2 C2. A GAZETA SEXTA-FEIRA, 1º DE JUNHO DE 2012 CRÔNICA ANA LAURA NAHAS [email protected] - www.analauranahas.wordpress.com - twitter.com/analauranahass Ano novo, mesmo que seja junho Dizem que há um ritual infalível na passagem do ano em Gana, um país na África ocidental a respeito do qual a maioria de nós faz pouca ideia além da geografia básica e dos jogos de futebol. Você deve cavar um buraco no chão, colocar a boca e contar o que se passou de ruim nos últimos 365 (às vezes 366) dias. Depois, deve “cobrir” as palavras com terra e discorrer suavemente sobre as coisas boas que deseja para janeiro, fevereiro, março e todo o resto, durante o expediente e nos feriados santos, festas profanas e finais de semana de folga, manhãs, noites e também as madrugadas, para si mesmo e para os queridos. A seguir, você deve jogar um pouco de vinho ou cachaça sobre a terra em homenagem aos ancestrais e, enfim, beber também um pouco (só um pouco). Terminada a liturgia, você está pronto para recomeçar. Parece bom. Embora seja junho e Gana seja um país a respeito do qual a maioria de nós faz pouca ideia além da geografia básica e dos jogos de futebol, contar o que se passou de ruim parece bom, discorrer suavemente sobre as coisas boas que espera e enterrar as dores antes de seguir rumo às tarefas e algum descanso, aos afetos, aos encontros, reencontros e desencontros, entregar um projeto, terminar um livro, fazer o jantar, ouvir o silêncio das madrugadas, limpar as estantes, jogar conversa fora, escolher a canção certa pra cada ocasião. Parece bom, embora seja junho e Gana etc e tal, cavar um buraco e jogar os sapos dentro antes de seguir adiante, pagar mais algumas contas, firmar um pouco ainda os músculos, rezar outras vezes mais ao grandioso e bom Deus para que torne as presenças constantes e as ausências amenas, perdoe os deslizes, desconte as faltas, alivie os excessos, mantenha a paz e instaure o Você deve cavar um buraco, contar o que se passou de ruim nos últimos 365 dias e “cobrir” as palavras com terra mais carros e motos circulando nas ruas. Na política, a estabilidade contrasta com os vizinhos de um continente frequentemente marcado pela corrupção. (Como diria Ancelmo Gois, deve ser terrível morar num país assim...). Também é por ali, um pouco mais pro Norte, possivelmente, que vivem os dogons (lembra?), uma tribo de camponeses, artistas e feiticeiros que enfrentam com sabedoria temperaturas de até 60 graus centígrados, conhecem muitíssimo de astronomia e do início de todas as coisas e acreditam ter nascido com uma quantidade limitada de palavras dentro da barriga. (Durante a vida, eles gastam o verbo guardado dentro com os amores, os amigos, a oposição, os irmãos e os vizinhos. Um dia, quando o estoque acaba, o sujeito simplesmente morre). Parece bom fazer como os ganenses, cavar um buraco no chão, contar o que houve de ruim, cobrir as más lembranças com terra e, terminada a liturgia, simplesmente estar pronto para recomeçar, mesmo que seja junho. 3. 4. equilíbrio de uma vez por todas. (Amém). Em Gana, tradição é coisa séria. Uma simples cadeira, por exemplo, daquelas que a gente usa pra descansar, apoiar, enfeitar ou acumular as pilhas à espera de arrumação, significa poder. No século 19, apenas o chefe da tribo podia se sentar. Os enterros também são extravagantes: noite adentro, drinques liberados, mestre de cerimônia, DJ e uma vaquinha para levantar fundos para a família do morto. A economia dá pro gasto - o início da produção de petróleo fez os lucros crescerem e nos últimos seis anos há 80% — AS ESCOLHAS DO C2 Filmes, livros, discos e tudo mais que a nossa equipe curtiu 1. Disco Retrato do artista quando jovem Muitas vezes, os lançamentos de material inédito de algum ídolo morto há muito tempo se preocupam mais com o potencial para angariar dividendos do que com a qualidade e a relevância da obra em si. Não é o caso deste disco. Não mesmo. O material de “Early Takes”, desenterrado durante as filmagens do documentário sobre guitarrista dos Beatles, “George Harrison: Living in The Material World”, traz versões alternativas – e deliciosas – para clássicos como “All Things Must Pass” e “My Sweet Lord”. Imperdível para qualquer fã de rock. 2. Livro Nova edição de “On the Road” Uma das obras mais damosas da literatura norte-americana, “On the Road”, de Jack Kerouac, ganha reedição no Brasil na esteira do lançamentos nos cinemas da adptação “Na Estrada”, dirigida pelo brasileiro Walter Salles, que estreou neste mês em Cannes. Cinema Novo filme da dupla de “Juno” Com elenco liderado por Charlize Theron (foto), “Jovens Adultos” é dirigido por Jason Reitman e tem roteiro assinado pela vencedora do Oscar Diablo Cody. Com o humor característico da dupla, o filme conta a história de uma escritora na casa dos 30 que, após passar por um divórcio e mergulhar em uma crise existencial, resolve voltar à cidadezinha onde cresceu para reencontrar seu namorado de colegial. O problema é que o cara é bem casado e acaba de se tornar pai. Nada que a impeça de tentar. Em cartaz no Cine Jardins, em Jardim da Penha, Vitória. DVD Lutas pelo poder e intrigas palacianas Para quem gosta de tramas que exploram intrigas palacianas, “Os Bórgias” é uma boa pedida. A primeira temporada da série chega agora em DVD. Na trama, a trajetória real do clã durante o Renascimento e as artimanhas do patriarca, Rodrigo Borgia, para assumir o posto máximo da Igreja Católica.