ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA JBSJ Nº 70064820806 (Nº CNJ: 0167458-13.2015.8.21.7000) 2015/CÍVEL AÇÃO DIRETA DE INCOSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL 14.691, DE 16 DE MARÇO DE 2015. DISPÕE SOBRE AS CONDIÇÕES PARA O EXERCÍCIO DO CARGO OU EMPREGO PÚBLICO DE AGENTE DE FISCALIZAÇÃO DE TRÂNSITO. LEI DE INICIATIVA DO LEGISLATIVO ESTADUAL. EXISTÊNCIA DE VÍCIO FORMAL E MATERIAL. 1. Existência de vício formal na lei objurgada, de iniciativa parlamentar estadual, pois a Assembleia Legislativa, ao dispor sobre as condições para o exercício do cargo ou emprego público de Agente de Fiscalização de Trânsito, invadiu matéria de competência reservada ao Chefe do Poder Executivo Municipal, nos termos dos arts. 8º, caput, 60, II, alínea ‘b’, e 82, II, III e VII, da Constituição Estadual, afrontando, ainda, o princípio da separação dos poderes, previsto no art. 10 da Constituição Estadual. 2. Existência de inconstitucionalidade material na normativa inquinada, uma vez que o cumprimento da lei pelos municípios implicaria em majoração de despesas, sem a devida previsão orçamentária, o que é vedado constitucionalmente, consoante se depreende dos arts. 149, I, II e III, e 154, II, da Constituição Estadual. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE. UNÂNIME. AÇÃO DIRETA INCONSTITUCIONALIDADE DE ÓRGÃO ESPECIAL Nº 70064820806 (Nº CNJ: 016745813.2015.8.21.7000) COMARCA DE PORTO ALEGRE PROCURADOR-GERAL DE JUSTICA PROPONENTE GOVERNADOR DO ESTADO REQUERIDO ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL REQUERIDO PROCURADOR-GERAL DO ESTADO INTERESSADO 1 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA JBSJ Nº 70064820806 (Nº CNJ: 0167458-13.2015.8.21.7000) 2015/CÍVEL ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em julgar procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade. Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DESEMBARGADORES JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO (PRESIDENTE), NEWTON BRASIL DE LEÃO, SYLVIO BAPTISTA NETO, FRANCISCO JOSÉ MOESCH, NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO, LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, MANUEL JOSÉ MARTINEZ LUCAS, SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES, AYMORÉ ROQUE POTTES DE MELLO, MARCO AURÉLIO HEINZ, GUINTHER SPODE, LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO, BAYARD NEY DE FREITAS BARCELLOS, ALEXANDRE MUSSOI MOREIRA, LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI, CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO, IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA, PAULO ROBERTO LESSA FRANZ, TASSO CAUBI SOARES DELABARY, DENISE OLIVEIRA CEZAR, TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS, ISABEL DIAS ALMEIDA, EUGÊNIO FACCHINI NETO E CATARINA RITA KRIEGER MARTINS. Porto Alegre, 17 de agosto de 2015. DES. JOÃO BARCELOS DE SOUZA JÚNIOR, Relator. RELATÓRIO DES. JOÃO BARCELOS DE SOUZA JÚNIOR (RELATOR) 2 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA JBSJ Nº 70064820806 (Nº CNJ: 0167458-13.2015.8.21.7000) 2015/CÍVEL Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido liminar, proposta pelo PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, visando à declaração de inconstitucionalidade da Lei Estadual 14.691, de 16 de março de 2015, que fixa as condições mínimas para a atividade de Agente de Fiscalização de Trânsito no Estado do Rio Grande do Sul, por afronta aos arts. 8º, caput, 10, 60, II, “b”, 82, II, III e VII, 149, I, II e III e 154, II, da Constituição Estadual. O postulante argumenta que não havia espaço para a iniciativa do Poder Legislativo Estadual, porquanto incumbe ao Chefe do Poder Executivo Municipal, privativamente, a iniciativa de leis que versem sobre servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadorias civis, nos termos do art. 60, II, “b”, da Constituição Estadual. Aduz que a análise dos dispositivos da legislação objurgada evidencia limitação indevida pelo Poder Executivo Estadual no espectro de atuação dos Poderes Executivos Municipais com relação ao regime jurídico de seus servidores e a organização administrativa municipal, não deixando margem ao disciplinamento da matéria pelos Prefeitos, violando de modo direto também o art. 82, II, III e VII, da Constituição Estadual. Alega que a lei inquinada também desrespeita a autonomia administrativa e financeira dos municípios do Estado do Rio Grande do Sul, bem como afronta o princípio da harmonia e separação dos poderes, insculpido nos arts. 8º, caput, e 10, da Constituição Estadual. Assevera que a legislação impugnada viola, ainda, os arts. 149, I, II e III, e 154, II, da Constituição Estadual, pois seu cumprimento por certo gerará despesas não previstas na lei de diretrizes orçamentárias e no orçamento anual dos Municípios do Estado do Rio Grande do Sul, criando obrigações que demandarão gastos pelas Administrações Municipais. 3 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA JBSJ Nº 70064820806 (Nº CNJ: 0167458-13.2015.8.21.7000) 2015/CÍVEL Por fim, sustenta a imperatividade da suspensão, de pronto, dos efeitos da norma vergastada, pois presentes os requisitos à concessão da medida liminar. Relata que os reflexos negativos da lei objurgada já vêm sendo sentidos, citando o exemplo do Município de Cachoeirinha, cuja norma municipal regradora da matéria foi questionada junto ao Ministério Publico em decorrência exatamente de sua inconformidade com o teor da lei estadual (fls. 12/31). De outra banda, defende que o periculum in mora encontra-se presente, pois a legislação em questão poderá produzir danos irreversíveis aos municípios, que terão sua autonomia ceifada e retirandolhes a prerrogativa de deliberar sobre o regime jurídico de seus cargos e empregos públicos. A medida liminar foi deferida (fls. 35/37). O Governador do Estado do Rio Grande do Sul, devidamente notificado (fls. 38 e 43), presta suas informações, sustentando a abissal inconstitucionalidade da lei fustigada, fundamentalmente por afronta à autonomia municipal, já que a regulamentação da matéria é de iniciativa privativa dos Chefes dos Poderes Executivos de cada Município e por implicar aumento de despesas sem a competente previsão nos orçamentos municipais. Postulou, assim, a procedência do pleito (fls. 214/219). A Assembleia Legislativa do Estado, igualmente notificada (fls. 39 e 44), lembra a justificativa apresentada ao projeto de lei que deu origem à norma impugnada, sustentando a completa adequação constitucional do texto legal, regularmente aprovado pelo Parlamento. Aduz que se ofensa à Constituição há é de natureza reflexa, não se prestando ao controle concentrado de constitucionalidade. Pugna pela revogação da liminar e, por fim, a improcedência do pedido (fls. 49/60 e documentos às fls. 61/206). O Procurador-Geral do Estado, citado (fl. 46v.), apresenta a defesa da norma, nos moldes do art. 95, parágrafo 4º, da Constituição 4 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA JBSJ Nº 70064820806 (Nº CNJ: 0167458-13.2015.8.21.7000) 2015/CÍVEL Estadual, pugnando por sua manutenção no ordenamento jurídico, forte no princípio que presume a constitucionalidade das leis (fl. 212). O Procurador-Geral de Justiça, em sua manifestação final, requer seja julgada integralmente procedente a ação, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Estadual 14.691, de 16 de março de 2015, do Estado do Rio Grande do Sul, por afronta aos arts. 8º, caput, 10, 60, II, alínea ‘b’, 82, II, III e VII, 149, I, II e III, e 154, II, da Constituição Estadual. É o relatório. VOTOS DES. JOÃO BARCELOS DE SOUZA JÚNIOR (RELATOR) Eminentes Colegas. A lei objurgada é decorrente do Projeto de Lei 209/2012, da autoria de Deputado Estadual, e assim preconiza (fls. 14/15v.): LEI N.º 14.691, DE 16 DE MARÇO DE 2015. (publicada no DOAL n.º 10979, de 17 de março de 2015) Fixa as condições mínimas para a atividade de Agente de fiscalização de Trânsito no Estado do Rio Grande do Sul e dá outras providências. Deputado Edson Brum, Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. Faço saber, em cumprimento ao disposto no § 7.º do art. 66 da Constituição do Estado, que a Assembleia Legislativa aprovou e eu promulgo a seguinte Lei: Art. 1.º O exercício da profissão de Agente de Fiscalização de Trânsito, prevista na Lei Federal n.º 9.503, de 23 de setembro de 1997, deve ser provido de condições necessárias para a execução das suas finalidades e será disciplinado por esta Lei em todo o Estado do Rio Grande do Sul. Art. 2.º Considera-se Agente de Fiscalização de Trânsito, para os efeitos desta Lei, o profissional que possua cargo ou emprego público, a partir da prestação de concurso público, ainda que sob 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA JBSJ Nº 70064820806 (Nº CNJ: 0167458-13.2015.8.21.7000) 2015/CÍVEL nomenclatura distinta, e que exerça a fiscalização de trânsito em nível municipal. Art. 3.º A profissão de que trata o art. 1.º desta Lei será exercida exclusivamente por ocupantes de cargo público efetivo ou titulares de emprego público permanente, nomeados ou admitidos na forma do inciso II do art. 37 da Constituição Federal. Art. 4.º São requisitos indispensáveis para o exercício da profissão de Agente de Fiscalização de Trânsito: I - ensino médio completo; II - Carteira Nacional de Habilitação – CNH –, no mínimo, na categoria B; III - teste de aptidão física; IV - curso de formação de no mínimo 200 (duzentas) horas; V - reciclagem a cada 2 (dois) anos de, no mínimo, 100 (cem) horas aula; VI - teste de avaliação psicológica constatando o perfil para exercer o cargo; e VII - investigação social de caráter eliminatório. Art. 5.º O Agente de Fiscalização de Trânsito será, obrigatoriamente, submetido a treinamento profissional custeado pelo órgão ou entidade cujo quadro de pessoal se subordine com carga horária mínima de 200 (duzentas) horas de ensino teórico e prático. § 1.º Farão parte da formação teórico/prática do Agente de Fiscalização de Trânsito: I - noções de Direito, legislação penal e processual penal; II - legislação de trânsito; III - técnicas de abordagem; IV - direção segura e em situação de emergência; V - primeiros socorros, direitos humanos e cidadania; VI - proteção ao meio ambiente; VII - relacionamento interpessoal e conduta ético-profissional. § 2.º O curso e as disciplinas diretamente relacionados ao exercício da profissão de Agente de Fiscalização de Trânsito deverão ser ministrados por profissionais especializados e que possuam experiência comprovada na área. Art. 6.º A habilitação para o exercício da profissão de Agente de Fiscalização de Trânsito e a respectiva cédula de identidade funcional, válida em todo o território brasileiro, serão expedidas pelo Departamento Estadual de Trânsito – DETRAN/RS. Art. 7.º Constituem atribuições do Agente de Fiscalização de Trânsito: I - executar a fiscalização de trânsito, lavrando Auto de Infração de Trânsito e medidas administrativas cabíveis; 6 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA JBSJ Nº 70064820806 (Nº CNJ: 0167458-13.2015.8.21.7000) 2015/CÍVEL II - interromper, mediante gestos, pelo uso de instrumentos sonoros ou por outra forma de sinalização, a movimentação de veículos que circulem por logradouros públicos situados em sua área de atuação; III - requisitar para verificação a CNH, o Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo – CRLV – e outros documentos específicos necessários à circulação por parte de condutores, bem como equipamentos obrigatórios do veículo; IV - prestar orientação aos condutores de veículo automotor, ciclistas, pedestres e comunidade; V - efetuar diligências, blitze diurnas e noturnas; VI - atender ocorrências de trânsito com danos materiais sem lesões corporais, lavrando o boletim de ocorrência para os devidos fins; VII - participar de ações coordenadas de fiscalização e educação com outros órgãos e esferas do Poder Público; VIII - realizar serviços internos e externos, inclusive informatizados, relacionados com a Administração do Sistema de Trânsito e Transportes do Município, incluindo no sistema dados estatísticos, bem como tarefas administrativas inerentes ao cargo e/ou em salas operacionais de trânsito prestando apoio; IX - fiscalizar e promover a retirada de qualquer elemento que prejudique a visibilidade ou que possa gerar transtornos à sinalização viária, ou que venha a obstruir ou interromper a livre circulação ou, ainda, comprometer a segurança do trânsito; X - providenciar a sinalização de emergência e/ou medidas de reorientação do trânsito em casos de acidentes, alagamentos, panes semafóricas e modificações temporárias da circulação; XI - auxiliar, através de apoio operacional e fiscalização, a realização de eventos em vias públicas por parte da comunidade, órgãos públicos e outros, mediante solicitação e autorização prévias das Secretarias Municipais de Trânsito ou órgão equivalente; XII - trabalhar em Equipe de Educação para o Trânsito, na realização de palestras e atividades educativas em escolas, empresas ou demais entidades da comunidade; XIII - apoiar a Brigada Militar e o Serviço de Atendimento Médico de Urgência – SAMU – nos acidentes de trânsito com vítimas; XIV - conduzir viaturas caracterizadas e, obrigatoriamente, possuir curso de condução de veículos de emergência conferido por empresas especializadas; e XV - sugerir, junto às coordenações, alterações viárias bem como sinalizações. Art. 8.º Os atos praticados pelos Agentes de Fiscalização de Trânsito no exercício das competências de que trata o art. 7.º desta Lei revestem-se de fé pública e gozam de presunção de legitimidade. Art. 9.º São direitos dos Agentes de Fiscalização de Trânsito: 7 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA JBSJ Nº 70064820806 (Nº CNJ: 0167458-13.2015.8.21.7000) 2015/CÍVEL I - jornada de trabalho de 6 (seis) horas em turnos ininterruptos de revezamento para melhor atender a comunidade, assim como promover atendimento 24 (vinte e quatro) horas por dia; II - vencimento básico mensal do cargo fixado de forma proporcional ao vencimento do Secretário Municipal a quem estejam vinculados; III - Adicional de Risco de Vida no percentual de 100% (cem por cento) sob o vencimento básico; IV - Adicional de Insalubridade em grau médio sob vencimento básico; V - recebimento do uniforme privativo, dos instrumentos e dos equipamentos de proteção individual – EPIs – indispensáveis ao exercício de suas atribuições, sem ônus para o servidor, a cada 6 (seis) meses, inclusive equipamentos para a própria defesa e não letais; VI - autonomia no exercício das competências referidas no art. 7.º desta Lei; VII - assistência médica, psicológica e jurídica aos Agentes de Fiscalização de Trânsito em suas atividades sem qualquer ônus a estes; VIII - aposentadoria especial. Parágrafo único. O Adicional de Insalubridade decorre de apoio em atendimento prestado pelo SAMU, ruídos e clima, independentemente do Adicional de Risco de Vida. Art. 10. Os municípios poderão criar planos de carreira para os Agentes de Fiscalização de Trânsito, respeitando as peculiaridades do cargo. Art. 11. Os municípios poderão criar Adicional de Incentivo ao Agente de Fiscalização de Trânsito Condutor de Viaturas – AICV –, que será de 50% (cinquenta por cento) do vencimento básico do servidor. Parágrafo único. Farão jus ao AICV os Agentes de Fiscalização de Trânsito no exercício regular da função que conduzam os veículos destinados à fiscalização de trânsito. Art. 12. Os Agentes de Fiscalização de Trânsito considerados aptos em exame psicológico específico e aprovados em curso específico poderão atuar na Fiscalização de Trânsito. Art. 13. É vedado aos Agentes de Fiscalização de Trânsito: I - valer-se de sua competência como instrumento de perseguição, abuso de autoridade, coação ou ameaça a condutores de veículos; II - portar-se de maneira inadequada, desrespeitosa ou não condizente com as condutas sociais; 8 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA JBSJ Nº 70064820806 (Nº CNJ: 0167458-13.2015.8.21.7000) 2015/CÍVEL III - deixar de cumprir as determinações operacionais das chefias e/ou coordenações, colocando em risco a circulação de veículos e pedestres; e IV - deixar de utilizar os equipamentos obrigatórios de proteção fornecidos pelo órgão competente. Art. 14. O Agente de Fiscalização de Trânsito submeter-se-á ao regime disciplinar previsto no regime único dos servidores civis do município ao qual esteja vinculado. Art. 15. Os municípios que assumirem a gestão do trânsito na cidade poderão instituir Coordenadorias de Educação de Trânsito, a cargo de agentes especialmente preparados para a função. Art. 16. Os municípios poderão criar Adicional de Incentivo para Educação de Trânsito – AIET –, que será de 50% (cinquenta por cento) do vencimento básico do servidor. Parágrafo único. Farão jus ao AIET os Agentes de Fiscalização de Trânsito no exercício regular que desempenharem sua função nas equipes de Educação para o Trânsito. Art. 17. Os municípios com gestão do trânsito terão o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a partir da publicação da presente Lei, para adequarem-se às suas regras gerais. Art. 18. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Assembleia Legislativa do Estado, em Porto Alegre, 16 de março de 2015. Verifica-se que a lei em questão tem por finalidade dispor sobre as condições para o exercício do cargo ou emprego público de Agente de Fiscalização de Trânsito, consoante disposto no art. 2º. E depreende-se da leitura dos demais dispositivos que os regramentos são bastante específicos, como no art. 3º, no sentido de que apenas ocupantes de provimento efetivo e de empregos públicos permanentes possam atuar como Agentes de Fiscalização de Trânsito; no art. 4º, estabelecendo requisitos indispensáveis para o exercício do cargo ou emprego; no art. 12, preconizando os exames necessários para o exercício; no art. 5º, assentando a obrigatoriedade de submissão do ocupante do cargo ou emprego a treinamento profissional, já determinando os conteúdos a serem abordados, a qualificação dos ministrantes e a carga horária; no art. 9 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA JBSJ Nº 70064820806 (Nº CNJ: 0167458-13.2015.8.21.7000) 2015/CÍVEL 6º, o qual prevê que a cédula de identidade funcional será expedida pelo Departamento Estadual de Trânsito; nos arts. 7º e 15, que especificam as atribuições do cargo ou emprego público; no art. 8º, ao conferir fé pública e presunção de legitimidade aos atos praticados pelos Agentes de Fiscalização de Trânsito; nos arts. 9º, 10, 11 e 16, regrando jornada de trabalho, remuneração, uniformes, assistência médica, etc; no art. 13, que prevê vedações; no art. 14, que sujeita os Agentes de Fiscalização de Trânsito ao regime disciplinar dos servidores do respectivo município; no art. 17, estabelecendo que os municípios terão 180 (cento e oitenta) dias, a partir da publicação da lei, para se adequar as normativas. Ocorre que o disciplinamento dos servidores municipais (regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade, etc) e a organização administrativa municipal são matérias de competência privativa dos Chefes dos Poderes Executivos Municipais, nos termos dos arts. 60, II, ‘b’, e art. 82, II, III e VII, aplicáveis aos municípios por força do art. 8º, caput, todos da Constituição Estadual, in verbis: Art. 8º O Município, dotado de autonomia política, administrativa e financeira, reger-se-á por lei orgânica e pela legislação que adotar, observados os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição. Art. 60 – São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que: (...); II – disponham sobre: (...) b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade; (...) 10 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA JBSJ Nº 70064820806 (Nº CNJ: 0167458-13.2015.8.21.7000) 2015/CÍVEL Art. 82. Compete ao Governador, privativamente: (...) II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção da administração estadual; III – iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição; (...) VII - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual; (...) Portanto, não poderia o Poder Legislativo Estadual ter tomado a iniciativa em projeto de lei dispondo acerca da matéria em tela. Decorrência disso é que a legislação inquinada implica em clara invasão à competência privativa dos Chefes dos Poderes Executivos Municipais, apresentando vício de iniciativa. Além disso, o cumprimento da lei pelos municípios implicaria em majoração de despesas, tudo sem a devida previsão orçamentária. Por conseguinte, verifica-se igualmente a existência de inconstitucionalidade material na normativa inquinada, porquanto criaria novas despesas sem suporte orçamentário, o que é vedado constitucionalmente, consoante se depreende dos arts. 149, I, II e III, e 154, II, da Constituição Estadual, in verbis: Art. 149. A receita e a despesa públicas obedecerão às seguintes leis, de iniciativa do Poder Executivo: (Vide Lei Complementar n.º 10.336/94) I - do plano plurianual; II - de diretrizes orçamentárias; III - dos orçamentos anuais. Art. 154. São vedados: 11 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA JBSJ Nº 70064820806 (Nº CNJ: 0167458-13.2015.8.21.7000) 2015/CÍVEL (...) II – a realização de despesas ou assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais; (...) Outrossim, há ingerência do Poder Legislativo Estadual em matéria de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo Municipal, violando, ainda, o princípio constitucional da independência e harmonia dos Poderes, previsto no art. 10 da Constituição Estadual. O ilustre Procurador-Geral de Justiça, em exercício, Dr. Paulo Emílio J. Barbosa, em sua manifestação final, bem equacionou essas questões, a quem peço vênia para reproduzir como razões de decidir (fls. 221/224v.): (...) 2. Em que pesem os louváveis argumentos colacionados pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul e pela Procuradoria-Geral do Estado, merece integral acolhimento a pretensão deduzida na petição inicial, reiterando-se, nesse passo, todos os fundamentos lá explicitados. A lei estadual em apreciação teve origem no Projeto de Lei n.º 209/2012, de autoria do Deputado Estadual Miki Breier, tendo por escopo fixar condições mínimas para a atividade de Agentes de Fiscalização de Trânsito, considerando a necessidade de regulamentação do exercício desta profissão (Agente de Fiscalização de Trânsito ou Agente da Autoridade de Trânsito) que foi criada pela lei n.º 9.503, de 23 de setembro de 1997, repassando aos municípios a responsabilidade da engenharia, educação e fiscalização do trânsito (fls. 09/10v.). 12 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA JBSJ Nº 70064820806 (Nº CNJ: 0167458-13.2015.8.21.7000) 2015/CÍVEL De plano, importante assinalar que cabe à União, privativamente, legislar sobre as condições para o exercício de profissões, nos termos do artigo 22, inciso XVI, da Constituição Federal. Como corolário, falta ao legislador estadual e municipal competência para a iniciativa de leis que versem sobre a matéria, como já assentado pela Corte de Justiça desse Estado. No caso em testilha, todavia, embora a lei estadual editada faça referência ao exercício da profissão de Agente de Fiscalização de Trânsito, verifica-se que a norma, na verdade, não tem por fim disciplinar as condições para o exercício de uma profissão específica, mas, isto sim, dispor sobre as condições para o exercício do cargo ou emprego público de Agente de Fiscalização de Trânsito, como deflui da leitura do artigo 2º da norma em comento. Logo, sob este prisma foi apreciada a Lei Estadual n.º 14.691/2015, considerando que seu objeto é disciplinar o regime jurídico e exercício de cargos ou empregos públicos municipais de Agente de Fiscalização de Trânsito no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, o que, salvo melhor juízo, não ofende o artigo 22, inciso XVI, da Constituição Federal. Nada obstante, a análise dos dispositivos inseridos na norma estadual, em que pesem as louváveis intenções do ilustre Deputado proponente e dos demais Parlamentares que aprovaram o projeto de lei apresentado, evidencia que a Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, ao editar a Lei Estadual n.º 14.691/2015, invadiu competência privativa dos Chefes dos Poderes Executivos dos Municípios do Estado do Rio Grande do Sul, dispondo sobre matéria nitidamente administrativa, cuja deliberação era de competência da Administração Municipal. No caso, não havia espaço para a iniciativa do Poder Legislativo Estadual, porquanto, na melhor exegese do artigo 60, inciso II, alínea “b”, da Constituição 13 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA JBSJ Nº 70064820806 (Nº CNJ: 0167458-13.2015.8.21.7000) 2015/CÍVEL Estadual, aplicável, aos municípios, por força do disposto no artigo 8º, caput, da Carta referida, incumbe ao Chefe do Poder Executivo Municipal, privativamente, a iniciativa de leis que versem sobre servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis. Trata-se, pois, de iniciativa reservada aos Prefeitos Municipais, não podendo a Assembleia Legislativa tomar a iniciativa de projetos que visem dispor sobre essa matéria, sob pena de, em caso de usurpação da iniciativa, eivar de inconstitucionalidade o texto legal daí decorrente. Destaque-se que, mesmo que se tratasse de lei meramente autorizativa, o que a lei impugnada não é, a análise dos seus dispositivos deixa evidente que houve limitação indevida pelo Poder Legislativo Estadual ao espectro de atuação dos Poderes Executivos Municipais com relação ao regime jurídico de seus servidores e à organização administrativa municipal, não deixando margem ao disciplinamento da matéria pelos Prefeitos, com clara invasão de competência em matéria reservada ao Chefe do Executivo Municipal, violando, de modo direto, também, o disposto no artigo 82, incisos II, III e VII, da Constituição Estadual, aplicável, aos municípios, em simetria, por força do artigo 8º, caput, da Carta do Estado. Importante realçar que a norma estadual em apreço foi bastante específica, determinando que, apenas, ocupantes de cargos de provimento efetivo e de empregos públicos permanentes possam atuar como Agentes de Fiscalização de Trânsito (artigo 3º), estabelecendo os requisitos indispensáveis para o exercício do cargo ou emprego (artigo 4º) e os exames necessários para seu exercício (artigo 12), assentou a obrigatoriedade de submissão do ocupante do cargo ou emprego a treinamento profissional teórico e prático, determinando, desde logo, inclusive, os conteúdos a serem abordados, a qualificação de quem deverá ministrá-los e a carga horária mínima do 14 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA JBSJ Nº 70064820806 (Nº CNJ: 0167458-13.2015.8.21.7000) 2015/CÍVEL curso (artigo 5º), previu que a cédula de identidade funcional será expedida pelo Departamento Estadual de Trânsito (artigo 6º) e destacou, especificadamente, as atribuições do cargo ou emprego público correspondente (artigos 7º e 15), conferindo fé pública e presunção de legitimidade aos atos praticados pelos Agentes de Fiscalização de Trânsito (artigo 8º). Além disso, a lei estadual regrou os direitos (artigos 9º, 10, 11 e 16 - jornada de trabalho, composição de sua remuneração e acréscimos pecuniários, recebimento de uniforme, assistência médica, psicológica, etc.) e vedações dos Agentes de Fiscalização de Trânsito (artigo 13), sujeitando-os ao regime disciplinar dos servidores do respectivo município (artigo 14). Por fim, fixou, ainda, o prazo de 180 dias, a partir da publicação da lei, para que os entes municipais se adequassem às regras gerais nela fixadas. Assim sendo, evidente a inconstitucionalidade da norma impugnada, visto que afronta, diretamente, o disposto nos artigos 8º, caput, 60, inciso II, alínea “b”, e 82, incisos II, III e VII, da Constituição Estadual. Mais do que isto, a lei objurgada positiva flagrante desrespeito à autonomia administrativa e financeira dos municípios do Estado do Rio Grande do Sul e ao princípio da harmonia e independência entre os poderes, insculpidos nos artigos 8º, caput, e 10 da Constituição Estadual, pois disciplina matéria administrativa pertinente, privativamente, aos municípios e cuja iniciativa legislativa está reservada ao Chefe do Poder Executivo Municipal. Além disso, a lei impugnada enseja, também, violação ao disposto nos artigos 149, incisos I, II e III, e 154, inciso II1, da Carta Estadual, pois seu cumprimento, por certo, gerará despesas não previstas na lei de diretrizes 15 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA JBSJ Nº 70064820806 (Nº CNJ: 0167458-13.2015.8.21.7000) 2015/CÍVEL orçamentárias ou e no orçamento anual dos Municípios do Estado do Rio Grande do Sul, criando obrigações que, para seu atendimento, demandarão maiores gastos pelas Administrações Municipais. Por tudo isso, clara a mácula de inconstitucionalidade da Lei Estadual n.º 14.691/2015, do Estado do Rio Grande do Sul, por afronta aos artigos 8º, caput, 10, 60, inciso II, alínea “b”, 82, incisos II, III e VII, 149, incisos I, II e III, e 154, inciso II, da Constituição Estadual. 3. Pelo exposto, requer o PROCURADORGERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL que seja julgada integralmente procedente a ação, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Estadual n.º 14.691, de 16 de março de 2015, do Estado do Rio Grande do Sul, por afronta aos artigos 8º, caput, 10, 60, inciso II, alínea “b”, 82, incisos II, III e VII, 149, incisos I, II e III, e 154, inciso II, da Constituição Estadual. – grifos no original ANTE O EXPOSTO, voto no sentido de JULGAR PROCEDENTE a ação direta de inconstitucionalidade para que seja retirada do ordenamento jurídico a Lei Estadual 14.691, de 16 de março de 2015, do Estado do Rio Grande do Sul. É o voto. DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (REVISOR) - De acordo com o Relator. TODOS OS DEMAIS DESEMBARGADORES VOTARAM DE ACORDO COM O RELATOR. 16 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA JBSJ Nº 70064820806 (Nº CNJ: 0167458-13.2015.8.21.7000) 2015/CÍVEL DES. JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO - Presidente - Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70064820806, Comarca de Porto Alegre: "À UNANIMIDADE, JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE." 17