ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
JBSJ
Nº 70064820806 (Nº CNJ: 0167458-13.2015.8.21.7000)
2015/CÍVEL
AÇÃO DIRETA DE INCOSTITUCIONALIDADE. LEI
ESTADUAL 14.691, DE 16 DE MARÇO DE 2015.
DISPÕE SOBRE AS CONDIÇÕES PARA O
EXERCÍCIO DO CARGO OU EMPREGO PÚBLICO
DE AGENTE DE FISCALIZAÇÃO DE TRÂNSITO. LEI
DE INICIATIVA DO LEGISLATIVO ESTADUAL.
EXISTÊNCIA DE VÍCIO FORMAL E MATERIAL.
1. Existência de vício formal na lei objurgada, de
iniciativa parlamentar estadual, pois a Assembleia
Legislativa, ao dispor sobre as condições para o
exercício do cargo ou emprego público de Agente de
Fiscalização de Trânsito, invadiu matéria de
competência reservada ao Chefe do Poder Executivo
Municipal, nos termos dos arts. 8º, caput, 60, II, alínea
‘b’, e 82, II, III e VII, da Constituição Estadual,
afrontando, ainda, o princípio da separação dos
poderes, previsto no art. 10 da Constituição Estadual.
2. Existência de inconstitucionalidade material na
normativa inquinada, uma vez que o cumprimento da
lei pelos municípios implicaria em majoração de
despesas, sem a devida previsão orçamentária, o que
é vedado constitucionalmente, consoante se
depreende dos arts. 149, I, II e III, e 154, II, da
Constituição Estadual.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
PROCEDENTE. UNÂNIME.
AÇÃO
DIRETA
INCONSTITUCIONALIDADE
DE
ÓRGÃO ESPECIAL
Nº 70064820806 (Nº CNJ: 016745813.2015.8.21.7000)
COMARCA DE PORTO ALEGRE
PROCURADOR-GERAL DE JUSTICA
PROPONENTE
GOVERNADOR DO ESTADO
REQUERIDO
ASSEMBLEIA
LEGISLATIVA
DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
REQUERIDO
PROCURADOR-GERAL DO ESTADO
INTERESSADO
1
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes do Órgão Especial
do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em julgar procedente a
Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes
Senhores DESEMBARGADORES JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO
(PRESIDENTE), NEWTON BRASIL DE LEÃO, SYLVIO BAPTISTA NETO,
FRANCISCO
JOSÉ
MOESCH,
NELSON
ANTONIO
MONTEIRO
PACHECO, LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, MANUEL JOSÉ MARTINEZ
LUCAS, SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES, AYMORÉ
ROQUE POTTES DE MELLO, MARCO AURÉLIO HEINZ, GUINTHER
SPODE, LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO, BAYARD NEY DE
FREITAS BARCELLOS, ALEXANDRE MUSSOI MOREIRA, LUIZ FELIPE
SILVEIRA DIFINI, CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO, IRIS HELENA
MEDEIROS NOGUEIRA, PAULO ROBERTO LESSA FRANZ, TASSO
CAUBI SOARES DELABARY, DENISE OLIVEIRA CEZAR, TÚLIO DE
OLIVEIRA MARTINS, ISABEL DIAS ALMEIDA, EUGÊNIO FACCHINI
NETO E CATARINA RITA KRIEGER MARTINS.
Porto Alegre, 17 de agosto de 2015.
DES. JOÃO BARCELOS DE SOUZA JÚNIOR,
Relator.
RELATÓRIO
DES. JOÃO BARCELOS DE SOUZA JÚNIOR (RELATOR)
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Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido
liminar, proposta pelo PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL, visando à declaração de inconstitucionalidade
da Lei Estadual 14.691, de 16 de março de 2015, que fixa as condições
mínimas para a atividade de Agente de Fiscalização de Trânsito no Estado
do Rio Grande do Sul, por afronta aos arts. 8º, caput, 10, 60, II, “b”, 82, II, III
e VII, 149, I, II e III e 154, II, da Constituição Estadual.
O postulante argumenta que não havia espaço para a iniciativa
do Poder Legislativo Estadual, porquanto incumbe ao Chefe do Poder
Executivo Municipal, privativamente, a iniciativa de leis que versem sobre
servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade
e aposentadorias civis, nos termos do art. 60, II, “b”, da Constituição
Estadual.
Aduz que a análise dos dispositivos da legislação objurgada
evidencia limitação indevida pelo Poder Executivo Estadual no espectro de
atuação dos Poderes Executivos Municipais com relação ao regime jurídico
de seus servidores e a organização administrativa municipal, não deixando
margem ao disciplinamento da matéria pelos Prefeitos, violando de modo
direto também o art. 82, II, III e VII, da Constituição Estadual.
Alega que a lei inquinada também desrespeita a autonomia
administrativa e financeira dos municípios do Estado do Rio Grande do Sul,
bem como afronta o princípio da harmonia e separação dos poderes,
insculpido nos arts. 8º, caput, e 10, da Constituição Estadual.
Assevera que a legislação impugnada viola, ainda, os arts.
149, I, II e III, e 154, II, da Constituição Estadual, pois seu cumprimento por
certo gerará despesas não previstas na lei de diretrizes orçamentárias e no
orçamento anual dos Municípios do Estado do Rio Grande do Sul, criando
obrigações que demandarão gastos pelas Administrações Municipais.
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Por fim, sustenta a imperatividade da suspensão, de pronto,
dos efeitos da norma vergastada, pois presentes os requisitos à concessão
da medida liminar. Relata que os reflexos negativos da lei objurgada já vêm
sendo sentidos, citando o exemplo do Município de Cachoeirinha, cuja
norma municipal regradora da matéria foi questionada junto ao Ministério
Publico em decorrência exatamente de sua inconformidade com o teor da lei
estadual (fls. 12/31). De outra banda, defende que o periculum in mora
encontra-se presente, pois a legislação em questão poderá produzir danos
irreversíveis aos municípios, que terão sua autonomia ceifada e retirandolhes a prerrogativa de deliberar sobre o regime jurídico de seus cargos e
empregos públicos.
A medida liminar foi deferida (fls. 35/37).
O Governador do Estado do Rio Grande do Sul, devidamente
notificado (fls. 38 e 43), presta suas informações, sustentando a abissal
inconstitucionalidade da lei fustigada, fundamentalmente por afronta à
autonomia municipal, já que a regulamentação da matéria é de iniciativa
privativa dos Chefes dos Poderes Executivos de cada Município e por
implicar aumento de despesas sem a competente previsão nos orçamentos
municipais. Postulou, assim, a procedência do pleito (fls. 214/219).
A Assembleia Legislativa do Estado, igualmente notificada (fls.
39 e 44), lembra a justificativa apresentada ao projeto de lei que deu origem
à norma impugnada, sustentando a completa adequação constitucional do
texto legal, regularmente aprovado pelo Parlamento. Aduz que se ofensa à
Constituição há é de natureza reflexa, não se prestando ao controle
concentrado de constitucionalidade. Pugna pela revogação da liminar e, por
fim, a improcedência do pedido (fls. 49/60 e documentos às fls. 61/206).
O Procurador-Geral do Estado, citado (fl. 46v.), apresenta a
defesa da norma, nos moldes do art. 95, parágrafo 4º, da Constituição
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Estadual, pugnando por sua manutenção no ordenamento jurídico, forte no
princípio que presume a constitucionalidade das leis (fl. 212).
O Procurador-Geral de Justiça, em sua manifestação final,
requer seja julgada integralmente procedente a ação, declarando-se a
inconstitucionalidade da Lei Estadual 14.691, de 16 de março de 2015, do
Estado do Rio Grande do Sul, por afronta aos arts. 8º, caput, 10, 60, II,
alínea ‘b’, 82, II, III e VII, 149, I, II e III, e 154, II, da Constituição Estadual.
É o relatório.
VOTOS
DES. JOÃO BARCELOS DE SOUZA JÚNIOR (RELATOR)
Eminentes Colegas.
A lei objurgada é decorrente do Projeto de Lei 209/2012, da
autoria de Deputado Estadual, e assim preconiza (fls. 14/15v.):
LEI N.º 14.691, DE 16 DE MARÇO DE 2015.
(publicada no DOAL n.º 10979, de 17 de março de 2015)
Fixa as condições mínimas para a atividade de Agente de fiscalização
de Trânsito no Estado do Rio Grande do Sul e dá outras providências.
Deputado Edson Brum, Presidente da Assembleia Legislativa do
Estado do Rio Grande do Sul.
Faço saber, em cumprimento ao disposto no § 7.º do art. 66 da
Constituição do Estado, que a Assembleia Legislativa aprovou e eu
promulgo a seguinte Lei:
Art. 1.º O exercício da profissão de Agente de Fiscalização de
Trânsito, prevista na Lei Federal n.º 9.503, de 23 de setembro de
1997, deve ser provido de condições necessárias para a execução das
suas finalidades e será disciplinado por esta Lei em todo o Estado do
Rio Grande do Sul.
Art. 2.º Considera-se Agente de Fiscalização de Trânsito, para os
efeitos desta Lei, o profissional que possua cargo ou emprego
público, a partir da prestação de concurso público, ainda que sob
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nomenclatura distinta, e que exerça a fiscalização de trânsito em
nível municipal.
Art. 3.º A profissão de que trata o art. 1.º desta Lei será exercida
exclusivamente por ocupantes de cargo público efetivo ou titulares de
emprego público permanente, nomeados ou admitidos na forma do
inciso II do art. 37 da Constituição Federal.
Art. 4.º São requisitos indispensáveis para o exercício da profissão de
Agente de Fiscalização de Trânsito:
I - ensino médio completo;
II - Carteira Nacional de Habilitação – CNH –, no mínimo, na
categoria B;
III - teste de aptidão física;
IV - curso de formação de no mínimo 200 (duzentas) horas;
V - reciclagem a cada 2 (dois) anos de, no mínimo, 100 (cem) horas
aula;
VI - teste de avaliação psicológica constatando o perfil para exercer
o cargo; e
VII - investigação social de caráter eliminatório.
Art. 5.º O Agente de Fiscalização de Trânsito será, obrigatoriamente,
submetido a treinamento profissional custeado pelo órgão ou
entidade cujo quadro de pessoal se subordine com carga horária
mínima de 200 (duzentas) horas de ensino teórico e prático.
§ 1.º Farão parte da formação teórico/prática do Agente de
Fiscalização de Trânsito:
I - noções de Direito, legislação penal e processual penal;
II - legislação de trânsito;
III - técnicas de abordagem;
IV - direção segura e em situação de emergência;
V - primeiros socorros, direitos humanos e cidadania;
VI - proteção ao meio ambiente;
VII - relacionamento interpessoal e conduta ético-profissional.
§ 2.º O curso e as disciplinas diretamente relacionados ao exercício
da profissão de Agente de Fiscalização de Trânsito deverão ser
ministrados por profissionais especializados e que possuam
experiência comprovada na área.
Art. 6.º A habilitação para o exercício da profissão de Agente de
Fiscalização de Trânsito e a respectiva cédula de identidade
funcional, válida em todo o território brasileiro, serão expedidas pelo
Departamento Estadual de Trânsito – DETRAN/RS.
Art. 7.º Constituem atribuições do Agente de Fiscalização de
Trânsito:
I - executar a fiscalização de trânsito, lavrando Auto de Infração de
Trânsito e medidas administrativas cabíveis;
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II - interromper, mediante gestos, pelo uso de instrumentos sonoros
ou por outra forma de sinalização, a movimentação de veículos que
circulem por logradouros públicos situados em sua área de atuação;
III - requisitar para verificação a CNH, o Certificado de Registro e
Licenciamento do Veículo – CRLV – e outros documentos específicos
necessários à circulação por parte de condutores, bem como
equipamentos obrigatórios do veículo;
IV - prestar orientação aos condutores de veículo automotor,
ciclistas, pedestres e comunidade;
V - efetuar diligências, blitze diurnas e noturnas;
VI - atender ocorrências de trânsito com danos materiais sem lesões
corporais, lavrando o boletim de ocorrência para os devidos fins;
VII - participar de ações coordenadas de fiscalização e educação com
outros órgãos e esferas do Poder Público;
VIII - realizar serviços internos e externos, inclusive informatizados,
relacionados com a Administração do Sistema de Trânsito e
Transportes do Município, incluindo no sistema dados estatísticos,
bem como tarefas administrativas inerentes ao cargo e/ou em salas
operacionais de trânsito prestando apoio;
IX - fiscalizar e promover a retirada de qualquer elemento que
prejudique a visibilidade ou que possa gerar transtornos à
sinalização viária, ou que venha a obstruir ou interromper a livre
circulação ou, ainda, comprometer a segurança do trânsito;
X - providenciar a sinalização de emergência e/ou medidas de
reorientação do trânsito em casos de acidentes, alagamentos, panes
semafóricas e modificações temporárias da circulação;
XI - auxiliar, através de apoio operacional e fiscalização, a
realização de eventos em vias públicas por parte da comunidade,
órgãos públicos e outros, mediante solicitação e autorização prévias
das Secretarias Municipais de Trânsito ou órgão equivalente;
XII - trabalhar em Equipe de Educação para o Trânsito, na
realização de palestras e atividades educativas em escolas, empresas
ou demais entidades da comunidade;
XIII - apoiar a Brigada Militar e o Serviço de Atendimento Médico de
Urgência – SAMU – nos acidentes de trânsito com vítimas;
XIV - conduzir viaturas caracterizadas e, obrigatoriamente, possuir
curso de condução de veículos de emergência conferido por empresas
especializadas; e XV - sugerir, junto às coordenações, alterações
viárias bem como sinalizações.
Art. 8.º Os atos praticados pelos Agentes de Fiscalização de Trânsito
no exercício das competências de que trata o art. 7.º desta Lei
revestem-se de fé pública e gozam de presunção de legitimidade.
Art. 9.º São direitos dos Agentes de Fiscalização de Trânsito:
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I - jornada de trabalho de 6 (seis) horas em turnos ininterruptos de
revezamento para melhor atender a comunidade, assim como
promover atendimento 24 (vinte e quatro) horas por dia;
II - vencimento básico mensal do cargo fixado de forma proporcional
ao vencimento do Secretário Municipal a quem estejam vinculados;
III - Adicional de Risco de Vida no percentual de 100% (cem por
cento) sob o vencimento básico;
IV - Adicional de Insalubridade em grau médio sob vencimento
básico;
V - recebimento do uniforme privativo, dos instrumentos e dos
equipamentos de proteção individual – EPIs – indispensáveis ao
exercício de suas atribuições, sem ônus para o servidor, a cada 6
(seis) meses, inclusive equipamentos para a própria defesa e não
letais;
VI - autonomia no exercício das competências referidas no art. 7.º
desta Lei;
VII - assistência médica, psicológica e jurídica aos Agentes de
Fiscalização de Trânsito em suas atividades sem qualquer ônus a
estes;
VIII - aposentadoria especial.
Parágrafo único. O Adicional de Insalubridade decorre de apoio em
atendimento prestado pelo SAMU, ruídos e clima, independentemente
do Adicional de Risco de Vida.
Art. 10. Os municípios poderão criar planos de carreira para os
Agentes de Fiscalização de Trânsito, respeitando as peculiaridades
do cargo.
Art. 11. Os municípios poderão criar Adicional de Incentivo ao
Agente de Fiscalização de Trânsito Condutor de Viaturas – AICV –,
que será de 50% (cinquenta por cento) do vencimento básico do
servidor.
Parágrafo único. Farão jus ao AICV os Agentes de Fiscalização de
Trânsito no exercício regular da função que conduzam os veículos
destinados à fiscalização de trânsito.
Art. 12. Os Agentes de Fiscalização de Trânsito considerados aptos
em exame psicológico específico e aprovados em curso específico
poderão atuar na Fiscalização de Trânsito.
Art. 13. É vedado aos Agentes de Fiscalização de Trânsito:
I - valer-se de sua competência como instrumento de perseguição,
abuso de autoridade, coação ou ameaça a condutores de veículos;
II - portar-se de maneira inadequada, desrespeitosa ou não
condizente com as condutas sociais;
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III - deixar de cumprir as determinações operacionais das chefias
e/ou coordenações, colocando em risco a circulação de veículos e
pedestres; e
IV - deixar de utilizar os equipamentos obrigatórios de proteção
fornecidos pelo órgão competente.
Art. 14. O Agente de Fiscalização de Trânsito submeter-se-á ao
regime disciplinar previsto no regime único dos servidores civis do
município ao qual esteja vinculado.
Art. 15. Os municípios que assumirem a gestão do trânsito na cidade
poderão instituir Coordenadorias de Educação de Trânsito, a cargo
de agentes especialmente preparados para a função.
Art. 16. Os municípios poderão criar Adicional de Incentivo para
Educação de Trânsito – AIET –, que será de 50% (cinquenta por
cento) do vencimento básico do servidor.
Parágrafo único. Farão jus ao AIET os Agentes de Fiscalização de
Trânsito no exercício regular que desempenharem sua função nas
equipes de Educação para o Trânsito.
Art. 17. Os municípios com gestão do trânsito terão o prazo de 180
(cento e oitenta) dias, a partir da publicação da presente Lei, para
adequarem-se às suas regras gerais.
Art. 18. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Assembleia Legislativa do Estado, em Porto Alegre, 16 de março de
2015.
Verifica-se que a lei em questão tem por finalidade dispor
sobre as condições para o exercício do cargo ou emprego público de Agente
de Fiscalização de Trânsito, consoante disposto no art. 2º.
E depreende-se da leitura dos demais dispositivos que os
regramentos são bastante específicos, como no art. 3º, no sentido de que
apenas ocupantes de provimento efetivo e de empregos públicos
permanentes possam atuar como Agentes de Fiscalização de Trânsito; no
art. 4º, estabelecendo requisitos indispensáveis para o exercício do cargo ou
emprego; no art. 12, preconizando os exames necessários para o exercício;
no art. 5º, assentando a obrigatoriedade de submissão do ocupante do cargo
ou emprego a treinamento profissional, já determinando os conteúdos a
serem abordados, a qualificação dos ministrantes e a carga horária; no art.
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6º, o qual prevê que a cédula de identidade funcional será expedida pelo
Departamento Estadual de Trânsito; nos arts. 7º e 15, que especificam as
atribuições do cargo ou emprego público; no art. 8º, ao conferir fé pública e
presunção de legitimidade aos atos praticados pelos Agentes de
Fiscalização de Trânsito; nos arts. 9º, 10, 11 e 16, regrando jornada de
trabalho, remuneração, uniformes, assistência médica, etc; no art. 13, que
prevê vedações; no art. 14, que sujeita os Agentes de Fiscalização de
Trânsito ao regime disciplinar dos servidores do respectivo município; no art.
17, estabelecendo que os municípios terão 180 (cento e oitenta) dias, a
partir da publicação da lei, para se adequar as normativas.
Ocorre que o disciplinamento dos servidores municipais
(regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade, etc) e a organização
administrativa municipal são matérias de competência privativa dos Chefes
dos Poderes Executivos Municipais, nos termos dos arts. 60, II, ‘b’, e art. 82,
II, III e VII, aplicáveis aos municípios por força do art. 8º, caput, todos da
Constituição Estadual, in verbis:
Art. 8º O Município, dotado de autonomia política,
administrativa e financeira, reger-se-á por lei orgânica e pela
legislação que adotar, observados os princípios estabelecidos
na Constituição Federal e nesta Constituição.
Art. 60 – São de iniciativa privativa do Governador do Estado
as leis que:
(...);
II – disponham sobre:
(...)
b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico,
provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria civis, e
reforma ou transferência de militares para a inatividade;
(...)
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Art. 82. Compete ao Governador, privativamente:
(...)
II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção
da administração estadual;
III – iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos
previstos nesta Constituição;
(...)
VII - dispor sobre a organização e o funcionamento da
administração estadual;
(...)
Portanto, não poderia o Poder Legislativo Estadual ter tomado
a iniciativa em projeto de lei dispondo acerca da matéria em tela.
Decorrência disso é que a legislação inquinada implica em clara invasão à
competência privativa dos Chefes dos Poderes Executivos Municipais,
apresentando vício de iniciativa.
Além disso, o cumprimento da lei pelos municípios implicaria
em majoração de despesas, tudo sem a devida previsão orçamentária.
Por conseguinte, verifica-se igualmente a existência de
inconstitucionalidade material na normativa inquinada, porquanto criaria
novas
despesas
sem
suporte
orçamentário,
o
que
é
vedado
constitucionalmente, consoante se depreende dos arts. 149, I, II e III, e 154,
II, da Constituição Estadual, in verbis:
Art. 149. A receita e a despesa públicas obedecerão às
seguintes leis, de iniciativa do Poder Executivo: (Vide Lei
Complementar n.º 10.336/94)
I - do plano plurianual;
II - de diretrizes orçamentárias;
III - dos orçamentos anuais.
Art. 154. São vedados:
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(...)
II – a realização de despesas ou assunção de obrigações
diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais;
(...)
Outrossim, há ingerência do Poder Legislativo Estadual em
matéria de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo Municipal,
violando, ainda, o princípio constitucional da independência e harmonia dos
Poderes, previsto no art. 10 da Constituição Estadual.
O ilustre Procurador-Geral de Justiça, em exercício, Dr. Paulo
Emílio J. Barbosa, em sua manifestação final, bem equacionou essas
questões, a quem peço vênia para reproduzir como razões de decidir (fls.
221/224v.):
(...)
2. Em que pesem os louváveis argumentos
colacionados pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio
Grande do Sul e pela Procuradoria-Geral do Estado,
merece integral acolhimento a pretensão deduzida na
petição inicial, reiterando-se, nesse passo, todos os
fundamentos lá explicitados.
A lei estadual em apreciação teve origem no
Projeto de Lei n.º 209/2012, de autoria do Deputado
Estadual Miki Breier, tendo por escopo fixar condições
mínimas para a atividade de Agentes de Fiscalização de
Trânsito, considerando a necessidade de regulamentação
do exercício desta profissão (Agente de Fiscalização de
Trânsito ou Agente da Autoridade de Trânsito) que foi
criada pela lei n.º 9.503, de 23 de setembro de 1997,
repassando aos municípios a responsabilidade da
engenharia, educação e fiscalização do trânsito (fls.
09/10v.).
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De plano, importante assinalar que cabe à
União, privativamente, legislar sobre as condições para o
exercício de profissões, nos termos do artigo 22, inciso XVI,
da Constituição Federal. Como corolário, falta ao
legislador estadual e municipal competência para a
iniciativa de leis que versem sobre a matéria, como já
assentado pela Corte de Justiça desse Estado.
No caso em testilha, todavia, embora a lei
estadual editada faça referência ao exercício da profissão
de Agente de Fiscalização de Trânsito, verifica-se que a
norma, na verdade, não tem por fim disciplinar as
condições para o exercício de uma profissão específica,
mas, isto sim, dispor sobre as condições para o exercício do
cargo ou emprego público de Agente de Fiscalização de
Trânsito, como deflui da leitura do artigo 2º da norma em
comento.
Logo, sob este prisma foi apreciada a Lei
Estadual n.º 14.691/2015, considerando que seu objeto é
disciplinar o regime jurídico e exercício de cargos ou
empregos públicos municipais de Agente de Fiscalização de
Trânsito no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, o que,
salvo melhor juízo, não ofende o artigo 22, inciso XVI, da
Constituição Federal.
Nada obstante, a análise dos dispositivos
inseridos na norma estadual, em que pesem as louváveis
intenções do ilustre Deputado proponente e dos demais
Parlamentares que aprovaram o projeto de lei apresentado,
evidencia que a Assembleia Legislativa do Estado do Rio
Grande do Sul, ao editar a Lei Estadual n.º 14.691/2015,
invadiu competência privativa dos Chefes dos Poderes
Executivos dos Municípios do Estado do Rio Grande do
Sul, dispondo sobre matéria nitidamente administrativa,
cuja deliberação era de competência da Administração
Municipal.
No caso, não havia espaço para a iniciativa
do Poder Legislativo Estadual, porquanto, na melhor
exegese do artigo 60, inciso II, alínea “b”, da Constituição
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Estadual, aplicável, aos municípios, por força do disposto
no artigo 8º, caput, da Carta referida, incumbe ao Chefe do
Poder Executivo Municipal, privativamente, a iniciativa de
leis que versem sobre servidores públicos, seu regime
jurídico, provimento de cargos, estabilidade e
aposentadoria de civis.
Trata-se, pois, de iniciativa reservada aos
Prefeitos Municipais, não podendo a Assembleia
Legislativa tomar a iniciativa de projetos que visem dispor
sobre essa matéria, sob pena de, em caso de usurpação da
iniciativa, eivar de inconstitucionalidade o texto legal daí
decorrente.
Destaque-se que, mesmo que se tratasse de
lei meramente autorizativa, o que a lei impugnada não é, a
análise dos seus dispositivos deixa evidente que houve
limitação indevida pelo Poder Legislativo Estadual ao
espectro de atuação dos Poderes Executivos Municipais
com relação ao regime jurídico de seus servidores e à
organização administrativa municipal, não deixando
margem ao disciplinamento da matéria pelos Prefeitos, com
clara invasão de competência em matéria reservada ao
Chefe do Executivo Municipal, violando, de modo direto,
também, o disposto no artigo 82, incisos II, III e VII, da
Constituição Estadual, aplicável, aos municípios, em
simetria, por força do artigo 8º, caput, da Carta do Estado.
Importante realçar que a norma estadual em
apreço foi bastante específica, determinando que, apenas,
ocupantes de cargos de provimento efetivo e de empregos
públicos permanentes possam atuar como Agentes de
Fiscalização de Trânsito (artigo 3º), estabelecendo os
requisitos indispensáveis para o exercício do cargo ou
emprego (artigo 4º) e os exames necessários para seu
exercício (artigo 12), assentou a obrigatoriedade de
submissão do ocupante do cargo ou emprego a treinamento
profissional teórico e prático, determinando, desde logo,
inclusive, os conteúdos a serem abordados, a qualificação
de quem deverá ministrá-los e a carga horária mínima do
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curso (artigo 5º), previu que a cédula de identidade
funcional será expedida pelo Departamento Estadual de
Trânsito (artigo 6º) e destacou, especificadamente, as
atribuições do cargo ou emprego público correspondente
(artigos 7º e 15), conferindo fé pública e presunção de
legitimidade aos atos praticados pelos Agentes de
Fiscalização de Trânsito (artigo 8º).
Além disso, a lei estadual regrou os direitos
(artigos 9º, 10, 11 e 16 - jornada de trabalho, composição
de sua remuneração e acréscimos pecuniários, recebimento
de uniforme, assistência médica, psicológica, etc.) e
vedações dos Agentes de Fiscalização de Trânsito (artigo
13), sujeitando-os ao regime disciplinar dos servidores do
respectivo município (artigo 14).
Por fim, fixou, ainda, o prazo de 180 dias, a
partir da publicação da lei, para que os entes municipais se
adequassem às regras gerais nela fixadas.
Assim
sendo,
evidente
a
inconstitucionalidade da norma impugnada, visto que
afronta, diretamente, o disposto nos artigos 8º, caput, 60,
inciso II, alínea “b”, e 82, incisos II, III e VII, da
Constituição Estadual.
Mais do que isto, a lei objurgada positiva
flagrante desrespeito à autonomia administrativa e
financeira dos municípios do Estado do Rio Grande do Sul
e ao princípio da harmonia e independência entre os
poderes, insculpidos nos artigos 8º, caput, e 10 da
Constituição
Estadual,
pois
disciplina
matéria
administrativa pertinente, privativamente, aos municípios e
cuja iniciativa legislativa está reservada ao Chefe do Poder
Executivo Municipal.
Além disso, a lei impugnada enseja, também,
violação ao disposto nos artigos 149, incisos I, II e III, e
154, inciso II1, da Carta Estadual, pois seu cumprimento,
por certo, gerará despesas não previstas na lei de diretrizes
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orçamentárias ou e no orçamento anual dos Municípios do
Estado do Rio Grande do Sul, criando obrigações que, para
seu atendimento, demandarão maiores gastos pelas
Administrações Municipais.
Por tudo isso, clara a mácula de
inconstitucionalidade da Lei Estadual n.º 14.691/2015, do
Estado do Rio Grande do Sul, por afronta aos artigos 8º,
caput, 10, 60, inciso II, alínea “b”, 82, incisos II, III e VII,
149, incisos I, II e III, e 154, inciso II, da Constituição
Estadual.
3. Pelo exposto, requer o PROCURADORGERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE
DO SUL que seja julgada integralmente procedente a ação,
declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Estadual n.º
14.691, de 16 de março de 2015, do Estado do Rio Grande
do Sul, por afronta aos artigos 8º, caput, 10, 60, inciso II,
alínea “b”, 82, incisos II, III e VII, 149, incisos I, II e III, e
154, inciso II, da Constituição Estadual. – grifos no original
ANTE
O
EXPOSTO,
voto
no
sentido
de
JULGAR
PROCEDENTE a ação direta de inconstitucionalidade para que seja retirada
do ordenamento jurídico a Lei Estadual 14.691, de 16 de março de 2015, do
Estado do Rio Grande do Sul.
É o voto.
DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (REVISOR) - De acordo com o
Relator.
TODOS OS DEMAIS DESEMBARGADORES VOTARAM DE ACORDO
COM O RELATOR.
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DES. JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO - Presidente - Ação Direta
de Inconstitucionalidade nº 70064820806, Comarca de Porto Alegre: "À
UNANIMIDADE,
JULGARAM PROCEDENTE
A
AÇÃO
DIRETA
DE
INCONSTITUCIONALIDADE."
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Voto/acórdão da ADIN