Verbo Arte e Design design Beto Felício fotos w w w. w a l t e rg o l d f a r b . c o m i Paixão Delirante e Inquisição no Teatro Lisérgico (2010, carvão, laca, óleo e acrílica sobre lona crua, 342 × 582 cm) ii Jardim dos Lírios Lisérgicos ii (2010, bordado, laca, óleo e acrílica sobre lona crua, 194 × 1035 cm) iii iii Humanisme de L’autre Homme (a partir do Teatro Lisérgico) (2009, bordado, carvão, laca, acrílica e óleo sobre lona crua, 194 × 220 cm) C A M A Walter Goldfarb L E Ô N I C O D+LIRIUM Museu Nacional de Belas Artes 2010 ii Walter Goldfarb: o decálogo Paulo Herkenhoff Para indicar um modo de pensar a pintura de Walter Goldfarb, levantou-se um decálogo, formado por contribuições do próprio artista (regras 1, 3 a 5 e 7 a 9), do crítico (2 e 6, parcialmente, 1, 3 a 5 e 7 a 9 elaborados com o artista) e um mandamento não revelado, ditado por um autor incógnito – já que toda a arte é um significante à espera da projeção do significado pelo sujeito do olhar (G. C. Argan). Daí o décimo se reservar ao que possa surgir do Aleph. 1. Espacialidade – Monumentalidade – Cosmos – Deus Arderás. Trata-se aqui de escalas de imensidão – da superfície pictórica como parte do próprio discurso. Metamonumentalidade: a cena da representação pode se apresentar concretamente para o espectador. [A fragilidade da paisagem perdida.]: “Os Teatros Lisérgicos desabam sobre mim com sua fúria, massa pictórica de laca branca (Agarre essas lápides lançadas por Deus!!!) e toneladas de cinzas (Queime nas chamas da Inquisição e nos fornos dos Campos de Concentração – pintor bastardo!!!)” (W. G.). 2. Indizível Não dirás [por impossibilidade de dizer]. Calar-te-ás. Questão infiltrada: o limite da linguagem. O limite do dizível linguístico ou o silêncio (Wittgenstein). A crítica só pode apontar o indizível, a pintura enfrenta-o na hipótese possível. Pintar-se é calar-se porque há silêncio. Ou é dizer ainda por vestígios (o signo visual possível). A Subida na Cruz (a porta do Duomo de Milão) / 9 telas / disegno: o corpo humilhado sob o regime de acidez, alvejamento e economia. Corroer o visível ao limite do ainda dizível ao olhar. 3. Psicanálise – Narciso – Édipo – Eros Desejarás. Três mitos gregos encadeados ora como tragédia ora como realização do sujeito. Por vezes, dolorosamente. Édipo: Orla carioca (a paixão de Tannhäuser por Vênus. Ele não reconhece o mal que Vênus pode lhe causar). “O sacrifício do corpo [a exaustiva rotina no ateliê] e o corpo sacrificado [a série Flagelo de Eros]. As marcas impressas no corpo e na alma dos homens de fé através do flagelo de Cristo falam de minha contaminação pela pintura e do narciso do artista. [...] colar o corpo santificado e religioso ao corpo apolíneo e profano, a arquitetura do homem (teatros) à arquitetura divina (o Jardim) para desconstruir o discurso moral” (W. G.). 4. Escritura – Shoah – Errância – Êxodo Errarás. Tradição quase sempre mantida oculta ou invisível há cinco séculos: não existe Brasil sem os judeus brasileiros ou os brasileiros judeus. Goldfarb e a espessura judaica da cultura brasileira. A errância do artista (também num mundo cristão-muçulmano). [Fusain raspado sobre a lona crua, repositório de cinzas. A memória oculta, fugaz]. “Conciliar figuração, abstração, geometria e texto: a herança judaica do pintor se calca no Verbo e nas abstrações sobre o divino e impede a representação”(W. G.). A vivência como artista e brasileiro nativo fluente na cultura local. 5. Imortalidade – Paraíso e Inferno – Flagelo – Culpa Não morrerás. Trata-se de um tempo escatológico inscrito na pintura: o destino último das coisas e suas metáforas no presente. “O desconforto na rotina do fazer e pensar de ateliê é pulsão sadomasoquista que me condena a vagar ininterruptamente em busca de processos que reconfortem pinturas em processo para que me levem ao próximo trabalho, alimentando novas formas de sofrer (pintar) para confortar (redenção). Impossível olhar para a Ceia de da Vinci e não me ver na figura do Judas Errante. Razão por que exilei sua fisionomia de minhas Ceias Lisérgicas” (W. G.). equilíbrio.] Parsifal. O pai violinista spalla e o inconsciente musical do pintor. “O ser musical é uma serpente” (W. G.). 6. Pintura – Metamorfose – Delírio – Beleza Verás. Isso é pintura com sua lentidão própria, com sua evasão da ortodoxia, com sua condição de intempestividade histórica (Nietzsche + Levinas em Humanisme de l’autre homme). Costurar. Suturar a tela. Tingir a lona. Tatuar a tela. Caleidoscópios e anamorfoses em laca e pigmentos de ouro, cobre e prata na massa pictórica de carvão. Surrar telas com pedra pome (stone washing). A pulsão neobarroca da forma. 8. Arquitetura – Escassez Despenderás e economizarás. A cultura da escassez não significa penúria intelectual ou falta de matéria ou de dispêndio de energia. Várias camadas de branco: apagamento da história e acumulação de tudo (ou de qualquer coisa). [Lisette Lagnado: Pintura de Escassez, ou pintura e ética]. 7. Música – Pai / Mãe Escutarás. Lei do pai, o triângulo edipiano, o não do pai, o Nome do pai, o pai fraco e nenhum acusado ou vítima – a exclusão de Judas na Ceia de W. G. Tudo é a humana condição. Moisés, Freud e Derrida. [A inversão da gravidade e o desafio do lugar incorreto. Outro 9. Hoje – Memória – Futuro Não esquecerás. É impossível esquecer. [O cordão umbilical costura o labirinto de ideias]. Cesura e bordado. “A memória vivificada em minhas telas é leve. É boa. Garante o amanhã” (W. G.). 10.