Antes do Externato Ramalho Ortigão
Os colégios das Caldas da Rainha (1928-1945)
João B. Serra
1. Introdução
A história do ensino particular liceal no nosso país está por fazer. Também não dispomos
de monografias históricas sobre instituições de referência desse sector supletivo do ensino
público. O breve apontamento aqui apresentado sobre as primeiras duas décadas dos
estabelecimentos de ensino liceal nas Caldas da Rainha não pôde cruzar informações
relativas a processos congéneres, nem beneficiar do método comparativo.
A expansão do ensino constituiu um dos elementos centrais da revolução social do século
XX, sobretudo da sua segunda metade. Ainda no século XIX, os Estados mais
desenvolvidos tinham incluido nas suas prioridades a alfabetização. O ensino primário fez
então muitos progressos, tendo diversos países começado a atingir taxas de alfabetização
superiores a 50 e 60% da população. Mas o número de estudantes na fileira do ensino
secundário/superior permaneceu, em todo o mundo, até aos finais da década de 1950, muito
reduzido, quase tão insignificante, quantitativamente, como na Idade Média. Ao longo das
décadas de 1960, 1970 e 1980, os dados, porém, alteraram-se radicalmente. De forma
generalizada, as famílias fizeram extraordinários esforços para colocar os seus filhos no
ensino superior. Não se tratava apenas, como anteriormente, de famílias com capital
económico ou cultural elevado. A ampliação da procura de ensino só pôde acontecer
porque a ele acorreram jovens oriundos de estratos de rendimentos médios e baixos, cujos
pais viram no ensino uma oportunidade de melhorar a condição social de origem.
Para participar neste movimento, Portugal, como é sabido, teve de ultrapassar obstáculos
muito exigentes, à cabeça dos quais podemos apontar o fraco investimento do Estado Novo
na expansão do sistema público de ensino. Esta observação vale tanto para o ensino
primário, como para o secundário e superior. Particularmente gravoso para as regiões mais
periféricas e para os grupos de menores rendimentos foi o princípio da concentração da
malha de liceus nas capitais de distrito, uma vez que só os liceus davam acesso directo ao
ensino superior. Em alternativa, desenvolveu-se, ao longo da primeira metade do século
XX, sobretudo a partir dos anos 1920, uma rede de estabelecimentos privados que
proporcionaram, nas localidades com alguma dimensão demográfica, ensino liceal. Sem
essa rede, a modernização do país teria sido certamente muito mais lenta e estreita e o
fenómeno de democratização do ensino superior mais atrasado e provavelmente menos
consistente.
2. Fontes
Efectuei uma primeira pesquisa sobre o ensino secundário particular nas Caldas da Rainha
em 1986, no âmbito de um estudo então iniciado sobre a formação das elites urbanas entre
1887 e 1941. Efectuei na altura entrevistas aprofundadas com diversos actores qualificados,
como o tenente-coronel Justino Moreira, o Professor José Lalanda Ribeiro, o Dr. José
Venâncio Paulo Rodrigues e o Dr. Aníbal Correia, e consultei a imprensa local. A
investigação foi no entanto interrompida e só muito recentemente retomada, no quadro da
realização de provas académicas.
Mas o impulso decisivo para tornar público um ensaio historiográfico sobre este tema,
numa forma ainda incipiente, veio do blog dos antigos alunos do Externato Ramalho
Ortigão, do seu principal animador, o João Jales, e da sua colaboradora Margarida Araújo.
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O João Jales publicou uma “Breve História do Externato Ramalho Ortigão, 1945-1973”
onde incluiu referências a um período anterior a 1945, com identificação de algunas
unidades e professores, baseando-se fundamentalmente em fontes orais. Facultou-me
acesso ao texto, no decurso da sua própria elaboração, assim desencadeando um desafio
estimulante que me “forçou” a ocupar-me de novo da questão. No diálogo que travámos,
quase sempre a desoras, “intrometeu-se” a Margarida Araújo. A Margarida, a quem me une
uma amizade com longínqua origem, precisamente na docência da história, foi colocando
em cima da mesa (ou seja, nas nossas plataformas digitais) uma sucessão “interminável” de
informações colhidas em edições da Gazeta das Caldas. Como dizia o João, fomos todos
procurando compor o puzzle, ou, como na imagem inspiradora dos trabalhos de Penélope,
fazendo, desfazendo e refazendo a história.
Aqui está o resultado (provisório) a que chegámos. Digo “chegámos” com inteira verdade:
eu escrevi, eles foram participantes e cúmplices activos.
3. Os primórdios: 1926/1927
É em Agosto de 1926 que nos deparamos com a primeira notícia da Gazeta das Caldas
sobre a criação de um colégio-liceu. “Uma iniciativa simpática” titulava o jornal, dando a
lume uma entrevista com um dos seus principais protagonistas, o Dr. António Correia
Sousa Neves.
António Sousa Neves queria transpor para as Caldas a experiência bem sucedida do
colégio-liceu de Sintra, de que há 6 anos era director. “Portugal precisa de escolas que se
preocupem com mais alguma coisa que impingir lições feitas à máquina; carece de olhar
pelos seus filhos, criando-lhes qualidades, para que não continuem a ser esses eternos
homens de amanhã, sempre inutilmente desejados…” (G.C. 22 de Agosto de 1926).
Projectava dotar as Caldas de um estabelecimento de ensino para ambos os sexos, provido
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de professores especializados (para ciências e para letras), onde as línguas estrangeiras
estivessem a cargo de professores das respectivas nacionalidades, se garantiria a disciplina
de ginástica bem como a de higine individual, à responsabilidade do sub-delegado de
saúde, Dr. Fernando Correia, que também exercia as funções de médico escolar.
A atenção para as Caldas terá sido despertada por um professor do colégio de Sintra, Carlos
de Loureiro “que conhece as Caldas”. As instalações não se encontravam ainda decididas,
dependendo do número de inscritos, mas o nome já estava escolhido: “Colégio-Liceu de D.
Leonor”.
Desconhecemos a sequência desta iniciativa, embora o nome da Rainha nos surja mais
tarde ligado a um outro colégio das Caldas. Nada nos prova, porém, a existência de uma
continuidade entre ambos. Mas parecia ter razão Sousa Neves quando afirmava que as
Caldas “há muito reclamavam a organização de um estabelecimento de ensino e educação,
vazado por moldes da moderna pedagogia, e no qual se pudesse cursar o liceu”. No seu
entender, “Para não falar já nos progressos acentuados desta vila, basta a circunstância de
haver cidades do país sensivelmente com a mesma população do que as Caldas e arredores
e dotadas de um liceu oficial”.
Em 1930, residiam na freguesia das Caldas da Rainha 7822 indivíduos, sendo o total
concelhio de 29207 (Censo da População de Portugal). Mais de 75% dos habitantes do
concelho eram analfabetos.
Além de escolas primárias oficiais e privadas, na vila das Caldas tinha existido desde 1919
até justamente Julho de 1926, o mês anterior ao desta entrevista, uma Escola Primária
Superior.
Para se compreender melhor o lugar desta escola, convirá recordar a orgânica do sistema de
ensino republicano. Partindo da distinção entre ensino primário e secundário, o primeiro era
obrigatório e compreendia 5 anos (dos 7 aos 12 anos), abrangendo 5 classes. Os que não
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seguissem o ensino secundário, desembocando no ensino superior, mas quisessem
aprofundar estudos, tinham à sua disposição o ensino primário superior (3 anos, dos 12 aos
15), facultativo, abrangendo 3 classes. O diploma do curso das Escolas Primárias
Superiores, habilitando os alunos com conhecimentos de línguas, dava acesso directo às
Escolas Normais Primárias e a outras escolas do chamado ensino médio (agrícola,
comercial e industrial) e equivalia ao Curso Geral dos Liceus.
Não encontrei dados sobre a frequência dos estabelecimentos de ensino primário nas Caldas
nesta época, mas o Censo da População de 1930 indica o número de indivíduos
alfabetizados entre os 6 e os 12 anos: 384. Este número é evidentemente aproximativo, mas
dá-nos um valor de referência muito baixo para a frequência do ensino primário no
concelho das Caldas. Se tivermos em conta que os estudos já efectuados apontam para uma
taxa de pouco mais de 4%, em 1930, para a população escolar primária que prossegue os
estudos secundários, não podemos deixar de concluir que a margem seria muito apertada
para os que se propunham criar um colégio-liceu nas Caldas.
A extinção da Escola Primária Superior caldense em Julho de 1926 deverá estar relacionada
com este panorama. Mas pode ter tido reflexos directos ou indirectos em projectos de
lançamento do ensino secundário. Professores e famílias tiveram que procurar alternativas,
os primeiros à sua actividade docente nas Caldas, as segundas a uma via de estudos pósensino primário.
Um ano decorrido sobre a entrevista ao director do colégio-liceu de Sintra, a Gazeta insere
uma notícia sobre iniciativa similar, desta vez com origem no colégio de S. José, em
Santarém, cujo director, Oliveiros Brás Machado, se propõe abrir nas Caldas um
estabelecimento do mesmo tipo (G.C., 29 de Setembro de 1927). Também neste caso,
desconhecemos o destino do projecto.
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Um facto, porém, ocorrido exactamente em Setembro de 1927, parece ter sido decisivo para
o arranque do ensino secundário liceal nas Caldas. Tratou-se da instalação definitiva do
regimento de Infantaria 5 naquela que acabara de ver reconhecido, precisamente em
Agosto, o estatuto formal de cidade.
4. O Colégio Moderno (1928)
Em 1918, ano em que a Grande Guerra chegou ao seu termo, os Pavilhões do Parque D.
Carlos I receberam um batalhão do regimento de Infantaria 5. Pouco depois, o batalhão
retornou a Lisboa. Em 1927, porém, é o próprio regimento que troca a sua sede lisboeta, no
Castelo de S. Jorge, pela das Caldas da Rainha. O facto não deve ser estranho à elevação,
em Agosto, das Caldas a cidade. Este processo culminava uma ampla mobilização das
forças políticas, económicas e sociais locais pela afirmação da cidade como segundo núcleo
polarizador do distrito de Leiria.
Os oficiais do Regimento de Infantaria 5 deram um duplo impulso ao ensino liceal
caldense: como organizadores e professores e como pais e familiares de alunos.
Necessitavam de um estabelecimento que preparasse os seus filhos para ingressar em
escolas superiores; ofereciam, em contrapartida, as suas próprias disponibilidades e
capacidades para leccionar.
De acordo com testemunhos orais, ter-se-ia formado, também em 1927, um colégio de
ensino primário. O seu director, um antigo professor primário, António Augusto Ferreira,
tinha a intenção de o fazer evoluir para o ensino liceal. Não pudemos comprovar a
existência de uma articulação entre António Augusto Ferreira, Carlos de Loureiro e
António Sousa Neves (do Colégio-Liceu de Sintra), mas o certo é que o colégio de A. A.
Ferreira se denominava também D. Leonor.
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Em 1928, juntam-se a António Augusto Ferreira o tenente Justino Moreira e o Professor
José Antunes Faria, respectivamente, oficial do RI 5, e antigo professor da Escola Primária
Superior. O novo colégio, resultante dessa associação, terá o nome de Colégio Moderno.
Anuncia-se na Gazeta, a 23 de Setembro de 1928, como estabelecimento onde se pratica a
coeducação, se dispõe de professora habilitada para o ensino primário e se preparam alunos
do secundário por meio de explicações. Situa-se na Rua General Queiroz, 19, 21 e 23.
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Pouco tempo durou, porém, esta associação. Mais uma vez segundo o testemunho de
Justino Moreira, houve desentendimento entre os Professores Ferreira e Faria, logo em
1929. Da cisão no Moderno, surgirão duas novas entidades.
5. Lusitano e Rainha D. Leonor
O ano escolar de 1929/1930 abriu em Outubro, com dois colégios nas Caldas da Rainha: o
colégio Lusitano e o colégio Rainha D. Leonor.
Este último é propriedade de António Augusto Ferreira, que recupera o nome do seu
anterior estabelecimento. Continua a funcionar na Rua General Queirós. Apresenta-se com
regime diurno e nocturno e, além do ensino primário e das explicações de secundário,
também anuncia Educação Física (G.C., 10 de Novembro de 1929). Oferece ensino gratuito
a dois alunos desprovidos de meios para estudar e que sejam indicados pela Gazeta das
Caldas, um do primário, outro do secundário.
No ano lectivo de 1930/31, o D. Leonor instalou-se no Hotel Madrid, localização que a
Gazeta das Caldas saudou com entusiasmo (G.C., 11 de Janeiro de 1931). Mas em Outubro
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desse ano muda-se para um 1º andar do topo da Praça da República (nº 106). Anuncia
também aulas de escrituração comercial. Faz gala dos seus resultados: 52 aprovações e
apenas 4 reprovações no ano anterior. Torna públicas as mensalidades, como se pode ver no
recorte junto (G.C., 4 de Outubro de 1931).
De acordo com o testemunho de José Paulo Rodrigues, neste crescimento do Rainha D.
Leonor teve papel importante o Professor Ivo Mendes, inspector do ensino oficial, que se
associou a A. A. Ferreira em 1930.
O tenente Justino Moreira e o Prof José Antunes Faria responderam a António Augusto
Ferreira com a criação do Lusitano. Este começou a funcionar, em Outubro de 1929, num
rés-do-chão da Rua Alexandre Herculano, nº 50.
O colégio Lusitano ficou também conhecido como o “colégio dos militares”. Além do
director, nele leccionaram Mesquita de Oliveira (que tinha um curso incompleto de
engenharia), Ruben Gomes (conhecido pelos seus dotes para o desenho), Paulo Cúmano
(descendente de italianos, falava fluentemente várias línguas, incluindo o alemão) e José
Pedro Pereira, todos tenentes.
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Em Outubro de 1930, o Lusitano muda as suas instalações para o nº 75 da Rua de Camões,
beneficiando da proximidade do Parque D. Carlos. Ao ensino primário e secundário junta
também o ensino comercial. Os dois colégios caldenses jogam o jogo da concorrência. Mas
nela não correrão o risco de se esgotarem?
6. Colégios, liceu: um debate (1931/33)
A 12 de Julho de 1931, a Gazeta das Caldas publicava um artigo onde se equacionava a
questão do ensino nas Caldas e se advogava a criação de um estabelecimento que
ministrasse formação ao longo de tudo o percurso liceal. Para o autor do texto, a
concorrência entre os dois colégios tinha precisamente esse ónus, o de não garantir tal
objectivo. “Razões de ordem vária a isso se opõem, entre as quais a dispersão de
competências espalhadas pelas duas casas de ensino – que as têm, e de valor – a falta de
professorado que ensine até ao 5º ano e outras que a razão e o melindre nos mandam que
calemos”. E acrescenta: “Ora, esta dispersão de forças de que, seja-nos lícito dizer, as
Caldas é fértil, evita, neste caso, toda a possibilidade que possa haver na criação de um
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Colégio-Liceu, à roda e dentro do qual todos se reunissem, ministrando numa camaradagem
apreciável o pão do espírito a tantas e tantas crianças”.
O artigo não é assinado, o que pode significar proximidade à direcção do jornal, na altura a
cargo de Guilherme Nobre Coutinho, um dos próceres da corrente de autonomia
regionalista que marcou a segunda metade da década de 1920 das Caldas. É, aliás, em nome
dos interesses caldenses, que o autor do texto se julga legitimado para exigir que o
problema seja debatido pela Comissão de Iniciativa, pela Associação Comercial e pela
Câmara, à qual competiria subsidiar um Liceu municipal, e bem assim pelo “Núcleo de
bons professores que aí há (ao qual pede que “estude a maneira de conseguir este benefício
para esta terra”). A ausência de curso completo dos liceus nas Caldas tem as seguintes
consequências que importa avaliar. “Daqui se transportam para vários liceus do País
dezenas de rapazes, alguns com pesados sacrifícios para as suas famílias, deixando por lá,
quantas vezes a sua saúde, e sempre o seu dinheiro, que aqui poderia ficar. Além desses que
têm de ir buscar a outras terras a conclusão dos seus estudos do curso geral dos liceus,
outros há por aqui em quantidade, que mais não seguem nos estudos porque não têm
elementos para isso, na exiguidade dos seus recursos, e que, uma vez aqui um ColégioLiceu, seguiriam na estrada luminosa da instrução, concluindo-os e tornando-se aptos para
a vida!”
Estava dado o sinal para uma reivindicação que só quatro décadas mais tarde seria
satisfeita: um liceu nas Caldas. A Gazeta vai ecoando o tema ao longo dos anos de 1931 e
1932. A 27 de Setembro deste ultimo ano, publica um artigo intitulado “O Liceu Nacional”,
no qual se reporta a um movimento de caldenses e amigos das Caldas que aplaude
entusiasticamente o projecto de criação de um Liceu nas Caldas. “Na verdade, dissemos e
voltamos a repetir, que a região das Caldas da Rainha, composta dos seus quatro grandes
concelhos, canaliza para os diferentes liceus do País grande número de estudantes, e que
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além deles, outros há, de todas as terras limítrofes que preferem decerto vir matricular-se no
liceu que, porventura, possa ser aqui criado. Há aí a uma Escola Industrial, que bons
serviços tem prestado a esta região, frequentada por 200 ou mais alunos, a maioria deles
ansiosos por que aqui se crie um Liceu, mas que, na sua falta, ali vão buscar a luz da
instrução que tão necessária é! Há dois colégios onde alguns anos do liceu se leccionam,
cujos alunos e seus pais têm de arcar com o incómodo de fazer os seus exames noutros
liceus do país, com um gravame enorme para o seu orçamento”.
Cerca de um ano mais tarde, o jornal exulta com a confirmação de “um grande
melhoramento: a criação de um Liceu Municipal nas Caldas da Rainha é uma realidade”. A
notícia desenvolve a informação obtida “de boa fonte”, segundo a qual a Câmara Municipal
obteve do Ministro da Instrução Pública concordância para a criação de um Liceu
Municipal que deverá entrar em funcionamento no próximo ano lectivo. Exultante, a
Gazeta (30 de Outubro de 1932) não só assevera que o Presidente da Câmara (o Dr. José
Saudade e Silva) já tem escolhido o edifício onde irá funcionar o Liceu, como dá início de
imediato a uma campanha de angariação de alunos com o objectivo de rapidamente elevar o
futuro liceu de municipal a nacional.
Neste caso, porém, o desejo é que foi tomado por realidade. Em Março do ano seguinte, o
jornal lastimava-se que, após a promessa, “tudo caiu no silêncio confrangedor, neste
marasmo muito da nossa terra, sem que publicamente nada se diga, sem uma nota oficiosa,
que, como gota de água, venha desfazer a sede escaldante da curiosidade pública.
Perguntam-nos: - Então, o Liceu? Então, esse Liceu vem ou não vem? Vocês da Gazeta
sempre são muito ingénuos… Acreditam em cada peta…” (G.C., 18 de Março de 1933).
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7. O Caldense (1933-1945)
Em Outubro de 1933, um novo colégio emerge na cidade: o Caldense (G.C., 28 de Outubro
1933). Arranca na Rua dos Artistas nº 24, liderado pelo Prof. Ivo Mendes. Aparentemente,
o Caldense preenche o lugar deixado vago pelo Rainha D. Leonor. Não se encontraram
referências ao Prof. António Augusto Ferreira, a partir de 1932. Sabemos, no entanto, que
Ivo Mendes tinha colaborado com ele.
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O projecto pedagógio do Caldense é distinto do dos colégios precedentes. Além de inserir a
Música Canto Coral, os Trabalhos Manuais e a Arte Aplicada na oferta formativa, ao lado
da Educação Física, oferece o Curso Geral dos Liceus. Em 1934 (G.C., 22 de Setembro)
muda as instalações para a Rua Dr. Leão Azedo, anunciando uma separação orgânica entre
uma unidade vocacionada para o ensino liceal e outra para o ensino primário (o chamado
colégio José Malhoa). Indica como professores os médicos José Pinto e Mário de Castro,
José da Costa Abrunhosa (matemática), João de Oliveira Carvalho (Filosofia), Almeida
Avila (Letras) e Dario Preto Ramos.
Em 1936 o Caldense tem instalações na Rua Miguel Bombarda (G.C., 12 de Setembro).
Anuncia que prepara alunos para admissão à Universidade. De facto, o Caldense será o
primeiro colégio das Caldas da Rainha a proporcionar uma frequência completa do ensino
liceal. No seu depoimento, José Paulo Rodrigues afirma ter sido dos primeiros estudantes
que preparou o curso liceal nas Caldas, terminado em 1939. Os exames dos alunos
preparados pelo Caldense eram realizados em Santarém.
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No princípio da década de 1940, o Caldense consegue uma vantagem sobre o seu
concorrente. Entre 1939, 1940 e 1941 o Governo insiste na aplicação de uma disposição
prevista em legislação de 1928, qual restringia a tolerância para com a coeducação no
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ensino particular, só a permitindo “a título excepcional e precário” nas localidades onde não
existisse mais do que um estabelecimento do mesmo tipo. Não era o caso nas Caldas, tendo
o Caldense, porventura beneficiando da influência do seu fundador, o inspector Ivo
Mendes, obtido autorização para ensinar o sexo masculino.
7. O Lusitano
O aparecimento do Caldense obrigou o Lusitano a introduzir melhorias na sua oferta
formativa, garantindo o Curso Geral dos Liceus. O Lusitano tinha a seu favor a qualidade e
boa localização das instalações. Uma reportagem sobre o colégio, publicada pela Gazeta
das Caldas em 9 de Outubro de 1932 punha essa circunstância em destaque: “Entrámos
numa casa completamente transformada, cheia de luz e de bom ar, que acaba de ser
adaptada a casa de ensino, de harmonia com o Estatuto do Ensino Particular”.
Mas, no final da década de 30 e princípios da seguinte, o colégio vai passando por
sucessivas crises. Justino Moreira é mobilizado para Cabo Verde e forçado a deixar a
direcção do estabelecimento. Depois vem a imposição de leccionar apenas ao sexo
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feminino. Em 1944, um grupo de professores, liderado por Alcino Jorge de Morais adquire
o alvará de Justino Moreira. Em entrevista que concede à Gazeta das Caldas (20 de
Outubro de 1944) Alcino de Morais confessa-se preocupado com a baixa frequência do
colégio, mas admite ser possível inverter a tendência de as famílias caldenses preferirem
para as suas filhas o curso comercial ao curso liceal.
Esta experiência não teve continuidade. Em 1945, o alvará de Justino Moreira mudará outra
vez de mãos, desta vez para a Sociedade de Desenvolvimento Caldense, liderada por Júlio
Lopes. Tornara-se, porém, evidente que a sobrevivência do ensino liceal particular nas
Caldas estaria sempre comprometida com dois colégios, obrigados pelo salazarismo à
separação do ensino por sexos. A Sociedade terá de adquirir também o Caldense para poder
cumprir o preceito legal que autorizava a coeducação onde só existisse um estabelecimento
de ensino liceal.
Com a dupla aquisição, Júlio Lopes criou o Externato Ramalho Ortigão. Mas essa é uma
outra
história,
que
está
a
ser
feita
17
pelos
contributos
do
blog
(http://externatoramalhoortigao.blogspot.com/) e pelo trabalho de recolha e síntese de João
Jales.
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Os colégios das Caldas da Rainha (1928-1945)