VI Simpósio Ítalo Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental II-075 - ESTUDO DA INFLUÊNCIA DA ALIMENTAÇÃO NO COMPORTAMENTO DE UM REATOR CANAL PILOTO DE TRATAMENTO DE EFLUENTES POR LAMAS ATIVADAS UTILIZANDO-SE A TÉCNICA DE ANÁLISE DE IMAGEM Maurício da Motta (1) Engenheiro Químico pela Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP (Recife). Mestre em Operações e Processos das Indústrias Químicas pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB (Campina Grande). Doutor em Engenharia de Processos pelo Institut National Polytechnique de Lorraine – INPL (Nancy - França). Professor do Departamento de Eng. Química da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE (Recife). Marie Noëlle-Pons Engenheira de Processos pela Ecole Nationale Superieure des Industries Chimiques – ENSIC (Nancy-França). Mestre pela Northwestern University (Illinois-EUA). Doutor de Estado pelo Institut National Polytechnique de Lorraine – INPL (Nancy - França). Diretora de Pesquisa do CNRS (França) lotada no Laboratoire des Sciences du Génie Chimique - ENSIC. Nicolas Roche Bacharel em Ciências e Técnicas em Engenharia Ambiental pela Université de Savoie (Chambery - França). Mestre em Hidrologia pela Université Scientifique et Technique du Languedoc – Montpellier II (Montpellier – França). Doutor em Eng. de Processos pelo Institut National Polytechnique de Lorraine – INPL (França). Professor do Institut Universitaire Tecnológique da Université d’Aix-Marseille (Marseille – França). Endereço(1): Departamento de Engenharia Química - CTG - Universidade Federal de Pernambuco – Av. Prof. Arthur de Sá, s/n - Cidade Universitária – 50.740-521 - Recife - Pernambuco - Brasil – Tel. (0xx81) 3271 8735 – Fax. (0xx81)3271 0095 – e-mail: [email protected] RESUMO A decantação secundária é uma etapa chave no processo de tratamento de efluentes por lamas ativadas. A formação de flocos com boas características de decantação e compressão resulta do bom equilíbrio entre as bactérias filamentosas e zoogleais. Neste trabalho é estudado o efeito do tipo de alimentação (em termos de vazão, composição e aportes de biomassa e microorganismos) na formação dos flocos bacterianos e no desenvolvimento excessivo de bactérias filamentosas. A presença excessivas das filamentosas provoca, entre outros, o “bulking” filamentoso, que é principal responsável pelos problemas nas estações de lamas ativadas. Um procedimento automático baseado em análise de imagem (FlocMorph) foi utilizado na caracterização dos flocos e quantificação das bactérias filamentosas. Para analisar a influência da alimentação, foi utilizado um substrato sintético e em seguida água saída do decantador primário. A alimentação com substrato natural apresentou melhores resultados em relação a estrutura do floco. Apesar da estação de tratamento ter sido infestada por filamentosas, não houve aparecimento de “bulking” na instalação piloto utilizada para os testes. PALAVRAS-CHAVE: Tratamento de Efluentes, Lamas Ativadas, Bactérias Filamentosas, Análise de Imagem, Bulking . INTRODUÇÃO Nos tratamentos de efluentes a cultura livre, como é o caso do processo por lamas ativadas, as bactérias se aglomeram sob a forma de floco bacteriano. Segundo a teoria da ossatura filamentosa [1], estes flocos são formados por bactérias filamentosas, que dão a estrutura ao floco e por bactérias zoogleais, que garante a coesão através dos exopolímeros por ela produzidos. Na Figura 1 vemos a imagem de um floco bacteriano (em tons de cinza) feita em um microscópio ótico à 1000 x após coloração de Gram. As linhas em tom mais escuro são as bactérias filamentosas (neste caso trata-se da Microthrix parvicella) e em tom mais claro as bactérias zoogleais (formadoras de flocos) e os exo-polímeros. Um bom equilíbrio entre estas bactérias formará flocos com boas características de decantação e compressão, enquanto que um desequilíbrio entre elas provoca essencialmente três fenômenos: o "bulking" e o "foaming" filamentoso, devido a um excesso de bactérias filamentosas, e o "pin point floc" devido à falta das mesmas. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 1 VI Simpósio Ítalo Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental Figura 1 - Imagem de um floco bacteriano a 1000 x em microscópio ótico após coloração de Gram. Destes fenômenos, o “bulking” filamentoso é o mais comum, sendo responsável por mais de 50% dos problemas nas estações de tratamento de efluentes por lamas ativadas. Ele provoca uma forte queda da velocidade de decantação dos flocos bacterianos e uma redução de sua compressão no clarificador [2]. Vários acompanhamentos sobre estações de tratamento [3-7] demonstraram que a Microthrix parvicella era a espécie predominante na Europa. Uma detecção rápida do desenvolvimento do "bulking" tem um interesse econômico (gasto em tempo e em reagentes para combater o "bulking") e ambiental (limitando as perdas de lama e o "by-pass" da etapa biológica que provocaria a eutrofização ou poluição do rio)[8]. Tradicionalmente a observação das bactérias filamentosas é realizada por microscopia ótica e a sua quantificação é feita manualmente, o que toma bastante tempo além de ser uma tarefa cansativa e repetitiva [8]. Estas duas características tornam difícil a utilização desta análise em estações de tratamento de efluentes. Visando mudar esta realidade, permitindo assim uma melhor gestão do processo epuratório biológico, um procedimento automático (FlocMorph) para a quantificação das bactérias filamentosas e caracterização dos flocos bacterianos por análise de imagem foi desenvolvido. Uma correlação entre a qualidade do efluente final e a quantidade de exo-polímeros produzidos, cuja produção é fortemente afetada pela carga orgânica, foi obtida por Chao e Keinath [9]. Para cargas elevadas, a produção diminui, aumentando assim a quantidade de sólidos suspensos no efluente tratado. Em relação à compacidade dos flocos, Chao e Keinath [9] sugerem duas regiões de intensidade de carga ótima para se trabalhar: a região de carga fraca ou aeração prolongada e a região de carga média. Eles prevêem que fora destas zonas os fenômenos de bulking podem se manifestar, diminuindo a compressão dos flocos. O aumento do tamanho dos flocos com o aumento da carga orgânica foi verificado por Barbusinski e Koscielniak [10]. Estes resultados estão de acordo com os de Chao et Keinath [9], pois uma quantidade maior de exo-polímeros permitiria a formação de flocos maiores. Todavia, cargas fortes durante um longo tempo podem favorecer a ocorrência de problemas sobre os flocos como o "pin point floc". O aumento do tamanho dos flocos favorece a redução da densidade dos flocos. Este fato é devido a natureza fractal dos flocos e está ligada à estrutura aberta dos flocos. Com a redução de sua densidade, os flocos terão baixas velocidades de decantação e um aumento das forças de atrito [11]. Por esta mesma razão, a taxa de compressão dos flocos será reduzida. Para avaliar a influência do oxigênio dissolvido no tanque de aeração, Sezgin et al. [12] propuseram um modelo baseado na competição entre as espécies de bactérias. Para que o oxigênio seja disponivel para as bactérias que se encontram no interior dos flocos, ele deve ultrapassar várias fronteiras: a camada limite, a matriz polimérica, os resíduos presos aos flocos, etc. A Figura 2a apresenta o perfil de concentração em oxigênio dissolvido de um floco bacteriano. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 2 VI Simpósio Ítalo Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental a b Figura 2 – Perfil de concentração de oxigênio dissolvido para um floco bacteriano (a) e efeito do oxigênio na competição entre as espécies de bactérias, segundo Sezgin et al. [12]. Pode-se postular três casos, segundo a concentração de oxigênio dissolvido (Figura 2b). Caso 1 : A baixa concentração, as bactérias filamentosas são favorecidas. Ter-se-á então um desenvolvimento excessivo destas bactérias, provocando o bulking filamentoso. Caso 2 : Neste caso, a parte interna do floco esta abaixo da concentração crítica em oxigênio, favorecendo o desenvolvimento das bactérias filamentosas, porém o exterior encontra-se com uma concentração mais elevada, favorecendo o crescimento das bactérias zoogleais. Nestas condições, haverá a formação de flocos bem estruturados com boas propriedades de decantação e compressão. Caso 3 : Com uma concentração elevada em oxigênio dissolvido, o floco inteiro está à uma concentração que favorece o desenvolvimento das bactérias zoogleais (formadoras de flocos). As filamentosas podem ser eliminadas, produzindo o fenômeno “pin point floc” ou no caso extremo chegar-se a um bulking zoogleal (devido a elevada concentração de polímeros). Estes fatos foram confirmados nos trabalhos sobre o efeito da distribuição espacial (hidrodinâmica) [13] ou temporal (alimentação cíclica) [14] das condições do meio sobre o desenvolvimento do bulking filamentoso. Uma presença não limitante de substrato leva à uma acumulação de subprodutos do metabolismo microbiano (como os exo-polímeros) no interior dos flocos, provocando assim uma limitação crescente da transferência de oxigênio e substratos para as colônias e bactérias zoogleais. Uma falta de substrato no reator pode provocar uma liberação dos exo-polímeros dos flocos para o meio liquido. Outros fatores podem favorecer o desenvolvimento das bactérias filamentosas como a falta de um nutriente específico ou a presença de matérias flotantes. Além da apresentação do procedimento de caracterização da biomassa bacteriana por análise de imagem (FlocMorph), o presente estudo buscou verificar a influência da variação da vazão e composição (carga orgânica) da alimentação, além do aporte de microorganismos oriundos da rede de esgotos no funcionamento de um reator piloto de tratamento de efluentes por lamas ativadas. Para tanto foram realizados experimentos com substrato natural e com um substrato sintético. MATERIAIS E MÉTODOS Para a realização do presente estudo foi utilizado um reator canal de 35 l acoplado a um decantador de 9 l, Figura 2. Este reator se apresenta como um canal dobrado com uma seção de 160 cm2. Ele é aerado por difusores longitudinais fixados no fundo ao longo do seu comprimento. Ele equivale á três reatores perfeitamente agitados em série. O inoculo utilizado foi a lama ativada da estação de tratamento de esgotos de Nancy-Maxéville (onde foram realizados estes experimentos), em uma concentração próxima a 3 mg/L. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 3 VI Simpósio Ítalo Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental Figura 3 – Fotos do reator canal Inicialmente este reator foi alimentado com um substrato sintético [15] com uma demanda química em oxigênio (DQO) que variou de 100 mg/L até 400 mg/L durante a fase de adaptação (uma semana) e em seguida manteve-se à 400 mg/L Este substrato era composto de extrato de carne (Viandox ®), açúcar, cloreto de amônia e ácido fosfórico. Este substrato é preparado em reservatório de 50 litros que são trocados diariamente para evitar proliferação de microorganismos. Em seguida realizou-se o experimento com substrato natural (água decantada saída do tratamento primário). O reator que estava instalado no laboratório da estação de tratamento foi limpo e inoculado com a mesma lama. O laboratório dispunha de uma alimentação de água decantada. Foi então projetado um tanque de modo a permitir a circulação desta água, garantindo assim a sua homogeneidade. A água decantada voltava em seguida a entrada da estação. Para o estudo do substrato sintético a alimentação e a recirculação foram asseguradas por uma bomba peristáltica (Gilson Miniplus2) a uma vazão de 1,5 litros por hora. No caso do substrato natural, três bombas peristálticas (duas Gilson Miniplus2 e uma Vial Medical 1000 mini Becton Dickinson) foram utilizadas para similar a variação de vazão da estação de tratamento de esgotos de Nancy-Maxéville. Elas foram conectadas a programadores do seguinte modo: uma bomba mantém uma alimentação de base de 1,0 L/h e uma reciclagem de 2,0 L/h. Uma segunda bomba entra em funcionamento entre 6h e 22h, aumentando assim a vazão de alimentação para 2,5 L/h. Entre 11h e 15h a terceira bomba é acionada aumentando para 3,5 L/h a vazão de alimentação. Figura 4 – Sistema de aquisição de imagens. Para acompanhar a evolução dos reatores, foram realizadas análises físico-químicas clássicas, como: os sólidos suspensos totais (SST), que fornece a concentração em biomassa do sistema, e a porcentagem de sólidos suspensos voláteis (%SSV). A partir da curva de decantação, traçada seguindo-se a evolução da interface liquido sólido na proveta em função do tempo, calculou-se: o índice volumétrico de lamas (SVI), a fração decantada após 30 minutos (H30/Hi) e a velocidade de decantação (v), que é calculada pela tangente à curva de decantação na zona sem compressão. Para o calculo da turbidez do sobrenadante, utilizou-se um espectrofotômetro HACH DR/2000 com um comprimento de onda de 450 nm. Para a aquisição das imagens utilizou-se um sistema formado por uma câmera de vídeo monocromática Hitachi CCTV modelo HV-720(E) (Tóquio, Japão) fixada sobre um microscópio ótico Leitz Dialux 20 ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 4 VI Simpósio Ítalo Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental (Wetzlar, Alemanha) e conectada a um microcomputador por meio de uma placa de aquisição de vídeo Matrox (Quebec, Canadá). O presente sistema é apresentado na Figura 4. Uma gota da amostra é deposita-se sobre uma lâmina de vidro e recoberta por uma lamínula. Em seguida fazse a aquisição de 70 imagens a um aumento de 100x. O procedimento para a preparação da amostra e para a aquisição das imagens [16] deve ser seguido meticulosamente a fim de evitar erros importantes nos resultados da análise. As imagens são em seguida analisadas automaticamente através do programa de tratamento e análise de imagem (FlocMorph) desenvolvido em Visilog 5 (Les Ulis, France). As principais etapas do programa FlocMorph são as seguintes (Figura 5): partindo-se da imagem inicial, melhora-se o contraste e em seguida obtém-se o fundo da imagem que é subtraído para eliminar o gradiente (pré-tratamento). Realiza-se então a binarização da imagem. A partir da imagem binária retiram-se os núcleos de floco, etiqueta-se cada elemento e procede-se à identificação dos filamentos. Na penúltima imagem obtêmse os filamentos, já isolados onde são calculados o número e o comprimento total deles. Na última imagem da Figura 5 obtêm-se os flocos, a partir dos quais serão calculadas as superfícies totais dos flocos, assim como o diâmetro equivalente e dimensão fractal de cada floco. imagem inicial após pré-tratamento filamentos filamentos e resíduo Figura 5 – Principais etapas do programa FlocMorph. imagem binária flocos Este procedimento de análise é completamente automático, a partir das imagens adquiridas, e não necessita de nenhum operador, realizando somente a aquisição das imagens, respeitando as regras da mesma. Os resultados obtidos são gravados em arquivos ASCII que podem ser importados por uma planilha de cálculo. RESULTADOS Os experimentos foram realizados sob as mesmas condições de aeração. A com o substrato sintético foi realizada de 29/08/00 a 13/10/00 no laboratório do grupo de tratamento de águas do LSGC/ENSIC, enquanto que o experimento com o substrato natural foi realizado na estação de tratamento de efluentes de NancyMaxéville entre 23/01/01 e 23/02/01. No experimento com o substrato natural foi utilizada a água de saída do pré-tratamento da estação (água decantada do decantador primário). Neste caso não houve fase de adaptação e a lama utilizada como inóculo foi coletada na saída do tanque de arejamento e carregado no decantador sem nenhuma diluição. Contrariamente ao substrato sintético, o substrato natural tem uma composição que varia ao longo do dia traz consigo microorganismos. A Figura 6 apresenta as variações dos efluentes em termo das concentrações em fosfato e amônia Figura6a e a variação da demanda química em oxigênio solúvel por espectrofotometria a 254 nm, Figura 6b. Foi observado um ciclo diário com dois picos por dia que correspondem a picos da atividade humana durante o dia e à noite. Estas variações da composição irão superpor as impostas pela variação de ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 5 VI Simpósio Ítalo Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental vazão. Sobre longos períodos, pode-se também observar efeitos de fim de semana (Figura 6a) e as ligadas à meteorologia (as chuvas diluem a poluição). Amônia (mg/L) 30 25 20 15 10 5 0 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 0,9 0,8 Absorbância à 254 nm Fim de Semana 35 Fosfato (mg/L) 40 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 /2 /0 26 1 1 /2 4: 26 /01 00 /2 /0 2:0 27 1 1 0 /2 4:0 27 /01 0 /2 /0 4:0 28 1 1 0 /2 6:0 28 /01 0 /2 /0 4:0 1 0 1/ 18 3/ :0 0 0 1/ 1 3/ 8 : 01 00 2/ 20 3/ :0 2 / 01 0 3/ 8 : 01 00 3/ 20 3/ :0 3 / 01 0 3/ 8 : 0 0 4/ 1 2 0 3/ 2 01 :0 0 12 :0 0 0,1 25 0 12:00 0:00 12:00 a Tempo (horas) 0:00 12:00 0:00 12:00 0:00 12:00 b Tempo (horas) … Figura 6 – Exemplo de variação da concentração de amônia ( __ ) e do fosfato ( . ) do efluente de entrada da estação após o pré-tratamento (água decantada primária) (a) e estimação da variação da concentração da demanda química de oxigênio (DQO) solúvel por espectrofotométrica do efluente de entrada da estação de tratamento de esgotos de Nancy-Maxéville [17]. 50 50 50 0 0 0 0 Tempo (dias) 28-févr a Tempo (dias) DCO (mg O2/L) 100 50 28-févr 100 23-févr 100 18-févr 150 100 13-févr 150 8-févr 150 3-févr 200 150 29-janv 200 24-janv 200 19-janv 250 200 9-janv 250 14-janv 250 DBO (mg O2/L) 300 250 DQO (mg O2/L) 300 23-févr 300 18-févr 350 300 8-févr 350 13-févr 350 3-févr 400 350 29-janv 450 400 24-janv 450 400 19-janv 450 400 9-janv 450 14-janv DBO (mg O2/L) Os valores da demanda química em oxigênio (DQO) e da demanda bioquímica em oxigênio (DBO) do efluente na entrada da estação de tratamento de efluentes de Nancy-Maxéville durante os meses de janeiro à fevereiro de 2001 (período no qual foi realizado o experimento com o substrato natural na estação de tratamento) são apresentados na Figura 7a. Pode-se observar que para tal período a DBO teve um valor médio de aproximadamente 150 mg O2/L enquanto que a DCO apresentou uma média de 260 mg O2/L. Outro fato a ser posto em evidência é a variabilidade (com valores próximos à 100%) da concentração destes efluentes. Na Figura 7b são apresentados os valores da DBO para o efluente saído do pré-tratamento, composto de peneiragem grossa e fina, retirada de óleos e areias e decantação primária. Nestes casos a variação da carga é ainda maior, chegando-se a valores próximos à 200%. b __ Figura 7 – Valores da demanda bioquímica em oxigênio (DBO) ( ) e da demanda química em oxigênio … … (DCO) ( .) do efluente de entrada da estação (a) e variação da DBO ) (__) e da (DCO) ( .) da água saída do decantador primário (b) da estação de tratamento de esgotos de Nancy-Maxéville. Pode-se observar para os dois tipos de alimentação uma queda no valor dos sólidos suspensos totais (SST) durante a fase de adaptação da biomassa (os 6 primeiros dias), na Figura 8. Para ambos tipos de alimentação esta redução se situou em torno de 40%. Pode ser observado a formação de um depósito de biomassa no fundo do reator canal, devido à uma aeração não uniforme na direção transversal do canal. Este fato pode explicar parcialmente a diminuição da concentração em sólidos suspensos totais (SST) no reator. Foi observado que a porcentagem de sólidos suspensos voláteis (%SSV), que corresponde aproximadamente a porcentagem de matéria orgânica da biomassa, apresenta um comportamento mais estável quando se utiliza uma alimentação natural. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 6 VI Simpósio Ítalo Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 4,0 85% 3,5 75% 1,5 1,0 2,5 SST (g/L) % SSV 2,0 80% 3,0 80% 2,5 75% 2,0 1,5 70% 1,0 70% % SSV 3,0 SST (g/L) 85% 4,0 3,5 0,5 0,5 0,0 0,0 65% 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 65% 0 50 5 10 a Tempo (dias) 15 20 25 30 35 b Tempo (dias) __ Figura 8- Variação dos sólidos suspensos totais (SST) ( ) e da porcentagem de sólidos suspensos voláteis (%SSV) (…)do reator canal alimentado com substrato sintético (a) e natural (b). A redução dos SST entre o 6° e o 24° dia, Figura 8b, é devido à uma perda de biomassa pelo decantador causada por uma defloculação e uma alimentação com uma orgânica mais baixa, conforme pode ser observado na Figura 7b. Na redução dos SST nos primeiros dias com a alimentação sintética, soma-se ao depósito da biomassa, a defloculação causada pela adaptação da microfauna ao novo substrato. Estas defloculações podem ser observadas por um aumento da turbidez do sobrenadante (Figura 9). 100 0.4 90 80 50 0.2 40 30 0.1 20 Turbidez (FTU) 60 H30/Hi 0.3 70 0.3 70 60 0.2 50 40 30 0.1 20 10 H30/Hi 80 Turbidez (FTU) 0.4 100 90 10 0 0.0 0 10 20 30 40 50 0 a Tempo (dias) 0.0 0 5 10 15 20 25 30 35 b Tempo (dias) Figura 9 - Evolução da turbidez (__) e da fração decantada (H30/Hi) (…) em função do tempo para a alimentação sintética (a) e natural (b) Analisando-se a Figura 9 observa-se que a alimentação sintética provoca uma defloculação mais importante que a natural. Isto ocorre devido à readaptação dos microorganismos ao novo meio nutricional. A fração decantada (H30/Hi) sofre uma redução inicial em ambos os casos devido a redução dos SST. Para a alimentação natural observa-se um aumento desta fração (H30/Hi) devido à um infestação por das bactérias filamentosas depois do 24° (Figura 8b), quantificada pelo aumento do comprimento total dos filamentos por imagem (Lf). 1.37 60 40 30 1.31 Df 1.33 0 0 5 10 15 20 25 30 Tempo (dias) 35 40 45 50 50 1.33 40 30 20 1.29 10 1.27 60 1.31 20 1.29 70 1.35 Deq (µm) Df 50 80 1.37 70 1.35 90 1.39 80 10 1.27 a Deq (µm) 90 1.39 0 0 5 10 15 20 25 30 35 b Tempo (dias) __ … Figura 10 - Variação da dimensão fractal (Df) ( ) e do diâmetro equivalente dos flocos (Deq) ( ) em função do tempo para a alimentação sintética (a) e natural (b). ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 7 VI Simpósio Ítalo Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental A dimensão fractal dos flocos (Df), que nos fornece uma informação sobre a rugosidade dos mesmos, do experimento com substrato natural aumenta devido ao aumento da quantidade de bactérias filamentosas (aumento do Lf) (Figura 10). Da Motta et al. [8] demonstraram que a dimensão fractal (Df) aumenta com o aumento do comprimento total dos filamentos por imagem (Lf) e diminui com o aumento do diâmetro equivalente dos flocos (Deq). As variações locais inferiores da (Df) da alimentação natural (Figura 10b) indica uma maior estabilidade da estrutura do floco. Foi constatada uma menor variação do diâmetro equivalente dos flocos (Deq) quando da alimentação com substrato natural. Este fato está associado à alimentação cíclica, discutida na introdução deste artigo. 1800 200 1800 200 1600 180 1600 180 1400 160 1400 160 100 800 80 600 120 1000 100 800 80 600 60 60 400 40 400 40 200 20 200 20 0 0 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 Tempo (dias) 50 0 0 0 a SVI (ml/g) 1000 140 1200 Lf (µm) Lf (µm) 120 SVI (ml/g) 140 1200 5 10 15 20 25 30 35 Tempo (dias) b Figura 11 - Variação do comprimento total dos filamentos por imagem (Lf) (__) e do índice volumétrico de lamas (SVI) (…) em função do tempo para a alimentação sintética (a) e natural (b). Durante a realização do experimento com substrato natural foi observada uma presença excessiva de bactérias filamentosas no reator biológico da estação, provocando a formação de uma espessa camada de espuma ("foaming"), em torno do 10° dia. Mesmo que o "foaming" tenha se desenvolvido na estação, não houveram maiores perturbações no reator piloto. Geralmente, reduções importantes na velocidade de decantação que levam a valores de SVI superiores a 200 mL/g só são observados para comprimentos acima de 3000 µm. Foi observado para no experimento com o substrato natural, comprimentos totais de filamentos por imagem (Lf) ligeiramente superiores ao substrato sintético a partir do 10° dia (Figura 11b), mas não suficientes para caracterizar o “bulking”. Este período coincide com uma proliferação de bactérias filamentosas na estação de tratamento de efluentes. 3500 1600 3000 1400 Lf (µm) Lf (µm) Lf (natural) = 76,75 Nf 1200 2500 2000 1500 1000 R2 (natural) = 0,90 1000 800 600 Lf (sint) = 69,26 Nf 400 500 R2 (sint) = 0,94 200 0 0 0 100 200 SVI (mL/g) 300 400 0 a 5 10 Nf 15 20 b Figura 12 – Correlação entre o comprimento total dos filamentos por imagem (Lf) e o índice volumétrico de lamas (SVI) (a) e entre o comprimento total dos filamentos por imagem (Lf) e o número total de filamentos por imagem (Nf) para a alimentação natural (•) e sintética (X). Devido a boa decantabilidade da lama ativada durante os dois experimentos, foi impossível obter correlações entre o comprimento total dos filamentos por imagem (Lf) e o índice volumétrico de lamas (SVI), conforme pode ser observado pela Figura 12a. Os comprimentos médios das bactérias filamentosas (Lf/Nf), Figura 12b, no experimento com substrato natural apresenta valores ligeiramente superiores ao do substrato sintético (11%). Isto deve-ser as condições do meio que favoreceram o desenvolvimento das filamentosas como também pode ser observado pela nuvem de pontos deste experimento na Figura 12a que se situa mais à direita (comprimentos totais maiores). ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 8 VI Simpósio Ítalo Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental CONCLUSÕES O procedimento de quantificação das bactérias filamentosas e caracterização dos flocos bacterianos mostrouse eficiente e permitiu "estimar" o aumento do índice volumétrico de lamas (SVI) a partir do comprimento total dos filamentos por imagem (Lf) e pelo diâmetro equivalente dos flocos (Deq). O experimento nos permitiu de observar a influência do aporte de biomassa e bactérias assim como o efeito da variabilidade do efluente (em composição e vazão) e assim melhor compreender o comportamento dos microorganismos da estação. Os resultados mostram a importância desta técnica, de fácil aplicação, que quando utilizada permite uma melhor gestão das estações de tratamento de efluentes por lamas ativadas. AGRADECIMENTOS Os autores gostariam de agradecer a comunidade da Grande-Nancy (França) pelo acesso às instalações da estação de tratamento de esgotos de Nancy-Maxéville, ao CNPq pelo financiamento da bolsa de M. da Motta e ao CNRS (França) pelo apoio financeiro à pesquisa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. JENKINS, D., RICHARD, M.G., DAIGGER, G.T. Manual on the Causes and Control of Activated Sludge Bulking and Foaming, Lewis Publishers, 2nd Edition, Michigan, 1993. GERARDI, M.H., HORSFALL, F.L., et al. 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