COBRAMSEG 2010: ENGENHARIA GEOTÉCNICA PARA O DESENVOLVIMENTO, INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE. © 2010 ABMS. Utilização de Geomembrana de PEAD em Tratamento de Fundação na Barragem de São Salvador Rafael Marques Cardoso Intertechne Consultores S. A., Curitiba, Brasil, [email protected] Alex Martins Calcina Intertechne Consultores S. A., Curitiba, Brasil, [email protected] Carlos Alberto de Oliveira Intertechne Consultores S. A., Curitiba, Brasil, [email protected] Artur Henrique Evangelista Carvalho Construtora Andrade Gutierrez, São Paulo, Brasil, [email protected] Rodrigo Jivago França Sarlo Construtora Andrade Gutierrez, São Paulo, Brasil, [email protected] RESUMO: A Usina Hidrelétrica São Salvador (243 MW) situada no sul do Estado do Tocantins, no rio homônimo, possui na fundação do fechamento de sua barragem de terra, próximo à ombreira direita, um perfil geológico extremamente heterogêneo, com condições de maciço de alta permeabilidade, mesmo em elevada profundidade. Após análise de diversas alternativas de tratamento para impermeabilização da fundação, dentre elas trincheira “cut-off”, parede diafragma e tratamento por injeções de calda de cimento, optou-se pela execução de um tapete impermeabilizante a montante do barramento, com utilização de geomembrana de PEAD (polietileno de alta densidade). Neste trabalho são apresentadas as condicionantes de projeto, as análises numéricas que subsidiaram a escolha da alternativa, os detalhes de projeto e construtivos, assim como os dados de monitoramento, que atestam o comportamento adequado da solução. Tal análise de desempenho está baseada nas leituras da instrumentação de auscultação civil durante os primeiros meses após o enchimento do reservatório de São Salvador.A solução empregada para impermeabilização parcial da ombreira direita com manta de PEAD se contituiu, na ocasião, em solução inédita para tapetes impermeáveis de barragens no Brasil. PALAVRAS-CHAVE: Barragem de Terra, Percolação, Tratamentos de Fundação, Tapete Impermeabilizante, Geomembrana de PEAD. vedação (cut-off), a cortina de injeções de calda de cimento, a cortina de estacas prancha, diafragmas executados in-situ (plástico e rígido) e tapetes impermeabilizantes a montante. Uma maneira de comparar o desempenho de alternativas de tratamento de impermeabilização da fundação é através de modelagem bidimensional de fluxo, utilizando o método dos elementos finitos, através do qual se extraem valores de vazão de percolação pela fundação da barragem, assim como gradientes de saída. A Usina Hidrelétrica São Salvador, situada 1. INTRODUÇÃO Os tratamentos de impermeabilização de fundação constituem um importante aspecto do projeto de barragens de terra. Tratamentos de fundação inadequados podem resultar em fundações excessivamente permeáveis, levando a gradientes de saída elevados no talude de jusante e, eventualmente, iniciar processos de erosão regressiva (piping). Os tipos de tratamento impermeabilizante mais utilizados em barragens são a trincheira de 1 COBRAMSEG 2010: ENGENHARIA GEOTÉCNICA PARA O DESENVOLVIMENTO, INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE. © 2010 ABMS. no rio Tocantins, apresenta em seu arranjo, as estruturas de concreto constituídas por: casa de força, vertedouro e muros de ligação, posicionadas na margem direita do rio. O fechamento do barramento, tanto na ombreira direita quanto no leito do rio e ombreira esquerda, é feito por duas barragens de terra, de seção homogênea, que no encontro com as estruturas de concreto, transicionam para barragens de enrocamento com núcleo de argila. O presente trabalho mostra as condicionantes da escolha da alternativa de impermeabilização de fundação da barragem de terra da margem direita da UHE São Salvador bem como os cuidados tomados na implementação da alternativia escolhida. Figura 1 – Imagem Google Earth com a localização do eixo do empreendimento 2 CARACTERÍSTICAS GEOLÓGICAS 2.1 Geologia Regional 2.2 Geologia da Margem Direita As litologias presentes na área do emprendimento pertencem ao Grupo Araxá, localmente constituído por uma seqüência de quartzo-micaxistos, quartzitos e quartzitos micáceos. A margem direita, na faixa sobre a qual está assentada a barragem de terra, foi prospectada através de diversas campanhas de sondagens percussivas, mistas e rotativas, nas fases dos estudos de viabilidade e do projeto básico do empreendimento. Na consolidação do modelo geologícogeotécnico, na fase do projeto básico, foi detectada uma zona na fundação onde o manto de alteração extende-se a profundidades maiores que nas regiões circunvizinhas, apresentando zonas de alta permeabilidade. Visando subsidiar a escolha do tratamento de impermeabilização da fundação da região em foco, na fase projeto executivo, foi realizada uma nova campanha de investigações (aproximadamente 250 metros de perfurações) objetivando um maior detalhamento da fundação. Nesta nova campanha foram realizadas 5 sondagens mistas denominadas SM-401 a SM-404 e SM- 402 – A, 6 sondagens a percussão (SP-404 a SP-409) e 2 poços de investigação (P-410 e P-411). A região do aproveitamento está situada numa área de rochas cristalinas antigas, de idade précambriana. A porção inferior da coluna estratigráfica é formada pelo Complexo Goiano, do Pré-Cambriano Inferior, de caráter gnáissico – granitóide. Sobre o mesmo ocorrem rochas metamórficas de natureza vulcano-sedimentar dos grupos Araxá e Araí, do Pré-Cambriano Médio. Também ocorrem na região intrusões graníticas contemporãneas às rochas do Grupo Araxá ou um pouco mais recentes , assim como as rochas metasedimenteres do Pré-cambriano superior do GrupoBambuí A tectônica da região é complexa, como é normal em rochas pré-cambrianas, tendo causado o dobramento generalizado das unidades acima referidas, assim como falhamentos importantes, alguns inclusive fazendo com que as rochas do Grupo Araxá possam ocorrer acima das unidades mais recentes do Grupo Bambuí. A figura 1 mostra a localização do eixo da usina evidenciando as feiçoes dobradas que dominam a região. Na era Cenozóica formaram-se as coberturas sedimentares Terciário-Quaternárias e os sedimentos aluvionares holocênicos que margeiam o rio Tocantins. 2 COBRAMSEG 2010: ENGENHARIA GEOTÉCNICA PARA O DESENVOLVIMENTO, INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE. © 2010 ABMS. 2.3 Modelo Geológico Adotado intemperismo. As litologias com maior conteúdo de minerais máficos foram as mais suscetíveis ao processo intempérico. Dentre os aspectos mais relevantes do modelo, destaca-se a presença de zonas de alta permeabilidade em grandes profundidades. Tais zonas puderam ser identificadas através dos ensaios de perda d’água sob pressão realizados nos furos, que indicaram permeabilidades maiores que 1x10-3 cm/s, em zonas situadas a mais de 20 metros de profundidade. A carga hidráulica sobre a fundação da barragem, no trecho em questão é de no máximo 15 metros. A figura 2 apresenta o perfil geológico pelo eixo do barramento, definido após a incorporação dos dados da última campanha de sondagens. A nova campanha permitiu configurar um maciço rochoso heterogêneo, com alternância de pacotes de quartzito, quartzo xisto e quartzo micaxisto, com um padrão estrutural derivado do dobramento generalizado ao qual a região foi submetida. Tal comportamento dificultou a correlação entre os vários estratos, e o perfil apresentado na figura 2 foi concebido de forma tentativa, à luz das informações disponíveis, levando-se em conta a tendência estrutural verificada nas escavações das estruturas de concreto. O padrão estrutural reinante coloca lado a lado, em elevação, litologias distintas que conferem ao maciço rochoso comportamento anisotrópico em função da maior ou menor suscetibilidade de cada litologia ao Figura 2 – Seção geológico-geotécnica pelo eixo da barragem, na margem direita 3 de perda d’água sob pressão realizados nos furos de sondagem. Foram consideradas, após análise técnica e econômica, três possíveis tipos de solução: trincheira tipo cut-off, cortina de injeções e tapete impermeabilizante a montante, levando-se em conta relevo de inclinação suave da margem direita. Foram simulados os vários tipos de tratamentos com seus efeitos sobre a vazão captada pela trincheira de drenagem de jusante, assim como dos gradientes de saída. No caso do tapete impermeável foram feitas simulações aumentando sua extensão para montante A tabela 1 apresenta um resumo dos resultados obtidos, numa seção representativa estudada. ANÁLISE DAS ALTERNATIVAS Para a análise das alternativas de tratamento de fundação, tomou-se por base o modelo geológico definido. Foram definidas quatro seções transversais ao eixo, com espaçamento de aproximadamente cinqüenta metros, entre si. As análises de percolação foram realizadas pelo método dos elementos finitos, utilizandose o software SEEP/W da GEO-SLOPE do Canadá, de aplicação no estudo de fluxo bidimensional em meios porosos saturados/não-saturados, heterogêneos e anisotrópicos. As permeabilidades adotadas foram estimadas a partir dos resultados dos ensaios 3 COBRAMSEG 2010: ENGENHARIA GEOTÉCNICA PARA O DESENVOLVIMENTO, INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE. © 2010 ABMS. Tabela 1- Vazões afluentes na trincheira drenante em função do tipo de solução adotada. Vazão na trincheira (l/min.m) CASOS 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 também evitar o risco de baixa eficiência do tapete impermeável, decorrente do surgimento de trincas durante a fase construtiva, optou-se pela utilização de uma geomembrana de polietileno de alta densidade (PEAD). Devido também ao risco de ruptura da manta por efeito de puncionamento, foi prevista uma camada de solo compactado que serviu como substrato para a aplicação da membrana de PEAD. Além disto, para amenizar os efeitos de uma eventual ruptura localizada da geomembrana por efeito mecânico, foi prevista uma camada adicional de dois metros de espessura de solo compactado sobre a mesma. O lançamento da primeira camada sobre a membrana foi realizado cuidadosamente, com tráfego de equipamentos de construção leves. Como proteção suplementar, sobre a camada de solo compactado superior, previuse uma camada de enrocamento contaminado, aproveitando materiais excedentes de escavação em rocha. Na zona de oscilação do nível d’água, no lugar do enrocamento contaminado, foi estendida a camada de riprap da barragem sobre o tapete impermeável para proteção contra o efeito das ondas. O bom funcionamento da solução está intimamente condicionado à ligação entre o tapete impermeabilizante e a vedação do aterro da barragem. No entanto, a instalação da manta no aterro da barragem instituindo o transpasse com a vedação da barragem e a ancoragem da membrana, constituiria um contratempo importante à execução das camadas do aterro, atrasando a produção do aterro da barragem. Esta situação também estava condicionada ao processo de execução e teste das emendas que têm de ser realizados diretamente na posição final de lançamento da manta. Sendo assim, optou-se por um sistema de ancoragem no talude de montante da barragem que pudesse ser realizado independentemente da compactação do solo no barramento. A Figura 3 seguinte apresenta uma seção transversal da barragem na região do tapete, com indicação das camadas previstas e a ligação com o aterro conforme descrito anteriormente. SEM TRATAMENTO TAPETE - 60m TAPETE - 80m TAPETE - 100m TAPETE - 80m + CUT-OFF INJEÇÃO - 10m TAPETE 80m + INJEÇÃO INJEÇÃO - 15m TAPETE 80m + INJEÇÃO CUT -OFF 1,80 0,90 0,78 0,68 0,62 1,59 0,74 1,41 0,73 0,83 Além dos resultados satisfatórios obtidos nos casos onde se simulou o uso de um tapete impermeabilizante a montante, pesaram na escolha da solução: a grande profundidade da eventual trincheira cut-off necessária para interceptar todas as camadas de material permeável, que seria da ordem de até 25 metros; e as incertezas quanto à execução de injeção de calda de cimento sob pressão em um material com o grau de alteração acentuado, que teria, muito provavelmente, um efeito reduzido. Da análise de todas as informações levantadas, optou-se pelo uso de um tapete impermeabilizante a montante do barramento, com extensão longitudinal (paralela) ao eixo da barragem de 200 metros a partir do fechamento na ombreira direita, com largura de 80 metros na direção perpendicular ao eixo da barragem. Para evitar a influência do fluxo lateral ao tapete impermeabilizante, foi necessário o prolongamento deste elemento de vedação por mais 50 m além do trecho que teria que ser impermeabilizado na fundação. 4 DETALHES DE PROJETO Os tapetes impermeabilizantes a montante são usualmente constituídos por solo argiloso compactado, contando eventualmente com uma proteção mecânica com camada de enrocamento. Com o intuito de reduzir a espessura de solo compactado aplicada, e 4 COBRAMSEG 2010: ENGENHARIA GEOTÉCNICA PARA O DESENVOLVIMENTO, INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE. © 2010 ABMS. Outra característica considerada importante para garantir a aderência entre o solo e a membrana, é o uso de manta de PEAD texturizada em matriz tipo balão, que apesar do menor controle de espessura da manta, resulta num produto mais irregular. Esta irregularidade foi considerada conveniente para evitar o risco da instalação de um caminho preferencial de percolação, como no caso de aplicação de manta lisa. Como complemento ao tratamento de impermeabilização aplicado, além da trincheira drenante contínua que percorre o pé de jusante da barragem, no trecho impermeabilizado, foi instalada uma linha de poços de alívio, com o intuito de captar a eventual percolação advinda de estratos mais profundos da fundação. Uma planta da solução adotada está apresentada na figura 4. Figura 3 - Detalhe do engaste da manta com o aterro da barragem Como critério para a ancoragem da manta na barragem definiu-se garantir ao menos uma espessura de aterro equivalente a 0,20H (sendo H a altura da carga hidráulica sobre a manta), entre a ancoragem da membrana e a superfície de fundação. As principais especificações técnicas da geomembrana de PEAD encontram-se na tabela 2: Tabela 2 - Características técnicas da manta PEAD. Espessura Densidade Resistência à Tração Tensão de escoamento Deformação no escoamento Resistência ao rasgamento Resistência ao Puncionamento 1,5 mm mín. 0,94 g/cm3 mín. 15 MPa mín. 12% mín. 190 N mín. 490 N mín. Figura 4 - Planta da barragem com a localização da manta. 5 COBRAMSEG 2010: ENGENHARIA GEOTÉCNICA PARA O DESENVOLVIMENTO, INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE. © 2010 ABMS. 5 DETALHES CONSTRUTIVOS A construção do tapete durou aproximadamente 50 dias, entre a execução das camadas de substrato em solo, a instalação da manta e a aplicação das camadas de proteção. A ancoragem da membrana na fundação foi realizada por meio de trincheiras escavadas no terreno, sistema convencional de ancoragens de mantas de PEAD. Foram feitos cortes subverticais no aterro já construído, em sistema de trincheiras. As fotografias seguintes ilustram a execução das ancoragens nas extremidades da membrana. Foto 2 – Seqüência da foto anterior com o fechamento da trincheira de ancoratem com aterro compactado. Foto 3 - Equipamento para emenda dos panos de geomembrana. Foto 1 – Detalhe da trincheira para ancoragem no corpo da barragem com a geomembrana instalada. Foto 4 – Vista geral do processo. Um trecho com a manta já aplicada e sendo coberta por aterro e no restante a área já preparada para aplicação da manta 6 COBRAMSEG 2010: ENGENHARIA GEOTÉCNICA PARA O DESENVOLVIMENTO, INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE. © 2010 ABMS. 6 pouco eficientes neste tipo de material. A modelagem numérica indicou que um tapete impermeabilizante a montante do barramento, ligado diretamente à vedação do aterro da barragem, produziria um resultado satisfatório no que se refere ao controle das vazões de percolação e consequentemente gradientes de saída. Como forma de garantir o adequado desempenho do tapete, sem conviver com baixa eficiência decorrente de trincas surgidas na fase de construção, optou-se pela utilização de uma geomembrana de PEAD. Dentre os aspectos mais relevantes do projeto, destacam-se a necessidade de um transpasse lateral do tapete com a trincheira de vedação utilizada no restante da barragem, para evitar um by-pass lateral; e a proteção contra ondas prevista no fechamento da ombreira, visando previnir o carreamento do material de proteção do PEAD. Além deste aspectos nos parece mais indicado o uso de manta texturizada para dificultar a instalação de um eventual caminho de percolação em razão da maior aderência solo/membrana. Passado um ano do enchimento do reservatório, as leituras do medidor de vazão instalado na região em questão, comprovam o comportamento adequado do tratamento, ficando a vazão medida extremamente próxima à prevista nos modelos matemáticos. ANÁLISE DO DESEMPENHO O desempenho da impermeabilização vem sendo acompanhado através do medidor de vazão MV-01 instalado na estaca 2 + 5,30m da barragem, que coincide com o fim do trecho impermeabilizado pelo tapete de montante. Gráfico de acompanhamento do medidor de vazão MV-01. Após um ano desde o término do enchimento do reservatório, as leituras indicam uma vazão de percolação estabilizada com valor, no trecho tratado, de aproximadamente 100 l/min., resultando em uma vazão específica, de 0,5 l/min./m. Tal valor situa-se muito próximo do valor obtido dos modelos numéricos de 0,48 l/min./m. Os poços de alívio instalados a jusante do barramento até o presente momento apresentam-se secos. 7 REFERÊNCIAS [1] – Cruz, P. T. – “100 Barragens Brasileiras – Casos Históricos, Materiais de Construção e Projeto”, Oficina de Textos, 1995; CONCLUSÕES Os estudos realizados durante o projeto da barragem de terra da margem direita da UHE São Salvador, mostraram que num determinado trecho da fundação situado próximo ao fechamento da ombreira direita (cerca de 250 m de extensão), o maciço rochoso apresenta-se extremamente heterogêneo e permeável, com um manto de alteração muito profundo que desencorajava o emprego de soluções mais convencionais de tratamento de impermeabilização da fundação, como trincheira vedante tipo cut-off e cortina de injeções, que certamente seriam [2] – Cedergren, H. R. – “Seepage, Drainage, and Flow Nets”, John Wiley and Sons, Inc, 1967; [3] - 0125-SS-RT-412-30-001 – UHE São Salvador Relatório Técnico Barragem de Terra da Margem Direita – Solução Proposta -Estacas 0+00,00 a 2+50,00 – Consórcio Energético São Salvador. 7