ISBN 978-85-8015-053-7 Cadernos PDE VOLUME I I Versão Online 2009 O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE Produção Didático-Pedagógica 1 “Morre lentamente quem não viaja, Quem não lê, Quem não ouve música” Pablo Neruda Dificilmente sua resposta será negativa. Quem é que não gosta de música? Você já ouviu aquela canção que diz “quem não gosta de samba um bom sujeito não é, ou é ruim da cabeça, ou é doente do pé”? Pode ser até que o samba não faça a sua cabeça, mas certamente você curte algum tipo de som. 2 UM PAPO SOBRE MÚSICA !! Ainda não é o momento de falarmos de preferências pessoais, até porque o gosto é um elemento fundamental na avaliação do que ouvimos, mas você sabia que ele pode ser desenvolvido desde cedo? Pesquisas mostram que a forma de apreciar música já começa a se estruturar durante a gestação e que, entre os 4 e 10 anos, a criança prefere ritmos alegres e dançantes. Mas e depois? Que tipo de música faz a cabeça dos adolescentes? 3 É fácil perceber que os adolescentes gostam de ouvir música, basta reparar na quantidade de jovens com fones de ouvido. Vale a pena lembrar que o volume exagerado prejudica a audição, principalmente quando utilizamos fones de ouvido. Você sabe o que seu colega gosta de ouvir? Os gostos variam, mas uma característica une os jovens: o volume alto. Isso tem uma explicação científica. Para a neurocientista brasileira Suzana Herculano-Houzel “a preferência de discotecas, raves e shows de rock por sons graves e quase ensurdecedores, parece ter sido feita de encomenda para fornecer estimulação vestibular, o órgão vestibular é uma estrutura vizinha à cóclea que é a parte auditiva do ouvido” (nada a ver com o temido exame de admissão à universidade). Suzana relaciona o hábito adolescente de ouvir música alta à necessidade de confortar o sistema de recompensa do cérebro, que nessa fase passa por uma baixa sensibilidade. 4 A preferência por sons graves explica o sucesso do famoso “batidão” de músicas techno, reggae e funk. Contudo, essa peculiaridade do adolescente não passa somente por um gênero de música. Se o jovem gosta da obra de Beethoven, por exemplo, talvez sinta uma vontade irresistível de ouvir alguma de suas sinfonias no volume máximo. Agora você tem um bom argumento para justificar a altura de seu som. Só não sabemos se vai colar com os vizinhos! Vamos à ação! Partindo das questões levantadas anteriormente: 1. Dá para apontar quais músicas têm mais qualidade? Qual o critério para definir isso? 2. Avalie a obra de um(a) cantor(a) ou grupo que aprecie. Seu texto deve incluir observações sobre letra e música e refletir sobre a questão da “qualidade”. 5 3. Que tal montarmos um blog para postarmos nossos trabalhos? Neste diário do século XXI, você poderá divulgar suas descobertas, postar músicas, vídeos, fotos, expressar suas opiniões sobre tudo que veremos e ouviremos. Então, vamos ao laboratório de informática??!! MÚSICA = PRAZER Desde sempre vivemos em um mundo essencialmente sonoro. Já na vida pré-natal, a audição supera largamente todos os outros sentidos, ela está estreitamente ligada às emoções e ao mundo pré-verbal, o que faz dela uma linguagem privilegiada. Veja o que o músico José Miguel Wisnik escreveu em sua obra O som e o sentido. Uma outra história das músicas. São Paulo, Companhia das Letras, 1999, p.285. . O feto cresce no útero ao som do coração da mãe...o ritmo está na base de todas as percepções. Dessas imbricações se entende o grande poder de atuação [da música] sobre o corpo e a mente, sobre a consciência e o inconsciente. 6 Quem é que não tem uma música especial em seu repertório especial? Depois de algum tempo podemos até esquecer o fato, mas a sensação... esta sempre volta ao ouvirmos “aquela música”! Qual seria a trilha sonora de sua vida? Faça uma lista das “top five”! Às vezes, gostamos de uma música mais pela melodia do que pela letra. Outras vezes, a letra diz tanto que a melodia passa a ser menos importante. Agora, quando letra e música formam uma dupla indissociável, tão bela que atinge em cheio o gosto de muitas pessoas, torna-se um clássico. A canção Codinome Beija-flor é uma dessas duplas perfeitas, um casamento harmonioso entre letra e melodia que vêm acompanhando corações enamorados desde que foi composta por Cazuza em 1988. Que tal descobrirmos alguns dos recursos utilizados pelo autor para torná-la especial? 7 Codinome Beija-flor Pra que mentir Fingir que perdoou Tentar ficar amigo sem rancor A emoção acabou Que coincidência é o amor A nossa música nunca mais tocou [...] CAZUZA; ARIAS, Reinaldo; NEVES, Ezequiel. Codinome Beija-flor. In O tempo não para. (LP) Polygram, 1988. Por causa da questão dos direitos autorais, não é possível colocar a letra da canção aqui. Mas isso não será problema, bastam alguns cliques e a conheceremos na íntegra. Ok?! Veja você mesmo www.letras.terra.com.br Antes de conversarmos sobre a canção de Cazuza, é importante lembrarmos de que, para a compreensão de um texto, a depreensão do significado contextual é um dado muito importante, sobretudo quando se trata de um texto de caráter poético. É bastante comum que letras de canções, assim como poemas, explorem as múltiplas possibilidades de significação de uma palavra. Assim o autor pode sempre apresentar as coisas do mundo, os fatos e as pessoas de forma nova e mais viva. Como você pôde observar, o texto de Cazuza não usou as palavras apenas em seu sentido próprio, habitual, mas lançou mão de recursos que “brincam” com os seus significados. Esses recursos são normalmente chamados de Figuras de Linguagem. 8 Ao lermos pela primeira vez a letra de uma canção, podemos ter dificuldade para encontrarmos um fio condutor que nos mostre a unidade e a organização do texto. Porém, por trás desse aparente caos, há, em bons textos, é claro, coerência e harmonia, que poderemos vislumbrar a partir da observação de dados concretos da superfície até a compreensão de significados mais abstratos. VAMOS À AÇÃO! 1. Em uma leitura, mesmo que superficial do texto, podemos perceber o assunto da canção? 2. Que partes da canção falam das pessoas envolvidas nesse caso de amor? 3. Os valores desses sujeitos estão em acordo ou desacordo? 4. O texto nos fornece pistas do motivo do rompimento? Saber o motivo seria uma informação relevante? 5. O eu-lírico está motivado a falar sobre o quê? CONCEITUANDO O recurso em que se afirma alguma coisa que na verdade se quer negar denomina-se IRONIA. 9 6. Você é capaz de identificar a ironia presente na primeira estrofe? 7. No verso “pra destilar terceiras intenções” a palavra destilar não foi usada em seu sentido costumeiro (denotativo) e sim em um sentido figurado (conotativo). Substitua o termo sem alterar seu sentido. Denotação: É o uso do signo linguístico em seu sentido real, próprio. Conotação: É o uso do signo linguístico em sentido figurado, simbólico. 8. Observe, na segunda estrofe, as palavras mel, flor e beija-flor. Qual foi a imagem criada pelo eu-lírico nesses versos? 9. As palavras foram usadas denotativa ou conotativamente? Você saberia identificar a figura de linguagem utilizada para criar a imagem lírica da 2ª estrofe? Complete o conceito: ___________ é a figura de linguagem que consiste na alteração do sentido de uma palavra ou expressão quando entre o sentido que o termo tem e o que ele adquire existe uma intersecção. PLATÃO & FIORIN, Para entender o texto, p. 122 10. Por que a palavra beija-flor foi usada hora com letra maiúscula, hora com letra minúscula? 10 11. Sem fugir da coerência do texto e respeitando os limites das palavras utilizadas em seu contexto, interprete a metáfora do verso “dizer segredos de liquidificador”. 12. A expressão “ter segundas intenções” é usada para dizer que intenções desonestas estão sendo ocultadas, não é? O que seria, então, “destilar terceiras intenções” ? 13. O fato do nome da amada ser protegido por um codinome “eu protegi teu nome por amor/ em um codinome, Beija-flor”, sugere o quê? 14. Substitua a palavra que do verso “Que só eu que podia” por outra que não altere o seu sentido. 15. O ser humano, em momentos de fragilidade, procura formas de amenizar seu sofrimento. Em que passagem da canção há uma referência à fuga provocada pela dor? 16. Embora Codinome Beija-flor não utilize nenhum sinal de pontuação, o que, aliás é muito comum em letras de canções, o contexto mostra-nos os sinais que caberiam nela. Vamos tentar? Pontue expressivamente o texto, sem, no entanto, modificar seu contexto. 11 MUITO ALÉM DO PRAZER A música é, certamente, uma inegável fonte de prazer, no entanto, uma boa música pode proporcionar, além da fruição, o desenvolvimento das nossas capacidades cognitivas. Desde as semi-eruditas modinhas imperiais até o surgimento de um “rock nacional”, passando pelo Tropicalismo e pela Bossa Nova, a canção foi eleita lugar privilegiado para a manifestação das ideias e ideais da cultura brasileira. A canção é a um só tempo o objeto e o veículo de discussões sobre questões raciais, sociais, culturais e econômicas. diz o compositor Luiz Tatit.em sua obra Análise Semiótica através das letras. Ateliê Editorial, São Paulo 2002. O canto sempre foi uma dimensão potencializada da fala. No caso brasileiro, tanto os índios como os negros invocavam os deuses pelo canto. Do mesmo modo, as declarações lírico amorosas extraíam sua melhor força persuasiva das vozes dos seresteiros e modinheiros do século XIX. Você sabia que o Brasil possui uma das maiores diversidades musicais do mundo e é o terceiro maior produtor de música do planeta, atrás apenas dos EUA e do Reino Unido? 12 VAMOS À AÇÃO! 1. Você se recorda de alguma música que tenha sido composta com o intuito de fazer uma crítica social? Que tal apresentá-la a seus colegas? 2. Qual o tema abordado pela música? 3. Você acha que ela alcançou seu objetivo no processo de transformação social? Conseguiu fazê-lo refletir sobre o assunto? 4. Você saberia dizer em que contexto social a música foi composta? 13 BREVE HISTÓRIA DA MÚSICA DO BRASIL A música popular brasileira existe há bastante tempo. Uma de suas características foi a de ser produzida no meio popular e para ele especialmente dirigida. Entretanto, com o advento de meios de comunicação, ela foi abandonando aquele seu espontaneísmo de arte popular para entrar definitivamente nos esquemas comerciais que o rádio e o “disco” vieram impulsionar. Tomando esse rumo, a canção deixou de ser apenas expressão cultural de uma comunidade para atingir públicos cada vez maiores. > > Faremos um corte na história da música popular brasileira e pousaremos na efervescente década de 60. Na década de 60 a televisão brasileira se consolida, empurrando o rádio para o segundo plano. Surge o gosto pelas telenovelas e pelos seriados americanos, mas parecia faltar algo mais para que a TV empolgasse um certo tipo de público ainda resistente à programação televisiva. 14 É então que aparecem os musicais gravados nos teatros da TV Record. Graças a eles a emissora passou a viver uma fase de liderança absoluta de audiência. Foi nesses programas que puderam se lançar aqueles que seriam os principais herdeiros da geração Bossa Nova: Chico Buarque e Caetano Veloso. Ambos jovens cantores de voz curta, mas de enorme talento e amor pela nossa música popular brasileira, Caetano e Chico saltaram, da noite para o dia das cadeiras universitárias para os palcos da televisão. Em pouquíssimo tempo eram transformados em celebridades. Logo receberam o nome de poetas, devido não somente a qualidade lírica das suas canções, mas também ao fato de terem sido porta-vozes de um tempo e dos dilemas de uma geração. Em 1967, com apenas dois anos de carreira, Chico Buarque já era uma unanimidade nacional, graças à televisão. No ano anterior, Chico tinha ganho o primeiro lugar no Festival da MPB da TV Record, com a canção “A banda”. Veja você mesmo! letras.terra.com.br/chico-buarque/ A BANDA Estava a toa na vida O meu amor me chamou Pra ver a banda passar Tocando coisas de amor A minha gente sofrida, despediu-se da dor Pra ver a banda passa, cantando coisas de amor [...] HOLLANDA, Francisco Buarque de. In Chico Buarque de Holanda, (LP) RGE, 1966. 15 Como o país inteiro cantarolou a sua marchinha ingênua e nostálgica “A banda” acabou contribuindo para rapidamente se cristalizar em Chico uma imagem de moço bom, bonito e bem criado, que atraia não apenas as moças, mas também as senhoras, que o desejavam para genro. Francisco Buarque de Hollanda (Rio de Janeiro, 19 de junho de 1944), mais conhecido como Chico Buarque ou ainda Chico Buarque de Hollanda, é um músico, dramaturgo e escritor brasileiro. Filho do historiador Sérgio Buarque de Holanda, iniciou sua carreira na década de 1960, destacando-se em 1966, quando venceu, com a canção A Banda, o Festival de Música Popular Brasileira. Em 1969, com a crescente repressão da Ditadura Militar no Brasil, se auto-exilou na Itália, tornando-se, ao retornar, um dos artistas mais ativos na crítica política e na luta pela democratização do Brasil. Na carreira literária, foi ganhador do Prêmio Jabuti, pelo livro Budapeste, lançado em 2004. Casou-se com e separou-se da atriz Marieta Severo, com quem teve três filhas: Sílvia, que é atriz e casada com Chico Diaz, Helena, casada com o percussionista Carlinhos Brown e Luísa. É irmão das cantoras Miúcha, Ana de Hollanda e Cristina. Ao contrário do que tem sido propagado na internet, Aurélio Buarque era apenas um primo distante do pai de Chico. Fonte: www.wikipédia.com.br Foto: letras.mus.br /terra 16 VAMOS À AÇÃO! 1. A vida da cidade foi modificada pela passagem da banda. Certo? Aponte passagens no texto que comprovem esta afirmação? 2. Procure no texto o verso em que o narrador se identifica com o povo da cidade e transcreva-o. 3. Escute e cante a canção “A Banda”. Fique atento à letra e à melodia. Que mensagem ela transmite a você? 4. Procure na última estrofe uma palavra que pode ter dois significados. Qual é a palavra e quais são os seus significados no texto? Conceituando Numa língua qualquer, é muito comum ocorrer que um plano de expressão (um significante) seja suporte para mais de um plano de conteúdo (significado), ou seja, que um mesmo termo tenha vários significados. Quando um único significante remete a vários significados, dizemos que ocorre a POLISSEMIA. PLATÃO e FIORIN, Para entender o texto.p. 112 6. A composição nos fala da alegria que a banda provocou ao passar e da tristeza quando foi embora. De que forma essa alegria, provocada pela banda, poderia continuar na cidade e aproximar seus habitantes para um melhor convívio? 17 De volta a história... Esse mesmo ano, 1966, marcaria uma reviravolta na imagem de Chico Buarque, que romperia com o enquadramento forjado pela televisão. O artista iria deixar de ser o bom mocinho. A oportunidade seria dada pelo III Festival da MPB, onde Chico Buarque apresentou “Roda Viva”. “Tem dias que a gente se sente /Como quem partiu ou morreu/A gente estancou de repente/ Ou foi o mundo então cresceu” A letra revela o cuidado e o talento de um compositor experiente, que se propunha a competir num festival exigente, mas essa voz poética nos chegava mesmo era para apontar a crueldade do presente. Um presente contraposto a um passado que, por sua vez, era visto com um sentimento de nostalgia. O que se foi parecia belo e o que vinha era terrível na medida em que nada mais escapava às garras de um tempo esmagador. Naquela época, os valores acumulados até então começaram a entrar em crise ao mesmo tempo em que a repressão política brasileira afinava seus instrumentos para promover o desastre da ditadura. PESQUISA DITADURA MILITAR NO BRASIL Faça uma pesquisa sobre os fatos políticos da repressão militar no Brasil: quando ocorreram e por que ocorreram. Veja você mesmo! ( Música e imagens) www.youtube.com.br/chicobuarque/vaipasssar 18 Desde 1964, vivíamos sob uma ditadura militar que não tinha mostrado ainda todo o seu poder de fogo. Dois anos depois daquele festival, em 1968, o governo baixou o Ato Institucional nº 5 que pretendia calar de vez as vozes contrárias aos arbítrios do regime. Alguns meses depois, a canção voltou à cena para ser apresentada numa peça também intitulada “Roda Viva”, do mesmo Chico Buarque. O tema do espetáculo era a condição do artista vitimado pela idolatria forjada pelos meios de comunicação, mas como a peça também podia ser interpretada como imagem da vida civil oprimida pelo regime militar, a certa altura da temporada, o “Comando de Caça aos Comunistas” invadiu o teatro agredindo brutalmente os atores e o público, deixando o cenário totalmente destruído. Esse terrível episódio mostra não apenas a truculência do Governo brasileiro, mas também os efeitos de uma notável mudança na obra e na postura de Chico Buarque. Da poesia nostálgica aos versos amargos, o compositor passava a desgostar parte de seu público. Questionando a unanimidade que fora criada em torno de si, Chico rejeitava sua condição de ídolo. No lugar do bom mocinho, aparecia o artista inquieto e combativo que não mais se enquadrava na imagem cultivada pela televisão. Em 1970, vivia-se no Brasil o ufanismo que antecedeu a conquista do tricampeonato mundial de futebol, no México. Rádios executavam à exaustão “Pra frente, Brasil”, de Miguel Gustavo, e “Eu te amo, meu Brasil”, da dupla Dom e Ravel. Carros exibiam adesivos como “Brasil! Ame-o ou deixe-o” ou até o ameaçador “Brasil! Ame-o ou morra”. A resposta de Chico ao que viu e não gostou foi a canção “Apesar de você”, que ele considera uma de suas canções realmente de protesto. Prevendo atritos com a censura, Chico resolveu consultar um amigo que ponderou que só haveria problemas se os censores percebessem segundas intenções na letra. E, de fato, num primeiro momento, não houve. Para surpresa geral, a letra foi liberada. Gravada, chegou a vender mais de 100 mil compactos em uma semana. Tudo ia bem, até que uma notinha num jornal do Rio de Janeiro insinuou que o “você” era na verdade o presidente Médice. 19 Chico, que já estava preparado, disse cinicamente que se tratava de uma mulher muito mandona. Não colou. A polícia recolheu as cópias das lojas, invadiu a fábrica para destruir o estoque, proibiu sua execução nas rádios e, de quebra, puniu o censor que deixara escapar tamanho desrespeito. Apesar de você (Chico Buarque de Holanda, 1978) Hoje você é quem manda Falou, tá falado Não tem discussão A minha gente hoje anda Falando de lado E olhando pro chão, viu Você que inventou esse estado E inventou de inventar Toda a escuridão Você que inventou o pecado Esqueceu-se de inventar O perdão [...] Veja você mesmo! (letra/ música/vídeo) www.letras.terra.com.br /chicobuarque A canção acima parte da situcionalidade para o texto pois reflete o sentimento de luta dos jovens artistas da época. O texto assimilou as ideias da sociedade e da época em que foi produzido. “Apesar de você” é uma metáfora da ditadura militar. O autor conta com a memória discursiva do leitor, pois não deixa tudo explícito e recorre ainda a uma intertextualidade quando utiliza a expressão popular “Inda pago pra ver” . 20 Outro recurso utilizado pelo autor para dar mais sonoridade ao texto foi o trocadilho “vou cobrar com juros, juro”. VAMOS À AÇÃO! 1. Sem conhecer o contexto social em que a música foi escrita, você faria a mesma leitura deste texto? 2. Ao reconhecer as relações do texto com a história você passa a fazer uma leitura mais profunda e tem condições de postular dois significados abstratos que se opõem entre si e garantem a unidade do texto inteiro? Quais seriam? 3. Em que versos Chico ressalta o autoritarismo militar? 4. A situação de humilhação pela qual as pessoas passavam aparece em que versos? CONCEITUANDO ANTÍTESE é o expediente de construção textual que consiste em estabelecer, ao longo do texto, oposições entre temas e figuras. (PLATÃO e FIORIN, Para entender o texto.p. 129) Conversaremos mais sobre tema e figura no 4º passo. 21 5. Na primeira estrofe da canção ocorre uma antítese: pecado/perdão. Que sentido o poeta quis produzir com o uso dessa antítese? 6. Levando em conta o contexto histórico, o que quer dizer a expressão “Apesar de você”? 7. Na expressão, “Nesse meu penar” um verbo foi substantivado. Construa uma frase transformando este substantivo novamente num verbo. 8. As palavras: “escuro” “tristeza” “lágrima” “fineza” possuem, no texto, sentido positivo ou negativo? Justifique. Chico torna-se também um com a preservação da música nacional, mercado, que àquela altura já ia música estrangeira ao gosto Antes da década de se pode chamar de uma compositor preocupado sacrificada pela roda viva do impondo com toda a força a brasileiro. 50, não havia propriamente o que “cultura da juventude”. O fenômeno foi trazido dos Estados Unidos. Foi neste momento que os adolescentes ganharam um mercado de produtos variados, capazes de atender aos seus gostos e hábitos próprios: sanduíches, refrigerantes, chicletes, roupas, cinema, música. O rock faz parte desse pacote, é a música de afirmação juvenil, que por sinal aportou no Brasil na mesma época em que virou moda entre os adolescentes de classe média americana. O estilo surgiu nos EUA numa época de grande prosperidade econômica, talvez por isso a ele tenha sido logo associada a ideia de rebeldia. Contra a acomodação da família pequeno- 22 burguesa, o rock impunha seu ritmo acelerado, procurando liberar os costumes da classe média. Ainda não havia um mercado de música juvenil no Brasil, e nem o rock recém-chegado tinha força para tanto. Parte da juventude gostava de Bossa Nova, mas a maioria ainda gostava dos cantores de rádio. Foi então que Roberto Carlos, tal como a banda inglesa Beatles, criou, nos anos 60, um repertório destinado especialmente à juventude. Photograph of The Beatles as they arrive in 1964. (www.wikipedia.com) Além disso, o moço chegava com um estilo que prometia: gírias para se expressar, gosto por carrões, cabelos compridos, terninhos sem gola, botinhas, atitude irreverente, etc. Em pouco tempo tudo viraria moda. (www. wikipedia.com) Veja você mesmo! www.youtube.com.br Ronnie Von/Roberto Carlos "Jovem Guarda" DVD 23 Apesar da rivalidade entre os rapazes da MPB, que abominavam a guitarra elétrica (símbolo do estrangeirismo), e os rapazes do rock, que não tinham compromisso com o nacionalismo musical, a Jovem Guarda, liderada por Roberto Carlos, manteve-se firme por um bom tempo. Nas tardes de domingo, era impensável ver outra coisa na televisão, os “cantores da Jovem Guarda” tornaram a TV Record a grande campeã de audiência. Mas como as fórmulas da TV tendem a se esgotar, o “movimento” acabou entrando em declínio. Além desse aspecto, contribuiu para a decadência da Jovem Guarda a sua incapacidade de competir com o rock internacional, que penetrava firmemente no mercado brasileiro de discos nos anos 70. Foi preciso aguardar os anos 80 para que pudéssemos ver no rock uma tendência dominante em nossa música popular. A essa altura já tínhamos um público jovem bastante habituado ao rock, uma tecnologia musical mais compatível com a música pop e, por fim, um esquema de shows capacitado para promover espetáculos às grandes platéias. Foi assim que vimos aparecer um número considerável de bandas gravando discos de sucesso. Por ser um estilo de música especialmente praticada nos grandes centros, foi em São Paulo (Titãs, Ira!), no Rio (Barão Vermelho, Blitz) e em Brasília (Paralamas do Sucesso, Legião Urbana) que surgiram os principais conjuntos do rock nacional. No Brasil dos anos 80, a presença da AIDS comprometeu o discurso de liberação dos costumes, em especial aqueles ligados ao comportamento sexual. Além disso, a década de oitenta está marcada como época de derrocada econômica e, com ela, o sentimento de decepção com os rumos do país. Nessa medida, o rock brasileiro expressa bem os dilemas de uma geração vivendo num tempo abafado, sem muitas esperanças. 24 Canções saltaram da esfera restrita do depoimento pessoal e dirigiram-se a uma geração ameaçada pelo imobilismo que é fruto, talvez, do esfriamento das lutas políticas, do consumismo desmedido e da crise do sonho de uma sociedade mais justa. A nova geração do rock queria inovar substancialmente a música brasileira. Com os pés fincados firmemente no concreto das grandes cidades propunham-se a “invadir sua praia”, “sentindo cheiro de gasolina e óleo diesel”, atrasando o “trem das onze”, pintando de negro a “asa branca”, transformando a “Amélia” em uma mulher comum e pisando sobre as flores de Geraldo Vandré. Com um discurso pós-moderno as letras invertiam conceitos como aqueles defendidos pela TFP “Tradição, Família e Propriedade”. As canções passaram a questionar rotulações e preconceitos . A música “ A gente somos inútil” (Ultraje a Rigor) recheada de deboche e ironia, seguida dos clássicos “Que País é Esse?” (Legião Urbana), “Polícia”, “Estado Violência”, “Comida” (Titãs), “Armas”, “Alagados” (Paralamas do Sucesso), e “O Tempo Não Para”, “Brasil”, “Blues da Piedade”, “Burguesia” (Barão Vermelho/ Cazuza), colocaram expressões como “País do Futuro”, “Ame o Brasil ou deixe-o” e “Deus é brasileiro” na lixeira da história. “Comida” do grupo Titãs, talvez seja o rock mais expressivo dessa fase eletrizada da MPB. A canção foi um dos mais fortes e marcantes protestos da sua geração, ela apresenta críticas ao sistema de governo, na tentativa de gerar a conscientização das pessoas para o problema da distribuição de renda no Brasil. Ao analisar a letra você perceberá que ela possui um discurso bastante direto, sem metáforas complicadas ou imagens difíceis de desvendar. A canção é dividida em duas estrofes com oito versos cada, acompanhadas do refrão. Os versos são paralelísticos, ou seja, repetem a mesma estrutura sintática, de modo que facilitam a memorização e reforçam a musicalidade da composição. Chega de papo, vamos à música! 25 Comida Bebida é água Comida é pasto Você tem sede de quê? Você tem fome de quê? A gente não quer só comida, A gente quer comida, diversão e arte. A gente não quer só comida, A gente quer saída para qualquer parte (...) ANTUNES Arnaldo, BRITO Sérgio, FROMER Marcelo Veja você mesmo !www.letras.terra.com.br Percebeu a simplicidade da estrutura da canção? Em relação à letra tudo se organiza a partir do verbo querer. Em relação ao ritmo, a base do rock, ouvimos a batida forte e repetitiva do funk. Vale a pena observar que a leitura das estrofes pode ser feita de duas maneiras: tanto na linha horizontal, quanto na vertical. Como as palavras “não” e “quer” aparecem sempre na mesma posição, forma-se na vertical o memo jogo “quer/não quer”. A letra traz uma crítica à campanha contra a fome liderada pelo sociólogo Betinho, afirmando que comida corresponde a apenas uma parte das necessidades do homem e que o ser humano precisa muito mais do que comida. Todos precisamos de lazer, diversão, arte, liberdade para que nos sintamos saciados. O uso de recorrências lexicais, como no caso de “a gente” enfatiza a ideia de que gente é diferente de animal, que precisa de mais coisas além da comida. O advérbio “só” aparece em várias partes do texto, para reforçar a ideia de parcialidade. 26 Já no teor do refrão percebemos a redução rítmica e formal da canção, onde comida e bebida se apresentam em seu sentido mais elementar: a bebida é apenas o líquido e a comida o mero alimento. A polifonia constitui-se no diálogo com a Campanha da Solidariedade e com a política do pão e circo. Para entendermos melhor o termo “política do pão e circo”, precisamos dar um pulo na história da Roma Antiga no período do crescimento da zona urbana. Os camponeses deixaram a zona rural, que passava a ser lavrada por mãos escrava. Esse fato acarretou diversos problemas sociais, entre eles o desemprego e a fome. O Imperador, receoso de que pudesse acontecer alguma revolta de desempregados, criou a política do Pão e Circo, que consistia em oferecer aos romanos, alimentação e diversão. Quase que diariamente ocorriam lutas de gladiadores nos estádios e eram distribuídos alimentos. Dessa forma, a população carente acabava esquecendo dos problemas da vida, diminuindo as chances de revolta. VAMOS À AÇÃO! 1. Observe que todos os verbos estão no presente do indicativo. Qual a importância disso para a construção do sentido do texto? 2. Na primeira parte do texto a presença das palavras “água e pasto” aparecem com que sentido? 27 3. Explique o efeito de sentido que o advérbio “só” no verso “A gente não quer só comida” produz. 4. Você acha que uma pessoa ganhando salário mínimo tem condições de ter uma alimentação digna e lazer? Comente. 5. Procure saber mais sobre a campanha de solidariedade do Betinho e faça a relação com a política das “bolsas” do atual governo. Voltemos ao início dos anos 80. Este pode ser definido como o momento da história recente do país em que o último dos governos militares enfrentava uma profunda crise nos seus três frontes decisivos: economia, coesão e hegemonia. Os militares estavam divididos sobre a dosagem correta de repressão e liberdade a ser aplicada. Amplos setores das classes dominantes, muitos dos quais haviam apoiado o golpe de 64, estavam descontentes com o governo, visto que seus ganhos encolhiam e uma mudança de ares poderia trazer novo alento. O povo e principalmente a classe média que fazia para com eles a ligação e formação da opinião, sinalizava o desejo de mudança. As mudanças são inevitáveis quando os de cima não conseguem mais governar como antes e os de baixo não querem mais ser governados como antes. O povo foi às ruas em grandes manifestações e o fez como cidadão, não como classe. O resultado foi que democraticamente, cumprindo os preceitos de cidadãos eleitos, deputados e senadores derrotaram a emenda Dante de Oliveira, que tinha por objetivo reinstaurar as eleições diretas para presidente da República no Brasil, tomando para si a tarefa de escolher o novo mandatário da nação. Você já ouviu a expressão “Diretas já!” ? Seus pais certamente presenciaram esse momento histórico brasileiro. Que tal conversar com eles sobre o assunto, anotar os comentários e trazê-los para sala de aula? 28 DICA DE LEITURA Livro:Carapintada Autor: Renato Tapajós Série: Sinal Aberto O livro de Renato Tapajós, pelo enredo, amarra dois períodos históricos muito agitados no Brasil: 1969/ 1992. Com uma linguagem ágil, coloquial e forte, o autor constrói com competência o encontro de duas gerações que, cada qual a seu modo, tentaram mudar o destino do país. Antes de mergulhar nessa aventura seria interessante que você se informasse sobre alguns tópicos: o que levou à ditadura militar de 64? Quem governava, como governava? Por que ocorreu o “impeachment” de Collor? Você poderá contar com a ajuda da internet, revistas, jornais, além dos livros “Brasil Nunca Mais” da Comissão Justiça e Paz; “O Governo Goulart” de Muniz Bandeira e “O Golpe de 64” de Júlio José Chiavenato, entre tantos outros. Se o tema lhe interessou, leia também o livro Rômulo e Júlia - Os caras-pintadas de Rogério Andrade Barbosa (Ed. FTD). Este livro aborda os quatro meses que antecederam à renúncia do presidente Collor, coincidindo com a descoberta da adoção ilegal de uma criança, filha de presos políticos, na época da repressão militar no Brasil. 29 DICAS DE FILMES Você poderá encontrar a mesma temática em filmes e seriados: Eles não usam black-tie é um filme brasileiro de 1981 dirigido por Leon Hirszman, com fotografia de Lauro Escorel e baseado na peça Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri. Pra frente, Brasil é um filme brasileiro de 1982, dos gêneros drama e ficção histórica, dirigido e escrito por Roberto Farias, baseado em argumento de Reginaldo Faria e Paulo Mendonça.[1] Estrelado por Reginaldo Faria, Antônio Fagundes, Natália do Valle e Elizabeth Savalla, Pra frente, Brasil foi um dos primeiros filmes a retratar a repressão da ditadura militar brasileira (1964 - 1985) de forma aberta. La historia oficial (br / pt: A história oficial) é um filme argentino de 1985, do gênero drama, dirigido e escrito por Luis Puenzo.La historia oficial foi um dos dois filmes produzidos na América Latina a receber o Oscar de melhor filme estrangeiro, junto com El secreto de sus ojos, em 2010. O filme a história de uma professora da classe média argentina que descobre que a criança que adotou pode ser filha de presos políticos da ditadura militar (1976-1983). Anos Rebeldes é uma minissérie brasileira produzida e transmitida pela Rede Globo, entre 14 de julho e 14 de agosto de 1992, às 22h30, tendo totalizado 20 capítulos. A minissérie foi inspirada nos livros: 1968 – O Ano que Não Terminou, de Zuenir Ventura, e Os Carbonários, de Alfredo Sirkis.Foi escrita por Gilberto Braga e Sérgio Marques, com a colaboração de Ricardo Linhares e Ângela Carneiro, e dirigida por Dennis Carvalho, Ivan Zettel e Sílvio Tendler, com direção geral de Dennis Carvalho. A música que atravessou esses anos conturbados, especialmente o rock, parecia brotar das entranhas e das garagens. Ela foi uma ruptura com a tradição, não uma evolução do rock dos anos 70, embora guarde em alguns 30 casos, influências do Tropicalismo, dos Mutantes, de Rita Lee, dos Novos Baianos da primeira fase, de Secos & Molhados e da eclética vanguarda paulista. A relação com o social é uma forte marca do rock dos anos 80. Sua visão não é a história como fio condutor do progresso, e embora não seja uma questão doutrinária, nos parece que o rock via a história como uma espécie de aposta, possibilidade ou desastre. Veja os versos de Cazuza na canção “O tempo não para”: “... Mas se você achar / Que eu tô derrotado / Saiba que ainda estão rolando os dados / Porque o tempo, o tempo não para ... / A tua piscina tá cheia de ratos / Tuas idéias não correspondem aos fatos / O tempo não para... / Eu vejo o futuro repetir o passado / Eu vejo um museu de grandes novidades / O tempo não pára / Não pára, não, não para... /” Cazuza foi um dos mais conhecidos e talentosos interpretes do rock nacional. O “centro da sociedade”, materializado pela cultura do homem branco ocidental, heterossexual e de classe média passa a ser contestado pelo discurso do excluído presente em suas canções. As letras de Cazuza, recheadas de fortes metáforas, são afiadas, sarcásticas, refletem muito bem o Brasil da década de 80 e como veremos, continuam extremamente atuais. 31 Agenor de Miranda Araújo Neto, mais conhecido como Cazuza (Rio de Janeiro, 4 de abril de 1958 — Rio de Janeiro, 7 de julho de 1990) foi um cantor e compositor brasileiro que ganhou fama como símbolo da sua geração como vocalista e principal letrista da banda Barão Vermelho. Sua parceria com Roberto Frejat foi criticamente aclamada. Dentre as composições famosas junto ao Barão Vermelho estão "Todo Amor Que Houver Nessa Vida", "Pro Dia Nascer Feliz", "Maior Abandonado", Bete Balanço" e "Bilhetinho Azul". Cazuza tornou-se um dos ícones da música brasileira do final do século XX. Dentre seus sucessos musicais em carreira solo, destacam-se "Exagerado", "Codinome Beija-Flor", "Ideologia", "Brasil", "Faz Parte Do Meu Show", "O Tempo Não Pára" e "O Nosso Amor A Gente Inventa". Cazuza também ficou conhecido por ser rebelde, boêmio e polêmico, tendo declarado em entrevistas que era bissexual. Em 1989 declarou ser soropositivo e sucumbiu à doença em 1990, no Rio de Janeiro. Fonte: www.wikipedia.com .br O TEMPO NÃO PARA (Cazuza) Disparo contra o sol Sou forte, sou por acaso Minha metralhadora cheia de mágoas Eu sou o cara Cansado de correr Na direção contrária Sem pódio de chegada ou beijo de namorada Eu sou mais um cara [...] 32 A tua piscina tá cheia de ratos Tuas idéias não correspondem aos fatos O tempo não pára Eu vejo o futuro repetir o passado Eu vejo um museu de grandes novidades O tempo não pára Não pára, não, não para [...] Veja você! www.letras.terra.com.br/cazuza.com.br VAMOS À AÇÃO! Ao denunciar a situação de opressão e manipulação social, o eu-lírico visa a conscientizar os ouvintes da necessidade de transformação. 1. Transcreva alguns versos que comprovem que o eu-lírico do texto concretiza-se na primeira pessoa do discurso. 2. Observe que o percurso narrativo da canção está centrado em um sujeito que busca a todo custo, denunciar sua situação de marginalização. Que trecho do texto comprova esta afirmação? 3. O inconformismo, as marcas linguísticas “tô, eu sou o cara” e expressões como “beijo de namorada” evidenciam a faixa etária do eu-lírico? Comente. 33 4. Ainda na primeira estrofe podemos observar a mudança do artigo definido o em “o cara” para o indefinido um em “mais um cara”. Que ideia essa alteração nos passa? CONCEITUANDO TEMAS E FIGURAS Figuras são palavras ou expressões que correspondem a algo existente no mundo natural: substantivos concretos, verbos que indicam atividades físicas, adjetivos que expressam qualidades físicas. Por exemplo: sol, metralhadora, beijar, tempo. Quando falamos em mundo natural, não estamos querendo dizer apenas o mundo realmente existente, mas também os mundos fictícios criados pela imaginação humana. Temas são palavras ou expressões que não correspondem a algo existente no mundo natural, mas a elementos que organizam, ordenam, categorizam a realidade percebida pelos sentidos. Por exemplo: poder, destruição, privação, prazer. PLATÃO e FIORIN, Para entender o texto,7 ed, p.72 Para abordar um assunto qualquer o autor pode escolher entre construí-lo com termos abstratos, remetendo-se a elementos que abordem ou expliquem aspectos das condutas humanas, ou pode concretizar o texto com elementos que representem coisas, ações e qualidades encontradas no mundo natural e perceptíveis pelos sentidos. Podemos encontrar textos temáticos, sem nenhum elemento figurativo expressivo, mas todo texto figurativo pressupõe temas sob as figuras. Conseguir extrapolar o nível figurativo de uma leitura, sempre procurando um significado amplo para o texto, é ser um leitor competente. 34 5. Complete o quadro abaixo encontrando temas para as figuras retiradas da canção de Cazuza. Não se esqueça de que os valores das palavras dependem do texto como um todo. Cuidado para não alterar o contexto da canção! FIGURA TEMA SOL MUDANÇA / PODER METRALHADORA DESTRUIÇÃO CANSADO DE CORRER DESÂNIMO / DESILUSÃO PÓDIO/ BJ DE NAMORADA ROLANDO OS DADOS ARRANHÃO PISCINA RATOS TEMPO FUTURO TEMPO PASSADO MUSEU DIAS DE PAR EM PAR AGULHA NO PALHEIRO LADRÃO/BICHA/MACONHEIRO PUTEIRO DINHEIRO Conseguiu perceber como o autor concretizou um texto abstrato recorrendo a elementos concretos? 35 6. Há uma passagem da canção que faz referência ao fato de que enquanto as pessoas se preocupam em analisar e categorizar pessoas, assuntos mais importantes nos fogem à mente, gerando alienação e possibilitando a continuação da exploração do país pelas elites. Indique os versos em que as figuras levam a deduzir esse tema. 7. As “figuras” o ladrão, o bicha, o maconheiro, representam “latões de lixos conceituais” onde são depositados os fenômenos e as condutas “diferentes” das consideradas “normais”. Ao aceitarmos esse tipo de categorização estamos pactuando com um dos maiores males da sociedade. Qual a sua opinião? 8. Comente a frase de Renato Russo “o preconceito nasce do desconhecimento, do medo”. DICA DE FILME Cazuza – O Tempo não Para é um filme brasileiro de 2004, do gênero drama biográfico, dirigido por Sandra Werneck e Walter Carvalho, e com roteiro baseado na vida do cantor e compositor Cazuza. O roteiro foi escrito por Fernando Bonassi e Victor Navas, é baseado no livro Cazuza, Só As Mães São Felizes, escrito pela mãe do cantor, Lucinha Araújo, e pela jornalista Regina Echeverria 36 O preconceito surge quando a tentativa de entender um fenômeno comportamental “diferente”, “novo” é frustrada. As pessoas não conseguem explicações e isso causa desconforto, perturba, incomoda, irrita, ameaça. Na década de 80, o visual agressivo dos punks, com os cabelos arrepiados ou moicanos, virou “pavão/periquito/urubu”, numa tentativa desesperada e preconceituosa de se classificar o que se via, mas não se compreendia. A aparência, as expressões, a conduta, os acessórios, os gestos, a idade e o modo de se vestir emitem sinais de identidade e classe social. É necessário atentarmos para o fato de que o rock 80 tinha certa ligação com o sindicalismo e com os partidos de esquerda, mas, não eram, de forma alguma, partidários da música engajada, característica de setores da MPB 60/70: “Meu partido / É um coração partido / E as ilusões estão todas perdidas / Os meus sonhos foram todos vendidos / Tão barato que eu nem acredito / Ah, eu nem acredito... / Meus heróis morreram de overdose / Meus inimigos estão no poder / Ideologia / Eu quero uma pra viver...” Ideologia (Cazuza) O rock 80 tem uma relação de distanciamento com a ideia de nação, um rock anti-exaltação, certa concepção de que “nação” é uma instituição tão especial que é mesmo feita só para poucos. Uma abstração. O mais conhecido exemplo é a música Brasil, também de Cazuza. Brasil (Cazuza) Não me convidaram Pra essa festa pobre Que os homens armaram pra me convencer A pagar sem ver Toda essa droga Que já vem malhada antes de eu nascer 37 [...] Brasil, Mostra tua cara Quero ver quem paga Pra gente ficar assim Brasil Qual é o teu negócio? O nome do teu sócio? Confia em mim [...] Veja você mesmo! www.letras.terra/cazuza As figuras utilizadas pelo autor associam imagens narrativas de uma voz excluída remetendo o nosso olhar em direção ao país desigual em que vivemos. A voz do sujeito faz-se ouvir pelas posições desvalorizadas e ignoradas. Ela ecoa das margens da cultura e, com destemor, contesta as imagens do Brasil, propostas por músicas anteriores que só enalteciam o país. Uma política protagonizada por vários grupos que se reconhecem passa a acontecer. O que passa a ser questionado, nas músicas de Cazuza é toda uma noção de arte, educação, ética e cultura. A anáfora e a repetição do vocábulo “não” na letra da canção reforçam a revolta e a ironia em relação aos dirigentes do país, anunciando uma visão crítica do contexto social. “não me convidaram/ não me elegeram/ não me ofereceram/ não me sortearam/ não me subornaram” Por essas repetições, a canção reverbera um Brasil que exclui, que enfatiza um discurso vazio “fala-se muito e faz-se pouco”. 38 Conceituando ANÁFORA é a repetição da mesma palavra ou grupo de palavras no princípio de frases ou versos consecutivos. É uma figura de linguagem muito comum nos quadrinhos populares, música e literatura em geral, especialmente na poesia. VAMOS À AÇÃO! 1. Para conseguir o que quer o sujeito do texto usa a violência. Em que verso isso é sugerido? 2. A quem você atribui a voz do texto. Quais trechos do texto permitem essa afirmação? 3. Segundo o texto que elemento colabora para que as pessoas não se rebelem contra o que esta acontecendo, transformando-as em robôs. 4. A canção estabelece diálogo com situações da época, exigindo conhecimento de mundo do ouvinte. Na década de 80, o programa Fantástico da Rede Globo exibia um quadro chamado Garota do Fantástico, que consistia num desfile e na eleição de uma garota, o qual projetava as eleitas para a fama. Saiba mais detalhes sobre a época em que essa letra foi escrita. Destaque os fatos históricos e veja se eles influenciaram na produção do texto. 39 Observe que, apesar de fazer uma série crítica de ao país, na última estrofe o eu-lírico reafirma o seu compromisso de não traição, talvez a uma alusão aos responsáveis pelas condições sócio-econômicas do país. A progressão do texto ocorre por meio de paralelismo: “Não me sortearam/não me convidaram” e na última estrofe ocorre a reativação de Brasil por meio de “grande pátria” . A expressão fônica do texto é construída com o uso da segunda pessoa do singular. Isso gera uma aliteração com o fonema “T” que ajuda na expressão sonora explosiva do texto, dando uma idéia de indignação. É forte também a presença da oralidade, principalmente por expressões como “malhada” e “tv a cores”. 5. Como vimos anteriormente, a linguagem figurada é típica das canções. Pesquise em uma gramática e procure identificar, no verso: “Brasil, mostra a tua cara” que figura de linguagem ocorre. Além de explicar o sentido que ela expressa. 6. Manipular é convencer alguém a fazer algo. Na terceira estrofe, fica claro um processo de manipulação. Em qual verso isso fica evidente? 7. O país é personificado. Quais são as características que denotam isso? 8. Observe o verso “Brasil mostra a tua cara” Reescreva-o substituindo tua por sua, faça a devida adaptação. O modo verbal usado foi o Imperativo. a. Faça uma pesquisa, registrando em que outras situações da língua escrita também se usa esse modo verbal. Além disso, destaque se em todas essas situações de uso há uma correspondência correta entre o pronome e a forma verbal. 40 No início dos anos 90, deu-se a chamada “nova MPB”, e vem acontecendo em meio a muitas críticas. Alguns afirmam que o novo ritmo é apenas mais um estilo inserido na indústria cultural, e que suas letras de musica não possuem preocupação ideológica. Por outro lado, há a questão da inovação tecnológica da música brasileira, marcada pela individualidade de cada artista. Artistas como Chico César, Lenine e Zélia Duncan, cantores que já pertenciam a MPB, optaram por renovar suas músicas a partir dos anos 90, inserindo elementos eletrônicos, como bateria eletrônica, piano elétrico e baixo eletrônico e misturando a música pop. Cássia Eller, Bebel Giberto, Marisa Monte, Maria Rita, Ana Carolina, Adriana Calcanhoto, Luciana Melo, Vanessa da Mata, Zeca Baleiro, Fernanda Porto, dentre outros, fazem parte dessa nova geração. Os denominados novos músicos da MPB são uma verdadeira junção do que há de melhor na música popular brasileira com os experimentalismos do século 21. A nova MPB surge como um pensamento diferenciado. É a mistura do novo, da tecnologia, com o que passou e ao mesmo tempo, é muito presente na nossa música, considerando e ampliando referências, mas enfrenta dificuldade para a difusão de suas músicas Outra forte tendência contemporânea são as manifestações musicais de gêneros fáceis, como axé, sertanejo, forró e funk, que são veiculados a grande mídia. São composições fáceis de serem memorizadas, de ritmo comum e com a finalidade da venda. Essas músicas tornam-se “onda” e não possuem muito tempo de vida no mercado músical. Apesar dessa “tendência consumista” há muita coisa boa por aí, basta que fiquemos de olhos e ouvidos bem abertos! 41 Gran Finale ! A essa altura nosso blog está recheado de novidades, mas isso pode ser pouco para divulgarmos nosso trabalho. Que tal uma exposição? Ou melhor, uma festa musical! Vamos organizar na escola um evento onde sejam apresentadas músicas, trajes, vídeos, fotos, e poesias que marcaram os anos 60, 70, 80 e 90! 42 Você gostou de conhecer canções de protesto e crítica social ? A lista abaixo faz um passeio pelo mundo musical dos últimos 40 anos e trás dicas preciosas! Vale a pena conferir! Pedro pedreiro – Chico Buarque (1965) Disparada – Geraldo Vandré/Théo de Barros (1966) Roda viva – Chico Buarque (1967) Pra não dizer que não falei das flores – Geraldo Vandré (1968) O pequeno burguês – Martinho da Vila (1969) Apesar de você – Chico Buarque (1970) Deus lhe pague – Chico Buarque (1971) Quando o carnaval chegar – Chico Buarque (1972) Vence na vida quem diz sim – Chico Buarque/Ruy Guerra (1972) Cálice – Gilberto Gil/Chico Buarque (1973) Viola, meu bem – Caetano Veloso (1973) Acorda, amor – Leonel Paiva/Julinho da Adelaide (1974) Milagre brasileiro – Julinho da Adelaide (1975) Vai levando – Chico Buarque (1975) Meu caro amigo – Chico Buarque (1976) O mundo é um moinho – Cartola (1976) Pivete – Chico Buarque (1978) O bêbado e a equilibrista – João Bosco/Aldir Blanc (1979) Hino de Duran – Chico Buarque (1979) Admirável gado novo – Zé Ramalho (1979) Casinha branca – Gilson/Joran (1979) Torresmo à milanesa – Adoniran Barbosa (1979) Cidadão – Lucio Barbosa (1979) Alô, alô, marciano – Rita Lee/Roberto de Carvalho (1980) Notícias do Brasil – Milton Nascimento/Fernando Brant (1981) Reunião de bacana – Ary do Cavaco/Bebeto di São João (1981) Inútil – Roger Moreira (1983) Um homem também chora – Gonzaguinha (1983) Podres poderes – Caetano Veloso (1984) Geração coca-cola – Renato Russo/Dado Villa-Lobos (1985) 43 Homem primata – Marcelo Fromer/Ciro Pessoa/Nando Reis/Sergio Brito (1986) Até quando esperar – Philippe Seabra/André X/Gutje (1986) Comida – Arnaldo Antunes/Marcelo Fromer/Sergio Britto (1987) Que país é esse – Renato Russo (1987) Mais do mesmo – Renato Russo/Dado Villa-Lobos/Renato Rocha/Marcelo Bonfá (1987) Angra dos Reis - Renato Russo/Marcelo Rocha/Marcelo Bonfá (1987) Alagados – Herbert Viana/Bi Ribeiro/João Barone (1987) Brasil – Cazuza (1988) O beco – Herbert Viana/Bi Ribeiro (1988) Ouça o que eu digo, não ouça ninguém – Humberto Gesinger (1988) Miséria – Arnaldo Antunes/Paulo Miklos/Sergio Britto (1989) Burguesia – Cazuza/George Israel/Ezequiel Neves (1989) Exército de um homem só – Gessinger/Licks (1990) Teatro dos vampiros – Renato Russo (1991) Haiti – Caetano Veloso (1993) O meu país – Livardo Alves/Orlando Tejo/Gilvan Chaves (1994) Luís Inácio (300 picaretas) – Herbert Viana (1995) Minha alma – Marcelo Yuca, O rappa (1999) Pose – Humberto Gessinger (2004) Unimultiplicidade – Ana Carolina/Tom Zé (2005) Sem medo da escuridão – Chorão (2007) DICA Lixo-bicho e Tijolo, Cimento e Caos – Dani C! (2007) (Veja você mesmo! www.youtube.co.br/danic!) 44 Considerações finais A canção é considerada como área de significativo valor para a compreensão da vida brasileira. Ela assume uma importância ainda maior se levarmos em conta a sua grande aceitação e circulação na sociedade. Nossas leituras, audições, debates, reflexões e análises tiveram a finalidade de mostrar o quanto a canção pode estar impregnada de idealismos, denúncias, críticas sociais e sentimentos. Historicamente, ela tem se constituído como terreno frutífero para a elaboração de discursos variados, em enunciados que dialogicamente constroem significados abertos ao olhar interpretativo que busca a compreensão da cultura brasileira. Para desvendarmos mecanismos de estruturação de significados das canções, exploramos o sentido que as atravessa, procurando descrever, analisar e explicar sua estrutura interna, elucidando os percursos que o sentido desenvolve. O principal objetivo desta Unidade Didática é o de ajudá-lo a tornar-se um “proprietário” competente da língua, um autônomo leitor de mundo, capaz de apreender os significados inscritos no interior de um texto e de correlacionar tais significados com os conhecimentos que circulam na sociedade em que o texto foi produzido. Espero que tenhamos alcançado nosso intuito! Um grande abraço 45 REFERÊNCIAS AGUIAR, Joaquim. A poesia da canção. Col. Margens do texto. Ed. Scipione, São Paulo, 1993. BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. 4.ed. São Paulo: Ática, 2005. BRAGA-TORRES, Ângela. Mestres da Música no Brasil. Chico Buarque. 1ª ed. SP: Ed. Moderna, 2002. FARACO & MOURA - Prá Gostar de Escrever – Editora Ática, São Paulo, 2000. FIORIN, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2008. ______, José Luiz. A noção de texto na semiótica. IN: Organon, v.9, p.163-73, 1995. MENESES, Adélia Bezerra de. Desenho Mágico - Poesia e Política em Chico Buarque. 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