MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Londrina 2009 MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de Geografia da Universidade Estadual de Londrina, como requisito ao título de bacharel em Geografia. Orientador (a): Profa Terezinha Antonello. Londrina 2009 Dra. Ideni MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia de Bacharelado em Geografia COMISSÃO EXAMINDADORA _____________________________ Profa Dra. Ideni Terezinha Antonello _____________________________ Profo Dro. Fábio Cezar Alves Cunha _____________________________ Profo Dro. Edilson Luis de Oliveira Londrina, 18 de Dezembro de 2009 DEDICATÓRIA: Em memória ao meu avô Antonio Lovadini Num dia de tristeza me faltou o velho E falta lhe confesso que ainda hoje faz1 1 ‐ Trecho da música Espelho – João Nogueira. AGRADECIMENTOS: Aos meus pais, Gilberto Eduardo Lovadini e Helena de Oliveira Lovadini e aos meus irmãos Gisele Lovadini e Marcelo Lovadini por acreditarem que um dia eu concluiria mais esta etapa da vida. A professora Ângela Massumi Katuta que acreditou no projeto do estudo do samba em Londrina e a professora Ideni Terezinha Antonello que aceitou o desafio de continuar orientando este projeto tendo ela grande importância para a concretização deste trabalho. Aos amigos Pedro Ragusa, Pedro Machado de Almeida e Rafael Cícero de Oliveira pelas profícuas discussões remetentes a este trabalho. A Amaral Valentim do Carmo, amigo inseparável destes cinco anos de graduação, que gentilmente cedeu o seu veículo “chevetão” como meio de transporte para a realização das entrevistas e a Rosalba Rosa pela revisão ortográfica deste trabalho. Aos meus amigos de Piracicaba - SP, Andréia Pais Novello, Bruna Raizer, Carla Prezzoto, Cristina Vasques, Julia Cavalcanti dos Santos, Marcos Schaaf, Patrick Luiz “Kikão”, Renê Mainardi e Tales Trevizor, que me incentivaram a seguir esse caminho, e sempre que precisei me estenderam as mãos. Aos muitos amigos de Londrina-PR que também acreditaram que este desafio seria vencido em especial Alan Kardec, Rebeca Gombi, Alini Nunes, Bruno Vieira, Leonardo Mamede, Ricardo Manfrenatti e a turma do curso de Geografia Noturno ingressa no ano de 2005. Ao Grupo de Estudo e Pesquisa Geografando o Território no qual iniciei as minhas leituras e os primeiros debates sobre a categoria de território. A todos os entrevistados desta pesquisa que contribuíram de forma imensurável para a realização desta monografia e a todos os sambistas de Londrina que de uma forma ou outra criam as territorialidades do samba no Município. LOVADINI, Mauricio. Elementos das Territorialidades do Samba em Londrina. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Geografia). CCE – Universidade Estadual de Londrina, 2009. Resumo Este trabalho objetivou pesquisar e fazer uma reflexão acerca da construção e constituição das territorialidades do samba em Londrina parte-se da gênese desse gênero musical, que carrega consigo forte poder simbólico, identitário e social diante de manifestações culturais brasileiras, perpassando pela categoria território e os conceitos geográficos abordados tais como as territorialidades. Nesta perspectiva discutimos a gênese do gênero musical, social e cultural do samba desde a sua consolidação como símbolo de brasilidade passando por perseguições políticas, sociais e culturais se figurando como marginalizado até alcançar o estrelato, se figurando como importante gênero da cultura brasileira dentro e fora do país.Desta forma o samba carrega consigo o valor identitário advindo da cultura negra criando resistências mediante as territorialidades criadas a partir das relações sociais ao longo do tempo. Para compreendermos o samba e o seu entrelaçamento com os aspectos geográficos com os quais trabalhamos conceituamos a categoria geográfica território e conseqüentemente os conceitos tais quais dentro desses o conceito de territorialidades, além da tríade (T – D – R) territorialização, (des)territorialização e (re)territorialização, as multiterritorialidades também como parte integrante da discussão. Por fim os conceitos teóricos discutidos no primeiro e no segundo capítulo serão entrelaçados com as entrevistas dos sujeitos que constroem as territorialidades do samba em Londrina. . Palavras - chave: Identidade; Samba; Território, Territorialidades. LOVADINI, Mauricio. The Elements of Territorially of samba and city Londrina - PR. Monograph (Bachelor in Geography). CCE – Universidade Estadual de Londrina, 2009. Abstract This work aims to reflect about the construction and constitution of the samba’s territoriality in Londrina. Starting with the origin of this musical genre, that holds such strong symbolic, identity and social power among Brazilian cultural expression, traversing through the geographical-area category and the conceptual development of this geographical analysis category.From this perspective it’s going to be discussed the samba’s origin from a social, cultural and music genre perspective since its consolidation as a symbol of Brazilianness; surpassing trough political, social and cultural persecution and presenting itself as marginalized until it reached the fame and was established as an icon of the Brazilian culture both nationally and internationally. In this manner the samba brings the identity from the black culture creating resistance among the territoriality brought by the social relationships over the years. To comprehend the samba and its connection with the geographical aspects which we work with, the geographical territory category was conceptualized, consequently the concepts such as territoriality besides the triad (T - D - R) territorialization, (de)territorialization and (re)territorialisation as well as multiterritoriality as part of the discussion. The theoretical concepts discussed in the first and second chapters, will be combined with the interviews of the people who build the territoriability of the samba in Londrina. Key words: Identity; Samba; Territory, Territoriality. Lista de Figuras: Figura 1: Samba do Lenço: homenagem a São Benedito. Figura 2: Samba da Vela na capital paulista. Figura 3: Praça Onze (RJ) palco do nascimento do samba urbano. Figura 4: Cardápio do restaurante Zicartola. Figura 5: Mapa de localização do município de Londrina. Figura 6: Oficina de atabaque projeto Quizomba. Figura 7: Público do Quizomba. Figura 8: Seu Nelson – apresentando-se no bar Axé Brasil. Figura 9: Dona Vilma cantando samba. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO............................................................................................ 11 2. TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADES: UMA ABORDAGEM MÚLTIPLA, PROCESSUAL E RELACIONAL..................................................................... 15 3. A GEOGRAFIA DO SAMBA: DA GÊNESE A CONTEMPORANEIDADE. 28 3.1. A geografía do Samba Paulista............................................................. 30 3.2. A geografía do samba Carioca.............................................................. 39 4. AS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA.......................... 62 4.1. Londrina da origem inglesa aos negros: a gênese a territorialidades do samba......................................................................................................... 63 4.2. Projeto Quizomba: o samba e outros batuques .................................. 67 4.3. Os personagens do samba em Londrina: construtores de territorialidades .............................................................................................. 74 5. CONSIDERAÇÒES FINAIS........................................................................ 86 6. REFERÊNCIAS .......................................................................................... 89 7. ANEXOS..................................................................................................... 92 7.1. Anexo I .................................................................................................... 92 7.2. Anexo II ................................................................................................... 95 7.3. Anexo III .................................................................................................. 96 11 1. INTRODUÇÃO Este trabalho objetivou pesquisar e fazer uma reflexão acerca da construção e constituição das territorialidades do samba em Londrina, partindo da gênese desse gênero musical, que carrega consigo forte poder simbólico, identitário e social diante de manifestações culturais brasileiras, perpassando pela categoria território e os conceitos geográficos abordados tais como as territorialidades. Nessa perspectiva o resgate da categoria território se fez necessário pelo fato de que é a partir dessa categoria geográfica que nos desdobraremos pela discussão das territorialidades. Nesse sentido elencamos através de um resgate histórico das diversas concepções de território, partindo da etimologia do termo território, perpassando pela inserção nas ciências geográficas no século XIX com a concepção do geógrafo alemão Friedrich Ratzel de território natural e voltado para a expansão imperialista dos Estados Nação que ainda perdura nas diversas ciências inclusive a geográfica. A renovação da concepção de território a partir das décadas de 1950 e 1960 no qual os seus precursores são Robert Sack e Claude Raffestin, que passam a considerar o território relacional, ou seja, a partir de relações com a economia, política e cultura, intimamente ligado às relações de poder, dessa forma construído uma perspectiva do território, distinta da primeira de território natural e da expansão das fronteiras do Estado Nação, considerada de absoluta. O conceito de territorialidades surge nessa perspectiva do território tecido por relações, desta maneira vista de uma maneira multidimensional compreendida mediante as relações e aos processos, ou seja, o território a partir de uma concepção relacional e processual. A tríade (T – D – R) territorialização, (des)territorialização e (re)territorialização, discutida a partir da concepção de Claude Raffestin também faz parte da discussão, na medida em que a territorialização se aplica mediante as relações, a desterritorialização a partir do “abandono” do território de diversas maneiras e a reterritorialização vista da perspectiva das múltiplas relações do território. A concepção de Henry Lefebvre de apropriação e dominação do território e discutida a partir da concepção de Rogério Haesbaert sendo esses dois 12 elementos a matéria-prima para o processo de territorialização e das territorialidades. A apropriação do território levará à construção de territorialidades, emanadas pelos poderes simbólicos, sejam eles ligados a resistências por territórios como é o caso dos indígenas, dos negros ligados as comunidades quilombolas, e as territorialidades do samba evidenciada a partir das relações identitárias entre os grupos que carregam consigo a identidade do samba. A concepção de dominação do território em uma perspectiva dialética e vista como relações de poder pautadas por poderes hegemônicos econômicos, presentes no cotidiano no modo de produção capitalista. No que se refere à questão da identidade, a sua relação com as territorialidades é intrínseca pelo fato de que ambas são relacionais e processuais, construídas pelas relações, materiais, simbólicas, vivências, ou seja, ela é construída a partir de diversos elementos. No que tange as abordagens territoriais inerentes as identidades as territorialidades em uma perspectiva (i)material e de natureza exterior também são elencada em nossa discussão. Desta maneira a análise geográfica desta pesquisa tem como base as referências elencadas acima, relacionamos com as geografias do samba partindo da gênese desse gênero musical, social e cultural. O samba é controverso em relação a sua gênese, alguns estudiosos sugerem que ele chegou da África, outros dizem que a sua gestação de deu no Rio de Janeiro no início do século XX, porém em nossa investigação buscamos evidenciar a etimologia do samba a partir das raízes africanas até a sua constituição no Brasil. Didaticamente discutimos as evidências geográficas e as características que o samba Paulista de origem rural muito praticado nas senzalas no século XIX e o samba urbano nascido no Rio de Janeiro, com sua pré-gestação iniciada no fim do século XIX, surgindo como construção coletiva na casa da baiana “tia Ciata”, na extinta praça onze no centro do Rio de Janeiro. As características são distintas entre o samba paulista e o samba carioca, porém em um processo dinâmico, relacional e concomitante o samba se expressa e acontece nos mais diversos locais do Brasil. 13 De tal maneira que o samba criou raízes, mas é com o advento da proclamação da República e o projeto de urbanização do centro do Rio de Janeiro que o samba é (des)territorializado pela classe hegemônica com o discurso de deixar o Rio de Janeiro nos moldes e glamour Parisiense desta maneira se (re)territorializa por diversas partes da cidade do Rio de Janeiro, como Estácio, Ramos, Madureira, Osvaldo Cruz, Mangueira. Esse processo de (des)territorialização se dá com as populações menos abastadas composta na sua maioria de ex-escravos e operários que habitavam os cortiços e que pelas circunstâncias foram obrigados a procurar outras localidades e assim se (re)territorializaram para os subúrbios e morros cariocas. É nesse contexto socioespacial que o samba se constitui e se consolida intrinsecamente ligado a identidade principalmente com os elementos da cultura negra advindas de classes subalternas. A partir desta consolidação o samba permeia o século XX, apresentando para o Brasil poetas e ícones como Donga, Sinhô, Ismael Silva, Noel Rosa, Geraldo Pereira, Cartola, João Nogueira, Zeca Pagodinho e muitos outros, além de grandes figuras do samba paulista como Geraldo Filme, Adoniran Barbosa, Demônios da Garoa, Quinteto em Preto e Branco, Osvaldinho da Cuíca, além de outros. Dessa forma, este gênero musical se disseminou, atraiu e conquistou outras classes sociais, deixando o status da marginalidade no início do século XX, alçando o estrelato, como sugere o titulo do livro de Fabiana Lopes da Cunha2, construindose, inclusive, como expressão de brasilidade para o mundo. As territorialidades do samba em Londrina são o foco central dessa pesquisa, desta maneira para identificarmos tais territorialidades, buscamos compreender o processo de colonização do Município de Londrina, no qual a classe hegemônica era formada por ingleses, porém nesse processo de colonização vieram os negros e é a partir de então que surgem as primeiras territorialidades do samba no Município. A investigação prática para evidenciar as construções das territorialidades do samba em Londrina ocorreu mediante entrevistas com os CUNHA, Fabiana Lopes Da. Da marginalidade ao Estrelato: O samba na construção da 2 nacionalidade (1917 - 1945). São Paulo: Annablume, 2004. 260 p. 14 personagens do samba deste Município, sendo esses personagens construtores das territorialidades do samba, a universitária Camila Sampaio coordenadora do Projeto Quizomba: o samba e outros batuques; Leandro Almeida, Dona Vilma Santos; Seu Nelson; o professor e sambista Braga, cada qual com as suas especificidades para a construção das territorialidades. Desta maneira essa pesquisa procurou evidenciar as territorialidades do samba em Londrina mediante o aporte geográfico da categoria território, da geografia do samba e entrevistas com os personagens que constroem as territorialidades do samba em Londrina, é isso que pretendemos mostrar no corpo deste trabalho. 15 2. TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADES: UMA ABORDAGEM MÚLTIPLA, PROCESSUAL E RELACIONAL Numa vasta extensão Onde não há plantação Nem ninguém morando lá Cada pobre que passa por ali Só pensa em construir seu lar E quando o primeiro começa Os outros depressa procuram marcar Seu pedacinho de terra pra morar E assim a região sofre modificação Fica sendo chamada de a nova aquarela E é aí que o lugar Então passa a se chamar favela3 Dentro de uma perspectiva de pesquisa no qual nos propomos a estudar o samba em Londrina averiguamos e escolhemos dentre as categorias geográficas a serem trabalhadas na perspectiva da temática, desta maneira engendrando uma base teórica para a construção de um trabalho que traz resultados práticos através das pesquisas de campo entrelaçado com os conceitos teóricos propostos. Nesse sentido a categoria escolhida para ser trabalhada na temática do samba foi a do território, no qual dialogamos com algumas importantes concepções dessa categoria na ciência geográfica até os seus diversos conceitos tais como as territorialidades. A categoria geográfica território e consequentemente o conceito as territorialidades, são o foco central da discussão, além do fato de ter uma relação indissociável com a identidade, sendo assim elementos fundamentais para a discussão das territorialidades do samba em Londrina. 3 Letra da música Favela dos compositores Padeirinho e Jorge Pessanha 16 Neste capítulo nos propomos a fazer um resgate epistemológico da categoria território mediante alguns autores que contribuem com novas acepções da ideia de território, perpassando pela a etnografia, pela tríade (T-R-D) territorialização, (re)territorialização e (des)territorialização, desembarcando assim na centralidade do que vem a ser o conceito direto da categoria de território, ou seja, as territorialidades, intrinsecamente ligada à identidade no qual relacionamos para chegar ao objetivo das territorialidades do samba em Londrina. De maneira metodológica apresentaremos a categoria e os conceitos geográficos elencados acima neste primeiro capítulo e trabalharemos com esses conceitos ao decorrer do trabalho, discutiremos a aplicação desses através das análises práticas feitas a partir das entrevistas de campo. Na ciência geográfica o território é uma das categorias centrais à compreensão de elementos geográficos, de aspecto central principalmente por ser uma categoria que gera conceitos tais como territorialidade, territorialização, entre outros, ou seja, ramifica-se, sendo de fundamental importância para que o geógrafo entenda a sociedade e atue de maneira operativa. Porém para chegarmos a uma geografia operativa, no qual novas ideias e estudos possam vir a contribuir para a sociedade é necessário que haja reflexão da categoria território para desconstruir as representações da ideia de território como simples materialidade ou de simples relações sociais. A palavra Território tem a significação etimológica, que deriva do Latim, além dos conceitos empregados pelos geógrafos ao longo do tempo no qual elencaremos mais adiante. Em latim, por exemplo, “[...] terr-territorium e terreo-territor ‘aterrorizar aquele que aterroriza’, uma mescla entre domínio da terra e terror”. (HASBAERT, 2004, p. 94). Esse resgate da nomenclatura do território é importante para entendermos a ideia de poder muito recorrente ao conceito, haja vista que mesmo antes da definição de território dentro da ciência geográfica a etimologia da palavra território remete a terra e a terror, ou seja, uma clara definição que as relações de poder sempre estiveram presentes quando o assunto é território. Antes de adentrarmos ao conceito de território propriamente dito, discutiremos um pouco sobre o que é conceito. 17 Partindo do pressuposto que o conceito não é estático e está em constantes mudanças através do processo histórico, aglutinando novas concepções se relacionando com outros conceitos, sendo todo conceito constituído de complexidades. Todo conceito tem uma história, seus elementos e metamorfoses; tem interações entre seus componentes e com outros conceitos; tem um caráter processual e relacional num único movimento do pensamento; com superações; as mudanças significam, ao mesmo tempo, continuidades, ou seja, des-continuidades (descontinuidadecontinuidade-continuidade-descontinuidade, num único movimento); o novo contém o velho, pois o velho e este, aquele. (SAQUET, 2007, p.13).4 Com o território não é diferente, é um conceito complexo muito discutido dentro da ciência geográfica estando em constante evolução diante dos processos e relações ao longo do tempo. As abordagens sobre o conceito de território são referenciadas por diversos autores dentro da Geografia e de outras disciplinas do mundo acadêmico, tendo o seu caráter multidisciplinar, no qual tais disciplinas superaram o conceito de Território estritamente relacionado com o natural, ou seja, “[...] contrapõe-se aquela concepção de Terra como fato natural, o conceito de território compreendido como fato social e político”. (SAQUET, 2004), no entanto tais abordagens diferem de acordo com cada base teórica que relacionam a categoria e os conceitos da maneira mais coerente para cada qual, porém existem convergências em relação ao conceito e é a partir delas que pretendemos adentrar. Dentro da ciência geográfica mediante a sistematização da Geografia como ciência a categoria território aparece no século XIX com Friedrich Ratzel, geógrafo alemão, que prestou serviços intelectuais para o recém criado Estado alemão com o objetivo de auxiliar intelectualmente a expandir o império de Otto Von Bismarck, que naquele período unificou o antigo Estado Prussiano com o Estado Alemão. Ratzel tem grande importância dentro do pensamento geográfico em relação à categoria território, pois a sua perspectiva de território foi utilizada por um longo período dentro da ciência geográfica e ainda hoje é empregada. Dentro destas perspectivas a Geografia Política, voltada para o domínio e expansão do Estado 4 A ideia de conceito utilizada por SAQUET 2007 é baseada nas propostas de (DELEUZE e GUATTARI, 1992) 18 Nação e a perspectiva natural do território, do solo são pontos centrais na concepção Ratzeliana: Ratzel (principalmente na Geografia Política) dá uma importância central ao território na solidez do Estado e que este faz uma abordagem naturalizada do território, ligado ao Estado-Nação. O solo é o elemento fundamental do Estado e sua unidade, condicionando, entre outros fatores, o crescimento espacial dos Estados. (SAQUET, 2005, p. 13.870). A perspectiva colocada por Ratzel é a do espaço vital, não superando a naturalização do território advinda das ciências naturais muito em voga no período do século XIX. Essa concepção perdurou por muito tempo dentro do debate das ciências geográficas e principalmente na Geografia Política, por considerar o território como fronteiras, limites e divisões políticas relacionadas aos EstadosNação, sendo assim o território para Ratzel “[...] ora aparece como sinônimo de ambiente, ora como solo, ora como Estado-Nação. Resumidamente, o território aparece como palco” (SAQUET, 2005, p. 13.870). Nas décadas de 1950 - 1960 surgem novas perspectivas para esta categoria, justamente em um período de renovação de diversas concepções na ciência geográfica, além do que a concepção Ratzeliana de território não estava mais suprindo as abordagens, desta maneira aparecem nomes que trabalham a centralidade desta categoria como Claude Raffestin e Robert Sack que passam a considerar a partir de suas análises o território como relacional ao espaço, ou seja, o território passa por relações como a economia, cultural, político, fugindo assim da perspectiva de expansão e limites de fronteiras, absoluto. Robert Sack e Claude Raffestin promovem uma mudança na concepção do território, avançando nas discussões sobre o território considerando assim relacional, principalmente a partir das relações de poder. Para Robert Sack (1986) o território: [...] é o produto da organização social e a territorialidade corresponde às ações de influência e controle de uma área do espaço tanto dos indivíduos como de suas atividades e relações, o que pode ocorrer em diferentes níveis escalares (SAQUET, 2007, p.83). 19 Nesta perspectiva o território é compreendido por área controlada que se molda a partir das estratégias de influência de grupos sociais e indivíduos, modificando-se conforme a estratégia de controle do sujeito que tem o poder. Claude Raffestin efetivou sua proposta na década de 1980 contrapondo a ideia de território natural e compreendendo como fato político e social, no qual o poder aparece de maneira relacional com o território, diferenciando o espaço e território e definindo o território da seguinte maneira: É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é um resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação, o ator “territorializa” o espaço (RAFFESTIN, 1993, p. 143). A partir dessa ideia do conceito de território a centralidade está na questão do poder e das relações sociais, do trabalho e do cotidiano, diferente da visão de Ratzel de território natural, o ator tem grande importância, pois é através das relações de poder em um sistema de apropriação e dominação que o território se constitui mediante as relações econômicas, políticas e culturais (E-P-C). As relações de poder colocadas por Raffestin (1993) não são macro escalares, mas possuem diversas escalas de possibilidade e ação, ou seja, qualquer tipo de relação de poder engendradas dentro do território, não é simplesmente um poder emanado do Estado, mas sim dentro da perspectiva da E-P-C, sendo assim, compactuando com o que Foucault (2009) conceitua poder desconstruindo a ideia de poder relacionado apenas ao Estado ou instituições: Dizendo poder, não quero significar “o poder”, como conjunto de instituições e aparelhos garantidores da sujeição dos cidadãos em um Estado determinado. Também não entendo poder como modo de sujeição que por oposição à violência, tenha a forma da regra. Enfim não entendo como um sistema geral de dominação exercida por um elemento ou grupo sobre outro cujos efeitos, por derivações sucessivas, atravessem o corpo social inteiro. A análise em termos de poder não deve postular, como dados iniciais, a soberania do Estado, a forma da lei ou a unidade global de uma dominação; estas são apenas e, antes de mais nada, suas formas terminais.[...] Onipresença do poder:não porque tenha o privilégio de agrupar tudo sob sua invencível unidade, mas porque se produz a cada instante,em toda relação entre um ponto e outro.O poder está em 20 todo lugar; não porque englobe tudo mas sim porque ele está em todos os lugares.( FOUCAULT,2009, p. 101-102). Partindo desta ideia de Michael Foucault (2009) compreende-se o poder não como um eixo central de relações como que ordena e normatizam as instituições do Estado moderno, corpos e sujeitos, para Foucault o poder assume uma dimensão capilar (agindo a partir de micro-relações capilares sobre os corpos dos indivíduos), que emergem a partir dos diversos tipos de tensões e relações. Em suma para Foucault o poder não é algo como um objeto que se pode possuir, o poder se exerce através das relações cotidianas que compõe o nosso quadro de práticas. Esta perspectiva de poder se encaixa quando Raffestin (1983) explicita o território através das relações de poder na construção do território que através dessas relações de poder cria-se os trunfos de poder, ou seja, “[...] O poder está presente nas ações do Estado, das instituições, das empresas [...], enfim, em relações sociais que efetivam na vida cotidiana”. (SAQUET, 2007, p.33). Porém é preciso salientar que Raffestin se apropria da ideia de poder de Foucault (2009), desta maneira não se restringe a concepção de território absoluta, ou seja, ligado aos aspectos políticos ao papel dos Estados desta maneira não desconsiderando as dimensões econômicas e culturais da sociedade vislumbrando o território como relacional. No que tange uma perspectiva multidimensional do território Raffestin (1993) defini as territorialidades a partir do território como um conjunto de relações: Mas a vida é tecida por relações, e daí a territorialidade pode ser definida como um conjunto de relações que se originam num sistema tridimensional sociedade-espaço-tempo [...] A territorialidade aparece então como construída de relações mediatizadas, simétricas ou dissimétricas, com a exterioridade [...] A territorialidade se manifesta em todas as escalas sociais e espaciais [...] (RAFFESTIN, 1993, p. 160-161). A partir dessa concepção de território e territorialidades diante das relações de poder e das territorialidades como produto de relações de uma coletividade Raffestin (1983) avança ao trabalhar territorialização, desterritorialização, reterritorialização. A T-D-R é definida como: com a tríade (T-D-R) 21 A territorialização implica [...] um conjunto codificado de relações [...] a desterritorialização é, em primeiro lugar, o abandono do território, mas também pode ser interpretada como a supressão dos limites, das fronteiras [...] A reterritorialização [...], pode ocorrer sobre qualquer coisa, através do espaço, a propriedade o dinheiro etc. (RAFFESTIN 1984 apud SAQUET), 2007, p. 78. Diante das proposições de Raffestin (1984, 1993) podemos observar que as ideias das relações através do trabalho e do poder fazem parte do que vem a se definir território para esse autor, utilizando-se do conceito de poder de Foucault (2009) e trabalhando com a relação E-P-C, além de uma concepção múltipla do território. No que refere as relações do território e territorialidades com identidade, Raffestin aborda e sugere alguns tipos de territórios sendo eles o território do cotidiano, pautado em Henry Lefebvre, o território das trocas, o território de referência, o território do sagrado “[...] o território do cotidiano é, ao mesmo tempo, aquele da tensão e distensão, aquele de uma territorialidade imediata, banal e original, previsível e imprevisível”. (RAFFESTIN 2003 apud SAQUET, 2007, p. 150). O território das trocas articula-se entre as escalas locais, regionais, nacional e internacional, em uma relação multiescalar “[...] nele, há descontinuidade temporal, espacial e lingüística”. (SAQUET, 2007, p. 150). O território de referência “[...] material e imaterial; é histórico e imaginário, subjetivo (memória individual e/ou coletiva)”. (SAQUET, 2007, p. 150), a referência não é o território habitado e sim o que já foi habitado, por exemplo, território mediante leituras, imagens que afloram a identidade. O território sagrado é ligado à religião e a políticas exemplos como Jerusalém e Roma, territórios sagrados para Judeus e Católicos respectivamente e o político ligado a sistemas políticos ou figuras políticas, nacionalismo, nazismo. “[...] são sacralidades políticas, criadas por povos ou Estados. Nas festas e cerimônias também se efetivam sacralidades, territorialidades”. (SAQUET, 2007, p. 150). Nesta perspectiva Raffestin deixa clara a abordagem múltipla do território, definindo as especificidades do que vem a ser o território e as territorialidades a partir da identidade das relações, essas especificidades não acontecem de maneira única, pois são processuais e relacionais, podendo esses territórios serem construídos e se relacionarem simultaneamente. Fica evidente 22 mediante esses territórios elencados por Raffestin a interação das relações entre (EP-C). A partir desta análise do que é território para Raffestin (1984, 1993, 2003) e todas as sua derivações conceituais tais como sistemas territoriais, territorialidade e T-D-R, entendemos que este autor propõe o território como um espaço modificado através do trabalho e das relações de poder das mais diversas, nos quais os autores sintagmáticos através da vida cotidiana e dos signos produzem o território e as territorialidades. Ainda na ideia de T-D-R Rogério Haesbaert (2007) geógrafo brasileiro vai propor que a desterritorialização é um “mito”, ou seja, para ele a desterritorialização não passa de uma ilusão, o que existe são multiterritorialidades, sendo esse conceito uma alternativa para o processo de desterritorialização. Para Haesbaert (2007) não é que a desterritorialização não exista, ela é um processo concomitante da territorialização, ou seja, uma ação leva a outra. O que existe, de fato, é um movimento complexo de territorialização, que inclui a vivencia concomitante de diversos territórios – configurando uma multiterritorialidade, ou mesmo a construção de uma territorialização no e pelo movimento. (HAESBAERT, 2007, p.20). Nesse sentido Haesbaert (2007) entende o território na perspectiva de Raffestin como relações de poder, porém acrescenta que o território “[...] desdobra-se de um continuum que vai da dominação política econômica mais ‘concreta’ e ‘funcional’ à apropriação mais subjetiva e/ou ‘cultural-simbólica’” (Haesbaert, 2007, p. 21.). Haesbaert (2007) parte das ideias de Henry Lefebvre de apropriação e dominação do território, ou seja, o espaço para Lefebvre é a matéria-prima para os processos de territorialização, em sua tríplice constituição (enquanto espaço concebido, percebido e vivido). Em uma perspectiva materialista histórica de dominação e apropriação pautada em Henry Lefebvre (1986) a dominação do território é advinda das forças hegemônicas de dominação do modo de produção capitalista enquanto a apropriação ocorre a partir das relações de poder simbólico, cultural, identitário, desta maneira mediante a relação dialética de dominação e apropriação, a dominação parte das relações de poder pautadas por poderemos hegemônicos 23 econômicos enquanto a apropriação através das relações de poder simbólico, a partir da emanação das identidades pertencente a indivíduos ou grupos sociais, criando desta maneira as territorialidades de apropriação. O território envolve sempre, ao mesmo tempo [...], uma dimensão simbólica, cultural, por meio de uma identidade territorial atribuída pelos grupos sociais, como forma de controle simbólico do espaço onde vivem (podendo ser, portanto uma forma de apropriação), e uma dimensão mais concreta, de caráter político disciplinar: apropriação e ordenamento do espaço como forma de domínio e disciplinarização dos indivíduos. (HAESBAERT, 1997, p.42). Diante dessa afirmativa de apropriação, as relações identitárias se fazem presentes constituídos a partir da efetivação da construção do território e das territorialidades. Determinadas identidades são construídas a partir da relação concreto-simbólica e material/imaginária dos grupos sociais com o território. Estas seriam identidades territoriais por serem construídas pelo processo de territorialização, aqui entendido como “as relações de domínio e apropriação do espaço, ou seja, nossas mediações espaciais do poder, poder em sentido amplo, que se estende do mais concreto ao mais simbólico” (HASBAERT, 2001, p.121). As identidades como o território são construídas, essas de diversas formas: tais como discursos, narrativas, relações de poder, memórias, sentimento de pertencimento, tendo um caráter abstrato, porém podendo se materializar de diversas formas como, por exemplo, nas rodas de samba, na culinária afro-brasileira ligada ao samba como a “feijoada”, de tal forma que a “[...] identidade, enquanto sentimento de pertencimento é simbólica e abstrata, mas é originária de vivências, experiências e afetos concretos” (WASSERMAN, 2001, p 08). Diante das discussões conceituais de identidades concordamos que: A identidade aparece como uma construção cultural. Ela responde a uma necessidade existencial profunda, a de responder à questão: “quem sou eu?” Ela o faz selecionando um certo número de elementos que caracteriza, ao mesmo tempo,o indivíduo e o grupo: artefatos, costumes, gêneros de vida, meio, mas também sistemas de relações institucionalizadas, concepções da natureza, do indivíduo e do grupo[...] (CLAVAL,1999, p.15). 24 É perceptível dentro do debate acadêmico que existem várias linhas de discussão sobre o conceito de identidade, sendo esse um conceito complexo, discussões que vão desde a tríade proposta por Stuart Hall (2004) do sujeito iluminista, sociológico e pós-moderno, com as constantes crises de identidades até a discussão de identidades individuais e coletivas, ou seja, um leque de proposições sobre o conceito. A identidade é contrastiva com a diferença, pois entre esses dois conceitos “[...] ocorre um cruzamento ainda mais íntimo, pois não há como ‘identificar-se’ algo sem que sua ‘diferenciação’ (em relação ao ‘outro’), seja construída, a ponto de ‘diferenciar-se’”. (HASBAERT, 2007, p. 36). As identidades territoriais são construídas a partir da apropriação do território a partir de um elemento central. A identidade territorial só se efetiva quando um referente espacial se torna elemento central para a identificação e ação política do grupo, um espaço que a apropriação é vista em primeiro lugar a partir da filiação territorial, e onde tal filiação inclui o potencial de ser ativada, em diferentes momentos, como instrumentos de reivindicação política (HAESBAERT, 2007, p. 45). Diante dessa afirmativa podemos exemplificar a partir do caso do Quilombo dos Palmares, em uma relação de apropriação do território constituída pela fuga dos “senhores” escravagistas Zumbi dos Palmares com os negros fugidos das Senzalas criaram um território de resistência denominado de quilombo no qual lutaram contra a política de açoitamento dos negros no Brasil no século XVII em Alagoas, e que acabou por desencadear diversos quilombos pelo Brasil como forma de resistência até a abolição da escravatura, sendo possível encontrar nos dias de hoje remanescentes de quilombolas pelo Brasil, reforçando assim o caráter identitário de resistência dos negros no Brasil. O espaço concebido ou das representações na perspectiva de Lefebvre são identidades que “[...] estão ligadas as relações de produção da ordem que impõem os conhecimentos, os signos, os códigos espaciais como um produto do saber, um misto de ideologias e conhecimentos”. (CRUZ, 2006, p. 76). O espaço concebido é inserido de forma tácita no cotidiano da sociedade, em uma relação dialética com o espaço vivido que são “[...] identidades pautadas na apropriação 25 simbólica [...] o uso, o afetivo, o sonho, o imaginário, o corpo, a festa, o prazer. Essa apropriação está assentada no valor de uso”. (CRUZ, 2006, p. 77). A apropriação simbólica mediante o espaço vivido: [...] são identidades construídas arraigadas na experiência imediata do espaço vivido, na densidade e espessura de um cotidiano compartilhado localmente em sua multiplicidade de usos do espaço e do tempo. Estão ligadas à produção e comunhão dos saberes, dos costumes em comum, da memória e do imaginário coletivo. (CRUZ, 2006, p.77). Esta relação entre espaço concebido e espaço vivido dialeticamente constroem o pertencimento e as identidades territoriais, seguindo ainda com o exemplo dos quilombos dos Palmares, no qual o elemento central foi à resistência contra a violência aplicada pelo grupo hegemônico que detinham o poder sobre os escravos negros, criou-se mediante as identidades o valor de uso, a partir do autosustentabilidade do quilombo, como a produção de alimentos e elementos culturais tais quais os batuques e danças que marcaram a pré-gestação do samba, como veremos no segundo capítulo deste trabalho. Como decorrência deste raciocínio, é interessante observar que, enquanto “espaço-tempo vivido”, o território é sempre múltiplo, “diverso e complexo”, ao contrário do território “unifuncional” proposto pela lógica capitalista hegemônica. (HAESBAERT, 2005, p. 6.775). No que se refere à interação entre identidade e territorialidades sendo uma inerente a outra. A identidade é, e sempre está em processo, ou seja, sempre está em construção. Neste sentido a identidade é dinâmica, múltipla, aberta e contingente [...] a identidade não se restringe a “quem nós somos”, mas também “quem nós podemos nos tornar”; desse modo, a construção da identidade tem a ver com “raízes” (ser), mas também como “rotas” e “rumos” (torna-se, vir a Ser) (CRUZ, 2006, p. 70). Porém a perspectiva da presente pesquisa de relacionar identidade com território ocorre pelo fato de que os dois conceitos são construídos através de relações, ou seja, são relacionais e processuais. No que se refere à territorialidade e identidades em uma relação intrínseca entre esses dois conceitos: “[...] a territorialidade esta na base da identidade; são relações matérias e não materiais próprias do território, onde se 26 habita, vive, produz. Está intimamente ligada à vida cotidiana, no lugar”(SAQUET,2005,p. 13.405). O conceito de território e territorialidade para Marcos Aurélio Saquet, em consonância como muitos aspectos propostos por Raffestin e Haesbaert, tais como relações de poder e dimensões simbólicas do território, tem o acréscimo da natureza Exterior ao homem e a (i) materialidade, ou seja, as relações do território como esses três elementos E-P-C (econômica, política e cultura) passa a ter a inserção do N – natureza exterior ao homem, que nada mais é que a natureza primeira, formando assim as siglas (E-P-C-N). A natureza exterior ao homem para Saquet não é estática, em constante transformação, relacional com a sociedade. [...] os territórios podem ser temporários ou permanentes e se efetivarem em diferentes escalas, envolvendo sempre a síntese dialética do natural e do social que reside no homem. “O trabalho social e as representações são dois elos de ligação entre a sociedade e a natureza. [...] Assim não há sociedade sem natureza, nem natureza sem sociedade (SAQUET, 2007, p.128). A (i)materialidade para Saquet (2007) se dá de maneira concomitante com a materialidade, “[...] as relações, os processos, a vida são materiais e ideários ao mesmo tempo. Ideário e matéria também estão em unidade, uma está na outra constantemente”. (SAQUET, 2007, p. 17). Portanto Saquet define o território e as territorialidades elencando esses dois elementos ao território, sendo eles a natureza exterior e a (i) materialidade que perpassa toda a relação envolvendo todas as dimensões E-P-CN. [...] Assim são os territórios e as territorialidades: vividos percebidos e compreendidos de formas distintas; são substantivados por relações, homogeneidades e heterogeneidades, integração e conflito, localização e movimento, identidades, línguas e religiões, mercadorias, instituições, natureza exterior ao homem; por diversidade e unidade; (i) materialidade [...] (SAQUET, 2007, p.25). Nesse sentido, partindo de uma abordagem processual e relacional do território, as territorialidades propostas por Saquet nos dão o aporte teórico que nos levou à reflexão sobre a formação e construção de territorialidades do samba, bem como das distintas identidades a ele inerente. 27 [...] Territorialidade [...] Como mediação simbólica, cognitiva e prática que a materialidade dos lugares exercita sobre o agir social [...] A territorialidade faz parte de um fenômeno social, que envolvem indivíduos que fazem parte de grupos interagido entre si, mediados pelo território, mediações que mudam no tempo – espaço (SAQUET, 2007 p.115). A partir da abordagem do conceito de território, mediante sua evolução desde a sua etimologia, até a abordagem processual e relacional do território, chegando às territorialidades através de suas relações sociais e identitárias, entrelaçaremos estes conceitos com a experiência da pesquisa de campo no qual entrevistamos os sujeitos do samba na cidade de Londrina, nos propondo assim a desvendar as territorialidades escondidas para muitos de grupos culturais que se relacionam com a cidade através de suas identidades e territorialidades. A identidade do samba é advinda de um processo cultural oriundo dos negros que no decorrer do tempo ganhou notoriedade e adquiriu o status de símbolo de identidade Brasileira. No próximo capítulo discutiremos a Geografia do samba da gênese até a sua contemporaneidade, assim evidenciando sua origem e a sua evolução ao longo do tempo até os dias de hoje, no qual criou as suas territorialidades pelo Brasil inclusive em Londrina. 28 3. A GEOGRAFIA DO SAMBA: DA GÊNESE A CONTEMPORANEIDADE Samba Linda melodia que traz alegria Na cidade ou na colina Samba, orgulho dos brasileiros que na voz do seresteiro Torna-se a apoteose divina Vem de negros antepassados, de escravos acorrentados Sob a luz do cativeiro seu som, ai o seu som Embalava a Sinhá Maria que cantando assim sorria E os negros batucavam no terreiro5 A discussão sobre a gênese do samba nos leva a observar a existência de diversas linhagens sobre a origem do gênero, porém independentemente de onde o samba foi gestado no Brasil é um fato consumado que surge da população negra advinda da África que servia de mão de obra escrava. Não podemos afirmar que o samba é africano apesar da evidente ligação e a ancestralidade com aquele continente. Através de diversos elementos, principalmente pelos ritmos muito presentes nos cultos religiosos das diversas tribos africanas como danças e oferendas. A Etimologia da palavra samba vem do dialeto angolano (semba) que quer dizer umbigada, o (Sam) dar e (ba) receber. Na dança de umbigada existiam algumas regras como, por exemplo, o pai não poder dançar com a filha e mãe com o filho sendo isso uma caracterização de desrespeito. “A origem da palavra “samba”, que varia da [...] divindade angolana protetora dos caçadores”, a culto pela divindade pela dança, passando com o sam como pagar, e ba, como receber, sendo assim a dança do dar e receber. (FERREIRA; CARDOSO; DOS SANTOS, 2003, p.27). Fica evidente a caracterização simbólica e religiosa de matriz africana da origem da palavra samba que se derivou do dialeto angolano a palavra “semba”. 5 Trecho da canção Apoteose do Samba: Silas de Oliveira e Mano Décio da Viola 29 O samba no Brasil caracterizado ainda apenas como dança de umbigada com elementos das religiões afrobrasileiras, foi muito praticado nas senzalas, nos arraiais, festas, quilombos. Em uma relação dialética os negros se “assenhoreavam” do terreno devido à tamanha força rítmica do samba através da utilização do corpo e dos batuques. A relação da música, do corpo e da dança já era evidente onde existia concentração de negros, principalmente nos quilombos que significaram grandes focos de organização e resistência dos negros pela liberdade, sendo o mais famoso o quilombo dos Palmares. Dispostas previamente as sentinelas, prolongam as suas danças até o meio da noite com tanto estrépito batem no solo, que de longe pode ser ouvido. E já era bem visível a coreografia do samba: Por via de regra, aos lados da rude orquestra, dispõem-se em circulo os dançarinos que cantando e batendo palmas, formam o coro e o acompanhamento. No centro do circulo, sai por turnos a dançar cada um dos circunstantes. E este ao terminar a sua parte, por simples aceno ou violento encontrão, convida outros a substituí-lo. Por vezes toda a roda toma parte no bailado, um atrás do outro, a fio, acompanhando o compasso da música em contorções cadenciadas dos braços e dos corpos (RODRIGUES apud SODRÉ, 1998, p.12). Dentro do processo dinâmico da origem do samba e da migração forçada dos negros para o Brasil, o samba vai se dinamizando estando em constante evolução com suas relações processuais, porém sem nunca perder os elementos da cultura negra, independente da região brasileira da qual o samba se constituiu de maneira mais efetiva. Na realidade os diversos tipos de samba (samba de terreiro, samba duro, partido alto, samba cantado, samba de salão e outros são perpassados por um mesmo sistema genealógico e semiótico: a Cultura negra. Foi graças a um processo dinâmico de seleção de elementos negros que o samba se afirmou como gênero síntese, adequando à reprodução fonográfica e radiofônica, ou seja, a comercialização em bases urbano-industriais. (SODRÉ, 1998, p.35). Diante dos argumentos propostos acima apesar das diferenças rítmicas que o samba possa ter adquirido nas diferentes regiões do Brasil em que ele emergiu, esse gênero manteve as matrizes oriundas da cultura negra. Portanto de forma didática falaremos nos subtítulo a seguir sobre as especificidades geográficas do samba paulista de origem rural e do samba carioca de origem urbana. 30 3.1. A geografía do Samba Paulista Quem nunca viu o samba amanhecer vai no bexiga pra ver, vai no bexiga pra ver 6 No século XIX e início do século XX o samba caracterizava-se ainda em nas zonais rurais do Estado de café, no qual a urbanização não havia ainda se consolidado. Desta maneira o samba paulista foi muito praticado no Estado de São Paulo nas fazendas de café localizadas no interior do Estado em cidades como Campinas, Tiête, Piracicaba, Sorocaba, Rio Claro, Porto Feliz, Limeira, São Pedro, Itu, Tatuí, São Carlos entre outras cidades do interior. Essas cidades eram consideradas zonas “batuqueiras”, geralmente essas manifestações aconteciam ligadas a instituições de ordem religiosas como a irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e de São Francisco de Assis, mas o santo que os negros mais reverenciavam é São Benedito, santo negro da igreja católica. Foi, pois, a sombra das irmandades, principalmente a de nossa senhora do Rosário que os negros se organizavam para uma ruidosa participação na vida popular brasileira [...] a partir do século XVII tudo constituía um bom pretexto para os escravos saírem às ruas com suas marimbas, assobios, cangas (cana ou taquara com orifícios e fechada nas extremidades pelos próprios gomos), atabaques e macumbas (instrumento de raspa), produzindo ainda necessariamente uma musica tribal. (TINHORÃO, 1972, p.47). A cidade de Pirapora do Bom Jesus - SP por ser um local de grande concentração de devotos atraía e ainda atrai até hoje muitos romeiros, a cidade criou essa característica pelo fato do ano de 1725 ter sido encontrado as margens do rio Tiête uma imagem do Senhor Bom Jesus e que em alguns dias depois a imagem teria curado um mudo o fazendo voltar a falar, assim a cidade começou a reunir pessoas que pagavam ou faziam suas promessas e a noite se juntavam nos alojamentos e batucavam. Foram as festas realizadas em Pirapora, que tiverem o maior poder de juntar os grupos. Do início do século XX até os anos de 1920, esse ponto de encontro foi muito importante no desenvolvimento das ocorrências musicais dos negros paulistas e paulistanos. Eles 6 Trecho do samba “Tradição” de Geraldo Filme. 31 participavam das celebrações de Pirapora como devotos e até como romeiros, mas era nos barracões em que se alojavam que acontecia a festa, tão famosa quanto a própria festa religiosa. Com o tempo, os alojamentos começaram a ser distribuídos de acordo com a procedência das pessoas – Capital, Campinas, Piracicaba, Jacareí, Sorocaba etc. – e, posteriormente, por agrupamentos dos cordões paulistanos. (GONÇALVES; LOPES; SOUZA, 2008, p.10). Esses batuques praticados nas festas de Pirapora ainda não caracterizavam o samba, porém aglutinava os elementos necessários de uma prégestação desse gênero musical que vai se constituir de forma mais efetiva no decorrer do século XX em São Paulo e também no Rio de Janeiro do qual falaremos mais adiante. Dentro do samba paulista diversos elementos importantes marcaram a sua constituição, em sua maioria ligados à vivência do meio rural paulista, como o samba do lenço, sambo do bumbo e as rodas de tiriricas. Esses três elementos citados carregam consigo forte apelo à cultura folclórica popular do estado de São Paulo, não se limitando apenas como elementos do samba. O Samba do Lenço (Figura 1) muito praticado no interior, principalmente em Piracicaba-SP, cidade essa onde ainda se encontram remanescentes desse tipo de samba e um movimento de resgate a essas tradições, como o próprio nome diz leva o lenço como seu adorno principal Ficam homens de um lado e mulheres do outro, cada um com seu lenço respondendo à entoada dos cantadores. No enredo das letras destacam-se temas cotidianos e pequenas crônicas de acontecimentos locais: homenagens, sátiras, romance. Tudo embalado à levada de instrumentos de percussão (pandeiro, caixa e chacoalho – geralmente artesanais).7 7 Endereço eletrônico do fórum permanente de defesa de cultura popular, de onde foi tirada a citação sobre as características do samba do lenço. http://defesadastradicoes.blogspot.com/2008/08/hoje‐tem‐samba‐de‐ leno.html acesso em 18/09/2009. 32 Figura 1: Samba do Lenço em homenagem a São Benedito Fonte: http://blig.ig.com.br/sambalenco/files/rkdoc_070617_samba-lenco_penha_323.jpg O Samba de bumbo é retratado por Mario de Andrade 1933 em seu texto intitulado Samba Rural Paulista que fez parte no seu estudo sobre cultura popular brasileira no qual ele remete aos festejos de Bom Jesus de Pirapora onde o Samba do Bumbo predominou. Enfileirados os instrumentistas, com o bumbo ao centro, todos se aglomeram em torno deste, no geral inclinados pra frente como que escutando uma consulta feita em segredo. É, pois a coletividade que decide do texto-melodia com que vai sambar. No grupo em consulta, um solista propõe um texto-melodia. Não há rito especial nesta proposta. O solista canta, canta no geral bastante incerto, improvisando. O seu canto, na infinita maioria das vezes, é uma quadra ou um dístico. O coro responde. O solista canta de novo. O coro torna a responder. E assim, aos poucos, desta dialogação, vai se fixando um texto-melodia qualquer. O bumbo está bem atento. Quando percebe que a coisa pegou e o grupo, memorizando com facilidade o que lhe propôs o solista, responde unânime e com entusiasmo, dá uma batida forte e entra no ritmo em que estão cantando. Imediatamente à batida mandona do bumbo, os outros instrumentos começam tocando também, e a dança principia. (ANDRADE apud CARNEIRO, 2005, p. 326). As rodas de Tiririca também fazem parte desses elementos que 33 solidificaram o samba paulista, praticada tanto no interior do Estado como na capital com ocorrência nas praças e largos a tiririca era exercitada até a metade do século XX onde “[...] se constituía em um jogo de pernas na qual os participantes se desafiavam para comprovar a sua superioridade sobre o adversário, a competição era sempre embalada pela batucada nas caixas de engraxate (IOTI apud GONÇALVES, LOPES, SOUZA, 2008, p. 18). A ideia do samba em São Paulo ser de origem rural fica evidente através do argumento da formação e ocupação das fazendas de café no território paulista, pela forte presença de escravos na produção cafeeira como já explicitado no texto. Conhecido também como samba de escravo, o samba rural conta “[...] com presença acentuada de instrumentos como viola caipira, lata de engraxate, frigideira e batuque pesado. (RIBEIRO, 2005, p.61), caracterizando os elementos musicais marcantes do samba paulista. Outro elemento marcante do samba paulista foi o dos batuques em caixa de engraxate. Nas principais praças da cidade de São Paulo personagens importantes do samba batucavam em suas caixas sem ainda ser reconhecidos como bem retrata a música de Geraldo Filme “Partiu não tem placa de bronze não fica na história, sambista de rua morre sem glória depois de tanta alegria que nos deu” 8. Nomes importantes como Germano Mathias, Toninho batuqueiro, Osvaldinho da Cuíca que foi parte integrante do grupo Demônios da Garoa, e que introduziu a frigideira como instrumento no samba. Sambista, ritmista, passista, cantor e compositor, Osvaldinho da cuíca começou no samba quando ainda era engraxate na região do pátio do colégio, em São Paulo. Batucando na latinha de graxa, para entreter a freguesia, tomou gosto pela percussão. Além da cuíca adotou a frigideira como cartão de visitas. (RIBEIRO, 2005, p.61). Hoje Osvaldinho da Cuíca se diz o único a tocar frigideira, que a tradição está se acabando, pois as frigideiras são de alumínios e não mais de ferros e acabam amassando e não possui a mesma sonoridade. É possível afirmar que a ideia de utilizar caixa de engraxate, latinha de graxa, frigideira venha ser pela falta de condição de acesso aos instrumentos musicais, dessa forma improvisando e assim criando características particulares para o samba paulista. 8 Trecho da canção Silêncio no Bexiga – Geraldo Filme. 34 O samba paulista através de todos os seus elementos simbólicos, culturais é engendrado por personagens, sujeitos que produzem e reproduzem essa cultura, sem eles o samba não existiria. Em São Paulo existem diversos sambistas que escreveram a sua história na cultura e no samba como, por exemplo, o já citado Osvaldinho da Cuíca. Entre essas figuras alguns se destacaram de forma efetiva, sendo as suas obras conhecidas até mesmo por quem não tem ligação com o samba como é o caso de Adoniran Barbosa que apresentou a parte marginalizada da sociedade paulistana colocando em evidência a história das malocas9. Nessa mesma linha regravando diversas músicas de Adoniran o grupo Demônios da Garoa apareceu no cenário do samba, sendo um dos grupos mais respeitados e ativos do País. Geraldo Filme que participou de forma eloquente do movimento negro e compôs diversos sambas relacionados às fazendas e senzalas e a São Paulo, principalmente sobre os bairros do Bexiga e da Barra funda. Citaremos de forma mais abrangente esses dois personagens e o grupo Demônios da Garoa, porém as figuras do samba paulista não se resumem a eles tendo sim diversos personagens não menos importantes que estes no decorrer de sua história. Adoniran Barbosa como ficou imortalizado ou João Rubinato nome de batismo nasceu em 1910 na cidade de Valinhos região de Campinas, ator de Rádio trabalhou por muito tempo na radio Record de São Paulo onde apresentava a radio novela História das malocas, na década de 1950 compôs sambas que até hoje está marcado na memória das pessoas e é cantado inclusive por crianças, como samba do Arnesto10, Iracema11, Tiro ao Alvo12, Saudosa Maloca13, Trem das Onze14. Adoniran Barbosa, a partir de suas obras tanto como rádio ator ou compositor cantor narrou a metrópole paulistana que estava em pleno processo de modernização no início da década de 1950, que através do discurso oficial [...] anuncia a cidade como progresso e trabalho, como ícone da modernidade brasileira 9 ‐ Programa de Radio produzido e interpretado por Adoniran Barbosa na Radio Record de São Paulo, no qual retratava a simplicidade da população menos abastada da sociedade paulistana, mediante ao cotidiano simples dos personagens. 10 ‐ Samba do Arnesto ‐ Adoniran Barbosa. 11 ‐ Iracema ‐ Adoniran Barbosa. 12 ‐ Tiro ao Alvo ‐ Adoniran Barbosa. 13 ‐ Saudosa Maloca ‐ Adoniran Barbosa. 14 ‐ Trem das Onze – Adoniran Barbosa. 35 – a São Paulo dos arranha-céus e chaminés, expressão do desenvolvimentismo e da superação do atraso do país. (ROCHA, 2002, p. 19). Os arranjos territoriais da cidade de São Paulo expostos por Adoniran divergem do que vem a ser a história oficial, do desenvolvimento da metrópole paulistana. Adoniran a partir de suas experiências do cotidiano retratava a rotina das pessoas simples que geralmente residiam em malocas e cortiços da área central de São Paulo em contrapartida ao crescimento da metrópole constituída pelos arranha-céus. Adoniran via esse processo de modernização de maneira distinta do discurso oficial, observava o cotidiano e enxergava todo o processo de marginalização da camada menos abastadas da capital paulista. Adoniran, como narrador da metrópole, traduz a modernidade a partir de uma percepção que se alimenta de um sentido do cotidiano, negado pela racionalidade que move a transmutação do espaço da cidade – valor de uso – em metrópole – valor de troca. A sua obra, inscrita no universo popular, apropria-se do urbano, inventando uma narrativa do moderno a margem das imposições da ordem dominante. (ROCHA, 2002, p.20). Além de deixar registrados sambas importantes, Adoniran sabia trabalhar com a linguagem, juntando o vocábulo Ítalo – caipira dos bairros paulistano da região central da cidade, mesclando o vocábulo dos negros e dos italianos como nesta música “si o senhor não ta lembrado dá licença de contá, aqui onde está esse edifício arto era uma casa veia [...] mais, um dia nóis nem pode se alembrá veio os home cas ferramentas o dono mando derrubá15“ outra composição que retrata essa linguagem é o samba do Arnesto, “Arnesto nos convidou pra um samba, ele mora no Brás nós fumos não encontremos ninguém, nós vortemos com uma baita de uma réiva da outra vez nós num vai mais.16” Na década de 1940 desponta em São Paulo o grupo Demônios da Garoa, se apresentavam nas emissoras de rádios da capital, no início o grupo se chamava Luar e tocava serenatas, conheceram Adoniran na rádio e dá lá em diante gravaram diversas composições de Adoniran Barbosa. 15 16 Trecho da canção Saudosa Maloca – Adoniran Barbosa Trecho da canção Samba do Arnesto – Adoniran Barbosa 36 Estas interpretações consagrariam o estilo musical, que caricaturava a batucada dos engraxates que trabalhavam no trecho entre as praças da Sé e Clóvis Bevilacqua, no centro da cidade. Além disso, o conjunto enfatizava determinados traços da linguagem utilizada por Adoniran, como por exemplo, expressão da fala acaipirada misturada a certo italianismo, presente nas letras de suas canções. A interpretação dos Demônios, nitidamente articula-se a ideia de focalizar nas composições de Adoniran o traço cômico, aproveitando os breques para jogar com humor gaiato e caricatural. (ROCHA, 2002, p.138-139). O grupo Demônios da Garoa continua se apresentando, sendo o grupo mais antigo em atividade no Brasil, registrado até no livro dos Recordes, porém já não conta mais com a sua formação original. Geraldo Filme foi um dos grandes sambistas paulista, nasceu no interior de São Paulo, precisamente na cidade de São João da Boa Vista, porém mudou-se para a capital ainda criança, a veia musical vinha dos pais e dos avôs, o pai tocava violino e a mãe tinha grande facilidade com a musicalidade, já a avó cantava samba com os negros na senzala. Quando menino trabalhava de entregar marmitas de comida chegando inclusive a entregar para o então governador paulista Ademar De Barros. No extinto largo da banana, na Barra Funda, local onde os trens descarregavam as bananas trazidas de outras regiões, os carregadores nas horas vagas entre um trem e outro, formavam rodas de samba e tiririca. Com criatividade improvisavam ritmo transformando pratos, colheres, latas de lixo, caixinhas de fósforo e o que mais tivesse a mão em verdadeiros instrumentos de percussão. Foi nesse meio que o “neguinho das marmitas” juntamente com o seu colega Zeca da Casa Verde freqüentou as primeiras rodas de samba. (SILVA, et al, 2004 p. 155-156). Geraldo Filme teve uma participação importante no carnaval paulista, no qual participou da Escola de Samba da Vai-vai por bastante tempo onde compôs diversos sambas enredos para a agremiação, a Vai-vai que se localiza no bairro Bela Vista no Bexiga capital paulista. Porém notoriamente o que marcou Geraldo Filme foi o seu engajamento através de suas composições como os aspectos sociais e com o movimento negro, cantou muitas canções sobre os negros. 37 Geraldo Filme também fazia critica social e racial em suas letras em Samba de Pirapora17, uma de suas composições mais conhecidas narra como a discriminação racial resultou, em muitos contextos, em um adensamento dos núcleos de sociabilidade dos negros e um fortalecimento de suas formas culturais de expressão e identificação. (SILVA, et al, 2004, p.169). Na contemporaneidade do samba paulista encontramos um projeto que resgata as matrizes do samba de São Paulo e que provavelmente fará vanguarda. O samba da Vela é movimento que faz muito sucesso nas noites de segunda-feira na cidade de São Paulo, principalmente por sua peculiaridade, por ser realizado na segunda-feira o samba não pode ir até muito tarde porque no outro dia as pessoas precisam trabalhar, por isso quando a vela se apaga o samba termina. A história do movimento começa numa noite de segunda-feira, mais precisamente no dia 17 de julho de 2000, quando quatro jovens compositores decidem se reunir e mostrar os seus próprios sambas uns aos outros. O cenário do encontro é o bar ziriguidum [...] Como ninguém tinha relógio e se fazia necessário controlar o tempo da roda, alguém ascendeu uma vela sobre a mesa e determinou que o samba chegaria ao fim tão logo a chama apagasse. [...] A vela serviu como uma espécie de ampulheta [...] O repertório é centrado em sambas de mesa inéditos, feitos pela própria comunidade de Santo Amaro, bairro da periferia paulistana onde nasceu o projeto (RIBEIRO, 2005, p. 33). O movimento do samba da vela (Figura 2) em São Paulo serviu de exemplo para a inspiração de outros movimentos culturais voltados para o samba com a intenção de fazer um resgate cultural do gênero fazendo uma interação com a comunidade em uma forma de entretenimento cultural. 17 ‐ Samba de Pirapora (Geraldo FiIme). 38 Figura2: Samba da Vela na capital paulista; Fonte: http://catracalivre.folha.uol.com.br/wpcontent/uploads/2009/05/samba-da-vela-hans_georg.jpg / acesso em 03/11/2009 Através desse dialogo com o samba paulista ficou evidente que não podemos considerar correta a frase colocada pelo poeta Vinicius de Moraes que “São Paulo é o tumulo do Samba” obviamente que com toda sapiência Vinicius de Moraes deve ter dito esta frase em um contexto provocativo entre Rio de Janeiro e São Paulo. Como vimos São Paulo tem samba sim senhor, e com muita história para contar. Toda a discussão feita sobre o samba paulista não se esgota aqui, muita coisa sobre a história do samba paulista pode ter passado em branco, principalmente por uma questão estrutural do trabalho, mas acreditamos que o essencial para que se compreenda o samba paulista está contemplado nas páginas acima. 39 3.2. A geografía do samba carioca Eu sou o samba A voz do morro sou eu mesmo sim senhor Quero mostrar ao mundo que tenho valor Eu sou o rei do terreiro Eu sou o samba Sou natural daqui do Rio de Janeiro Sou eu quem levo a alegria Para milhões de corações brasileiros18 O processo de formação do samba no Rio de Janeiro foi distinto do ocorrido em São Paulo, como já visto nas terras paulista o samba se caracterizou carregando fortes raízes do rural, oriunda da cultura negra das fazendas de café. Enquanto no Rio de Janeiro tivemos a formação do samba com características urbanas, no quais diversos fatores levaram a essa constituição da qual falaremos a seguir. A capital do império e posteriormente da república no Brasil era constituída de diversos atrativos, lá se localizava toda a efervescência política, econômica e cultural do Brasil, além do fato de ser capitais, as manifestações artísticas, políticas vindas do exterior desembarcavam no então maior aglomerado urbano brasileiro. Antes do samba se consolidar no cenário urbano brasileiro duas expressões musicais participaram efetivamente desse processo, o Lundu e o maxixe. Essas duas expressões eram apreciadas nos bailes a partir da segunda metade do século XIX e foram de extrema relevância para a constituição do samba. O lundu, como o batuque ou o samba, também incluía em sua coreografia uma roda de expectadores, par solista, balanço violento 18 Trecho da música Voz do morro – Ze Keti 40 dos quadris e umbigada, com o acompanhamento de violas. Mas o lundu já é plenamente urbano, é a primeira música negra aceita pelos brancos. Na realidade é a primeira a se crioulizar-se.( SODRÉ, 1998,p.30). O lundu dividia o espaço musical do Rio de Janeiro com outros gêneros musicais advindos da Europa como a modinha e a polca, e esses ritmos foram se mesclando, surgindo então o maxixe: Esta dança, que inicialmente, devido ao seu sensualismo foi considerada indecente pelas camadas dominantes porque a libido e o entrelaçamento dos corpos em volteio e passos rápidos, [...] acabou conquistando esses mesmos grupos, via teatro de revista e bailes de sociedade carnavalesca. Entretanto até fins do século XIX, o preconceito ainda era muito grande com relação a este tipo de ritmo. (CUNHA, 2004, p.50). O maxixe em contato com a cultura dominante passou por algumas transformações e foi até exportado para os teatros europeus, com mudanças significativas para ser aceito na Europa. No Brasil tamanho sucesso teve o maxixe que as apresentações eram feitas em teatro de revistas. No entanto por esse gênero musical estar estreitamente vinculado em suas origens as camadas subalternas de negros e mestiços da cidade nova e ter sido apreciado e cultivado por homens do comércio e prostitutas dentro dos clubes carnavalescos, a dança foi introduzida nos teatros em meio a números cômicos [...] (CUNHA, 2004, 50). No início do século XX o Rio de Janeiro passa por transformações significativas principalmente no que se refere à estrutura urbana. O então prefeito da época Pereira Passos que foi eleito em 1903 foi responsável pelo projeto de reurbanização da capital brasileira, no episódio que ficou conhecido como “bota abaixo”, no qual foram tomadas medidas para um “planejamento” urbano, derrubando os cortiços, alargando as avenidas, deixando o centro da cidade com aspectos e glamour parisiense, essa analogia com a capital francesa deu o nome para esse período de transformações de “La Belle époque”. Todo esse processo de transformação urbana da qual o Rio de Janeiro estava passando gerou um paradoxo, criando a “[...] ‘francafrica’: os governantes sonhando em fazer da cidade uma réplica tropical de Paris enquanto 41 boa parte da enorme população negra vivia concentrada em lugares pouco salubres. (VIANNA, 2004, p.16). É através da população negra, advindas principalmente da Bahia que o samba permeia no cenário urbano carioca, a migração dos baianos para o sudeste ocorreu a partir da revolta dos Malês ( negros mulçumanos) em 1835 na Bahia no qual vieram para a capital federal e para as fazendas de café do Vale do Paraíba no Estado de São Paulo, que diante da decadência do café, acabaram por migraram para o Rio de Janeiro. Quando chegavam à capital geralmente ocupavam a região portuária e central da cidade, criando as suas territorialidades como sugere o livro de (Roberto Moura, 1983). “A pequena África do Rio de Janeiro”. Esse processo de migração foi sendo sedimentado no fim do século XIX e início do XX. Era numerosa a colônia baiana na Saúde [...] Na pedra do sal, no morro da Conceição, próximo aos trapiches começou a ser formada uma colônia, que se estenderia para a cidade nova na virada do século [...] Já havia na pedra do sal um esquema de recepção aos novos habitantes da cidade, que ganhavam abrigo temporário, roupa e comida. (VIANNA, 2004, p.19). Com o advento do “bota abaixo” aplicado pelo prefeito Pereira Passos, muitas pessoas que moravam em cortiços na região central da cidade foram obrigadas a deixar a suas moradias e habitar outros locais mais afastados como os subúrbios e morros, acontecendo um processo de desterritorialização e concomitantemente de reterritorialização, compactuando com a ideia proposta no primeiro capítulo de (SAQUET, 2003) que estas transformações são processuais e relacionais, simultâneo, e é através dessas ocupações de morros que surge a favela. Os primeiros ocupantes do morro da favela foram ex-combatentes da guerra de canudos que receberam a promessa do governo federal de dar a eles casa na capital. Como a construção das casas demorou muito, instalaram-se no morro próximo a zona portuária e à Central do Brasil. O nome “favela” acabou se generalizando e passou a denominar outras ocupações (VIANNA, 2004, p.17). A partir dessa desterritorialização provocada pelo “bota abaixo” o samba se dissemina por diversas partes da cidade na qual habitavam os 42 marginalizados da política dominante, assim locais como a cidade nova, Estácio de Sá, Ramos, Madureira, Osvaldo Cruz, Mangueira, Penha. Pensemos nas mudanças arquitetônicas e sociais do Rio de Janeiro no principio do século XX. Foram elas que fizeram o samba a pegar um trem e ir para as festas da Penha ou refugiar-se em outros subúrbios como Estácio, Madureira, Osvaldo Cruz, Mangueira e Ramos, portanto, pontos estratégicos e disseminando toda a sua prática por toda a cidade. (MOURA, 2204, p.42). Nesse contexto de desterritorialização da população menos abastada do qual foram retiradas dos cortiços do centro da cidade e deslocadas para os morros e subúrbios o samba vai se consolidando de maneira mais efetiva na cidade nova especificamente na Praça Onze, onde morava uma certa baiana chamada tia Ciata, a designação tia vem pela relação que ela tinha com o Candomblé, religião afrobrasileira, na qual ela exercia a função de babalaô-mirim19. Foi lá [...] que floresceu de modo espontâneo e festivo a geração que ira imprimir na alma brasileira, com a criação do samba, o decalque indelével de sua mais funda identidade musical [...] A casa da Tia Ciata condensava a ambiência sonora de um movimento que acabou sendo social, político e etnicamente fundamental para nossa consolidação identitária, algo que ultrapassa, portanto, o limite especificamente musical. (MOURA, 2004, p.100). Toda a efervescência cultural na casa da tia Ciata faz eclodir o Samba no Rio de Janeiro, sendo o principal reduto a Praça Onze (Figura 3). A casa da tia Ciata tinha uma divisão estratégica, pois nesse período das primeiras duas décadas do século XX o samba era marginalizado, perseguido pela policia, por isso a casa era constituída com características um espaço de contra poder das autoridades. Na chamada sala de visitas, na frente da casa acontecia o baile, freqüentado por pessoas de “partido-alto”, ou seja, aqueles que tinham mais história naquele grupo. O que é lembrado, nos depoimentos, como samba de partido-alto era uma música basicamente instrumental, com violão, cavaquinho, eventualmente flauta, mas sem instrumento de percussão. Tocava-se polca, maxixe e o que já era se chamado de choro. Algo muito diferente para o que depois se firmou como partido-alto: versos improvisados a partir de um refrão. Também ficavam ali justificando o nome da sala, as visitas, gente de outras partes da cidade. Nos quartos ou sala de jantar (varia de acordo com o depoimento), acontecia o samba 19 No Candomblé mãe pequena, auxiliar direto do pai ou mãe de Santo. 43 corrido, com palmas, improvisações e danças individuais, não em pares como no baile, Quem dançava no meio da roda sinalizava com a umbigada aquele que deveria substituí-lo. O miudinho sapateado discreto originado no recôncavo baiano, era dançado por Ciata e outros. Já no quintal (ou terreiro), acontecia a batucada, onde a música percussiva embalava as pernadas (capoeira). (VIANNA, 2004, p.23). Figura 3: O palco do nascimento do samba urbano: a Praça Onze em seus dias de glória; Fonte:http://www.jblog.com.br/rioantigo.php?blogid=109&archive=2009-06/ acesso: 04/11/2009 A importância cultural que a casa da Tia Ciata exerceu na constituição do samba urbano fica evidente, pois foi de lá que saiu o primeiro samba gravado do Brasil “Pelo Telefone”, sendo motivo de muita discussão em relação ao seu registro. Ernesto dos Santos conhecido popularmente como Donga, sambista e frequentador da casa da tia Ciata se apropriou e registrou o samba junto com Mauro de Almeida popularmente chamado de Peru dos pés frios, porém a grande questão é que os sambas eram produzidos de forma coletiva, ou seja, por todos que frequentavam a casa. Diante de toda essa discussão o sambista Sinhô que também foi acusado de registrar músicas compostas coletivamente naquele período disse [...] samba é que nem passarinho é de quem pegar. (ALENCAR apud CUNHA, 2004, p.78). O samba Pelo telefone fez muito sucesso no carnaval de 1917, sendo muito apreciado pelos foliões que frequentavam os ranchos carnavalescos. A estrutura musical desse samba era amaxixado, fato também que gerou grande 44 discussão se realmente o Pelo telefone é de fato samba, diferente dos sambas do Estácio de Sá, local do surgimento da primeira escola de samba que caracterizavam sambas sincopados. [...] não há duvidas que pelo telefone está muito distante do que entendemos como samba, aquele que começa a se firmar no final da década de 1920.No entanto, mesmo que não seja um samba e que Donga não tenha sido o seu autor de fato, isso não apaga que “ é ele [Donga] o autor da história, é ele que inventa a canção e assim fazendo inventa o samba carioca em muitas características que veio guardar até hoje.( VIANNA,2004, p.27). Diante de todo esse contexto os ranchos carnavalescos são partes importantes dentro desse processo, sendo eles os percussores das Escolas de Samba que começam a surgir no final da década de 1920. O surgimento dos Ranchos vem das tradições rurais, a princípio eram praticados no natal tendo o seu ápice no dia de Reis em Janeiro, por conta da mistura dos elementos da cultura negra, principalmente os instrumentos de percussão a data de saída dos ranchos passou a ser no carnaval. [...] Era uma organização estruturalmente negra. Já existia na pedra do Sal, (atual morro da Conceição), como instituição recreativa de negros de origem baiana, desde antes do “reinado” das tias da cidade nova. Herdaram características (por exemplo, a forma de procissão) dos pastoris e ternos nordestinos, mas também do cucumbis (mais remotos) – que era passeatas realizadas por ocasião das festas de Natal e Reis – e dos cordões (mais recente que os cucumbis e mais antigo que os blocos). Os ranchos aproveitavam a festa européia do carnaval para retomar, dos cordões a tática de penetração coletiva (espacial, temporária) no território urbano e afirmar, através da música e da dança, um aspecto da identidade cultural negra. (SODRÉ, 1998, p.36). A partir da década de 1920 os ranchos passam a denominação de rancho escola, [...] abandonando as características mais negras e abarcando elementos da sociedade branca para ser melhor aceito, foi então que surgiram de 1923 em diante, as escolas de samba ( no começo, apenas blocos)” (SODRÉ, 1998, p.37) 45 “A primeira escola de Samba surgiu no Estácio de Sá” 20 ·, frase esta de uma canção retrata bem a história e a importância que o bairro Estácio de Sá teve na formação do samba carioca de base urbana. O termo escola surge justamente no Estácio, como forma de organização para que o poder público liberasse a passagem dos ranchos pelas ruas, assim surge o “Deixa eu Falar” em 1928 fundado por um dos grandes expoentes do samba carioca Ismael Silva. O que diferenciava o “Deixa eu falar” dos ranchos era a maneira organizativa, era um bloco de cordas, ou seja, era delimitado diminuindo assim o risco de confusões. Tinha cores, o vermelho e branco em homenagem ao América Futebol Clube time de futebol do Rio de Janeiro. Ali também surgiu a ala das baianas constituída tanto de homens como mulheres e dos ranchos apropriouse das figuras dos mestres salas e das portas bandeiras, sendo essas características importantes de diferenciação dos ranchos para o início das escolas de samba, como pontua (VIANNA, 2004) em seu livro Geografia Carioca do Samba. Outra particularidade do Estácio é a forma de como o samba era executado, de maneira diferente dos que estavam em evidência até então, como é o caso do “pelo telefone” de Donga que era musicalmente amaxixado. O samba estaciano é sincopado, dando ênfase ao corpo, sendo os elementos percussivos tocados de maneira estrondosa, forte. Esta diferenciação do samba do Estácio para o de elementos do maxixe é explicado por Ismael Silva em entrevista em 1974. [...] o samba era assim: tan tantan tan tantan. Não dava. Como é que um bloco ia andar na rua assim? Aí, agente começou a fazer um samba assim: bum bum paticumbum prurungudum (CABRAL apud VIANNA ,2004,p.41). Não analisaremos as estruturas musicais do samba, porém compreendemos ser de relevância fazer essa diferenciação com o samba do Estácio de Sá porque é dali que saíram as referências para o samba e o carnaval carioca posteriormente. A partir de então surgem Mangueira e Portela, duas das mais importantes escolas de samba do Rio de Janeiro influenciadas pelos sambas do Estácio de Sá, que são referências do samba e do carnaval até os dias de hoje. A intenção do trabalho não é discutir as escolas de samba no âmbito do carnaval por isso não trabalharemos as estruturas carnavalescas, apenas 20 Trecho da canção “A primeira escola”: Pereira Matos e Joel de Almeida 46 mencionaremos pela importância dentro do samba como é o caso das comunidades, lembrando assim que samba não é sinônimo de carnaval. Em todo esse contexto de formação do samba como gênero musical e de elementos culturais constituintes nas primeiras décadas do século XX, no que tange uma perspectiva hegemônica, oficial das autoridades de uma oligarquia no sentido de um governo de poucos, voltado para as políticas da classe dominante do Rio de Janeiro o samba era visto de maneira marginal, sendo perseguido, no qual os sambistas eram considerados vadios. A figura que comumente representava o samba é a do malandro que era tido como sinônimo de vagabundo. Porém é necessário diferenciar o malandro daquele período com os dos dias de hoje, principalmente porque o grau de violência daquele período é distinto dos tempos atuais, não havia o problema crônico das drogas, que hoje em dia leva a grandes disputas territoriais por pontos de tráficos e a morte prematura de muitos jovens21. O malandro do início do século XX é uma figura simbólica, sempre andava alinhado, as suas vestimentas eram caracterizados por ternos e sapatos brancos além do chapéu de palha, seu instrumento de intimidação é a navalha, e a sua linguagem tem um poder argumentativo que o leva a convencer as pessoas que acabam caindo em seus golpes. Outra característica importante do malandro que deve ser salientada é a jogatina, por exemplo, o jogo de cartas, roletas, tampinhas, sempre apostando e trapaceando, além da boemia, no qual trocava o dia pela noite, cantava sambas e bebia, ganhava a vida nas custas de golpes. Dentro de um universo social em que as camadas subalternas, principalmente de descendência africana, tinham grandes dificuldades em conseguir um trabalho regular que lhes dessem uma vida digna, a figura do malandro é cantada nos sambas com admiração e até com certa dose de heroísmo, pois, para transitar entre estes dois mundos são necessários alguns atributos, tais como esperteza, malícia, talento e coragem, que o “bom malandro” possui em abundância. (CUNHA, 2004, p. 160-161). A figura do malandro faz parte do universo do samba, o sujeito avesso ao trabalho formal, muitos sambas cantam as proezas feitas pelos 21 ‐ É latente o problema estrutural em que se encontra o Rio de Janeiro e outras cidades do Brasil com a o problema do tráfico de drogas. A guerra do tráfico acua a população que fica de mãos atadas tamanho o poderio dos traficantes, assim esses sujeitos criam as territorialidades do tráfico em que eles detêm o poder, causando conflitos com outros traficantes e com a polícia. 47 malandros como, por exemplo, Se você Jurar 22 ,lenço no pescoço23, acertei no milhar24, além de outros sucessos. No entanto essa simpatia pelo malandro não era bem vista por todos os sambistas, isso gerou talvez a maior polêmica no mundo do samba entre Noel Rosa, nascido em Vila Isabel, conhecido como bacharel do samba, por advir de uma classe média do Rio de Janeiro e Wilson Batista, sambista que exaltava as “qualidades” do malandro. Noel Rosa acreditava que a exaltação a figura do malandro era equivocada, principalmente porque chamava a atenção da polícia sustentar este tipo de rótulo, para representar a sua crítica compôs o samba rapaz Folgado25 contrapondo os argumentos de Wilson Batista em Lenço no Pescoço, em contrapartida Wilson Batista compôs Conversa Fiada26 rebatendo à música Feitiço da Vila27 de Noel Rosa que elencava as qualidades do bairro de Vila Isabel, contradizendo as qualidades do bairro de Noel na canção de maneira provocativa. Essa discussão musical teve mais um capítulo quando Noel compõe Palpite infeliz28 argumentando que Wilson estava errado ao dizer que a Vila não tinha qualidades. O duelo musical só terminou quando Wilson compôs dois sambas Terras de Cego29 e Frankenstein da vila30, sendo que a segunda fazia referencia ao defeito que Noel Rosa possuía no queixo, Noel elogiou a estrutura rítmica da música Terra de cego e quis conhecer melhor as outras composições de Wilson, levando na esportiva a brincadeira feita em Frankenstein da Vila. No entanto de todas as canções citadas de Wilson Batista apenas Lenço no Pescoço fora gravada. Noel Rosa é um dos sujeitos imortalizados no universo do samba, apesar de criticar a postura do malandro, as suas atitudes representavam essa figura, pois vivia na boemia e nos cabarés da Lapa, morreu de Tuberculose ainda muito jovem em 1937 aos 27 anos. Noel sempre teve a saúde frágil, porém não abria mão de sua boemia. 22 ‐ Se você Jurar (Ismael Silva e Vadico) ‐ Lenço no pescoço (Wilson Batista) 24 ‐ Acertei no milhar (Wilson Batista e Geraldo Pereira) 25 ‐ Rapaz folgado (Noel Rosa) 26 ‐ Conversa Fiada (Wilson Batista) 27 ‐ Feitiço da Vila (Noel Rosa) 28 ‐ Palpite Infeliz (Noel Rosa) 29 ‐ Terras de cego (Wilson Batista) 30 ‐ Frankenstein da Vila (Wilson Batista 23 48 A década de 1930 foi muito profícua para o samba, além de Noel Rosa e Wilson Batista, muitos sambistas surgiram nesse período como Ismael Silva, Osvaldo Cogliano (Vadico), Geraldo Pereira, Almirante, Lamartine Babo, Ari Barroso, Carlos Braga conhecido como (João de Barro) entre outros. Os sucessos desses sambistas apareceram em um momento de efervescência cultural na então capital brasileira, principalmente pelo advento do Rádio, que surge na década de 1920 e se consolida na década seguinte. [...] principalmente graças ao rádio, surgido naquela época e logo transformado em “mania” nacional, que serão veiculadas as musicas carnavalescas nas casas dos ouvintes. De certa maneira será um dos grandes responsáveis pela transmissão e consumo do samba pelas camadas médias a partir da década de 1930. (CUNHA, 2004, p.152). Nesse período no qual o rádio se consolida muitos sambistas vendiam seus sambas para cantores que faziam sucesso na época como Mario Reis e Francisco Alves. Os dois cantores são os mais famosos que compravam as músicas, negociavam pessoalmente com os sambistas que de início vendiam a preço baixo, principalmente por virem de classes menos abastadas e necessitavam de recursos para manter a vida boemia. Nos dias de hoje, qualquer compositor considerará escandalosa essa prática. Nos anos 30, porém um sambista como Ismael Silva não considerava aviltante vender sambas ao cantor Francisco Alves. É verdade que ele o fazia por motivos financeiros e pela dificuldade de acesso à produção fonográfica. (SODRÉ, 1998, p.57). Cartola (Angenor de Oliveira) um dos expoentes do samba carioca, representante do Morro da Mangueira e um dos fundadores da Escola de samba Estação Primeira de Mangueira participou da venda de algumas de suas músicas, em depoimento ao Diário de Notícias explica como foi que começou a vender a suas músicas: Foi em 1931. O Mário Reis veio no morro. Ele chegou com um rapaz chamado Clóvis que havia dito que era meu primo, coisa e tal. O Clovis subiu para falar comigo, mas o Mário ficou lá embaixo. Chegou dizendo que o Mario queria comprar um samba meu. Pensei que ele estava maluco. Como vender samba?, Clovis disse que era para o Mario gravar, e tanto insistiu que acabei descendo e cantando um samba para ele, que, por sinal ele já conhecia.Perguntou quanto 49 eu queria.Fiquei sem resposta,Já pedir uns 50 mil réis, mas o Clovis cochichou para eu pedir quinhentos.Ai pedi trezentos. E ele me deu. (DIÁRIO DE NOTICIAS31 apud SILVA; FILHO, 2003, p.85-86). Toda essa novidade, que agitava o Rio de Janeiro e o universo do samba, com a divulgação através das rádios, o comércio de canções entre os sambistas e cantores de sucesso, gerou interesse no Estado. A década de 1930 tem um elemento político significante na história do Brasil, o Estado Novo que foi instituído em 1937. Dentro dessa nova perspectiva política de governo o samba ganha importância no sentido de que com grande apreço popular o Estado necessitava utilizar desse gênero para exaltar a nova política vigente no caso a exaltação ao nacionalismo. O mundo vivia as turbulências da segunda guerra mundial em um conflito ideológico entre os “aliados” comandados pelos Estados Unidos contra os Nazistas comandados pela Alemanha de Adolf Hitler. O Brasil não ficou fora desse embate ideológico, representado através da figura de Getulio Vargas que implementou políticas de cunho nacionalista diferente das políticas anteriores das oligarquias da velha república conhecida como café com leite, no qual São Paulo e Minas Gerais se revezam no poder do País. Desta maneira o samba tem papel importante nessas políticas de exaltação à nação, projetos são criados pelo governo a fim de propagar as ideias do nacionalismo, projetos esses capitaneados por figuras importantes do movimento artístico brasileiro como, por exemplo, Mario de Andrade e Heitor Villa Lobos. Para a formação de uma cultura nacional, e para o resgate da cultura popular, o Estado novo vai se utilizar dos inúmeros intelectuais e artistas do período, como Mario de Andrade e Villa Lobos [...] a atuação do Estado Novo no campo da arte, e particularmente da arte popular, destacava-se também no reconhecimento do valor e do poder de sugestão da música popular. Sabemos que até então, os sambas tinham como temática recorrente o elogio à malandragem, caracterizando o trabalho como um longo e penoso sofrimento. O Malandro do morro que repudiava o trabalho era o herói do cancioneiro popular. (CUNHA, 2004, p.212). A lógica de aversão ao trabalho é modificada com os projetos do Estado Novo, pois através da criação do Departamento de Informação e 31 ‐ Diário de Notícias – Rio de Janeiro – 20‐07‐1974 50 Propaganda (DIP) no qual proibia qualquer tipo de exaltação à malandragem e incentivava o trabalho e a família, sendo esses os elementos básicos propostos pelo Estado Novo. Desta maneira o Estado Novo: [...] conseguirá concretizar, até de certa forma bem sucedida, a construção de uma ideologia coadunada com a sua propaganda política e cultural e de certa forma a utilizar o rádio e os sambas para “educar” e disciplinar os consumidores desse tipo de música (CUNHA, 2004, p. 200). Nesse período então presenciamos a criação de muitos sambas que exaltavam a nação e ao trabalho compactuando com as ideias do governo em exaltar o nacionalismo, sambas como Canta Brasil32, Aquarela do Brasil33, Eu trabalhei34, com características ufanistas indo de encontro com as políticas governamentais. Muitos sambistas que compunham sambas de malandro, em alusão a vida desregrada de boemia passam a compor sambas exaltando o trabalho, a nação, sendo a figura do malandro regenerado. Muitos desses sambistas não compactuavam com essa exaltação a nação, porém faziam esses sambas, pois eram remunerados pelas canções compostas. Portanto podemos chegar à conclusão de que não foi o sujeito que mudou, mas sim a ideologia que este novo Estado pregava a do trabalho e da vida familiar regrada, juntamente com a mentalidade de um grande Brasil no qual nada falta e que poderá ser ainda maior, com a ajuda de todos os trabalhadores brasileiros (CUNHA, 2004, p.210). Na década de 1950 o samba influenciado por outros ritmos passa por algumas transformações, mas não perde a sua essência, pois mesmo se ramificando não se para de produzir sambas falando sobre o cotidiano, do morro, de mulheres, de trabalho, pois todo esse processo é relacional e acontece ao mesmo tempo. 32 ‐ Canta Brasil (Lamartine Babo) ‐ Aquarela do Brasil (Ari Barroso) 34 ‐ Eu trabalhei (Roberto Roberti e Jorge Faraj) 33 51 A ramificação em questão é a bossa nova, caracterizada por muitos como novo gênero ela carrega fortes elementos do samba, porém ela é hibridizada com elementos do jazz. Do ponto de vista estritamente musical, a bossa-nova importava uma renovação técnica a partir de influências jazzísticas [...] A aproximação jazzística permite à bossa-nova manter a sincopa do samba e até mesmo valorizá-lo: a batida peculiar do violão (revalorizado como instrumento harmônico) é um jogo rítmico especial em que se enfatiza o emprego da sincopa no acompanhamento. (SODRE, 1998, p.49). A grande discussão além das alterações musicais que a bossa nova promove é a questão das classes sociais. A bossa-nova é a apreciada pela elite e média35, classe as letras passam a ter outros significados, são mais intelectualizadas, além da grande apreciação no exterior. A letra, porém, começa a se investir de um tom “universitário”. Entenda-se por isto uma marcação diferenciada: intelectualizada, em termos de cultura, comprovada por intenções criticas mais bem definidas, afastando-se do léxico popular e afetando a autonomia estética com relação à vida social (SODRE, 1998, p. 49). A bossa-nova é conhecida como “samba para gringo ver”, obviamente que a qualidade musical é inegável, porém acaba deixando alguns elementos do samba de lado, principalmente a percussão, assim esse ritmo derivado do samba é rotulado “um banquinho e um violão”, a figura percussora da bossa-nova é João Gilberto, se consolidando com Tom Jobim, Vinicius de Moraes,Baden Powell, Miúcha, Nara Leão, entre outros. Na década de 1960 e 1970 o samba aparece com importância no aspecto político social do País, na perspectiva de um mecanismo de luta social e cultural, evidenciando assim a tese de que o samba não é apenas um gênero musical, e sim um fato social e cultural. 35 Não discutiremos o conceito de classes sociais, principalmente pela grande complexidade que esse conceito adquiriu em discussões nas ciências sociais. Quando diferenciamos classes é no sentido de que existem diferenças econômicas latentes entre uma classe e outra como é o caso da classe popular e da classe média na questão da bossa‐nova. 52 As rodas de samba ocorriam nos subúrbios36 e morros cariocas e a partir daí surgem interpretes importantes como Beth Carvalho conhecida como Madrinha do samba, Clara Nunes interpretando canções ligadas às religiões afrobrasileiras, resgatando os elementos simbólicos da cultura negra, João Nogueira que teve diversas parcerias com Paulo César Pinheiro, além de Paulinho da Viola com a sua intima ligação com a Portela, hoje são nomes familiares no cotidiano da musica popular brasileira, pois se consagraram através da vivência do samba. É nesse período no qual surgem grandes personagens do samba, o Brasil passava por um momento de instabilidade política, em 1964 os militares promovem um golpe no governo de João Goulart então presidente da nação, em um período que durou 25 anos os militares criaram um Estado Autoritário, com censuras e prisões políticas que terminavam por duas vias a tortura ou o exílio em outro país. Esse processo de ditadura militar não foi exclusivo do Brasil, o mundo vivia um momento bipolar conhecido como guerra fria, onde de um lado os Estados Unidos potência Ocidental capitalista e do outro a União Soviética comunista. Com o argumento da ameaça comunista os Estados Unidos ajudaram a promover nos Países latinos americanos golpes militares para não existir a possibilidade destes serem governados pelos aliados dos Soviéticos, desta maneira Chile, Argentina, Brasil, sofreram golpes militares, além de outros países latino – americanos. No Brasil em resistência ao autoritarismo promovido pelos militares principalmente na década de 1970 conhecidos como anos de chumbo pela forte violência e suspensão de direitos civis, estudantes, artistas, trabalhadores, partidos políticos se mobilizaram e criaram focos de resistência contra o regime. O samba criou suas territorialidades de resistência, citaremos dois espaços que entraram para a história do samba no Rio de Janeiro, o Zicartola e o teatro opinião. Esses locais além de serem territórios de resistência contra o regime vigente, não eram estritamente políticos, mas sim cultural, pois ali não se articulavam resistências armadas contra o regime e sim expressões culturais. Esses locais eram considerados também territórios de contracultura das escolas de samba, que passavam por processos de transformação e já davam 36 As rodas aconteciam nos subúrbios, lugares mais afastados do centro, espaço vivido das pessoas de classe social mais baixa, que através das territorializações criam‐se as territorialidades do samba. 53 seus primeiros passos para o que vem a ser o carnaval hoje “o maior espetáculo da terra” 37. Muitos sambistas eram contra essas modificações nas escolas de samba, principalmente pelo fato do domínio dos bicheiros38, esses contraventores lavavam o dinheiro ilícito do jogo do bicho nas escolas de samba e tinham grandes poderes sobre elas. Diversos sambistas deixaram de frequentar as suas escolas de samba do qual participavam, porém não deixaram de lado a identidade com as suas respectivas escolas, porque muitos deles eram conhecidos através delas, não é possível, por exemplo, dissociar Cartola da Mangueira ou Monarco da Portela. O Zicartola a principio foi criado como restaurante, na rua da Carioca 56, o nome vem da junção dos nomes de Dona Zica esposa de Cartola e do próprio Cartola, atendia na hora do almoço os trabalhadores do centro do Rio de Janeiro (Figura 4). Posteriormente passou a ser bar com petiscos e rodas de samba. Era a época do Centro Popular de Cultura (CPC) e os estudantes iam ao Zicartola sorver os ensinamentos de brasilidade que norteariam suas atividades a partir daí. [...] O Zicartola municiava todos os movimentos culturais que surgiram a partir e depois dele. (SILVA; FILHO, 2003, p.197). 37 ‐ Salientamos que a expressão “o maior espetáculo da terra” no sentido que o carnaval virou uma mercadoria principalmente da televisão e do turismo. 38 ‐ O Jogo do bicho é proibido no Brasil, diante da legislação é considerado contravenção, o único Estado que se permite a jogatina é na Paraíba. O bicheiro é o primeiro na ordem hierárquica desse jogo sendo ele o dono da banca. O bicheiro que “lava” o dinheiro do jogo nas escolas é denominado de bicheiro patrono. 54 Figura 4: Cardápio do restaurante Zicartola; Fonte: www.tvcultura.com.br /aloescola/ artes/ cartola / acesso em 18/11/2009. Essa mistura de culinária com música foi um sucesso, dona Zica cozinhava muito bem e o Cartola cantava, muito sambistas frequentavam e cantavam no Zicartola como Paulinho da Viola, Zé Keti, Clementina de Jesus, Ismael Silva. 55 O sucesso da casa levou os freqüentadores a instituírem uma noite de homenagem aos mais importantes nomes da musica popular brasileira. Era a noite da Cartola Dourada e, a cada quarta-feira, o Zicartola recebeu e homenageou, entre outros, nomes como Tom Jobim, Haroldo Lobo, Elizeth Cardoso, Nara Leão, Dorival Caymmi e Aracy de Almeida (MOURA, 2004, p.179). O teatro opinião no Rio de Janeiro registrou na história as noitadas de samba que ocorriam as segundas-feiras, onde subiam no palco, sambistas de gabarito como Dona Ivone Lara, Leci Brandão, Xangô da Mangueira, Nelson Cavaquinho, Nelson Sargento, finalizando o espetáculo sempre com as apresentações de Cartola que dividia o palco com um convidado especial do universo do samba. O Teatro opinião ficou conhecido como: [...] parte da verdadeira seleção do samba que reuniu durante mais de dez anos, todas as segundas-feiras, às 21horas, no mais importante gueto de resistência e difusão do samba e formação de novas platéias e sambistas nos anos 70: a noitada de samba do teatro opinião. (MOURA, 2004, p.189). Nessa mesma década de 1970 no qual vislumbramos a formação do Zicartola e dos espetáculos de samba do teatro opinião, surgiu também uma turma na zona norte do Rio de Janeiro mais especificamente no bairro de Ramos subúrbio carioca, que posteriormente na década de 1980 veio a ser conhecido como pagode de fundo de Quintal, ou neopagode, principalmente pela inserção de um novo instrumento musical nas músicas, o banjo. [...] o banjo foi o primeiro instrumento de acompanhamento dos blue singers itinerantes, sendo extremamente popular nos Estados Unidos no fim do Século XIX e no início do século XX. (MOURA, 2004, p.208) Dessa turma saíram nomes importantes que hoje fazem sucesso no mundo do samba como o Grupo Fundo de Quintal que desde o seu surgimento lançou diversos integrantes na carreira artística do samba, como Jorge Aragão, Arlindo Cruz, além de outros que não participaram como integrantes do grupo mais que surgiram artisticamente nesse período com o movimento do cacique de Ramos, como Zeca Pagodinho e Almir Guineto. 56 O Cacique de Ramos começou como um bloco de samba e depois tornou-se um movimento de renovação.Porém como todo movimento de renovação existem as criticas da mudança, principalmente pela introdução de novos instrumentos rítmicos, porém essa critica é rebatida: O que o Cacique de Ramos fez foi reinventar a tradição, entregandoa aos sambistas mais jovens numa versão renovada, mas com absoluto respeito pelos que moldaram a história do samba [...] É exatamente assim que se lê o Cacique, como “mudança transformadora” que não transmite apenas o “passado imobilizado” , mas o reconstrói , entregando-o renovado e revitalizado aos sambistas que surgem a partir dos anos 70. (MOURA, 2002, p.202). A crítica mais comum feita por essa renovação das estruturas musicais do samba existe porque na década de 1990 surgem os grupos de “pagodes” que acabam por descaracterizarem o samba como gênero musical, confundido os dois termos, ou seja, o pagode se apropriou do samba. Pagode significa festa, eram reuniões festivas nas senzalas no período da escravidão, e acabou sendo apropriado para as festas dos subúrbios, porém pagode não é um gênero musical. Os grupos de pagode apregoados pelos meios de comunicação na década de 1990 geralmente são formados por uma grande quantidade de pessoas de cinco a oito integrantes no qual cantam músicas relacionadas na maioria das vezes ao amor de forma bem cadenciada. Obviamente que se formos analisar todos os gêneros musicais do mundo em sua totalidade a grande maioria retrata canções de amor, e com o samba não é diferente, porém a estrutura colocada pelo “pagode” é diferente do samba, o pagode é “pop”, e o pop não tem o sentido de popular na sua essência e sim de um produto vendido pela indústria fonográfica e a mídia. Esse tipo de pagode explodiu na década de 1990, surgiram diverso grupos, com o apoio dos meios de comunicação e das gravadoras esse tipo de pagode virou uma febre e acabou descaracterizando o gênero samba na medida em que as pessoas passam a confundir o que é samba e o que é pagode. Através de diálogos muitas pessoas me perguntavam mais você vai pesquisar aquele tipo de pagode que toca na televisão? A minha resposta através das leituras feitas pela pesquisa era desconstruir a ideia de que samba é pagode. 57 Dentro dessa discussão o sambista e historiador Nei Lopes em entrevista ao jornalista Bruno Ribeiro discute o samba na perspectiva da descaracterização e da pressão da indústria fonográfica: O sambista não deve ter a ilusão de que vai enriquecer fazendo samba. O primeiro passo para virar refém das gravadoras é achar que vai vender milhões de cópias e cantar na televisão este não deve ser o sonho de ninguém. Um dia desses vi um CD chamado samba de raiz – volume 2, o que mostra que “eles” já estão tentando rotular para criar um novo filão, como fizeram com o pagode. O que existe é o samba. [...] Não há preço que pague a independência de um artista. O samba não é um produto para comprar em supermercado, como se compra um sabão em pó. O samba é a cultura do nosso povo. (RIBEIRO, 2005, p.45). Nei Lopes é um crítico árduo a essa relação mercadológica da música e a cultura de maneira geral, para ele todo esse processo é de massificação e pasteurização das músicas pelo mundo para firmar um projeto imperialista dos Estados Unidos, sendo projeto de dominação através da cultura, relata nessa mesma entrevista o paralelo de samba e globalização. A globalização vem aos poucos desafricanizando o samba. O que isto significa? Que a negritude está perdendo sua identidade cultural para assumir uma outra, branca, ocidental e estrangeira. Mas eu noto uma tendência de reação ao massacre. Isto não está acontecendo só no Rio de Janeiro não.É em todo lugar.Diante do lastimável quadro cultural reinante no Brasil atual, vejo uma insatisfação muito positiva.E o jovem tem tido um papel muito importante nesse movimento de reação: nas rodas de samba do Candogueiro que eu freqüento lá no Rio, a moçada de vinte anos já canta sambas de roda que nunca foram gravados.A tradição oral é passada de geração á geração através da ação destes guetos de resistência.É a juventude que vai manter o samba vivo para sempre.( RIBEIRO, 2005, p.99). Nessa perspectiva de resistência do samba à indústria fonográfica e os meios de comunicação o samba vai resistindo através de suas tradições sendo que novas territorialidades vão surgindo ou se recriam velhas territorialidades que foram perdidas ao longo do tempo e resgatadas na década de 2000, formadas pela identidade e apropriação cultural mediante ao movimento do samba. A Lapa no Rio de Janeiro é um tradicional reduto da boemia e do samba, sempre foi lugar de malandros, prostitutas, pessoas consideradas escórias da sociedade, isso desde os anos 1920 que os famosos arcos da lapa recebem tais 58 pessoas, porém a Lapa sempre teve o seu “charme”, principalmente pelos cabarés que ali existiam e botequins. Esse bairro central carioca passou por um processo de abandono a partir das décadas de 1980 – 1990, abandonado pelo poder público e habitado por drogados, prostitutas e travestis, ficando perigoso freqüentar o bairro mais boêmio do Rio de Janeiro pela falta de segurança e o domínio do tráfico de drogas. Por ser um ponto turístico do Rio de Janeiro com os arcos e a estação do Bonde de Santa Tereza, no fim da década de 1990 e na virada do século houve um movimento de resgate a Lapa a partir dos moradores e comerciantes do bairro, para que esse famoso reduto do samba deixasse o ostracismo. Empresários começaram a investir em bares e casas noturnas, instituições culturais se instalaram ali como o circo voador e a Fundição Progresso, reavivando o bairro da Lapa. A Lapa, porém não perderá o seu lado perigoso, é uma característica que sempre vai existir, pois desde a década de 1920 ela é frequentada por pessoas marginalizadas pela sociedade. A Lapa é um paradoxo interessante, onde a diversidade reina de maneira exuberante, na medida em que você encontra uma casa de danças destinada a um público que busca ouvir sambas de gafieiras ao lado parede com parede existe um “hotel para solteiros”, que serve para os clientes das prostitutas e travestis se “hospedarem”. Essas diversidades convivem de maneira que uma não atrapalha a outra, pois o bairro já incorporou todos os elementos que chegam até lá, sendo assim, as pessoas que frequentam o bairro sabem que vão encontrar a diversidade. Na Lapa, ao mesmo tempo em que se encontram cortiços, produtos ilícitos (drogas) e a zona do meretrício, encontrará também samba de qualidade, boemia, teatros além dos famosos arcos da Lapa. Nesse período de revitalização da Lapa despontaram no universo do samba diversos sambistas como Marcos Sacramento e Teresa Cristina com o grupo semente, além de outros. Precisamos deixar bem claro que o samba em sua essência não é apenas paulista ou carioca, o samba cria suas territorialidades por todo Brasil, e em cada canto que se toca samba mescla um pouquinho das identidades de cada lugar. Discutimos um pouco da construção histórica do samba, porém através dos processos relacionais e simultâneos ele está em todos os lugares do 59 Brasil e também do mundo levado como símbolo de brasilidade, por isso de maneira a entender os seus berços fizemos essa genealogia do samba. Sabendo-se que o samba está em todos os lugares, buscaremos compreender no próximo capítulo como esse gênero aportou-se na cidade de Londrina localizada no norte paranaense, colonizada por ingleses, japoneses e europeus sendo que a sua apoteose econômica foi o ouro verde também conhecido como café no decorrer do século XX. Porém antes de adentrarmos no próximo capítulo, diferenciaremos as diversas variáveis do samba como o partido-alto, samba canção, samba sincopado, samba enredo e roda de samba. O partido-alto talvez seja o elo mais forte do samba com as raízes africanas com o samba urbano da contemporaneidade, foi bastante modificado ao longo do tempo e hoje se define da seguinte maneira. [...] o partido alto depende fundamentalmente do improviso dos seus partideiros – no passado chamado de turumbambas (daí a encurtada expressão bamba para designar o bom sambista). Na roda de partido os integrantes cantam, um de cada vez, estrofes de seis ou mais versos improvisados a partir do tema do estribilho. Tais versos em geral, fazem provocações bem humoradas á um integrante da roda, que tem de responder à altura logo na seqüência. Quanto mais rápida e criativa for à resposta melhor para o partideiro que ganha nome na praça. No universo do samba o partido – alto é o equivalente ao repente nordestino. (RIBEIRO, 2005, p.70). Nomes como Xangô da Mangueira, Zeca Pagodinho, Martinho da Vila quando estão nas rodas de samba cantam partido-alto, porém Candeia se configura como um grande nome do Partido-alto, gravou vários partidos e promovia as rodas de partido-alto. Samba canção é uma forma mais romântica e sutil de samba, mais cadenciada, essa variação surgiu no final da década de 1920, Tinhorão afirma que: O samba canção também chamado mais generalizadamente como samba de meio de ano, surgiu em 1928 quando o samba realmente popular – o samba de carnaval - acabava de encontrar o seu ritmo, diferençando-se de uma vez por todas do maxixe. [...] O samba canção resultou de experiências de compositores semi-eruditos (Henrique Vogeler, Heckel Tavares, Joubert de Carvalho), ou pelo menos, hábeis instrumentistas (Sinhô) só depois passando ao domínio dos maestros de assobio, isto é, aos compositores das 60 camadas mais baixas da população [...] (TINHORÃO, 1997, p. 5152). Os nomes mais comuns do samba canção são: Dolores Duran, Nelson Gonçalves, entre outros, os instrumentos percussivos não são utilizados com ênfase nesse tipo de samba. O samba enredo é conhecido por muitos pela íntima relação com o carnaval, pois é a composição que retrata o enredo escolhido pelas escolas de samba para o desfile do carnaval, porém desde o seu surgimento até os dias atuais passou por um processo de evolução. Estilo desenvolvido no Rio de Janeiro a partir dos anos 30, com início dos desfiles oficiais de escola de samba. É a descrição musical do tema desenvolvido pela agremiação. Até o fim da década de 60, os sambas-enredo têm letras longas que exaltam a história do país e seus personagens. A partir dos anos 70 as letras se encurtam e o ritmo acelera. (ALMEIDA, 2004, p. 154). O samba sincopado adquiriu notoriedade na década de 1930 com o novo estilo de samba introduzido no bairro carioca do Estácio de Sá, diferenciando da primeira geração de samba da década de 1920 que tinha mais a perspectiva do maxixe. A síncopa [...] é uma alteração rítmica que consiste do prolongamento do som de um tempo fraco num tempo forte. Esta alteração não é puramente africana, os europeus também a conheciam. Mas se na Europa ela era mais freqüente na melodia, na África sua incidência básica era rítmica. A síncopa brasileira é rítmica – melódica. (SODRÉ, 1998, p. 25). O samba sincopado é muito comum, sambistas como Wilson Batista, Geraldo Pereira, João Nogueira, Roberto Ribeiro entre outros, que incorporaram a sincopa em seus sambas. A roda de samba é o ambiente onde as pessoas se encontram para tocar e cantar sambas, é nesse espaço que os sambistas criam suas territorialidades, ou seja, através das suas relações sociais, histórias de vidas, seus processos identitários são ali expressados, carregados de sentidos simbólicos que através do espaço vivido criam-se as territorialidades mediante o pertencimento a partir dos espaços de representações e identidades. 61 São identidades construídas a partir do espaço dos “habitantes” dos “usuários”, o espaço vivido que contém uma forte dimensão afetiva, contém os lugares da paixão e da ação; trata-se de um espaço essencialmente qualitativo, relacional e diferencial ( LEFBVRE 1986 apud CRUZ, 2006, p.77). Nesta perspectiva da criação das territorialidades mediante as suas relações simbólicas, a roda de samba para Roberto Moura (2004) contempla a teoria de LEFBVRE 1986, tendo o sentido de: [...] uma ampliação do universo doméstico, o espaço onde o trabalhador dá lugar ao boêmio e a rotina cede vez à criatividade – num certo sentido, uma usina de recuperação de energias em que o sambista se sente “em casa”. (MOURA, 2004, p. 37). Desta forma com a intenção de encontrar as territorialidades do samba em Londrina, pesquisamos os locais e personagens desta cidade no qual se figuram o samba enquanto materialização desse gênero musical, social e cultural, é o que veremos a seguir no próximo capítulo. 62 4. AS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA É fato que o processo de uso e ocupação do que vem a ser hoje o Município de Londrina (Figura 5) não tem ligações identitária na história oficial dos pioneiros desbravadores do norte do Paraná com o gênero cultural e social do universo do samba. Porém, nesses poucos mais de 70 anos que o Município de Londrina possui, estabeleceram-se ligações com o samba que estão cada vez mais crescentes, independente do processo de colonização empregado nas décadas de 1920 e 1930 com a abertura das matas vinculadas pela Companhia de Terras do Norte do Paraná de origem inglesa, as territorialidades do samba foram sendo construídas ao longo das décadas sendo a evidência dessas territorialidades o objetivo de nossa pesquisa. Para entendermos como o samba aporta em Londrina e cria suas territorialidades faz-se necessário um resgate do processo histórico da constituição do Município e da chegada dos primeiros negros no Município. Dessa forma compreendendo a importância deles para disseminação desse gênero cultural na cidade, que hoje através de sua consolidação não se trata apenas de uma forma musical, mas também enquanto fato social e cultural. Além do resgate histórico proposto, vislumbraremos nesse capítulo o que vem a completar toda discussão das territorialidades e do samba nos capítulos anteriores, ou seja, as entrevistas com os diversos sujeitos e disseminadores dessas territorialidades dos quais estes são construtores e participantes efetivos do samba em Londrina. Esses sujeitos foram selecionados para serem entrevistados, por considerarmos a grande relevância com a formação do samba na cidade no qual eles contribuíram para construir, tendo eles ligações com os mais diversos tipos de atividades na sociedade além é claro do forte vinculo com o samba. Dentro dessa gama de entrevistados dialogamos com a Mãe de Santo Dona Vilma dos Santos de Oliveira, referência do Candomblé e do samba na cidade. Foco também de nossa entrevista o aposentado Nelson José Silva popularmente conhecido com Seu Nelson, sendo uma figura de extrema relevância para nossa pesquisa, pela sua íntima ligação com o samba e com Londrina. Entrevistamos também a universitária Camila Sampaio coordenadora do projeto 63 Quizomba: o samba e outros batuques. O resultado dessas entrevistas é concretude da pesquisa em si. As entrevistas (Anexo) tiveram papel fundamental no que tange elucidar as territorialidades criadas pelos sujeitos e grupos da cidade com o samba, através da investigação empírica foi possível analisar todo o processo identitário que o samba criou em Londrina, e é desse processo de territorialidades que falaremos adiante. Figura 5: localização de Londrina; Fonte: Rogério Silva - 2009 4.1. Londrina da origem inglesa aos negros: a gênese a territorialidades do samba O processo de formação e ocupação do território em Londrina se distingue de muitas cidades médias do Brasil que possuem mais de 500 mil habitantes. Essa distinção de outras cidades faz com que analisemos os fatores determinantes para que o Município chegasse a ser o que é hoje. De fundamental importância para o Estado do Paraná, Londrina é um pólo estratégico por ser a segunda maior cidade do Estado, ficando atrás apenas da capital Curitiba distantes 379 km, é também uma das maiores cidades do Sul do 64 Brasil ficando atrás de Porto Alegre (RS), Curitiba (PR), e trocando de posições frequentemente com Joinvile - SC. Para entendermos como Londrina atingiu esse patamar de importância no sul do Brasil, tendo em vista que é uma cidade relativamente nova com pouco mais de 70 anos, é preciso compreender o processo histórico. Na década de 1920 com a expansão do café, tem início o processo de ocupação das terras do Norte Paranaense, empreitada pela Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), de origem inglesa. Hoje o que vem a ser Londrina, no início do século XX era apenas mata fechada batizado de Patrimônio Três Bocas sendo que funcionários da Companhia de Terras promoveram a expedição que fundou o patrimônio três bocas e posteriormente patrimônio Londrina. “No escuro picadão três bocas faz-se a clareira. Está nascendo Londrina” (SCHARTZ, 2009, p.209) A data de fundação da cidade gera controvérsias, mas o primeiro marco da cidade foi colocado em 1929 [...] na verdade Londrina nasceu naquela tardezinha de 21 de agosto de 1929, quando o Dr. Alexandre Razgulaeff fincou o primeiro marco ao chegar às terras da companhia. (SCHARTZ, 2009, p.209) O nome da cidade vem em homenagem aos ingleses que desbravaram essas terras, remetendo a capital britânica Londres tendo o significado de filha de Londres. O nome Londrina, como as filhas de Londres, em reconhecimento e homenagem ao valoroso grupo de ingleses que através da Paraná Plantations Company, financiavam corajosamente, as realizações da companhia de Terras. (SCHARTZ, 2009, p.216). A partir destas informações da história oficial do nascimento faz se necessário compreender quando chegam os primeiros negros no Município de Londrina, haja vista que a relação do samba com os negros é cultural e social. Partindo da perspectiva que a história oficial do Município de Londrina é contada retratando a classe hegemônica que dominou essas terras, sendo esses colonizadores em sua maioria advindos da Europa, tentaremos elucidar a chegada dos primeiros negros e as atividades exercidas por eles até encontrarmos as territorialidades do samba que se evidenciam com as entrevistas com os mais diversos personagens ligados ao mundo do samba na cidade de Londrina. 65 Em 1936 tem-se o registro do primeiro negro a residir na cidade de Londrina, sendo ele contratado pela Companhia de Terras para exercer a função de chofer particular de Mr. Arthur Thomas. A história da negritude em Londrina tem sua trajetória vinculada a essa figura chave: o brincalhão e falador Cypriano Manoel, ou melhor, Manoel Cypriano como era conhecido, um paulista nascido na cidade de Campinas que chegou a Londrina e aos poucos foi escrevendo as primeiras linhas da história da presença negra na cidade. (ALMEIDA, 2004, p.25). Manuel Cypriano foi um dos primeiros articuladores da cultura negra em Londrina, principalmente em um período que o preconceito era explicito, no qual os negros não podiam freqüentar os clubes da elite branca Londrinense. Já anos 40, em contraponto ao clube “redondo” pertencente a elite londrinense, o ativo Cypriano organiza e preside o clube “quadrado”, que depois deu lugar a associação princesa Isabel.Como a entidade não tinha uma sede, as reuniões eram feitas na casa do próprio Cypriano, que organizava tudo e alugava até mesmo armazéns para a promoção de bailes, pois era justamente através da cultura que se buscava organizar os negros. (ALMEIDA, 2004, p.26). Cypriano foi a primeira figura a articular algum tipo de movimento cultural e de resistência contra o preconceito em Londrina, daí em diante ao longo do século XX, muitas figuras negras surgiram na cidade, dando continuidade aos movimentos e criando as territorialidades através das relações sociais e culturais. Destas primeiras associações em defesa ao resgate da cultura negra e as suas territorialidades, tais como a fundação de associações como o clube do quadrado e a associação Princesa Isabel, serviram de exemplo para a criação da AROL (Associação de Recreação Operaria de Londrina), essa associação foi criada em 1956 pelo próprio Cypriano, abarcando não apenas os negros, mas também a classe operaria como um todo. A Associação de Recreação Operaria de Londrina deu sua graça em 56 – tendo como presidente naturalmente, Manoel Cypriano. Com seu líder nato, a AROL começa abrangendo vários sindicatos, reunindo muitos afro-descendentes [...] Apesar do trabalho pesado nos armazéns de café, os afro-descendentes viam na riqueza do ouro verde uma oportunidade socioeconômica no sonho de uma vida melhor. Houve várias tentativas de organizar movimentos sociais 66 voltados para os segmentos excluídos da sociedade, porém é nessa realidade que se evidencia mais uma vez razão do surgimento da AROL. (ALMEIDA, 2004, p. 69). A AROL tinha diversos tipos de atividades com os seus freqüentadores, escola primária, assistência social, “a AROL foi palco da primeira escola de samba de Londrina: a “Unidos da Vila Nova”. ( ALMEIDA, 2004,p. 75) A sede da AROL se localizava no bairro Vila Nova, um dos bairros mais antigos de Londrina, localizado próxima a desativada linha férrea que cruzava a cidade. Na década de 1980 a AROL entra em decadência por diversos motivos, e a sua sede que servia como centro cultural foi desativado. [...] O golpe de misericórdia veio em 81, quando a câmara de vereadores revogou o decreto anterior e doou o terreno da sede, já então abandonada para a igreja quadrangular (ALMEIDA, 2004, p. 77). Na década de 1980 surge em Londrina o bar Zumbi, foi nesse bar que efervesciam as discussões políticas do Brasil, aquele foi um período de muitas mudanças políticas no Brasil, como o fim da ditadura militar, o movimento pelas diretas já. O samba se fazia presente nesse ambiente, a proposta do bar era cultural, além é claro dos debates políticos. Localizado em uma casa de madeira na rua Pernambuco, em frente ao colégio Hugo Simas, e depois na sobreloja da rua Hugo Cabral na esquina do calçadão, o Zumbi Bar marcou época, principalmente por sua proposta de ser um espaço para debates de ideias e de convivência pluriracial.( ALMEIDA, 2004,p. 117-118). Como já visto anteriormente o samba tem suas origens advindas dos negros, é natural que essa inserção na cidade de Londrina tenha vindo dos negros e dos movimentos formado por eles, sendo assim o samba que a partir de seus aspectos culturais sociais encontrou o seu espaço em uma cidade que não possuía características relacionadas como é o caso de São Paulo e o Rio de Janeiro, mas é através de sua formação ao longo das décadas que o samba permeia e mediante os seus sujeitos se territorializa e cria as suas territorialidades em Londrina. A partir das análises da ocupação do território em Londrina na perspectiva dominante dos ingleses e da chegada dos negros, evidenciaremos 67 mediante as entrevistas as territorialidades do samba em Londrina, emanados pelos mais diversos sujeitos do samba da cidade de Londrina. A metodologia utilizada por nós nas entrevistas foi a de transcrição da narrativa dos entrevistados, ou seja, optamos por transcrever a fala dos personagens do samba em Londrina para que eles a partir de suas palavras evidenciassem as territorialidades do samba em Londrina mediante as suas participações na construção de tais territorialidades. 4.2. Projeto Quizomba: o samba e outros batuques Em uma tarde agradável do dia 23 de outubro de 2009 foi concedida por Camila Sampaio coordenadora do projeto Quizomba: o samba e outros batuques (Anexo II) na ONG (Organização não governamental) Alma Brasil no bairro Vila Brasil em Londrina para a entrevista sobre o projeto quizomba no qual trataremos a seguir. Segundo Camila a ideia do projeto surgiu em 2003, na universidade, onde cursava Ciências Sociais, conheceu um pessoal que participava de um projeto de ação cultural, no qual o professor coordenador era diretor da casa de cultura da UEL, e nós tínhamos um amor em comum pelo samba. Diante dessa paixão em comum pelo samba esse grupo indagou-se o do porque não abrir um espaço agradável para quem gosta de samba e para as pessoas que não têm o contato direto ter um acesso a cultura do samba. Nessa perspectiva Camila entende que o samba faz parte da vida de cada um por mais que isso não esteja explícito. Camila nos relata que o início se deu através da estrutura da casa de cultura, como serviço de som, transporte, entre outros elementos da estrutura básica, contando com a parceria da Usina Cultural que cedeu o espaço no qual foi realizada a primeira edição do Quizomba em novembro de 2005. Esta primeira edição foi montada através da ajuda de voluntários como a Dona Vilma e o Braga, figuras carimbadas do samba em Londrina. “A aceitação da primeira edição foi de muito sucesso, abrindo perspectiva de crescimento do projeto”. A ideia do projeto é abrir espaço para as pessoas da periferia vim desfrutar de uma coisa que já era deles e aprimorar o que vêm deles e conseguir 68 conquistar as outras pessoas das diversas classes sociais que não tinham acesso por diversos motivos, e o ambiente festivo gera essa possibilidade, pois ao final as pessoas saem cantando, conhecendo, pesquisando, escrevendo e elogiando o projeto, salientou Camila. Em relação ao nome do Projeto, Camila explica que Quizomba tem o significado de celebração, palavra advinda do continente africano, casando bem com a proposta do projeto de celebrar as festividades ligadas ao samba. Quizomba também significa um tipo de dança na África, um ritmo, por isso também da ideia de fazer oficinas. As oficinas (Figura 6) geralmente são de percussão e danças ligadas a cultura popular e samba. Dentro dessa proposta de oficinas a intenção é a mesma da festa, não existe critério para participar das oficinas, participando desde adolescente a idosos, sem a necessidade de ter conhecimentos prévios. Figura 6: Oficina de atabaque projeto Quizomba; Fonte: Carolina Martinz O Quizomba por tradição ocorre geralmente no primeiro domingo de cada mês, sobre a escolha do dia Camila diz que foi fácil e o consenso foi geral, 69 primeiro porque domingo é dia do programa do Faustão e Gugu, as pessoas não merecem ficar em casa ou ir para rua e não ter nada para fazer, além do que domingo é um dia que o evento pode começar cedo,as pessoas almoçam, descansam e vão para o Quizomba, com luz do dia ainda, com a possibilidade de terminar cedo, porque segunda-feira é dia de trabalhar, além do que no sábado tem o ar de noite festiva, madrugada adentro, e a proposta é de fazer um clima bem familiar, tranquilo. Sobre as pessoas que participam como convidados do projeto para ministrar as oficinas e para os shows são geralmente da própria cidade, Camila nos revela que existe uma grande dificuldade de trazer pessoas de fora para participarem do evento, principalmente pela questão do recurso, apesar de ter vindo pessoas de fora para se apresentar no projeto. No que se refere à relação com os movimentos sociais Camila deixa claro que a ideia do projeto é de não criar vínculos diretos com nenhum tipo de movimento, os movimentos estão presentes na concretude do projeto sem que haja vinculo, por exemplo, sobre a presença da Dona Vilma falando sobre candomblé, samba de roda, dos universitários do movimento estudantil, ou seja, as coisas acontecem lá, a ideia de não se vincular a qualquer tipo de movimento parte do pressuposto de não restringir as pessoas de participarem, para se ter uma ideia até evangélico participa sendo que o samba é intimamente ligado a cultura afrobrasileira e consequentemente as religiões como candomblé e umbanda, então a ideia é não rotular o projeto a partir de qualquer tipo de movimento, assim o projeto flui diante das pessoas sem o peso de algum tipo de movimento social, os movimentos estão presentes tanto implicitamente como explicitamente de alguma maneira. Partindo para questões mais estruturais do projeto Quizomba Camila explica que até o ano de 2008 o projeto recebia fomentos do PROMIC (Programa Municipal de Incentivo a Cultura), da prefeitura de Londrina, foram três anos recebendo recursos do PROMIC, sendo que o projeto perdeu o vínculo em 2009 porque a comissão avaliativa do PROMIC considerou que não houve explicações convincentes sobre as oficinas, foi uma questão burocrática, a justificativa foi problemas com documento. Com a ausência da fonte de fomento advinda do PROMIC Camila considera que a verba faz falta, porém o fomento vem da gente, “perdemos uma 70 condição financeira de realizar uma coisa para todo mundo, principalmente porque o projeto cresceu, no primeiro ano em 2005 quando ainda não recebia verbas do PROMIC, o evento foi gratuito apesar de ter sido apenas uma edição e foi gratuito também 2006, porém com a grande aceitação do projeto em 2007 e 2008 já não havia condições de manter a entrada gratuita, principalmente pela infraestrutura, como banheiros, seguranças, músicos, questões vitais para o bom andamento do projeto. Em 2007 o valor cobrado na entrada era de R$ 2,00 sendo que estudante pagava meia-entrada, ou seja, R$ 1,00 e em 2008 o valor R$ 6,00 e R$ 3,00 meiaentrada, mas essa questão de cobrar a entrada vem pela necessidade de manter o projeto, por mim não seria cobrado nada, e quando surgiam pessoas que não tinham condições de pagar elas vinham conversar conosco e entravam gratuitamente, porque a ideia do projeto não é de excluir ninguém”. Em 2008, o projeto aprovado pelo PROMIC foi pra 10 meses no valor de R$ 29.000, para 10 edições, R$ 2.900 por edição, sendo que cada edição é planejada para 600 pessoas, 3 bandas, equipamentos, segurança, e outra estruturas básicas, o orçamento fica apertado, principalmente porque não existe fonte de lucro no projeto a não ser o valor da portaria no qual o valor recebido cobre os custos excedentes da organização. O vínculo do Quizomba com a Usina cultural onde o projeto se realizou na maioria das vezes que era uma vila cultural é em relação ao espaço no qual eles cediam para a realização do projeto, porém a parte do bar ficava com a vila cultural. Para Camila muitas coisas permeiam a organização da festa além da própria materialização da festa, não é só ir lá e fazer o samba, por isso tem que ter vários cuidados para a organização, pois na festa participam desde crianças a idosos, por isso tem que ser bem organizado para que não ocorra nenhum tipo de problema, com a falta de recurso entramos no mérito de que se o governo te possibilita através de recursos todo mundo ganha se ele tira todo o recurso todo mundo perde. O Quizomba passa por um processo de reestruturação depois que perdeu os recursos advindos do PROMIC, para Camila é complicado tecer comentários sobre essa questão de recursos, sendo assim possibilitei a ela para ficar a vontade de falar ou não sobre o assunto. Para ela, mesmo sendo difícil tratar 71 sobre essa questão de recursos acabou aceitando falar sobre o assunto por considerar uma questão de relevância do projeto. Dentro desse processo de reestruturação Camila lembra que com os recursos públicos o projeto podia abrir mão de várias fontes de renda como, por exemplo, o bar. Na usina cultural onde a maioria dos Quizombas foi realizado existe a necessidade de ceder o bar para o pessoal de lá, e sem os recursos públicos passou a necessitar dos recursos do bar. A partir do processo de reestruturação a questão do espaço veio a ser um problema, ao longo do ano o quizomba é realizado na usina cultural, porém com a corte dos recursos ficou difícil fazer na Usina pela questão do bar, que dá um valor médio de R$ 2.000.00, esse dinheiro pagaria metade da festa, tanto que em 2009 foram realizadas apenas 3 edições, duas vezes na Usina Cultural e uma na quadra na vila Brasil em frente à ONG Alma Brasil, porém por ser um espaço aberto, quando passou 30 minutos após as 22:00 os moradores reclamaram do barulho, por isso existe uma grande dificuldade para conseguir um espaço. Em 2007 e 2008 o encerramento do ano do quizomba ocorreu no aterro do lago Igapó no Jardim Maringá, durante o ano nós economizávamos um dinheiro ali outro aqui para ser empregado nessa grande festa de encerramento do ano, além da boa relação com os músicos que fazem um preço “camarada”, por isso da para trazer várias bandas, na união de todas as pessoas o evento se realizava. Para conseguirmos a autorização para realizar o evento no aterro e montar a estrutura, quando o projeto tem a possibilidade através de recursos é fácil de conseguir, é fazer um ofício que o aterro está disponível. A ideia de fazer o evento no aterro é que atinge efetivamente todos os tipos de público, por ser um lugar amplo e aberto, gratuito, todo mundo pode ir, cheio de árvores, crianças correndo, ou seja, um evento feito para todos. Em relação ao público (Figura 7) que frequenta 60 % são de estudantes universitários da UEL, pois se o som é bom, a festa é boa, universitário sempre vai, porém nesses outros 40 % o público é bem diversificado, idoso, família, “nenezinho que nasceu lá”, trabalhador informal, hippie, executivo, ou seja, um ambiente de samba feito para todos. 72 Figura 7: Público do Quizomba; Fonte: Carolina Martinz. Camila chega a se emocionar ao falar da dimensão que o projeto ganhou, de ver a “coisa” se concretizando, do sorriso das pessoas e a mensagem que o quizomba passa para a sociedade londrinense, nesse período de existência do quizomba que após o seu surgimento, as pessoas passaram a valorizar mais o samba e surgiram diversos grupos de samba na cidade, tem muito samba acontecendo, pode não ter espaço, mais o samba está acontecendo, o samba se propagou em Londrina. O um sentimento, vêm de dentro, os pequenos movimentos incentivam a dar valor na cultura, e ela transforma as relações, por isso o quizomba incentiva a ação cultural em vários sentidos e procura transformar as melhorias da sociedade e de vivência através da cultura. O samba é mágico, a ideia cresce e se propaga, parece que vai pelo vento, no lugar que você nem imagina o projeto chega. O projeto quizomba criou sua territorialidade na cidade de Londrina, a dimensão do projeto atingiu boa parte da população que passou a conhecer melhor o samba, vencer preconceitos e participar de um processo de relações sociais nas quais as pessoas dialogam a sua cultura, se divertem e fazem trocas culturais. 73 A expectativa de muitas pessoas é a de esperar todo primeiro domingo do mês para sair de casa e rumar ao quizomba, sambar, conversar, namorar, se divertir através da cultura brasileira. A territorialidade materializada a cada Quizomba mediante um território onde as pessoas se encontram para se relacionar, conhecer e se identificar com a cultura advinda do samba, desta forma compactuando com a ideia de SAQUET (2007) que [...] a territorialidade faz parte de um fenômeno social, que envolvem indivíduos que fazem parte de grupos interagido entre si, mediados pelo território, mediações que mudam no tempo – espaço (SAQUET, 2007, p.115). Figura: 8 Croqui com as localizações do Quizomba Fonte: Google Earth Org.: Ricardo Manfrenatti. 74 4.3. Os personagens do samba em Londrina: construtores de territorialidades Em uma tarde de sol do dia 30 de outubro de 2009 na Universidade Estadual de Londrina em um clima amistoso fomos recebidos pelo sambista Leandro de Almeida, sujeito que se tornou uma das referências do samba na cidade de Londrina. Em uma entrevista esclarecedora Leandro elencou pontos no qual ele contribui para a formação das territorialidades do samba em Londrina. O início da conversa se deu de uma maneira geral no que se refere ao gênero samba, no qual Leandro procurou diferenciar o pagode do samba, para mim a palavra pagode tem o significado de festa e esse termo não é restrito ao samba, até Tião Carreiro ícone da música caipira já citava em suas canções o pagode, sendo assim pagode seria uma festa onde as pessoas se encontram e tocam algum tipo de gênero musical. Nos anos de 1990 cria-se ao rótulo de pagodeiro onde a mídia tem papel fundamental para vender discos, desvalorizando a arte e a cultura, as pessoas confundem o que é samba e pagode, o pagodeiro também é sambista, porém as pessoas criam qualquer coisa e distorce os ritmos do samba, sendo música de entretenimento e não a arte, isto é musica de entretenimento, esse tipo de música não fica na história, simplesmente a música morre depois que se passa a moda. Leandro Almeida nos revela que é um Londrinense genuíno, nascido na periferia da cidade a sua relação com o samba vem desde tempos de criança. A minha relação com o samba vem com os sambistas do bairro Jardim Leonor na Zona Oeste da cidade, através de sambistas como Didi, Pardalzinho, a lembrança desta inserção no mundo do samba foi através da escola de samba Navegantes do mar azul, além de Serginho que faz parte do movimento do samba da padaria na Vila Brasil, tendo sempre em sua memória os sambistas tocando os sambas. Cantar profissionalmente foi em 2006 quando fiquei desempregado e nesse período já por ter essa veia musical advinda da infância, comecei a cantar e compor sambas, comecei tocando para os universitários da UEL, o primeiro samba composto foi em 2007, porém desde menino eu participava das rodas de partido- 75 alto, no qual se cantavam o refrão e os participantes da roda improvisavam a segunda parte, muito parecido com o repente nordestino. Ao falar do Partido alto, Leandro cita Candeia, para mim Candeia é um dos maiores expoentes do partido-alto do Brasil, principalmente por ser do Movimento negro e portelense, minha escola de samba do coração. Essa relação com as escolas de samba é indissociável dos sambistas, no qual as maiorias se identificam com alguma escola de samba, mesmo não participando efetivamente do carnaval. Não vivo profissionalmente das apresentações de samba, sou funcionário de uma empresa de café no qual desempenho a função de promotor de vendas, infelizmente não é possível se sustentar financeiramente do samba. O local no qual me identifico é na periferia através dos movimentos de resistência promovidos por nós como é o caso do samba da padaria da Vila Brasil, porém gosto de estar inserido com os estudantes universitário, é um público que respeita e aprecia o samba e estão passando a conhecer de maneira mais efetiva o samba, o público que frequenta as minhas apresentações geralmente são constituídas de universitários da UEL. Os sambistas em que meu inspiro são vários, desde os compositores cariocas, os poetas da Mangueira como Nelson Cavaquinho, Cartola, mas sem deixar de lado o samba paulista de Geraldo Filme, Adoniran Barbosa, Osvaldinho da Cuíca, sambas da Bahia, o samba não tem região, o samba é do brasileiro, é um patrimônio nosso, ou seja, o samba quando é bom tem que ser tocado. Ao ser indagado sobre a frase da canção de Nelson Sargento “samba, agoniza mais não morre” Leandro utiliza da frase de seu compadre e sambista da cidade de Londrina Wilson Soler, “não é você que escolhe o samba é o samba que te escolhe”, o samba está registrado na história, o samba vai viver e nunca vai acabar, quando ele chega à universidade sendo essa pesquisa prova disso, estará sempre registrado, não precisa de rádio e nem televisão ele é parte da cultura do Brasil. O samba para mim é como a Amazônia, queira ou não queira ele é nosso, o mundo inteiro conhece mais ninguém sabe melhor do que nós brasileiros, como a feijoada, todo mundo pode fazer, mas ninguém melhor que uma “tia” do 76 morro, ou uma mãe de santo, nessa relação quem tem o tempero é o brasileiro, ou seja, é a identidade nossa. Vou revelar em primeira mão que estou formulando um projeto relacionado ao samba, intitulado de “samba do Almeida”, sendo um projeto para marcar o samba em Londrina, na maior simplicidade, a intenção é fazer uma ou duas vezes por mês, com o sol ou com chuva, dando continuidade ao movimento do samba, como o exemplo do Quizomba criando uma ou duas datas definitiva por mês. A ideia é que o projeto seja desenvolvido na periferia, para fazer um resgate do samba, pois a periferia está muito mudada, as pessoas estão perdendo o pertencimento do que é seu. Em relação aos locais em que eu me apresento para tocar o samba geralmente são nos barzinhos da cidade, porém o que me projetou como cantor de samba foi o projeto Quizomba: sambas e outros batuques, foi o que me levou a fazer as caminhadas no universo do samba, o quizomba foi um projeto no qual mostrou muita gente que estava escondida. Outro ambiente que faço minhas apresentações são nas festas universitárias, de repúblicas. Londrina é uma cidade grande que tem mentalidade de cidade pequena de interior, no sentido cultural, é você ligar o violão que a prefeitura vem multar, Londrina precisa de um local como a Lapa no Rio de Janeiro, não só para o samba e sim para que as pessoas possam ouvir música e apreciar a boemia. As minhas referências do samba em Londrina e na qual eu me espelho é o Braguinha e o Wilsinho Soller, são eles personagens que tem história no samba em Londrina. A mensagem que passo para as pessoas relacionadas ao samba em Londrina é de agradecimento, principalmente ao meu público e que as pessoas da cidade passem a entender o que é o samba antes de criticar e dizer que não gosta passar a compreender a sua estrutura, o porquê ele resiste até hoje, pois ele não significa apenas um gênero musical, mas sim um aspecto cultura de representatividade do que é o Brasil. Em um domingo chuvoso do dia oito de novembro de 2009, fomos recebidos na casa do aposentado Nelson No Jardim Albatroz nas proximidades do Aeroporto de Londrina para realizarmos mais uma entrevista referente às territorialidades do samba em Londrina. 77 Seu Nelson (Figura 9) como é mais conhecido no meio musical londrinense nasceu em Minas Gerais, na cidade de Ponte Azul terra do cantor João Bosco, porém viveu boa parte de sua vida na cidade de São Paulo, no qual trabalhou em diversos ofícios, chegando a Londrina em 1997. Sou Mineiro, porém eu vivi 44 anos na cidade de São Paulo, cheguei à capital paulista com 18 anos em outubro de 1956, fui para trabalhar, quando eu cheguei, trabalhei de servente de pedreiro, tinha que dormir na obra, cozinhar por lá mesmo, banho de mangueira, foram 3 anos de luta, quando perdia o emprego, não tinha nem onde dormir, ai dormia escondido em cima de saco de cimento vazio na obra, foi quase uma semana nessa fase. No começo de 1956 eu trouxe minha mãe e minha irmã para São Paulo, eu comecei a trabalhar no SESI (Serviço Social da Indústria), em outubro de 1956 e saí em setembro de 1992, as coisas melhoraram, casei e adquiri família. Desta vida de luta que tive em São Paulo eu compus uma valsinha baseado na perda do meu pai, que se foi quando eu tinha 9 anos, porém eu não costumo fazer composições, mas se eu parar e compuser eu acredito que eu consigo, mas gosto mesmo é de interpretar, no meu repertório eu canto Roberto Ribeiro, Luiz Airão, Noel Rosa, Geraldo Pereira,Cartola, Vinicius de Moraes, de repente eu canto música que eu não sei nem de quem é, eu não sei se é defeito, mais dificilmente eu sei de que cantor é a música que estou cantando. Cheguei a Londrina no dia 15 de dezembro de 1997, não conhecia ninguém no meio musical, até que um “senhor” que ainda está vivo me passou o contado de dois “senhores” do clube choro aqui da cidade o “Robertão” e o “Cabeção” A minha inserção no samba se deu em 2007, porém toda a vida eu gostei de samba, eu cantava com um grupo de regional em São Paulo em um hotel, mas ali nos cantávamos de samba a bolero, foi em 2007 que eu resolvi cantar só samba, ai formamos o grupo Quarteto do samba, no qual eu faço violão e voz, meu filho Nenê que toca tantã, Luizinho pandeiro, e o Juninho toca surdo, e deu certo, é impressionante porque nós fazemos tudo sem ensaio, de repente eu me lembro de um samba de 60, 70 anos atrás e o pessoal do grupo acompanha, isso é o bom do samba, costumo dizer que “se tocar samba no velório o defunto é capaz de levantar e sambar”, brinca Seu Nelson descontraído. 78 Sempre me perguntam de qual música eu gosto mais, na verdade eu gosto de cantar a música que o público assimila bem, ai me satisfaz, como os estudantes das repúblicas que adoram quando eu canto Chico Buarque, quando você percebe a participação das pessoas é muito bom. O público que geralmente frequentam minhas apresentações são os mais jovens, os universitários, mas tem o pessoal assíduo, amigos nosso, de diversas ideias. Eu já toquei muito na noite e ainda toco mai não me considero profissional, porque não vivo de cantar, não vou atrás, as pessoas ligam e nós vamos tocar, eu tenho o prazer de tocar, claro que todo cachê é bem vindo, é complicado tocar, porque o cantor tem que ter versatilidade, às vezes o garçom chega com um papel de clientes pedindo músicas, não é sempre que agente sabe, por exemplo, quando me pedem para tocar sertanejo eu não toco. Aqui em Londrina eu canto nas festas de repúblicas, o público universitário me recebe muito bem, e em alguns bares da cidade, por exemplo, de abril de 2007 a maio de 2008 eu tocava aos sábados no extinto bar “axé Brasil”, começávamos o samba a tarde e terminávamos a noite, lá era servido feijoada, era uma combinação perfeita. Figura 9: Seu Nelson – apresentando-se no bar Axé Brasil. Fonte: Acervo pessoal Nelson José Silva 79 O samba é para o brasileiro como o tango para os argentinos, cada País tem o seu ritmo, o samba é um tipo de música muito alegre, o samba resiste, tem samba da década de 1920 cantado até hoje, o pessoal de Londrina tem assimilado muito bem o samba, as pessoas cantam, incentivam, quando as pessoas começarem a perceber a alegria que o samba traz, você não ouve dizer que o Paraná é terra de samba, ficou aquela ideia de que o samba é paulista ou carioca, mais o samba é do Brasil, do brasileiro. Em uma tarde de sol do dia 10 de novembro de 2009 fomos recebidos pela Yalorixá Dona Vilma dos Santos em sua residência no Jardim Hedi nas proximidades do fundo de Vale do Rubi. Dona Vilma (Figura 10) começou a entrevista falando sobre onde nasceu e da inserção do samba em Londrina. Eu sou de Jacarezinho-PR, a minha relação com o samba começa aqui em Londrina, eu nasci em 1950 e vivi toda a minha vida em Londrina eu acompanhei o samba nascer aqui, a partir de um grupo que se reuniram e começaram a trabalhar o samba, pessoas da minha família e amigos participavam e iniciaram a primeira escola de samba na Vila Nova. O samba em Londrina tem início com o Sr. Manoel Cypriano que trabalhava na Companhia de Terras do Norte do Paraná no qual ele criou a AROL, ele fez ali um clube onde frequentavam os negros, nessa época Londrina tinha muitos negros, principalmente os ensacadores de café que trabalhavam no IBC (Instituto brasileiro do Café), o Manoel entendia que o negro tinha que ter o seu espaço, daí surge a AROL, era uma coisa muito bonita. 80 Figura 10: Dona Vilma cantando samba em evento intitulado Dona Vilma de todos os Santos; Fonte: Mauricio Lovadini. Na verdade nunca fui sambista, mais sempre estive inserida no movimento, principalmente nas escolas de samba, na década de 1980, fui para uma escola chamada Quilombo dos Palmares, mais sempre ajudei todas as escolas, recebia as personalidades do samba que vieram até Londrina, como os compositores da Mangueira, Cartola, a Dona Zica esposa de Cartola, Martinho da Vila e ai discutíamos o samba com eles. Eu tive a oportunidade de conhecer o Cartola lá no Rio de Janeiro, na casa dele, depois do almoço ele deitava tirava um cochilo acordava pegava um caderninho e começa a compor um samba, ele era bom de conversa. A dona Zica esposa de Cartola eu conheci em 1982 no Rio, ela esteve em casa em 1987, conversávamos bastante, varávamos a noite conversando. Eu tenho um trabalho com o samba que é diferenciado, eu sou zeladora de santo no candomblé, então eu tiro do terreiro o samba de roda, o partido-alto, o verdadeiro samba, o samba de fundo de Quintal, eu acredito que o samba sai da senzala, a partir dos escravos, então eu tenho esse trabalho de cultura popular. 81 Eu não faço composições, mas é pela questão do tempo mesmo, porque eu faria tranquilamente composições. Eu na verdade nunca cantei, canto sambas de roda, canto no terreiro, agora cantar em público não cantava, a minha proposta sempre foi de ensinar. Costumo cantar samba informalmente, sempre me convidam para cantar nos lugares, no terreiro, canto samba o tempo inteiro, eu canto o que eu sei, não tenho escrito, canto o que vem na cabeça. Tudo do Negro vem da resistência, desde que chegou aqui no Brasil, e sempre tentaram acabar com o que vem do negro, com o samba não foi diferente, por exemplo, não posso ser hipócrita e dizer que não gosto de bossa nova, porém ela veio para acabar com o samba, ocupou um espaço considerável, depois veio o pagode na década de 1990, mais sempre o samba resistiu, o samba fica quieto depois ele volta, ele agoniza mais não morre. Esse projeto que eu estou trabalhando atualmente vinculado ao Ministério da Cultura considero importante para os negros, porque hoje existe uma lei no Brasil, que é a lei 10. 639, que obriga ensinar a história da África nas escolas, porém os professores não estão preparados para passar a história dos negros, porém alguns professores manifestam interesse porque está na lei, então o Governo Federal criou o Mestre Griô, o mestre precisa saber um pouco de cultura popular, tem que saber contar história, saber das religiões, uma série de coisas que o professor não tem na vivência, eu sou uma mestre Griô, e eu tenho dois aprendizes, o aprendiz tem que ter curso superior, Já tem que ter passado pela academia e eu passo para eles e o aprendiz dissemina. Nós trabalhamos nas escolas e ensino sobre o as religiões afro e o samba que fazem parte da história do negro, além de desenvolver esse projeto nas vilas culturais da cidade. Os jovens negros ainda estão muito tímidos em relação à cultura negra popular, a sua cultura de origem, não querem se identificar e isso é difícil de se recuperar e esse é o nosso papel, resgatar a identidade do negro. Isso se deve porque a cultura do negro foi pisada, maltratada e o resgate é muito difícil. Hoje existe uma forma de resgate do samba, isso é muito bom, e a certeza de que as pessoas que entendem que o samba não pode morrer, significa que o samba de fato nunca vai morrer, e o resgate é muito importante, de entender o samba, de saber de onde ele surgiu, então nos samba você pode encontrar um 82 leque como sociedade, malandragem, raízes, preconceito racial, ou seja, é uma multiplicidade. A mensagem que eu passo para Londrina em relação ao samba é plantar para ficar, não deixar que o samba morra que o samba acabe, porque o Brasil é um misto de cultura, aqui se encontram muitas culturas, porém a cultura negra sempre teve a margem na sociedade brasileira e londrinense, por isso é muito importante você mostrar a cultura do negro e do samba, na concha acústica, nas Vilas culturais, na universidade, ou seja, você coloca essa cultura marginalizada em evidência, isso é muito importante. Em uma tarde de calor do dia 23 de novembro de 2009 fomos recebidos na casa de Joaquim Braga, mais conhecido como Braga ou Braguinha, residente do Jardim Maringá nas proximidades do centro da cidade Braga é uma das referências do samba em Londrina. Eu nasci em Cornélio Procópio no Paraná, porém como 8 anos me mudei para Ivaiporã Noroeste do Paraná e cheguei a Londrina com 18 anos, fui bancário do banco do Estado do Paraná e hoje eu leciono língua inglesa na rede pública de Ensino no Estado do Paraná. A minha relação com o samba surgiu depois que vim para Londrina, porque até então o samba que eu ouvia era um “sambinha” que meu pai cantarolava que se chamava Helena39, porque o nosso contato maior na zona rural de Ivaiporã era com a música sertaneja. Aqui em Londrina aconteciam as brincadeiras dançantes e nessas brincadeiras tinham sambas como de Martinho da Vila, Ataulfo Alves, Noel Rosa, foi ai que me encantei com o samba, me identifiquei muito com o Martinho da Vila, estava aprendendo a tocar violão e ai se iniciou essa minha relação com o samba, inclusive nós trouxemos um show do Martinho da Vila aqui em Londrina, no Moringão, porém esse show foi peculiar, porque choveu tanto, nunca vi uma chuva daquelas em Londrina, acabamos ficando com o prejuízo, mais foi bem interessante. Eu nunca fui músico profissional do samba, mesmo tendo um grupo atualmente, nós, aliás, criamos o primeiro grupo de samba de Londrina em 1981 o “Ziriguidum”, porque não havia grupo de sambas em Londrina, e sim cantores individuais, eu sempre militei no samba, mas não dá para sobreviver do samba em 39 Helena – samba de Antonio Almeida e Constantino Silva 83 Londrina. Hoje em dia o samba está mais em evidência principalmente de uns cinco anos para cá, você abre o jornal e na agenda cultural tem muito evento de samba, antes não tinha espaço para a música em geral em Londrina, eram poucos os cantores que faziam música ao vivo nos bares. Eu não interpreto esses sambas atuais no caso conhecidos como pagode da década de 1990, eu costumo interpretar o legítimo pagode, de raíz, de terreiro, como Jovelina Pérola Negra, Dona Ivone Lara, o pessoal do Cacique de Ramos, Fundo de Quintal, além de sambistas como Noel Rosa, João Nogueira, Bezerra da Silva, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Adoniran Barbosa, enfim, procuro interpretar os verdadeiros sambistas. Por exemplo, a minha filha que tem sete anos, com inserção nas escolas municipais com aulas de musicalização, ela chega em casa cantando a música Tiro ao Alvo de Adoniran Barbosa, o samba está presente na sociedade. O Samba nos anos de 1920 era marginalizado perseguido pelas políticas do presidente da época Arthur Bernardes, mais o samba foi para a Rua, na praça onze lá no Rio De Janeiro, a elite tentou coptar o samba, e moldar o samba nas formas que eles queriam para ser aceito nas classes dominantes, o samba passou por determinas crises, com a marginalização na década de 1920, com a bossa Nova na década de 1950 e o pagode da década de 1990 com o “sambanejo”, que não era nem samba e nem sertanejo, por isso Nelson Sargento foi muito feliz quando fez o samba “Agoniza mais não morre”. A resistência do samba se dá pela ancestralidade, das senzalas, dos batuques, o samba já vem de um processo de resistência, e quando ele volta fica mais forte ainda, hoje em dia tem muita gente boa fazendo samba, como Tereza Cristina, Diogo Nogueira, entre outros. O Samba é de identidade brasileiríssima, ele acontece de forma efetiva mais nas cidades, no urbano, por exemplo, quando nós fundamos a escola de samba Quilombo dos Palmares nos Cincos Conjuntos na Zona norte da cidade, imaginávamos que iríamos aglutinar muitas pessoas para a escola, principalmente por ter muitos habitantes naquela região, mais essas pessoas vinham das zonas rurais das proximidades de Londrina, com o êxodo rural, e quem passou a frequentar a escola foi o filho desses migrantes, porque eles quando chegaram da zona rural eram muito recatados, tímidos, é interessante essa questão geográfica. 84 Em relação aos movimentos culturais e sociais eu sempre estive presente, eu comecei cantando em coral, fundamos o grupo “Ziriguidum” em 1981 e depois a escola de samba Quilombo dos Palmares, então eu sempre estive presente, fundamos a escola de samba Mirim Quilombo do futuro, fizemos um trabalho social com as crianças, fazíamos o acompanhamento escolar, além do trabalho da Escola de samba na região dos Cincos Conjuntos. A partir daí eu comecei a militar no movimento negro de Londrina, e aí acabamos criando esse link com os movimentos da cidade, é muito gratificante, temos um compromisso com a cidade, não podemos nos omitir, nosso papel e de fazer com que a comunidade crie consciência, principalmente a população afrobrasileira. O nosso grupo que se chama Braguinha e banda sambaguidum, que é composto por cinco pessoas, eu faço voz e violão, o Vitor que é filho da Dona Vilma que faz Tantã, o meu irmão de Paranavaí que faz pandeiro, o meu amigo Luiz Carlos Andreoti que faz o repique e geralmente chamamos “free lancer” para fazer o cavaquinho, pois não contamos com uma pessoa fixa que toque cavaquinho. Eu vejo Londrina como uma cidade heterogênea vieram pessoas de muitos lugares e com o pólo universitário essa heterogeneidade se firmou de vez, costumo dizer que em Londrina tem até londrinenses!., e Londrina tem espaço para diversos gêneros, e com o samba não é diferente, mas acredito que o samba vem de uma crescente aqui na cidade através das mídias e de eventos a partir do surgimento do Quizomba, eu fui um dos proponentes do projeto, e partir dali o samba cresceu de forma efetiva, o Quizomba foi o grande marco de aflorar essa resistência e colocar o samba no espaço que merece aqui em Londrina. O samba não é só deleite o samba tem o seu lado social, eu tenho um projeto de contar a partir de palestras a história do samba nas escolas públicas, principalmente nessa época do dia 20 de novembro que é dia da consciência negra e faço um minishow que se chama cantos de negritudes, que é relacionada aos negros, então a partir da oitava série e ensino médio eu ministro as palestras, é muito interessante fazer essa viagem pelo samba. A mensagem que eu posso passar para a sociedade londrinense em relação ao samba é que as pessoas entendam que o samba é um bem cultural, essencial na vida das pessoas, às vezes o samba passa uma mensagem dolente, mais ele preza o sentimento do brasileiro, porque o brasileiro por natureza é um 85 povo de modo geral sofrido, tem toda uma questão de subalternidade, mais também expressa à alegria, e o samba faz muito bem isso, então as pessoas abraçam o samba como uma cultura maior e que o samba permaneça e resista como vem sendo até hoje. Figura 11: Croqui com a espacialização de locais onde ocorriam e ocorrem samba em Londrina. Fonte: Google Earth. Org.: Ricardo Manfrenatti. 86 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa a princípio surgiu para desvendar o mundo do samba na cidade de Londrina, haja vista que o samba não é por tradição o ideário da identidade desta cidade do Paraná. Ao decorrer desta pesquisa muita coisa se esclareceu e amadureceu e o resultado esperado foi atingido. Este trabalho não tem a finalidade de findar a discussão das territorialidades do samba em Londrina, ou de qualquer territorialidade independente de quem as constroem e nem de que o samba seja o método e metodologia aplicada nesse gênero musical. A proposta é que esse trabalho venha a contribuir para novas discussões sobre as territorialidades e o samba na cidade de Londrina A partir das entrevistas concretizamos o nosso objeto de evidenciar parte das territorialidades do samba em Londrina, como dito acima sem findar a discussão, levando em consideração que por razões estruturais a monografia não consegue abarcar todos os elementos que poderiam constituir a pesquisa. Desta forma alguns construtores das territorialidades do samba em Londrina possam não ter sido contemplados nessa pesquisa. De maneira geral, pesquisamos e elegemos os construtores de tais territorialidades que contribuem com a construção dessas territorialidades. O projeto Quizomba: Samba e outros batuques a partir das informações cedidas gentilmente pela coordenadora do projeto Camila Sampaio, nos trouxe como essas territorialidades do samba se materializam na cidade, através das oficinas e apresentações de samba, a cada primeiro domingo de cada mês. No que tange os personagens do samba em Londrina entrevistados por nós, observamos que cada um deles contribui de suas maneiras para a construção das territorialidades do samba. Leandro Almeida nos contou a sua inserção no universo do samba e discutiu sobre o samba e a sua identidade brasileira e o que o Município de Londrina necessita para que o samba seja melhor compreendido na sociedade londrinense, além de estar com o projeto no prelo “ Samba do Almeida”, no qual ele nos informou de primeira mão a intenção de concretizar esse projeto, no qual pretende fazer uma ou duas vezes por mês apresentações de sambas em um lugar específico da 87 cidade, preferencialmente na periferia, potencializando assim a criação da territorialidade do samba. Seu Nelson por sua vez nos contou a sua trajetória de vida até se estabelecer em Londrina e se inserir no mundo do samba na cidade, em 1997 chegou a terra dos pés vermelhos e desde então nunca mais saiu. De 2007 em diante Seu Nelson é integrante do quarteto do Samba, grupo esse que realiza apresentações de samba na cidade, nos bares, festas de repúblicas e eventos. Em um período de um ano de abril de 2007 até maio de 2008 Seu Nelson acompanhado do quarteto do samba realizaram apresentações que se iniciavam as 14h e terminava as 22h, muito samba com acompanhamento de feijoada na hora do almoço e cerveja, durante esse um ano ininterruptos muito samba aconteceu no extinto bar Axé Brasil, localizado no Jardim Maringá as margens do aterro do Igapó. Dona Vilma dos Santos Yalorixá, zeladora de terreiro de Candomblé, moradora da cidade de Londrina a mais de 50 anos acompanhou o trilhar do samba na cidade, em entrevista nos relatou que participou da construção, da constituição do samba em Londrina, Dona Vilma é uma das grandes personagens construtora das territorialidades do samba em Londrina, pois fez desde intercâmbios com grandes sambistas do Rio de Janeiro como Cartola, participou da fundação das escolas de samba em Londrina, costuma fazer sambas informalmente, principalmente samba de terreiro, e hoje desenvolve diversos projetos, como por exemplo, o de Mestre Griô (ANEXO III), no qual com a sua sabedoria popular, leva até as escolas públicas a história social e cultural dos negros através da lei número 10.639, projeto este que respaldado pela lei e fomentado pelo governo federal a partir do ministério da Cultura. Dona Vilma leva a identidade negra, das religiões afro e do samba para as escolas para que os estudantes passem a conhecer a cultura africana que até hoje é marginalizada pela sociedade brasileira que por natureza é heterogênia. Joaquim Braga é sem dúvida junto com a Dona Vilma um dos personagens de grande relevância na cidade de Londrina, sendo que todos os entrevistados desta pesquisa sempre ao falar de samba citavam o nome de Braga em suas falas. Braga chegou a Londrina com 17 anos e desde então se inseriu no universo do samba londrinense, foi fundados da escola de samba Quilombo dos 88 Palmares e fundou o primeiro grupo de samba em Londrina, o “Zirguidum”. Braga é professor de inglês na rede de ensino público do Estado do Paraná, porém pela forte relação que estabeleceu com o movimento negro em londrina, Braga ministra palestras sobre a história do samba no Brasil, além de cantar em eventos com o seu grupo Braga e sambaguidum. A partir destas entrevistas e das discussões teóricas sobre as territorialidades e do samba nos primeiro e segundo capítulos desta pesquisa compreendemos que as territorialidades do samba em Londrina existem e estão ficando cada vez mais em evidência, com destaques inclusive pelos meios de comunicação da cidade, tendo cada vez mais espaços na sociedade Londrinense, desta forma acreditamos que projetos como do Quizomba e os personagens do samba do Município de Londrina constroem tais territorialidades mediante ás relações emanadas por eles para a população constituinte de Londrina. Esperamos que o estudo do Samba e de suas territorialidades não se findem por aqui, esta pesquisa veio com o objetivo de iniciar as discussões sobre as territorialidades do samba em Londrina, abrindo perspectivas para que os pesquisadores da ciência geografia e das ciências sociais em geral deem continuidade nas discussões. 89 6. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Idalto José de. 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Quais 6- Quais os sambistas que mais se encontram em seu repertório? 6- Com qual sambista que mais influencia no seu repertório e que tipo de samba se identifica mais? 7- O que acha das transformações ocorridas com o gênero samba desde a sua criação até os dias atuais em cima da frase “O Samba agoniza mais não morre” (Nelson Sargento) 8- Têm alguma relação com algum movimento social (negro, religioso, político). 9- A gênese do samba é africana, carioca, paulista ou baiana? 10- Existe uma relação social, cultural com a comunidade onde mora? 11- O samba se figura como uma identidade brasileira? 40 A metodologia utilizada durante a entrevista partiu da perspectiva de deixar o entrevistado explanar, desta forma as perguntas elencadas acima não foram indagadas na mesma ordem, servindo apenas de orientação para a pesquisa. 93 10 – Em que locais geralmente são feitos as apresentações; (Bares, eventos, projetos) e esses locais têm uma relação forte com o samba? 11 – como vê a relação do samba com a sociedade londrinense em geral? 12- Qual o público que costuma freqüentar as apresentações? 13- Que mensagem deixaria para os londrinenses que não conhecem a essência do samba? Roteiro de entrevista para o projeto Quizomba: Samba e outros Batuques. 1) Quando surgiu a idéia do projeto Quizomba? 2) E a essência do nome? 3) O projeto desenvolve especificamente o que? 4) Para quem é feito esse projeto? 5) Vocês têm algum incentivo da prefeitura para manter o projeto? 6) O projeto tem algum vinculo com a usina Cultural, ou apenas aluga o espaço? 7) Qual a idéia de cobrar o preço do ingresso em dias de apresentações por um valor simbólico ainda o estudante tendo a possibilidade de pagar meiaentrada? 8) As oficinas e as apresentações são feitas por pessoas de Londrina ou pessoas de outras localidades também se apresentam? 9) Por que as apresentações aconteciam no primeiro domingo de cada mês, as oficinas também só aconteciam no domingo? 10) Qual público costuma freqüentar o projeto, tanto nas oficinas como nas apresentações musicais? 11) Esse público que frequenta tem alguma ligação com o projeto ou vão para prestigiar e se divertir? 94 12) Você acredita que o quizomba criou um foco de resistência da cultura do samba em Londrina? 13) Qual a proposta que o quizomba pode deixar como projeto para a sociedade Londrinense? 95 7.2. Anexo II VÍDEO PROJETO QUIZOMBA Produção: Juma produção. Duração: 3.08 min. 96 7.3. Anexo III O Griô é um caminhante, cantador, poeta, contador de histórias, genealogista, mediador político. É um educador popular que aprende, ensina e se torna a memória viva da tradição oral. Ele é o sangue que circula os saberes e histórias, as lutas e glórias de seu povo dando vida à rede de transmissão oral de uma região e de um país. O papel do griô aprendiz é garantir a vitalidade e continuidade das redes de transmissão oral entre as gerações, as escolas e os pontos de cultura do Brasil (Lílian Pacheco, criadora da pedagogia Griô). http://www.cultura.gov.br/cultura_viva/?p=40; Acesso em 29/11/2009. A Ação Griô Nacional, criada e inspirada pela pedagogia do ponto de cultura Grãos de Luz e Griô (Lençóis – BA) em parceria com uma rede de 50 pontos de cultura de todo o Brasil atua com a vivência, a criação e a sistematização de práticas pedagógicas relacionadas aos saberes e fazeres da cultura oral envolvendo pontos de cultura, escolas, universidades e comunidades. A missão desta rede é criar e instituir uma política pública de estado que promova o reconhecimento do lugar político, social e econômico dos griôs e mestres de tradição oral na educação das crianças e jovens brasileiros. http://www.cultura.gov.br/cultura_viva/?p=40; Acesso em 29/11/2009 A importância dos “Griôs” na sociedade é plural. Os griôs são considerados “mestres” que dominam algum saber prático ou algum saber popular, saberes estes que estão se exaurindo a cada dia pela ausência de incentivos ao ensino de tais conhecimentos. A palavra “Griô”, abrasileirada por um ponto de cultura da Bahia, tem origem francesa, vem de Griot, que significa o sangue que circula. Este significado traduz a magnitude deste projeto, pois o sangue circulando, significa vida em abundância. Para quem não consegue imaginar a figura de um Griô, com um simples exercício irão identificá-los por todo lado. Quem nunca tomou um chá quando doente preparado por algum raizeiro, grande conhecedor de ervas e ramos do mato? Quem nunca foi bento quando criança ou até mesmo quando adulto por aquela Senhora Rezadeira que tem o poder de tirar mau-olhado, quebranto ou 97 qualquer sintoma que nos tira o ânimo? E quem não gostaria de aprender tecer lindos balaios feitos por artesãos de bambu? E na hora da merenda, aquelas deliciosas receitas de biscoitos, broas e bolos, fazem ou não fazem a diferença na mesa? http://patuaacessorios.blogspot.com/2009/07/projeto-acao-grio-alimentandoraizes.html. Acesso em 29/11/2009.