar, os países
asiáticos estariam criando uma área "periférica"
estruturalmente ligada ao centro norte-americano tanto
pelos canais comerciais quanto pelos financeiros. A
analogia ao padrão dólar-ouro derivado do Acordo de
Bretton Woods tenderia a se ampliar com a incorporação
de novos países ao novo arranjo de "câmbio fixo". Isso
se daria por efeito das pressões competitivas entre os
países que adotam câmbio flutuante e apresentam forte
apreciação de suas moedas frente ao dólar, ao
renminbi — e, assim, frente à máquina exportadora
chinesa — e às demais moedas asiáticas. Com mais
países adotando a "estratégia asiática", cresceria o
espaço de financiamento dos déficits em conta corrente
dos EUA. No pós-guerra, os interesses geopolíticos teriam
determinado um certo padrão de solidariedade entre os
EUA e a Europa Ocidental e o Japão, permitindo a estes
últimos lançar mão do drive exportador por meio do
acesso ao mercado norte-americano como fonte de
crescimento. Agora tal catching-up estaria baseado no
duplo interesse da economia central (e devedora) em
preservar seu "crescimento liderado pelo consumo" (e
financiamento externo) e das economias periféricas a
ela atreladas em manter seus respectivos modelos de
"crescimento liderado pelas exportações".
14
Estimativas do autor com base nos dados de diversos World
Economic Outlook Database, disponível em: http://www.imf.org
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 85-96, dez. 2005
90
André Moreira Cunha
3 - A China e as economias
asiáticas: da crise financeira à crescente
integração
As economias asiáticas vêm demonstrando um
renovado dinamismo nesses anos que se seguiram à
crise financeira de 1997 e 1998. Após a abrupta
interrupção de uma trajetória até então sustentada de
crescimento com estabilidade econômica e avanços
significativos em áreas sociais, a maioria dos países da
região logrou experimentar uma vigorosa recuperação já
a partir de 1999, com um interregno em 2001 e 2002, em
função da retração da economia norte-americana e, por
decorrência, de um desempenho desfavorável no
mercado mundial de bens eletrônicos.
Em 1998, com a crise financeira, o PIB retraiu-se
em 13,1% na Indonésia — que precisou de quase cinco
anos para recuperar o nível de renda pré-crise —, 10,5%
na Tailândia, 7,4% na Malásia, 6,9% na Coréia e 0,6%
nas Filipinas. Desde então, voltou a se expandir em um
ritmo superior à média mundial, entre 5% e 8% em média
ao ano, dependendo do grupo de país considerado,
especialmente se há a inclusão da China. Em particular,
os anos de 2003 e 2004 marcaram não somente uma
expansão forte do produto, como também a manutenção
de resultados bastante expressivos nas contas externas.
O superávit global do balanço de pagamentos regional
chegou à casa dos US$ 200 bilhões em 2003 e a US$
312 bilhões em 2004.15 Neste ano, verificou-se um
expressivo superávit da conta capital, à qual somou-se
o resultado em conta corrente já superior a US$ 100
bilhões/ano em média nos últimos três anos (World Bank,
2005; Asian..., 2005a; Institute of Internacional Finance,
2005).
Tal desempenho externo merece uma atenção
especial, pois ele marca uma diferença fundamental do
período que antecedeu a crise financeira, refletindo,
também, o esforço de redução da vulnerabilidade externa
na região. Desde o início dos anos 90, os países asiáticos
vêm tentando lidar com as pressões oriundas de um
ambiente internacional marcado pela crescente abertura
econômica, especialmente dos mercados financeiros, e
pela recorrência de episódios de ampliação e contração
15
Estimativas do Banco Mundial (World Bank, 2005, p. 27), que
excluem o resultado de Hong Kong.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 85-96, dez. 2005
da liquidez financeira gerada nos países avançados. Em
resposta a esse fato, alguns países, como Coréia,
Indonésia, Tailândia, Malásia, ampliaram o grau de
conversibilidade de suas contas capitais desde o final
dos anos 80. Assim, até a crise, os países da região
absorveram, em média, algo entre 3% e 4% dos
respectivos produtos em poupança externa.A
contrapartida disso foram os elevados déficits em
transações correntes (Asian..., 2005a; World Bank, 2005).
Com níveis internos de poupança já elevados, a
ampliação da liquidez doméstica alimentada pelo crédito
externo gerou um boom de investimentos reais e
financeiros que contribuiu para o acúmulo de fragilidades
financeiras e reais. A inflação nos preços dos ativos
financeiros, o excesso de investimento em setores
produtivos, especialmente no complexo eletrônico (o que
contribuiu para a queda nos preços dos produtos
eletrônicos no período que antecedeu a crise), a ampliação
do endividamento do setor privado (de curto prazo e
denominado em dólares) e a redução da rentabilidade
em diversos setores produtivos compuseram o quadro
que deu margem a uma crescente vulnerabilidade,
explicitada quando da crise cambial iniciada na Tailândia
e que logo contaminou os demais países da região, com
destaque para o caso coreano, cuja estrutura econômica
era (e é) muito mais profunda e desenvolvida que a de
vários de seus vizinhos do Leste e, principalmente, do
Sudeste Asiático (Asian..., 2005a; Ann. Rep., 2004; 2005).
Entre 1997 e 2001, a região digeriu a crise ampliando
exportações, o que permitiu, salvo na retração do
mercado eletrônico, em 2001, resultados excepcionais
em transações correntes. Já na conta capital, verificou-se uma saída líquida de recursos. Verificou-se uma queda
no ritmo de expansão dos investimentos, mesmo no caso
chinês. O crescimento dependeu fortemente de políticas
fiscais e monetárias mais acomodatícias e do drive
exportador. É importante destacar-se que os superávits
em transações correntes mais do que compensaram os
déficits nos fluxos de capitais, permitindo uma persistente
recomposição dos níveis de reservas externas. A partir
de 2002, o resultado global do balanço de
pagamentos — que passou de 3,1% em 2001 para 9,3%
do PIB em 2004 — e o nível de recomposição das
reservas — que é a contrapartida contábil daquele
resultado — passaram a ocorrer de uma forma que não
encontra precedentes na história recente da economia
internacional (World Bank, 2005).
A China tem sido o motor do cada vez mais intenso
processo de integração comercial e financeira da região
asiática. Em termos mais amplos, o crescimento chinês
respondeu por um quarto da expansão do comércio
91
Mudança no regime cambial da China
mundial em 2002 e 2003 e por cerca de 15% em 2004,
um ano marcado por uma sensível recuperação da
demanda mundial. O efeito-China tem-se manifestado no
aumento da demanda internacional de commodities,16 o
que contribuiu para uma forte expansão nos preços dos
produtos agrícolas e minerais nos últimos três anos.17
Aqui, quando se toma em perspectiva o comércio intra-regional, deve-se ressaltar a complementaridade entre
a estrutura produtiva e comercial da China e a dos demais
países da região. Assim, por exemplo, no setor
agropecuário, a China é exportadora de produtos
temperados para os países da ASEAN18, enquanto
importa produtos tropicais. Esse fato vem garantindo a
viabilização do acordo de cooperação, que tem por
objetivo criar uma área de livre comércio China-ASEAN,
a ser implementada entre 2010 e 2015. Nesse processo,
foram reduzidos os impostos de importação dos produtos
primários de origem agropecuária para níveis entre 0% e
5%. O comércio nesse setor vem crescendo a um ritmo
de 15% ao ano entre tais países (World Bank, 2005).
Por outro lado, países com estruturas produtivas
mais complexas que a China, como Japão, Taiwan e
Coréia, vêm se tornando fontes importantes de
suprimento de máquinas e equipamentos, que dão
sustentação a um ritmo intenso de ampliação dos
investimentos no setor produtivo industrial. Capital e
tecnologia fluem na forma financeira — via investimento
direto externo — ou na importação de equipamentos
modernos. Somente quatro economias da região, Hong
Kong, Japão, Coréia e Taiwan, vêm respondendo por cerca
de 60% do investimento direto externo (IDE) absorvido
pela China.19 A demanda chinesa por matérias-primas e
16
Para tomar um dos exemplos mais expressivos, basta lembrar
que a China foi responsável por um quinto da demanda mundial
por produtos minerais em 2004 e que o crescimento anual de
sua demanda esteve na casa dos 16% entre 1997 e 2004, o que
representou 60% da demanda mundial (World Bank, 2005,
p. 22).
17
Entre 2001 e 2003, o preço da soja e derivados cresceu mais de
50%; em 2004, verificou-se uma tendência de queda. Já as
commodities metálicas, cujos preços se ampliaram em cerca
de 10% naquele período, atingiram um crescimento de 20% em
2004. No começo de 2005, os segmentos energia e minerais
metálicos seguiram em alta (International Monetary Fund, 2005;
Ann. Rep., 2005).
18
Association of South-East Asian Nations (Associação das
Nações do Sudeste Asiático): Indonésia, Malásia, Tailândia,
Filipinas, Cingapura, Laos, Brunei, Camboja, Vietnã e Miamar.
19
Dados de Prasad e Wei (2005, p. 41). Em 2003, por exemplo,
33% do IDE originou-se em Hong Kong; 9,4%, no Japão; 8,4%,
na Coréia; e 6,3%, em Taiwan. É importante observar que, por
equipamentos fica patente no fato de suas importações
passarem de uma média mensal de US$ 20 bilhões no
começo de 2002 para mais de US$ 50 bilhões/mês no
final de 2004, início de 2005. Para se colocar em
perspectiva, a China importa, em um mês e meio, o que
o Brasil importa em um ano. Segundo as estimativas do
Banco Mundial, entre 2002 e 2004, as importações
chinesas foram responsáveis por metade do crescimento
das exportações dos demais países da região (World
Bank, 2005, p. 17). Por outro lado, a presença cada vez
mais forte das exportações chinesas em terceiros
mercados tem-se revelado um importante desafio tanto
para os países que apresentam vantagens comparativas
semelhantes às chinesas, pela abundância relativa de
mão-de-obra barata, quanto para países como a Coréia,
que dependem sensivelmente do drive exportador em
manufaturados mais sofisticados.20
Assim, a consolidação da China como motor de
transmissão regional dos impulsos de crescimento vindos
do ocidente está configurando um novo quadro de
integração das economias asiáticas, o que, por um lado,
amplia os riscos de "efeito contágio" no caso de uma
reversão da conjuntura externa e, por outro, cria espaço
para (em um futuro que ainda não pode ser visualizado)
a emergência de um novo bloco geopolítico mais orgânico.
Há, desde a crise financeira, um esforço crescente de
institucionalização da cooperação econômica, tanto no
comércio quanto nas finanças. Medidas recentes, como
os acordos de swap da Iniciativa de Chiang Mai, os "Asian
Bond Market Initiatives" — uma série de medidas
voltadas ao aprimoramento dos mercados de capitais da
região, com o intuito de viabilizar a fixação das poupanças
na região —, e a idéia de criação de um Fundo Monetário
Asiático (inicialmente esboçada pelos japoneses em 1997
e retomada pelo Banco Asiático de Desenvolvimento em
2005), além de diversos acordos de livre-comércio, vêm
dando vida ao que se pode perceber com a busca
politicamente consciente de se ampliarem margens de
manobra para a realização de estratégias desenvolvimentistas em um novo ambiente de globalização econômica
com predomínio das finanças privadas.
ser uma praça financeira internacional, uma parcela não
desprezível do IDE de Hong Kong representa, em última
instância, capitais da própria China e de terceiros países que
fazem arbitragem regulatória com vistas à obtenção de
vantagens tributárias.
20
Rajan (2005) analisa os aspectos de complementaridade e
concorrência entre a China e os demais países da região.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 85-96, dez. 2005
92
André Moreira Cunha
4 - A mudança no regime
cambial da China e suas
possíveis implicações
No dia 21 de julho de 2005, o Banco do Povo da
China (BPoC) anunciou que o País passaria a adotar um
regime de flutuação administrada para o yuan, tendo por
base uma cesta de moedas. Abandonava-se, assim, a
política de mais de uma década de fixação do valor da
moeda chinesa em termos do dólar, com a cotação RMB
8,27 desde 1997. A partir de julho, o yuan renminbi passou
a poder flutuar 21 dentro de uma banda estreita
(inicialmente, em 0,3%). Isso pode implicar movimentos
mais largos com respeito às moedas que individualmente
compõem a cesta, como o dólar. Até agora (agosto de
2005), não foi explicitada a ponderação exata de cada
moeda naquela cesta, mas analistas de mercado
acreditam que o dólar responderá por cerca de 45%, com
o iene participando com 20%, e o euro, com 15%. Além
da participação de cada país no comércio exterior
chinês,22 também teriam sido levados em conta aspectos
financeiros, tais como o perfil da dívida externa da China
em termos de denominação monetária, bem como a
origem dos fluxos de investimento externo, que tem sido
a forma predominante de absorção de capitais (Len, 2005;
Prasad; Wei, 2005). Conforme se viu no item anterior,
tanto do ponto de vista do comércio quanto dos fluxos
financeiros, o peso de um "bloco do dólar", composto
pelos EUA e por economias que atrelam o valor de suas
moedas ao dólar, de jure ou de facto, além da participação
crescente dos países da região do Pacífico Asiático estão
na base da cesta que, aos poucos, vai sendo revelada
pelas autoridades chinesas.
Os objetivos oficiais da reforma no regime cambial
parecem dar conta de responder às pressões advindas
do Governo e do Congresso dos EUA, que, por sua vez,
faziam eco a interesses privados, financeiros e não
financeiros, em torno de uma eventual valorização da
moeda chinesa frente ao dólar. Assim, o anúncio do BPoC
21
Do final de julho de 2005 à primeira quinzena de agosto, o yuan
flutuou entre RMB 8,1128 e RMB 8,0980 por dólar, centrando-se
em 8,11 (ECONOMIC..., 2005).
22
Na média do período 2001-03, Japão e EUA participaram com
um pouco mais de 15% da corrente de comércio chinesa (que
foi de US$ 850 bilhões ou 60% do PIB em 2003), com os países
da região do euro respondendo por cerca de 10%, e a Coréia do
Sul, por 7%. Estimativas do autor com base no Asian
Development Bank Key Indicators (2004).
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 85-96, dez. 2005
fala em "(...) aprimorar o sistema de economia socialista
de mercado na China, capacitando os mercados de
desempenharem de forma plena a alocação dos recursos
(...)" (Public..., 2005) e garantir "maior flexibilidade" na
relação entre o dólar e o renminbi. Por outro lado, o BPoC
manteve o compromisso de atuar no mercado em função
de uma estratégia econômica mais ampla, o que fica
explícito quando anuncia que "(...) irá fazer ajustes na
banda cambial do RMB sempre que necessário de acordo
com os movimentos de mercado e, também, com a
situação econômica e financeira". Assim, o BPoC
considera-se responsável por "(...) manter a taxa de
câmbio do RMB basicamente estável em um nível
adaptativo e de equilíbrio, de modo a promover o equilíbrio
do balanço de pagamentos e assegurar a estabilidade
macroeconômica e financeira".
Há, nessa nova estratégia chinesa, um
reconhecimento de que os superávits em conta corrente
e na conta capital podem agravar o quadro de
desequilíbrios no comércio internacional, com um
potencial político de provocar retaliações sobre o País.
Os elevados níveis de reservas oficiais, acima dos US$
700 bilhões no final de junho de 2005, atestariam o
movimento interno de absorção dos superávits no balanço
de pagamentos e a sustentação no antigo regime de
câmbio fixo com referência no dólar. O BPoC, através do
seu porta-voz, explicitou ainda mais o contexto em que
se deu a mudança de regime e seus objetivos.
"O ajuste apropriado no nível da taxa de
câmbio do RMB ajuda na implementação de
uma estratégia de desenvolvimento
sustentável baseada na demanda doméstica
e otimiza a alocação de recursos; contribui para
aprimorar a independência da política
monetária e amplia a efetividade dos controles
e das regulamentações financeiras; ajuda a
manter o equilíbrio entre importações e
exportações e aprimora as condições de
comércio; conduz à manutenção da
estabilidade de preços e à redução dos custos
empresariais; incentiva as empresas a
alterarem seus mecanismos operacionais,
aprimorando sua própria capacidade inovativa,
acelerando as transformações nos padrões de
crescimento do comércio exterior, ampliando
a competitividade internacional e a habilidade
de lidar com os riscos; auxilia a otimizar a
utilização da estrutura de capital estrangeiro,
aprimora a eficiência no uso daquele capital;
conduz à utilização plena de recursos
domésticos e estrangeiros, nos mercados
Mudança no regime cambial da China
interno e externo, ampliando o grau de abertura
ao mundo." (PBOC..., 2005).
A opção de ligar o yuan a uma cesta de moedas,
enfatizando o caráter "gradual" e "adaptativo" do novo
sistema, parece revelar a preocupação do Governo chinês
em equilibrar tensões que são contraditórias. No front
externo, a pressão pela valorização do yuan frente ao
dólar manifesta-se no plano comercial, especialmente
nas ameaças de retaliações protecionistas dos EUA.
Ademais, os influxos crescentes de capitais de curto
prazo posicionados nos mercados futuros em torno de
apostas em um yuan forte vêm adicionando um elemento
especulativo ao processo corrente de ajuste cambial. Era
crescente o descolamento entre a antiga cotação oficial
do RMB e o seu valor nos mercados futuros. Por outro
lado, no plano interno, havia de se compatibilizar um
eventual fortalecimento da moeda doméstica com o
equilíbrio do sistema financeiro. Nos últimos anos, os
bancos chineses foram capitalizados com ativos
financeiros denominados em dólares. Com isso, uma
valorização do yuan nos níveis desejados em Washington
e Wall Street — algo entre 10% e 20% — poderia causar
um profundo desequilíbrio patrimonial nos bancos
chineses, com efeitos potencialmente desestabilizadores
sobre o sistema financeiro, em particular, e o conjunto
da economia, em uma perspectiva mais geral. Os
exemplos recentes da crise financeira japonesa e de
outros países asiáticos, como Coréia, Indonésia e
Tailândia, parecem assombrar os líderes da tecnocracia
econômica chinesa.23
É importante lembrar que praticamente toda a
intermediação financeira na China se dá através do
sistema bancário. Em meados de 2005, os empréstimos
bancários equivaliam a 145% do PIB; e os depósitos, a
190% do PIB. Para se colocar em perspectiva, o mercado
de títulos de dívida tem uma proporção muito menor,
20% do PIB, e é praticamente dominado por títulos
públicos. Roubini e Setser (2005) apontam a elevada
inadimplência no setor bancário, estimando a existência
de empréstimos problemáticos, que podem oscilar entre
30% do PIB (US$ 570 bilhões) e 50% do PIB (US$ 770
bilhões). Nesse contexto, uma crise bancária teria efeitos
profundamente desestabilizadores sobre a economia.
Desde 2003, o BPoC capitalizou em US$ 60 bilhões três
dos quatro principais bancos comerciais estatais — o
Banco da Construção, o Banco da China e o Banco
23
Uma análise detalhada dos riscos envolvidos na (então possível)
valorização do yuan sobre o sistema financeiro chinês pode ser
encontrada em Roubini e Setser (2005c).
93
Comercial e Industrial da China. É bem provável que
aquele montante tenha sido insuficiente para garantir a
solvência do núcleo duro do sistema bancário. Ademais,
a capitalização deu-se com base em ativos denominados
em dólares, transferidos das reservas internacionais, o
que faz com que o fortalecimento do yuan gere perdas
de capital. Quanto maiores os movimentos de valorização,
maiores as perdas no potencial de capitalização do
sistema bancário.
Há, também, uma clara preocupação em estabelecer
um padrão de crescimento "sustentável", o que se
traduziu no esforço, iniciado em 2003, de frear a expansão
dos investimentos industriais, que vêm se situando em
níveis superiores a 40% ao ano. Tal ritmo gera pressões
sobre a infra-estrutura dos principais centros industriais,
com impactos adicionais sobre: o meio ambiente, os
preços de commodities industriais e a capacidade de
gestão política do sucesso econômico, para citar algumas
áreas enfatizadas pelos policymakers chineses (Roubini;
Setser, 2005c). Uma certa flexibilidade cambial ampliaria
a autonomia da política monetária, e a valorização
controlada do yuan permitiria reduzir potenciais pressões
inflacionárias e ampliar, gradualmente, a participação do
consumo doméstico como fonte de crescimento da
demanda.
Além disso, ao se retomar o tema dos desequilíbrios
de pagamentos na economia internacional, explorado no
item 2 do presente trabalho, é possível especular sobre
alguns possíveis desdobramentos da mudança no regime
cambial chinês. No curto prazo, a ênfase no ajuste
"gradual" e "adaptativo" do câmbio chinês parece afastar
do horizonte uma valorização mais significativa do yuan
frente ao dólar. Se isso é verdade, não parece razoável
imaginar-se uma reversão dos déficits comerciais norte-americanos por essa via. No cálculo estratégico da China,
teme-se uma valorização excessiva ou "descontrolada"
do yuan, que poderia provocar significativos
desequilíbrios patrimoniais no seu sistema financeiro.
Já em um horizonte de médio e longo prazos, há
desdobramentos adicionais que devem ser considerados
com maior atenção. Com uma ligação menos rígida entre
o yuan e o dólar, o BPoC poderá ter menos incentivos
para manter o ritmo atual de aquisição de ativos emitidos
nos EUA para a composição de suas reservas. Em tese,
quanto mais flexível for um regime cambial, mais os
ajustes nos fluxos de divisas se dão por mudanças na
taxa de câmbio em detrimento de alterações nos níveis
de reservas. Tal cenário pode gerar um afrouxamento —
mesmo que parcial — na atual simbiose entre as
economias norte-americana e chinesa e que está na base
da tese otimista de Dooley, Folkerts-Landau e Garber
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 85-96, dez. 2005
94
(2003), onde os déficits externos dos EUA poderiam ser
facilmente financiados pelos bancos centrais da Ásia.
Não que desapareça o interesse desenvolvimentista da
China e das demais economias asiáticas em garantir o
crescimento baseado no consumo (e no endividamento)
dos EUA. Mas, sim, porque uma eventual redução no
ritmo de aquisição asiática de ativos denominados em
dólares, especialmente de dívida pública, poderá
contaminar os mercados de dívida, o que poderia levar
a: (a) uma elevação mais intensa dos juros longos; e/ou
(b) um ajuste fiscal mais forte, capaz de sinalizar para a
solvência dos papéis governamentais dos EUA.
A hipótese anterior ampliaria a possibilidade de uma
reversão no quadro atual de expansão na demanda
agregada dos EUA, com efeitos potencialmente
contracionistas sobre a economia internacional. O
elevado nível de endividamento de famílias, empresas e
governos nos EUA (Papadimitriou et al., 2005) torna a
sua economia significativamente sensível a mudanças
abruptas no arranjo corrente de juros baixos e
expansionismo fiscal. Ainda que o crescimento da
economia chinesa e o yuan forte possam, no futuro,
ampliar (ainda mais) o papel da China como fonte global
de demanda, a possibilidade de uma retração mais
intensa da economia norte-americana seguirá ditando os
humores dos mercados financeiros e o potencial de
crescimento da economia mundial.
5 - Considerações finais
A recente mudança no regime cambial chinês
parece ser um movimento tático da China em seu esforço
estratégico de manter uma bem-sucedida trajetória de
modernização e crescimento econômico. Expandindo-se
em um ritmo anual de 9% no último quarto de século, o
País defrontou-se, no período recente, com a necessidade
de administrar tensões externas e internas
aparentemente contraditórias. As pressões em torno da
valorização do yuan vinham tanto dos interesses
comerciais de quem via na sua política cambial uma fonte
adicional de vantagens competitivas, quanto dos
interesses financeiros dos que estão apostando, nos
mercados futuros, em um yuan forte. Ademais, parte
significativa do establishment oficial e privado norte-americano passou a canalizar para o "problema chinês"
os desconfortos causados pela dimensão externa dos
déficits gêmeos, o que eximia a atual administração
republicana (no Tesouro) e greenspaniana (no FED) de
qualquer culpa pela "bolha" consumista e pela
especulação em diversos segmentos dos mercados de
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 85-96, dez. 2005
André Moreira Cunha
ativos, especialmente em imóveis. No plano interno, uma
valorização traria benefícios potenciais na gestão
macroeconômica chinesa, ao ampliar a autonomia da
política monetária e criar espaço para o desenvolvimento
dos mercados financeiros, mais especificamente, dos
instrumentos de hedge cambial. Pesando no sentido
contrário, estaria o temor de se gerarem desequilíbrios
patrimoniais nos bancos, além de uma maior abertura
para a tomada de posições especulativas na esfera
financeira.
A China optou por um modelo "gradual" e
"adaptativo" de ajuste no yuan. Ainda que a nova política
já tenha sido tornada pública, sua gestão cotidiana e
detalhes operacionais ainda estão por serem descobertos
e "testados", tanto pelos operadores de mercado quanto
pelos analistas preocupados com os impactos das
políticas chinesas sobre a economia internacional. No
bojo do novo arranjo cambial, a valorização de 2% do
yuan frente ao dólar surge como um sinal de "boa vontade"
diante das pressões externas. Explorou-se, neste artigo,
o fato de que os desequilíbrios correntes nos pagamentos
internacionais vêm sendo amortecidos pela política de
aquisição de ativos denominados em dólares, realizada
pelos bancos centrais asiáticos, com destaque para o
Banco do Povo da China. A mudança no regime cambial
chinês introduz, no horizonte de médio e longo prazos, a
possibilidade de tal arranjo perder vitalidade. Se tal
hipótese se verificar, tende a crescer a possibilidade de
os EUA terem de ajustar seus desequilíbrios externo e
fiscal mediante a elevação do nível de poupança
interna — pública e privada —, o que colocaria em xeque
o padrão corrente de crescimento liderado pelo consumo
e pelo endividamento. Ainda é prematuro afirmar que tal
desdobramento é inexorável. Todavia a China está
movendo, de forma mais explícita, suas peças no xadrez
geopolítico e geoeconômico internacional. Não se pode
deixar de ficar atento a tais movimentos, cujas
repercussões tendem a transbordar cada vez mais para
fora da própria China e de seu entorno, atingindo os mais
distintos mercados — de mercadorias e financeiros —
dos países centrais e periféricos.
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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 85-96, dez. 2005
André Moreira Cunha
97
A determinação da taxa de juros em uma economia sob metas para inflação: o caso brasileiro
A determinação da taxa de juros em uma economia
sob metas para inflação: o caso brasileiro
Helder Ferreira de Mendonça
Lucas Lautert Dezordi
Marcelo Luiz Curado
Professor do Departamento de Economia da UFF
e Pesquisador do CNPq.
Mestre em Economia pela UFPR e Professor do Departamento
de Economia da FAE Business School.
Professor do Departamento de Economia da UFPR.
Resumo
A resposta da taxa de juros ao processo inflacionário e ao hiato do produto
é o principal desafio para a condução da política monetária sob um regime
de metas para inflação. Com o objetivo de avaliar a adequabilidade da
adoção da regra de Taylor (RT) original para a determinação da taxa de
juros básica da economia brasileira, foi calculada a taxa de juros, com
base nessa regra, para o período posterior à introdução do regime
monetário supracitado. Ademais, foi estimada a influência do desvio da
inflação em relação à meta, do hiato do produto, da Selic defasada e do
Risco-País sobre a taxa Selic. Os resultados obtidos sugerem que a taxa
Selic nem se encontra em um patamar capaz de fazer com que as metas
para inflação determinadas sejam alcançadas, nem é capaz de obter
uma taxa de desemprego compatível com o produto potencial.
Palavras-chave:
inflação; taxa de juros; regra de Taylor.
Abstract
The response of the interest rate to both the gap between the inflation
rate and a given target for inflation, and the gap between real GDP and
potential real GDP is the main challenge under inflation targeting. With the
aim of evaluating the adequacy of the adoption of the original Taylor’s rule
in the determination of the basic Brazilian interest rate, the interest rate
was calculated, based on this rule, after the implementation of the
above-mentioned monetary regime. Furthermore, the influences of the
departure of inflation from its target, of the output gap, of the Selic lagged,
and of the country-risk, over the Selic rate were estimated. The findings
denote that the Selic rate has neither an adequate level for leading to the
achievement of the inflation targets nor is capable of maintaining the
unemployment rate compatible with potential output.
Artigo recebido em 10 out. 2005.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005
98
Helder Ferreira de Mendonça; Lucas Lautert Dezordi; Marcelo Luiz Curado
1 - Introdução
Do ponto de vista macroeconômico, a política
econômica pode ser dividida em dois instrumentos
básicos: a política monetária e a fiscal.1 Ao longo das
décadas de 80 e 90, a maioria das nações passou a
concentrar-se na busca da estabilidade de preços. A
principal estrutura utilizada para a consecução desse
objetivo tem sido a separação da função monetária de
outras instituições fiscais do Governo. Os motivos que
levaram à mudança na condução da política monetária
se devem aos choques de oferta ocorridos nos anos 70
e ao rompimento com o paradigma keynesiano tradicional
para a condução da política econômica.
Em resposta às transformações observadas nos
anos 70, houve o desenvolvimento do debate regras
versus discrição. A antiga literatura sobre o assunto
considerava, na análise, as intenções e a capacidade do
responsável pela condução da política. Argumentos
favoráveis ao uso de regras tinham por base o
conhecimento imperfeito dos agentes sobre a economia
e a tendência de as autoridades políticas conduzirem a
política econômica para fins inadequados do ponto de
vista do bem-estar social. Essa visão sobre regras ou
discrição sofreu uma mudança significativa a partir do
estudo feito por Kydland e Prescott (1977). Desde então,
as regras passaram a ser consideradas uma tecnologia
de compromisso capaz de evitar a manifestação do
problema de inconsistência temporal. Nos anos 80, esse
tema para análise da política econômica recebeu novo
impulso com a proposta feita por Rogoff (1985), na qual
a condução da política monetária deveria ser feita por
um banco central independente e conservador.
Com a consolidação do argumento de que o banco
central deve ter independência operacional e de que o
seu objetivo deve ser a busca da estabilidade de preços,
o regime de metas para inflação tornou-se uma estratégia
adotada por diversos países para a condução da política
monetária desde o início dos anos 90. 2 Como
conseqüência de o objetivo final da condução da política
monetária estar focado na busca da estabilidade de
preços, a taxa de juros tornou-se a meta intermediária
do banco central.3
É reconhecido que a taxa de juros representa o
instrumento mais importante à disposição da autoridade
monetária para o combate à inflação. Todavia uma taxa
de juros muito elevada pode prejudicar o equilíbrio fiscal
devido à incidência da mesma sobre o estoque da dívida
pública, implicando déficits cada vez mais elevados.
Portanto, há limitações para o uso da taxa de juros na
tentativa de estabilizar a inflação. Um outro ponto a ser
considerado é que não é adequada uma taxa de juros
baixa resultante de uma passividade monetária, pois há
o risco de se colocar a economia em uma rota de aumento
do endividamento público e de aceleração inflacionária.
Em suma, para estabilizar a razão dívida/PIB e a taxa
de inflação, é preciso um esforço para o alcance de uma
disciplina fiscal concomitante ao combate à inflação.
Desde junho de 1999, devido à introdução do regime
de metas para inflação no Brasil, a taxa de juros tornou-se uma variável proeminente para análise da condução
da política econômica.4 Com o objetivo de se avaliar a
adequabilidade da adoção da regra de Taylor (RT) original
para a determinação da taxa de juros básica da economia
brasileira, foi calculada a taxa de juros, com base nessa
regra, para o período posterior à introdução do regime
sobredito. Ademais, foi estimada a influência do desvio
da inflação em relação à meta, do hiato do produto, da
Selic defasada e do Risco-País sobre a taxa Selic. Além
desta Introdução, o artigo está organizado da seguinte
forma. A segunda seção apresenta, brevemente, a
estrutura utilizada pelo Banco Central do Brasil (Bacen)
para a definição da taxa de juros básica da economia e a
proposta feita por Taylor (1993). A terceira seção apresenta
a evolução da taxa de juros brasileira no período posterior
à introdução do regime de metas para inflação, com base
3
1
É importante ressaltar-se que a análise desenvolvida neste artigo
se concentra no estudo da política monetária. Além disso, a
divisão mencionada não significa, por parte dos autores, que há
uma negação aos instrumentos microeconômicos, tais como
política comercial, estrutura de impostos, etc.
2
De forma diferente de simples regras políticas, as metas para
inflação permitem ao banco central levar em conta todas as
informações relevantes na escolha da ação política mais
adequada para a obtenção da meta. Ademais, há a possibilidade
do uso de políticas discricionárias sem levar à perda de
credibilidade. Ou seja, o regime de metas inflacionárias deve ser
entendido como um caso onde há discrição limitada.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005
4
Deve-se ressaltar que a escolha da meta intermediária pelo
banco central deve levar em conta três características
fundamentais: (a) ela deve ser mensurável; (b) o banco central
deve possuir controle sobre a mesma; e (c) deve haver um
efeito previsível sobre o objetivo. Dado que um banco central
pode determinar a taxa de juros, ainda que não tenha controle
perfeito sobre a oferta de moeda, isso implica que o seu uso é
mais conveniente do que os agregados monetários.
Existem diversas taxas de juros na economia — taxas de poupança, taxas de empréstimo, taxas de financiamento,
etc. —, que são classificadas, de acordo com o prazo, como
curto, médio e longo termo. É importante ressaltar que o banco
central possui controle direto apenas sobre a taxa de juros do
mercado de reservas bancárias.
A determinação da taxa de juros em uma economia sob metas para inflação: o caso brasileiro
na regra de Taylor original, e a importância do Risco-País
para a análise da taxa de juros. A quarta seção apresenta
algumas evidências empíricas para se avaliar a
determinação da Selic. Por último, é apresentada a
conclusão do artigo.
2 - A determinação da taxa
de juros e a regra de
Taylor
O principal instrumento à disposição do Bacen para
a condução da política monetária é a taxa de juros do
mercado de reservas bancárias (taxa Selic). A
importância da definição da taxa de juros pelo Bacen é a
capacidade que essa variável possui para influenciar o
comportamento do nível de preços e a atividade da
economia. Também se deve ressaltar que é por meio da
taxa Selic que as demais taxas, por arbitragem, são
determinadas.
Desde junho de 1996, as diretrizes da política
monetária e a definição da taxa Selic têm sido um encargo
do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco
Central do Brasil.5 O principal objetivo da criação do
Comitê foi a tentativa de aumentar a transparência para
a definição da taxa de juros.6 Esse é um ponto que
merece atenção, porque a necessidade do aumento da
transparência na condução da política monetária se tem
constituído em um dos principais argumentos favoráveis
à adoção de metas inflacionárias.7 O argumento central
é que, na maioria dos países que utilizam o sistema de
metas para inflação, a transparência se torna maior,
5
A taxa de juros fixada na reunião do Copom é a meta para a taxa
Selic (taxa média dos financiamentos diários, com lastro em
títulos federais, apurados no Sistema Especial de Liquidação e
Custódia), a qual vigora por todo o período entre reuniões
ordinárias do Comitê.
6
O Copom teve como referência o Federal Open Market
Committee (FOMC), do Banco Central dos Estados Unidos, e o
Central Bank Council, do Banco Central da Alemanha.
7
O caso mais formalizado para a transparência das ações de um
banco central é o da Nova Zelândia. Neste país, o Governo tem
o direito de demitir o presidente de seu banco central, caso a
inflação se desvie em 25% da taxa anunciada. Exemplo de
benefícios oriundos de maior transparência das ações de bancos
centrais podem ser ilustradas com os casos do Canadá e da
Inglaterra. Para uma análise detalhada sobre esses países, ver
Mishkin e Posen (1997).
99
devido ao anúncio de uma meta explícita e ao aumento
da comunicação entre a autoridade monetária e o público.8
O regulamento do Copom sofreu uma série de
alterações ao longo do tempo, visando ao aperfeiçoamento do processo decisório em relação à taxa de juros
e para adequar-se às mudanças de regime monetário.
Dentre as principais mudanças efetuadas, merece
destaque a introdução do regime de metas para inflação.
Desde então, as decisões do Copom passaram a ter como
objetivo cumprir as metas para inflação definidas pelo
Conselho Monetário Nacional. No caso de as metas não
serem alcançadas, o Presidente do Bacen deve explicar
os motivos do descumprimento ao Ministro da Fazenda
e anunciar as medidas tomadas para que a inflação se
situe dentro dos limites estabelecidos. Em suma, são
três os objetivos do Copom: (a) implementar a política
monetária; (b) definir a meta da taxa Selic e seu eventual
viés;9 e (c) analisar o relatório de inflação.
De acordo com o Bacen, a taxa de juros básica da
economia tem sido definida com o objetivo de alcançar a
meta anual de inflação. Conforme pode ser observado
por meio da Figura 1, verifica-se que há uma elevada
correlação (0,86) entre a Selic e a taxa de inflação no
período posterior à introdução do regime de metas para
inflação. Essa constatação sugere que o comportamento
da inflação tem sido a principal variável levada em
consideração para a definição da taxa de juros.
Um teste de causalidade de Granger confirma a
intuição presente na Figura 1. A Tabela 1 apresenta o resultado de um teste de causalidade de Granger entre a
inflação (medida pelo IPCA) e a taxa Selic, entre julho
de 1999 e dezembro de 2003, para uma defasagem. De
acordo com o teste de Granger efetuado, observa-se que
há uma relação recíproca de “causalidade” entre a inflação
e a Selic. A probabilidade de a inflação não causar, no
sentido de Granger, Selic (e vice-versa) é menor do que
1%.
Não obstante, a taxa de juros no modelo estrutural
utilizado pelo Bacen durante o regime de metas para
inflação considera três possibilidades para a adoção de
uma regra para condução da política monetária: (a) uma
trajetória exógena para a taxa de juros; (b) a possibilidade
de a taxa de juros responder ao hiato do produto e ao
desvio da inflação em relação à meta (uma regra de
8
Uma boa resenha da literatura sobre a transparência da política
monetária encontra-se em Geraats (2002).
9
O viés representa uma prerrogativa concedida ao Presidente do
Bacen para alterar, na direção do viés, a meta para a taxa Selic,
a qualquer momento entre as reuniões ordinárias.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005
100
Taylor); e (c) uma regra de reação ótima, calculada de
forma determinística ou estocástica.10
O segundo ponto supracitado tem sido objeto de
intensa pesquisa acadêmica desde a proposta elaborada
por Taylor (1993). Judd e Rudebusch (1998) apresentam,
de forma sumária, os motivos que despertaram o
interesse na análise da regra para a definição da taxa de
juros.
“(...) a regra de Taylor original ajusta-se
razoavelmente bem à taxa de juros no período
Greenspan. O R2, para o período, é de 87%
referente à taxa de juros nominal trimestral em
nível e de 52% para variações trimestrais. Os
argumentos na regra — inflação e hiato do
PIB — aproximadamente correspondem às
metas definidas para a política monetária nos
EUA — preços estáveis e pleno emprego
(tradução nossa).” (Judd; Rudebusch, 1998,
p. 5-6).11
O elemento fundamental da análise diz respeito ao
horizonte para a ação da política monetária. A grande
maioria dos economistas acredita na ineficácia da política
monetária para afetar variáveis reais no longo prazo
(crescimento do produto, nível de emprego, etc.).
Entretanto, no curto prazo, a autoridade monetária não
deve negligenciar a estabilização do emprego ou os
efeitos sobre a economia oriundos da condução da política
monetária na busca da estabilidade de preços. A
justificativa para que o banco central tenha esse
procedimento é resultado da observação de que o
comportamento da inflação se deve, em alguma medida,
ao efeito da taxa de juros sobre o emprego e a atividade
real.
A proposta de Taylor estabelece uma regra simples
para a determinação da taxa de juros, que leva em
consideração quatro fatores básicos: (a) a inflação; (b) a
taxa de juros real de equilíbrio; (c) a diferença entre a
inflação observada e a meta; e (d) o hiato entre o produto
efetivo e o potencial. Os dois primeiros fatores servem
10
11
De acordo com os resultados encontrados por Freitas e Muinhos
(2001), regras do tipo Taylor podem ter um desempenho tão
satisfatório quanto o das regras ótimas. O ponto principal para
que esse resultado seja obtido é a escolha adequada dos
parâmetros às preferências do banco central.
“(...) the original Taylor rule fits reasonably well to the actual funds
rate during the Greenspan period. The R2 for the period is 87
percent for quarterly levels of the nominal funds rate, and 52
percent for quarterly changes. The arguments in the rule —
inflation and the GDP gap — roughly correspond with goals
legislated for US monetary policy — stable prices and full
employment.” (Judd; Rudebusch, 1998, p. 5-6).
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005
Helder Ferreira de Mendonça; Lucas Lautert Dezordi; Marcelo Luiz Curado
de referência para o caso em que a economia se encontra
funcionando no nível potencial e revelam a hipótese
implícita do uso de uma taxa de juros real constante.12
Os fatores subseqüentes da regra de Taylor representam
os objetivos da política monetária, sendo que os
parâmetros de ajuste se referem ao trade-off de curto
prazo entre a inflação e o produto. O terceiro fator indica
um aumento (ou uma queda) da taxa de juros, quando a
inflação se encontra acima (ou abaixo) da meta. De forma
análoga, o quarto fator indica que, no caso de uma
diferença positiva (ou negativa) entre o produto efetivo e
o produto potencial, deve haver um aumento (ou uma
queda) na taxa de juros (Kozicki, 1999). Ou seja, de acordo
com a proposta original de Taylor (1993), a taxa básica
de juros seria obtida por meio da equação (1).
it = pt + r* + g(yt) + h(pt - p*)
(1)
onde
i = taxa básica de juros nominais;
r* = taxa real de juros de equilíbrio;
π = taxa média da inflação dos últimos quatro trimestres (deflator do PIB);
π* = meta da taxa de inflação; e
y = hiato do produto (100 . (PIB real - PIB potencial) ÷ PIB potencial).13
Taylor (1993, 1998) sugere que os pesos dados pela
autoridade monetária aos desvios da inflação (h) e do
produto (g), para a determinação da taxa de juros,
correspondam a 0,5. Além disso, é assumido que a taxa
de juros real e a meta para a inflação são ambas iguais a
2%. Ou seja, a taxa de juros real será igual a 2%, quando
a inflação for de 2% e não houver divergência entre o
PIB real e o PIB potencial. Também é observado que,
para cada ponto percentual de inflação ou do PIB acima
(ou abaixo) de 2%, a taxa básica de juros aumenta (ou
diminui) 0,5%. Uma importante observação feita por Taylor,
em relação à sua regra, refere-se à ausência da taxa de
câmbio para a definição da taxa de juros. Conforme
salientado pelo autor em consideração, o fato de a taxa
12
Deve-se ressaltar que a taxa de juros real desempenha papel
relevante na formulação da política monetária. Embora a taxa de
juros nominal seja a variável de ajuste da autoridade monetária,
é a taxa de juros real que afeta o lado real da economia.
13
Taylor (1993) utilizou uma tendência linear do logaritmo do PIB
real, com base no período compreendido entre 1984 (primeiro
trimestre) e 1992 (terceiro trimestre), como proxy para o produto
potencial.
101
A determinação da taxa de juros em uma economia sob metas para inflação: o caso brasileiro
de juros responder ao hiato do produto e à meta de
inflação revela uma importante reação indireta à taxa de
câmbio.
Considerando-se um regime de metas para inflação,
a equação (1) pode mostrar-se útil como um guia
normativo para a condução da política monetária e,
conseqüentemente, para a decisão de aumentar ou
diminuir a taxa de juros de curto prazo. É importante
destacar que o coeficiente da inclinação da inflação na
equação (1) é dado por 1 + h. Assim, a resposta da taxa
de juros em relação ao produto é capturada pelo
parâmetro g, enquanto aquela relativa à inflação é dada
por 1 + h. Também deve ser ressaltado que os valores
de g e 1 + h dependem do regime de política monetária
adotado pelo banco central, mas a probabilidade de os
valores serem positivos é alta. Simulações de diferentes
modelos econômicos indicam que o coeficiente h não
deve ser negativo, uma vez que isso implicaria um valor
de 1 + h menor do que 1, levando a uma queda
significativa da taxa de juros real e a um aumento
considerável no caso de uma queda da inflação.
Figura 1
Inflação versus taxa Selic no Brasil — jul./99-dez./03
27 Selic
Taxa
24
21
18
15
12
9
6
3
Fonte: Estimações dos autores.
Inflação
0
0
3
6
9
12
15
18
FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE.
Bacen.
NOTA: Inflação medida pelo IPCA.
Tabela 1
Teste de precedência temporal de Granger para a taxa Selic e a inflação no Brasil — jul./99-dez./03
HIPÓTESE NULA
NÚMERO DE
OBSERVAÇÕES
ESTATÍSTICA-F
PROBABILIDADE
Selic não Granger causa inflação ...........................
Inflação não Granger causa Selic ...........................
53
53
91,74600
6,79531
6,7E-13
0,01201
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Bacen.
IBGE.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005
102
3 - A obtenção da taxa de
juros brasileira por meio
da utilização da regra de
Taylor original
Conforme foi destacado na seção anterior, a
determinação da taxa de juros representa o mais
importante instrumento operacional do Bacen para a
consecução das metas para inflação. Ainda que a taxa
de juros seja um instrumento eficiente para o combate à
inflação, é forçoso reconhecer que uma taxa de juros
elevada implica efeitos negativos sobre o produto, que
podem ser compreendidos como um aumento do custo
social. A Figura 2 mostra a trajetória da taxa Selic durante
o regime de metas para inflação. Observa-se que, mesmo
que se exclua o ano de 2003 da análise,14 a taxa de juros
se situou dentro da faixa de 15% a 19% (ver área definida
pelas linhas pontilhadas na Figura 2). Logo, pode-se
afirmar que, depois de transcorridos quatro anos e meio
da adoção do regime de metas para inflação, a taxa de
juros não atingiu um nível que pudesse, de forma
concomitante, conduzir a inflação para o alcance das
metas estabelecidas e/ou estimular a atividade
econômica.15
Diante da imperícia do Banco Central para o alcance
das metas para inflação e estímulo ao crescimento
econômico no período recente, uma importante análise
a ser feita consiste em verificar se a utilização de uma
regra do tipo Taylor (o mais próximo possível da original)
seria mais eficiente para a definição da taxa de juros
(mesma taxa de inflação e taxas de juros mais baixas).
Deve-se ressaltar que, de acordo com a teoria
econômica, uma economia que possui mobilidade de
capitais e um regime de câmbio flexível permite a ação
de uma política monetária ativa. Ou seja, o Banco Central
tem a capacidade de determinar a taxa de juros. A regra
de Taylor sugerida por Bogdanski, Tombini e Werlang
14
Período marcado pela necessidade de o novo governo federal
acomodar a instabilidade gerada na expectativa dos agentes
econômicos sobre a condução da política econômica durante o
processo de eleição presidencial.
15
Com exceção de 1999 e 2000, as metas para inflação dos anos
subseqüentes foram descumpridas. Cabe destacar que, na
análise da condução da política monetária com base nas atas
do Copom e nos relatórios de inflação, não foi encontrado nenhum
indício significativo que mostrasse uma preocupação do Bacen
em conduzir a política monetária com objetivo de estabilizar o
produto real.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005
Helder Ferreira de Mendonça; Lucas Lautert Dezordi; Marcelo Luiz Curado
(2000), trabalho que serve como referência para análise
do regime de metas para inflação implementado no Brasil,
é a seguinte:
it = (1 – ë)it-1 + ë(α1(ðt – ð*) + α2yt + α3)
(2)
onde
ðt = log da inflação;
ð* = log da meta de inflação;
yt = hiato do produto; e
it = log da taxa de juros.
De acordo com os mesmos autores, “(...) quando
ë = 1, isso é equivalente à regra de Taylor padrão; embora
quando ë å (Q1), essa é uma regra de Taylor com
suavização da taxa de juros (tradução nossa)” 16
(Bogdanski; Tombini; Werlang, 2000, p. 15). Essa afirmação
merece uma reflexão. Não é verdade que, se ë for igual
1, se obtém a regra de Taylor padrão. O fato de o primeiro
termo da equação ser eliminado quando ë é igual 1 não é
suficiente para capturar a essência da proposta de Taylor
(1993, 1998). Conforme apresentado na seção anterior, a
regra de Taylor original considera uma taxa de juros real
de equilíbrio adicionada à taxa de inflação, o que, por
conseguinte, não é equivalente à constante α3, utilizada
na equação (2). Ademais, o fato de considerar, na
equação sobredita, a taxa de juros defasada implica a
possibilidade de haver uma inércia para a taxa de juros
que prejudica uma possível redução.
Diante das divergências apontadas, decidiu-se pelo
uso da regra de Taylor original para a obtenção da taxa
de juros no período posterior à introdução do regime de
metas para a inflação (jul./99-dez./03). Destarte, tomando-se como referência a equação (2), as seguintes séries
foram utilizadas:
a) taxa de juros nominal (it) - é utilizada a taxa de
juros básica da economia (Selic) com
periodicidade mensal divulgada pelo Bacen;
b) taxa de juros real (r*) - taxa de juros Selic deflacionada pelo IPCA (divulgado pelo IBGE);17
c) hiato do produto (yt) - são utilizados os dados
divulgados pelo IBGE sobre a produção industrial
16
“(…) when ë=1 , this is equivalent to a standard Taylor rule, while
when ë ∈ (0,1) this is a Taylor rule with interest rate
smoothing.” (Bogdanski; Tombini; Werlang, 2000, p. 15).
17
A variável inflação esperada foi obtida por meio de informação
divulgada pelo Bacen sobre as expectativas de mercado para a
inflação.
A determinação da taxa de juros em uma economia sob metas para inflação: o caso brasileiro
em razão da periodicidade mensal. A série do
hiato do produto é obtida a partir da diferença
entre o valor observado para o produto e o produto
potencial. O produto potencial (tendência) é
calculado por meio da aplicação do filtro de
Hodrick-Prescott;18
d) inflação (πt) - média (geométrica) da inflação dos
últimos 12 meses, medida pelo IPCA.
A Figura 3 mostra a evolução da taxa Selic e da
taxa de juros obtida pela regra de Taylor. A trajetória das
duas taxas permite observar que, ao longo de quase todo
o período, a taxa Selic se situou abaixo da RT. Esse
resultado não chega a ser surpreendente. Deve-se
ressaltar que a RT tem como principais variáveis para
explicar sua flutuação tanto os desvios da inflação em
relação à meta quanto os desvios do produto efetivo em
relação ao potencial. Dado que, desde 2000, as metas
para inflação não são alcançadas pelo Bacen, é natural
que um valor de (πt - π*) > 0 contribua para uma elevação/
/manutenção da taxa de juros. Além disso, observa-se
que, ao longo do período, o hiato do produto apresentou
oscilações que não justificam uma redução da RT. Logo,
observa-se que os dois motivos mencionados
representam dois aspectos fundamentais que justificam
a tendência de aumento da taxa de juros capturada pela
RT.
A observação acima não significa que a RT seja
adequada para definir a taxa de juros básica da economia
brasileira ao longo do período em consideração. Ao
contrário, a manutenção da taxa de juros em um patamar
elevado tem conseqüências importantes para a
economia. Além do conhecido argumento keynesiano de
que uma taxa de juros acima do necessário provoca um
efeito perverso sobre o produto, devido à queda no nível
de investimento,19 uma importante observação prática
para o impacto dos juros sobre a economia brasileira diz
respeito às suas conseqüências sobre a dívida pública.
Essa ponderação se justifica pelo fato de que o principal
indexador da dívida é a taxa Selic.20 Logo, a manutenção
18
O método de Hodrick-Prescott para suavização de uma série é
muito empregado por macroeconomistas, para estimar a
tendência de longo prazo de uma série. A metodologia para a
obtenção do hiato do produto é a mesma que foi aplicada por
Gonçalves (2001).
19
A justificativa para a queda no nível de investimento deve-se ao
fato de que o retorno real proveniente dos juros se torna superior
à eficiência marginal do capital em parte da economia.
20
Atualmente, a taxa Selic é responsável por mais de 60% da
indexação da dívida pública.
103
da taxa de juros em um patamar inadequado provoca um
aumento desnecessário na razão dívida pública/PIB.
Uma conseqüência do aumento da dívida pública
provocada por uma taxa de juros elevada é a criação de
uma rigidez para a queda na própria taxa de juros, devido
a duas razões básicas: (a) aumento do risco de
insolvência do Governo — os investidores preferem
transferir-se para outros mercados, provocando uma
desvalorização cambial, o que, por conseguinte,
pressiona para uma alta da inflação —; e (b) necessidade
de aumento da carga tributária — o Governo aumenta a
alíquota dos impostos, ou cria novas contribuições, para
evitar que a dívida pública entre em uma rota explosiva.
O resultado desse procedimento é um encarecimento no
custo de produção das empresas, que tende a ser
repassado para os seus preços.
Vale ressaltar que a regra sugerida por Taylor (1993)
foi elaborada para análise da economia norte-americana,
o que, por sua vez, justifica a desnecessidade de
apresentar elementos que capturem modificações, no
cenário internacional, capazes de influenciar a definição
da taxa de juros. Como o Brasil não representa o caso
de uma grande economia e ainda pelo fato de a taxa de
juros no período posterior ao Real ter sido fixada com
base no desequilíbrio externo e não no nível de atividades,
é necessário considerar alguma outra variável, além
daquelas presentes na regra de Taylor, que seja um
indicador representativo de modificações da conjuntura
internacional.
Com o objetivo de observar se há alguma
associação entre as mudanças no cenário internacional
e a determinação da taxa de juros, foi considerado o
Risco-País (EMBI+) para análise.21 A idéia para considerar
a diferença entre a taxa de juros doméstica e a dos títulos
do Governo norte-americano é que, com um Risco-País
mais elevado (ou mais baixo), a taxa de câmbio tende a
ser depreciada (ou apreciada).22 A justificativa para o
procedimento adotado é que a taxa de câmbio influencia,
de forma indireta, o nível de preços por meio de dois
canais: (a) o uso de insumos importados — quando a
taxa de câmbio sofre apreciação (ou depreciação), o
custo de produção dos bens diminui (ou aumenta),
implicando provável redução (ou aumento) no preço —;
21
O EMBI+ é calculado pelo banco JP Morgan e mede, em
centésimos de pontos percentuais, o prêmio sobre os títulos
brasileiros no exterior, em comparação com papéis do Tesouro
norte-americano.
22
Para uma análise elucidativa da relação entre o Risco-País e a
taxa de juros, ver Toledo (2002).
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005
104
Helder Ferreira de Mendonça; Lucas Lautert Dezordi; Marcelo Luiz Curado
e (b) a substituição de bens domésticos por similares
importados — quando a taxa de câmbio sofre apreciação,
o preço dos bens importados torna-se mais barato,
implicando um deslocamento de parte da demanda dos
bens domésticos por similares importados, o que, por
sua vez, acarreta queda na demanda agregada e menor
pressão sobre o nível dos preços. Em suma, um aumento
(ou uma queda) no Risco-País tende a prejudicar (ou a
facilitar) quedas na taxa de juros.
A Figura 4 mostra que há uma forte correlação entre
o Risco-País e a taxa Selic (0,90) no período posterior à
introdução do regime de metas para inflação. Um teste
de precedência temporal de Granger para seis defasagens
entre as duas variáveis supracitadas confirma a idéia de
que o Risco-País afeta a taxa Selic, mas não o contrário.23
Conforme pode ser observado por meio da Tabela 2,
verifica-se que o Risco-País implica “causalidade” sobre
a taxa Selic, com um nível de confiança de 99%. Em
relação à possibilidade de a Selic apresentar alguma
“causalidade” sobre o Risco-País, o teste não evidencia
um resultado robusto que confirme essa possibilidade (a
hipótese nula só é rejeitada a mais de 85%).
Figura 2
Trajetória da taxa Selic durante o regime de metas para a inflação no Brasil — jul./99-dez./03
Taxa Selic
30
25
20
15
10
5
0
Nov./03
Set./03
Jul./03
Maio/03
Mar./03
Jan./03
Nov./02
Set./02
Jul./02
Maio/02
Mar./02
Jan./02
Nov./01
Set./01
Jul./01
Maio/01
Mar./01
Jan./01
Nov./00
Set./00
Jul./00
Maio/00
Mar./00
Jan./00
Nov./99
Set./99
Jul./99
Rompimento na trajetória provocada pelas eleições
presidenciais
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Bacen.
23
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005
A justificativa para o uso das defasagens é que a influência do
Risco-País sobre a taxa de juros não ocorre de forma
instantânea. É preciso algum tempo para que o processo descrito
no parágrafo anterior seja concluído.
105
A determinação da taxa de juros em uma economia sob metas para inflação: o caso brasileiro
Figura 3
Evolução da taxa Selic e da RT no Brasil — jul./99-dez./03
(%)
Legenda:
Legenda:
Selic
Nov./03
Set./03
Jul./03
Maio/03
Mar./03
Jan./03
Nov./02
Set./02
Jul./02
Maio/02
Mar./02
Jan./02
Nov./01
Set./01
Jul./01
Maio/01
Mar./01
Jan./01
Nov./00
Set./00
Jul./00
Maio/00
Mar./00
Jan./00
Nov.99
Jul./99
Set./99
35
30
25
20
15
10
5
0
RT
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Bacen.
Figura 4
Risco-País (-6) versus taxa Selic no Brasil — dez./99-dez./03
Taxa Selic
30
25
20
15
10
5
Risco-País
0
0
5
10
15
20
25
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Bacen.
JP Morgan.
Tabela 2
Teste de precedência temporal de Granger para a taxa Selic e o Risco-País no Brasil — jul./99-dez./03
HIPÓTESE NULA
NÚMERO DE
OBSERVAÇÕES
ESTATÍSTICA-F
PROBABILIDADE
Risco-País não Granger causa Selic .....................................
Selic não Granger causa Risco-País .....................................
48
48
5,48316
0,44789
0,00044
0,84147
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Bacen.
IBGE.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005
106
4 - Algumas evidências
empíricas para a taxa
Selic
Uma questão importante a ser destacada na
condução da política monetária sobre o regime de metas
de inflação refere-se à resposta da taxa Selic em relação
à inflação e ao produto. A equação (1) mostra que os
parâmetros g e h são, respectivamente, os responsáveis
pela resposta da taxa de juros ao hiato do produto e ao
desvio da inflação em relação à meta. Em razão da forte
correlação existente entre a taxa Selic e a inflação medida
pelo IPCA, no período posterior a junho de 1999 (ver
Figura 1), é esperado que a sensibilidade da taxa de juros
em relação à inflação seja muito significativa (um
parâmetro 1 + h > 1,5). Em outras palavras, a resposta
da taxa de juros em relação à inflação deve ser maior do
que aquela proposta por Taylor (1993) — 1 + h = 1,5.
Por outro lado, devido à despreocupação do Bacen
(registrada nos relatórios de inflação) em estabilizar o
produto, é esperado que o parâmetro g não tenha
significância estatística. Conforme ficou evidenciado na
seção anterior, é esperado que a influência do Risco-País na determinação da Selic seja significativa. Além
disso, é importante verificar em que medida a própria
taxa de juros influencia sua trajetória.
Com o objetivo de evitar os problemas salientados
por Granger e Newbold (1974) em relação à possibilidade
de que equações estimadas com base em séries de
tempo podem apresentar resultados espúrios, foi
realizado o teste de raiz unitária das séries. Conforme
pode ser observado por meio dos resultados apresentados na Tabela 3, o teste ampliado de Dickey-Fuller (ADF)
indica, com exceção da série hiato do produto, a aceitação
da hipótese nula (séries não estacionárias) para os valores
originais das séries. Por outro lado, em relação às
primeiras diferenças, a hipótese nula é rejeitada para as
séries ao nível de significância de 1%. Portanto,
excetuando-se a série hiato do produto, as demais séries
são integradas de primeira ordem, isto é, I(1).
Com a finalidade de se avaliar a importância das
variáveis supracitadas na determinação da taxa Selic,
foi utilizado um modelo auto-regressivo vetorial (VAR)
na análise. Fazendo-se uso dos critérios de Schwarz e
Hannan-Quinn, para a definição da ordem ótima do VAR,
Helder Ferreira de Mendonça; Lucas Lautert Dezordi; Marcelo Luiz Curado
verificou-se que o modelo adequado se refere àquele com
duas defasagens e sem constante (Tabela 4).24
Por causa da dificuldade de se interpretarem os
coeficientes estimados para o modelo VAR, é usual que
os resultados sejam analisados por intermédio da análise
da função impulso-resposta parcial e por meio da
decomposição da variância. Devido ao fato de os dados
utilizados na amostra serem mensais, é levado em conta
o período de 12 meses depois da incidência de um choque
na análise impulso-resposta para o VAR e para a
explicação da variância das séries. Dado que o objetivo
principal é verificar qual o impacto que as variáveis
presentes na regra de Taylor acrescida do Risco-País
geram sobre a taxa Selic, a ordenação que se mostra
razoável para análise do VAR é dada por: Selic, hiato do
produto, desvio da inflação em relação à meta e Risco-País.
As seqüências de valores das funções impulso-respostas podem ser visualizadas por meio da Figura 5,
enquanto os dados relativos à explicação da variância
se encontram na Tabela 5. O Gráfico A da Figura 5 revela
que os impactos originários de choques externos sobre
os valores passados da taxa Selic apresentam
regularidade histórica significativa. A significância
estatística é confirmada pela importância da própria Selic
na explicação de sua variância, depois de transcorridos
12 meses — 41% (Tabela 5). Esse resultado sugere que
uma elevação na taxa de juros, no período atual, tende a
se perpetuar na economia, implicando a necessidade de
um esforço maior, no futuro, por parte da autoridade
monetária, no caso de haver o interesse em provocar
uma queda nessa variável.
A análise do hiato do produto indica o quão
desimportante é essa variável para a determinação da
taxa de juros na economia brasileira, no período recente.
O Gráfico B da Figura 5 mostra que os impactos do hiato
do produto sobre a Selic não possuem significância
estatística. Ademais, a decomposição da variância
denota uma participação desprezível do hiato do produto
na explicação da variância da taxa Selic (menos de 1%).
Essa observação denota uma resposta da taxa de juros
ao desvio do produto efetivo em relação ao potencial
muitíssimo inferior ao daquela sugerida por Taylor.
O resultado, até certo ponto, surpreendente refere-se à resposta da taxa Selic aos desvios da inflação em
relação à meta estabelecida. De acordo com o regime
24
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005
SC = -2(l/T) + klog(T)/T e HQ = -2(l/T) + 2klog(log(T))/T consideram
uma regressão com k parâmetros estimados usando T
observações; l é o valor do log da função probabilidade com k
parâmetros estimados.
107
A determinação da taxa de juros em uma economia sob metas para inflação: o caso brasileiro
monetário em vigência no País, seria esperado o encontro
de uma forte significância estatística. Entretanto a
resposta da Selic em relação ao desvio da inflação
(Gráfico C da Figura 5) encontra-se próxima ao eixo. Soma-se a isso o fato de a decomposição da variância denotar
uma importância relativa do desvio da inflação na
explicação da variância da Selic menor que 2%. Esse é
um resultado problemático, pois sugere que o processo
inflacionário não está sendo combatido de forma eficiente
pelo Bacen. Em termos da proposta de Taylor, 1 + h
estaria próximo a 1, o que implicaria uma rigidez para a
taxa de juros real.25
Por último, contata-se que a principal variável que
influencia o comportamento da taxa Selic no período
recente é o Risco-País. O Gráfico D da Figura 5 indica
que os impactos do Risco-País sobre a Selic são
estatisticamente relevantes e que um aumento no Risco-País tende a provocar uma elevação na taxa Selic, que
não é eliminada ao longo do tempo. A importância do
Risco-País para a taxa de juros é corroborada com a
análise da decomposição da variância. O resultado obtido
mostra que cerca de 57% da variância da taxa Selic,
passados 12 meses, se deve ao Risco-País.
Tabela 3
Teste de raiz unitária ADF
ESPECIFICAÇÃO
SELIC
∆ DA
SELIC
HIATO DO
PRODUTO
Constante ........................
Variável defasada ...........
Tendência .......................
Primeira diferença ...........
Segunda diferença ..........
Terceira diferença ...........
Quarta diferença .............
Quinta diferença .............
Sexta diferença ...............
Sétima diferença .............
AIC0 .................................
AIC1 ………………………
AIC2 .................................
AIC3 .................................
AIC4 .................................
AIC5 .................................
AIC6 .................................
AIC7 .................................
AIC8 .................................
Valor crítico a 1%.............
Valor crítico a 5% ............
2,7136
-2,8062
6,3164
0,2119
2,5162
1,4069
1,3831
1,4382
1,4259
1,4664
1,4903
1,5415
1,5559
-3,5625
-2,9190
-2,1007
0,8619
1,4808
1,4632
1,4983
1,5034
1,5568
1,5824
1,5959
1,6316
1,6701
-2,6081
-1,9471
2,1801
-5,3643
-2,0945
3,6754
4,4920
4,0429
3,0223
3,3582
2,8828
2,1827
6,1764
6,2202
6,1969
6,1621
6,2205
6,1758
6,1173
6,0708
6,1226
-4,1678
-3,5088
(πT - π*)
2,8866
-2,2225
2,4120
2,4447
2,4745
2,4993
2,5218
2,5340
2,5645
2,6293
2,6872
-3,5572
-2,9167
∆(πT - π*)
RISCO-PAÍS
∆ DO
RISCO-PAÍS
1,7462
-6,7876
2,5236
2,5837
2,6454
2,7077
2,7699
2,6389
2,7023
2,7694
2,8318
-3,5598
-2,9178
2,2929
-2,6215
5,8996
3,3983
2,9335
2,9440
3,0006
3,0561
3,1085
3,1628
3,2326
3,2659
-3,5598
-2,9178
-3,6186
2,9930
3,0022
3,0200
3,0715
3,0922
3,1464
3,2028
3,2557
3,3070
-2,6072
-1,9470
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Bacen.
IBGE.
NOTA: A estatística t do teste ADF e a estatística do critério de informação de Akaike (AIC) mínimo para a seleção do número adequado de defasagens estão em negrito.
25
Uma análise sobre a rigidez da taxa de juros no Brasil ultrapassa
o escopo deste artigo. Todavia o resultado obtido sugere que a
presença de falhas de mercado, tais como o grau de monopólio
e a possibilidade de assimetrias de informação que favoreçam a
ação de rentistas, pode justificar a dificuldade para reduções na
taxa de juros.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005
108
Helder Ferreira de Mendonça; Lucas Lautert Dezordi; Marcelo Luiz Curado
Tabela 4
Critério de Schuvarz (SC) e critério de Hannan-Quinn (HQ) para a ordem do VAR
DEFASAGENS
PRESENÇA DE CONSTANTE
0
1
2
3
4
1
2
3
4
Com constante
Com constante
Com constante
Com constante
Com constante
Sem constante
Sem constante
Sem constante
Sem constante
SC
HQ
21,49591
14,77967
(1)14,08086
14,56679
15,34883
14,59777
(1)13,96869
14,54714
15,45292
21,40120
14,30610
(1)13,22845
13,33552
13,73871
14,21892
(1)13,21099
13,41059
13,93751
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Bacen.
IBGE.
(1) Denota a ordem selecionada pelo critério.
Figura 5
Funções de impulso-resposta para o VAR
(A) Resposta de SELIC para SELIC
(B) Resposta de SELIC para hiato do produto
4
4
3
3
2
2
1
1
0
0
-11
-1
-22
-2
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
1
(C(C)
) RResposta
e sp o s ta dde
e SELIC
S E L IC para
p aradesvio
d es viodad ainflação
in flaç ã o
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
(D
R e sp o sta da
d a SELIC
S E L ICpara
p a rarisco-país
ris c o -p a ís
(D)) Resposta
4
4
3
3
2
2
1
1
0
0
-1
1
-1
-2
2
2
-2
1
2
2
33
4
55
66
7
7
88
99
10
10
111
1
112
2
NOTA: Impulso-resposta de dois desvios padrões.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005
1
1
22
3
44
55
6
77
88
99
10
10
11
11
12
12
109
A determinação da taxa de juros em uma economia sob metas para inflação: o caso brasileiro
Tabela 5
Decomposição da variância da taxa Selic
MESES
TAXA SELIC
HIATO DO PRODUTO
1
100,0000
2
98,17430
3
96,61319
4
92,61411
5
84,63950
6
74,37193
7
64,53148
8
56,54874
9
50,57737
10
46,25381
11
43,14761
12
40,90630
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Bacen.
IBGE.
5 - Considerações finais
Calibrar a resposta dos juros nominais, tomando
como referência os processos inflacionários e o hiato do
produto, é um desafio para a condução da política
monetária sob um regime de metas para inflação. Uma
taxa de juros elevada pode não ser um bom instrumento
para o combate à inflação, podendo, até mesmo, gerar
um efeito reverso ao esperado. Ainda que a taxa de juros
seja o principal instrumento à disposição do Bacen para
o combate à inflação, há indícios de que a mesma não
foi utilizada de forma correta durante o período analisado.
Em relação ao controle da inflação, observou-se
um sucessivo descumprimento das metas para inflação
nos últimos anos. Essa observação está de acordo com
os resultados encontrados na seção anterior, pois a
ausência de uma resposta efetiva da taxa de juros aos
desvios da inflação fez com que o regime de metas para
inflação não alcançasse os resultados pretendidos
quando de sua implementação.26 Uma conseqüência
direta do descumprimento das metas anunciadas é a
dificuldade que o Bacen encontra para reduzir a taxa
Selic, sem comprometer as expectativas dos agentes
econômicos para um possível descontrole da inflação.
26
Para uma análise sobre a implementação do regime de metas
para inflação no Brasil, ver Mendonça (2001) e Netto (1999).
0,000000
0,102122
0,165145
0,325949
0,543044
0,709101
0,775361
0,763769
0,713200
0,651276
0,592188
0,541573
(πT - π*)
0,000000
1,719880
2,708031
3,021798
2,843723
2,463685
2,106703
1,864857
1,748154
1,740165
1,821917
1,977534
RISCO-PAÍS
0,000000
0,003693
0,513633
4,038141
11,973730
22,455280
32,586460
40,822630
46,961270
51,354750
54,438290
56,574590
Essa é uma observação importante, pois justifica o
resultado encontrado para a relevância da própria Selic
na explicação de sua trajetória.
Um outro aspecto a ser ressaltado diz respeito ao
hiato do produto. O fato de o Bacen não responder aos
desvios do produto significa que a taxa de juros não se
encontra em um nível adequado para que o produto
potencial seja alcançado. Uma conseqüência é que a
manutenção de uma elevada taxa de juros tende a causar
um desestímulo à atividade econômica, o que, por
conseguinte, incrementa a taxa de desemprego. Logo,
observa-se que a taxa Selic nem se encontra em um
patamar capaz de fazer com que as metas para inflação
determinadas sejam alcançadas nem é capaz de manter
a taxa de desemprego compatível com o produto
potencial.
O ponto crucial para a explicação do
comportamento da taxa Selic refere-se ao Risco-País. A
importância dessa variável é justificada pelo fato de que
há fortes indícios de que a taxa de juros básica da
economia brasileira tem sido utilizada tendo como principal
objetivo o alcance do equilíbrio do balanço de pagamentos.
Assim, para que a taxa de juros possa ser utilizada de
forma efetiva para o controle da inflação, ou que considere
de forma simultânea o desvio da inflação em relação à
meta e o hiato do produto, é preciso que a necessidade
de um superávit na conta de capitais, via sustentação
de uma elevada taxa de juros, seja eliminada.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 97-110, dez. 2005
110
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111
Telecomunicações: os resultados da política de competição
Telecomunicações: os resultados
da política de competição
Renato Antonio Dal Maso*
Economista e Coordenador do Núcleo de Políticas Públicas da FEE.
Resumo
O texto aborda a política de competição nas telecomunicações
implementada pelo Governo Federal entre 1997 e 2004. Pesquisam-se os
resultados dessa política, que teve como objetivo liberar a entrada de
empresas no setor, permitindo que a maioria dos usuários pudesse escolher
a operadora dos serviços de sua preferência. Buscaram-se informações
relacionadas às empresas prestadoras e à participação no mercado, bem
como indicadores quantitativos destas no controle dos acessos fixos e
celulares e sobre a evolução das tarifas no período. A análise evidencia a
presença da competição na telefonia celular e nos serviços internacionais,
pouca competição nos demais serviços e um processo de concentração
do capital no setor. Esse movimento constituiu grandes grupos de
empresas prestadoras multisserviços, restringindo a competição e
consolidando a liderança de uma firma dominante em nível regional.
Palavras-chave: telecomunicações; competição
na telefonia;
concentração na telefonia.
Abstract
This paper is concerned with the competition policy implemented in the
area of telecommunications by the Brazilian federal government between
1997 and 2004. The research is focused on the results of this policy,
which was aimed at liberating the entry of enterprises in this economic
sector so that users could freely choose the services of the company
they prefer. The evidence used in this research were: information related
to the activities of the enterprises and their respective participation in the
market; quantitative data on the share of the companies in the control of
accesses of users to fixed and mobile telephones; and the evolution of
the taxes. The analysis indicates that a measure of competition, as well
as a capital concentration in multi-services firms, has developed in the
sector. This process hindered full competition between companies and
consolidated the dominance of a firm at a regional level.
Artigo recebido em 18 out. 2005.
* O autor agradece as sugestões precisas de Walter Arno Pichler
e o apoio do acadêmico Paulo Henrique de Campos.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005
112
1 - Introdução
A política de telecomunicações do Governo Federal
envolve questões relacionadas à regulação do mercado,
à universalização, à qualidade dos serviços, à política
industrial e tecnológica e ao regime de competição. Esses
aspectos se entrelaçam na implementação da política
setorial. Entretanto este texto foca apenas a política de
competição, implementada entre os anos de 1997 e 2004,
ressaltando alguns aspectos para a compreensão do
objeto. A implementação da política iniciou-se com a
abertura do mercado dos serviços de telefonia celular,
seguindo-se a instituição do órgão regulador, a
privatização das empresas originárias do Sistema
Telebrás e a entrada de novos investidores privados no
mercado. A política de competição compreende o conjunto
de medidas implementadas para criar um mercado sem
limite de prestadoras dos serviços, onde a maioria dos
usuários pudesse exercer a liberdade de escolha das
empresas provedoras dos serviços de sua preferência.1
Esse cenário foi chamado de “plena competição”.
Atualmente, o processo de competição é uma
realidade visível no mercado, especialmente na telefonia
celular, onde operam quatro grandes grupos empresariais.
Na telefonia fixa, o cenário atual não é o de “plena
competição” apregoado, vigorando um regime onde uma
firma é dominante no mercado. O cenário atual está
organizado a partir da liderança dessa firma. Esse fato
comprova existir pouca competição. Se a política não
implantou o cenário de plena competição, conforme
idealizaram os policies makers, que regime ela
configurou? O regime de liderança de uma firma e de
oligopólios configura a competição possível no setor de
telecomunicações? Para responder às questões,
propõe-se, neste texto, que os resultados efetivos da
política na experiência brasileira carecem de melhor
qualificação. Certamente, a competição instalou-se em
algumas modalidades de serviços e nos nichos mais
lucrativos do mercado, mas não sob o regime de plena
competição. Ao contrário, na maioria das pequenas e
médias cidades, ela não existe. Argumenta-se ainda que
as operadoras originárias do Sistema Telebrás herdaram
1
Conforme a Lei Geral de Telecomunicações, n° 9.472, de
16.07.97, define-se telecomunicações como a transmissão,
emissão ou recepção, por fio, radieletricidade, meios ópticos ou
qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos,
caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de
qualquer natureza (art. 60).
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005
Renato Antonio Dal Maso
assimetrias que lhes garantem grande poder competitivo
em relação às demais entrantes. Essas assimetrias são
o controle dos acessos e das redes e a sua grande
capilaridade.
A análise da política envolve aspectos complexos
que dificultam o entendimento do funcionamento do
modelo de telecomunicações, apresentado a seguir para
ilustrar a funcionalidade do cenário competitivo idealizado.2
O modelo de telefonia fixa representou-se no Quadro 1,
e o modelo de telefonia celular, no Quadro 2. Neles, o
mercado brasileiro foi dividido em regiões, criadas
especificamente para o setor, que delimitam a área de
autorização das empresas para prestar serviços, embora
sempre necessitem obter autorização para atuarem nas
regiões, nas localidades e nos municípios. Observa-se,
com isso, que o cenário competitivo tem como locus a
região, mais especificamente os nichos do mercado, onde
as empresas buscam vantagens na prestação das
modalidades de serviços da telefonia fixa (local ou
residencial e não residencial, longas distâncias nacional
(LDN) e internacional (LDI)), da telefonia celular e dos
demais serviços de comunicação de dados e internet. A
política de competição implantou o regime, gradualmente,
pelas etapas destacadas abaixo.
No cenário da telefonia fixa, atuam a Telemar, a
Brasil Telecom, a Telefônica e a Embratel nas suas
respectivas Regiões I, II, III e IV, denominadas empresas
originárias, pois elas herdaram os acessos telefônicos e
as redes do Sistema Telebrás. As empresas Vésper, a
Global Village Telecom (GVT) e Intelig Telecom, chamadas
de entrantes (espelhos), também são prestadoras,
respectivamente, naquelas regiões, a partir de 1999.
Outras empresas entrantes (espelhinhos), a partir de
2000, passaram a atuar em alguns dos municípios e em
algumas localidades onde as “espelhos” decidiram não
prestar serviços. A partir de 2002, novas empresas
entrantes foram autorizadas, não havendo mais limites
para a presença de prestadoras. A liberação para a entrada
no mercado e a presença de diversas empresas criaram
um cenário de competição, por suposto, em cada região
(Quadro 1).
2
Para uma análise detalhada do modelo, ver Anatel (2005),
Dalmazo (2002, Cap. 4) e Relatórios Teleco (2005a). Toda a
base material e legal que fundamenta o mercado de
telecomunicações encontra-se no site da Anatel.
Telecomunicações: os resultados da política de competição
Na telefonia celular, o modelo idealizado
estabeleceu 10 áreas, que também foram criadas
especificamente para o setor. Em cada área, atuavam
uma empresa originária, operando a Banda A, e uma
entrante, na Banda B, sob regime de duopólio no Sistema
Móvel Celular (SMC). Esse regime foi modificado, no ano
de 2000, para o Sistema Móvel Pessoal (SMP), que
delimitou a atuação das empresas não por área, mas
pelo mesmo espaço das Regiões I, II e III. Todas as
prestadoras se adaptaram ao SMP, configurando um novo
cenário, não no regime de duopólio, mas por quatro
grandes operadoras nas Bandas A, B, D e E em cada
região (Quadro 2).
A política implantou, gradualmente, a competição,
criando oportunidades atraentes para os investidores
privados e liberando a entrada de prestadoras no setor.
Seu objetivo maior foi criar um cenário de “plena
competição”, em cujo mercado não existiria limite para
entrada de empresas e onde os usuários poderiam
escolher os serviços das prestadoras segundo suas
preferências. Esse processo implicou também impor
assimetrias de direitos e deveres entre as empresas,
com a finalidade de reduzir as vantagens das originárias
e estimular as entrantes. As assimetrias impostas às
primeiras foram as obrigações de universalização e
continuidade, de qualidade dos serviços, o controle de
tarifas e sanções para os casos de quebra das regras do
contrato. E, para as entrantes, exigiram-se um plano de
compromisso de abrangência dos acessos e uma
regulação menos intensa, como a ausência de controle
de tarifas e de universalização. Essas assimetrias foram
consideradas suficientes para configurar, assim, o regime
competitivo.3
A partir dessa visão sintética do modelo e do cenário
idealizado das telecomunicações, apresenta-se, a seguir,
a política de competição. Conforme citado no Quadro 3,
a implementação da política ocorreu por etapas. Cabe
apontar aqui os fatos relevantes do processo: em 1997,
teve início a competição na telefonia celular, autorizando-se novas empresas entrantes para operar a Banda B;
em 1998, ocorreu a privatização das empresas originárias
do Sistema Telebrás e a vigência de monopólio privado
temporário. Em 2000, iniciou-se a competição na telefonia
fixa, através das autorizações para as empresas
entrantes (espelhos) atuarem em cada região e da
implantação do Código de Seleção de Prestadora (CSP),
cuja medida permitiu que o usuário escolhesse a
3
Ver texto sobre o tema em Santos e Taboada (2004).
113
prestadora dos serviços de longa distância, bem como
através da implantação do Serviço Móvel Pessoal, que
limita o número de prestadoras por região a quatro
empresas nas Bandas A, B, D e E. Esse rearranjo do
modelo inicial mudou o cenário da competição de duas
para quatro empresas, atuando não mais por área, mas
por região. Na verdade, ocorreu um movimento de fusões
e aquisições entre as empresas para se adaptarem ao
SMP, e elas marcaram presença em todas as regiões.
Assim, a competição nessa modalidade passou a ser
disputada no plano nacional e nos nichos regionais. Por
último, em 2002, ocorreu a liberação do mercado de
telefonia fixa para novas entrantes e a implantação do
CSP na telefonia celular, em julho de 2003. Assim, o
cenário idealizado da “plena competição” está
representado nos Quadros 1 e 2, onde se registra a
presença de diversas prestadoras de telefonia fixa em
cada região. Por sua vez, na telefonia celular, implantou-se o regime de oligopólio limitado à presença de quatro
empresas em cada região.
Além desta Introdução, contendo uma síntese do
modelo idealizado, o texto está estruturado nos seguintes
itens. No item 2, pesquisou-se a reação das principais
prestadoras frente ao cenário competitivo, através de
informações qualitativas sobre fusões e aquisições e
sobre as estratégias adotadas para ganhar vantagens
em relação às demais. No item 3, analisa-se um conjunto
importante de indicadores, que revelam os resultados
da política de competição. Os indicadores examinados
são: (a) a participação percentual das operadoras
originárias na receita bruta de telefonia fixa, que revela,
de fato, qual a fonte de riqueza que está em jogo no
setor de telecomunicações; (b) a participação percentual
das empresas nos acessos fixos e celulares e nos
acessos totais, que apresentam uma visão geral da
importância delas em termos de controle de acessos no
mercado nacional; (c) a participação das empresas nos
acessos fixos e celulares por região, que revela a
liderança e o domínio das operadoras na sua região-base;
e (d) a evolução das tarifas praticadas pelas operadoras
originárias para serviços locais, LDN e LDI. No item 4,
além de se tomarem informações sobre a reação das
empresas em relação ao novo cenário, examinam-se os
indicadores do jogo oligopolista na telefonia celular, os
indicadores da participação das empresas nos acessos
e da evolução das tarifas, bem como as razões da
explosão dos acessos celulares. A abordagem em
separado das telefonias fixa e celular nesses itens teve
por objetivo qualificar a competição possível nas
modalidades de serviços de telecomunicações (telecoms).
Por último, registram-se as considerações finais.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005
114
Renato Antonio Dal Maso
Quadro 1
Modelo de telecomunicações para a telefonia fixa no Brasil — 1998-2002
REGIÕES
Região I
(2)
Região II
(3)
Região III
(4)
Região IV
(5)
SETORES
(1)
ORIGINÁRIAS
(1998)
1, 2, 4 a 17
3
Telemar
CTBC
18,19,21,23,
24, 26 a 30
20
22 a 25
31, 32 e 34
Brasil Telecom
Todo o Brasil
Embratel
ENTRANTES
(espelhinhos)
(2000)
ENTRANTES
(espelhos)
(1999)
Vésper
(Embratel)
Sercomtel
CTBC
Telefônica
NOVAS ENTRANTES
(2002)
Tmais;
Transit; Telefônica; GVT;
Enlevos; Nortelpa; Intelig Telecom;
Sermatel.
Telmex (AT&T);
Teledados (EMTL).
Tmais;
Telefônica; Embratel;
Transit;
Telmex (AT&T);
Options.
Intelig Telecom;
Sercomtel.
GVT
Vésper SP
(Embratel)
Tmais; Transit;
Aerotech; Ampla.
Intelig Telecom
Aerotech;
Enlevos; Transit.
Intelig Telecom; GVT;
Comercial Cabo TV São Paulo;
Telmex (AT&T).
Telemar; Brasil Telecom;
Telefônica; Claro; TIM; CTBC.
FONTE: DALMAZO, Renato. As mediações cruciais das mudanças político-institucionais nas telecomunicações do
FONTE: Brasil. Porto Alegre: FEE, 2002. Cap. 4. (Teses FEE, n. 2).
FONTE: RELATÓRIOS TELECO. Telefonia Celular no Brasil 2005. 2005a. Disponível em: http: www.teleco.com.br Acesso
em: 2005.
FONTE: ANATEL. Relatório anual 2004. Disponível em http: www.anatel.gov.br Acesso em: 2005.
(1) Setor é uma divisão do Brasil em áreas que delimitam o espaço de atuação das empresas e, no caso, definem os
setores das empresas existentes CTBC (3, 22 a 25) e Sercomtel (20). (2) RJ, MG, ES, BA, SE, AL, PE, PB, RN, CE, PI, MA,
PA, AP, AM, RR. (3) RS, DF, GO, MT, RN, AC, MS, PR, SC. (4) SP. (5) Todo o Brasil.
Quadro 2
Modelo de telecomunicações para a telefonia celular no Brasil — 1997 e 2002
REGIÕES
Região I
Região II
Região III
Outras
ÁREAS DE
CONCESSÃO
Área 3: RJ e ES
Área 9: BA e SE
Área 4: MG
Área 8: AM, RO,
AP, PA e MA
Área 10: PI, CE,
RN,PB, PE ,AL
Área 5: PR, SC
Área 6: RS
Área 7: DF, GO, TO
MS, MT, RD e AC
Área 1: SP Capital
Área 2: SP interior
Áreas 2, 4 e 7: GO,
MG e SP
Londrina (PR)
ORIGINÁRIAS
DA BANDA A
(1997)
ENTRANTES
DA BANDA B
(1997)
Vivo
Claro
Opportunity
TIM
Vivo
TIM
Claro
TIM
Vivo
Claro
Vivo
Claro
TIM
Brasil Telecom
(set./2003)
Vivo
Claro
TIM
-
CTBC Telecom
Sercomtel
-
-
-
ENTRANTES
DA BANDA D
(2002)
ENTRANTES
DA BANDA E
(2002)
TIM
Oi
Claro
-
FONTE: DALMAZO, Renato. As mediações cruciais das mudanças político-institucionais nas telecomunicações do
FONTE: Brasil. Porto Alegre: FEE, 2002. Cap. 4. (Teses FEE, n. 2).
FONTE: RELATÓRIOS TELECO. Telefonia celular no Brasil 2005. 2005b. Disponível em: http: www.teleco.com.br Acesso
FONTE: em: 2005.
FONTE: ANATEL. Relatório anual 2004. Disponível em: http: www. anatel.gov.br Acesso em: 2005.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005
115
Telecomunicações: os resultados da política de competição
Quadro 3
As etapas de implantação da política de competição no Brasil
ANOS
ETAPAS DO CENÁRIO COMPETITIVO
1997
Autorização para a entrada de novas operadoras da Banda B na telefonia celular em 10 áreas.
Início da competição na telefonia celular.
Privatização das empresas públicas originárias do Sistema Telebrás nas quatro regiões seguintes:
Região I - RJ, MG, ES, BA, SE, AL, PE, PB, RN, CE, PI, MA, PA, AP, AM, RR (Telemar);
Região II - RS, DF, GO, MT, RN, AC, MS, PR, SC (Brasil Telecom);
Região III - SP (Telefônica);
Região IV - todo o Brasil (Embratel).
Empresas originárias iniciam competição nos serviços de LDN.
Autorização para a entrada de uma nova empresa em cada região (espelho ou entrante), criando o regime de
duopólio: Região I, Global Village Telecom (GVT); Região II, Vésper Holding S.A.; Região III, Vésper Holding São
Paulo S/A; Região IV, Intelig Telecom.
Início da competição entre originárias e entrantes.
Mudanças no cenário da competição:
- implantação do Sistema Móvel Pessoal pela autorização de novas empresas operarem as Bandas D e E
nas Regiões I, II e III;
- adaptação das operadoras do Sistema Móvel Celular das Bandas A e B existentes ao SMP;
- permissão para as fusões e aquisições de empresas;
- autorização para a entrada de novas empresas (espelhinhos) para operar em municípios e localidades onde as
espelhos decidiram não prestar telefonia fixa;
- implantação do Código de Seleção de Prestadora na telefonia fixa, através do qual o usuário escolhe a
operadora dos serviços de LDN e LDI.
Ampliação da competição nos serviços de longa distância e na telefonia celular.
Liberação do mercado de telefonia fixa sem limite para operadoras nas regiões.
Novas autorizações às originárias que cumpriram as obrigações de universalização para operar nas demais
regiões.
Concentração do capital em quatro grandes grupos que operam multisserviços: Telemar/Oi; Brasil Telecom/TIM (e
BrTelecom Celular); Telefônica/Vivo e Embratel/Claro/Vésper.
Implantação do Código de Seleção de Prestadora na telefonia celular.
Vigência da plena competição.
1998
1999
2000
2002
2003
FONTE: DALMAZO, Renato. As mediações cruciais das mudanças político-institucionais nas telecomunicações do
Brasil. Porto Alegre: FEE, 2002. Cap. 4, p. 220. (Teses FEE, n. 2).
2 - Fusões e aquisições
consolidam a liderança
dos grupos dominantes
Neste item, analisam-se informações mais
qualitativas, que revelam os movimentos das empresas
frente ao cenário competitivo. Para tal, pesquisaram-se
as estratégias e o movimento de concentração do capital
das empresas originárias, tendo em vista a sua
experiência similar e a representatividade no setor.
Inicialmente, cabe ressaltar que as novas
autorizações para entrantes no mercado, a implementação do SMP e do CSP e a liberação do mercado foram
fatos relevantes e inexoráveis da política de competição4.
As empresas reagiram com estratégias um tanto
similares. Por exemplo, a Telemar, a Telefônica e a
Embratel buscaram antecipar o cumprimento das
obrigações de universalização dos serviços em 2001,
para obterem novas autorizações para atuarem nas
demais regiões. Todas buscaram capacitar-se para prover
multisserviços de telecomunicações. E o fizeram por uma
razão singular, dada pela convergência dos serviços que
podem ser providos pelas mesmas redes. Também
4
Para implementar a política, a Anatel concedeu 11 novas
autorizações de telefonia local com abrangência variada, 14
autorizações para LDN e LDI e licitou as Bandas D e E.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005
116
desenvolveram ações voltadas para a fidelização dos
seus usuários, através das seguintes ações: na telefonia
fixa residencial, disponibilizaram serviços inteligentes,
tais como secretária eletrônica virtual, discagem rápida,
chamada em espera, siga-me (transferência temporária),
identificador de chamadas, acesso à internet em banda
larga, acessos fixos pré-pagos e ações para retenção de
usuários; na telefonia local não residencial corporativa,
disponibilizaram serviços inteligentes, atendimento
exclusivo e diferenciado, planos de tarifas mais atrativos,
acessos à internet em banda larga, etc. Nos serviços de
LDN e LDI, a introdução do Código de Seleção de
Prestadora promoveu a quebra do monopólio da Embratel,
que passou a ser o inimigo comum das demais e,
especialmente, das originárias, que passaram a praticar
tarifas sempre inferiores às dos concorrentes, bem como
promoveram campanhas de fidelização dos usuários. No
caso da Intelig Telecom, inicialmente, promoveram-se
preços abaixo das concorrentes, porém estes foram
mantidos apenas por um certo período de tempo (Santos;
Taboada, 2004). Em suma, a reação dos grandes grupos
foi consolidar, na sua região-base, a capacidade para
prover multisserviços. A seguir, apresentam-se
informações sobre o movimento de concentração do
capital para formar os quatro grandes grupos e consolidar
a estratégia comum.
A Telemar buscou capacitar-se para prover
multisserviços. Em junho de 2002, obteve autorização
para operar a Banda D na Região I, através da TNL PCS
S/A (Oi), e serviços de LDN e LDI nas Regiões I, II e III.
Em dezembro de 2002, adquiriu o controle acionário da
Pegasus Telecom S/A, para exploração e prestação de
serviços de transmissão de dados nas três regiões,
especialmente no mercado corporativo e empresarial de
São Paulo.5 Controla a Companhia AIX Participações,
especializada na construção de infra-estrutura de dutos
para instalação de fibras óticas, que atua em rodovias
do Estado de São Paulo e da Capital, bem como para a
Telemar e para a Pegasus. Em março de 2001, criou a
ABS 52 Participações Ltda., alterada para Telemar
Internet, para prestar serviços de instalação e prestação
de serviços de acesso à internet em banda larga, chamada
de Velox.
A Brasil Telecom decidiu garantir o domínio na Região
II, buscando desenvolver infra-estrutura e consolidar um
Renato Antonio Dal Maso
grupo para prover todos os serviços de telecoms. Em
2000, adquiriu o controle da CRT, operadora de telefonia
fixa no Rio Grande do Sul. Em junho de 2003, passou a
gerar serviços de LDI, ao comprar todo o sistema de
cabos submarinos de fibra ótica do Grupo GlobeNet6,
reforçando sua posição em tráfego de dados, LDI e
redução de custos de interconexão, bem como assumiu
a MetroRed, em fevereiro de 2003, que operava redes
digitais de fibras óticas. Adquiriu ainda a iBest Serviços
de Internet S/A, em junho de 2003, e passou a ser o
segundo maior provedor de internet gratuita no mercado
brasileiro. Em 2002, lançou os acessos em banda larga,
o BrTurbo, baseado em tecnologia Asymmetric Digital
Subscriber Line (ADSL). Atualmente, avança com ações
de aquisição de infra-estrutura de rede de alta tecnologia
para fincar liderança no mercado corporativo, bem como
faz gestões para compra da Intelig Telecom e da Internet
Group do Brasil Ltda. (iG). Um dos seres controladores,
Itália Móbile Telecom, controla a prestadora de telefonia
celular nas três regiões. Outro controlador, Opportunity e
outros, controla a Brasil Telecom Celular que atua na
Região II, na Banda E.
O grupo Telefônica instalou novas empresas no
Brasil, com o objetivo de centrar sua atuação nos serviços
convergentes de telecomunicações. Adquiriu o controle
da ZAZ na área de internet, segundo maior provedor do
País, e constituiu a empresa Terra Networks Brasil em
junho de 1999. No ano 2000, realizou vários negócios:
em outubro, concluiu a incorporação da Ceterb S/A e da
Ceterb Celular, que operavam em Ribeirão Preto, São
Paulo; em novembro, constituiu a subsidiária Telefônica
Empresas S/A, para prover serviços de comunicação de
dados, lançou serviço de conexão rápida à internet
chamado Speedy, bem como adaptou suas empresas
de celular nas Bandas A e B ao SMP, através da
operadora Vivo, em todo o País. Também criou a Atendo
Holding, para prestar serviços de call centers a terceiros,
de telemarketing e de administração de banco de dados,
além de publicar listas telefônicas, através da TPI
Páginas Amarelas.
A Embratel buscou complementar sua capacitação
para prover também serviços locais e celular. Em 2003,
adquiriu a Vésper Holding S/A e a Vésper Holding São
Paulo S/A, da empresa norte-americana QUALCOMM
6
5
A Pegasus opera uma rede de cabos de fibra óptica e também
via rádio (wireless) nas 25 cidades mais importantes do Sudeste
e do Sul do País, representando a segunda maior rede de anéis
metropolitanos na Cidade de São Paulo.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005
A GlobeNet Communications Group Ltd. interliga pontos de
interconexão nas regiões de Nova Iorque e Miami (EUA), St.
David’s (Ilhas Bermudas), Maiquetia (Venezuela) e Fortaleza e
Rio de Janeiro (Brasil). Trata-se de empresa criada em 1998,
para prover serviços de comunicação de fibra ótica entre os
EUA e a América do Sul.
Telecomunicações: os resultados da política de competição
Incorporadora, nas Regiões I e III, e a CT Torres Ltda.,
que controlava 622 torres de comunicação. Mantém-se
como líder no mercado brasileiro de transmissão de
dados. Em novembro de 2000, constituiu a Star One
S/A, para gerir e operar satélites, sendo a principal
operadora de transponders para serviços de comunicação
no Brasil e a principal fornecedora de internet em banda
larga via satélite. Lançará, em 2006 e 2007, os satélites
Star One C1 e C2, para substituir os BrasilSat B1 e B2.
Em agosto de 2003, constituiu a Click 21 Comércio e
Publicidade Ltda., para prestar serviços de conexão e
oferecer produtos de internet para clientes residenciais e
empresas. Manteve a sua rede internacional de cabos
submarinos inteiramente óticos, ligando o Brasil a diversos
países.7 Por último, a mexicana Telmex, que controla a
Claro na telefonia celular, adquiriu a Embratel da norte-americana MCI, em março de 2004.
Portanto, o processo de fusões e aquisições nas
empresas originárias, desencadeado para consolidar um
grupo empresarial de multisserviços, por um lado,
configura uma reação clara dos agentes ao cenário de
competição, buscando ganhar vantagens no mercado. Por
outro, representou um movimento de concentração do
capital para constituir uma escala adequada para garantir
posição de liderança de firma dominante.
3 - Os resultados da
política de competição
Neste item, examinam-se os resultados da política,
avaliados através de indicadores da participação relativa
das empresas nas receitas dos serviços, do controle dos
acessos fixos e celulares e da evolução das tarifas. O
primeiro indicador sintetiza as principais fontes de riqueza
disputadas nas telecoms. Em seguida, tomaram-se
dados sobre o controle dos acessos telefônicos e a
participação das prestadoras, e, por último, examina-se
a evolução de tarifas, que reflete a rivalidade vista pelos
preços cobrados. Em relação às tarifas, as empresas
comprometeram-se, no contrato de concessão, a reduzi-las, de forma escalonada, entre 1998 e 2005, nos
montantes de 4,9% nos serviços locais, de 23,3% nos
de LDN e de 64,2% nos de LDI.
7
A rede de cabos submarinos da Embratel permite mais de 25 mil
ligações simultâneas por telefone e compõe-se das seguintes
redes: Américas-1 e Américas-2 (EUA); Columbus-1, Columbus-2 e Atlantis-2 (Europa e Ásia); e Unisur (América do Sul).
117
O primeiro indicador é revelador da disputa, sem
dúvida, obtido pelas participações percentuais na receita
bruta dos serviços. Os dados estão disponíveis apenas
para as originárias, mas são representativos para os
argumentos da análise. Conforme dados da Tabela 1, a
Embratel fatura mais provendo ligações de LDN (54,7%)
e serviços de comunicação de dados (23,3%). As demais
originárias faturam alto com serviços locais, em torno de
42,5%, especialmente com receitas da assinatura básica.
Essa é uma importante fonte de receita vinculada ao
controle dos acessos fixos, como se fossem recursos
cativos das empresas. As receitas das ligações fixo-móvel também são significativas e representam o
montante de 21%. Elas cresceram em decorrência da
expansão da rede, especialmente da rede celular com
os planos pré-pagos. Por sua vez, a relevância das
receitas com serviços de LDN em torno de 15% também
se deve à expansão da planta. No essencial,
representam-se, na Tabela 1, as principais fontes de
receitas disputadas pelas empresas, as quais apontam
os limites possíveis do novo cenário.
Na telefonia fixa residencial, a competição existente
é muito pouca e restringe-se aos nichos mais lucrativos
do mercado. As originárias Telemar, Brasil Telecom e
Telefônica dominam, na sua região-base, essa
modalidade, porque controlam os acessos e as redes,
como dito anteriormente. No caso das entrantes,
entretanto, elas conquistaram uma minúscula fatia do
mercado. A participação mais expressiva tem sido da
Vésper — adquirida pela Embratel em 2003 —, na Região
I, onde controla 20,9% dos acessos. Elas se fixaram
apenas nos nichos do mercado, localizados nas grandes
cidades, nas áreas de comércio e indústrias e nos bairros
de altas rendas. Além do alto custo para construírem
redes, pesa contra as entrantes a baixíssima taxa de
migração dos usuários entre as prestadoras. Portanto, a
fraca competição nessa modalidade, atualmente, deve-se à baixa migração dos usuários entre prestadoras e à
pouca penetração das redes das entrantes.
Em relação às tarifas dos serviços locais, sua
evolução pouco ou nada reflete a existência de
competição, como a queda esperada dos preços, apesar
de haver diferenciações nos valores cobrados entre as
originárias (Tabela 2). Na verdade, as empresas obtiveram
ganhos reais nas tarifas de assinatura residencial e não
residencial, e reduziram-se os preços dos pulso e ficha
locais. Elas também desoneraram os custos para
habilitação dos telefones, para facilitar a adesão dos
usuários. Exceto estes, todos os demais são preços
administrados, no sentido de que é o agente regulador
quem define a tarifa. Dessa forma, a grande expansão
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005
118
da rede e dos acessos gerou receitas cativas às
prestadoras, tendo em vista desfrutarem da condição
dominante no mercado. Essa condição em si limita os
espaços para um ambiente competitivo na telefonia local,
que poderá ser ampliado não pelo número de prestadoras,
mas por meio de inovações e da oferta de novos
serviços.
Os impactos da política nas tarifas dos serviços
de LDI foram significativos. Um deles ocorreu na
participação da Embratel na receita bruta total, que, ano
após ano, vem perdendo posição no mercado. Em 2000,
embolsava 91,9%, mas faturou 66,3% da receita em 2004.
A Intelig Telecom, que é a concorrente direta, ficou com
14,8% (Tabela 3). As demais vêm obtendo ganhos
crescentes desde que passaram a realizar ligações
internacionais. Isso sugere que a entrada de novas
prestadoras ampliou a disputa entre a Embratel, a inimiga
comum, contra os três grupos, mais a Intelig Telecom e
outras. Portanto, a entrada de novas empresas implicou
atribuir crescentes perdas à Embratel. Porém ela continua
líder nessa modalidade, operando suas redes
internacionais. A emergência recente da Brasil Telecom
e da Telefônica nessa modalidade, também operando suas
próprias redes internacionais, aprofundará a disputa pelas
receitas de LDI.
Além disso, a mudança nas tarifas praticadas pela
Embratel revela os impactos provocados pelas medidas
que autorizam a entrantre Intelig em 1999, a implantação
do Código de Seleção de Prestadora (CSP) em 2000 e
as que autorizam a Brasil Telecom, a Telefônica e outras
a operarem chamadas de LDI. Principalmente, a queda é
explicada pelo compromisso assumido no contrato de
concessão, para reduzir em 64,2% os valores cobrados
no período. Enfim, essas medidas se refletiram em todas
as tarifas internacionais da Embratel, num montante em
torno de 70%, no período, especialmente nas ligações
para EUA (76,5%), Portugal (69,5%) e países da América
Latina (Tabela 4). Portanto, a redução dos preços nessa
modalidade superou o compromisso acordado no contrato.
Não obstante, a tendência das prestadoras será praticar
tarifas niveladas, como está a ocorrer hoje, e evitar guerra
de tarifas.
Na modalidade dos serviços de LDN, a competição
foi ampliada em 2000, quando os usuários passaram a
ter a possibilidade de escolha da prestadora dos serviços,
via o CSP, e pelas autorizações para novas entrantes no
mercado. Essas medidas criaram forte rivalidade para
com a Embratel, que era a inimiga comum das originárias,
da Intelig Telecom e demais entrantes, GVT e Vésper
basicamente. Disputava, com as originárias, os serviços
intra-regionais e, com a Intelig, os inter-regionais e os de
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005
Renato Antonio Dal Maso
LDI. A importância que essas empresas assumiram pode
ser examinada pelo indicador da participação dos grandes
grupos na receita bruta das ligações de LDN (Tabela 5) e
pela participação no controle dos acessos fixos e
celulares em cada região (Tabela 6).
O indicador da participação dos grupos na receita
bruta mostra vantagens e perdas para as prestadoras. A
Embratel apresentou perda no faturamento, entre 2000 e
2004, de 44% para 31,1%, bem como a Telemar. Por sua
vez, a Telefônica, a Brasil Telecom e a Intelig Telecom
obtiveram ganhos expressivos. A participação dos grupos
para mais ou para menos, de fato, é um indicativo da
rivalidade existente, como mostra a Tabela 5. Entretanto
o nível de competição aqui será melhor qualificado com
indicadores da participação no controle de acessos e da
evolução das tarifas, sem, todavia, negá-la.
Uma conclusão geral importante nesse nível da
análise é que a competição se trava, de fato, na região-base das prestadoras, onde as originárias disputam as
ligações intra-regionais com a Embratel e com as
entrantes Intelig, GVT ou Vésper. Nessa busca por
vantagens, as originárias têm assegurado posição de
liderança e domínio na respectiva região-base. E, nas
ligações inter-regionais, elas fizeram acordos de
reciprocidade entre si, especialmente para as chamadas
fixo-fixo de regiões distintas. Significa dizer que uma
originária, como a Telefônica, não invadirá o mercado das
demais, mas negociou interconexão para completar suas
ligações nas demais regiões, embora tenha autorização
para prestar o serviço.
A seguir, examinam-se os indicadores que afirmam
a liderança das firmas através do controle dos acessos
fixos e celulares em cada região. Na Região I, o grupo
Telemar/Oi controla 76,6% dos telefones fixos e 44%
dos acessos fixos e celulares, e o grupo Embratel/
/Vésper/Claro, 20,9% e 17,6% respectivamente. O grupo
Brasil Telecom/TIM controla 89,9% dos acessos fixos e
41,8% do total de acessos na sua região-base. O grupo
Telefônica/Vivo desfruta vantagens, explorando serviços
de 89,4% dos fixos e 68,9% dos celulares e fixos na
Região III (Tabela 6). Esses dados sobre o grande controle
dos acessos telefônicos e das redes são a prova do
domínio dos grupos na sua região-base. O domínio sobre
a infra-estrutura de rede inexoravelmente garante
apropriação da maior fatia de receitas dos serviços,
especialmente das ligações locais e de LDN intra-regional.
O controle dos acessos revela existir também uma outra
forma de competição entre os grupos. Ela está a ocorrer
não por modalidade de serviço conforme idealizada, mas
por serviços diferentes, como a telefonia local versus
telefonia celular pré-paga. Os grupos desenvolveram-se
119
Telecomunicações: os resultados da política de competição
para prestar todos os serviços. São hoje prestadores de
multisserviços (telefonia fixa, celular, comunicação de
dados e internet) e marcam presença em todas as regiões.
Dessa forma, cada originária, através da sua operadora
celular, compete nas demais regiões via planos
basicamente pré-pagos.
Aquele argumento anterior sobre a liderança
encontra guarida também nos relatórios anuais das
originárias, que reafirmam a sua existência nas ligações
de LDN intra-regional e na crescente participação nas de
LDI. A Brasil Telecom cita ter provido 84,3% das ligações
intra-regionais, 48,9% das inter-regionais e 26,6% das
internacionais em 2004. A Telefônica também destaca
ter a vantagem de operar em torno de 75% das chamadas
intra-regionais e, em 2002, controlou 36% das chamadas
inter-regionais e 32% das LDI. Portanto, tem-se, nessas
informações, mais um dado revelador da liderança das
firmas. Assim, a pouca competição pode ser
dimensionada pelas receitas geradas e apropriadas pelas
demais prestadoras, que são relativas ao montante de
acessos que controlam, sendo em torno de 5% nas
Regiões II e III e de 23,4% dos acessos na Região I
(Tabela 6).
Por sua vez, o efeito da política sobre redução das
tarifas de LDN não foi o esperado. A evolução do custo
do minuto normal de uma ligação, na verdade, retrata a
competição possível nessa modalidade. Os relatórios
anuais das originárias registram que praticaram tarifas
sempre inferiores às concorrentes e reafirmam a
estratégia comum dos grupos de fixarem o seu código
de prestadora na cultura dos seus usuários para preferirem
seus serviços. Qual é a competição possível então? A
pouca competição ocorre nos nichos do mercado, junto
às áreas metropolitanas, onde as entrantes GVT, Vésper
e Intelig se fixaram. Nesse filão do mercado, aplica-se a
tarifa conurbada ou tarifa de ligação local. São ligações
locais feitas dentro da cidade ou entre cidades adjacentes
que a Anatel estabeleceu que fossem consideradas locais.
Nesse caso, a reação das originárias foi reduzir as tarifas,
especialmente nas Regiões I e III, por conta da entrada
da Vésper; além disso, elas reduziram os custos das
ligações com distância em torno de 300km ou mais
(Tabela 7). Novamente, aqui, trata-se de preços
administrados pela Anatel, que acordou permitir reajustes
anuais pelo IGP-DI e aplicar um redutor de 23,3%, de
forma escalonada, no período.
Em suma, a competição na telefonia fixa revela-se
muitíssimo restrita nas ligações locais e nas de LDN,
pois os grupos originários controlam os acessos e as
redes e garantem liderança e domínio do mercado.
Destacou-se também que foram constituídos grandes
grupos capazes de prover multisserviços, buscando
operar, no plano nacional, todos os serviços convergentes
de telecomunicações.
Tabela 1
Receita bruta de telefonia fixa das principais operadoras no Brasil — 2004
(%)
TIPOS DE SERVIÇOS
TELEMAR
BRASIL
TELECOM
Total do serviço local (fixo-fixo)
Habilitação ....................................
Assinatura .....................................
Serviço (pulsos) ............................
Outros ...........................................
Total do LDN (2) ..........................
Intra-regional ...............................
Inter-regiões .................................
Serviços de LDI (3) .....................
Serviço fixo-móvel ......................
TUP (“orelhão”) ..........................
Comunicação de dados .............
Uso da rede ................................
Outros serviços ..........................
TOTAL ..........................................
44,6
30,5
13,5
0,6
14,5
11,4
3,1
0,5
17,4
5,1
8,1
5,9
3,6
100,0
37,2
24,8
11,6
0,7
13,3
11,7
1,7
0,3
24,4
3,8
11,7
5,8
3,6
100,0
TELEFÔNICA
43,9
27,3
16,6
16,6
12,7
4,0
0,6
21,8
2,1
5,4
6,0
3,5
100,0
TOTAL
42,5
0,3
27,6
14,2
0,4
15,0
11,9
3,1
0,5
20,8
3,7
8,0
5,9
3,6
100,0
EMBRATEL
(1)
8,3
54,7
10,5
23,3
3,2
100,0
FONTE DOS DADOS BRUTOS: RELATÓRIOS TELECO. Telefonia celular no Brasil 2005. 2005a. Disponível em:
http: www.teleco.com.br Acesso em: 2005.
(1) Dado sobre a receita líquida. (2) LDN: longa distância nacional. (3) LDI: longa distância internacional.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005
120
Renato Antonio Dal Maso
Tabela 2
Índice das tarifas de telefonia fixa local no Brasil — 1998/2005
CHAMADAS
LOCAIS
(horário normal)
Assinatura residencial ..........................
Assinatura não residencial ....................
Assinatura-tronco ...
Pulso local ..............
Habilitação residencial ..........................
Habilitação não residencial ....................
Habilitação-tronco ..
Ficha local ..............
Mudança de endereço ........................
Tarifa rede de uso
local TU-RL ............
TELEMAR
(Setor 2-RJ)
BRASIL TELECOM
(Setor 29-RS)
TELEFÔNICA
(Setor 34-SP Capital)
1998
2000
2003
2005
1998
2000
2003
2005
1998
2000
2003
2005
100,0
118,6
134,0
121,7
100,0
118,6
133,6
121,4
100,0
118,6
133,2
121,0
100,0
100,0
100,0
123,1
123,1
95,7
158,7
119,0
88,4
144,2
108,1
80,3
100,0
100,0
100,0
109,1
98,9
102,6
123,7
92,8
92,7
111,9
75,0
84,2
100,0
100,0
100,0
123,1
123,1
94,9
152,2
114,1
88,6
138,3
103,7
80,6
100,0
52,5
30,0
20,2
100,0
52,5
45,3
25,0
100,0
57,4
54,6
42,5
100,0
100,0
100,0
52,5
87,5
70,0
30,0
49,9
63,0
20,2
33,7
64,2
100,0
100,0
100,0
52,5
87,5
70,0
45,3
75,5
67,7
25,0
41,6
...
100,0
100,0
100,0
57,4
95,7
70,0
54,6
91,0
67,7
42,5
70,8
69,1
100,0
99,9
105,8
107,9
100,0
87,5
92,6
64,3
100,0
99,9
105,8
107,9
100,0
99,9
84,6
51,8
100,0
102,3
86,6
...
100,0
94,9
80,3
49,2
FONTE DOS DADOS BRUTOS: ANATEL.
NOTA: Valores deflacionados pelo IGP-DI médio anual entre maio/04 e abr./05 = 100.
Tabela 3
Participação das operadoras na receita bruta dos serviços de longa distância internacional, no Brasil — 2001-04
(% sobre a receita total)
OPERADORAS
2000
2001
2002
2003
2004
1,0
5,2
7,0
Telemar ...................................
-
-
Brasil Telecom ........................
-
-
-
0,1
2,2
Telefônica ................................
-
-
2,7
6,5
7,4
Embratel (1) ............................
91,9
82,9
79,4
71,3
66,3
Intelig .......................................
8,1
17,1
17,0
17,0
14,8
Outros (2) ................................
-
-
...
...
2,3
TOTAL ....................................
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
FONTE DOS DADOS BRUTOS: ANATEL.
FONTE DOS DADOS BRUTOS: RELATÓRIOS TELECO. Telefonia celular no Brasil 2005. 2005a. Disponível em:
FONTE DOS DADOS BRUTOS: http: www.teleco.com.br Acesso em: 2005.
FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL TELECOM. Relatório da anual da administração 1999-2004. Disponível em:
FONTE DOS DADOS BRUTOS: http: www.brasiltelecom.com.br Acesso em: 2005.
(1) Valores estimados. (2) Inclui as participações da Intelig Telecom, da CTBC, da Sercomtel, da GVT e da Vésper.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005
121
Telecomunicações: os resultados da política de competição
Tabela 4
Valor das tarifas de longa distância internacional (LDI) cobradas pela Embratel no Brasil — 1997-05
VALOR (1)
REDUÇÃO DAS TARIFAS (%)
PAÍSES DE DESTINO
1997
1998
2000
2001
2003
Argentina ........................
106,7
100,0
85,4
100,8
Estados Unidos ...............
106,7
100,0
85,4
100,8
Portugal ..........................
106,7
100,0
85,4
100,8
39,0
Países da Europa ...........
106,7
100,0
85,4
100,8
Países da África ..............
106,7
100,0
85,4
100,8
Países da Ásia ................
106,7
100,0
85,4
100,8
Rio Grande do Sul para
Uruguai ...........................
106,7
100,0
85,4
Amazonas para Colômbia
106,7
100,0
85,4
Santa Catarina para Argentina ............................
106,7
100,0
85,4
2000
1998
2003
2000
2005
2004
2005
1998
2004
2005
54,1
47,5
28,3
14,6
36,6
40,3
71,7
34,6
30,3
23,5
14,6
59,5
22,6
76,5
34,2
30,5
14,6
54,4
10,8
69,5
58,7
45,7
37,9
14,6
31,3
17,1
62,1
69,2
36,1
32,4
14,6
19,0
10,1
67,6
69,2
36,1
32,4
14,6
19,0
10,1
67,6
100,8
38,7
29,5
22,6
14,6
54,7
23,5
77,4
100,8
38,1
29,1
22,2
14,6
55,4
23,5
77,8
100,8
38,7
29,5
22,6
14,6
54,7
23,5
77,4
LDI por DDI (2)
LDI Regional por DDI (2)
FONTE DOS DADOS BRUTOS: ANATEL.
NOTA: Valores deflacionados pelo IGP-DI médio anual entre maio/04 e abr./05 = 100.
(1) Valor em reais do minuto inicial normal. (2) DDI: discagem direta internacional.
Tabela 5
Participação das operadoras na receita bruta dos serviços de longa distância nacional, no Brasil — 2001-04
(%)
GRUPOS
2000
2001
2002
2003
2004
Telemar .................................................
16,8
14,2
13,6
12,9
11,8
Brasil Telecom ......................................
13,6
15,2
17,2
17,7
19,8
Telefônica ..............................................
19,2
21,1
22,7
27,4
29,8
Embratel (1) ..........................................
44,0
43,7
38,0
33,9
31,1
Outros (2) ..............................................
6,3
5,8
8,5
8,2
7,5
TOTAL ..................................................
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
FONTE DOS DADOS BRUTOS: RELATÓRIOS TELECO. Telefonia celular no Brasil 2005. 2005a. Disponível em:
http: www.teleco.com.br Acesso em 2005.
(1) Estimativa a partir da receita líquida. (2) Estimativa que inclui as participações de Intelig, CTBC, Sercomtel, GVT e Vésper.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005
122
Renato Antonio Dal Maso
Tabela 6
Participação dos principais grupos nas telecomunicações do Brasil — 2004 e jun./05
(% de acessos)
BRASIL (ano de 2004)
GRUPOS
Fixos
JUNHO DE 2005
Região II
Região I
Celulares
Total
Receita
Bruta
Fixos
Fixos e
celulares
Fixos
10,5
21,7
40,5
20,8
93,4
6,0
0,5
0,1
1,5
100,0
19,9
21,3
35,2
17,8
94,3
3,4
1,3
0,2
0,9
100,0
22,6
22,0
33,6
16,6
94,8
2,0
3,2
100,0
76,6
20,9
97,5
2,5
100,0
44,0
14,1
14,5
17,6
90,2
8,3
1,5
100,0
89,9
89,9
0,4
1,4
8,4
100,0
Telemar/Oi ...........................
35,2
Brasil Telecom /TIM (1) .......
21,7
Telefônica/Vivo ....................
26,8
12,3
Embratel/Vésper/Claro ........
Subtotal ..............................
95,9
Telemig/Amazonas Celular
CTBC Telecom ....................
1,7
0,3
Sercomtel ............................
2,0
GVT .....................................
Demais espelhinhos ............
Outros ..................................
TOTAL ................................ 100,0
Fixos e
celulares
12,4
41,8
29,2
13,3
96,7
0,2
0,6
2,5
100,0
Região III
Fixos
Fixos e
celulares
89,4
8,9
98,4
1,6
100,0
10,6
68,9
19,6
99,1
0,9
100,0
FONTE DOS DADOS BRUTOS: ANATEL. Relatório anual 2004. Disponível em: http: www.anatel.gov.br Acesso em: 2005.
RELATÓRIOS TELECO. Telefonia celular no Brasil 2005. 2005a. Disponível em:
http: www.teleco.com.br Acesso em: 2005.
RELATÓRIOS TELECO. Telefonia fixa no Brasil 2005. 2005b. Disponível em:
http: www.teleco.com.br Acesso em: 2005.
(1) Inclui os acessos celulares da Brasil Telecom Celular.
Tabela 7
Índice das tarifas das ligações de longa distância nacional (LDN) no Brasil — 1998-05
CHAMADAS LDN
(horário normal)
TELEMAR
(Setor 2-RJ)
1998
BRASIL TELECOM
(Setor 29-RS)
TELEFÔNICA
(Setor 31-SP Capital)
2000
2003
2005
1998
2000
2003
2005
1998
2000
2003
2005
96,4
55,3
51,5
100,0
103,6
113,3
102,5
100,0
106,2
87,4
81,3
D1 - < 50km ................... 100,0 114,3
140,0
110,4
100,0
114,3
119,0
99,7
100,0
106,3
110,5
91,2
D2 - > 50km e < 100km
100,0 114,3
140,0
113,9
100,0
114,3
119,0
99,8
100,0
101,8
105,8
87,4
D3 - > 100km e < 300km 100,0 100,8
111,6
96,9
100,0
114,3
93,6
78,4
100,0
93,1
96,8
79,9
D4 - > 300km ................. 100,0 114,3
112,4
86,0
100,0
102,7
82,1
66,7
100,0
93,1
84,0
73,0
92,8
...
100,0
112,6
106,7
89,4
100,0
112,6
106,7
89,4
DC - Conurbada (1) .......
100,0
TU-RIU por minuto ......... 100,0
97,9
FONTE DOS DADOS BRUTOS: ANATEL.
NOTA: Valores deflacionados pelo IGP-DI médio anual entre maio/04 e abr./05 = 100.
(1) São ligações locais feitas dentro da cidade ou entre cidades adjacentes que a Anatel estabeleceu que fossem consideradas
locais.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005
Telecomunicações: os resultados da política de competição
4 - O oligopólio institucional na telefonia celular
e o nivelamento das
tarifas
Igualmente foram decisivas, no cenário da telefonia
celular, as seguintes medidas da política de competição:
as empresas entrantes na freqüência da Banda B, a
implantação do SMP, o Código de Seleção de Prestadora
e a liberação para quatro operadoras em cada região.
Desde meados de 1997, as empresas buscaram, com
ousadia e agressividade, firmar posição nas áreas mais
densas, através de planos de expansão arrojados para
cobertura de rede, da oferta de planos de tarifas atrativos
e de campanhas agressivas para diferenciar seus
serviços.
O segundo fato relevante foi a nova regulamentação
para o Serviço Móvel Pessoal (Resolução nº 248/2000,
da Anatel), substituindo o Serviço Móvel Celular. As
autorizações do SMP passaram a ser não mais para as
nove áreas do SMC, mas para as Regiões I, II e III. A
medida autorizou novas entrantes para as freqüências
das Bandas D e E em cada região e permitiu que as
operadoras das Bandas A e B se adaptassem ao novo
cenário. Esse rearranjo no modelo da telefonia celular
promoveu uma corrida de fusões e aquisições e culminou
com a adaptação de todas as empresas, obtendo
autorização para atuar em todas as regiões. Vale lembrar
que o impedimento das fusões e aquisições teria findado
após cinco anos do início das operações. Os resultados
do novo cenário foram os seguintes:
a) a Vivo, controlada pela Telefônica, incorporou a
Spice do Brasil na Região I (área 8), a Global
Telecom, da japonesa DDI, na Região II (área 5)
e associou-se a Portugal Telecom na Região III;
b) a Claro (ou Telecom Américas) é controlada pela
mexicana Telmex. Na Região I, incorporou a Algar,
da norte-americana Southwesther Bell (área 3),
e a BSE, da norte-americana Bell South/
/Bombshell e do Banco Safra (área 10); na Região
II, incorporou a Telet, das canadenses Bell Canadá
e Telesystem Wireless (área 6); na Região I,
incorporou a BCP, da norte-americana Bell South
e do Banco Safra (área 1) e a Tess S/A, da
operadora sueca Telia Overseas (área 2); adaptou-se ao SMP, adquirindo autorização para operar
a Banda E nas áreas 4 e 9; e, atualmente, está
associada à Embratel e à Vésper;
123
c) a TIM é controlada pela Telecom Itália Móbile,
que detém o controle da Brasil Telecom (telefonia
fixa). Na Região I, adquiriu autorização para a
Banda E (áreas 3 e 8), bem como para a Banda
D nas Regiões II (áreas 6 e 7) e III (áreas 1 e 2);
d) a Oi é controlada pela Telemar e foi uma entrante
da Banda D em 2002;
e) a Brasil Telecom Celular é controlada pela Brasil
Telecom e passou a operar serviços na Banda
D, na Região II, em setembro de 2004. Nesse
caso, existe propriedade cruzada irregular da
Telecom Itália, controladora da TIM, que também
opera na Região II, e, indiretamente, também da
Brasil Telecom Celular, através da participação
acionária na Brasil Telecom. Essa irregularidade
será objeto de decisão da Anatel.
No essencial, os resultados da política, sem dúvida,
foram significativos: primeiro, porque acirraram a disputa
no plano regional; segundo, porque promoveram a
concentração de capitais em grandes grupos, ampliando
o jogo competitivo para o plano nacional. Na verdade,
trata-se de uma medida de ajuste do modelo que atendeu
aos interesses dos agentes, particularmente para
consolidar suas estratégias de prover multisserviços em
todas as regiões (Quadro 2). O rearranjo do modelo e
seus resultados na formação de quatro grandes grupos
certamente configurou uma escala e uma estrutura
empresarial adequadas ao fortalecimento da liderança
no novo cenário competitivo.
No que se refere aos indicadores quantitativos, a
distribuição dos acessos celulares entre as operadoras
reafirma a liderança do grupo Telefônica/Vivo em todo o
Brasil. O Grupo operou 44,8% dos acessos totais em
2003 e 36,5% dos mesmos em agosto de 2005. Ele
predomina nas Regiões II e III, onde controla em torno
de 53% dos acessos. A TIM detém a segunda posição
no ranking e explora 22,8% dos acessos celulares. Seu
desempenho é significativo, dizendo-se a única operadora
que atua em todos os estados brasileiros. A Claro é a
terceira no ranking, controlando 21,7% dos acessos, localizados principalmente nas Regiões II e III. A Oi tem uma
fatia do mercado nacional de 11,1% dos acessos e lidera
na Região I. As demais empresas controlam menos de
7% dos celulares totais, exceto a participação do grupo
Opportunity na Região I, que é de 13,0% (Tabela 8).
Portanto, os ganhos da política vieram com as altas
taxas de adesão e mobilidade dos usuários a partir de
1999, especialmente quando os planos de acessos pré-pagos passaram a ser o carro-chefe da expansão dos
celulares. A oferta de acessos e o número de usuários
tiveram crescimento explosivo de 32,9% em 2003 e de
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005
124
41,5% em 2004. Porém a competição pesada ocorre na
fração de mercado dos usuários de planos pós-pagos,
cujos usuários são empresas e as classes de renda A e
B, que propiciam receita média por acesso mais elevada.
Essa fração encontrava-se estagnada num montante de
9,8 milhões de usuários até 2002 e expandiu-se para
12,8 milhões em 2004. Atualmente, eles representam em
torno de 17% dos acessos. O crescimento recente foi o
resultado das campanhas focadas para aumentar a receita
média desses planos, diferençando os serviços através
de qualidades fictícias, tecnológicas, ofertas de planos
de tarifas, disponibilizando outros serviços e o baixo custo
do aparelho celular, “objeto de desejo” fascinante,
contendo multifunções (som, imagem, dados, internet,
hora, despertar, avisos, rádio, jogos, câmera fotográfica,
etc.).
Os acessos com planos pré-pagos atraíram milhões
de usuários. Representavam 59% dos usuários ou 13,6
milhões de acessos em 2000 e ampliaram-se para 52,8
milhões de usuários, que representam 83,4% dos
acessos em 2004. Esse fato singular explica a grande
expansão da telefonia celular, tendo em vista a alta
participação dos pré-pagos em todas as operadoras
(Tabela 8).
Os usuários dos pré-pagos desejavam ter controle
dos gastos com ligações mensais. Por isso, os planos
adequaram-se à renda disponível ao acesso e uso dos
serviços. Trata-se de usuários que pouco originam
chamadas ou fazem ligações rápidas, porém
potencializam a utilização das redes, recebendo ligações
e torpedos. O interesse das empresas em ofertar esses
planos está nas receitas significativas que geram via
tarifa de interconexão, denominada Valor de Uso da rede
Móvel (VU-M), pois ela remunera a rede de uma prestadora
móvel, quando a ligação iniciada de um telefone da
prestadora fixa é terminada no celular. Ou seja, na área
da operadora, a regra é: quem liga paga.
Portanto, a explosão dos planos pré-pagos
protagoniza uma guinada na tendência da telefonia em
geral, determinada por duas condições principais: a
grande capilaridade das redes celular e fixa e a
necessidade dos usuários em controlar gastos. A grande
capilaridade da rede, atualmente, sustenta a expansão e
o sucesso dos pré-pagos. A principal barreira que limita
a competição entre os acessos pré-pagos e os fixos está
no grande diferencial das tarifas desses, em torno de R$
0,90 o minuto e de R$ 0,105 por pulso de quatro minutos
normais respectivamente. Como os usuários e as famílias
resolvem esse ônus preferindo o celular pré-pago?
Controlam gastos, ajustando-os à sua renda e às suas
necessidades. Assim, esse “objeto de desejo” preferido
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005
Renato Antonio Dal Maso
passou a gerar um serviço substituto mais eficiente e
rival da telefonia fixa local. Trata-se de uma nova rivalidade
impulsionada pelas firmas multisserviços e pela
competição ampliada para o plano nacional. Os grandes
grupos marcam presença em todas as regiões,
controlando parte expressiva dos acessos celulares,
especialmente os pré-pagos (Tabela 8).
Os impactos da política sobre as tarifas celulares
foram expressivos. Para dimensioná-los, selecionaram-se indicadores das tarifas para chamadas locais (VC-1), chamadas para fora de sua área de registro (VC2) e
chamadas de fora da área de concessões (VC3). Uma
observação geral é que as tarifas praticadas por cada
grupo não foram similares, mas distintas em cada estado.
Porém apresentaram a mesma tendência de queda no
período. Por isso, elegeu-se São Paulo (interior), por ser
um mercado muito competitivo, para mostrar a evolução
dos preços por prestadora (Tabelas 9) e a evolução da
tarifa média em alguns estados representativos (Tabela
10). A tarifa VC3 sofreu a maior redução por todas as
operadoras. A Vivo e a Claro diminuíram-na num montante
superior a 50% em termos reais, e a TIM (SP), em torno
de 20%. Basicamente, essa queda foi o resultado do
impacto da medida que permitiu aos usuários escolherem
a operadora de sua preferência para as chamadas de
LDN (VC3). A tarifa VC2 sofreu redução próxima de 40%
reais aplicada pela Vivo e pela Claro e de 20% aplicados
pela TIM. O maior impacto ocorreu nas tarifas médias
cobradas em São Paulo (interior), conforme revelam os
dados da Tabela 10. No caso das chamadas locais (VC1),
ocorreu um nivelamento das tarifas em todos os estados,
algumas tendo elevação, outras, redução. Ou seja, as
operadoras Vivo e Claro reduziram significativamente
suas tarifas, como resultado da entrada de novas
operadoras. Porém a tendência é se tornarem niveladas.
Os agentes oligopolistas evitam competir por tarifas.
Sempre preferem buscar vantagens através da
diferenciação dos serviços.
Em suma, em 2003 e 2004, a explosão dos pré-pagos e as receitas de interconexão atrativas passaram
a ser fatores dinâmicos que tiraram da estagnação as
prestadoras. O efeito da política de competição já cumpriu
sua missão, e a tendência será o nivelamento ou a prática
de tarifas similares. O rearranjo do cenário da telefonia
celular foi ao encontro dos interesses dos grandes grupos,
ao consolidar empresas operadoras de multisserviços,
concentrando capital e configurando a liderança de firmas
dominantes.
125
Telecomunicações: os resultados da política de competição
Tabela 8
Participação das operadoras no total de acessos celulares do Brasil — 2003-05
(% de acessos)
2005
OPERADORAS
BANDAS
Vivo .......................
2003
PRÉ-PAGOS
2004
Região I
Região II
Região III
Total
2003
2004
76,6
80,0
A, B
44,8
40,5
23,0
48,0
51,0
36,5
TIM ........................ A, B, D, E
Claro ......................
B, D, E
Oi ...........................
D
18,0
20,7
24,0
22,0
20,0
22,8
-
76,0
20,6
8,4
20,8
10,5
16,0
24,0
23,0
-
29,0
-
21,7
11,1
81,3
83,0
82,4
86,1
Telemig/Amazonas
Celular ...................
Brasil Telecom ......
A
E
7,3
-
6,0
0,9
13,0
-
6,0
-
5,4
2,1
70,1
-
73,0
66,9
TBC Telecom ........
Sercomtel Celular
A
A
0,7
0,2
0,52
0,14
100,0
0,4
0,1
100,0
-
100,0
100,0
-
TOTAL ..................
100,0
Total de acessos
(1 000) ................... A, B, D, E 46 373
1,0
100,0
76,2
80,5
65 605
33 675
22 881
18 962
78 947
35 336
52 812
FONTE DOS DADOS BRUTOS: ANATEL. Relatório anual 2004. Disponível em: http: www.anatel.gov.br Acesso em: 2005.
RELATÓRIOS TELECO. Telefonia Celular no Brasil 2005. 2005a. Disponível em:
http: www.teleco.com.br Acesso em: 2005.
Tabela 9
Tarifas das operadoras da telefonia celular em São Paulo (interior) — 1997/05
(R$ do minuto normal)
VC-2 (2)
VC-1 (1)
VC-3 (3)
ANOS
Vivo
CTBC
Claro
1997
0,648
0,672
-
1998
0,607
0,630
1999
0,653
0,661
2000
0,628
2001
2002
TIM
Vivo
CTBC
Claro
TIM
Vivo
CTBC
Claro
TIM
-
1,392
1,392
-
-
1,584
1,584
-
-
0,562
-
1,304
1,304
1,102
-
1,484
1,484
1,327
-
0,637
-
1,402
1,369
1,258
-
1,596
1,558
1,515
-
0,636
0,613
-
1,349
1,317
1,210
-
1,535
1,499
1,457
-
0,560
0,567
0,547
-
1,204
1,176
1,080
-
1,370
1,338
1,300
-
0,562
0,562
0,562
-
1,214
1,176
1,110
-
1,381
1,338
1,337
-
2003
2004
0,588
0,552
0,588
0,552
0,588
0,552
0,597
0,645
0,765
0,717
0,765
0,717
0,765
0,717
0,597
0,645
0,629
0,717
0,629
0,717
0,629
0,717
0,735
0,645
2005
0,536
0,536
0,542
0,650
0,697
0,697
0,704
0,650
0,697
0,697
0,704
0,650
FONTE DOS DADOS BRUTOS: ANATEL. Relatório anual 2004. Disponível em: http: www.anatel.gov.br Acesso em: 2005.
NOTA: Tarifas reais corrigidas pelo IGP-DI, média anual de maio/04 a abr./05 = 100.
(1) VC1: valor da comunicação das chamadas locais de celular. (2) VC2: chamada celular da área de registro. (3) VC3: chamada celular para fora da área de concessão.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005
126
Renato Antonio Dal Maso
Tabela 10
Tarifas médias praticadas na telefonia celular — 1997/05
(R$ do minuto normal)
ANOS
RIO DE JANEIRO
(Vivo, Claro, TIM e Oi)
SP-INTERIOR
(Vivo, Claro, TIM e CTBC)
RIO GRANDE DO SUL
(Vivo, Claro, TIM e Brasil
Telecom)
BAHIA
(Vivo, Claro, Oi e TIM)
VC-1 (1) VC-2 (2) VC3 (3) VC-1 (1) VC-2 (2) VC3 (3) VC-1(1) VC-2 (2) VC3 (3) VC-1(1) VC-2 (2) VC3 (3)
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
0,67
0,56
0,59
0,57
0,51
0,53
0,57
0,57
0,53
1,39
0,90
0,94
0,91
0,81
0,83
0,66
0,65
0,61
1,38
1,47
1,41
1,26
1,33
0,66
0,65
0,61
0,66
0,60
0,65
0,63
0,56
0,56
0,59
0,57
0,57
1,39
1,24
1,34
1,29
1,15
1,17
0,72
0,70
0,69
1,58
1,43
1,56
1,50
1,34
1,35
0,66
0,70
0,69
0,60
0,64
0,62
0,55
0,54
0,56
0,54
0,57
1,39
1,02
1,10
1,06
0,94
0,94
0,71
0,67
0,65
1,58
1,47
1,58
1,52
1,36
1,36
0,71
0,67
0,65
0,62
0,55
0,59
0,56
0,53
0,56
0,62
0,55
0,55
1,39
1,23
1,32
1,14
1,09
1,13
0,76
0,68
0,67
1,58
1,39
1,51
1,30
1,24
1,29
0,76
0,68
0,67
FONTE DOS DADOS BRUTOS: ANATEL. Relatório anual 2004. Disponível em: http: www.anatel.gov.br Acesso em: 2005.
NOTA: Tarifas reais corrigidas pelo IGP-DI, média anual de jun.-maio, base maio/05 = 100.
(1) VC1: valor da comunicação das chamadas locais celular. (2) VC2: chamada celular da área de registro. (3) VC3:
chamada celular para fora da área de concessão.
5 - Observações finais
A política de telecomunicações do Governo Federal,
a partir de 1997, buscou implantar um regime competitivo
sem limite de prestadoras de serviços nas regiões, o
qual, por suposto, criaria um cenário de “plena
competição” até 2003. A competição é uma realidade
visível em algumas modalidades, como na telefonia
celular, na LDN inter-regional e na LDI; noutras, revelou-se muito restrita, como na telefonia local e na LDN intra-regional. Nestas últimas, concentram-se as maiores
fontes de receitas, conforme Tabela 1. A análise destacou
que o jogo competitivo ocorreu no plano regional, onde
duas assimetrias basicamente asseguraram liderança das
empresas dominantes, que são o controle das redes e
dos acessos telefônicos.
As originárias Telemar, Brasil Telecom, Telefônica e
Embratel reafirmaram o domínio dos mercados regionais,
controlando as redes e os acessos fixos, bem como os
celulares, através de suas respectivas operadoras Oi,
TIM, Vivo e Claro. A formação dos quatro grandes grupos
foi decisiva para consolidar empresas multisserviços
convergentes das telecomunicações.
Fala-se muito em competição equilibrada entre os
grupos, sugerindo a presença da plena competição.
Porém os indicadores analisados sugerem outra leitura,
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005
que é a liderança de firmas dominantes em cada região,
formando quatro grandes grupos empresariais.
Certamente, a telefonia celular é uma exceção,
devido às suas características, que possibilitam maior
diferenciação dos serviços e maior mobilidade dos
usuários, e por desfrutar das tecnologias de última
geração. O rearranjo do modelo e do cenário competitivo,
combinado com o processo de fusões e aquisições,
promoveu a concentração de capitais em quatro grandes
grupos e projetou a competição para o plano nacional,
inclusive uma nova forma de competição entre os planos
do celular pré-pago com os serviços de telefonia fixa
local, apesar do grande diferencial nas tarifas cobradas.
Em relação às tarifas, a análise dos dados permite
afirmar, primeiro, a tendência de queda e, segundo, de
nivelamento com as das concorrentes. Esse fato sugere
que a prática de redução das tarifas tenha se esgotado.
A disputa via tarifas, sendo destrutiva, faz com que os
grupos a evitem, preferindo rivalizar pela diferenciação
dos serviços, pelas inovações e pela oferta de novos
serviços.
Telecomunicações: os resultados da política de competição
127
Referências
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http: www.anatel.gov.br Acesso em: 2005.
BRASIL. Ministério das Comunicações. Lei específica
n° 9.295, de 17.07.1996. Brasília: O Ministério, 1996.
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telecomunicações nº 9.472/97. Brasília: O Ministério,
1997.
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http: www.brasiltelecom.com.br Acesso em: 2005.
DALMAZO, Renato. As mediações cruciais das
mudanças político-institucionais nas telecomunicanicações do Brasil. Porto Alegre: FEE, 2002. (Teses
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EMBRATEL. Relatório anual da administração 2000/
/2004. Disponível em: http: www.embratel.com.br Acesso
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FREDRICI FILHO, Roberto F. Regulamentação e
competição na telefonia fixa no Brasil. Disponível em:
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RELATÓRIOS TELECO. Telefonia celular no Brasil
2005. 2005a. Disponível em: http: www.teleco.com.br
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RELATÓRIOS TELECO. Telefonia fixa no Brasil 2005.
2005b. Disponível em: http: www.teleco.com.br Acesso
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SANTOS, Marcos R. dos; TABOADA, Luiz F. A relevância e a importância da competição no setor de
telecomunicações. Disponível em: www.teleco.com.br
Acesso em: 06 dez. 2004.
TELEFÔNICA. Relatório anual da administração 2000-2004. Disponível em: http: www.telefonica.com.br
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TELEMAR. Relatório anual da administração 2000-2004. Disponível em: http: www.telemar.com.br Acesso
em: 2005.
TELESP. Relatório anual da administração 2000-2004.
Disponível em: http: www.telesp.com.br Acesso em:
2005.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005
128
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 111-128, dez. 2005
Renato Antonio Dal Maso
129
A ineficácia dos programas públicos pró-pobres: o caso do Programa Bolsa-Família
A ineficácia dos programas públicos pró-pobres:
o caso do Programa Bolsa-Família
Régis Rathmann*
Graduado da Faculdade de Ciências Econômicas
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Resumo
A intenção, neste artigo, é apresentar-se a problemática atual do Programa
Bolsa-Família, relacionada ao relatório do Banco Mundial de 2004 (WDR
2004), em consonância com os dados atuais dos gastos com o Programa
e com suas fontes de financiamento. Tem-se como objetivo verificar se
as normas de regulação estão sendo seguidas, quais os impactos reais
dessa entrada de dinheiro na economia e como a teoria trata a eficácia
desses programas de redistribuição de renda. Para isso, utilizam-se
pesquisas nos atos normativos de institucionalização do Programa, de
dados do lado real da economia e pesquisa de teorias da economia do
setor público. Conclui-se que existe uma falta de interação entre os
poderes, ou seja, uma total inexistência de "accountability", além do fato
de que o Programa não conseguiu, até hoje, atingir seu principal objetivo:
distribuir renda.
Palavras-chave: setor público; programa social; distribuição
de renda.
Abstract
The intention of this article is to present problematic current of the Programa
Bolsa-Família, related to the report of the World Bank of 2004 (WDR
2004), in accord to the current data of the expenses with the program and
its sources of financing. We have as objective to verify if the regulation
norms are being followed, which the real impacts in the economy of this
money entrance and as the theory deals with the effectiveness these
programs of income redistribution.For this in we will use them of research
to the normative acts of institutionalization of the program, data of the
real side of the economy and searches to the theories of the economy of
the public sector. Concludes that a lack of interaction between exists
being able them, or either, one total inexistence of "accountability", beyond
the fact that the program did not obtain today until reaching its main
objective; to distribute income.
Artigo recebido em 03 out. 2005.
*E-mail: [email protected]
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 129-136, dez. 2005
130
1 - Introdução
Nos últimos meses, foram amplamente divulgadas
pela imprensa as distorções ocorridas no acesso ao
Bolsa-Família, o qual é um programa de auxílio, do
Governo Federal brasileiro, que surgiu com a missão de
unificar os antigos benefícios, ainda não extintos: Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Cartão-Alimentação e
Auxílio-Gás. O Bolsa-Família visa atingir aquelas famílias
com renda de até R$ 100,00 per capita mensais; portanto,
é um programa que visa à transferência de renda à
população, procurando, através disso, diminuir as
mazelas sociais.
Esses programas também vêm ganhando espaço
na agenda mundial, demonstrando o reconhecimento das
nações de que o sistema capitalista de produção distribui
a renda de forma altamente desigual (Galbraith, 1998).
Daí decorre, atualmente, a defesa desses programas por
um grande número de economistas (apesar de seus
objetivos políticos divergentes), sejam ligados à corrente
heterodoxa, sejam à ortodoxa, estando entre eles:
Frederick Hayek, Milton Friedman, Mario Henrique
Simonsen, Paul Singer e Eduardo Suplicy (Suplicy, 1993).
Os mecanismos para a obtenção do benefício no
Brasil agregam, dentre outros fatores, o fato de que "se
obriga", para a obtenção do benefício, o acesso de uma
grande massa de crianças à educação, assim como
requerem a adesão total das crianças da família
beneficiada aos programas de vacinação. Isso possui
lógica econômica, pois, supostamente, levaria, por um
lado, à "qualificação" de uma futura massa de trabalhadores e, por outro, enquanto na lógica da medicina preventiva, diminuiria gastos com saúde pública "curativa", que
nada mais é do que aquela que visa evitar a doença e
não as curar após seu surgimento.
Como o cadastramento é de responsabilidade das
prefeituras, começaram a surgir distorções, advindas de
"interesses políticos", de "beneficiamento ilícito" e/ou de
falhas institucionais intrínsecas ao processo. Esses tipos
de benefícios, em muitos casos, acabam por não atender
àquelas famílias necessitadas, demonstrando uma
ineficácia distributiva, pois os mesmos terminam, algumas vezes, privilegiando as classes médias, o que acaba
levando a uma concentração maior da renda.
Portanto, a intenção, neste estudo, é apresentar
possíveis soluções à atual problemática da gestão de
políticas públicas do Governo Federal brasileiro — no
caso, o Programa Bolsa-Família — em consonância com
o World Development Report 2004 (World..., 2004), do
Banco Mundial, o qual apresenta amplamente a necessiIndic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 129-136, dez. 2005
Régis Rathmann
dade de accountability para a superação das ineficiências
de gestão governamental, porém sem deixar de
apresentar antes tanto as atribuições do Programa quanto
as conclusões do citado relatório. O termo acima referido
significa, literalmente, que é preciso haver uma comunicação interativa dos mais diversos agentes públicos com
a sociedade, assim como uma total prestação de contas
e uma avaliação acerca da qualidade dos serviços
públicos prestados (World..., 2004).
Além disso, busca-se efetuar tanto o levantamento
dos gastos atuais com o dito programa, quanto identificar
questões acerca das fontes de financiamento do mesmo.
Também se tem a intenção de demonstrar, no final, possíveis soluções para a eficácia do Programa, baseadas
tanto na interpretação do referencial teórico utilizado
quanto nas conclusões propostas no relatório do Banco
Mundial.
2 - O Programa Bolsa-Família e suas
atribuições
Criado através da Lei nº 10.836, de 09 de janeiro de
2004, o Programa é destinado às ações de transferência
de renda com condicionalidades, tendo por finalidade a
unificação dos procedimentos de gestão e execução das
ações de transferência de renda do Governo Federal,
especialmente do Programa Nacional de Renda Mínima
vinculado à Educação, o Bolsa-Escola; do Programa
Nacional de Acesso à Alimentação (PNAA); do Programa
Nacional de Renda Mínima vinculado à Saúde, o Bolsa-Alimentação; e do Programa Auxílio-Gás (BRASIL, 2004).
As finalidades dos mesmos são:
- benefício básico - destinado a unidades familiares
que se encontrem em situação de extrema
pobreza;
- benefício variável - destinado a unidades familiares que se encontrem em situação de pobreza ou
de extrema pobreza e que tenham em sua
composição gestantes, nutrizes, crianças entre
zero e 12 anos ou adolescentes de até 15 anos
de idade.
Ademais, são seus objetivos:
a) promover o acesso à rede de serviços públicos,
em especial, de saúde, educação e assistência
social;
b) combater a fome e promover a segurança alimentar e nutricional;
131
A ineficácia dos programas públicos pró-pobres: o caso do Programa Bolsa-Família
c) estimular a emancipação sustentada das famílias
que vivem em situação de pobreza ou de extrema
pobreza;
d) combater a pobreza; e
e) promover a intersetorialidade, a complementaridade e a sinergia das ações sociais do poder
público (BRASIL, 2004).
O valor mensal dos benefícios pode variar de R$
50,00 para famílias com renda per capita de até R$ 50,00,
assim como de R$ 15,00 por beneficiário, até o limite de
R$ 45,00, para famílias com renda per capita de até R$
100,00, devendo ser concedido, através de depósito, em
dinheiro, em uma conta corrente previamente cadastrada
junto ao sistema bancário público.
Cabe à Caixa Econômica Federal (CEF) a emissão
dos cartões magnéticos, a serem confeccionados com
base no cadastro efetuado pelas prefeituras municipais,
devendo o crédito dos valores acima referidos ser efetuado em conta bancária, preferencialmente à mulher.
Ao analisar-se a finalidade do Programa, observam-se semelhanças com o Programa de Garantia de Renda
Minima (PGRM), defendido, dentre outros, por Hayek,
que tem como objetivo a distribuição de renda à sociedade sob a forma de papel moeda e não através de cestas
básicas, remédios e outros serviços, o que, segundo o
autor, levaria ao uso da renda segundo a preferência de
cada um (Hayek apud Suplicy, 1993).
3 - A execução do Programa Bolsa-Família e suas
distorções
A lei que criou o Programa condiciona o
mantenimento do benefício a periódicas avaliações,
sendo elas:
- exame pré-natal;
- acompanhamento nutricional;
- acompanhamento de saúde;
- freqüência escolar de 85% em estabelecimento
de ensino regular.
Os administradores públicos responsáveis pelo
controle do Programa (prefeituras) apontam que não
conseguem efetuar a fiscalização acerca dos itens acima,
alegando, preponderantemente, que têm carência de
funcionários para a sua execução (Clicnotícias, 2004).
Porém existem distorções que são originadas pela
própria forma como é concebido o Programa, sendo um
exemplo a forma como é feito o cadastramento, no caso,
declaratório. Este se baseia em informações prestadas
pelas pessoas que desejam obter acesso ao serviço,
onde o declarante informa quanto aufere em renda
mensalmente, munido da cópia de seu RG e
acompanhado de uma testemunha.
Assim sendo, colocam-se inúmeros problemas:
- impossibilidade de conferência da renda de
trabalho informal, a qual leva a que sejam aceitas
as informações na íntegra;
- defasagem de informações, o que conduz a que
beneficiários com renda recebam o beneficio, ou
seja, quando efetuou o cadastro estava
desempregado, porém depois arrumou emprego
e continuou recebendo o beneficio;
- famílias com alunos em estado de evasão escolar
continuam recebendo o beneficio, ou seja, na
ocasião do cadastro, estavam estudando, porém,
após, deixaram de freqüentar a escola.
Todos os problemas acima são apontados pelos
próprios funcionários responsáveis pelo cadastramento
no Programa. Entretanto os mesmos alegam que, em
função do baixo contingente de funcionários, não
conseguem efetuar a fiscalização satisfatoriamente
(Clicnotícias, 2004).
4 - O Programa Bolsa-Família em números
O resumo demonstrativo do Bolsa-Família por
unidade da Federação, para o mês de referência março
de 2005, mostra uma participação de 99,50% de
municípios brasileiros recebendo o beneficio, sendo que
a participação não atinge 100% somente nos Estados
de Goiás, Pernambuco, Piauí, Rondônia, São Paulo e
Tocantins. O número de famílias atendidas foi de
6.562.155, e receberam um montante de R$
430.198.315,00 no mês citado, sendo o valor médio por
beneficio R$ 65,56 (BRASIL, 2004).
Cabe ressaltar que esses valores se referem
unicamente ao Bolsa-Família, tendo sido destinado aos
demais benefícios: R$ 61.131.660,00 (Bolsa-Escola); R$
887.775,00 (Bolsa-Alimentação); R$ 5.267.850,00
(Cartão-Alimentação); e R$ 76.842.705,00 (Auxilio-Gás).
Então, o total de "gastos" do Governo com benefícios de
distribuição de renda totalizaram, para o mês de março
de 2005, R$ 574.628.305,00.
Assim, ao se avaliarem os valores acima de forma
agregada, pode-se chegar às seguintes conclusões:
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 129-136, dez. 2005
132
a) o gasto projetado com o Programa Bolsa-Família
para o ano de 2005 (R$ 5.162.379.780,00) é de
0,003% em relação ao PIB total de 2004;
b) o gasto projetado com o Programa Bolsa-Família
atinge, aproximadamente, 5% do total do gasto
público com o pagamento dos juros da dívida
interna (JURO..., 2005);
c) o Programa Bolsa-Família atinge em torno de
10% da população total do Brasil, enquanto os
juros da divida interna são pagos a 4% da
população total;
d) a parcela de renda apropriada pelos 10% mais
ricos 1 em 2002 era de 47,02% (valores
percentuais da renda total), valor quase idêntico
ao de 1994, que era de 47,85% (Pesq. Nac.
Amost. Domic., 2002);
e) a parcela de renda apropriada pelos 50% mais
pobres 2 em 2002 era de 12,98% (valores
percentuais da renda total), valor praticamente
idêntico ao de 1994, que era de 12,35% (Pesq.
Nac. Amost. Domic., 2002).
A análise preliminar desses números aponta a
conclusão de que a distribuição de renda no País continua,
em níveis percentuais, semelhante na última década.
Uma das causadoras dessa situação, dentre outras, foram
as altas taxas de juros no período 1994-04, o que levou
a que o montante dos juros pagos da dívida interna pelo
Governo fosse cada vez maior, os quais são, sabidamente, destinados a uma pequena parcela da população,
que é detentora de títulos da dívida pública, no caso,
aquela situada na parcela dos 10% mais ricos da
população.
Ademais, no que tange às fontes de financiamento,
cabe ressaltar-se que os juros da dívida interna são pagos
sem "(...) restrições orçamentárias, ou seja, se o caixa
do governo não é suficiente para pagar todos os encargos
da dívida, o governo pode tomar empréstimos (através
da emissão de mais títulos), opção que não existe para
gastos sociais" (JURO..., 2005).
Entretanto o Governo brasileiro, atualmente, encontrou uma nova forma de financiar seus gastos sociais.
Recentemente, conforme inúmeras publicações na
1
Série baseada na Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD) do IBGE. É a proporção da renda apropriada
pelos indivíduos pertencentes aos 10% mais ricos da distribuição
de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita.
2
Série baseada na Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios do IBGE. É a proporção da renda apropriada pelos
indivíduos pertencentes aos 50% mais pobres da distribuição
de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 129-136, dez. 2005
Régis Rathmann
imprensa, o País obteve empréstimo, junto ao Banco
Mundial, de US$ 572 milhões (aproximadamente R$
1.372.000.000,00, o que representa 25% do total
necessário para financiar o Bolsa-Família no ano de 2005).
Tal empréstimo é reflexo da concordância da instituição
com as políticas econômico-sociais adotadas no Brasil
e tem como foco, segundo o próprio Banco, "(...) a consolidação dos quatro principais programas de transferência
condicional de renda (Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação,
Cartão-Alimentação e Auxílio-Gás) e o aprimoramento
da arquitetura básica do Programa Bolsa Família"
(World..., 2005).
Aqui cabe um questionamento, que tem como base
o fundamento econômico da distribuição de renda, sob o
qual está embasado, conforme citado anteriormente, o
arcabouço teórico dos programas de redistribuição de
renda. O País gerou renda para distribuir? Essa pergunta
torna-se fundamental, pois o valor obtido junto ao Banco
Mundial foi repassado como empréstimo; logo, dando a
idéia de que essa renda já existia para ser distribuída,
pois assim haveria como pagar o valor emprestado.
Fundamentalmente, fruto de uma política econômica
que não beneficia a desconcentração de renda, pois
"privilegia" a esfera financeira ao invés do circuito produtivo, vem ocorrendo uma não-absorção de níveis crescentes de trabalhadores desempregados.
Decorrente dessa conjuntura, observa-se, no Gráfico
1, que o rendimento real médio do trabalhador, entre
dezembro de 2004 e março de 2005, caiu de R$ 1.159,95
para R$ 948,83.
Ainda se analisando o período de um ano, que
compreende março de 2004 a março de 2005, verifica-se que não houve qualquer acréscimo na renda real
média, o que comprova uma estagnação em níveis de
renda.
Em especial os jovens recém-chegados ao mercado
de trabalho são os mais atingidos, por não encontrarem
alocação para a sua força de trabalho, o que implica que
estes, em conjunção com o restante da massa de
desempregados, procurem formas alternativas de obterem
seu sustento e o de suas famílias. Isso leva a que esse
contingente de pessoas fora da produção, ou ligados à
mesma precariamente, sejam os depositários do
Programa Bolsa-Família.
133
A ineficácia dos programas públicos pró-pobres: o caso do Programa Bolsa-Família
Gráfico 1
Rendimento real médio efetivo das pessoas ocupadas no Brasil — set./01-mar./05
(R$)
1 400,00
1 159,95
1 200,00
1 000,00
948,83
800,00
600,00
400,00
200,00
Mar./05
Jan./05
Nov./04
Set./04
Jul./04
Maio/04
Mar./04
Jan./04
Nov./03
Set./03
Jul./03
Maio/03
Mar./03
Jan./03
Nov./02
Set./02
Jul./02
Maio/02
Mar./02
Jan./02
Nov./01
Set./01
0,00
FONTE: www.bcb.gov.br Acesso em mar. 2005.
5 - Apresentando o Relatório de Desenvolvimento
do Mundo do Banco
Mundial (WDR 2004)
Em suma, o relatório elaborado pelo Banco Mundial
para 2004 procura demonstrar, utilizando-se de amplos
exemplos empíricos, como se dá atualmente o acesso
por parte da população, em nível mundial, aos serviços
básicos de responsabilidade do Estado, como saúde,
educação, saneamento, eletricidade e água. Introduz o
termo accountability como a solução principal dos
problemas atuais, o qual será apresentado posteriormente
(World..., 2004). Mesmo sabendo ser o foco deste
trabalho o Brasil, e mais especificamente o Programa
Bolsa-Família, não se podem deixar de lado as
conclusões principais do Relatório, pois as mesmas são
totalmente factíveis na realidade brasileira.
Uma das principais conclusões desse relatório é
que o crescimento econômico não necessariamente é
revertido em benefício aos pobres, pois os gastos em
saúde e educação, assim como os gastos em geral,
favorecem muito mais os ricos. Essas distorções são
apontadas também pelas Metas do Milênio (World...,
2004), as quais apontam que somente a pobreza "está a
caminho" de diminuir, porém devido a um único país-
-potencial: a China. No que tange a esta última informação,
cabe citar que tais dados demonstram-se "enganadores",
pois 100 milhões de pessoas passaram a ganhar, apenas,
mais de um dólar por dia (antes ganhavam menos de
US$ 1), o que não garante o atendimento, tampouco, às
necessidades básicas das pessoas.
Os recursos não atingem, muitas vezes, a camada
mais pobre da população por alguns fatores, conforme o
Relatório:
- acesso longínquo à saúde e à educação (benefício
ao rico), o que leva à exclusão ao serviço por
falta de condições de deslocamento da população
pobre;
- "patronagem" e "clientelismo" na prestação do
serviço público;
- serviços disfuncionais (médicos não aceitam ir
para locais onde há miséria);
- estrutura da prestação do serviço público disfuncional (por exemplo, falta de hospitais públicos
em vilas, atendimento público centralizado em
regiões centrais, distantes da periferia);
- distância social entre provedores e clientes;
- baixo nível técnico dos prestadores do serviço
público;
- falta de incentivo ao servidor público.
Assim, o relatório apresenta como solução-chave
para o funcionamento do serviço público a relação
interativa entre policy makers, funcionalismo e população,
que nada mais é do que a tradução correta do termo
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 129-136, dez. 2005
134
accountability, ou seja, precisa haver uma comunicação
interativa entre esses agentes, assim como uma total
prestação de contas e uma avaliação acerca da qualidade
do serviço público (World..., 2004).
6 - Conclusões
Avaliando-se o Programa Bolsa-Família do Governo
Federal em conjunto com a leitura do WDR 2004, não há
como deixar de evidenciar semelhanças. Existe uma total
dependência desse programa da interação entre o Poder
Central e as prefeituras municipais, na medida em que o
cadastramento e a fiscalização são de inteira responsabilidade municipal. Assim sendo, coloca-se a seguinte
problemática: por que a eficácia do Programa vem sendo
atualmente discutida pela imprensa e pela opinião pública
e também porque não tem gerado ganhos reais de renda
para os trabalhadores?
Fica muito claro, pelos depoimentos dos funcionários públicos, que existe uma falta de interação entre os
poderes, ou seja, uma total inexistência de accountability,
até mesmo porque a população fica à margem da
discussão, resignando-se à exclusão do Programa, o qual
deveria ser o mais abrangente possível. Ainda, muitas
vezes, pessoas sem necessidade têm acesso ao
Programa, caracterizando uma ineficácia na distribuição
do gasto público.
Isso corrobora a opinião de Gough (1975), o qual
enfatiza que os programas sociais de distribuição de renda
não têm como seu objeto a redução da desigualdade
social e tampouco conseguem redistribuir renda, o que
de fato se verifica na exposição gráfica colocada neste
trabalho, a qual comprova que o Programa não conseguiu,
até hoje, atingir seu principal objetivo: distribuir renda.
Ademais, o autor vê esses programas como uma ampliação da responsabilidade do Estado em relação aos custos
da reprodução da força do trabalho, seja como formas de
controle, seja de diminuição dos graus explosivos de luta
de classe (Gough, 1975).
Possíveis soluções para o aumento da eficácia do
Programa passam pela necessidade de que sejam
ouvidos os responsáveis pela "ponta" do Programa, isto
é, aqueles que verificam, in loco, as distorções, no caso
os agentes públicos lotados em prefeituras municipais.
Abaixo, apontam-se algumas sugestões para a correção
do rumo do Programa, porém reconhece-se que, para
que as mesmas tenham sucesso, deva existir uma
abertura do poder público à avaliação da população, a
qual sabe analisar as distorções e os problemas com os
quais se depara diariamente:
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 129-136, dez. 2005
Régis Rathmann
- inclusão e conferência dos dados cadastrais em
conjunto com o Censo do IBGE;
- inclusão de campos específicos na Declaração
Anual de Isento da Secretaria da Receita Federal,
que permitam verificar os dados constantes do
cadastro do Programa Bolsa-Família;
- campanha de conscientização da responsabilidade social do cidadão;
- conscientização do poder público para a inibição
de fraudes.
Ainda assim, reconhece-se que não bastam tais
sugestões para a resolução do problema, pois há, em
muitos casos, a necessidade de uma reestruturação da
estrutura dos gastos públicos, o que não é permitido,
muitas vezes, pela política macroeconômica adotada,
como no caso brasileiro.
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2004. Disponível em: http://www.fomezero.gov.br/ Acesso
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http://www.obancomundial.org/index.php/content/
Acesso em: 25 mar. 2005. (Reportagem).
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 129-136, dez. 2005
136
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 129-136, dez. 2005
Régis Rathmann
137
Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:...
Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:
um olhar sobre a Região Metropolitana
de Porto Alegre em 2000*
Rosetta Mammarella
Mestre em Sociologia e Técnica da Fundação de Economia e Estatística.
Tanya M. de Barcellos
Mestre em Sociologia e Técnica da Fundação de Economia e Estatística.
Resumo
Partindo do pressuposto de que o trabalho tem papel estruturador na
sociedade e tomando como base as informações sobre a população
ocupada levantadas no Censo Demográfico 2000, este texto apresenta
um retrato da segmentação e da diversidade social do espaço
metropolitano de Porto Alegre. A análise desenvolve-se a partir da
construção de uma tipologia socioocupacional e da identificação de
algumas características básicas da população. A hipótese principal gira
em torno da idéia de que está em curso uma tendência de segregação
socioespacial que se aprofunda nas grandes aglomerações urbanas, tendo
em vista as transformações provocadas pela reestruturação econômica.
Palavras-chave: metropolização; diferenças sociais; estrutura
social.
Abstract
This paper presents a picture of the segmentation and social diversity in
the Metropolitan Area of Porto Alegre. It is based on the assumption that
labor has a structuring role in society. Evidence was collected in the
Demographic Census of the year 2000. The authors built a
social-occupational typology and it identifies a number of basic
characteristics in the population. The main hypothesis is that a process
of social and spatial segregation is under way and that this was deepened
in the most densely populated urban areas due to the transformations
provoked by the economic restructuring.
Artigo recebido em 03 out. 2005.
* Este texto tem por base o trabalho apresentado no XXV
Congresso da Associação Latino-Americana de Sociologia
(ALAS), ocorrido em Porto Alegre, entre 22 e 26 de agosto de
2005. Uma versão do trabalho enfocando basicamente os
resultados da tipologia socioespacial e discutindo sua construção
metodológica foi encaminhada para publicação na revista
Cadernos Metrópole. Na discussão e na definição da tipologia
da Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA), as autoras
contaram com a participação da Arquiteta Mirian Regina Koch,
membro da equipe responsável pela pesquisa na FEE. As
autoras agradecem a equipe do Núcleo de Estudos Regionais e
Urbanos pelas sugestões e pelos comentários sobre o texto.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
138
Introdução
Este texto tem por finalidade apresentar um retrato
da segmentação social do espaço metropolitano de Porto
Alegre no ano 2000.1 Integrado ao Projeto Observatório
das Metrópoles2, o estudo dá seqüência a análises
realizadas sobre o tema com foco nos anos de 1980 e
1991 (Mammarella; Barcellos; Koch, 2004). A partir da
identificação dos principais traços que marcam a
configuração da metrópole gaúcha, permitida pela
construção de uma tipologia social de seus espaços,
procura-se ressaltar sua diversidade, apontando algumas
características básicas das populações que vivem
nessas áreas.
O cenário de referência para a abordagem é o quadro
de mudanças que se instalou, a partir dos anos 70 e,
com maior visibilidade, durante os 80, com a
reestruturação econômica, social e política nos âmbitos
mundial, nacional e local. A hipótese principal que orienta
a análise diz respeito à tendência de segregação
socioespacial que se avoluma nas grandes aglomerações
urbanas, tendo em vista essas profundas transformações.
Em grande parte, isso se evidencia na opção crescente
dos ricos e de parcelas das camadas médias pela
residência em bairros cada vez mais elitizados e auto-suficientes e em “condomínios fechados”, promovendo
um isolamento em relação ao resto da população.3 Por
outro lado, a moradia em áreas precárias, do ponto de
vista do acesso aos benefícios urbanos, aparece como
alternativa também sempre mais freqüente para os
segmentos que se situam na base da pirâmide social.4
A tipologia dos diferentes espaços que conformam
a Região foi elaborada com base em um trabalho
estatístico de correlação entre categorias
socioocupacionais (CATs), definidas a partir de uma
classificação das ocupações, e áreas de ponderação,
1
A tipologia trabalha a Região na sua formatação vigente em
2000, o que introduz uma maior complexidade na expressão do
urbano e em sua análise, uma vez que os municípios que foram
incorporados à RMPA no período mais recente não têm perfil
tipicamente urbano. A RMPA foi originalmente constituída com
14 municípios, foi expandida para 22 municípios em 1989, a
partir das mudanças na Constituição Estadual, e é atualmente
formada por 31 municípios. Existem ainda dois processos de
inclusão tramitando na Assembléia Legislativa.
2
Disponível em: http://www.ippur.ufrj.br/observatorio
3
Ver, por exemplo, Caldeira (1997), Andrade (2001), Ueda (2004)
e Bogus e Pasternak (2004).
4
Sobre essas tendências do fenômeno metropolitano, ver Ribeiro
(2000).
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
Rosetta Mammarella; Tanya M. de Barcellos
ou Áreas de Expansão dos Dados da Amostra (AEDs)5,
que configuram a menor unidade espacial que o IBGE
disponibilizou para os resultados da amostra do Censo
Demográfico 2000.6 O pressuposto nessa escolha
metodológica é o de que o trabalho tem papel estruturador
na sociedade. Nessa perspectiva, as categorias foram
construídas levando em consideração as grandes
oposições que captam as formas de segmentação social
da sociedade brasileira e que se expressam na relação
entre as seguintes categorias: capital e trabalho; grande
e pequeno capital; autonomia e subordinação; manual e
não manual; controle e execução; Secundário e Terciário;
moderno e tradicional (Ribeiro; Lago, 2000, p. 113-114).7
O texto foi organizado em duas partes, além desta
Introdução. Na primeira, são apresentados os resultados
da tipologia socioespacial, com ênfase na descrição do
perfil sociourbano geral dos tipos; na segunda, é realizada
uma análise das principais características da população
residente nas áreas dos diferentes tipos, utilizando
indicadores que dão conta de aspectos relativos à
qualidade de vida: situação no trabalho, instrução, renda
e infra-estrutura das moradias.
Sobre a estrutura ocupacional e socioespacial da
RMPA
A tipologia socioespacial tem sustentação em um
conjunto de categorias socioocupacionais, cuja
5
As AEDs foram definidas como unidades geográficas formadas
por agrupamentos de setores censitários, visando à “(...)
aplicação dos procedimentos de calibração das estimativas com
as informações conhecidas para a população como um todo”. O
tamanho dessas áreas em termos de número de domicílios e de
população foi estabelecido com a finalidade de garantir a precisão
das estimativas. Para o Censo 2000, o IBGE usou métodos e
sistemas automáticos de formatação de áreas de ponderação,
“(...) que conjugam critérios tais como tamanho, contigüidade
(no sentido de serem constituídas por conjuntos de setores
limítrofes com sentido geográfico) e homogeneidade em relação
a um conjunto de características populacionais e de infra-estrutura conhecidas” (IBGE, 2002).
6
Para os dados do universo, o IBGE disponibiliza as informações
por setores censitários.
7
As categorias socioocupacionais são construções feitas a partir
da discussão entre pesquisadores franceses e brasileiros,
visando a trabalhos comparativos sobre desigualdades
socioespaciais nas grandes metrópoles. Sobre as
particularidades que orientaram sua montagem, ver Ribeiro e
Lago (2000).
139
Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:...
construção se baseia em informações obtidas a partir
dos dados de ocupação do Censo8. A intenção é obter
uma visão aproximada da estrutura social e permitir uma
leitura hierarquizada da composição social da RMPA.
Entende-se que as categorias resultantes desse trabalho
traduzem, em grande medida, o lugar que as pessoas
ocupam nas relações econômicas, bem como a
dimensão simbólica desse lugar (Bourdieu, 1989). Como
já se mencionou, essa construção se sustenta em
pressupostos teóricos que concebem, de um lado, o
trabalho como variável central para a compreensão da
sociedade e, de outro, a noção de espaço social como
permitindo compreender as posições que os agentes
ocupam no espaço. A idéia implícita é a de que a
sociedade está estratificada em classes e que essa é a
divisão fundamental para entender a hierarquia social
(Barcellos; Mammarella, 2000).
O primeiro aspecto que ressalta na análise da
distribuição dos ocupados segundo as categorias
socioocupacionais, em 2000, é a importância das
categorias dos Trabalhadores do Setor Secundário e das
Ocupações Médias, que têm participação quase igual
na conformação da estrutura social metropolitana (27,7%
e 26,5% respectivamente) (Anexo 1)9. Essa é uma
constatação importante, se forem considerados as
grandes mudanças verificadas na RMPA, entre 1991 e
2000, no que diz respeito à sua espacialidade, com a
incorporação de sete novos municípios, e os movimentos
mais amplos da economia. Esses novos municípios,
como se salientou antes, apresentam perfil não
propriamente metropolitano, o que poderia interferir na
configuração social da região.10 Com relação à estrutura
8
Na Documentação dos Microdados da Amostra do Censo
Demográfico 2000, a ocupação está assim definida: “Entende-se por ocupação a função, cargo, profissão ou ofício
desempenhado por uma pessoa numa atividade econômica,
referindo-se sempre ao trabalho principal” (IBGE, 2002).
9
O Anexo 1 reúne as informações que dizem respeito à distribuição absoluta e relativa dos ocupados segundo os oito grandes
conjuntos de categorias definidoras da estrutura socioocupacional e as 24 categorias em que eles se subdividem (primeira e
segunda colunas), as quais são objeto de análise nesta parte do
texto. Inclui também a tipologia dos espaços metropolitano e seu
perfil socioocupacional e a densidade das CATs em cada tipo.
10
No seu conjunto, esses municípios contribuem com 6% dos
ocupados nos 24 municípios que compunham a Região em
1991. Levando em consideração a estrutura social apenas
nesses sete municípios, tanto o peso dos agricultores como o
dos trabalhadores da indústria tradicional são, de fato, muito
significativos (12,10% e 13,92% respectivamente). Mas, quando
se considera a Região como um todo, essa particularidade é
diluída.
produtiva metropolitana, é importante ressaltar que, na
última década, ela sofreu relevantes alterações, tendo-se reduzido, entre 1990 e 1998, a participação relativa
do setor industrial no conjunto do Produto Interno Bruto,
com a contrapartida de um avanço do setor serviços. Já
no período que vai de 1999 a 2001, o setor industrial
recuperou posição na formação do produto. Ao mesmo
tempo, a indústria experimentou profundo processo de
ajuste (fusões, terceirização de serviços e introdução de
inovações tecnológicas), acompanhando a reestruturação
produtiva internacional e seus desdobramentos no País
(Alonso, 2004). A estrutura social da Região, não obstante
tal rearticulação, reflete a concentração industrial e a
atratividade da RMPA para investimentos industriais.
É importante observar que tanto os trabalhadores
da indústria como as camadas médias participam com
um peso significativo na estrutura social metropolitana
(representam, em conjunto, mais de 54% dos ocupados).
Esse fato contraria, de certo modo, a perspectiva posta
por alguns estudiosos dos efeitos da globalização e da
reestruturação sobre a evolução da estrutura social e
seu correlato espacial, que identificam, nas grandes
metrópoles, a existência de um processo de polarização
social. Como resultado, o segmento dos operários
experimentaria rápida e forte redução, tendo em vista os
avanços tecnológicos, e as camadas médias tenderiam
a ser reduzidas em função das novas formas de
articulação e inserção no mundo do trabalho. Essas
análises projetam uma hierarquia mais pesada nos
segmentos profissionais muito especializados e, no seu
oposto, uma massa de trabalhadores sem qualificação
(Sassen, 1998). Na metrópole gaúcha, tal fenômeno não
foi constatado. Os operários têm grande importância na
conformação da estrutura da Região, o que deve ser
creditado, em boa parte, ao tamanho do segmento
coureiro-calçadista, estabelecido especialmente no Vale
do Sinos.
Considerando o tamanho das CATs que se situam
nas extremidades da pirâmide social, ou seja, as relativas
às elites e às camadas populares (Anexo 1), verifica-se
que a presença da elite Dirigentes no conjunto da estrutura
social da Região é muito reduzida (1,4%). A elite
Intelectuais, por sua vez, tem participação um pouco
mais expressiva (7,4%), mas ainda relativamente
pequena, incluindo ocupações nem sempre bem
remuneradas, como os professores com formação de
nível superior.11 No outro limite, os Trabalhadores do Setor
11
No nível das representações sociais, os professores detêm um
status que os situa entre as elites.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
140
Terciário Não Especializado apresentam uma
representatividade um pouco maior (14,6%), e os
agricultores, como é coerente com a configuração
metropolitana, são minoritários (2,0%).12
Feitas essas primeiras considerações, devem-se
destacar algumas particularidades que dizem respeito
às categorias de ocupações que integram e compõem
cada um dos agrupamentos de CATs (Anexo 1). No
conjunto dos Trabalhadores do Setor Secundário, o maior
peso é o dos operários da indústria tradicional (9,2%).
Salientam-se, no que diz respeito às Ocupações Médias,
as de escritório (9,1%), que reúnem um contingente
bastante diversificado de atividades, em grande parte,
tradicionais, como contínuos, escriturários, cobradores,
secretários de expediente e estenógrafos. Também são
dignas de nota a importância dos trabalhadores no
comércio e a dos prestadores de serviços especializados,
cada um participando com mais de 8% na estrutura social.
Essa estrutura social foi o componente fundamental
para a elaboração da tipologia dos espaços, construída
para analisar a RMPA sob o enfoque da segmentação
socioespacial de seu território. A tipologia foi construída
com base nas técnicas estatísticas da Análise Fatorial e
da Classificação Hierárquica Ascendente (CHA),
considerando a relação entre CATs e AEDs.13 A análise
fatorial mostra que os três primeiros fatores, que
expressam fundamentalmente a divisão entre trabalho
manual e intelectual, explicam 84,15% das variações
totais do conjunto original de dados.
O espaço fatorial no plano das CATs expõe essa
oposição, mostrando, de um lado, a presença dos
trabalhadores da indústria tradicional (em maior escala)
e a dos agricultores. Em contraposição, estão as
categorias de profissionais de nível superior, junto com
os grandes empregadores, estes últimos em menor
escala.
Mais uma vez, esses resultados não coincidem com
as perspectivas postas pela bibliografia sobre a global
12
Com a incorporação de sete novos municípios à RMPA após
1991, acreditava-se que haveria uma certa proeminência dessa
categoria, tendo em vista as características socioeconômicas
desses municípios. No entanto, essa hipótese não se confirmou.
13
A primeira cria fatores pela ordem de explicação do problema,
que é a relação entre as AEDs e as categorias
socioocupacionais. Com isso, permite a diminuição da
dimensionalidade do universo com que se está trabalhando e o
conhecimento da importância de cada variável na composição
da variação dos principais fatores. A segunda é um instrumento
para definir agrupamentos a partir das informações dos fatores
extraídos dos dados, levando em conta a proximidade dos perfis
das áreas e a sua distância em relação ao perfil médio.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
Rosetta Mammarella; Tanya M. de Barcellos
city, que está vendo crescer, nas metrópoles globais, os
reflexos espaciais de uma estrutura polarizada entre, de
um lado, poucos trabalhadores muito qualificados e com
altos salários e, de outro, uma massa de mão-de-obra
com inserção precária no mercado de trabalho, com
baixíssimos rendimentos e sem qualificação. No caso
da RMPA, o peso das ocupações da indústria tradicional
está demarcando ainda fortemente a configuração do
espaço metropolitano.
Conhecidas as principais oposições que configuram
o espaço fatorial da RMPA, foi procedida a CHA, com o
intuito de obter grupos de AEDs que mantivessem entre
si o máximo de homogeneidade e de diferenciação em
relação às médias. Através da análise do perfil social
dos tipos, da distribuição das categorias nos tipos (que
revela o grau de concentração social) e do índice de
densidade relativa, foi possível identificar nove
agrupamentos capazes de representar a estruturação do
espaço metropolitano em 2000. Esses grupos foram
assim nomeados: superior, médio superior, médio,
médio inferior, operário, operário tradicional, operário
inferior, popular e agrícola popular. Essa denominação,
além de já expressar uma hierarquia social, procura
também traduzir o tipo de combinação de categorias ou
de mistura social que marca de modo predominante cada
um desses espaços.
Como pode ser conferido no Anexo 1, em todos os
espaços ocorre uma certa mistura social. No entanto, é
visível que, em alguns, em especial naqueles
classificados no topo da hierarquia espacial, predomina
um perfil mais homogêneo em termos sociais.14 A análise
da tipologia, descrita a seguir, tem como interesse
subjacente a busca de elementos que permitam situar a
questão da segregação socioespacial na realidade da
metrópole gaúcha e as especificidades por ela assumidas.
Examinando a composição dos tipos segundo o
perfil ocupacional e a densidade relativa, verifica-se que
as áreas de tipo superior são aquelas onde está
concentrada a moradia dos Dirigentes e dos Intelectuais,
embora nelas também seja significativa a presença de
camadas médias, representadas pelas Ocupações
Médias e pelos Pequenos Empregadores. A participação
14
Além do contingente absoluto e do perfil geral das CATs, o Anexo
1 apresenta a distribuição percentual e a densidade das
categorias em cada um dos nove tipos que foram definidos no
estudo. O primeiro indicador permite identificar qual o perfil social
de cada um dos tipos. A segunda medida, a da densidade, permite
inferir o grau de representação de cada categoria nos diferentes
tipos de área, sendo obtida pela divisão dos percentuais do
perfil das CATs nos tipos pelos do perfil médio metropolitano.
Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:...
das categorias Dirigentes e Intelectuais nesses espaços
é cerca de quatro vezes maior do que sua
representatividade no perfil médio da metrópole. Nas de
tipo médio superior, a moradia de Dirigentes e
Intelectuais é igualmente expressiva, porém com menor
intensidade do que no tipo superior. Nessas áreas, é muito
destacada a incidência de Ocupações Médias, que têm
o maior peso na conformação do tipo, com uma
participação de 41%. As camadas médias também são
os elementos marcantes na estruturação do tipo médio,
não obstante sua presença seja menos intensa do que
no anterior (39%). A característica central do perfil desses
três tipos de agrupamentos é a menor participação e a
menor densidade relativa das camadas operárias e
populares.
Dando seqüência à análise do perfil dos tipos,
constata-se que o grupo de tipo médio inferior já
apresenta maior mistura social. Ele se caracteriza como
moradia de uma parte relevante das Ocupações Médias
(29,8%) e pela presença significativa dos Trabalhadores
do Setor Terciário — especializado (20,5%) ou não
especializado (16,6%) — e do Setor Secundário (23,5%).
É interessante ressaltar que apenas os trabalhadores do
Setor Terciário e do Secundário representam, em
conjunto, mais de 60% dos ocupados que conformam o
tipo. A partir desse patamar da hierarquia, a característica
fundamental dos agrupamentos é a quase-inexistência
de moradia das categorias superiores (Dirigentes e
Intelectuais). Tal evidência aponta uma separação das
classes sociais no espaço, de tal modo que, embora a
moradia de parcela das camadas médias se misture aos
espaços de elites, fica demarcado um tipo de
segmentação em relação às categorias operárias e
populares.
Os grupos de AEDs onde a residência de operários
é muito expressiva foram classificados em três tipos: o
tipo operário, em que predominam trabalhadores do
Secundário, em especial os trabalhadores da indústria
moderna (15,0%)15; o tipo operário tradicional, onde a
presença dos trabalhadores da indústria tradicional
ultrapassa os 32% e tem uma densidade relativa quase
quatro vezes maior do que a média do tipo; e o tipo
15
Apesar de a categoria dos trabalhados da indústria moderna ser
predominante na conformação desse tipo, optou-se por não
qualificá-lo como “moderno”, porque também se verifica uma
presença importante dos trabalhadores dos serviços auxiliares
à indústria e dos da construção civil, ao contrário, por exemplo,
do tipo operário tradicional, em que os trabalhadores da indústria
tradicional são efetivamente definidores do tipo.
141
operário inferior, onde os trabalhadores do Setor
Secundário dividem moradia com categorias do Setor
Terciário Especializado e Não Especializado. Em
comparação com o tipo operário tradicional, a
heterogeneidade social é bem maior nos outros dois tipos
operários, onde é sempre mais relevante a presença de
outras categorias socioocupacionais. A relativa
homogeneidade dos espaços da indústria tradicional
corresponde, em grande parte, a áreas em que, de fato,
está concentrada a moradia dos operários, mas que, em
alguns casos, a AED, devido ao tamanho da população,
foi formada pelo município inteiro, não possibilitando a
expressão de toda a estratificação social no exercício
tipológico. Ou seja, o tamanho das elites é muito pequeno
e não pesa na configuração do tipo de área. No que diz
respeito aos demais espaços operários, a
heterogeneidade abrange sobretudo categorias médias
e populares, estas correspondendo aos trabalhadores do
Terciário não especializado.
O grupo de tipo popular caracteriza-se pela
presença mais intensa, relativamente aos demais
agrupamentos, dos trabalhadores do Terciário não
especializado, com destaque para os empregados
domésticos, que têm uma participação de 10,8% na
estrutura socioocupacional. São áreas onde se verificam
as maiores representatividade e densidade das camadas
populares, embora sua participação seja menor que a
dos trabalhadores do Secundário. As categorias do
Terciário não especializado juntam-se aos ocupados em
atividades do Terciário especializado e do Secundário,
nesse caso, salientando-se os operários da construção
civil (12,3%).
O perfil do último grupo, do tipo agrícola popular,
é marcado pela intensidade da moradia dos agricultores
(19%), presença que significa uma densidade dessa
categoria cerca de 10 vezes superior à representada na
média metropolitana. A formação desse agrupamento
está fortemente relacionada com a presença, na RMPA,
de municípios com perfil agrícola, em especial aqueles
que foram incorporados após 1991.
Outro destaque, agora referente à concentração de
categorias em alguns espaços da metrópole, faz-se
necessário, porquanto ilustrativo da existência de
polarização social na metrópole gaúcha. Trata-se, de um
lado, da forte presença de Dirigentes e de Intelectuais
nos espaços de tipo superior e médio superior: 43% dos
Dirigentes e 52% dos Intelectuais vivem em áreas desses
dois tipos. De outro, na outra ponta da hierarquia, observa-se que mais de 56% da moradia dos operários da
indústria tradicional se situa em áreas que conformam o
tipo operário tradicional, sendo que, no caso dos
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
142
agricultores, suas residências no tipo agrícola popular é
da ordem de 46%. Com isso, pode-se dizer que, embora
os espaços sejam bastante heterogêneos, existe
polarização naqueles caracterizados como superiores,
de tipo operário tradicional e agrícola popular
(Mammarella, 2005).
Sobre as diferenciações
sociais dos espaços
metropolitanos
Complementando essas análises, será efetuada, a
seguir, a localização dos tipos no território da RMPA,
conforme o Mapa 1 e a listagem dos Anexos 2 e 3, onde
se encontram a distribuição das AEDs por município e a
correspondência destas em relação a bairros e municípios
da região.16 Com isso, estão-se abrindo caminhos para
fazer uma incursão na temática da expansão imobiliária
na Metrópole. Ao mesmo tempo, a tipologia será
qualificada do ponto de vista da infra-estrutura urbana e
das principais características demográficas e sociais de
suas populações, de modo a traçar um quadro da
segmentação social que se evidencia na região. As
informações sobre as principais características
demográficas e sociais dos tipos estão contidas nas
Tabelas 1, 2 e 3 e nos Gráficos 1, 2 e 3 e orientarão as
análises a partir deste momento.
O tipo superior é composto por nove AEDs, todas
de Porto Alegre (Anexo 3). Uma parte dessas áreas
localiza-se na zona sul, e outra, na zona central do
Município. Na zona sul, as AEDs representativas são as
que abrangem dois conjuntos de bairros: Vila Assunção,
Tristeza e Vila Conceição; Pedra Redonda, Ipanema,
Espírito Santo e Guarujá. As AEDs centrais congregam
um conjunto de bairros onde se identificam
características diversificadas de ocupação. Em alguns,
está consolidada a moradia das elites locais
(Independência, Moinhos de Vento, Auxiliadora); em
outros, verificou-se, e ainda está em curso, importante
transformação por conta da expansão imobiliária (Bela
Vista, Boa Vista, Três Figueiras, Mont´Serrat, Chácara
Rosetta Mammarella; Tanya M. de Barcellos
das Pedras, Higienópolis, Rio Branco, Santa Cecília,
Petrópolis)17 — Mapa 1.
Examinando inicialmente o perfil demográfico da
população residente nesse tipo de área, verifica-se a
presença de uma estrutura marcada pelas seguintes
características: índices elevados de pessoas nas faixas
de idade entre 45 e 64 anos e acima de 65 anos
(Tabela 1) — os mais significativos, tendo em vista os
outros tipos —, juntamente com os menores percentuais
de crianças; preponderância de mulheres, numa
proporção que é a segunda mais elevada (para cada 100
mulheres há 82,56 homens); e predomínio de população
branca, que tem a maior participação em relação a todos
os tipos — quase 93,35% dos residentes no tipo
(Tabela 2).
Em relação à situação social, encontram-se, nessas
áreas, as maiores proporções de pessoas com instrução
universitária (31,32%), como mostra o Gráfico 1, e com
altos rendimentos (19,14% recebem entre 10 e 20 salários
mínimos (SMs), e 21,20% têm rendimentos superiores a
20 salários mínimos, conforme o Gráfico 2). A distância
que separa a população do tipo superior daquelas menos
privilegiadas pode ser vista nas taxas médias de instrução
e de rendimento (Tabela 2). Nesse sentido, verifica-se
que a população do tipo superior alcança o dobro de anos
de estudo da média da das áreas de tipo popular e em
torno de cinco vezes a sua renda média. Quanto à posição
na ocupação (Tabela 3), que mostra o modo de inserção
no mercado de trabalho, a partir da qual se podem extrair
dados sobre a qualidade da ocupação, contata-se que,
nesse tipo, os empregadores têm uma participação
relativa alta (10,93%), bastante mais elevada que a média
(3,96%); o percentual dos empregados sem carteira não
é pequeno (20,74%), sendo inclusive maior que o da
média da região. Mas, nesse caso, deve-se levar em conta
que os funcionários públicos e os militares têm um peso
muito significativo no conjunto dos qualificados como
sem carteira. Os trabalhadores domésticos com e sem
carteira chegam a quase 5% na distribuição dos ocupados
segundo a posição na ocupação, revelando uma situação
em que moradia e emprego provavelmente coincidem. É
ainda nesse tipo que se pode observar o maior índice de
cobertura em termos de saneamento (Gráfico 3).
17
16
As AEDs, fora as do Município de Porto Alegre, não respeitam o
traçado dos bairros, portanto, a identificação representa partes
de diferenciados bairros. Mesmo em Porto Alegre, uma AED
pode congregar mais de um bairro. Por isso, é preciso esclarecer
que a denominação dada às AEDs pretende ser, acima de tudo,
uma referência para o reconhecimento das áreas.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
Porém esses processos de expansão imobiliária não atingiram
de maneira homogênea os diferentes bairros. Pode-se
mencionar, por exemplo, a AED que reúne os bairros Três
Figueiras, Chácara da Pedras e Vila Jardim, onde se encontra
uma situação de polarização social, uma vez que nele convivem
camadas Dirigentes com parcela importante de camadas
populares.
143
Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:...
O tipo médio superior é formado por 15 AEDs, sendo
que apenas quatro delas pertencem à Capital: duas são
de Canoas, e duas, de São Leopoldo. Nesses casos,
estão abrangidos os bairros centrais. Na capital, por sua
vez, referem-se a bairros que estão no entorno dos de
tipo superior, tais como Centro, Cidade Baixa, Santana,
Menino Deus, Teresópolis, Cavalhada (Anexo 3).
Um percentual elevado da população que conforma
esse tipo, de modo similar ao que se verifica no tipo
superior, recai nas faixas etárias entre 45 e 64 anos
(22,18%) e mais de 65 anos (11,40%), com presença
reduzida de crianças com até 9 anos de idade (10,97%)
e de crianças e adolescentes com idade entre 10 e 14
anos (6,43%). Há predominância feminina e de população
de cor branca, sendo que 32,15% da população do tipo
têm nível universitário incompleto (de 11 a 14 anos de
estudo), e apenas 18,96% concluíram o ensino superior.
Tal percentual é significativamente menor do que o
verificado no tipo superior, mas representa uma situação
bem mais favorável do que a da média da região. O
rendimento médio é de 6,79 salários mínimos,
praticamente a metade do que foi encontrado para a
população nas áreas de tipo superior. Em termos de
distribuição dos rendimentos, chama atenção que, nesse
tipo, a proporção de pessoas na faixa superior de
rendimentos (mais de 20 SMs) cai significativamente em
relação ao tipo superior, não alcançando 10%. Em termos
da distribuição da população segundo a posição na
ocupação, destaca-se que se encontra a maior proporção,
dentre todos os tipos, de empregados sem carteira
assinada (24,12%), novamente mostrando a importância
de funcionários públicos e militares na configuração das
áreas melhor situadas na hierarquia socioespacial da
região. Tal como no tipo superior, as áreas do tipo médio
superior têm baixa proporção de população em domicílios
com saneamento inadequado (1,59%).
O tipo médio é composto por 13 AEDs. Destas,
como pode ser visto no Anexo 3, oito estão localizadas
em Porto Alegre, também no entorno da zona central
dos bairros de tipo superior e aproximando-se da zona
sul (Jardim Lindóia, Floresta, São João, Navegantes,
Cristal, dentre outros). As outras cinco AEDs desse tipo
estão assim situadas (total ou parcialmente): uma no
centro de Esteio, uma na região do Orçamento
Participativo Centro de Gravataí e três em Novo
Hamburgo, sendo uma delas o Centro. Mais uma vez,
observa-se que as áreas melhor situadas em termos
sociais, quando localizadas em outros municípios que
não a Capital, são, na sua maioria, centrais.
Também no tipo médio, há uma presença importante
de população madura (de 45 a 64 anos) e idosa (mais de
65 anos), com números que se situam acima da média
da região. Ainda como nos agrupamentos anteriores, isso
é acompanhado por uma baixa incidência de crianças,
indicando que são áreas onde o ciclo familiar e de vida
de uma parte relevante das pessoas está em uma fase
já avançada (Cecconi, 2004); a presença de homens face
à de mulheres é mais significativa do que nos dois tipos
anteriores (86,11 homens para 100 mulheres), e 92,80%
da população são de cor branca. Quanto à média de anos
de estudo, não há grande diferença em relação ao tipo
médio superior, e, em termos de rendimento médio, os
ocupados recebem em torno de um salário mínimo a
menos do que no tipo anterior. O grupo apresenta
proporção de trabalhadores sem carteira assinada abaixo
da média metropolitana, e, nele, os empregadores têm
maior significado do que no tipo médio superior, o que
surpreende, pois essa categoria, em tese, estaria
enquadrada nas elites. A incidência de condições
inadequadas de saneamento sofre um aumento
considerável nesse agrupamento (4,20%), mas é nos
tipos subseqüentes ao médio que a proporção de
população com saneamento inadequado passa a ser mais
significativa.
No tipo médio inferior, há 37 AEDs, e é nele que
começa a ser percebida uma maior mistura social.
Também a partir desse grupo, passa-se a verificar uma
predominância de áreas localizadas fora da Capital.
Chama atenção que a maior parte dessas áreas se
concentra nos municípios do entorno imediato de Porto
Alegre e no sentido do eixo da BR-116 (Guaíba, Alvorada,
Cachoeirinha, Canoas, Gravataí, Viamão, Esteio,
Sapucaia do Sul, São Leopoldo e Novo Hamburgo), em
grande parte, também circundando áreas de tipos
hierarquicamente superiores. Em Porto Alegre, são, na
maioria, bairros situados na periferia da cidade — como
Belém Novo, Passo das Pedras, Vila Nova e Serraria,
por onde se expande a urbanização —, outros mais
populares — como Sarandi e Rubem Berta — e alguns
tipicamente de classe média — como Glória e
Medianeira.18
Esse conjunto de áreas demarca um diferencial,
em termos sociais, entre os tipos superiores e inferiores
da hierarquia que foi construída. Destacam-se o baixo
percentual de população com 65 anos e mais (5,98%) e
o percentual de crianças de zero a nove anos (17,46%)
na média metropolitana. A razão de masculinidade é maior
do que nos tipos anteriores (para cada 100 mulheres, há
18
Em alguns desses bairros, estão ocorrendo importantes
processos de investimentos do setor imobiliário.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
144
92,75 homens), e o percentual de negros e pardos é
elevado (17,64%), sendo a segunda maior concentração
dentre os tipos de áreas. A média de anos de estudo da
população é de 6,09 anos, ficando em 32,99% a parcela
dos que não chegaram a completar a oitava série. Nesse
tipo, já começa a ser pouco relevante o percentual de
população que completa o ciclo universitário (só 4,14%).
Em termos médios, o rendimento nesse agrupamento é
de três SMs, inferior à média da RMPA, que é de 3,65
SMs. Quando se analisa a distribuição da população por
faixas de renda, percebe-se que o tipo médio inferior
obedece à mesma lógica que o torna demarcador do
diferencial social: mais de 15% da população ganham
até um salário mínimo, e só 8,43% têm renda superior a
10 SMs. Com relação ao modo de inserção na ocupação,
destaca-se que a mudança de patamar em relação aos
tipos anteriores dá-se em dois aspectos: no peso dos
empregados domésticos, tanto aqueles com carteira
como os sem carteira assinada, que aqui já ultrapassa a
média da região, e na importância dos empregadores,
cuja participação se reduz para apenas 3,30%. As baixas
condições de saneamento também começam a ser
motivo de grande preocupação: mais de 86 mil pessoas
(9,24%) convivem com situações inadequadas.
Os tipos operário (13 áreas), operário tradicional (25
áreas) e operário inferior (13 áreas) não contemplam
nenhuma AED de Porto Alegre. Aliás, o tipo operário
tradicional concentra as AEDs localizadas
exclusivamente na região da produção calçadista, à
exceção de uma referente à área urbana de Santo Antônio
da Patrulha. Nos demais tipos, predominam (mas não
com exclusividade) AEDs localizadas em municípios
limítrofes a Porto Alegre, como Canoas, Gravataí, Esteio,
Alvorada, Cachoeirinha, Guaíba.
Em termos gerais, o perfil demográfico dos tipos
operários é semelhante. A razão de masculinidade
aproxima-se da paridade entre homens e mulheres,
particularmente nos tipos operário e operário tradicional.
A distribuição etária é mais carregada nas faixas menores
de idade, com percentuais inferiores tanto à média como
à distribuição encontrada nos tipos que lhes antecedem
(em torno de 19% da população têm até 9 anos de idade),
com a contrapartida de uma menor participação dos
idosos (em torno de 4%). O tipo operário tradicional expõe,
considerando os demais tipos, o mais elevado percentual
de população na faixa de maior atividade, que vai dos 25
aos 44 anos (33,16%). Quanto ao perfil de cor, ressalta a
baixa participação de negros e pardos nos tipos operários,
sempre abaixo da média (variando entre 8% e 12%,
quando ela é de 13,5% na RMPA). No tipo operário
tradicional, a participação de negros e pardos ocupa a
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
Rosetta Mammarella; Tanya M. de Barcellos
terceira menor posição dentre todos os agrupamentos,
sendo apenas precedida pelos superior e médio. Tal
situação pode estar relacionada com a forte influência
da imigração européia (em especial a alemã) na região
onde as áreas desse tipo se localizam.
A situação social dos moradores das áreas dos
tipos operário, operário tradicional e operário inferior é
bastante próxima. Com uma média de anos de estudo
que fica ao redor dos cinco anos e de rendimentos um
pouco acima de dois salários mínimos, a população
dessas áreas concentra-se em faixas de instrução mais
baixas, sempre com valores acima da média
metropolitana. Em termos de escolaridade, o maior
percentual está na faixa que equivale ao fundamental
incompleto, especialmente no tipo operário tradicional,
onde 44,22% da população acima de cinco anos de idade
não completaram esse ciclo. Nessas áreas (assim como
nos tipos popular e agrícola popular,) a parcela das
pessoas que chegou a concluir o nível universitário é
quase 20 vezes inferior à do tipo superior. Em relação
aos níveis de rendimento, ressalta a elevada participação,
no tipo operário tradicional, de ocupados na faixa de um
até dois salários mínimos (35,96%). Nos outros tipos
operários, a concentração fica na faixa de dois a cinco
SMs (em torno de 36%). Além disso, em todos os grupos
operários, é significativo, e sempre acima da média da
região (15,41%), o percentual de ocupados que ganham
até um salário mínimo. É interessante observar, por outro
lado, que nos tipos operários estão as maiores proporções
de empregados com carteira assinada, o que é ainda
mais relevante no operário tradicional, onde essa situação
atinge 55,62%. Esse nível de formalização do trabalho,
juntamente com a concentração dos rendimentos na faixa
entre um e dois salários mínimos, aponta uma das
características do trabalho industrial tradicional,
predominante nessas áreas. Finalmente, o patamar que
define a população desprotegida em termos de
saneamento adequado atinge mais de 100.000 pessoas,
considerando-se os três tipos operários (31,42%).
Examinando as áreas de tipo popular (30 AEDs),
observa-se que sua característica principal é não
aparecerem na região da produção coureiro-calçadista,
nem nos últimos municípios incorporados à RMPA.
Concentram-se na periferia leste-sul de Porto Alegre, em
municípios do seu entorno e em outros espaços com
alta densidade de população urbana e/ou significativa
concentração de atividades econômicas (Canoas,
Gravataí, Guaíba, Eldorado do Sul, Cachoeirinha,
Alvorada e Viamão).
No perfil demográfico dessas áreas, é importante
ressaltar o peso que têm as crianças com até nove anos
Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:...
de idade (21,84%) e a alta participação de negros e
pardos (20,34%), índices estes mais elevados,
considerando-se todos os tipos.
Do ponto de vista social, algumas evidências
chamam atenção, sinalizando aspectos indicativos dos
diferenciais de nível de vida existentes na metrópole. A
população no tipo popular tem a mais baixa média de
anos de estudo (4,79) e uma proporção de pessoas sem
instrução que é a segunda mais elevada entre os tipos
(12,78%). O rendimento médio é o mais baixo também,
levando-se em conta todos os outros tipos (menos de
dois SMs) e, como não poderia deixar de ser, a parcela
da população com rendimentos elevados, acima de 10
SMs, é também a menor (3,30%). Em relação à inserção
no trabalho, é nesse agrupamento que o trabalho
doméstico tem o maior significado, seja com ou sem
carteira assinada. Cerca de 11% dos ocupados no tipo
são trabalhadores domésticos, enquanto essa cifra não
atinge 7% na média metropolitana. É interessante
observar que também é representativa a presença de
trabalhadores por conta própria no tipo popular (22,55%),
completando o quadro de precariedade no trabalho. Altos
percentuais também se verificam, com igual e até maior
intensidade, nos tipos superior, médio superior e médio,
onde, porém, essa condição não está ligada a situações
de fragilidade da inserção no mercado de trabalho.
Quanto às condições de saneamento, a população
das áreas de tipo popular só se encontra em situação
mais favorável do que a dos moradores das áreas de
tipo agrícola popular, onde é baixo o índice de
urbanização. São praticamente 130.000 pessoas que
moram em domicílios onde o saneamento é inadequado
(18,51% da população dessas áreas).
As nove áreas de tipo agrícola popular
compreendem as AEDs-Municípios de Arroio dos Ratos,
Glorinha, Montenegro, São Jerônimo e Triunfo, além da
AED rural de Santo Antônio da Patrulha e os distritos de
Gravataí. Além dessas, são desse tipo duas AEDs de
Viamão, correspondendo às regiões de Águas Claras,
Espigão e Itapuã. Sua localização coincide, em grande
parte, com os novos municípios incorporados à RMPA
após 1991, sendo dotados de grande extensão territorial.
Em termos demográficos, destaca-se que é apenas
nesse tipo que a proporção de homens supera a de
mulheres. Na distribuição etária, chama atenção que a
proporção de população na faixa mais ativa (25 a 44 anos)
seja a menor (29,47%) dentre todos os tipos e que a
participação dos maduros e dos idosos seja levemente
superior à média metropolitana, revelando, dessa forma,
possíveis efeito de processos de emigração. A proporção
145
de negros e pardos está entre as quatro menores dentre
todos os tipos.
O perfil social dessas áreas não se distingue muito
daquele das áreas de tipo popular. O maior diferencial
em relação à instrução e aos níveis de rendimento está
na proporção de pessoas que concluíram o curso
universitário e que recebem mais de 10 SMs. A instrução
e os níveis de rendimento são significativamente mais
altos, embora estejam bem abaixo da média
metropolitana, configurando situações que devem ser
atribuídas à própria delimitação das AEDs que abrangem
municípios inteiros, cuja diversidade social não pode ser
captada em função do tamanho da população. O
diferencial desse tipo quanto ao modo de inserção no
trabalho é a existência de alguma representatividade,
quando se trata de pessoas que trabalham sem
remuneração em ajuda a membros do domicílio (4,15%)
e em atividades para o próprio consumo (2,80%),
situações típicas da produção agrícola. Nessas áreas,
também é significativa, quase na mesma intensidade que
no tipo popular, a participação de empregados
domésticos, seja com ou sem arteira assinada, atingindo
quase 10% dos ocupados. Quanto às condições de
saneamento, é no tipo agrícola popular que se encontra
o maior índice de população em domicílios com
saneamento inadequado (31,96%), embora, em termos
absolutos (57.000), não alcance os números das áreas
de tipo popular.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
146
Rosetta Mammarella; Tanya M. de Barcellos
Mapa 1
FONTE: IBGE. Censo Demográfico 2000: dados da amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2002.
MALHA de setores censitários do Censo Demográfico 2000. (Cedida pela METROPLAN, versão revisada, tendo
como fonte o Atlas Social da Região Metropolitana de Porto Alegre. Dados primários do IBGE.)
Considerações finais
A análise das desigualdades sociais que se
expressam na configuração espacial da metrópole
gaúcha enseja alguns comentários finais, onde se
pretende destacar os principais resultados alcançados e
demarcar uma agenda para novos estudos.
No que diz respeito à estrutura social metropolitana,
é interessante apontar que seu formato, fortemente
influenciado pela importância dos operários, com grande
peso dos trabalhadores da indústria tradicional, ainda
expressa uma conformação típica da sociedade industrial
em sua fase fordista. A presença significativa das
camadas médias reforça esse caráter. Essas
características não correspondem à imagem que, para
uma parte da literatura internacional, ilustraria o modelo
da sociedade atual, que é da ampulheta, com
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
estreitamento do meio (operariado e categorias médias)
e alargamento das extremidades (elites e subproletariado).
Quanto à configuração tipológica da estrutura
socioespacial, o primeiro registro que merece ser feito é
o da existência de uma demarcação do espaço, pela
presença, de um lado, dos operários da indústria
tradicional e, de outro, dos profissionais de nível superior,
equivalente à oposição entre trabalho manual e intelectual.
Esse fenômeno expressa-se em uma relativa polarização
que se verifica nas áreas de tipo superior, localizadas
exclusivamente em Porto Alegre, onde as elites estão
concentradas, e nas áreas de tipo operário tradicional,
situadas ao norte da região, no espaço de influência dos
Municípios de Novo Hamburgo e São Leopoldo, onde a
produção coureiro-calçadista é predominante.
Em segundo lugar, é interessante assinalar que,
mesmo sendo fundamentais na caracterização dos tipos
147
Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:...
superior, médio superior e médio, as Ocupações Médias
não se constituíram em fatores determinantes na sua
definição, uma vez que elas se distribuem por
praticamente todo o espaço metropolitano. Essa maneira
de localização extensiva pelo território, em especial nos
espaços mais urbanizados, suscita algumas indagações
que merecem aprofundamento: existe alguma
diferenciação na distribuição espacial, na metrópole, das
ocupações que conformam as Ocupações Médias? Será
que são as mesmas que se fazem presentes em todos
os espaços? Quais são as parcelas das camadas médias
que estão nos espaços superiores? Quais são as que
dividem os espaços com as classes populares?
A abordagem do perfil demográfico e social da
população, considerando a diferenciação dessas
condições entre os tipos, permitiu, antes de tudo,
identificar-se uma grande distância separando o tipo
superior dos demais. Há situações, como, por exemplo,
na renda e na instrução, em que a diferença entre o
percentual de ocupados nas melhores situações é cerca
de duas vezes maior no tipo superior do que o encontrado
no tipo médio superior. Um segundo patamar demarca
as diferenças entre os tipos médio superior e médio e as
áreas dos tipos médio inferior, operários e populares. O
tipo popular, por exemplo, apresenta proporção de
pessoas com nível universitário cerca de 13 vezes menor
do que o tipo médio e rendimentos na faixa de mais de
20 SMs em proporção sete vezes inferior.
Em síntese, pode-se afirmar que existe uma
correspondência entre a hierarquia socioespacial e o perfil
social predominante das populações que vivem nos
diferentes tipos de áreas da Região Metropolitana de
Porto Alegre.
Diante dessas constatações, a primeira leitura da
tipologia socioespacial aqui realizada deixa em aberto
um leque de possibilidades analíticas para um avanço
do conhecimento sobre a diferenciação social e espacial
da RMPA. Permanece como agenda para próximas
investigações a análise da evolução da estrutura
socioespacial e do comportamento do setor imobiliário e
de seu papel na estruturação do espaço metropolitano,
em especial no que diz respeito às novas formas de
segregação representadas pela moradia em condomínios
fechados.
Tabela 1
Distribuição da população, segundo faixas de idade e tipos de áreas, na RMPA — 2000
(%)
TIPOS
DE 0 ATÉ
9 ANOS
DE 10 ATÉ
14 ANOS
DE 15 ATÉ
24 ANOS
DE 25 ATÉ
44 ANOS
DE 45 ATÉ
64 ANOS
65 ANOS
OU MAIS
TOTAL
Superior ........................
Médio superior ..............
Médio ............................
Médio inferior ................
Operário ........................
Operário tradicional ......
Operário inferior ...........
Popular .........................
Agrícola popular ...........
Total .............................
9,92
10,97
12,30
17,46
18,62
19,14
19,41
21,84
17,71
17,42
6,21
6,43
7,21
8,87
9,40
9,38
9,73
9,98
8,96
8,78
17,73
17,46
17,47
18,81
19,30
18,61
19,03
19,02
17,34
18,53
30,53
31,56
31,53
30,80
31,78
33,16
31,09
30,12
29,47
31,13
23,84
22,18
21,76
18,08
16,78
15,03
16,38
14,92
18,98
17,81
11,77
11,40
9,74
5,98
4,12
4,68
4,36
4,12
7,55
6,34
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Censo Demográfico 2000: dados da amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2002.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
148
Rosetta Mammarella; Tanya M. de Barcellos
Tabela 2
Indicadores selecionados, segundo os tipos de áreas, na RMPA — 2000
RAZÃO DE
MASCULINIDADE
TIPOS
Superior ......................................
Médio superior ...........................
Médio .........................................
Médio inferior .............................
Operário .....................................
Operário tradicional ....................
Operário inferior .........................
Popular .......................................
Agrícola popular .........................
Total ...........................................
82,56
81,88
86,11
92,75
99,83
99,33
96,41
97,32
101,87
93,57
COR (%)
Brancos
Negros
e Pardos
93,35
89,35
92,80
81,74
89,51
91,44
87,37
79,01
89,68
86,02
6,26
10,11
6,85
17,64
10,11
8,27
12,27
20,34
9,68
13,47
ANOS DE
ESTUDO
10,04
8,82
8,14
6,09
5,34
4,94
5,20
4,79
4,90
6,11
RENDA
(SMs)
11,45
6,79
5,65
3,00
2,20
2,44
2,10
1,89
2,33
3,65
FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Censo Demográfico 2000: dados da amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2002.
Tabela 3
Distribuição da população, por modo de inserção no trabalho e tipos, na RMPA — 2000
TIPOS
TRABALHADORES
DOMÉSTICOS
COM CARTEIRA
TRABALHADORES
DOMÉSTICOS
SEM CARTEIRA
Agrícola popular .....
Popular ...................
Operário inferior ......
Operário tradicional
Operário ..................
Médio inferior ..........
Médio ......................
Médio superior ........
Superior ..................
Média da RMPA ......
4,61
5,52
3,17
2,23
2,62
3,92
1,58
1,77
3,43
3,40
5,12
5,24
4,40
2,33
3,57
3,40
1,38
1,53
1,51
3,25
TIPOS
CONTA-PRÓPRIA
APRENDIZ OU
ESTAGIÁRIO
SEM
REMUNERAÇÃO
Agrícola popular .....
Popular ...................
Operário inferior .....
Operário tradicional
Operário .................
Médio inferior .........
Médio .....................
Médio superior .......
Superior .................
Média da RMPA .....
24,73
22,55
21,14
16,29
21,07
22,50
23,03
22,67
23,86
21,59
0,30
0,36
0,38
0,21
0,34
0,40
0,76
0,97
1,52
0,51
EMPREGADOS
COM CARTEIRA
35,92
45,44
48,99
55,62
50,63
45,97
45,23
42,21
37,22
46,41
NÃO REMUNERADO
EM AJUDA
A MEMBRO DO
DOMICÍLIO
4,15
1,02
0,84
0,82
0,93
0,93
0,90
0,90
0,75
1,06
EMPREGADOS
SEM CARTEIRA
EMPREGADOR
19,58
18,32
18,64
18,26
18,35
19,49
18,82
24,12
20,74
19,49
2,78
1,33
2,32
3,61
2,24
3,30
8,19
5,79
10,9
3,96
TRABALHADOR
NA PRODUÇÃO
PARA O PRÓPRIO
CONSUMO
TOTAL
2,80
0,22
0,11
0,64
0,25
0,10
0,10
0,04
0,04
0,33
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Censo Demográfico 2000: dados da amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2002.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
149
Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:...
Gráfico 1
Distribuição da população de cinco anos e mais, por anos de estudo e segundo os tipos, na RMPA — 2000
6,43
Média da RMPA
13,16
Superior
4,14
18,09
17,24
14,54
9,69
34,01
31,32
29,51
15,51
6,35
18,96
16,06
Médio superior
5,31
32,15
19,63
7,90
13,95
17,48
Médio
5,73
4,14
9,01
20,03
19,24
Médio inferior
1,59
13,76
Operário
1,73
19,39
10,80
14,94
1,19
13,48
10,61
0,96
18,45
16,98
10,92
Popular
12,78
2,47
39,30
17,53
18,11
39,69
11,42
14,53
13,18
Agrícola popular
5,00
44,22
17,53
10,78
Operário inferior
38,50
15,85
10,91
Operário tradicional
32,99
14,09
9,52
-0
30,49
23,34
10,00
15,00
Legenda:
38,91
19,48
(%)
20,00
25,00
30,00
35,00
40,00
Sem instrução
Básico incompleto
Fundamental incompleto
Médio incompleto
Superior incompleto
Superior completo
45,00
50,00
FONTE: IBGE. Censo Demográfico 2000: dados da amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2002.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
150
Rosetta Mammarella; Tanya M. de Barcellos
Gráfico 2
Distribuição da população total, segundo as faixas de rendimento e os tipos, na RMPA — 2000
4,18
7,38
15,96
Média da RMPA
31,84
25,23
15,41
21,20
19,14
Superior
11,16
6,97
9,30
20,06
21,47
16,71
24,45
Médio superior
14,24
8,87
7,47
13,51
23,76
Médio
2,20
28,55
17,03
9,69
6,23
17,47
Médio inferior
34,19
24,65
15,26
0,99
3,96
13,49
Operário
3,42
36,83
27,13
17,59
1,25
26,43
10,60
Operário tradicional
31,99
35,96
16,77
0,82
3,38
13,40
Operário inferior
0,79
2,51
10,82
Popular
30,89
19,66
1,87
3,69
11,10
Agrícola popular
-0
5,00
Legenda:
35,72
28,32
18,36
10,00
28,24
27,98
27,13
15,00
20,00
25,00
30,00
Até 1 SM
De 1 até 2 SMs
De 2 até 5 SMs
De 5 até 10 SMs
De 10 até 20 SMs
Mais de 20 SMs
FONTE: IBGE. Censo Demográfico 2000: dados da amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2002.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
35,31
(%)
35,00
40,00
151
Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:...
Gráfico 3
Distribuição da população, segundo as condições de saneamento e tipos, na RMPA — 2000
Média da RMPA
88,98
11,02
Superior
0,88
Médio superior
1,59
Médio
99,12
98,41
95,80
4,20
Médio inferior
90,76
9,24
Operário
11,32
Operário tradicional
11,49
Operário inferior
88,68
88,51
91,39
8,61
Popular
81,49
18,51
Agrícola popular
68,04
31,96
-0
20,00
Legenda:
40,00
60,00
80,00
(%)
100,00
120,00
População com saneamento adequado
População com saneamento inadequado
FONTE: IBGE. Censo Demográfico 2000: dados da amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2002.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
152
Rosetta Mammarella; Tanya M. de Barcellos
Anexo
Anexo 1
Perfil e índice de densidade relativa das categorias socioocupacionais, segundo os tipos de áreas,
na Região Metropolitana de Porto Alegre — 2000
a) RMPA, superior, médio superior, médio e médio inferior
RMPA
SUPERIOR
CATs
MÉDIO
SUPERIOR
MÉDIO
Perfil
Densidade
(%)
Perfil
Densidade
(%)
MÉDIO
INFERIOR
Freqüência
Perfil
(%)
Densidade
Perfil
(%)
Densidade
Perfil
(%)
Dirigentes .................
21 742
1,4
1,0
5,0
3,6
2,5
1,8
2,7
1,9
1,0
0,7
CAT 21 - grandes empregadores ................
12 228
0,8
1,0
3,2
4,1
1,2
1,5
1,8
2,4
0,5
0,7
CAT 22 - dirigentes do
setor público ..............
4 355
0,3
1,0
0,8
2,9
0,8
2,8
0,2
0,9
0,2
0,7
CAT 23 - dirigentes do
setor privado ..............
Densidade
5 159
0,3
1,0
1,0
3,1
0,6
1,8
0,6
1,7
0,3
0,8
Intelectuais ............... 115 979
7,4
1,0
27,7
3,7
19,3
2,6
13,7
1,8
5,3
0,7
CAT 41 - profissionais
autônomos de nível
superior ......................
32 439
2,1
1,0
9,4
4,6
5,1
2,5
3,9
1,9
1,2
0,6
CAT 42 - profissionais
empregados de nível
superior ......................
42 981
2,7
1,0
10,0
3,7
6,8
2,5
5,3
1,9
2,1
0,8
CAT 43 - profissionais
estatutários de nível
superior ......................
10 658
0,7
1,0
2,7
4,0
2,3
3,4
0,9
1,3
0,5
0,7
CAT 44 - professores
de nível superior ........
29 901
1,9
1,0
5,5
2,9
5,0
2,6
3,6
1,9
1,5
0,8
Pequenos Empregadores .........................
50 425
3,2
1,0
7,9
2,5
4,7
1,5
6,4
2,0
2,8
0,9
CAT 31 - pequenos
empregadores ...........
50 425
3,2
1,0
7,9
2,5
4,7
1,5
6,4
2,0
2,8
0,9
Ocupações Médias .. 414 925
26,5
1,0
33,8
1,3
41,0
1,5
39,0
1,5
29,8
1,1
CAT 51 - ocupações
de escritório ............... 142 868
9,1
1,0
9,0
1,0
13,9
1,5
12,4
1,4
11,1
1,2
CAT 52 - ocupações
de supervisão ............
68 870
4,4
1,0
7,9
1,8
7,0
1,6
7,5
1,7
4,2
1,0
CAT 53 - ocupações
técnicas .....................
97 494
6,2
1,0
8,4
1,4
9,5
1,5
11,0
1,8
6,6
1,1
CAT 54 - ocupações
médias da saúde e
educação ...................
56 573
3,6
1,0
3,6
1,0
5,3
1,5
4,6
1,3
4,4
1,2
CAT 55 - ocupações
da segurança pública,
justiça e correios ........
29 882
1,9
1,0
2,7
1,4
3,4
1,8
1,9
1,0
2,4
1,2
CAT 32 - ocupações
artísticas e similares ..
19 238
1,2
1,0
2,2
1,8
1,9
1,5
1,5
1,2
1,2
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
1,0
(continua)
153
Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:...
Perfil e índice de densidade relativa das categorias socioocupacionais, segundo os tipos de áreas,
na Região Metropolitana de Porto Alegre — 2000
a) RMPA, superior, médio superior, médio e médio inferior
RMPA
SUPERIOR
CATs
Freqüência
Perfil
(%)
Densidade
Trabalhadores
do
Setor Terciário Especializado ...............
270 806
17,3
CAT 61 - trabalhadores do comércio .........
136 450
CAT 62 - prestadores
de serviços especializados .......................
MÉDIO
SUPERIOR
MÉDIO
MÉDIO
INFERIOR
Perfil
Densidade
(%)
Perfil
(%)
Densidade
Perfil
(%)
Densidade
Perfil
(%)
1,0
11,1
0,6
14,9
0,9
15,8
0,9
20,5
1,2
8,7
1,0
5,5
0,6
7,4
0,9
8,5
1,0
10,1
1,2
134 356
8,6
1,0
5,6
0,6
7,5
0,9
7,3
0,9
10,4
1,2
Trabalhadores
do
Setor Secundário .....
433 916
27,7
1,0
5,8
0,2
8,8
0,3
13,4
0,5
23,5
0,9
CAT 71 - trabalhadores da indústria moderna .........................
100 319
6,4
1,0
1,2
0,2
2,4
0,4
3,6
0,6
5,8
0,9
CAT 72 - trabalhadores da indústria tradicional .........................
144 081
9,2
1,0
1,3
0,1
2,1
0,2
4,2
0,5
4,8
0,5
CAT 73 - trabalhadores dos serviços auxiliares .......................
76 226
4,9
1,0
1,5
0,3
2,1
0,4
2,8
0,6
5,5
1,1
CAT 74 - trabalhadores da construção civil
113 290
7,2
1,0
1,8
0,3
2,2
0,3
2,8
0,4
7,4
1,0
Trabalhadores
do
Setor Terciário Não
Especializado ...........
229 468
14,6
1,0
8,6
0,6
8,6
0,6
8,7
0,6
16,6
1,1
CAT 63 - prestadores
de serviços não especializados ...................
71 350
4,5
1,0
1,8
0,4
2,5
0,5
2,5
0,5
5,1
1,1
CAT 81 - trabalhadores domésticos ..........
105 220
6,7
1,0
5,0
0,7
3,4
0,5
3,0
0,4
7,4
1,1
CAT 82 - ambulantes
e catadores ................
52 898
3,4
1,0
1,7
0,5
2,8
0,8
3,2
1,0
4,1
1,2
Agricultores .............
30 956
2,0
1,0
0,2
0,1
0,2
0,1
0,3
0,2
0,5
0,3
CAT 10 - agricultores
30 956
2,0
1,0
0,2
0,1
0,2
0,1
0,3
0,2
0,5
0,3
TOTAL ....................... 1 568 217
100,0
1,0
100,0
1,0
100,0
1,0
100,0
1,0
100,0
1,0
Densidade
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
154
Rosetta Mammarella; Tanya M. de Barcellos
Perfil e índice de densidade relativa das categorias socioocupacionais, segundo os tipos de áreas,
na Região Metropolitana de Porto Alegre — 2000
b) operário, operário tradicional, operário inferior, popular e agrícola popular
OPERÁRIO
CATs
Perfil
(%)
Densidade
OPERÁRIO
TRADICIONAL
OPERÁRIO
INFERIOR
Perfil
(%)
Densidade
Perfil
(%)
Densidade
POPULAR
Perfil
(%)
Densidade
AGRÍCOLA
POPULAR
Perfil
(%)
Densidade
Dirigentes .................
0,7
0,5
1,1
0,8
0,6
0,5
0,3
0,2
0,9
0,6
CAT 21 - grandes empregadores ................
0,3
0,4
0,7
0,9
0,3
0,4
0,1
0,2
0,3
0,4
CAT 22 - dirigentes do
setor público ..............
0,2
0,6
0,1
0,5
0,2
0,6
0,1
0,5
0,2
0,7
CAT 23 - dirigentes do
setor privado ..............
0,2
0,6
0,3
0,8
0,2
0,5
0,1
0,2
0,4
1,2
Intelectuais ...............
3,2
0,4
2,5
0,3
2,5
0,3
2,0
0,3
3,7
0,5
CAT 41 - profissionais
autônomos de nível
superior ......................
0,6
0,3
0,6
0,3
0,7
0,3
0,6
0,3
1,2
0,6
CAT 42 - profissionais
empregados de nível
superior ......................
1,2
0,4
1,0
0,4
0,9
0,3
0,8
0,3
1,1
0,4
CAT 43 - profissionais
estatutários de nível
superior ......................
0,3
0,4
0,2
0,2
0,1
0,2
0,1
0,2
0,3
0,4
CAT 44 - professores
de nível superior ........
1,1
0,6
0,8
0,4
0,8
0,4
0,5
0,3
1,2
0,6
Pequenos Empregadores .........................
2,9
0,9
2,0
0,6
1,2
0,4
2,5
0,8
2,0
0,6
CAT 31 - pequenos
empregadores ...........
2,0
0,6
2,9
0,9
2,0
0,6
1,2
0,4
2,5
0,8
Ocupações Médias ..
21,8
0,8
18,9
0,7
21,1
0,8
18,7
0,7
15,9
0,6
CAT 51 - ocupações
de escritório ...............
7,1
0,8
6,0
0,7
7,7
0,8
7,3
0,8
5,3
0,6
CAT 52 - ocupações
de supervisão ............
3,4
0,8
3,9
0,9
3,0
0,7
2,4
0,6
2,4
0,5
CAT 53 - ocupações
técnicas .....................
5,7
0,9
4,7
0,8
5,5
0,9
3,7
0,6
2,8
0,5
CAT 54 - ocupações
médias da saúde e
educação ...................
3,2
0,9
2,5
0,7
2,6
0,7
2,8
0,8
3,4
0,9
CAT 55 - ocupações
da segurança pública,
justiça e correios ........
1,3
0,7
0,7
0,4
1,2
0,6
1,7
0,9
1,4
0,7
CAT 32 - ocupações
artísticas e similares ..
1,1
0,9
1,1
0,9
1,1
0,9
0,8
0,7
0,7
0,6
(continua)
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
155
Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:...
Perfil e índice de densidade relativa das categorias socioocupacionais, segundo os tipos de áreas,
na Região Metropolitana de Porto Alegre — 2000
b) operário, operário tradicional, operário inferior, popular e agrícola popular
OPERÁRIO
CATs
Perfil
(%)
OPERÁRIO
TRADICIONAL
OPERÁRIO
INFERIOR
POPULAR
AGRÍCOLA
POPULAR
Densidade
Perfil
(%)
Densidade
Perfil
(%)
Densidade
Perfil
(%)
Densidade
Perfil
(%)
Densidade
Trabalhadores
do
Setor Terciário Especializado ...............
17,8
1,0
12,2
0,7
19,9
1,2
21,2
1,2
14,5
0,8
CAT 61 - trabalhadores do comércio .........
9,0
1,0
6,4
0,7
10,8
1,2
10,2
1,2
7,8
0,9
CAT 62 - prestadores
de serviços especializados .......................
8,8
1,0
5,8
0,7
9,1
1,1
11,1
1,3
6,7
0,8
Trabalhadores
do
Setor Secundário .....
38,5
1,4
49,7
1,8
36,4
1,3
31,5
1,1
26,8
1,0
CAT 71 - trabalhadores da indústria moderna .........................
15,0
2,4
6,6
1,0
11,2
1,7
7,6
1,2
6,1
0,9
CAT 72 - trabalhadores da indústria tradicional .........................
7,6
0,8
32,6
3,6
7,8
0,9
5,0
0,5
7,1
0,8
CAT 73 - trabalhadores dos serviços auxiliares .......................
6,9
1,4
3,9
0,8
7,6
1,6
6,6
1,4
5,0
1,0
CAT 74 - trabalhadores da construção civil
9,0
1,2
6,6
0,9
9,8
1,4
12,3
1,7
8,6
1,2
Trabalhadores
do
Setor Terciário Não
Especializado ...........
15,0
1,0
9,6
0,7
16,8
1,1
23,2
1,6
16,6
1,1
CAT 63 - prestadores
de serviços não especializados ...................
5,3
1,2
3,0
0,7
5,2
1,1
7,9
1,7
4,5
1,0
CAT 81 - trabalhadores domésticos ..........
6,2
0,9
4,6
0,7
7,6
1,1
10,8
1,6
9,8
1,5
CAT 82 - ambulantes
e catadores ................
3,5
1,0
2,0
0,6
4,0
1,2
4,5
1,3
2,3
0,7
Agricultores .............
1,1
0,6
2,9
1,5
0,5
0,3
1,9
0,9
19,1
9,7
CAT 10 - agricultores
1,1
0,6
2,9
1,5
0,5
0,3
1,9
0,9
19,1
9,7
TOTAL .......................
100,0
1,0
100,0
1,0
100,0
1,0
100,0
1,0
100,0
1,0
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Censo Demográfico 2000. Amostra. IBGE.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
156
Rosetta Mammarella; Tanya M. de Barcellos
Anexo 2
Número de AEDs e códigos adotados segundo os municípios da RMPA — 2000
MUNICÍPIOS
NÚMERO DE AEDs
CÓDIGOS
Alvorada
9
Alv01... Alv09
Araricá
1
Araricá01
Arroio dos Ratos
1
Arroio Ratos01
Cachoeirinha
7
Cach01... Cach07
Campo Bom
1
Campo Bom01
15
Can01... Can15
Canoas
Capela de Santana
1
Capela de Santana01
Charqueadas
1
Charqueadas01
Dois Irmãos
1
Dois Irmãos01
Eldorado do Sul
1
Eldorado do Sul01
Estância Velha
1
Estância Velha01
Esteio
4
Estei01... Estei04
Glorinha
1
Glorinha01
Gravataí
11
Guaíba
3
Guai01... Guai03
Ivoti
1
Ivoti01
Montenegro
1
Montenegro01
Novo Hamburgo
15
Gravat01... Gravat11
Nham01... Nham15
Nova Hartz
1
Nova Hartz01
Nova Santa Rita
1
Nova Santa Rita01
Parobé
1
Parobé01
Porto Alegre
49
Poa01... Poa49
Portão
1
Portão01
Santo Antônio da Patrulha
2
Santpa01; Santpa02
São Jerônimo
1
São Jerônimo01
Sapiranga
4
Sapir01... Sapir04
Sapucaia do Sul
6
Sapuc01... Sapuc06
São Leopoldo
10
Sleo01... Sleo10
Taquara
1
Taquara01
Triunfo
1
Triunfo01
Viamão
11
TOTAL DA REGIÃO METROPOLITANA
FONTE: IBGE.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
164
Viam1... Viam11
157
Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:...
Anexo 3
Identificação das AEDs de acordo com a tipologia e sua localização na RMPA — 2000
CÓDIGO DAS AEDs
TIPOLOGIA
Arroio Ratos01
Glorinha01
Gravat11
Montenegro01
Santpa02
São Jerônimo01
Triunfo01
Viam09
Viam11
Alv02
lv08
Cach04
Agrícola popular
Agrícola popular
Agrícola popular
Agrícola popular
Agrícola popular
Agrícola popular
Agrícola popular
Agrícola popular
Agrícola popular
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Cach05
Médio inferior
Cach07
Médio inferior
Can01
Can10
Can11
Esteio01
Gravat03
Gravat04
Gravat07
Guai03
Nham08
Nham13
Poa2
Poa03
Poa15
Poa18
Poa23
Poa25
Poa28
Poa29
Poa34
Poa35
Poa36
Poa37
Poa39
Poa43
Sleo03
Sapuc06
Viam01
Viam02
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
LOCALIZAÇÃO
Município Arroio dos Ratos
Município Glorinha
Distritos Gravataí (OP7Barro Vermelho/ /OP8Morungava/OP10Ipiranga)
Município Montenegro
Parte rural
Município São Jerônimo
Município Triunfo
OP12 Região Águas Claras
OP13 Região Espigão/OP15 Região Itapuã
Maringá
Algarve
OP3 Vila Bom Princípio/Parque Matriz; OP4 Parques Atlântico/Silveira
Martins
OP2 City Nova/City Velha/Distrito Industrial; OP1 Veranópolis/Eunice
Nova
OP1 Vila Imbuhi/Eunice Velha/Jardim América/Santo Ângelo; OP2
Wilkens/Vila Regina
Niterói/Base Aérea
Igara/Brigadeira/São José/São Luiz
Chácara Barreto/Fernandes
Vila Nova/Cruzeiro/São José
OP2 São Geraldo
OP12 Vila Branca
OP1 Moradas/OP11 Águas Claras
Centro/Balneáreos
Ideal/Liberdade
Primavera/Rincão/Vila Rosa
Belém Novo
Camaquã
Passo das Pedras
Rubem Berta
Sarandi
Jardim Carvalho
Morro Santana
Arquipélago/Humaitá/Anchieta
Bom Jesus/Jardim do Salso
Vila João Pessoa/Coronel Aparicio Borges
Glória/Cascata/Belem Velho
Medianeira/Santa Teresa
Vila Nova/Campo Novo
Serraria/Hípica
Campestre/Feitoria (parte)
Vacchi/Kurashiki/Diehl/Silva/Centro (parte)
OP2 Região Cecília
OP1 Região Santa Isabel
(continua)
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
158
Rosetta Mammarella; Tanya M. de Barcellos
Identificação das AEDs de acordo com a tipologia e sua localização na RMPA — 2000
CÓDIGO DAS AEDs
Vviam04
Viam05
Viam06
Viam07
Estei03
Gravat08
Nham05
Nham12
Nham14
Poa07
Poa08
Poa09
Poa21
Poa30
Poa31
Poa32
Poa49
Can09
Can15
Poa04
Poa05
Poa06
Poa11
Poa13
Poa14
Poa19
Poa20
Poa26
Poa38
Poa44
Sleo09
Sleo10
ALV01
ALV06
CACH02
CAN12
ESTEI02
GRAVAT02
Guai02
Sleo01
Sleo02
Sleo04
Sleo07
Sapuc01
Sapuc02
Ararica01
TIPOLOGIA
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio inferior
Médio
Médio
Médio
Médio
Médio
Médio
Médio
Médio
Médio
Médio
Médio
Médio
Médio
Médio superior
Médio superior
Médio superior
Médio superior
Médio superior
Médio superior
Médio superior
Médio superior
Médio superior
Médio superior
Médio superior
Médio superior
Médio superior
Médio superior
Médio superior
Operário inferior
Operário inferior
Operário inferior
Operário inferior
Operário inferior
Operário inferior
Operário inferior
Operário inferior
Operário inferior
Operário inferior
Operário inferior
Operário inferior
Operário inferior
Operário tradicional
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
LOCALIZAÇÃO
OP5 Região São Lucas/OP7 Volta da Figueira
OP9 Região Centro/OP8 Região Querência
OP10 Região Autódromo
OP6 Região São Tomé
Centro/Vila Rica
OP5 Centro (parte)
Centro/Hamburgo Velho/Rio Branco/São José
Industrial/Ouro Branco/Pátria Nova
Operário/Vila Nova/Guarani
Cristal
Cristo Redentor
Floresta
São João
Navegantes/São Geraldo
Jardim São Pedro/Santa Maria Goretti/Jardim Floresta
Jardim Lindóia/São Sebastião
Vila Ipiranga/Jardim Itú
Ideal/Cidade Nova; Igara/Marechal Rondon/Chácara Barreto (parte)
Centro/Fernandes; Harmonia/Marechal Rondon (parte)
Cavalhada
Centro
Cidade Baixa
Jardim Botânico
Partenon
Passo da Areia
Santana
Santo Antônio
Jardim Sabará
Teresópolis/Nonoai
Azenha/Menino Deus/Praia de Belas
Fião/Padre Reus/São João/Cristo Rei/Morro do Espelho/Rio Branco
Centro
Passo do Feijó/União
Sumaré/Americana
OP7 Vista Alegre
Fátima/Mato Grande
Parque Claret/Parque Primavera/Santo Antônio
OP3 Parque Florido/OP13 Central
COHAB/Jardim Santa Rita
Vicentina/São Miguel;São João Batista (parte)
Scharlau/Campina
Feitoria
Santos Dumont/Rio dos Sinos
Capão da Cruz
Vargas/Camboim/Nova Sapucaia/Walderes
Município Araricá
(continua)
159
Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:...
Identificação das AEDs de acordo com a tipologia e sua localização na RMPA — 2000
CÓDIGO DAS AEDs
TIPOLOGIA
Campo Bom01
Caoelo de Santana01
Dois Irmãos01
Estância Velha01
Ivoti01
Nova Hartz01
Nham01
Nham02
Nham03
Nham04
Nham06
Nham07
Nham09
Nham10
Nham11
Nham5
Parobé01
Portão01
Santpa01
Sapir01
Sapir02
Sapir03
Sapir04
Taquara01
Cach03
Can03
Charqueadas01
Estei04
Gravat01
Gravat05
Gravat09
Sleo05
Sleo06
Operário tradicional
Operário tradicional
Operário tradicional
Operário tradicional
Operário tradicional
Operário tradicional
Operário tradicional
Operário tradicional
Operário tradicional
Operário tradicional
Operário tradicional
Operário tradicional
Operário tradicional
Operário tradicional
Operário tradicional
Operário tradicional
Operário tradicional
Operário tradicional
Operário tradicional
Operário tradicional
Operário tradicional
Operário tradicional
Operário tradicional
Operário tradicional
Operário
Operário
Operário
Operário
Operário
Operário
Operário
Operário
Operário
Sleo08
Sapuc03
Sapuc04
Sapuc05
Alv03
Alv004
Alv005
Alv007
Alv009
Cach01
Operário
Operário
Operário
Operário
Popular
Popular
Popular
Popular
Popular
Popular
LOCALIZAÇÃO
Município Campo Bom
Município Capela de Santana
Município Dois Irmãos
Município Estância Velha
Município Ivoti
Município Nova Hartz
Canudos (parte)
Canudos (parte)
Mauá/Canudos (parte-Horto Municipal)
São Jorge
Dihel/Roselândia
Santo Afonso
Lomba Grande
Canudos (parte-Aeroclube)
Rondônia/Boa Vista
Boa Saúde/Petrópolis
Município Parobé
Município Portão
Parte urbana
Centro/Piquete
São Luiz/Santa Fé/Quatro Colônias
Vila Nova/Amaral Ribeiro
Centenário/Oeste
Município Taquara
OP5 Parque Tancredo Neves/Granja Esperança/Fátima
Jardim Atlântico/Estância Velha
Município Charqueadas
Parque de Exposições/Teópolis/Parque Amador
OP4 COHAB A/OP14 São Jerônimo
OP15 São Vicente
OP5 Centro (parte)
Pinheiro/Fazenda São Borja/Santo André
Campus Unisinos/Duque de Caxias/Santa Tereza; Jardim América/São
João Batista (parte)
Boa Vista/Arroio Manteiga
Centro/São José
Boa Vista/Ipiranga/Jardim América/Lomba da Palmeira
COHAB/São Jorge/Colonial
Parque Madepinho/São Francisco
Chácara do Tordilho/Formosa/Três Figueiras/Intersul
Stella Maris/Aparecida
Salomé
Distrito Estância Grande
OP8 Nova Cachoeirinha
(continua)
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
160
Rosetta Mammarella; Tanya M. de Barcellos
Identificação das AEDs de acordo com a tipologia e sua localização na RMPA — 2000
CÓDIGO DAS AEDs
TIPOLOGIA
LOCALIZAÇÃO
Cach06
Can02
Can04
Can05
Can06
Can07
Can08
Can13
Can14
Eldorado do Sul01
Gravat06
Gravat10
Guai01
Nova Santa Rita01
Poa01
Poa12
Poa17
Poa22
Poa24
Poa27
Poa40
Popular
Popular
Popular
Popular
Popular
Popular
Popular
Popular
Popular
Popular
Popular
Popular
Popular
Popular
Popular
Popular
Popular
Popular
Popular
Popular
Popular
OP6 Residencial Ritter/Moradas do Bosque/Sítios
Rio Branco/Niterói (parte)
Olaria/Planalto Canoense/Guajuviras (parte)
Guajuviras
Santo Operário/Matias Velho (parte)
Cinco Colônias; Natal/Santo Operário (parte)
Natal/Matia Velho (parte)
Harmonia/Matias Velho (parte)
Matias Velho/ Industrial
Município Eldorado do Sul
OP9 Itacolomi
OP6 Parque dos Anjos
Morada da Colina/Pedras Brancas/Parque 35/Columbia City
Município Nova Santa Rita
Agronomia
Lomba do Pinheiro
Restinga
São José
Farrapos
Mario Quintana
Ponta Grossa/ Chapéu do Sol/Lageado/Lami
Viam03
Popular
OP7 Região Volta da Figueira/OP9 Região Centro
Viam08
Viam10
Poa10
Poa16
Poa33
Poa41
Poa42
Poa45
Poa46
Poa47
Popular
Popular
Superior
Superior
Superior
Superior
Superior
Superior
Superior
Superior
OP3 Região Passo Dorneles
OP4 Região Viamópolis
Independência
Petrópolis
Higienópolis/Boa Vista
Vila Assunção/Tristeza/Vila Conceição
Pedra Redonda/Ipanema/Espírito Santo/Guarujá
Bom Fim/ Farroupilha
Auxiliadora/ Mont Serrat/Moinhos de Vento/ Bela Vista
Rio Branco/Santa Cecília
POA48
Superior
Três Figueiras/Chácara das Pedras/Vila Jardim
FONTE: IBGE.
NOTA: OP é área do Orçamento Participativo.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
Desigualdades sociais e espaciais na metrópole:...
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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
162
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 137-162, dez. 2005
Rosetta Mammarella; Tanya M. de Barcellos
163
Concentração e especialização em setores industriais...
Concentração e especialização em setores industriais
na região Noroeste Colonial do Rio Grande do Sul
David Basso*
Doutor e Professor do Departamento de Economia
e Contabilidade da Unijuí.
Doutor e Professor do Departamento de Estudos
Agrários da Unijuí.
Mestre e Professora do Departamento de Economia
e Contabilidade da Unijuí.
Benedito Silva Neto**
Janete Stoffel***
Resumo
Este trabalho analisa o grau de concentração industrial nos setores de
madeira e mobiliário, têxtil e metal-mecânico, na região Noroeste Colonial,
comparativamente às regiões formadas pelos demais Conselhos
Regionais de Desenvolvimento (Coredes) do Rio Grande do Sul, e o grau
de especialização entre os municípios daquela região. Foram calculados
os Índices de Gini locacionais (GLs) para os Coredes e os quocientes
locacionais (GLs) para os municípios, com base no número de
estabelecimentos e no número de empregados. Constatou-se que existe
concentração e especialização nas indústrias metal-mecânica e de
madeira e mobiliário, em alguns municípios do Corede Noroeste Colonial,
especialmente em relação ao número de empregados.
Palavras-chave:
aglomeração industrial; especialização pro-
dutiva; desenvolvimento regional.
Abstract
The paper analyzes the industrial concentration in the sectors of the wood
and of the furniture, textile and metal-mechanic in the Corede Noroeste
Colonial (Regional Council of Development) region comparatively to the
group of the regions formed by the Coredes of the Rio Grande do Sul
State. The paper analyses too the industrial specialization these sectors
among the municipal districts inside the region of the Noroeste Colonial.
The Locacionals Quotients and Gini Locacional's Coefficients were
calculated, for the Coredes and the municipal districts, with base in the
number of establishments and in the number of employees. A concentration
and specialization was verified in the industry metal-mechanic and in the
industry of the wood and of the furniture in some municipal districts of the
region Noroeste Colonial, especially in relation to the number of employees.
Artigo recebido em 28 set. 2005.
*E-mail: [email protected]
**E-mail: [email protected]
***E-mail: [email protected]
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005
164
1 - Introdução
Os estudos sobre concentração e especialização
industrial inserem-se nas discussões acerca do papel
que aglomerações, sistemas locais de produção e
clusters desempenham no desenvolvimento local. A caracterização da distribuição geográfica das atividades econômicas quanto ao seu grau de especialização e concentração é, nesse sentido, uma etapa importante para
a compreensão das dinâmicas presentes nos processos
locais de desenvolvimento.
O presente trabalho busca identificar a existência
de aglomerações industriais nos setores de madeira e
mobiliário, têxtil e metal-mecânico na região integrada
pelos municípios que compõem o Conselho Regional de
Desenvolvimento (Corede) Noroeste Colonial.
Além desta Introdução, o trabalho compõe-se de
três partes, iniciando com a apresentação de algumas
abordagens que privilegiam a análise dos processos de
desenvolvimento a partir das dinâmicas locais de
produção. Em seguida, apresentam-se os procedimentos
metodológicos utilizados para mensurar o grau de
concentração e especialização industrial. Por fim, são
discutidos os resultados obtidos, e, deles, retiradas
algumas conclusões.
2 - Aglomerações
industriais e dinâmicas
de desenvolvimento
local
Entender e explicar as especificidades e a forma
como o desenvolvimento acontece nas diferentes regiões
e localidades têm merecido uma preocupação crescente
por parte de estudiosos do mundo inteiro, em particular
a partir do último quartel do século XX.
Experiências localizadas de desenvolvimento, com
destaque para o caso da Terceira Itália, mereceram o
olhar atento de pesquisadores de várias áreas do
conhecimento, particularmente interessados em embasar
cientificamente sua compreensão do processo de
desenvolvimento como um fenômeno local ou regional
(Becattini, 1979; Bagnasco, 1988; Garofoli, 1985). Tais
experiências tiveram o mérito de evidenciar que a análise
do desenvolvimento centrada unicamente no viés da
dinâmica de acumulação capitalista é, no mínimo,
insuficiente para apreender a complexidade e a
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005
David Basso; Benedito Silva Neto; Janete Stoffel
diversidade das situações observadas em vários países
ou regiões, a partir dos anos 70 do século XX.
Uma das referências que têm exercido forte
influência em muitos dos estudos contemporâneos
voltados ao estudo de processos de desenvolvimento
local vem da noção de distrito industrial desenvolvida
por Alfred Marshall, ainda no século XIX, com base na
constatação de um fenômeno de concentração de
empresas especializadas em um ramo de produção, em
certas comunidades inglesas, com uma divisão de
trabalho entre pequenos produtores baseada em laços
de solidariedade. Marshall (1985) explica esse fenômeno
em função das externalidades ou economias externas
às empresas individuais, mas internas aos ramos de
produção, tratando-se, portanto, de economias que não
surgem diretamente de empresas, mas, sim, do território
onde elas estão localizadas, em função da proximidade
dos produtores. Tais economias externas podem estar
relacionadas à difusão de conhecimento, à aprendizagem
difusa das profissões, às invenções e inovações, ao
desenvolvimento do comércio e dos transportes, aos
contatos estreitos entre fornecedores e compradores, às
redes de subcontratação de serviços e ao mercado de
mão-de-obra qualificada, etc. Segundo Marshall, no
entanto, a cooperação econômica explica apenas em
parte as vantagens de um distrito industrial, e, por isso,
o seu interesse vai além dos aspectos econômicos,
realçando a importância dos valores imateriais da
localização, como as relações sociais e a cultura local,
para mostrar que a dinâmica industrial não pode ser
reduzida a seu aspecto meramente mercantil.
Alguns trabalhos que aprofundaram a noção de
distrito industrial desenvolvida por Marshall para explicar
a experiência italiana se tornaram centrais nos estudos
relacionados com o desenvolvimento local, dentre os
quais destacam-se as contribuições de Becattini (1979),
Garofoli (1985) e Bagnasco (1988), exercendo grande
influência na estruturação de abordagens recentes, como,
por exemplo, a dos sistemas locais de produção
(Schmitz, 1990; 1994; Benko; Lipietz, 1992; Courlet,
2001a; 2001b).
Outros estudiosos foram buscar em Schumpeter
(1985) as explicações teóricas sobre a diversidade
observada no desenvolvimento em níveis local e regional,
enfatizando o papel das inovações na análise das
condições que permitiram a certas regiões se destacarem
das demais em termos de desenvolvimento.
Diferentemente de Schumpeter, no entanto, algumas
correntes neo-schumpeterianas enfatizam que o
desenvolvimento não necessariamente acontece por
rupturas radicais, podendo dar-se de forma adaptativa e
165
Concentração e especialização em setores industriais...
progressiva, destacando o papel do aprendizado no
processo (learning by doing e learning by using), do
conhecimento tácito e da rotina nos processos
inovadores. Da mesma forma, a figura isolada do
empresário, central no modelo original de Schumpeter, é
menos enfatizada em favor das instituições de pesquisa
e desenvolvimento de produtos e processos, surgindo,
assim, conceitos como "meios inovadores" (Aydalot,
1986) e "sistemas nacionais/locais de inovação"
(Freeman, 1995; Dosi et al., 1988; Nelson; Winter, 1997;
Cassiolato; Lastres, 1999).
No Brasil, o interesse pelos estudos sobre sistemas
locais de produção cresceu muito a partir da década de
90 do século XX, a ponto de hoje existirem vários centros
ou grupos de pesquisa em várias instituições.1 Além do
interesse acadêmico, também é expressivo o
envolvimento de instituições na identificação de sistemas
produtivos e no fomento de aglomerações nas diferentes
regiões do País.2
Segundo Suzigan et al. (2004), aglomerações de
empresas e instituições têm como característica
essencial a capacidade de gerar economias externas,
incidentais ou deliberadamente criadas, que contribuem
para o incremento da competitividade das empresas e,
em conseqüência, de todo o sistema local de produção.
Além das economias externas tradicionais, já apontadas
nos estudos do próprio Marshall, a cooperação entre as
empresas e o apoio público são fatores fundamentais
para o êxito de sistemas locais de produção (Suzigan et
al., 2001).
De acordo com os estudos da Redesist, no Brasil é
mais freqüente a identificação de conjuntos de atividades
econômicas em municípios ou microrregiões que se
constituem sob a forma de arranjos produtivos locais não
avançados ou não "clusterizados", que apresentam como
características: (a) concentração geográfica; (b) elevado
grau de especialização setorial; (c) grupos de micro e
pequenas empresas sem nucleação por grande empresa
ou empresa-âncora; (d) baixo nível de eficiência coletiva
baseada em economias externas e em ação conjunta;
(e) e coesão e intensidade na divisão de trabalho entre
as firmas relativamente limitadas.
1
Podem-se citar, por exemplo, a Rede de Pesquisa em Sistemas
Produtivos e Inovativos Locais (Redesist), da URRJ, disponível
em http://www.ie.ufrj.br/redesist, e o grupo liderado pelo Professor Wilson Suzigan, da Unicamp.
2
Dentre outras, merecem destaque instituições como o Sebrae,
o BNDES, o Banco do Nordeste e secretarias ou institutos ligados a governos estaduais.
A predominância de micro e pequenas empresas
nesses ambientes locais organizados industrialmente
como sistemas produtivos explica por que a literatura
sobre a economia industrial vem incorporando, nos
últimos tempos, a dimensão da proximidade geográfica
e da formação de redes de cooperação como elementos
de competitividade e sobrevivência dessas empresas de
menor porte.
Por meio de redes horizontais, as empresas podem,
coletivamente, atingir economias de escala acima da
capacidade individual de cada uma, realizar compras
conjuntas de matérias-primas e insumos, melhorar o uso
da maquinaria, definir estratégias mercadológicas
conjuntas, concentrar atividades de design e promover
vendas em conjunto. Tanto a forma de articulação das
empresas quanto o papel que elas desempenham nos
diferentes arranjos ou sistemas produtivos locais podem
variar. A conformação de diferentes tipos de sistemas
produtivos locais, por conseqüência, vai depender dos
atributos socioeconômicos, institucionais e culturais, do
sistema de governança, da capacidade inovadora, dos
princípios de organização e da qualidade dos
encadeamentos produtivos internos e externos a cada
uma das aglomerações geográficas.
Possuir um diagnóstico adequado das
especificidades das dinâmicas produtivas, portanto, é
indispensável para embasar projetos e políticas de
desenvolvimento local, justificando, assim, o esforço de
identificação do grau de especialização e concentração
de setores industriais para qualificar as aglomerações
geográficas e setoriais de empresas que podem ser
potencializadas por ações conjuntas deliberadas, seja
no sentido de incrementar a cooperação entre as
empresas, seja no direcionamento das políticas públicas.
3 - Metodologia
A análise da concentração e da especialização
industrial dos setores de madeira e mobiliário, têxtil e
metal-mecânico nas regiões delimitadas segue os
procedimentos utilizados por Suzigan, Garcia e Furtado
(2003), a partir de dois índices básicos: o Índice de Gini
locacional (GL) e o quociente locacional (QL). O primeiro
permite identificar as classes industriais que são
geograficamente concentradas na região em estudo,
enquanto o segundo possibilita identificar e delimitar
especializações dentro da região e apontar algumas das
características principais da estrutura industrial local.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005
166
3.1 - A base de dados
A base de dados utilizada neste trabalho é a
Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do
Ministério do Trabalho e Emprego. As informações
utilizadas referem-se ao número de estabelecimentos e
de empregados nos setores industriais da madeira e do
mobiliário, têxtil e metal-mecânico referentes ao ano de
2001.
A coleta e a tabulação dos dados da RAIS são
realizadas anualmente pelo Ministério do Trabalho e
Emprego, apresentando informações detalhadas sobre
volume de emprego e número de estabelecimentos por
atividade econômica e por município. A principal vantagem
da RAIS é a desagregação setorial e geográfica dos
dados, o que facilita o detalhamento das informações.
Dentre as principais limitações da RAIS, podem-se
citar: (a) o fato de que ela informa apenas as relações
contratuais formalizadas; (b) as informações são
autoclassificadas pelas empresas informantes, sem que
haja qualquer verificação sobre sua consistência; e (c)
as empresas informantes podem optar por respostas
únicas, seja no caso de empresas que atuem em vários
setores, que podem concentrar os dados em um único
setor de atividade, seja no de empresas multiplantas,
que podem informar os dados em uma única unidade
(geralmente na matriz).
A base de dados da Pesquisa Industrial Anual
(PIA), organizada pela Fundação Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), também pode ser utilizada
para avaliar a especialização e a concentração industrial,
mas ela apresenta duas inconveniências importantes: a
primeira é que oferece uma baixa cobertura de micro e
pequenas empresas, uma vez que os dados dessa
pesquisa cobrem preferencialmente unidades com mais
de 30 empregados; a segunda é que a pesquisa é feita
por amostragem, não cobrindo todas as localidades.
Assim, mesmo reconhecendo as limitações da base de
dados da RAIS, considera-se que a amplitude das
informações levantadas e a possibilidade de referenciá-las a uma análise descentralizada no âmbito de
municípios justificam a opção metodológica pela sua
utilização.
David Basso; Benedito Silva Neto; Janete Stoffel
3.2 - Indicadores de
concentração e de
especialização
Conforme Suzigan, Garcia e Furtado (2003), os
indicadores de concentração e especialização permitem
verificar a distribuição geográfica da produção, identificar
especializações regionais e mapear movimentos de
deslocamento por região das atividades econômicas,
sejam elas concentradas ou descentralizadas
economicamente. A concentração e a especialização
podem ser observadas em função de distintas variáveis,
como, por exemplo, o número de estabelecimentos e o
número de empregados.
O Índice de Gini locacional possibilita identificar
classes de indústrias com elevado grau de concentração
geográfica da produção, enquanto o quociente locacional
mede o grau de especialização e serve para identificar
sistemas locais de produção nas classes de indústrias
geograficamente concentradas.
O Índice de Gini é um dos indicadores mais
utilizados como medida de concentração (Hoffmann,
1998). Suzigan, Garcia e Furtado (2003), por exemplo,
utilizam o Índice de Gini locacional para estudar a
concentração industrial nas regiões do Estado de São
Paulo. Esse índice varia de zero a um, e, quanto mais
concentrada for a indústria na região, mais próximo da
unidade ele estará, de tal forma que, se a indústria for
uniformemente distribuída no espaço (território), o índice
será zero. Para calcular o GL, é preciso ordenar as regiões
de forma decrescente quanto ao QL da variável
considerada (número de empregados ou número de
estabelecimentos).
O cálculo do GL é efetuado por meio da elaboração
de uma poligonal de Lorenz, onde o total acumulado da
variável considerada é colocado na ordenada, e o setorial
acumulado é colocado na abscissa, conforme
exemplificado na Figura 1.
Por definição, o Índice de Gini é a relação entre a
área de concentração, indicada na Figura 1 por α, e a
área do triângulo ABC (cujo valor é 0,5), isto é,
G = α / 0,5 = 2 α
Sendo 0 <= α < 0,5 , temos 0 <= G < 1 , o
qual é adimensional.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005
167
Concentração e especialização em setores industriais...
ou estabelecimentos em
∑∑ Eij = empregos
todos os setores de todas as regiões.
Assim, pelo cálculo e pela somatória dos trapézios
que se situam entre a linha da poligonal e o eixo das
abscissas, obtêm-se a área β , indicada na Figura 1, e,
na seqüência, o GL (na medida em que α = β - 0,5).
Para o cálculo do QL, com base no número de
estabelecimentos ou de empregados, Suzigan, Garcia e
Furtado (2003) propõem a seguinte equação:
Eij
i
O QL indica a especialização relativa de uma
indústria num local delimitado. Esse índice, no entanto,
deve ser utilizado com cuidado, já que comparações
absolutas entre regiões podem gerar conclusões
equivocadas, como no caso de uma região pouco
desenvolvida industrialmente que pode apresentar índice
de especialização elevado, mesmo existindo nela apenas
uma unidade produtiva.
Excluídas as situações em que a atividade
industrial é inexpressiva, quanto maior for o QL, maior
será o peso do setor na estrutura produtiva local
comparativamente ao peso do mesmo setor no Estado
ou na região, indicando a especialização produtiva,
característica dos clusters ou sistemas locais de
produção. A partir da análise do QL, é possível identificar
a especialização produtiva na microrregião.
A região do Corede Noroeste Colonial é formada
por 32 municípios, sendo que, na maioria deles, a
atividade industrial é pouco significativa. Para facilitar a
análise do grau de especialização industrial da região,
foram considerados apenas os municípios que, na RAIS
do Ministério do Trabalho e Emprego referente ao ano de
2001, possuíam pelo menos 10 estabelecimentos na
soma de todos os setores industriais.
∑E
ij
QLij =
∑E
j
ij
i
∑∑ E
ij
i
j
j
onde
QLij= quociente locacional do setor i da região j;
E ij= empregos ou estabelecimentos no setor i da
região j;
ou estabelecimentos no setor i
∑ Eij = empregos
em todas as regiões;
j
ou estabelecimentos em todos
∑ Eij = empregos
os setores da região j;
i
Figura 1
Exemplo de poligonal de Lorenz para o cálculo do GL
Acumulado total
1,0
C
0,8
α
0,6
0,4
β
0,2
0,0
Α
B
0,0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
Acumulado do setor
1,0
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005
168
4 - Apresentação e
discussão dos
resultados
Neste trabalho, comparou-se o grau de
concentração industrial observado na região formada pelo
conjunto dos Coredes do Estado do Rio Grande do Sul e
aquele observado na região do Corede Noroeste Colonial,
nos setores de madeira e mobiliário, têxtil e metal-mecânico. O cálculo do Índice de Gini locacional para o
Estado como um todo tomou por base a regionalização
dos 22 Conselhos Regionais de Desenvolvimento,
enquanto o GL para a região Noroeste Colonial levou em
conta os 32 municípios que compõem este Corede. Na
seqüência, analisa-se o grau de especialização industrial
na região constituída pelo Corede Noroeste Colonial, nos
três setores selecionados.
4.1 - Concentração industrial
no Corede Noroeste Colonial comparativamente
aos demais Coredes do
Rio Grande do Sul
O grau de concentração industrial entre as regiões
que compõem os 22 Coredes do Estado do Rio Grande
Sul, nos setores de madeira e mobiliário, têxtil e metal-mecânico, medido pelo Índice de Gini locacional em
função do número de estabelecimentos e do número de
empregados, é mostrado na Tabela 1.
Os resultados apresentados na Tabela 1 indicam
que nenhum dos três setores apresenta um grau de
concentração significativo, já que os índices de GL
calculados podem ser considerados baixos, indicando
que essas indústrias estão distribuídas de forma
relativamente uniforme entre as diferentes regiões do
Estado. Em termos relativos, no entanto, a indústria de
madeira e mobiliário é a que apresenta maiores níveis
de concentração dentre os três setores analisados,
apresentando índices de GL mais elevados tanto do ponto
de vista do número de estabelecimentos quanto do do
número de empregados. A indústria têxtil, por sua vez, é
a que se apresenta de forma mais dispersa entre as
regiões gaúchas, em relação tanto ao número de
estabelecimentos como ao número de empregados.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005
David Basso; Benedito Silva Neto; Janete Stoffel
Tabela 1
Índices de Gini locacional nas indústrias de madeira
e mobiliário, têxtil e metal-mecânica, segundo
o número de estabelecimentos e o número
de empregados, calculados a partir
dos 22 Coredes do RS — 2001
INDÚSTRIAS
De madeira e mobiliário
Têxtil ...........................
Metal-mecânica ..........
NÚMERO DE
NÚMERO
ESTABELECIDE
MENTOS
EMPREGADOS
0,30
0,14
0,19
0,41
0,19
0,29
FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. RAIS:
Relação Anual de Informações Sociais. Brasília: O Ministério, 2001.
Pode-se observar ainda, pelos dados da Tabela 1,
que o grau de concentração analisado em função do
número de empregados é maior do que quando calculado
a partir do número de empresas para os três setores
analisados.
A Tabela 2, por sua vez, mostra o grau de
concentração nos três setores selecionados na região
do Corede Noroeste Colonial, com base no número de
estabelecimentos e no número de empregados.
Tabela 2
Índices de Gini locacional nas indústrias de madeira
e mobiliário, têxtil e metal-mecânica, segundo
o número de estabelecimentos e o número
de empregados, calculados a partir dos 32
municípios do Corede Noroeste
Colonial do RS — 2001
INDÚSTRIAS
De madeira e mobiliário
Têxtil ............................
Metal-mecânica ...........
NÚMERO DE
NÚMERO
ESTABELECIDE
MENTOS
EMPREGADOS
0,35
0,45
0,25
0,68
0,66
0,77
FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. RAIS:
Relação Anual de Informações Sociais. Brasília: O
Ministério, 2001.
169
Concentração e especialização em setores industriais...
A primeira constatação que se retira da observação
dos dados da Tabela 2 é que existe uma concentração
importante na região do Corede Noroeste Colonial, nos
três setores estudados, segundo a variável número de
empregados, com níveis ligeiramente superiores na
indústria metal-mecânica, mas igualmente relevantes nos
segmentos de madeira e mobiliário e têxtil. A segunda
observação é que há uma inversão na posição dos
setores quando o grau de concentração é calculado
segundo o número de estabelecimentos. Se, de um lado,
o setor metal-mecânico apresenta o maior grau de
concentração em função do número de empregados, de
outro, é o que apresenta a menor concentração, quando
se refere ao número de estabelecimentos, indicando o
predomínio de empresas de maior porte, com maior oferta
de emprego por estabelecimento. O setor têxtil, por sua
vez, possui a maior concentração de estabelecimentos
e a menor concentração de trabalhadores ocupados,
indicando a presença de um número maior de empresas
de pequeno porte, com um baixo volume de emprego
em cada uma delas.
Comparando-se os resultados apresentados nas
Tabelas 1 e 2, pode-se observar que a concentração
industrial nos setores analisados é mais elevada na região
do Corede Noroeste Colonial do que entre os Coredes do
Estado do Rio Grande do Sul, em especial quando
calculada com base no número de empregados.
Confirmada a existência de uma concentração industrial,
avalia-se, na seqüência, o grau de especialização dos
municípios daquela região nos segmentos industriais
metal-mecânico, têxtil e de madeira e mobiliário.
4.2 - Análise da especialização
industrial nos municípios
da região Noroeste
Colonial
Nesta seção, são apresentados e discutidos os
indicadores de especialização industrial, segundo o
quociente locacional, na região do Corede Noroeste
Colonial, com base nos setores de madeira e mobiliário,
têxtil e metal-mecânico, em função do número de
estabelecimentos e do número de empregados.
A Tabela 3 apresenta dados do QL da indústria de
madeira e mobiliário para os municípios do Corede
Noroeste Colonial do Rio Grande do Sul, calculados a
partir do número de estabelecimentos. O Município de
Crissiumal é o que apresenta a maior especialização no
ramo de madeira e mobiliário, quando se toma como
referência o número de estabelecimentos. Apesar de
alguns municípios disporem de um número significativo
de estabelecimentos, como é o caso de Ijuí, Panambi e
Três Passos, eles apresentam quocientes locacionais
consideravelmente baixos, porque a importância do setor
se dilui diante de outros setores industriais presentes
nessas localidades, e, por isso, o grau de especialização
é inexpressivo.
Tabela 3
Quocientes locacionais da indústria de madeira e mobiliário,
segundo o número de estabelecimentos, nos municípios
do Corede Noroeste Colonial do RS — 2001
ORDEM
MUNICÍPIOS
NÚMERO DE
ESTABELECIMENTOS
Total
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
Crissiumal .........
Condor ..............
Augusto Pestana
Ajuricaba ...........
Pejuçara ............
Tenente Portela
Catuípe ..............
Humaitá .............
Três Passos ......
São Martinho .....
Panambi ............
Ijuí ......................
Campo Novo ......
Santo Augusto ..
Outros ................
TOTAL ...............
46
23
19
19
12
44
32
17
117
32
158
284
17
42
76
938
EMPRESAS
DO SETOR
Setor
QL
18
8
5
5
3
9
6
3
15
4
15
25
1
1
19
137
2,68
2,38
1,80
1,80
1,71
1,40
1,28
1,21
0,88
0,86
0,65
0,60
0,40
0,16
-
% do
Total
39,00
35,00
26,00
26,00
25,00
20,00
19,00
18,00
13,00
13,00
9,00
9,00
6,00
2,00
14,00
FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL. Ministério do Trabalho e
Emprego. RAIS: Relação Anual de
Informações Sociais. Brasília: O
Ministério, 2001.
Os indicadores de especialização na indústria de
madeira e mobiliário dos municípios do Corede Noroeste
Colonial, segundo o número de empregados, são
apresentados na Tabela 4.
Observa-se que, segundo essa variável, o Município
de Crissiumal também apresenta o maior grau de
especialização, seguido dos Municípios de Tenente
Portela e Catuípe. Nesses municípios, o número de
empregos no setor de madeira e mobiliário representa
mais da metade do número de vagas de todos os setores
industriais locais, chegando a representar 77% no caso
do Município de Crissiumal.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005
170
David Basso; Benedito Silva Neto; Janete Stoffel
Confrontando-se as Tabelas 3 e 4, observa-se uma
especialização maior do Município de Crissiumal no
âmbito do Corede Noroeste Colonial, na indústria de
madeira e mobiliário, em relação tanto ao número de
estabelecimentos quanto ao de empregados no setor. A
ordem de classificação dos demais municípios mais
especializados segundo o número de estabelecimentos
(Condor e Augusto Pestana), no entanto, não é a mesma,
quando se toma como referência o número de
empregados (Tenente Portela e Catuípe), indicando a
existência de uma considerável variação no número de
empregados por estabelecimento entre os municípios.
Quocientes locacionais da indústria de madeira e mobiliário,
segundo o número de empregados, nos municípios
do Corede Noroeste Colonial do RS — 2001
MUNICÍPIOS
(1)
NÚMERO DE
EMPREGADOS
Total
Setor
ORDEM
20
1,76
17,00
12
2
1,72
17,00
3
São Martinho ....
32
5
1,61
16,00
4
Tenente Portela
44
6
1,41
14,00
5
Humaitá ............
17
2
1,21
12,00
6
Ajuricaba ..........
19
2
1,09
11,00
7
Augusto Pestana
19
2
1,09
11,00
8
Santo Augusto ..
42
4
0,98
10,00
16,00
9
Crissiumal .........
46
4
0,90
9,00
Panambi ............
158
12
0,78
8,00
2
Tenente Portela
265
155
6,70
58,00
3
Catuípe ..............
101
58
6,58
57,00
30,00
5
Pejuçara ............
57
16
3,21
28,00
6
Humaitá .............
50
14
3,21
28,00
Ajuricaba ............
67
11
1,88
% do
Total
117
77,00
7
QL
Três Passos .....
8,82
3,41
Setor
Pejuçara ...........
171
14
Total
EMPRESAS
NO SETOR
2
222
47
NÚMERO DE
ESTABELECIMENTOS
1
% do
Total
QL
Crissiumal ..........
Augusto Pestana
MUNICÍPIOS
(1)
EMPREGOS NO
SETOR
1
4
Tabela 5
Quocientes locacionais da indústria têxtil, segundo o número
de estabelecimentos, para os municípios do Corede
Noroeste Colonial do RS — 2001
Tabela 4
ORDEM
Como se vê na Tabela 5, o maior grau de
especialização na indústria têxtil no Corede Noroeste
Colonial, considerando-se o número de estabelecimentos,
aparece no Município de Três Passos. O baixo grau de
especialização no setor têxtil de municípios como Ijuí e
Panambi, os quais possuem um número absoluto mais
elevado de empresas no ramo do que outros municípios
dessa região, explica-se pela presença de um maior
número de empresas em outros setores industriais.
8
Condor ..............
178
24
1,54
13,00
10
9
São Martinho .....
104
9
0,99
9,00
11
Ijuí .....................
284
21
0,76
7,00
10
Três Passos ......
1 148
92
0,92
8,00
12
Catuípe .............
32
2
0,64
6,00
5,00
13
Campo Novo .....
17
1
0,61
6,00
1,00
Outros ...............
76
19
-
-
TOTAL ..............
938
91
-
9,00
11
12
Ijuí ...................... 2 111
Panambi ............ 3 714
110
45
0,60
0,14
Outros ...............
568
34
-
-
TOTAL ..............
8 634
754
-
8,70
FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL. Ministério do Trabalho e
Emprego. RAIS: Relação Anual
de Informações Sociais. Brasília:
O Ministério, 2001.
(1) Santo Augusto e Campo Novo não possuíam empregados registrados no setor.
A Tabela 5 apresenta o quociente locacional na
indústria têxtil, nos municípios que compõem a região
do Corede Noroeste Colonial do Estado do Rio Grande
do Sul, em função do número de estabelecimentos no
setor, comparativamente ao total de empresas industriais
existentes em cada município.
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005
FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL. Ministério do Trabalho e
Emprego. RAIS: Relação Anual
de Informações Sociais. Brasília:
O Ministério, 2001.
(1) Condor não possuía estabelecimentos registrados no setor.
A Tabela 6 apresenta o quociente locacional da
indústria têxtil para os municípios da região Noroeste
Colonial, confrontando o número de empregados no setor
com o total de empregos industriais.
Segundo os dados da Tabela 6, três municípios do
Corede Noroeste Colonial apresentam um grau de
especialização na indústria têxtil, segundo o número de
empregados, ligeiramente superior aos demais — São
171
Concentração e especialização em setores industriais...
Martinho, Humaitá e Ajuricaba. Mesmo assim, os
trabalhadores ocupados no setor, nesses municípios, não
chega a 40% do total de empregados industriais.
Tabela 6
Quocientes locacionais da indústria têxtil, segundo o número
de empregados, para os municípios do Corede Noroeste
Colonial do RS — 2001
ORDEM
MUNICÍPIOS
(1)
NÚMERO DE
EMPREGADOS
Total
EMPREGADOS
NO SETOR
Setor
QL
% do
Total
39,00
1
São Martinho .....
104
41
6,77
2
Humaitá .............
50
19
6,53
38,00
3
Ajuricaba ...........
67
23
5,90
34,00
4
Três Passos ......
1 148
178
2,66
16,00
5
Pejuçara .............
57
7
2,11
12,00
6
Esperança do Sul
10
1
1,78
10,00
7
Santo Augusto ...
181
11
1,04
6,00
8
Tenente Portela
265
16
1,04
6,00
9
Crissiumal ..........
222
10
0,77
5,00
10
Augusto Pestana
47
2
0,73
4,00
11
Ijuí ......................
2 111
72
0,59
3,00
12
Catuípe ..............
101
2
0,34
2,00
13
Panambi .............
3 714
48
0,22
1,00
Outros ................
526
-
-
TOTAL ...............
8 634
484
-
nos municípios do Corede Noroeste Colonial, com base
no número de estabelecimentos podem ser observados
na Tabela 7.
A participação do número de estabelecimentos na
indústria metal-mecânica só é relevante para o Município
de Panambi, onde representam, como revelam os dados
da Tabela 7, pouco mais de um terço do total das
empresas industriais locais. É interessante observar que,
na região Noroeste Colonial, apenas os Municípios de
Panambi e Ijuí apresentam mais de 10 empresas no setor.
No geral, pode-se dizer que não existe uma
especialização no setor metal-mecânico nessa região do
Estado, considerando-se apenas o número de unidades
de produção.
Tabela 7
Quocientes locacionais da indústria metal-mecânica, segundo
o número de estabelecimentos, para os municípios
do Corede Noroeste Colonial do RS — 2001
ORDEM
MUNICÍPIOS
(1)
NÚMERO DE
ESTABELECIMENTOS
Total
Setor
EMPRESAS DO
SETOR
QL
% do
Total
1
Panambi ..............
158
57
2,29
36,00
2
Humaitá ..............
17
5
1,86
29,00
-
3
Condor ................
23
4
1,10
17,00
5,60
4
Tenente Portela
44
7
1,01
16,00
FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL. Ministério do Trabalho e
Emprego. RAIS: Relação Anual de
Informações Sociais. Brasília: O
Ministério, 2001.
5
Ijuí ......................
284
44
0,98
15,00
6
Santo Augusto ...
42
5
0,75
12,00
7
Augusto Pestana
19
2
0,67
11,00
(1) Condor não possuía empregados registrados no setor.
8
Ajuricaba ............
19
2
0,67
11,00
Comparando-se as Tabelas 5 e 6, observa-se que a
posição dos municípios dentro do Corede Noroeste
Colonial, segundo o grau de especialização, é diferente,
conforme se adota como critério o número de
estabelecimentos ou o de empregados para o cálculo do
quociente locacional. Isso pode ser explicado pelo fato
de haver uma certa disparidade no número médio de
empregados por empresa entre os municípios. Mesmo
apresentando o maior número de trabalhadores no ramo
têxtil, em 2001, o Município de Três Passos não é o mais
especializado dessa região, pois o conjunto de
trabalhadores está disperso em outros setores da indústria
local.
Os indicadores do quociente locacional que medem
o grau de especialização da indústria metal-mecânica,
9
Catuípe ...............
32
3
0,59
9,00
10
Crissiumal ...........
46
4
0,55
9,00
11
Pejuçara .............
12
1
0,53
8,00
12
Três Passos .......
117
6
0,33
5,00
13
São Martinho ......
32
1
0,20
3,00
Outros ................
61
0
-
-
TOTAL ...............
938
148
-
16,00
FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL. Ministério do Trabalho e
Emprego. RAIS:Relação Anual de
Informações Sociais. Brasília: O
Ministério, 2001.
(1) Campo Novo não possuía estabelecimentos registrado no
setor.
A Tabela 8 apresenta os indicadores do quociente
locacional da indústria metal-mecânica nos municípios
que compõem o Corede Noroeste Colonial, considerando-
Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005
172
David Basso; Benedito Silva Neto; Janete Stoffel
-se o número de empregados no setor confrontado com
o volume total de empregos no conjunto da atividade
industrial em cada município.
Como pode ser observado na Tabela 8, há uma forte
especialização na indústria metal-mecânica, segundo o
número de empregados, nos Municípios de Panambi e
Condor, nos quais 73% e 63%, respectivamente, dos
trabalhadores industriais estão ocupados em empresas
desse setor industrial. Mesmo possuindo um número
importante de trabalhadores ocupados, o grau de
especialização do Município de Ijuí nesse setor de
atividade é baixo, o que se explica pela presença de um
número maior de empregos gerados em outros setores
da atividade industrial nesse município.
A observação conjunta das Tabelas 7 e 8 permite
constatar que a maior especialização na região Noroeste
Colonial, no setor metal-mecânico, se encontra no
Município de Panambi, tanto em relação ao número de
estabelecimentos (36%) quanto ao de empregados com
carteira assinada (73%).
Tabela 8
Quocientes locacionais da indústria metal-mecânica, segundo
o número de empregados, para os municípios do Corede
Noroeste Colonial do RS — 2001
ORDEM
MUNICÍPIOS
(1)
NÚMERO DE
EMPREGADOS
EMPREGOS NO
SETOR
Total
Setor
QL
% do
Total
1
Panambi ............. 3 714
2 726
1,87
73,00
2
Condor ...............
178
113
1,62
63,00
3
Ajuricaba .............
67
14
0,53
21,00
4
Ijuí ....................... 2 111
440
0,53
21,00
5
Humaitá ..............
50
6
0,31
12,00
6
Santo Augusto ...
181
16
0,23
9,00
7
Tenente Portela ..
265
21
0,20
8,00
8
Augusto Pestana
47
2
0,11
4,00
9
Catuípe ..............
101
4
0,10
4,00
10
Crissiumal ...........
222
6
0,07
3,00
11
Pejuçara .............
57
1
0,04
2,00
12
Três Passos ....... 1 148
14
0,03
1,00
425
-
-
-
TOTAL ............... 8 634
3 382
-
39,00
Outros ................
5 - Conclusões
Os resultados obtidos neste trabalho permitem
concluir que as indústrias de madeira e mobiliário, têxtil
e metal-mecânica apresentam uma distribuição
relativamente uniforme (baixo grau de concentração) entre
os Coredes do Estado. Entre os municípios do Corede
Noroeste Colonial, entretanto, existe uma distribuição não
uniforme (alto grau de concentração) nos setores de
madeira e mobiliário, têxtil e metal-mecânico, quando se
toma por base o número de empregados, em especial
quando se trata da indústria metal-mecânica.
No interior do Corede Noroeste Colonial, existe uma
especialização industrial, em alguns municípios, nos
setores de madeira e mobiliário e metal-mecânico,
principalmente quando se considera o número de
empregados com carteira assinada. Crissiumal é o
município com maior especialização na indústria de
madeira e mobiliário, enquanto Panambi é o município
mais especializado no setor metal-mecânico. O setor têxtil
é o que apresenta os menores índices de especialização,
em termos tanto de número de estabelecimentos como
de empregados.
Por fim, deve-se destacar que o quociente
locacional apresenta algumas limitações para identificar
o grau de especialização industrial, já que ele não
considera adequadamente o grau absoluto de
industrialização do município analisado. Assim, alguns
resultados obtidos indicam um alto grau de especialização
em alguns ramos industriais, em municípios cujo setor
industrial apresenta um papel praticamente nulo na sua
dinâmica de desenvolvimento. Tais resultados aconselham
prudência na interpretação dos valores de QL obtidos,
especialmente quando se pretenda utilizá-los na
identificação de aglomerados industriais como base para
a elaboração de políticas de desenvolvimento. Nesse
sentido, devem-se agregar outros dados na análise, que
permitam um melhor dimensionamento dos setores
industriais não apenas em relação ao conjunto da
atividade industrial, mas também em relação à dinâmica
econômica local no seu todo.
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Emprego. RAIS: Relação Anual de
Informações Sociais. Brasília: O
Ministério, 2001.
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Concentração e especialização em setores industriais...
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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005
David Basso; Benedito Silva Neto; Janete Stoffel
175
Concentração e especialização em setores industriais...
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8 - As referências bibliográficas devem conter o nome completo do autor, o título da obra, o local e a data de publicação, o nome do editor e o número de páginas, enquadrando-se em uma das situações a seguir referidas:
a) livros - POCHMANN, Márcio (2001). O emprego na globalização. A nova internacionalização do trabalho e
a) livros - os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo Editorial, 151p.
a) livros -CASTRO, Antônio B. de, SOUZA, Francisco E. P. de (1985). A economia brasileira em marcha fora) livros - çada, 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 217p.
b) capítulo ou artigo de livro - MIRANDA, José Carlos da Rocha (1997). Dinâmica financeira e política macroeb) capítulo ou artigo de livro conômica. In: TAVARES, M. C.; FIORI, J. L., orgs. Poder e dinheiro: uma ecob) capítulo ou artigo de livro - nomia política da globalização. Petrópolis: Vozes, p. 243-275.
c) periódicos - CONJUNTURA ECONÔMICA (2000). Rio de Janeiro: FGV, n. 12, dez.
e) artigos de jornais - SALGUEIRO, Sônia (2000). Autopeças brasileiras conquistam mercado externo. Gazeta
e) artigos de jornais - Mercantil, São Paulo, p. A-4, 6-8 mar.
e) artigos de jornais - PARTICIPAÇÃO de salários no PIB cai para 38% (1997). Folha de São Paulo, São
e) artigos de jornais - Paulo, 12 dez., p. 2-5.
f) informação ou texto obtidos pela internet - BNDES (2000). O IED no Brasil e no mundo: principais tendênf) informação ou texto obtidos pela internet - cias. Sinopse Econômica. Disponível em:
f) informação ou texto obtidos pela internet - http://bndes.gov.br/sinopse/poleco.htm Acesso em 21 mar.
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gráficos devem ser gerados no MS-Excel, com formatação em preto e branco. O arquivo do MS-Excel deve ser
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10 - Os artigos encaminhados à revista Indicadores Econômicos FEE serão submetidos à apreciação do Conseselho de Redação, sendo os autores informados da aceitação ou da recusa de seus trabalhos.
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EDITORAÇÃO
Supervisão: Valesca Casa Nova Nonnig.
Revisão
Coordenação: Roselane Vial.
Revisores: Breno Camargo Serafini, Rosa Maria Gomes da Fonseca, Sidonia Therezinha Hahn Calvete e Susana
Kerschner.
Editoria
Coordenação: Ezequiel Dias de Oliveira.
Composição, diagramação e arte final: Cirei Pereira da Silveira, Denize Maria Maciel, Ieda Koch Leal e Rejane Maria
Lopes dos Santos.
Conferência: Elisabeth Alende Lopes e Rejane Schimitt Hübner.
Impressão: Cassiano Osvaldo Machado Vargas e Luiz Carlos da Silva.
Capa: Ezequiel Dias de Oliveira.
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