Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências
Humanas e Ciências Sociais – Ano 07 Nº 14 – 2011 ISSN 1809-3264
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
REVISTA
QUERUBIM
LETRAS – CIÊNCIAS HUMANAS – CIÊNCIAS
SOCIAIS
NÚMERO
ANO 0707
Número
1314–– Ano
JUNHO
Fevereiro
2011
NITERÓI – RIO DE JANEIRO
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Humanas e Ciências Sociais – Ano 07 Nº 14 – 2011 ISSN 1809-3264
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Revista Querubim 2011 Ano 07 nº 14 – 157p. (Junho – 2011)
Rio de Janeiro: Querubim, 2011 1. Linguagem 2. Ciências Humanas 3. Ciências Sociais –
Periódicos. I - Titulo: Revista Querubim Digital
Conselho Científico
Alessio Surian (Universidade de Padova - Italia)
Carlos Walter Porto-Goncalves (UFF - Brasil)
Darcilia Simoes (UERJ - Brasil)
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Virginia Fontes (UFF - Brasil)
Conselho Editorial
Presidente e Editor
Aroldo Magno de Oliveira
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Paolo Vittoria
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Vanderlei Mendes de Oliveira
Venício da Cunha Fernandes
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SUMÁRIO
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RESENHA
Alves, F. W. O trabalho dos professores: Saberes, Valores, Atividade. Campinas, Editora
Papirus, 2010. – (Coleção Magistério: Formação e trabalho Pedagógico) – Adriana Cunha
Padilha
O aspecto romanesco de Fogo Morto dentro do regionalismo – Cícero da Silva e Éverton
Barbosa Correia
Sociedade da informação no Brasil: dez anos de desafios para a educação brasileira
Cláudia Battestin e Adriana Duarte Leon
A abordagem comunicativa no processo de ensino-aprendizagem – Daniela da Silva Faria e
Quesler Fagundes Camargos
Proeja: uma discussão quanto a uma metodologia de ensino específica e as contribuições
freirianas – Divino Mariosan Rodrigues, Gislene Pires de Camargos, José Gomes
Taveira Neto, Laudeslina Ribeiro Duailibe, Paula Guardiola Perett Teixeira e Solange
Martins Peixoto
Uma poetisa no Pampa: Delfina Benigna da Cunha – Bruna Fani Duarte da Rocha,
Vanessa Castro de Lara e Elaine dos Santos
Quando a teoria se faz prática docente: didática & pedagogia – Jeane Alves de Almeida,
Severina Alves de Almeida, Francisco Edviges Albuquerque e Joseilson Alves Paiva
Língua e sujeito da análise do discurso de linha francesa: intersecções com a psicanálise –
Kátia Alexsandra dos Santos
A educação ambiental como ação educativa no combate à dengue em Araguaína/Tocantins –
Leandro Ferreira da Silva, Adriano Antonio Brito Darosci, Joseilson Alves de Paiva e
Jeane Alves de Almeida
Mário Pederneiras e a Belle Époque no Rio de Janeiro em fins do século XIX/do início do
século XX – Luciana Marino do Nascimento
Folclore e educação: um diálogo pertinente – Magno Francisco de Jesus Santos
Letramento virtual: a leitura de filmes na formação leitora – Maria Goreth de Sousa Varão
O ensino de botânica como alternativa para facilitar a aprendizagem de ciências no ensino
médio: estratégias de melhoria através de aulas com testes e análises de germinação de feijão
comercial – Nádia Regina Stefanine, Fabiane Silva Darosci Brito, Fábio de Jesus
Castro e Jeane Alves de Almeida
Alfabetização científica e educação tecnológica: quando as práticas se encontram – Núbia
Luis Cardoso, Jeane Alves de Almeida, Joseilson Alves Paiva e Fábio de Jesus Castro
Bullying: um desafio para as nossas escolas – Pedro Braga Gomes
Sobre a produção do conhecimento científico – interfaces nas reflexões da análise do discurso
e da psicanálise – Raquel Horta Fialho do Amaral Cougo
Encenações de ser criança em Manoel de Barros – Rodrigo da Costa Araujo
O crime na crônica da casa assassinada, de Lúcio Cardoso – Rosana Santos Cardoso
Infância e educação: as práticas pedagógicas na alfabetização das crianças indígenas Apinayé
em perspectiva – Severina Alves de Almeida, Francisco Edviges Albuquerque, Eliana
Henriques Moreira e Jeane Alves de Almeida
Alfabetização e letramento: um desafio – Simone Gonçalves Franzati
Apropriação de culturas: as influências sociais que modificam o sujeito – Suzana Luiz
Tibúrcio
O processo de gramaticalização do juntivo entretanto na história do português - Tatiana
Mazza da Silva
Avaliação da produção textual – Tahiná da Silva Santos Moreira
Erro, tempo e correção em l2 (língua inglesa) – breves reflexões sobre comunicação em sala
de aula – Welisson Marques
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RESENHA
Alves, F. W. O trabalho dos professores: Saberes, Valores, Atividade. Campinas, Editora
Papirus, 2010. – (Coleção Magistério: Formação e trabalho Pedagógico)
Adriana Cunha Padilha1
A obra “O trabalho dos professores: Saberes, Valores, Atividade” é fruto da pesquisa de
doutorado do professor Wanderson Ferreira Alves. Reuni grandes reflexões sobre a temática da
formação continuada e inicial de professores e sua relação com o trabalho docente em nosso país.
O autor combinou uma vasta literatura sobre trabalho docente, qualificação, formação
profissional, com entrevistas a professores de ensino médio em situação de trabalho descrevendo e
analisando de maneira reflexiva e crítica suas situações e organizações de trabalho. O recurso
procedimental de auto confrontação trabalhado na pesquisa estabeleceu um campo profícuo de
descrição da atividade docente e suas contradições no espaço de trabalho de professores no estado
de Goiás.
Ao inserir-se nas situações de trabalho dos docentes, o pesquisador descreveu o confronto
das necessidades e articulações oriundas da formação inicial e continuada dos professores. E, nas
palavras do autor: “A formação ganha sentido em sua articulação com o trabalho”.
O livro, contendo 301 páginas no total, se subdivide em duas partes, agregando-se ao
prefácio, as considerações finais e detalhada bibliografia.
A primeira parte denominada em Mapeando o terreno o autor revisita o trabalho docente com
conceitos aprofundados sobre trabalho material e imaterial, e trabalho abstrato e concreto. No
desenvolver do capitulo o autor nos convida a compreender o trabalho como atividade humana e
para tanto recorda autores como Marx, Engels, Saviani, Tardif, Ruy Fausto, Schwartz, entre outros
de abordagem materialista crítica e dialética.
No referido capitulo o autor comenta com base nos autores acima citados como o
capitalismo contemporâneo amplia sua exploração por áreas até então pouco mercantilizadas, se
alastra não apenas com força nas modificações do trabalho, mas também na subjetividade das
pessoas, reconhecidas aqui como trabalhadores da educação.
A primeira parte do livro encerra-se com uma vasta descrição do trabalho prescrito e do
trabalho real desenvolvido pelos professores com a promoção de uma maior abertura para um
horizonte critico e social da atividade de trabalho para além das teorias da ação.
Na segunda parte do livro denominada de A batalha do trabalho real, o autor apresenta o
contexto da pesquisa desenvolvida com professores de ensino médio do estado de Goiás, suas
escolas e seu trabalho. No referido capítulo delimita-se alguns condicionantes do trabalho desses
professores, especialmente em relação à carreira, salário, organização do trabalho e sua relação com
as políticas educacionais. Os textos são apresentados juntamente com tabelas e quadros que
ilustram a organização do trabalho docente.
A seguir um subtítulo é apresentado com o enfoque nas políticas às batalhas do trabalho real
onde o objetivo do autor é tecer discussões sobre as condições de trabalho dos docentes
Doutorado em andamento no Programa de Pós-Graduação da UFSCar, Mestre em Educação pela PUC
Campinas, Integrante do grupo de pesquisas LEPEDE‟Es UFSCar, Professora de Educação Especial SME e
FUMEC de Campinas.
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desdobrando a questão para um primeiro plano que envolve a atividade do trabalho congregando
trabalho feito, trabalho impedido, constrangimentos e as regulações que envolvem sua atividade.
Nos aspectos finais apresentam-se algumas imposições da organização do trabalho desses
professores (tais como, as relações de poder na escola, as hierarquias no sistema de ensino, as
formas de dispor a força de trabalho, entre outras) e tantos outros condicionantes que se inserem
nas discussões sobre a docência em nosso país.
As discussões encontradas no livro revelam ao leitor uma visão ampla e crítica sobre o
trabalho de professores num aprofundamento crítico e dialético das situações de trabalho. O
trabalho dos professores seus saberes, valores e atividade assim descritos ganham uma nova
amplitude quando ditos em consonância com os próprios trabalhadores. Destaca-se assim, a
singularidade e profundidade da referida obra.
Com uma leitura acessível, os quadros de sínteses tornam a obra agradável e interessante. O
autor consegue levantar em linhas gerais, as principais questões e reflexões na atualidade sobre
caminhos do trabalho docente na atualidade.
Cada capítulo pode ser usado independentemente como material de discussão para o
trabalho das equipes docentes das escolas, grupos de pais, educadores e profissionais da saúde do
trabalho ou educação, por trazer em seu núcleo reflexões teóricas sobre as situações mais diversas
do trabalho, promovendo novas possibilidades e incentivando novas abordagens teóricas e práticas.
Trabalho enviado até 30/04/2011
Recebido em 30/04/2011
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O ASPECTO ROMANESCO DE FOGO MORTO DENTRO DO REGIONALISMO
Cícero da Silva2
Éverton Barbosa Correia3
Resumo: O presente artigo objetiva traçar um panorama do romance Fogo Morto (1943), de José
Lins do Rego. Esta obra apresenta os principais aspectos do ambiente de seus primeiros romances:
a vida no ciclo da cana-de-açúcar, cuja dimensão ficcional tenta mimetizar a realidade da decadência
dos senhores de engenhos e ascensão da usina. A narrativa ganha maior expressividade por meio de
suas paisagens, imagens, personagens e linguagem. Portanto, esse aspecto da obra parece ser a
tentativa de representação da cultura, dos costumes, do modelo social de um povo através da ficção
regionalista.
Palavras-chave: Fogo Morto; romance; regionalismo
Abstract: This article aims to provide an overview of the novel Fogo Morto (1943), by José Lins do
Rego. This workmanship presents the main aspects of the environment of his early novels: the life
in the cycle of sugar cane, whose fictional dimension tries to mimic the reality of the sugar mill
planters‟ decay and the rise of the sugar cane plant. The narrative becomes more expressive through
its landscapes, images, characters and language. Therefore, this aspect of the workmanship seems to
be the attempt to represent the culture, customs, social model of a people through the regionalist
fiction.
Keywords: Fogo Morto; novel; regionalism.
Introdução
Com a publicação de Fogo Morto em 1943, José Lins do Rego retoma o ambiente de suas
primeiras obras: a vida no ciclo da cana-de-açúcar. Nesse romance, o narrador ancora sua temática
em certos elementos, como o uso do tempo cronológico, marcando precisamente as ações das
personagens em cada capítulo. Isto dá sustentação ao cunho histórico da obra, pois mimetiza a
realidade da decadência dos engenhos e ascensão da usina. Desse modo, o romance é dividido em
três partes, e cada uma delas gira em torno de uma personagem principal, como afirma Sérgio
Milliet (1969):
Em Fogo Morto três são as personagens principais e cada uma delas como que
sintetiza certa classe da população, e todas as três envolvem em um cenário de
mandonismos e miséria indefesa, de doença e superstição, de vida primitiva e
contatos primários. Por detrás de tudo, puxando os cordéis dos títeres, a
politicagem, a prepotência policial e a solução do cangaço. (p. XIX)
Como diz ainda José Aderaldo Castello:
O que mais sobressai nos contatos do homem do sertão com o da bagaceira ou
do engenho, nos trabalhos rurais, é a resistência física e moral, a rígida
determinação do sertanejo e, sobretudo, a sua independência, embora dramática,
independência de verdadeiras aves de arribação. (CASTELLO, 1961, p. 136)
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e
Docente da Secretaria de Educação do Tocantins (SEDUC-TO). E-mail: [email protected]
3 Doutor em Letras (Teoria Literária e Literatura Comparada) pela Universidade de São Paulo (USP) e Pósdoutorando na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
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Esse sentimento trágico que Fogo Morto apresenta, é, sem dúvida, a característica geral do
sertanejo: o fatalismo e a resignação. Em outros pontos do romance, o narrador faz questão de
enfatizar isso como um problema regional, mas que tem dimensão universal. Segundo o crítico
Otto M. Carpeaux (1969), a obra de José Lins do Rego não deixa dúvidas quanto a sua grandeza
universal: “É a consciência literária da casa-grande e da senzala, dos senhores de engenho e dos
pretos, dos bacharéis e dos moleques, de todo o mundo agonizante” (p. XV).
A construção tridimensional da obra
Fogo Morto é dividido em três partes, e cada uma delas traz no título o nome de um dos três
personagens principais do romance. Apesar dessa divisão “tridimensional”, as partes têm limites
próximos, sendo que as personagens aparecem ao longo de todo o enredo representando classes e
interesses diversos (ALMEIDA, 1999).
Na Primeira parte: O Mestre José Amaro, há uma personagem, caracterizada como seleiro,
doente, pobre, mas muito orgulhoso e revoltado com a própria situação, de opressão, insucesso, já
que vive de favores nas terras de Lula de Holanda:
– Sou pobre, Seu Laurentino, mas não faço vergonha aos pobres. Está aí minha
mulher para dizer. Aqui nesta minha porta tem parado gente rica, gente lorde,
para me convidar para isto e aquilo. Não quero nada. Vivo de cheirar sola, nasci
nisto e morro nisto (...). (REGO, 1969, p. 5)
O cheiro de sola desagradável, a sujeira, o conflito familiar representam o infortúnio da
sobrevida nos arredores dos engenhos. Assim, esse sentimento de insucesso e indignação leva o
mestre José Amaro a apoiar o bando de cangaceiros de Antônio Silvino em suas ações na região.
Pela voz do narrador, um dos poucos momentos de ternura de Amaro foi quando ajudou esse
bando. E à medida que ocorre a sucessão dos fatos, é possível perceber que a solidão desse sujeito é
mais angustiante, sobretudo quando recebe o aviso de seu Lula de Holanda para desocupar a casa
em que mora no engenho Santa Fé. Tudo isto leva o seleiro a suicidar-se com a faca de trabalho.
Evidentemente, ao retratar fatos como este José Lins do Rego parece reforçar a necessidade de
discussão sobre os problemas brasileiros dentro de um movimento literário regional, mas que aos
poucos alcança dimensão nacional (CÂNDIDO, 2005).
A Segunda parte: O Engenho de Seu Lula pode ser sintetizada, de maneira geral, pela figura do
coronel Lula de Holanda Chacon, dono do engenho Santa Fé, legítimo representante do senhor
rural decadente, arruinado, inepto, mas que ainda insiste em viver com sua família, ilusoriamente, o
luxo que tivera no passado.
O narrador constrói Lula de Holanda como um orgulhoso latifundiário, que possui gosto
em exibir luxo e o que possui na região; ele vive sem falar com quase ninguém, nem mesmo com as
pessoas que encontra quando está na igreja. Apesar de rezar todo dia, persegue com crueldade os
pobres escravos do Santa Fé. Isso revela a grande falsidade dos ricos da casa-grande. Além disso,
no desenrolar da trama a riqueza de Lula de Holanda vai minguando, chegando à paralisação da
produção do engenho:
Realmente, é ele quem afirma que o seu romance cíclico da cana-de-açúcar é a
história de uma decadência e de uma ascensão, a decadência do engenho e a
ascensão da usina. E na decadência do engenho e do bangüê, absorvidos pela
usina, há também o drama humano, sobretudo o drama humano, com a ruína de
famílias de mistura com ambições desenfreadas, subordinando-se tudo a mais
viva emoção do romancista. (CASTELLO, 1961, p. 189)
Pode-se afirmar também que o cunho artístico de Fogo Morto dentro do regionalismo recupera a
história de seres que realmente existiram um dia, pois
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(...) José Lins do Rego deu realidade ao mundo dos engenhos de cana, que antes,
na sua obra, era quase um modo da sensibilidade, um material de lembranças.
Ao fazê-lo, criou um universo que alcança a escala de grande arte, pela tensão
humana dos personagens e a instintiva maestria com que os delineia.
(CÂNDIDO, 1969, p. XLVII)
Na Terceira parte: O Capitão Vitorino, é retratada a personagem Vitorino Carneiro da Cunha,
apelidado de “papa-rabo”, herói quixotesco, defensor dos pobres e oprimidos. Vitorino pode ser
considerado um misto de Dom Quixote e Sancho Pança, que em suas andanças e na sua busca
ingênua de justiça, estabelece as relações entre todas as personagens, servindo como ponto central
da narrativa. É de fato uma criação singular de José Lins do Rego.
Em se tratando dessa personagem, Álvaro Lins afirma:
É que este Vitorino Carneiro da Cunha é um pequeno D. Quixote, é o D.
Quixote das populações do interior nordestino. (...) Pelo seu quixotismo
exprime-se a revolta, o inconformismo, a esperança de um povo; é também o
protesto do escritor, a certeza de sua identificação com a sua gente. (LINS,
1969, p. XXXVI)
As suas posições são contrárias as dos senhores de engenho arrogantes, como as de José
Paulino, e a favor das dos senhores de engenho desgraçados, como Lula de Holanda. Ele também
se coloca adverso à invasão do cangaceiro Antônio Silvino e seu bando aos engenhos; contra a
violência dos soldados de polícia do tenente Maurício; contra o Governo corrupto e a todos os
excessos, injustiças e violências.
Vitorino também tem muito orgulho por sua postura. Ele usa uma linguagem de baixo
calão, conservando também o mesmo patriarcado de José Amaro e Lula de Holanda. Trata mal sua
esposa D. Adriana, e às vezes vai até preso por desacatar autoridades. Entretanto, não desiste das
questões, está sempre defendendo presos inocentes, como José Amaro, o cego Torquato e o José
Passarinho. De maneira que parece estar sempre cingido entre a defesa dos pobres e dos ricos, quer
defendendo o direito de José Amaro de permanecer no sítio do Santa Fé, quer defendendo os
donos de engenho das invasões dos cangaceiros. Como mencionado, tal postura de Vitorino tem
certo grau de comicidade, mas não de ridícula, posto que ele figura o ideal de justiça que toda a
sociedade almeja, como lembra Álvaro Lins (1969, p. XXXVIII): “Ele representa um ideal de
justiça naquela pequena sociedade dominada pela injustiça. O seu cômico decorre do caráter
absoluto que ele imprimiu ao seu sentimento de justiça”.
Patriarcalismo versus submissão
Assim como há semelhanças entre as personagens principais – José Amaro, Lula de
Holanda e Vitorino –, com suas esposas também não é diferente. Sinhá, mulher do mestre José
Amaro, e D. Adriana, mulher do Capitão Vitorino Carneiro da Cunha, parecem ser humildes
criaturas nascidas para a dor, a paciência e o isolamento caseiro. Para Sinhá, se a casa onde vive não
lhe traz alegria é porque o marido a entristece com o material de seu ofício e a aspereza de suas
palavras. E o narrador focaliza isso frequentemente no decurso da narrativa, como mostra a
seguinte passagem: “Dentro de casa o cheiro de sola fresca recendia mais forte que a da comida no
fogo. Viam-se, por toda a parte, arreios velhos, selas arrebentadas, e pelo chão, pedaços de sola
enrolados. Uma mulher, mais velha do que o mestre apareceu”. (REGO, 1969, p. 5)
Além de ter de conviver com essa sujeira, a pior situação que Sinhá precisa superar,
juntamente com a filha Marta, é a estupidez de José Amaro. Consequentemente, isso causará vários
problemas entre os membros da família, que são apresentadas repetidas vezes no decurso da
narrativa:
- Comadre, eu prefiro a morte a viver mais tempo naquela casa. Uma coisa me
diz que ele tem parte com o diabo. Eu nem sei dizer o que sinto. (...) Ele me
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olha como uma fera. Agora que brigou com o Coronel só fala em matar, em
briga, no diabo. A filha lá longe sofrendo, e o monstro sem se importa. Coitada
da bichinha. (REGO, 1969, p. 245-246)
O final trágico na família de Sinhá talvez, de toda a obra, seja o mais triste. Tão triste, que a
rusticidade das palavras de Zé Amaro está expressa na execução do próprio ato que o leva à morte:
o suicídio com a faca de trabalho. A personagem parece não conseguir expressar sua revolta, seu
fracasso, de maneira objetiva, por meio de palavras, embora indiretamente cada cena descrita pelo
narrador já seja o suficiente para mostrar esse mundo decadente dos engenhos e o fim do ciclo da
cana-de-açúcar.
Os problemas que a sociedade enfrenta em termos de comunicação, mandonismo,
patriarcalismo, mimetizados pelas personagens, são comuns às famílias de qualquer classe social
retratadas na obra. Trata-se de certos valores morais e culturais, com ênfase ao patriarcalismo, que
deveriam ser revistos, uma vez que este causava a dissolução da família, como ocorreu com a
família do mestre José Amaro.
Todas essas personagens são sínteses fortes das relações sociais no romance de José Lins
do Rego. Neném, filha do capitão Lula de Holanda, também não apresenta muitas características.
No entanto, o seu perfil mostra, com destaque, os traços característicos da cultua branca, que é o
orgulho da classe alta:
(...) O capitão Lula de Holanda passava dias e dias sem dar uma palavra. Só a
filha tinha força para arrancá-lo daquele mutismo. (...) Só ela vivia, só ela era
criatura humana, a filha de pele cor de leite, de olhos azuis, de cabelos louros
como os de sua gente do Recife. Não havia moça mais bela, mais prendada que
a sua filha (...). (REGO, 1969, p. 173-174)
O que se pode ver é uma certa decadência explicitada em Fogo Morto, mas suas personagens
ainda persistem em manter a tradição de outrora. Lula de Holanda já não é tão rico, mas deseja
manter-se na classe alta ao descrever a filha, deixando implícito o perfil de rapaz que deve casar
com ela. Consequentemente isto vai causar divergências. Logo, embora seja “branca” e de origem
abastada, Neném tende a sofrer tanto quanto Marta. Com vistas à possibilidade de interpretação
desses aspectos no crivo da obra de José Lins do Rego, podemos citar também D. Amélia, mulher
de Lula de Holanda, pela voz do narrador:
(...) D. Amélia fora um anjo, naqueles dias. Quando ela entrava na casa do
engenho, era como a providência, uma benção de Deus. Agora era aquela velha,
muito mais velha do que a idade que tinha. O Coronel era aquele homem que
ninguém entendia, metido dentro de casa, cheio de tanta soberba. Tinham
aquela filha que estudara nas freiras do Recife. Era moça de mais de trinta anos,
tão cavilosa, enterrada no quarto, lendo livros, com medo de gente. Parecia com
D. Olívia, aquela irmã de D. Amélia que andava sem parar, da sala de visita para
a cozinha, o dia inteiro, com a cabeça branca como de lã de algodão. (REGO,
1969, p. 34-35)
Quando o narrador descreve essas personagens em um mesmo nível, o objetivo é mostrar
uma sociedade degenerando-se prematuramente. D. Amélia, moça prendada do engenho, educada
em Recife, depois de casar-se com Lula de Holanda, é entregue à prisão triste do sertão, entre os
escravos na cozinha da casa-grande do Santa Fé e o velho piano que alude a juventude. Lentamente,
ela vê a filha Neném sofrer nesse mesmo mutismo, fruto do patriarcalismo. Não muito diferente da
família de José Amaro, Neném e D. Amélia também sofrem muito, ainda que por outros motivos.
O confinamento a que Neném vive faz com que seus hábitos e atitudes sejam comparados aos de
uma louca, como a tia Olívia, ou até mesmo Marta. Isto porque Lula de Holanda não permite que a
filha namore o promotor, alegando que é um sujeito pobre:
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Seu Lula, como um alucinado, não parava de falar. Preferia ver a filha estendida
num caixão a se casar com um tipo à-toa, sem família. [...] D. Amélia e a filha
estavam no quarto. A moça soluçava. Na sala o pai berrava, desesperadamente,
como se ela tivesse cometido um crime. Ouvia bem as palavras de nojo de Seu
Lula.
- Namorar com um camumbembe, uma filha minha na boca de canalha do Pilar.
Isto eu não permito, Amélia. Amélia, venha cá com esta menina.
Amélia entrou chorando na sala, e viu a cara de ódio de Seu Lula.
- Chama esta menina aqui.
Neném surgiu na porta da sala, com a cabeça baixa, ainda aos soluços.
- Por que tu choras, menina? Por que este choro, hein? Quem te bateu, menina?
Não me casa com camumbembe, hein? Prefiro a tua morte. (REGO, 1969, p.
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Como se pode observar, há uma aproximação muito forte entre as condições em que
vivem Neném e seu pai com Marta e Zé Amaro. É uma sociedade que enfrenta os mesmos
problemas. São homens que castigam severamente as mulheres. São mulheres sofredoras, que
pacientemente mantêm os vínculos de família aos pais e maridos por uma questão de tradição.
Evidentemente, essa criação das personagens de Fogo Morto tem uma representatividade artística
singular (ALMEIDA, 1999). Porque o estilo escolhido combina muito bem com o assunto
abordado, além de usar uma linguagem regional para caracterizar as personagens.
Mandonismo versus cangaço
Em se tratado do caráter de outras personagens, o tenente Maurício, comandante
arbitrário, à frente da tropa do governo, em lugar de dar segurança ao povo, em suas ações espalha
terror e medo entre a população. De certo modo, por meio dessa personagem José Lins do Rego
parece denunciar a incompetência do Governo. Tenente Maurício passa a ser mais temido do que o
bando de cangaceiros de Antônio Silvino.
Como Antônio Silvino é inimigo dos ricos, os pobres o apoiam. E Alípio, o aguardenteiro,
é devotado ao bando, arriscando ser preso por dar apoio ao capitão Silvino. Há também o cego
Torquato, que é o informante do bando. Ele até diz a Zé Amaro que já recebeu ajuda do capitão
Antônio Silvino, mostrando que os cangaceiros são homens bons:
- Eu não sei de nada não, Seu Mestre. Sou um pobre cego, vivo do coração dos
outros. Uma coisa porém eu digo: este capitão nunca me fez mal. Uma vez eu
vinha com o meu guia, na estrada nova. Era na boca da noite. Voltava do Sopé
e, quase chegando no Maraú, me senti cercado de gente. O meu guia me disse
baixinho: „É cangaceiro, Seu Torquato‟. E era mesmo. Me deram dinheiro.
Nunca tive tanto dinheiro na mão. O Capitão Antônio Silvino me chamou de
parte para saber o que se falava dele na feira do Sopé. Eu disse tudo (...).
(REGO, 1969, p. 73)
De um lado, há um problema gerado pelas ações do grupo de cangaceiros na região, e de
outro, também existe o problema da miséria, que assola região. De modo geral, são problemas de
ordem política. Assim, a maioria da população sofredora vê as ações do grupo do Capitão Antônio
Silvino como justas, porque os alvos principais são os políticos corruptos, a polícia arbitrária e a
riqueza dos latifundiários donos de engenhos e dos comerciários:
Uma noite de escuro, Antônio Silvino atacou o Pilar. Não houve resistência
nenhuma (...). Foi uma festa. Peças de fazenda, carretéis de linha, chapéus,
montas de carne, sacos de farinha, latas de querosene, jogos de ar, candeeiros,
tudo distribuídos como por encanto. Mais para a tarde, o capitão chegou à
varanda do sobrado e gritou:
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- Podem encher a barriga. Este ladrão que fugiu, me mandou denunciar ao
governo. Agora estou dando um ensino neste cachorro.
Em seguida mandou sacudir os dois caixões de níqueis no meio da rua. O povo
caiu em cima das moedas4 como galinha em milho no terreiro(...). (REGO,
1969, p. 205-206)
Fogo Morto é povoado de cenas como essa, representando a cultura de sua terra. A
dimensão desse romance ganha maior expressividade através de suas paisagens, imagens e
personagens. Tudo isso reconstrói, para nós, um mundo tão distante, mas que na arte literária de
José Lins do Rego sempre estará tão vivo como nunca. E acerca disso, o grande crítico Carpeaux
(1969) afirma: “O que está certo é que tudo aquilo não existirá mais amanhã. Só viverá nos
romances de José Lins do Rego”. (p. XV)
O foco narrativo em Fogo Morto
José Lins do Rego, por meio do seu estilo, sua linguagem, suas personagens, consegue
retratar com certa veracidade o problema da miséria a partir da descrição do mundo decadente nos
arredores do engenho. O narrador tenta reproduzir uma realidade tão profunda que não pode
afirmar se ela vem da vida objetiva ou da imaginação do romancista. Certamente, tudo isso cria em
cada cena do romance um equilíbrio permanente entre o ambiente social e a natureza humana das
personagens, pois
(...) Fogo Morto, sob muitos aspectos realizados com o aproveitamento de
„sobras‟, aliás excelentes como material humano e social, e com o
reaproveitamento de situações já exploradas ou entrevistas, é verdadeiramente
um trabalho de síntese do que o romancista em grande parte já havia feito nos
romances anteriores, o que explica, igualmente, o seu maior valor artístico ou
literário. (CASTELLO, 1961, p. 133)
Fogo Morto, por se tratar da tentativa de representação da cultura, dos costumes, do modelo
social de um povo por meio da ficção, tem como fator fundamental a visão desse mundo que seu
narrador porta para retratá-lo ao longo da narrativa. E isso é um dos elementos que permite
caracterizá-la como literatura engajada.
Além disso, quando se observa algumas ações, atitudes e costumes das personagens,
sobretudo das principais, como do seleiro José Amaro, do Coronel Lula de Holanda Chacon e do
Capitão Vitorino Carneiro da Cunha, nota-se que há muito em comum entre elas, ao passo que
quando o narrador as descreve, veem-se também comportamentos semelhantes, apesar de
pertencerem a classes sociais diferentes:
Com tais personagens, alarga-se a ambiência que envolve suas situações
dramáticas pessoais, mas que, ao mesmo tempo, implica em sugestões de amplo
conteúdo social e em largos retratos psicológicos do homem da região, sob o
peso de valores tradicionais, patriarcalistas, pseudo-aristocráticos (...).
(CASTELLO, 1961, p. 134)
A maneira como o narrador focaliza as personagens no decurso da narrativa sofre
mudanças à medida que a trama vai desarrolando. Mas isso não acontece por acaso. Pela voz de
cada personagem, o leitor pode identificar sem dificuldades as características de cada uma delas. E a
partir das descrições feitas pelo narrador as imagens de tais personagens passam a ser vistas de
diferentes formas:
Mas são três almas diferentes, que levam consigo dramas diversos. A grande arte
de José Lins do Rego foi insuflar-lhes sangue e vida, dar-lhes traços firmes e
Pode-se afirmar que o narrador faz referência ao herói medieval Robin Hood, que dava aos pobres aquilo que
subtraia dos ricos.
4
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inconfundíveis dentro de uma absoluta economia de recursos expressivos,
dentro, em suma, daquela simpleza de memorialista(...). (BOSI, 1969, p.
XXVIII)
É claro que as inferências que o narrador faz não vêm apenas explicitar os fatos ao leitor,
mas reforçar a evidência de que em Fogo Morto a participação do narrador é o artifício decisivo em
qualquer momento para os rumos que as personagens trilham.
Considerações finais
O que faz enriquecer Fogo Morto ainda mais é o caráter de igualdade com que as
personagens são descritas. Pode-se dizer que o narrador não esconde pejorativos às personagens.
Podem ser pobre, escrava, política ou rica, elas são descritas com todos os seus atributos. Desse
modo, ao acompanhar o percurso que o narrador traça no destino de uma personagem, tal como o
Capitão Vitorino Carneiro da Cunha, nota-se suas particularidades com a política, mas também um
desejo de representação do real:
- A agitação de Vitorino não o fazia parar.
(...)
E na sala do juiz, com a letra trêmula, devagar, parando de quando em vez,
como se estivesse numa caminhada de léguas, escrevia o Capitão Vitorino as
palavras que pediam liberdade para os pobres, para o compadre, para o cego,
para o negro. (REGO, 1969, p. 270-271)
Assim como as outras personagens se transformam, com Vitorino também não é diferente,
pois aparece nos primeiros diálogos sem apresentar muitas características. Porém, suas posições
mudam, e seu lado de arrogância, de orgulho, de defensor de ricos e pobres, vão aparecendo à
medida que o narrador tece comentários, como na passagem citada. Não é por acaso que isso é
organizado ao longo da narrativa.
Portanto, se os diálogos das três personagens principais assemelham-se em alguns pontos,
como já se mencionou, sem dúvida permeiam a imaginação do romancista com a de suas
personagens. Dessa forma, pode-se afirmar que cada uma das personagens de Fogo Morto é
construída segundo a visão de mundo de seu narrador, de modo que se observarmos apenas a voz
de Lula de Holanda, a sua carga de atributos não é totalmente expressa. Todavia, com a inserção de
comentários do narrador em seus diálogos ou pensamentos é possível tomarmos conhecimento
com maior clareza sobre esse sujeito, sendo ele uma representação de outros sujeitos reais.
Referências bibliográficas
ALMEIDA, José Maurício Gomes de. A tradição regionalista no romance brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999.
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p. XXVI-XXXIII.
_____. José Lins do Rego. In: História concisa da literatura brasileira. 37. ed. São Paulo: Cultrix, 2000. p. 397-400.
CÂNDIDO, Antônio et al. A personagem de ficção. 9. ed. São Paulo: Perspectiva, 1998.
_____. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 2005.
_____. Descaminho e decadência. In: REGO, José Lins do. Fogo Morto. 9. ed. São Paulo: José Olympio, 1969. p.
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CARPEAUX, Otto Maria. O brasileiríssimo José Lins do Rego. In: REGO, José Lins do. Fogo Morto. 9. ed. São Paulo:
José Olympio, 1969. p. XI-XVII.
CASTELLO, José Aderaldo. José Lins do Rego: modernismo e regionalismo. São Paulo: EDART, 1961.
LINS, Álvaro. Um novo romance dos engenhos. In: REGO, José Lins do. Fogo Morto. 9. ed. São Paulo: José Olympio,
1969. p. XXXIV-XXXIX.
MILLIET, Sérgio. A obra de José Lins do Rego. In: REGO, José Lins do. Fogo Morto. 9. ed. São Paulo: José Olympio,
1969. p. XVIII-XXV.
REGO, José Lins do. Fogo Morto. 9. ed. São Paulo: José Olympio, 1969.
Trabalho enviado até 30/04/2011 Recebido em 30/04/2011
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SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO NO BRASIL:
DEZ ANOS DE DESAFIOS PARA A EDUCAÇAO BRASILEIRA
Cláudia Battestin5
Adriana Duarte Leon6
Resumo: O presente artigo visa analisar o conjunto de ações e aspectos relevantes apresentados
através do Livro verde: Sociedade da Informação no Brasil, organizado pelo Ministério da Ciência e
Tecnologia, no ano de 2000. Dez anos depois (2000-2010), é visível a não efetivação das metas
propostas para a sociedade da informação brasileira. O desafio não foi somente para o governo e
sim para toda a sociedade, pois a pretensão era gestar o conhecimento, desenvolvendo pesquisas
através do desenvolvimento cientifico e tecnológico por meio da educação.
Palavras-chave: Sociedade da Informação, Tecnologias, Educação.
Abstract: This paper aims to analyze the set of actions, and relevant aspects presented by the
Green Book of the Information Society in Brazil, organized by the Science and Technology
Ministry, in the year 2000. Ten years later (2000-2010), the non-realization of the proposed
methods for the Brazilian information society is visible. The challenge has not been solely for the
government but for all the society, once the intention was to manage knowledge, developing
researches through technological and scientific development by means of education.
Key-words: Information society, technologies, education.
Introdução
O presente artigo objetiva dialogar com o conceito de sociedade da informação que se
popularizou no Brasil a partir da publicação do Livro Verde: sociedade da informação, no ano de 2000.
No entanto, se faz necessário saber de que tecnologia estaremos falando.
O conceito de tecnologia é entendido, na sociedade contemporânea, como uma
construção política, antropológica, ética, estética e histórica. Sabemos que a tecnologia tem sido
tema de discussão em diferentes cenários atuais, tanto no âmbito social como educacional e
cultural. Contudo, a tecnologia continua sendo um processo de construção derivada da
racionalidade humana que pode facilitar as relações, bem como incluir ou excluir os sujeitos de
acordo com os interesses envolvidos. A tecnologia por si só não interage, não produz relação social,
desenvolvimento ou exclusão; é a ação humana, sob a tecnologia, que produz ação, relação e
consequência.
Na visão do educador brasileiro João Augusto Bastos (1998), é preciso analisar a dimensão
da educação com a tecnologia. Sua preocupação não é delinear ou conceituar o que vem a ser
tecnologia, mas sim abordar questões relacionadas aos aspectos humanos, sociais, históricos,
econômicos e culturais. Bastos entende que estes elementos são fundamentais e esclarecedores para
entender a maneira com que os homens criam tecnologia e com ela se relacionam. Para Bastos
(1998), a relação do homem com a tecnologia é uma capacidade de perceber, compreender, criar,
adaptar, organizar e produzir expressões culturais das sociedades. É necessário ter consciência e
responsabilidade para aperfeiçoar as condições de vida do ser humano.
Vieira Pinto (2005) entende que pelo fato da sociedade brasileira ser marcada pela
exclusão social, os investimentos no campo da educação deveriam ser em maior proporção.
5Doutoranda
6Mestre
em Educação: Universidade Federal de Pelotas (UFPel). [email protected]
em Educação pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). [email protected]
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Quando Vieira Pinto7 participou do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) posicionou-se
claramente sobre a necessidade de investimento na educação, embora, na época, não aceitasse
investimentos estrangeiros, pois, segundo ele, limitavam o desenvolvimento autônomo do país.
Vieira Pinto argumentava que “a consciência crítica terá de surgir exatamente daquele meio social
não influenciado diretamente pelos ensinamentos importados” (2005a, p.283). Entendendo
também, que o uso do termo tecnologia é usado por pessoas de diversas qualificações e com vastos
propósitos, afirmando que: “Sua importância na compreensão dos problemas da realidade atual
agiganta-se, em razão justamente do largo e indiscriminado emprego, que a torna ao mesmo tempo
uma noção essencial e confusa” ( 2005a, p.219).
A visão utilitarista da tecnologia está presente em muitos segmentos da sociedade.
Podemos citar como exemplo: os órgãos governamentais, os institutos de pesquisas e os
financiamentos para o desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica. Nas últimas décadas
do século XX e no início do século XXI, as novas tecnologias têm ocupado um espaço significativo
nos debates relacionados ao desenvolvimento social. Todavia, buscar-se-á, aqui, ponderar algumas
questões neste sentido, tendo como pano de fundo algumas afirmações estabelecidas no Livro
Verde: sociedade da informação.
Sociedade da Informação do Brasil: algumas ponderações
O Livro Verde tem como característica central uma proposta composta de planejamento,
orçamento e execução. A intenção era a construção de um projeto que pudesse compartilhar as
responsabilidades entre várias partes, entre elas, o governo, as organizações privadas, o setor
econômico e a sociedade civil. Porém, toda sociedade civil deveria participar do processo de
execução das supostas atividades que se converteriam no tão sonhado projeto da Sociedade da
Informação.
No Brasil, o Livro Verde é um bom exemplo. Organizado pelo Ministério da Ciência e
Tecnologia, vinculado ao governo federal, foi lançado no ano de 2000, na gestão presidencial
de Fernando Henrique Cardoso. O livro Verde: Sociedade da Informação do Brasil aponta para o fato
de que os países em desenvolvimento vêm investindo na produção de conhecimento e
inovação tecnológica, pela percepção de que este é o componente fundamental da nova
estrutura econômica que está surgindo, sendo o fator inovação considerado o principal meio da
transformação do conhecimento em valor. De acordo com Takahashi, a iniciativa do Livro
Verde “permitirá alavancar a pesquisa e a educação, bem como assegurar que a economia
brasileira tenha condições de competir no mercado mundial” (2000, p.5). O trecho destacado
ilustra o quanto as iniciativas que valorizam a pesquisa tecnológica 8 têm sido estimuladas no
início do século XXI.
Dentre os aspectos destacados no Livro Verde a educação é considerada elemento-chave
da sociedade da informação, carecendo de incentivo e estimulo para garantir ao indivíduo
aproveitar as possibilidades propiciadas por esta.
A educação é o elemento-chave para a construção de uma sociedade da
informação e tem condições essenciais para que pessoas e organizações estejam
aptas a lidar com o novo, a criar e, assim, a garantir seu espaço de liberdade e
Com o golpe militar e a repressão no ano de 1964, Álvaro Vieira Pinto foi cassado e exilado na Iugoslávia e
logo em seguinda foi enviado para o Chile, onde trabalhou como professor no Centro Latino Americano de
Demografia.
8Cabe salientar que o Livro Verde: Sociedade da Informação do Brasil, contém 230 páginas, sendo desenvolvido por
um grupo de implantação, formado por pesquisadores renomados de várias universidades públicas e privadas
do Brasil. Cerca de 150 especialistas de todo o País se distribuíram por temas (grupos temáticos) e
participaram regularmente de reuniões. Várias dessas pessoas envolveram-se em diversos grupos, prestando
apoio adicional ao programa na articulação de trabalhos entre frentes paralelas de discussão.
7
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autonomia. A dinâmica da sociedade da informação requer educação continuada
ao longo da vida, que permita ao indivíduo não apenas acompanhar as
mudanças tecnológicas, mas, sobretudo, inovar. (TAKAHASHI, 2000, p.5)
O Livro Verde propunha o estabelecimento de telecentros 9 como um dos meios para
garantir a acessibilidade de serviços para a cidadania, pontuava a inclusão digital e a universalização
dos recursos tecnológicos como ações essenciais para efetivar a sociedade da informação. Muitas
das ideias, projetos e colocações feitas no Livro Verde ficaram somente na proposição, outras ainda
em fase de diálogo em órgãos competentes, outras em andamento e algumas se efetivaram ao longo
do tempo.
O capítulo quatro do Livro Verde intitulado: Educação na Sociedade da Informação merece
destaque no item que aponta a educação como essencial para a construção da Sociedade da
Informação, alegando que através desta será possível conhecer, aprender e ensinar, desenvolvendose assim uma reflexão crítica sobre as muitas variáveis envolvidas no processo de ensino
aprendizagem.
Cabe ainda destacar que a denominação sociedade da informação, insere-se num contexto
de sociedade do conhecimento, que tem como suporte técnico a rede internet de computadores. As
aprendizagens facilitadas por esse mecanismo pressupõem acesso irrestrito a essa tecnologia e o
manuseio desta tecnologia pressupõe apropriação da mesma como ferramenta de trabalho.
Educação na sociedade da informação
A desigualdade social gera falta de oportunidades e consequentemente um descompasso
entre o desenvolvimento de muitas capacidades que poderiam ser estimuladas através dos processos
de aprendizagens. A construção da sociedade da informação pressupõe o acesso à educação e
tecnologia para, a partir deste acesso, ampliar aprendizagens.
Dourado (2009) afirma que a mudança tecnológica tem alterado o mundo do trabalho e
exigido dos trabalhadores novas habilidades e conhecimentos, nem sempre possíveis pelos limites
do acesso e da formação.
É neste cenário de mudanças sociais, intensificadas pela progressiva
diferenciação dos ambientes geopolíticos e por expressivo e desigual avanço
tecnológico, que se efetivam alterações no mundo do trabalho e da produção, as
quais, por seu turno, redimensionam as esferas da atividade humana. Estabelecese, portanto, um espaço contraditório, em que se generalizam e desenvolvem
tecnologias favoráveis à integração e, paradoxalmente, a novas formas de
inclusão dependente. (DOURADO, 2009, p. 893)
O acesso às novas tecnologias pressupõe a absorção de novos significados e uma real
ampliação do acesso; caso contrário, estamos ampliando as desigualdades através de um novo
mecanismo excludente. O domínio das tecnologias é possibilitado pelo acesso e posterior
apropriação. Somente após apropriação do funcionamento das tecnologias ocorre a criação. Educar
para sociedade da informação pressupõe educar para criação de novas tecnologias.
[...] muito mais que treinar as pessoas para o uso das tecnologias de
informação e comunicação: trata-se de investir na criação de
competências suficientemente amplas que lhes permitam ter uma
atuação efetiva na produção de bens e serviços, tomar decisões
fundamentadas no conhecimento, operar com fluência os novos meios
“O termo “telecentro” tem sido utilizado genericamente para denominar as instalações que prestam serviços
de comunicações eletrônicas para camadas menos favorecidas, especialmente nas periferias dos grandes
centros urbanos ou mesmo em áreas mais distantes” (TAKAHASHI, 2000, p 34).
9
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e ferramentas em seu trabalho, bem como aplicar criativamente as novas
mídias, seja em usos simples e rotineiros, seja em aplicações mais
sofisticadas. Trata-se também de formar os indivíduos para “aprender a
aprender”, de modo a serem capazes de lidar positivamente com a
contínua e acelerada transformação da base tecnológica (TAKAHASHI,
2000, p.45).
A fascinação que as novas tecnologias causam aos seres humanos deve ser analisada de
forma ampla. Pensar a educação na sociedade da informação exige uma análise crítica para que
possamos identificar a real função das tecnologias na constituição de uma sociedade que busca
equidade social. Barreto destaca que “a palavra tecnologias tende a soar como uma espécie de chave
mestra capaz de abrir todos os caminhos e portas: solução mágica para os mais diversos problemas”
(2009, p. 921). Porém os argumentos que endeusam as tecnologias escondem interesses obscuros
que precisam ser investigados.
Oliveira observa a importância de transformar a informação em saber e como tal processo
é relevante para aprendizagem.
A informação é a matéria-prima do saber. Mas o saber, ou o conhecimento,
não se resume a uma amálgama de informação. O saber é o resultado de uma
gestão criativa da informação. A informação é um bem de consumo e uma
mercadoria de massas; o saber, pelo contrário, exige um labor do pensamento
humano que transforma a informação em saber criativo (OLIVEIRA, 2004, p.
64).
Perceber as novas tecnologias como auxílio no desenvolvimento das aprendizagens, acesso
à informação, integração, recreação, capacitação; enfim, como um instrumento que possibilite ou
estimule o melhor exercício de uma prática cidadã ainda é um desafio.
Formar o cidadão não significa “preparar o consumidor”. Significa capacitar as
pessoas para a tomada de decisões e para a escolha informada acerca de todos
os aspectos na vida em sociedade que as afetam, o que exige acesso à
informação e ao conhecimento e capacidade de processá-los judiciosamente,
sem se deixar levar cegamente pelo poder econômico ou político
(TAKAHASHI, 2000, p.45).
É preciso um alto investimento para implementar a sociedade da informação, a
infraestrutura é dispendiosa e vai além do ensino formal. As instituições de ensino necessitam de
estrutura equipada com computadores e dispositivos educacionais, bem como acesso irrestrito à
internet.
Desde o ano de 2000, quando foi o lançamento do livro verde e paralelamente ampliou-se a
ideia de sociedade da informação, muitas escolas receberam kit‟s mídias, porém, sem capacitação e
manutenção, não foi possível dar continuidade ao trabalho de formação para muitos alunos e
professores. Takahashi argumenta que,“o problema fundamental em relação à disponibilização
dessa infraestrutura é essencialmente de custos: é uma empreitada cara, envolvendo significativo
dispêndio inicial para aquisição e, posteriormente, para manutenção” (2000, p.45). Sabemos que
muitos países em desenvolvimento apresentam inúmeros limites a serem superados, porém, no caso
brasileiro, implementar a sociedade da informação pressupõe investimento financeiro para garantir
a ampliação do acesso, caso contrário, estamos estimulando mais um espaço de discriminação
social.
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Educação a distância: novas tecnologias e novos meios de aprendizagens
No ano de 2000, o discurso sobre educação a distância era principiante, surgindo
questionamentos sobre quais as possíveis formas de utilizar as tecnologias da informação e
comunicação para trabalhar com a educação. Embora a educação a distância já tivesse ganhado
status de modalidade da educação na LDB de 1996, sua aplicabilidade ainda era muito limitada.
Após a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.
9394/96) e, sobretudo, após a promulgação do decreto de 2002, efetivou-se um
processo de credenciamento de instituições de educação superior para a oferta
de cursos na modalidade a distância, com forte presença da esfera privada
(DOURADO, 2008, p. 900).
A Lei de Diretrizes e Bases, aprovada em 1996, indica diversas mudanças na educação
brasileira, dentre elas a possibilidade de formação na modalidade a distância. Algumas mudanças
propostas pela LDB/1996 não se efetivaram na prática; entre elas destacamos a obrigatoriedade de
que os professores para atuar nas redes públicas ou privadas tivessem concluído o terceiro grau. Tal
diretriz não se efetivou na prática, pois o oferecimento do 3º grau até então era muito limitado,
principalmente se considerarmos as instituições públicas, primeira opção de muitos professores,
pela condição financeira.
Se por um lado a solicitação de professores habilitados no 3° grau parecia positiva, pois
garantiria o atendimento especializado ao aluno, por outro lado não estabelecia os mecanismos
pelos quais os professores buscariam sua qualificação, e, como era esperado, não se efetivou na
prática. Desta forma, precisamos buscar as entrelinhas da lei.
Para que se possa entender o significado de uma lei não basta atentar-se
somente à sua letra, ou ao seu texto, é preciso examinar o seu contexto ou o
contexto em que foi criada. Não basta ler as linhas, é preciso ler as entrelinhas,
ou seja, comparar os objetivos explícitos no texto da lei com o contexto no qual
foi redigida (RESCIA, 2007, p. 69).
A LDB/1996 estabeleceu a década da educação para que os professores concluíssem sua
formação. Tal período encerrou em 2006, quando a gestão pública retomou o seu posicionamento,
afirmando que era necessário pensar o acesso aos cursos superiores e posteriormente estabelecer a
exigência do 3° grau.
Ainda na LDB, sobre o acompanhamento da vida funcional dos professores, nota-se
algumas indicações que devem ser incorporadas pelos planos de carreira dos municípios e estados.
Destacamos entre eles o condicionamento do avanço na carreira à capacitação continuada.
Art.6. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da
educação, assegurando-lhes, inclusive, nos termos dos estatutos e dos planos de
carreira do magistério público:
I – ingresso exclusivamente por concurso de provas e títulos;
II – aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento
periódico remunerado para tal fim;
III – piso salarial profissional;
IV – progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação de
desempenho;
V – período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga
horária de trabalho;
VI – condições adequadas de trabalho.
O trecho destacado acima faz parte das polêmicas atuais dos trabalhadores da educação.
Interessa-nos aqui a ênfase dada à formação continuada, pois diversos cursos têm sido oferecidos
aos professores na modalidade a distância, buscando possibilitar essa formação. Arriscamos afirmar
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que a formação de professores é um dos maiores espaços de atuação da educação a distância no
Brasil.
A variação tempo e espaço possibilitada pelas novas tecnologias é um fator considerável a
todos aqueles que fazem a opção pela educação a distância, pois o aluno consegue realizar sua
capacitação de acordo com o tempo disponível.
No Livro Verde, Takahashi observa a variação tempo espaço como característica positiva da
educação a distância e afirma que “conforme as velocidades de transmissão das redes, vão
aumentando novas aplicações para fins educacionais, vão se tornando viáveis, tais como os
laboratórios virtuais” (2000, p.46). Desta forma, a educação a distância é defendida no Livro Verde a
partir dos seguintes argumentos:
Primeiro: o considerável aumento da audiência de um determinado curso ou palestra tanto
no tempo, como no espaço, permitindo, desta forma, oferecer oportunidades de educação em
lugares distantes de grandes centros.
Segundo: a grande oportunidade de poder aprender em diversos locais, sendo em casa ou
no trabalho, em qualquer horário, abrindo um leque de possibilidades para uma educação
continuada.
Terceiro: o processo educativo no ensino ocorre de forma individualizada, mas com uma
vasta possibilidade de interação disponibilizada pelos recursos da Internet.
Quarto: a possibilidade de organizar um trabalho em equipe com critérios de cooperação,
compromisso e envolvendo pessoas de vários lugares do país em dimensões diferenciadas de
espaço e tempo.
As novas tecnologias da informação oportunizam diversos espaços que podem inovar no
que se refere às formas de interação entre professor e aluno. É urgente a necessidade de avançar
metodologicamente para melhor aproveitar as tecnologias como ferramenta pedagógica. Takahashi
entende que, “para que o ensino a distância alcance o potencial de vantagens que pode oferecer, é
preciso investir no seu aperfeiçoamento e, sobretudo, regulamentar a atividade”(2000, p.47).
Outro aspecto que já foi destacado neste texto, mas merece novo destaque, é a
alfabetização digital ou inclusão digital, que deve ser possibilitada através da escola formal e através
de projetos que alcancem os sujeitos que não estão vinculados à escola formal. A sociedade da
informação só será uma possibilidade real se socialmente for garantido o acesso.
Quando enfatizamos o acesso às tecnologias, estamos entendendo que necessita ser
possibilitado em todos os níveis de ensino, desde o ensino fundamental até o superior, perpassando
por todas as áreas, bem como por cursos de extensão e cursos de educação de jovens e adultos. No
nível de pós-graduação, podemos evidenciar uma preocupação no que tange não somente as
necessidades do mercado, mas principalmente da importância do educando e do educador que, para
Takahashi, “deve se adequar à velocidade de evolução das tecnologias de informação e
comunicação” (2000, p.49).
Até o início do século XXI, as iniciativas no que se refere à educação a distância no Brasil
foram através do rádio, correios e os canais televisivos. Citamos como exemplo a TV Escola, que
oferecia material didático por meios televisivos, com atividades complementares, momentos
presenciais e a distância.
Implantado a partir de março de 1996, a TV Escola vai ao ar diariamente, 14
horas por dia. Distribuiu uma antena parabólica, um aparelho de TV e um
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videocassete para cada uma de 56.770 escolas públicas de ensino básico,
atingindo quase 29 milhões de alunos. A utilização no dia-a-dia desses recursos
por parte das escolas não é um sucesso absoluto: estudo feito em 1999 mostrou
que somente cerca de 60,0% das escolas envolvidas gravavam regularmente os
programas transmitidos. Por outro lado, a tecnologia subjacente de
transmissão/recepção de TV da iniciativa é hoje obsoleta (TAKAHASHI,
2000, p.52).
O Brasil é um país que merece destaque pelas tantas iniciativas feitas no decorrer da
história a fim de propagar conhecimento através da educação a distância. Outra tentativa muito
conhecida no ano de 1998 foi o Telecurso 2000, juntamente com o projeto telessalas 2000. O
projeto visou o acesso à educação pelo ensino a distância para trabalhadores brasileiros que por
algum momento haviam interrompido seus estudos.
Em sua primeira fase, o projeto Telessalas 2000 logrou o seguinte: a implantação
de 200 telessalas no Rio, 108 no Amazonas, 200 em São Paulo e 92 na
Amazônia Legal; o lançamento do Telecurso 2000 – Edições Legendadas que
transmite aulas do primeiro grau para a população de surdos no País, estimada
em 3 milhões de pessoas (TAKAHASHI, 2000, p.52).
Em 1995, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) ofereceu cursos de pósgraduação em várias cidades do estado: cursos de Engenharia de Produção, entre outros, com as
aulas ministradas a distância. Outra iniciativa, na época considerada um marco no ensino a
distância, foi o consórcio unirede, que formalizou em 62 universidades públicas brasileiras o ensino
a distância, elevando a qualidade e a quantidade de cursos em várias modalidades ofertadas.
Ao elaborar o relatório do Livro Verde, os especialistas envolvidos na sua proposição já
tinham em evidência os caminhos percorridos, sabendo exatamente até onde a tecnologia da
informação havia chegado, questionando-se, no entanto: E agora? Para onde vamos? A intenção era
de que até o ano de 2005 10% dos cursos universitários pudessem utilizar as tecnologias de
informação e comunicação como uma forma possível de articular o ensino.
Os cursos de graduação e pós-graduação específicos devem, no mínimo, dobrar
até 2005, e um esforço deve ser realizado para, ao menos, triplicar os cursos
técnicos em nível médio voltados para as novas tecnologias, já que seu número é
pouco significativo atualmente (...). É preciso fazer uso em grande escala das
novas tecnologias de informação e comunicação em ensino a distância. As
novas tecnologias criam novas possibilidades efetivas de formação continuada
em comunidades hoje marginalizadas pelos mais diversos fatores, como
geográficos e econômicos. Alternativas de baixo custo devem ser concebidas
para que o ensino a distância em larga escala se torne uma realidade e, assim,
possa alavancar, entre outras iniciativas maiores, formais ou não, de
alfabetização digital, bem como de capacitação e formação tecnológica
(TAKAHASHI, 2000, p.55).
Para que a sociedade da informação se torne uma realidade, é preciso um modelo político e
econômico compatível com o objetivo prioritário de investir na educação e implementar práticas
que estimulem a inclusão digital, através da criação de laboratórios virtuais, acesso à internet,
disponibilidade de especialistas e possibilidades de pesquisa.
Na época de lançamento do Livro Verde, foram pensadas algumas medidas para efetivar
suas proposições como, por exemplo, regulamentar o ensino não presencial, revisar as diretrizes
curriculares, capacitar professores para o uso das tecnologias da informação e comunicação, entre
outros.
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Por fim, o percurso da Educação a distância, utilizando as novas tecnologias, é algo que
está em fase inicial, as possibilidades de avanço são diversas e estão à disposição do nosso potencial
criativo, para que nos desafiemos a explorar e a inovar metodologicamente, aproveitando os
diversos recursos disponíveis.
Considerações finais
O Livro Verde foi uma ação significativa, pois estimulou a utilização das novas tecnologias
para o desenvolvimento do país e desafiou as políticas públicas a incorporarem as novas
tecnologias. Sabemos que nesses dez anos que passaram, poucas ações foram feitas e a falta de
verba é a principal justificativa. No entanto, podemos afirmar que a educação a distância ganhou
um espaço considerável nas universidades públicas e privadas, aumentando o acesso à educação
pela modalidade a distância.
O Livro Verde: sociedade da informação contribuiu para a ampliação deste conceito no campo
brasileiro e estimulou avanços na utilização das novas tecnologias, principalmente no campo da
educação.
A utilização das tecnologias para desenvolvimento da aprendizagem pressupõe o
estabelecimento de metodologias interdisciplinares que interligue os conhecimentos e possibilite a
aplicação dos saberes. Esse talvez seja o maior desafio da educação a distância: buscar mecanismos
de envolvimento dos alunos para com a sua formação e prática.
Concluindo, observamos que as iniciativas no que se refere à ampliação do acesso de 2000
– publicação do Livro Verde – até os dias atuais, ainda são muito limitadas se objetivarmos a
totalidade da população brasileira. Muito já foi feito, mas considerando a demanda ainda há muito a
fazer.
Entendemos que neste momento histórico as reflexões acerca das novas tecnologias têm
ocupado espaço em diversos setores da sociedade, mas é a educação que propicia a ligação entre
tecnologia e sujeito; logo, devemos ampliar o debate sobre educação e estabelecer novas estratégias
de formação do ser humano.
Referências Bibliográficas:
BASTOS, João Augusto de Souza L A. Educação Tecnológica: conceitos, características e perspectivas In:
Revista de Tecnologia e Interação. Curitiba: CEFET-PR, 1998.
BRASIL. Lei n° 9394, de 20/12/1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
DOURADO, Luiz Fernando. Políticas e gestão da educação superior a distância: novos marcos
regulatórios?. Educação & Sociedade, Campinas, v. 29, n. 104, número especial, p. 891-917, out.2008.
BARRETO, Raquel Goulart. As tecnologias na política de formação de professores a distância: entre a
expansão e a redução. Educação & Sociedade, Campinas, v.29, n. 104, número especial, p. 919-937, out.2008.
OLIVEIRA, Lia Raquel Moreira. A Comunicação educativa em ambientes virtuais: um modelo de
design de dispositivos para o ensino-aprendizagem na universidade. Braga/Universidade do Minho,
2004.
PINTO, Álvaro Vieira. O Conceito de Tecnologia (vol. 1). Rio de Janeiro: Contraponto, 531p. (2005a).
RESCIA, Ana P. et al. (orgs). Dez anos de LDB: contribuições para a discussão das políticas públicas
em educação no Brasil. Araraquara/SP: UNESP/Junqueira & Marin, 2007.
SOUZA. Thelma Rosane P. de. A centralidade do planejamento na elaboração de material didático
para EAD. CEAD/Universidade de Brasília. On line - consulta: 13/05/2009 no site:
http://www.abed.org.br/antiga
TAKAHASHI, T. (Org.) Livro Verde: Sociedade da Informação no Brasil. Brasília: MCT, 2000.
Trabalho enviado até 30/04/2011 Recebido em 30/04/2011
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A ABORDAGEM COMUNICATIVA NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM
Daniela da Silva Faria10
Faculdade Pitágoras
Quesler Fagundes Camargos11
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Resumo
Esse artigo tem por objetivo auxiliar o educador a criar novas possibilidades no processo de ensinoaprendizagem de língua estrangeira dentro dos padrões da Abordagem Comunicativa, para
promover um ambiente dinâmico, descontraído e plenamente favorável a esse processo.
Apresentaremos os princípios básicos e essenciais da Abordagem Comunicativa e como uma tarefa
baseada nessa metodologia deve ser cuidadosamente elaborada. As atividades apresentadas neste
trabalho foram aplicadas em sala de aula e analisadas quanto a (i) os objetivos traçados antes de sua
aplicação e (ii) o resultado obtido.
Palavras-chave: Abordagem Comunicativa; Processo Ensino-Aprendizagem; Metodologia.
Abstract
This article aims to help the teacher to create new possibilities in the second language teaching and
learning process inside the Communicative Approach standards, to promote a dynamic, fun and
favorable learning environment for this process. We will present here the basic and essential
principles of the Communicative Approach and how a task based on this methodology must be
carefully planned. The activities presented in this work were applied in the classroom and analyzed
in terms of (i) the objectives pointed out before its application and (ii) the result achieved.
Keywords: Communicative Approach; Teaching and Learning Process; Methodology.
Introdução
O objetivo deste artigo é auxiliar o profissional de ensino (educador e professor) a criar
novas possibilidades no processo de ensino-aprendizagem de uma determinada língua estrangeira
dentro dos padrões da Abordagem Comunicativa. O leitor encontrará algumas tarefas necessárias
para que o indivíduo possa ser levado a compreender o processo de aprendizagem como aluno e
posteriormente o processo de ensino como professor.
Abordaremos os princípios básicos e essenciais da Abordagem Comunicativa e também
como uma tarefa baseada nessa abordagem deve ser cuidadosamente elaborada. Partiremos de
algumas tarefas realizadas em sala de aula, por ser um ambiente altamente heterogêneo, para, por
fim, analisarmos alguns tipos de materiais criados durante este processo de ensino-aprendizagem
dentro dos parâmetros dessa metodologia.
As atividades apresentadas neste artigo foram aplicadas em sala de aula 12 e analisadas
quanto a (i) os objetivos traçados antes de sua aplicação e (ii) o resultado obtido desta aplicação.
Atualmente é Pós-Graduanda em Novos Paradigmas (Educação) pela Faculdade Pitágoras BH-MG. É
coordenadora pedagógica de uma das escolas de idiomas da Rede Number One e faz parte do corpo docente
da Rede Pitágoras de ensino de língua inglesa.
11 É licenciado em Português e bacharel em Lingüística pela Faculdade de Letras da UFMG. Atualmente é
mestrando em Estudos lingüísticos no Programa de Pós-Graduação em Estudos Lingüísticos da
FALE/UFMG.
12 As atividades apresentadas e analisadas neste artigo foram aplicadas e desenvolvidas em uma turma de nível
básico de língua inglesa de uma escola da rede Number One.
10
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Processo de ensino-aprendizagem: uma ferramenta eficaz para Widdowson
Widdowson (1978), autoridade no campo da linguística aplicada, sugere que há áreas no
processo de aquisição da linguagem que auxiliam o profissional de ensino a proporcionar o
ambiente adequado para que o aluno aprenda uma língua estrangeira como um meio de
comunicação e não somente um estoque de estruturas que nunca seriam efetivamente realizadas em
contexto real de uso.
A proposta de Widdowson (1978) é que outras disciplinas devem ser incluídas no currículo
escolar. Segundo o autor, os professores precisam associar a linguagem que eles estão ensinando às
situações externas ao ambiente sala de aula, a saber: relacionamentos familiares, férias, esportes,
desenhos, relacionamento entre amigos, química usada nas aulas de laboratório e vários outros
ambientes e situações.
É necessário haver uma ligação concreta entre o aprendiz, a realidade e o ensino de língua
estrangeira. Este contexto geraria necessariamente uma situação em que a língua seria usada em
uma comunicação real e não imaginária; ou seja, aplicação de fatos reais.
Processo de ensino-aprendizagem: proposta teórica de Chomsky
Nos últimos 60 anos, o estudo da linguagem sofreu grandes impactos teóricos devido às
idéias revolucionarias de Chomsky (1957, 1965, 1968). O objeto de estudo da lingüística, para o
modelo gerativo, é a faculdade da linguagem. Esta faculdade é entendida como a capacidade
computacional inata, exclusiva da espécie humana, que permite que um determinado ser humano
adquira e desenvolva uma linguagem natural de uma maneira única.
Quando Chomsky (1957, 1965, 1968) propõe a Gramática Universal, que é parte da
faculdade da linguagem, ele procurava explicar como uma criança poderia aprender perfeitamente
uma língua materna. Neste processo havia dois problemas graves que precisavam ser explicados, a
saber: (i) apesar de as crianças serem expostas a um ambiente comunicativo limitado e cheio de
falhas, elas adquiriam a língua materna perfeitamente; (ii) apesar de as crianças estarem em um
desenvolvimento cognitivo em que elas estão tendo dificuldades para conquistar outros tipos de
conhecimento que são bem menos complicados do que a linguagem, elas ainda assim adquiriam a
língua materna perfeitamente.
Conforme Jackendoff (2002) é obvio que as crianças aprendem sua língua por meio da
exposição ao ambiente lingüístico. Entretanto, Chomsky (1957, 1965, 1968) afirma que as crianças
trazem recursos para o aprendizado da linguagem que vão muito além daqueles usados para outros
tipos de aprendizagem. Segundo o autor, a habilidade de aprender a linguagem é uma especialização
cognitiva da espécie humana. Por isso, esta Gramática Universal deve fazer parte da mente/cérebro
das crianças.
Chomsky (1957, 1965, 1968) não tinha interesse particular pelo ensino e aprendizagem de
segunda língua; todavia, seu trabalho influenciou efetivamente esta área. Ele criou os dois termos
mais importante na aquisição de língua estrangeira, a saber: competência e desempenho. Segundo o
autor, competência é a capacidade que um indivíduo tem de, a partir de um número finito de regras,
produzir um número infinito de sentenças. Ou seja, competência é o sistema lingüístico, i.e.
gramática internalizada, que um falante possui. Já o desempenho é constituído por fatores
psicológicos que estão envolvidos na percepção e produção da fala em certo contexto.
Podemos notar que a competência é equivalente à gramática e às regras linguísticas que a
rege, podendo gerar ou não frases gramaticais em uma língua. Já o desempenho é baseado na
aceitação ou não dessas frases na percepção da fala ou produção de sentenças. Vejamos, a seguir, a
aplicação destes conceitos, de acordo com Chomsky (1957, 1965, 1968).
(1)
Eu fui à padaria hoje cedo para comprar carne e fazer uma torta de legumes
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Seguindo os pressupostos teóricos de Chomsky (1957, 1965, 1968), podemos notar que a
sentença em (1) é perfeitamente gramatical, já que as regras gramaticais são obedecidas. Entretanto,
o autor afirma que esta sentença não estabelece comunicação, porque não há sentido em “comprar
carne em padaria” (quando o lugar para comprar carne é no açougue) e também não há sentido em
“carne com a finalidade de fazer torta de legumes” (quando, para fazer torta de legumes, é
necessário que se compre legumes e não carne). Logo, vemos que, na sentença (1), realizou-se
perfeitamente a competência; todavia, o desempenho não foi satisfeito. Portanto, percebemos que
o desempenho está intimamente ligado ao uso da linguagem. Já a competência é o conjunto de
regras gramaticais que permitem a geração de sentenças boas gramaticalmente.
Processo de ensino-aprendizagem: as três competências essenciais
Seguindo os pressupostos teóricos de Hymes (1972) e Canale e Swain (1980), há três
campos fundamentais em termos de competências lingüísticas no processo de ensinoaprendizagem, a saber: a competência gramatical, a competência sociolingüística e a competência
estratégica (ou pragmática).
A competência gramatical é baseada no domínio do código lingüístico, i.e. a habilidade em
reconhecer as características lingüísticas da língua e usá-las para formar palavras e frases.
A competência sociolingüística implica no conhecimento das regras sociais que norteiam o
uso da língua. Para tanto, é necessário que haja compreensão do contexto social no qual a língua é
usada. Esta competência permite o julgamento adequado da fala no qual Chomsky (1957, 1965,
1968) se refere.
Por fim, a competência estratégica é composta por estratégias de enfrentamento e de
compensação por desconhecimento das regras. Ou seja, esta competência é responsável pelo modo
como manipulamos a língua para satisfazer nossos objetivos na comunicação.
A comunicação, então, envolve uma negociação de significado e sentido em um contexto
social vivenciado pelo aprendiz com diferenças socioculturais e discursivas. Assim, ele pode aplicar
e usar a língua estrangeira em contextos reais, de forma que aprenda a se comunicar efetivamente.
Atividades autênticas
Um dos princípios defendidos pela Abordagem Comunicativa é a inserção de atividades
autênticas em sala de aula que promoverão uma maior eficácia na comunicação. Note que esse é
exatamente o foco abordado por essa metodologia. A seguir, apresentaremos duas delas, a saber: o
desenvolvimento da fala e da escuta e (ii) o desenvolvimento do vocabulário.

Similaridades e diferenças
Essa atividade envolve em grande parte a conversação por meio da associação de pontos
convergentes e divergentes. O objetivo é promover a comunicação entre os alunos em três pontos:
discussão, análise e negociação de significados, até que os alunos cheguem ao senso comum. Essa
atividade é muito interessante uma vez que cada um precisa escutar e entender o ponto de vista do
colega. Posteriormente, eles devem argumentar caso concordem ou não com o ponto de vista
apresentado.
O tema proposto – A primeira mulher presidente do Brasil: Dilma Rousseff – foi aderido
imediatamente pelos alunos de nível básico. A turma foi dividida em dois grupos: o primeiro grupo
endossava essa nova idéia e o segundo grupo refutava. O debate, de forma geral, atendeu as
expectativas para uma turma de nível básico. Os alunos se comunicaram de acordo com o esperado
para o nível que se encontravam. Os que tiveram um pouco de dificuldade utilizaram outras
técnicas para conseguirem se comunicar, a saber: por meio de gestos, linguagem corporal, cognatos
e sinônimos de palavras que eles queriam falar e não conseguiam. Essa atividade proposta que
integra principalmente as habilidades da fala e da escuta também trabalhou e desenvolveu nos
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alunos a questão da aceitação de idéias alheias, o que fundamentalmente facilita uma comunicação
bem sucedida.

Tempestade de idéias
Essa técnica, também conhecida como brainstorming, é uma atividade desenvolvida para
explorar a potencialidade criativa de um indivíduo ou de vários indivíduos, i.e. grupo, que visam
objetivos pré-determinados. O tema escolhido tem que necessariamente interessar a todos os
participantes.
O tema proposto foi interessante porque estava ligado a sentimentos humanos e suas
derivações e sentidos. Para estimular os alunos, a palavras love foi escrita em um círculo no centro
do quadro com várias setas divergentes saindo dela. Logo em seguida, foi solicitado que os alunos
escrevessem todas as palavras que eles associavam a essa, gerando assim uma tempestade de idéias. Essa
atividade colocou em prática o desenvolvimento de vocabulário para assim facilitar a comunicação:
escrita e leitura.
Considerações finais
É necessário salientarmos a importância do exercício da Abordagem Comunicativa no
ensino de uma língua estrangeira dentro dos parâmetros da comunicação. Como visto, varias
atividades podem ser utilizadas para o estímulo da comunicação. Dentre elas, podemos citar:
entrevistas, pequenos teatros (role plays), pesquisas, debates, jogos interativos, trabalhos em duplas e
outros. O foco que se deve ter em mente é a prática oral da língua para que haja uma integração
entre as quatro habilidades, a saber: fala, escuta, escrita e leitura. Isso se torna necessário na medida
em que é constante a discrepância entre a fala/escuta e escrita/leitura.
Como os profissionais de ensino (educadores e professores) podem permitir essa
defasagem em um mundo globalizado? Sem a comunicação, seja em qualquer língua, não há
entendimento e, sem entendimento e compreensão, o ser humano tende a ficar isolado.
Atualmente, no mercado de trabalho, há uma carência de profissionais comunicativos. E esta
carência deve ser sanada já que ela é a base de qualquer relacionamento.
Referências
CANALE, M.; SWAIN, M. Theoretical bases of communicative approaches to second language
teaching and testing. Applied Linguistics, v. 1, n. 1, p. 1-47, 1980.
CHOMSKY, N. Aspects of the theory of syntax. Cambridge: MIT Press, 1965.
CHOMSKY, N. Language and mind. New York: Harcourt, Brace & World, 1968. (Extended Edition,
1972).
CHOMSKY, N. Syntactic Structures. The Hague: Mouton, 1957.
HYMES, D. On Communicative Competence. In: PRIDE, J. B.; HOLMES J. (Eds.). Sociolinguistics.
Harmondswortth: Penguin, 1972. p. 269-93.
JACKENDOFF, R. Foundations of language: brain, meaning, grammar, evolution. Oxford: Oxford
University Press, 2002.
WIDDOWSON, H. G. Teaching Language as Communication. Oxford: Oxford University Press, 1978.
Trabalho enviado até 30/04/2011 Recebido em 30/04/2011
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PROEJA: UMA DISCUSSÃO QUANTO A UMA METODOLOGIA DE ENSINO
ESPECÍFICA E AS CONTRIBUIÇÕES FREIRIANAS
Divino Mariosan Rodrigues13
Gislene Pires de Camargos14
José Gomes Taveira Neto15
Laudeslina Ribeiro Duailibe16
Paula Guardiola Perett Teixeira17
Solange Martins Peixoto18
RESUMO: O presente artigo apresenta um breve estudo quanto à definição, ou indefinição, de
uma proposta metodológica de ensino adequada ao Programa Nacional de Integração da Educação
Profissional à Educação Básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA, que
leve em consideração todas as especificidades que esta modalidade de ensino apresenta. Entretanto,
o que se pôde verificar é que, apesar dos avanços nesta modalidade de ensino, ainda não existe uma
proposta metodológica de ensino específica para o PROEJA em Palmas-Tocantins. Assim, buscouse, dentro de uma perspectiva Freiriana, apresentar como seria essa metodologia de ensino
adequada às especificidades e particularidades dos alunos do PROEJA.
Palavras-chave: PROEJA; Metodologia; Contribuições Freirianas.
ABSTRACT: This article presents a brief study on the definition, or uncertainty, a methodology of
a teaching appropriate to the National Programme for Integration of Professional Education to
Basic Education in the from of Youth and Adults – PROEJA that takes into account all the
specifities. However, what one might see is that, despite advances in this mode of teaching,
although there is a methodology for teaching specific PROEJA Palmas-Tocantins. Thus, we sought,
within a perspective Freire, how would that make teaching methodology appropriate to the
specificities and particularities of students PROEJA.
Keywords: PROEJA, Methodology; Freirianas Contributions.
13Pedagogo,
formado pela ULBRA-TO e Especializando em PROEJA pela Escola Técnica Federal de
Palmas-TO.
14 Licenciada em Letras, formada pela Universidade Estadual de Goiás, Especialista em Docência Superior,
Especializanda em PROEJA pela Escola Técnica Federal de Palmas-TO e na Escola de Gestores pela
Universidade Federal do Tocantins e Mestranda DO MELL – Mestrado em Língua e Literatura UFT campus
Araguaina..
15 Licenciado em Matemática, formado pela Universidade Federal de Campina Grande e Especializando
em PROEJA pela Escola Técnica Federal de Palmas-TO.
16 Pedagoga, formada pela Fundação UNIRG e Especializanda em PROEJA pela Escola Técnica Federal
de Palmas-TO.
17 Pedagoga, formada pela Universidade Federal de Goiás e Especializanda em PROEJA pela Escola Técnica
Federal de Palmas-TO.
18 Pedagoga, formada pela Faculdade de Educação Ciências e Letras de Paraíso do Tocantins e Especializanda
em PROEJA pela Escola Técnica Federal de Palmas-TO.
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Introdução
A Educação de Jovens e Adultos é uma modalidade de ensino, amparada por lei e voltada
para as pessoas que não tiveram acesso, por algum motivo, ao ensino regular na idade apropriada.
Nesta modalidade de ensino, em especial, sabe-se que o papel do docente é de fundamental
importância no processo de reingresso do aluno à escola. Esse deve ser um dos principais motivos
de preocupação das instituições de ensino na formação de seu corpo docente, já que a qualidade de
ensino depende muito da relação professor-aluno. E tal preocupação é maior ainda quando se fala
em educação de jovens e adultos, diante das características, histórias de vida e especificidades
apresentadas por seu público.
A capacitação crescente do educador se faz, assim, imprescindível. Progredir passa a
significar muito mais do que apenas adquirir novos conhecimentos. É abrir a própria consciência
para as inovações que surgem diariamente e repensar a própria metodologia de ensino. O professor
que realmente quer estar atualizado deve discutir a didática que está sendo utilizada na educação de
jovens e adultos, na tentativa de melhor adequá-la às necessidades dos educandos, mudando-a
sempre que necessário.
É por isso que o professor comprometido com a inclusão e a transformação social deve
repensar e reavaliar a sua prática docente como um processo cotidiano de ação/reflexão/ação,
tornando a sua práxis reflexiva e capaz de possibilitar a inserção de seus educandos por intermédio
de uma metodologia que vá ao encontro das necessidades e anseios desse grande número de
sujeitos que se encontram às margens da sociedade e do mercado de trabalho.
Conhecendo o Proeja
O Programa Nacional de Integração da Educação Profissional à Educação Básica na
modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA, instituído pelo Decreto nº 5.840, de 13
de julho de 2006, é uma política pública destinada à unificação de ações de profissionalização (nas
categorias formação inicial e continuada de trabalhadores e Educação Profissional Técnica de Nível
Médio) à educação geral (no nível fundamental e médio), desenvolvida na modalidade destinada a
jovens e adultos.
A associação da formação inicial e continuada à oferta do Ensino Fundamental na
modalidade EJA tem como objetivo qualificar trabalhadores, elevando seu nível de escolaridade.
Ressalta-se que é imprescindível garantir, além das exigências da formação técnica, a formação das
bases de formação geral essenciais para a cidadania, o acesso ao mundo produtivo, a continuidade
dos estudos e o desenvolvimento pessoal, enfim, é necessário uma educação integral.
Enfatiza-se que o PROEJA representa um grande significado socioeconômico e aponta
soluções de inclusão para uma grande parcela de jovens e adultos excluídos que vivem à margem da
sociedade brasileira. Tal programa destinado inicialmente à Rede Federal de Educação Profissional
e Tecnológica (CEFET) se estendeu às instituições públicas dos Sistemas de ensino estaduais e
municipais e às entidades privadas nacionais de serviço social, aprendizagem e formação
profissional vinculadas ao sistema sindical (Sistema “S”).
Existem três níveis de oferta dos cursos oferecidos pelo PROEJA, podendo ser o primeiro
de educação profissional técnica de nível médio com ensino médio, destinado a quem já concluiu o
ensino fundamental e ainda não possui o ensino médio e pretende adquirir o título de técnico; o
segundo de formação inicial e continuada com o ensino médio, destinado a quem já concluiu o
ensino fundamental e ainda não possui o ensino médio e pretende adquirir uma formação
profissional mais rápida; e o terceiro de formação inicial e continuada com ensino fundamental (5ª a
8ª série ou 6º a 9º ano), para aqueles que já concluíram a primeira fase do ensino fundamental.
Dependendo da necessidade regional de formação profissional, são, também, admitidos cursos de
formação inicial e continuada com o ensino médio.
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Os cursos podem ser oferecidos de forma integrada ou concomitante. A forma integrada é
aquela em que o estudante tem matrícula única e o curso possui currículo único, ou seja, a formação
profissional e a formação geral são unificadas. Na forma concomitante, o curso é oferecido em
instituições distintas, isto é, em uma escola o estudante terá aulas dos componentes da educação
profissional e em outra do ensino médio ou do ensino fundamental, conforme o caso. As
instituições que optarem pela forma concomitante devem celebrar convênios de
intercomplementaridade, visando o planejamento e o desenvolvimento de projetos pedagógicos
unificados. A idade mínima para acessar os cursos do PROEJA é de 18 anos na data da matrícula e
não há limite máximo.
Desde sua implantação o PROEJA traz consigo diversos desafios políticos e pedagógicos,
desde como construir um currículo integrado considerando as especificidades desse público tão
diverso; como quais os instrumentos para reconhecimento dos saberes adquiridos em espaços nãoformais de aprendizagem; até como articular as diferentes políticas sociais e qual o papel da escola.
O Proeja propõe um desafio pedagógico e gerencial em que se torna necessária a
formação/qualificação de professores e gestores para atuar na implantação, implementação,
monitoramento e avaliação do programa, bem como profissionais aptos a produzir e sistematizar
conhecimentos em seus campos de abrangência. Em atendimento parcial a essa necessidade, a
SETEC-Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do MEC-Ministério da Educação e
Cultura, em colaboração com os CEFETs-Centros Federais de Educação Tecnológica e
Universidades distribuídos nas regiões do país tem promovido anualmente cursos de Especialização
Proeja (Pós-graduação lato sensu).
A proposta revolucionária contida nos princípios do PROEJA de formação integral do
cidadão e de inclusão desses sujeitos a partir de um projeto de sociedade mais justa e igualitária
coloca-nos frente a desafios pedagógicos, gerenciais e políticos.
A formação de professores e gestores é parte essencial para a qualidade dessa proposta
adquirir uma formação profissional mais rápida; e o terceiro de formação inicial e continuada com
ensino fundamental (5ª a 8ª série ou 6º a 9º ano), para aqueles que já concluíram a primeira fase do
ensino fundamental. Dependendo da necessidade regional de formação profissional, são, também,
admitidos cursos de formação inicial e continuada com o ensino médio. A qualificação desses
profissionais tem se dado por programas de formação continuada sob a responsabilidade das
instituições proponentes e programas de âmbito geral fomentados ou organizados pela
SETEC/MEC10.
Sabe-se do grande desafio e da grande responsabilidade social desses profissionais que
estarão aptos a contribuir na construção dessa importante e significativa modalidade de educação.
O PROEJA representa uma ampliação conceitual por abranger um campo complexo, que abarca
uma diversidade de dimensões que não podem e não devem ser resumidas pela palavra ensino, pois
traduz algo mais amplo e significativo: a educação.
Não se pode deixar de mencionar que envolve inúmeros processos de formação e
problemas de ordem social, econômica, política e cultural que estão associados às situações de
desigualdade em que se encontra uma grande maioria de brasileiras e brasileiros e aos direitos de
cidadania.
A elevação da escolarização e a Educação Profissional e Tecnológica precisam estar
sintonizadas aos recursos disponíveis para o desenvolvimento local, integrado e sustentável, como
propulsor de um projeto autônomo e soberano de país. O Decreto nº 5.840/06, no parágrafo único
de ser Art. 5º, determina que as áreas profissionais escolhidas para a estruturação dos cursos do
PROEJA precisam, preferencialmente, ser as que melhor se adaptam às demandas de nível local e
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regional, para que possa contribuir com o fortalecimento do desenvolvimento socioeconômico e
cultural.
Percebe-se o interesse do Estado no sentido de assumir e responsabilizar-se publicamente
pela EJA e pela Educação Profissional, porém, é uma tarefa grandiosa e requer o esforço coletivo
de toda a sociedade brasileira. Empresas com seus projetos de responsabilidade social, sindicatos,
organizações não governamentais, movimentos sociais, culturais e religiosos vêm buscando intervir
diretamente na EJA de educação básica e em qualificação profissional.
Vale ressaltar, também, a participação de Instituições Internacionais como a Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência, e a Cultura – UNESCO, a Organização
Internacional do Trabalho – OIT e articulações como o Mercosul, dentre outras, que têm
procurado participar, incentivar e apoiar as iniciativas que priorizam a educação geral e profissional
orientada a jovens e adultos. Todos estes são indicadores de como o Estado e a sociedade têm
mostrado a compreensão do significado socioeconômico da ampliação da oferta da educação básica
e profissional e um maior compromisso com as necessidades e direitos dos jovens e adultos à
educação.
É importante que o PROEJA não seja desenvolvido por ações isoladas e, sim, por ações
interinstituicionais e intergovernamentais integradas e integradoras que possibilitem a valorização
das interfaces e estimulem estratégias inovadoras e complementares. É necessário que o PROEJA
se efetive, cada dia mais, como uma política pública que vá ao encontro dos anseios, necessidades e
sonhos desse grande número de excluídos e marginalizados.
Sabe-se que temos um longo caminho a percorrer e que a implementação e efetivação das
políticas públicas não é um caminho fácil e isolado e, sim, uma caminhada coletiva. Urge que todas
as esferas do poder público e sociedade civil organizadas, juntamente, com os profissionais da
educação, encarem esse desafio com uma grande dose de obstinação, utopia e amor, pois esta é
uma tarefa de todos os brasileiros e brasileiras que sonham com um país mais justo, fraterno,
igualitário e cidadão.
Paulo Freire e suas contribuições metodológicas
Paulo Reglus Neves Freire, educador pernambucano, nasceu em 19 de setembro de 1921
na cidade do Recife. Foi alfabetizado pela mãe, que o ensinara a escrever com pequenos galhos de
árvore no quintal da casa da família. Como estudioso ativista social e trabalhador cultural, Freire
desenvolveu, mais do que uma prática de alfabetização, uma pedagogia crítico liberadora. Em sua
proposta, o ato de conhecimento tem como pressuposto fundamental a cultura do educando; não
para cristalizá-la, mas como ”ponto de partida” para que ele avance na leitura do mundo,
compreendendo-se como sujeito da história. É através da relação dialógica que se consolida a
educação como prática da liberdade.
Em sua primeira experiência, em 1963, Freire ensinou 300 adultos a ler e escrever em 45
dias. Esse método foi adotado em Pernambuco, um estado produtor de cana-de-açúcar. Segundo
Feitosa, a proposta de Paulo Freire trata-se muito mais de uma Teoria do Conhecimento do que de
uma metodologia de ensino, muito mais de um método de aprender do que um método de ensinar,
pois parte do Estudo da Realidade (fala do educando) e da Organização dos Dados (fala do
educador).
Nesse processo surgem os Temas Geradores, extraídos da problematização da prática de
vida dos educandos. Os conteúdos de ensino são resultados de uma metodologia dialógica. Cada
pessoa, cada grupo envolvido na ação pedagógica dispõe em si próprio, ainda que de forma
rudimentar, dos conteúdos necessários dos quais se parte. O importante não é transmitir conteúdos
específicos, mas despertar uma nova forma de relação com a experiência vivida. A transmissão de
conteúdos estruturados fora do contexto social do educando é considerada "invasão cultural" ou
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"depósito de informações" porque não emerge do saber popular. Portanto, antes de qualquer coisa,
é preciso conhecer o aluno. Conhecê-lo enquanto indivíduo inserido num contexto social de onde
deverá sair o "conteúdo" a ser trabalhado.
Assim, "não se admite uma prática metodológica com um programa previamente
estruturado assim como qualquer tipo de exercícios mecânicos para verificação da aprendizagem,
formas essas próprias da "educação bancária", onde o saber do professor é depositado no aluno,
práticas essas domesticadoras. (BARRETO, s.d. p. 4). O relacionamento educador-educando nessa
perspectiva se estabelece na horizontalidade onde juntos se posicionam como sujeitos do ato do
conhecimento. Elimina-se, portanto, toda relação de autoridade uma vez que essa prática inviabiliza
o trabalho de criticidade e conscientização.
Segundo Freire o ato educativo deve ser sempre um ato de recriação, de re-significação de
significados. A metodologia de Paulo Freire tem como fio condutor a educação visando à
libertação. Essa libertação não se dá somente no campo cognitivo mas acontece essencialmente nos
campos social e político. Para melhor entender este processo precisamos ter clareza dos princípios
que constituem tal metodologia e que estão diretamente relacionados às idéias do educador que a
concebeu.
O primeiro princípio diz respeito à politicidade do ato educativo, não existindo, segundo
Freire, uma educação neutra. A educação vista como construção e reconstrução contínua de
significados de uma dada realidade prevê a ação do homem sobre essa realidade. Essa ação pode ser
determinada pela crença fatalista da causalidade e, portanto, isenta de análise uma vez que ela se
apresenta estática, imutável, determinada, ou pode ser movida pela crença de que a causalidade está
submetida a sua análise, portanto sua ação e reflexão podem alterá-la, relativizá-la, transformá-la.
A visão ingênua que homens e mulheres têm da realidade faz deles escravos, na medida em
que não sabendo que podem transformá-la, sujeitam-se a ela. Essa descrença na possibilidade de
intervir na realidade em que vivem é alimentada pelas cartilhas e manuais escolares que colocam
homens e mulheres como observadores e não como sujeitos dessa realidade.
O que existe de mais atual e inovador na metodologia de Paulo Freire é a indissociação da
construção dos processos de aprendizagem da leitura e da escrita do processo de politização. O
educando é desafiado a refletir sobre seu papel na sociedade enquanto aprende a escrever a palavra
sociedade; é desafiado a repensar a sua história enquanto aprende a decodificar o valor sonoro de
cada sílaba que compõe a palavra história. Essa reflexão tem por objetivo promover a superação da
consciência ingênua para a consciência crítica.
O segundo princípio diz respeito à dialogicidade do ato educativo. Segundo Harmon, a
pedagogia proposta por Freire é fundamentada numa antropologia filosófica dialética cuja meta é o
engajamento do indivíduo na luta por transformações sociais (HARMON, 1975:89). Sendo assim,
para Freire, a base da pedagogia é o diálogo. A relação pedagógica necessita ser, acima de tudo, uma
relação dialógica. Essa premissa está presente na sua metodologia em diferentes situações: entre
educador e educando, entre educando e educador e o objeto do conhecimento, entre natureza e
cultura.
Sempre em busca de um humanismo nas relações entre homens e mulheres, a educação,
segundo Paulo Freire, tem como objetivo promover a ampliação da visão de mundo e isso só
acontece quando essa relação é mediatizada pelo diálogo. Não no monólogo daquele que, achandose saber mais, deposita o conhecimento, como algo quantificável, mensurável naquele que pensa
saber menos ou nada saber. A atitude dialógica é, antes de tudo, uma atitude de amor, humildade e
fé nos homens, no seu poder de fazer e de refazer, de criar e de recriar (FREIRE, 1987:81).
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A dialogicidade, para Paulo Freire, está ancorada no tripé educador-educando-objeto do
conhecimento. O diálogo entre elas começa antes da situação pedagógica propriamente dita. A
pesquisa do universo vocabular, das condições de vida dos educandos é um instrumento que
aproxima educador-educando-objeto do conhecimento numa relação de justaposição, entendendose essa justaposição como atitude democrática, conscientizadora, libertadora, dialógica.
O diálogo entre natureza e cultura, está presente na metodologia de Paulo Freire a partir da
idéia de homens e mulheres enquanto produtores de cultura. Aprender é um ato de conhecimento
da realidade concreta, isto é, da situação real vivida pelo educando e só tem sentido se resultar de
uma aproximação crítica dessa realidade. Uma metodologia que promova o debate entre o homem,
a natureza e a cultura, entre o homem e o trabalho, enfim entre o homem e o mundo em que vive, é
uma metodologia dialógica e, como tal, prepara o homem para viver o seu tempo, com as
contradições e os conflitos existentes, e conscientiza-o da necessidade de intervir nesse tempo
presente para a construção e efetivação de um futuro melhor.
Considerações finais
Verificar-se que não existe uma proposta definida de uma metodologia de ensino específica
para os alunos do PROEJA dos cursos ministrados em Palmas-TO, necessário far-se-á uma
reflexão do quanto esta modalidade de ensino precisa de mais atenção e ação para que seus alunos
possuam, verdadeiramente, uma educação de qualidade, uma educação adequada à sua realidade.
Ter uma proposta metodológica de ensino adequada a esses alunos não pode ser uma necessidade,
mas sim uma realidade. O estudo da metodologia de ensino de Paulo Freire nos ajuda a direcionar
esse olhar específico, para que possamos prevenir possíveis erros na elaboração de uma proposta de
ensino adequada à esses alunos, ampliando nossos horizontes de estudo, fortalecendo os vínculos
entre os educadores e educandos na formação de um cidadão que lê o mundo.
A proposta de utilização dessa metodologia na educação de jovens e adultos como um todo
foi, e continua sendo, completamente inovadora e diferente das técnicas até então utilizadas na
época em que Paulo Freire a idealizou. Tais técnicas eram, na maioria das vezes, resultado de
adaptações simplistas das cartilhas utilizadas na época, com forte tônica infantilizante. É por isso
que a metodologia proposta por Freire é diferente, por possibilitar uma aprendizagem libertadora,
não mecânica, mas uma aprendizagem que requer uma tomada de posição frente aos problemas que
vivemos.
Uma aprendizagem integradora, abrangente, não compartimentalizada, não fragmentada,
com forte teor ideológico. É diferente por promover a horizontalidade na relação educadoreducando, a valorização de sua cultura, de sua oralidade, enfim, é diferente, acima de tudo, pelo seu
caráter humanístico. Dessa forma, a metodologia de ensino proposta por Freire rompeu com a
concepção utilitária do ato educativo apresentando uma outra forma de educar. No entanto, desde a
sua origem e aplicação na década de 60 até os dias atuais, a metodologia de ensino proposta por
Paulo Freire vem suscitando controvérsias. Entretanto, tal metodologia continua viva e em
evolução entre aqueles que trabalham com as idéias de Freire, mas é importante ressaltar a
necessidade de recriação constante em toda e qualquer prática educativa, inclusive na metodologia
em questão.
Como a própria metodologia de ensino proposta por Freire nos traz, não existe uma
metodologia de ensino adequada à todos os alunos, menos ainda diante da diversidade dos alunos
do PROEJA, já que cada um está inserido em uma realidade diferente. O mais importante é que a
discussão sobre a metodologia de ensino utilizada nessa modalidade de ensino seja feita. Uma
discussão para se pensar uma base comum, diante das características do público atendido em
determinada região, mas que proponha o repensar constante da metodologia específica utilizada em
cada turma existente nas diferentes regiões de Palmas.
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É essa discussão, esse repensar constante que irá contribuir não só na questão da
metodologia de ensino adequada a essa modalidade de ensino, mas em todos os aspectos, para a
oferta de uma educação de qualidade para esses jovens e adultos.
Referências bibliográficas
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Trabalho enviado até 30/04/2011 Recebido em 30/04/2011
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UMA POETISA NO PAMPA: DELFINA BENIGNA DA CUNHA
Bruna Fani Duarte da Rocha
Vanessa Castro de Lara19
Elaine dos Santos20
Resumo: O presente estudo apresenta algumas notas sobre a poesia de Delfina Benigna da Cunha,
considerada a primeira poetisa gaúcha, compreendendo-a como uma mulher, cega, imersa em uma
sociedade marcada pela violência, pela dominação masculina, e procura rastrear traços que, além de
biográficos, evidenciem o seu posicionamento social e histórico em um contexto poético cuja
prevalência temática, por muitas décadas foi a exaltação da Guerra dos Farrapos.
Palavras chave: Poesia, mulher, violência
Resumen: En este estudio se presenta algunas notas cerca de la poesía de Delfina Benigna da
Cunha, la primera mujer a escribir poesías en el Rio Grande do Sul, pero en su condición de mujer
y ciega, sumergida en una sociedad de violencia y dominación del hombre. Además, se busca rastros
de su biografía e su posición social y historica delante de un contexto poético de predominio
temático en lo que se enorgulló la Guerra dos Farrapos.
Palabras clave: Poesía, mujer, violencia
Introdução
Este artigo é resultado dos estudos desenvolvidos por um grupo de pesquisa formado por
graduandos em Letras, cujo principal propósito tem sido revisitar a história literária do Rio Grande
do Sul, dando-se ênfase, porém, para a produção poética feminina. Em uma terra de ninguém, sem
lei, marcada pela guerra, registrou-se uma intensa produção de poetisas, das quais se pode
questionar a qualidade, a temática, a inserção social, mas não se pode negar a primazia e a
capacidade de enfrentar e correlacionar-se em um meio acentuadamente machista, que, desde cedo,
privilegiou a exaltação de um tipo heróico, masculino, leal, ordeiro, honesto, hospitaleiro, mas
também guerreiro, livre, era um homem afeito às rudes lides campeiras ou ao campo de batalha.
Selecionaram-se, para o presente estudo, trechos da obra de Delfina Benigna da Cunha, a
cega, e, neles, buscou-se identificar o seu posicionamento frente à sociedade da época em que
viveu, mais especificamente, sua concepção e as ideias que defendeu em relação à Revolução
Farroupilha.
No primeiro fragmento, traz-se um breve apanhado da situação feminina na sociedade
ocidental para destacar uma situação constante de inferioridade que foi imposta à mulher. Em
continuidade, aborda-se parte da história do Rio Grande do Sul, enfatizando-se a sociedade
guerreira e masculinizada que, aqui, se formou e, como correlato a predominância da temática de
exaltação do monarca das coxilhas. O segmento, que precede as considerações finais, abarca
algumas ponderações sobre dois textos da poetisa em comento.
A mulher
Os gregos chamaram-na Pandora e atribuíram-lhe a disseminação de todos os males do
mundo: “ e chamou à mulher Pandora, visto que todos os Olimpianos a tinham criado como um
presente, para desgraça dos homens comedores de pão (Kerényi, 2004, p. 170/1). O Cristianismo,
por seu turno, conferiram a Eva a responsabilidade pela queda humana e sua saída do paraíso
criado por Deus: “Disse [Deus] também à mulher: Multiplicarei os teus trabalhos e (especialmente
os de) teus partos. Darás à luz com dor os filhos, e estarás sob o poder do marido, e ele te
Acadêmicas do terceiro semestre do Curso de Letras da Universidade Federal de Santa Maria.
Doutoranda em Estudos literários pelo Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de
Santa Maria. Bolsista REUNI.
19 19
20
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dominará” (Gênesis, cap. 3, v. 9-12 e 16). E, dessa forma, a sociedade ocidental outorgou à mulher
uma condição de inferioridade que vem sendo reforçada, entre outros, por Aristóteles, na
Antiguidade, ou por Augusto Comte, em sua teoria positivista que dominou, especialmente, o
Brasil, ao final do século XIX.
São paradigmáticas as ponderações de Del Priore (2006, p. 81) acerca da situação feminina
no Brasil Colônia:
Além de investir em conceitos que subestimavam o corpo feminino, a ciência
médica passou a perseguir as mulheres que possuíam conhecimentos sobre
como tratar do próprio corpo (...). Conjurando os espíritos, curandeiras e
benzedeiras, com suas palavras e ervas mágicas, suas orações e adivinhações
para afastar entidades malévolas, substituíam a falta de médicos e cirurgiões (...);
mas essa atitude acabou deixando-as na mira da Igreja, que as via como
feiticeiras capazes de detectar e debelar manifestações de Satã nos corpos
adoentados. Isso mesmo quando elas estavam apenas substituindo os médicos,
que não alcançavam os longínquos rincões da colônia.
Na prática, considerando-se o caso brasileiro, o processo emancipatório feminino seguiu os
padrões de uma sociedade conservadora em que os avanços foram lentos, a par de inúmeros
retrocessos. Somente nos séculos XIX e XX é que esta ordem foi subvertida pela mulher burguesa
que adentrou o espaço social, público, frequentando cafés, concertos, teatros, exibindo uma
erudição que a singularizasse em sua condição burguesa, esposa e mãe, com conhecimentos
intelectuais, notadamente de cunho artístico. Pedro (2006, p. 314/5) assinala:
Assim, enquanto, no século anterior [XIX], a divulgação das imagens idealizadas
supervalorizava os papéis de esposa e mãe, no século XX as mulheres da elite
passaram a exercer uma „missão irradiadora‟: de educadoras dos filhos a
transmissoras de cultura na sociedade. Além de mães carinhosas e dedicadas,
passaram a figurar como „beneméritas‟ e protetoras dos pobres.
Nesta condição de inferioridade, compete à mulher subverter a ordem, firmar-se ou, ao
contrário, assimilar o padrão instituído e, a partir dele, manter-se em uma posição de jugo, em que o
controle pertence ao macho, pai, marido ou filhos.
O Rio Grande do Sul
Em uma província cujo modo de ocupação forjou uma sociedade machista, marcada pela
violência, parece um contra-senso que as primeiras manifestações poéticas, que se tem notícia,
tenham pertencido a uma mulher, cega: Delfina Benigna da Cunha.
Ignorado pelo colonizador português nos primeiros anos do processo de dominação da
terra, o Rio Grande do Sul somente passou a exercer interesse ao conquistador luso graças a
intervenção dos jesuítas. Com um litoral nada atrativo, o estado apareceu, pela primeira vez, em
1534, no mapa de Gaspar de Viegas, sob a denominação de Rio de São Pedro, mas, foram os
religiosos portugueses e, sobretudo, espanhóis que lançaram o fundamento econômico que
integraria à região ao restante do país (CESAR, 1970). A primeira incursão dos jesuítas, vindos do
Paraguai, estabeleceu reduções, organizou índios e principiou a criação de gado, mas, expulso pelos
bandeirantes, os religiosos retornaram ao seu local de origem, deixando o rebanho solto, que se
reproduziu e tornou-se bravio. Conforme Pesavento (1984), tropeiros paulistas, em função do
comércio estabelecido com Minas, vinham, ao atual estado do Rio Grande do Sul, em busca de
bovinos e mulas para a comercialização em Sorocaba (SP), ao mesmo tempo em que iniciavam o
processo de miscigenação e o nascimento de filhos de homens brancos e mulheres indígenas.
A construção de uma fortaleza e o estabelecimento de um regime militar, em Rio Grande,
marcaram a posse do Império português na região, assinala Cesar (1970). Em continuidade,
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registram-se as Guerras Guaraníticas e a incursão portuguesa contra jesuítas e índios guaranis
organizados nos Sete Povos das Missões, que se tornaram possessão portuguesa em troca da
Colônia de Sacramento, no Uruguai, que passara ao domínio hispânico. Institui-se, a seguir, a
política dos casais, processo migratório que levaria famílias das Ilha dos Açores e da Ilha Terceira
para a ocupação das antigas reduções jesuíticas, conteúdos os ilhéus nunca chegaram ao seu destino,
espalhando-se pela região das atuais cidades de Rio Grande, Pelotas, Porto Alegre, Santo Antonio
da Patrulha, Cachoeira do Sul.
O século XIX seria marcado pela independência da província da Cisplatina, que
corresponde, hodiernamente, ao território uruguaio. Antes, porém, se daria o incremento da política
migratória e seria registrada a chegada de alemães que se fixaram, sobretudo, nas imediações do rio
dos Sinos, facilitando o comércio com a capital da Província: Porto Alegre (CESAR, 1970).
Desde as primeiras incursões de bandeirantes, passando pela posse das Missões e pelas
guerras fronteiriças, o território do Rio Grande do Sul sempre foi cenário de batalhas sangrentas
que desorganizavam a sua economia, afinal os peões transformavam-se em soldados na defesa do
território, os rebanhos eram consumidos pelas tropas regulares e as plantações, nos locais em que
havia, eram destruídas ou serviam como alimento. Contudo, ainda haveria uma década de lutas, em
que a República, a Abolição e a própria independência provincial seriam a tônica, trata-se da
Revolução Farroupilha que, entre 1835 e 1845, congregou estancieiros gaúchos na luta por
melhores preços para o charque e, ao final, também em defesa de ideais aparentemente
contraditórios ao modelo político-econômico vigente.
Neste contexto, em 1843, surgiu a obra Poesias offerecidas ás senhoras rio-grandenses, publicação
que reunia textos de uma mulher, Delfina Benigna da Cunha.
A literatura sul-rio-grandense: considerações sobre a poetisa Delfina Benigna da Cunha
Embora reconheça a primazia de poetisas no cenário sul-rio-grandense ao longo do século
XIX, Zilberman (1992), por exemplo, concede relevo aos poetas associados ao Partenon Literário e
que, em consonância com os ideias românticos em voga, exploraram o imaginário popular e
firmaram o mito do monarca das coxilhas. Muzart (2008), por seu turno, identifica Maria Clemência
da Silveira Sampaio, de fato, como a responsável pela edição dos primeiros textos poéticos de
origem sulina, trata-se de Versos heróicos, que teriam sido publicados em 1823, colocando-a no grupo
dos poetas da independência. Além disso, Muzart (2008, p. 153/4) atenta para certo
comprometimento político de Maria Clemência que, em versos dirigidos ao Imperador, teria
solicitado atenção a sua província:
O poema de Maria Clemência foi recitado em outubro de 1822, em homenagem
a D. Pedro 1. É um poema patriótico mas com objetivos bem claros. Pedir que
a sua província não seja esquecida pelo poder público, que seja amparada.
Versos nos moldes dos nossos primeiros cronistas, descrição da abundância, das
riquezas minerais, da terra que é fértil (...). Vemos, no engajamento de Maria
Clemência, o interesse político de uma mulher.
Na verdade, a literatura sul-rio-grandense tem se mostrado comprometida, engajada com
diferentes causas que incluem, sim, as revoluções ocorridas em território gaúcho, o ciclo
imigratório, bem como fatos históricos mais recentes, como a Legalidade, em 1961, ou o Golpe
Militar de 1964, neste caso, fazendo-o em abrangência nacional. Contudo, Fischer (1992) não deixa
de apontar uma tendência à retomada da Revolução Farroupilha (1835-1845) como tema
preferencial entre os poetas cuja origem encontra-se no estado mais meridional do Brasil. Ressalvese que esta preferência pelo assunto costuma entendê-lo como um fato heróico, desdobramento de
uma sociedade altiva, diferenciada e soberana em seus valores.
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Delfina Benigna da Cunha, assim como Ana Barandas, contemporânea dos farroupilhas,
no entanto, não deixam de anotar, em seus textos, o testemunho de um momento conturbado e
tomam, claramente, a defesa da paz e da ordem, firmando-se, pois, contra o movimento – a Guerra
dos Farrapos.
Na Quadra: “Maldições te sejam dadas / Bento infeliz, desvairado. / No Brasil e em toda a
parte / Seja teu nome odiado”, não resta dúvida do desapreço que a autora dedica ao líder do
movimento farroupilha. Registre-se que tal ataque encontra-se firmado nas edições de 1838, quando
a autora residia no Rio de Janeiro, em pleno desenvolvimento do conflito, e que já lhe fora
concedida uma pensão vitalícia pelo Imperador, que lhe transferiu a aposentadoria do pai da autora.
Assim sendo, para os críticos, existe uma nota de louvor ao Imperador, muito mais do que uma
repulsa à Guerra dos Farrapos, deve-se, entretanto, destacar que Delfina Benigna firma uma
posição e não deixa espaço para questionamento: ela é contra a Revolução Farroupilha e deprecia
Bento Gonçalves, o líder máximo do embate, conforme se pode observar também em:
A ti que um punhal violento / Cravaste na pátria aflita, / A ti a quem sempre
irrita / Da virtude o luzimento, / A ti que dás o tormento / dessas infernais
moradas, / Que tens feito desgraçadas / A mil famílias de bem / Do alto Céu
como a ninguém / Maldições te sejam dadas.
Recuse a terra ensopada / Em sangue por ti, perjuro, / Dar a esse corpo impuro
/ Uma obscura morada; / Toda a gente horrorizada / Nem ousará nomear-te, /
Ficando infeliz dest‟arte / Teu nome sem fama, e glória.
Seja movida pelo auxílio pecuniário que lhe fora concedido pelo Império, seja a situação
incômoda que lhe determinou o afastamento da província naqueles anos conturbados, a poetisa não
deixa de dialogar, por exemplo, com Caldre e Fião, um dos próceres do Partenon Literário que, em
seu romance O corsário (1852), também salienta a desordem social e econômica em que se achava a
proclamada República Farroupilha e, neste sentido, ainda que os textos da poetisa tenham uma
constante nota de lamento em virtude de sua situação física, a cegueira, ou, por outro lado, um teor
excessivamente laudatório da família real, como uma espécie de agradecimento aos favores
concedidos, é forçoso reconhecer o seu papel como testemunha da História em que uma incipiente
literatura tomava forma, a par das guerras fronteiriças, do analfabetismo e da ausência de uma vida
cultural no território de Rio Grande de São Pedro. Bairros (2004, p. 72) assinala: “A arma de
Delfina era o verbo e através dele evocou uma postura que tendeu a se aproximar de uma repulsa à
mortandade provocada pelos conflitos internos (...)”. A pesquisadora ressalva que não haveria, nos
versos de Delfina, uma postura política, ao revés do posicionamento da estudiosa, o que se quer
ressaltar, na poesia de Delfina, é exatamente a impossibilidade de que seus textos não trouxessem
um cunho político, tendo em vista que fazer política é, conforme o nosso entendimento,
posicionar-se, tomar partido, defender ideias e, como tal, Delfina Benigna da Cunha foi firme e
convincente.
Considerações finais
Apresentou-se, no presente artigo, uma breve consideração sobre a história e a literatura no
estado mais meridional do Brasil, o Rio Grande do Sul, dando-se ênfase para uma sociedade
machista, guerreira em que, a exemplo do universo social do ocidente, o papel da mulher é
secundário, restringindo-se, mais especificamente, ao matrimônio e à procriação – além da
educação dos filhos e da conservação das tradições familiares. Enfatizou-se, ainda, um contexto
social e histórico em que a cultura não encontrou espaço fértil, senão a partir de 1868, quando, em
Porto Alegre, fundou-se a Sociedade Partenon Literário que, entre outros propósitos, trabalhou
pela alfabetização de adultos em cursos noturnos, difundindo, sobremaneira, os ideias românticos
então em voga.
Por fim, focou-se a produção de Delfina Benigna da Cunha, a cega, considerada pela
maioria dos críticos como a primeira poetisa sul-rio-grandense, cuja publicação de Poesias offerecidas
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ás senhoras rio-grandenses valeu-lhe duas novas edições, dado que, por si só, é relevante, demonstrando
um público interessado nos poemas da autora, seja porque eles louvavam a nação que recém se
firmava, assim como o faziam em relação ao monarca, seja pelo lamento de sua condição física e
pelo desamparo, seja pela precedência em, como testemunho, trazer, na poesia, o parecer sobre
uma época e um fato, tradicionalmente, mitificado pela literatura sulina, sobretudo, na esteira das
produções de José de Alencar, Apolinário Porto Alegre e, mais tarde, João Simões Lopes Neto.
Delfina Benigna da Cunha é uma destas poetisas que enfrentaram o meio e soltaram a sua
voz para cantar a situação feminina, mas ela não se encontrava sozinha, além das citadas Maria
Clemência da Silveira Sampaio e Ana Eurídice Eufrosina de Barandas, pode-se voltar a atenção,
entre outras, para Maria José de Carvalho e Melo, Ana Raquel da Cunha ou ainda Maria Josefa
Barreto, Amália dos Passos Figueroa, entre outras.
Referências
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escrita amarfanhada. 282 f. Tese (Doutorado em Teoria da literatura) - Programa de Pós-Graduação
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QUANDO A TEORIA SE FAZ PRÁTICA DOCENTE:
DIDÁTICA & PEDAGOGIA
Jeane Alves de Almeida21
Severina Alves de Almeida 22
Francisco Edviges Albuquerque23
Joseilson Alves Paiva24
Resumo: Este artigo reflete sobre a Didática como atividade pedagógica, buscando desfazer a
dicotomia entre teoria e prática no exercício da docência. Trabalhamos pautados nas idéias de Paulo
Freire, José Carlos Libâneo e Pura Lúcia Oliver Martins, entre outros. Tem também uma parte
empírica contemplando atividades de estágio em duas escolas públicas em Arraias e Monte Alegre,
estado do Tocantins. Além dessas, foi realizado uma série de seminários expondo alunos/as à
pratica da oralidade, verbalizando a teoria apreendida. Destaque é dado à metodologia que prioriza
a interação na relação pedagógica como aspecto relevante no processo de ensino- aprendizagem.
Palavras Chave: Didática; Teoria; Prática.
Abstract: This paper reflects on the didactically and pedagogical practices, seeking to undo the
dichotomy between theory and practice on teaching. Work guided by the ideas of Paulo Freire, José
Carlos Libâneo end Pura Lúcia Oliver Martins, among others. It also has an empirical part includes
activities of stage two public schools, Arraias and Monte Alegre, state of Tocantins. Beyond these
was a series of seminars conducted by exposing students / as the practice of speaking, voicing the
theory learned. Emphasis is given to the methodology that prioritizes interaction in the pedagogical
relationship, as a significant aspect in the process of teaching and learning.
Keywords: Didactically; Theory; Practice.
Introdução
Século XXI. Novos tempos e velhos paradigmas. Escola, prática educativa, produção de
conhecimento, apropriação de saberes, são palavras de ordem no centro das discussões no meio
educativo na busca de alternativas que viabilize ao mesmo tempo em que dinamize os métodos de
aprendizagem escolar, aprimorando técnicas, aperfeiçoando métodos e administrando os resultados
obtidos. O processo que envolve as atividades do professor na prática cotidiana de seus afazeres
didático-pedagógicos é uma questão de política em todas as suas dimensões. Segundo Gatti, e
Neubauer (1998), o desempenho dos professores é decisivo quando se pensa em qualidade de
ensino, e se políticas educacionais não se nortearem por esse eixo, certamente estarão fadadas mais
ao fracasso do que ao sucesso.
No transcorrer das aulas de Didática tivemos a oportunidade de vivenciarmos as
vicissitudes que permeiam a atividade docente, tanto na teoria quanto na prática. Para tanto,
contamos com uma série de aulas expositivas por meio de seminários que nos levaram a refletir
sobre a necessidade de se expor o aluno, e futuro professor, ao contato direto através da oralidade,
verbalizando a teoria estudada. Naquele momento pudemos trabalhar a socialização e interação dos
21Professora
adjunta da UFT – Universidade Federal do Tocantins, campus Araguaina. e-mail:
[email protected]
22 Pedagoga, Professora Tutora da EAD – Biologia – UFT – Universidade Federal do Tocantins, campua de
Araguaina e Mestranda do PPGL – Programa de Pós Graduação em Letras, no MELL – Mestrado em Língua
e Literatura, na UFT – Universidade Federal do Tocantins, campus de Araguaina. e-mail: [email protected],br
23 Professor adjunto da UFT – Universidade Federal do Tocantins, campus Araguaina. e-mail:
[email protected]
24Professor adjunto da UFT – Universidade Federal do Tocantins, campus Araguaina. e-mail:
[email protected]
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alunos-professores, uma vez que estes precisavam persuadir a classe a se manifestar em relação ao
conteúdo abordado, e esse diálogo possibilitou momentos de aprendizagem para todos.
Desse modo foi possível um melhor entendimento da teoria contida no material didático e
da prática pela exposição diante de alunos e alunas. Outro método utilizado foi o do estágio de
observação, quando fomos às escolas para verificarmos, na prática, como acontece a relação do
professor e sua Didática na realidade, não apenas de uma sala de aula, mas na convivência com toda
a comunidade escolar e seu entorno.
Desse modo, e fazendo um diálogo entre teoria e prática no dia-a-dia das atividades
docentes, neste ensaio refletimos sobre as relações que estabelecem entre si, alunos e alunas,
professores e professoras. Procurando tirar o máximo de proveito da literatura que serviu como
fundamentação teórica, fazemos um breve relato sobre as experiências vivenciadas e as conclusões
a que chegamos. Dentre o material didático sugerido pela professora orientadora, e que nos foi de
grande valia, destacamos sua preocupação em ir além do livro didático, utilizando filmes e músicas
como recurso adicional. Esta metodologia só enriqueceu nossa experiência no fazer didático, e com
certeza, serão lembrados quando estivermos no exercício da docência.
Relato de uma experiência didático-pedagógica: a didática teórica e a didática prática no
cotidiano das práticas educativas
Segundo Martins (2006) o professor, no processo contraditório que enfrenta entre a
formação acadêmica recebida e a prática na sala de aula, gera uma Didática Prática, germe de uma
possível teoria pedagógica alternativa. Essa Didática Prática, presente no trabalho do professor,
implica pressupostos teóricos que precisam ser captados, explicitados e estruturados teoricamente, e
é sobre isso que discutimos neste trabalho.
Com efeito, para superar a dicotomia entre teoria e prática, presente nas ações educativas,
mais precisamente nos cursos de formação de professores e professoras, essa autora entende que o
grande desafio que se apresenta é desenvolver uma prática na formação do professor que ultrapasse
as relações sociais usualmente estabelecidas, expressas na transmissão-assimilação de
conhecimentos. Isto porque essas práticas têm favorecido um avanço no discurso dos professores,
sem, contudo, apresentar mudanças substanciais nas suas práticas pedagógicas.

A Didática Teórica sob a ótica de Pura Lúcia Oliver Martins
Tratando da importância da Didática teórica, Pura Lúcia Oliver Martins em seu livro
“Didática teórica/Didática prática: Para além do confronto”, elucida, de forma convincente, a
proposta desse nosso trabalho. A autora subdivide os componentes da atividade didática,
dicotomizando teoria e prática, em quatro tópicos a saber: Objetivos de ensino; Conteúdos
escolares; Metodologia de ensino e Relação professor-aluno.
Quando se refere à questão dos objetivos de ensino na Didática Teórica, a autora adverte
que estes assumem diferentes formas de elaboração, o que vai depender das tendências de
educação, quais sejam: Tradicional, Nova e Tecnicista, e têm sofrido uma acentuada influência
behaviorista25 a partir da década de 1970, tornando-os o parâmetro que regula a entrada e a saída do
processo de ensino, segundo o enfoque sistêmico de instrução. Contudo, existe uma preocupação
clara dos cursos de Didática visando à preparação do professor para o exercício da docência.
Segundo Maria Lúcia de Arruda Aranha (1997:235), behaviorismo vem do inglês behaviour
“comportamento”, e está associado à psicologia objetiva que, iniciada por Watson e desenvolvida por
Skinner, baseia-se exclusivamente nos dados observáveis do comportamento exterior, com exclusão dos
dados da consciência. O comportamento é explicado pelas relações entre estímulo e resposta, a partir do
fenômeno do reflexo condicionado.
25
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A autora aponta ainda que toda ação humana, tem em vista um objetivo, explícito ou não.
Desse modo:
A capacidade de concepção do resultado a ser produzido, antes de sua
concretização material, é uma faculdade essencialmente humana. É a partir da
concepção do objetivo na sua mente, que o homem tem condições de acionar
os meios mais adequados para atingi-lo. Esse aspecto é fundamental no
processo da atividade humana, já que permite ao homem deter o controle sobre
o processo e o produto do seu trabalho (MARTINS, 2006: 26).
Nesse sentido, a autora é convincente assegurando que o enfoque dado à questão dos
objetivos na Didática teórica não leva em conta tais pressupostos, ou seja, desconsidera o objetivo
como direção de um processo e centra-se na abordagem do objetivo como direção de um produto
determinado. Com efeito, o que se percebe é a separação entre concepção e execução, isto é, a
formulação dos objetivos acaba por fazer-se fora da ação educativa, constituindo um instrumento
de controle, ao invés de uma direção norteadora da ação.
No que diz respeito aos conteúdos escolares, sua seleção e organização, no contexto da
Didática Teórica, é importante ressaltar o que diz Turra et all (1974: 117) apud Martins (2006: 31):
O professor é quem seleciona, organiza e apresenta o conteúdo ao aluno, de
acordo com um plano que atenda interesses e necessidades de sua classe. O
tratamento de conteúdo, no planejamento de ensino, exige, cada vez mais,
originalidade, criatividade e imaginação por parte do professor.
Com efeito, o momento de seleção e organização de conteúdos é de extrema importância e
compete ao professor sua elaboração ao organizar o seu plano de ensino. Entretanto, a seleção e
organização de conteúdos não é tarefa rápida ou mesmo fácil. Antes, exige muito conhecimento do
professor sobre o assunto, bem como dos alunos alvo do estudo, além de fundamentação teórica
em termos da estrutura da disciplina.
Segundo Martins (2006), é importante a observação de determinados critérios para a
organização sequencial dos conteúdos: sequência lógica de acordo com a estrutura e os objetivos
específicos da disciplina; gradualidade na distribuição adequada em pequenas etapas, considerando a
experiência anterior do aluno; continuidade – articulação entre os conteúdos - e integração entre as
diversas disciplinas do currículo.
Em se tratando da metodologia de ensino no plano da Didática teórica e suas implicações
na aprendizagem de alunos e alunas, Martins (2006:39.) admite ser comum expressões como:
“Aquele professor não tem boa didática”, ou “Este tem boa didática, mas não tem boa
comunicação”, ou então: “O problema desse professor é falta de uma boa didática”, de sorte que a
Didática, nesse sentido, é vista como sinônimo de métodos e técnicas de ensino. Para a autora,
necessário se faz que seja estabelecida alguma distinção entre métodos e técnicas, desde que esses
termos são utilizados como sinônimos.
O método constitui o elemento unificador e sistematizador do processo
de ensino, determinando o tipo de relação a ser estabelecida entre
professor e alunos, conforme a orientação filosófica que o fundamenta;
tal orientação envolve a concepção de homem e de mundo,
respondendo, em última análise, a um ponto de vista de classe. (...)
técnicas são as instâncias intermediárias, os componentes operacionais
de cada proposta metodológica, os quais viabilizarão a implementação do
método em situações concretas (MARTINS, 2006:40).
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Dessa forma, a questão do método de ensino assume diferentes orientações de acordo com
as diversas teorias da educação historicamente construídas. Tais observações ficaram claras na fala
de um grupo ao apresentar um seminário na sala de aula, quando abordaram as teorias pedagógicas
que permeiam a história da educação no Brasil. De acordo com o grupo que se apresentou
refletindo sobre as idéias de Martins (2006), na teoria da Pedagogia Tradicional, a ênfase recai na
transmissão do conhecimento, que deve ser rigorosamente lógica, sistematizada e ordenada, por
meio do método expositivo e dentro da concepção da educação bancária, prática largamente
repudiada por Paulo Freire (1968; 1992; 1997), que tem o professor como o centro das atividades.
Na teoria da Escola Nova, ou Pedagogia Progressista, tanto do ponto de vista do grupo,
como de Martins, há uma valorização da experiência vivenciada pelo aluno, levando em
consideração as diferenças individuas. O enfoque é predominantemente psicológico. O aluno, e não
mais o professor, é considerado o centro do processo. Há uma valorização da pesquisa, e os
métodos de observação e experimentação (próprios das ciências naturais), valorizam o caráter
globalizador e definidor da orientação do processo de ensino.
Outra teoria pedagógica trabalhada por outro grupo, e também abordada por Martins
(2006), e muito em evidência nos dias atuais, é a da Escola Tecnológica ou Pedagogia Tecnicista, o
que é corroborado também por Libâneo (2001), na qual há uma preocupação com a organização
racional dos meios em função da eficiência do produto. Nessa concepção, o centro do processo
desloca-se para os meios, ocupando, professores e alunos, posição de meros executores de tarefas e
ou pacotes prontos. Surge, então, segundo Martins (2006), a organização de estratégias de ensino, as
quais devem ser reproduzidas em todas as turmas do mesmo nível operante. Valoriza-se, assim, o
ensino individualizado, por via da instrução programada dos módulos instrucionais, sistematizando
as premissas do neoliberalismo26 na sociedade globalizada27, tão presentes nas políticas educacionais
atualmente.
Na Didática Teórica conforme estudada até aqui, deve-se considerar também a relação
professor-aluno. Segundo Martins (2006), esse pressuposto é fundamental na dinâmica do processo
de ensino, e encontra-se intimamente vinculado à organização da instituição escolar, cuja função
principal é veicular o saber sistematizado, e a organização usual dessa instituição é a transmissão
desse saber. Nessa perspectiva, e visando à preparação do futuro professor, a disciplina Didática
dos cursos de licenciatura tem trabalhado nesse sentido, fornecendo normas de “direção e manejo
de classe” (Martins, 2006:48), bem como de normas disciplinares.
A função da Didática na formação de professores foi muito bem tratada por Luckesi
(1994), e alguns conceitos que seguem são paráfrases de seu pensamento sobre o tema. A didática
para assumir um papel significativo na formação do educador não poderá reduzir-se e dedicar-se
somente ao ensino de meios e mecanismos pelos quais desenvolva um processo de ensinoaprendizagem. Antes, deverá ser um modo crítico de desenvolver uma prática educativa forjadora
de um projeto histórico, que não será feito tão somente pelo educador, mas, por ele conjuntamente
com o educando e outros membros dos diversos setores da sociedade. (LUCKESI, 1994).
Na concepção da teoria da Escola Nova a relação acontece de forma democrática, ou seja,
o professor assume o papel de orientador das atividades do aluno e este tem um papel ativo,
participando do processo da construção do conhecimento pretendido. Segundo Martins (ibid.), o
pressuposto básico dessa relação é que os alunos têm necessidades e interesses que os diferenciam
uns dos outros, cabendo ao professor o atendimento das diferenças individuais.
O neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na Europa e América do Norte, como reação
teórica e política contra o Estado intervencionista de bem-estar. Seu marco é o livro “A Caminho da
Servidão” escrito pelo austríaco Friedrik Von Hayek em 1944.
27 Wallerstein (s/d) apud Gadotti (2004) interpreta que os inícios do processo de globalização já se deram a
partir do século XV, com a criação do sistema mundial moderno.
26
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
A Didática Prática: Breve relato de uma experiência
A partir de agora passamos a discorrer sobre a Didática na prática, confrontando os relatos
de uma atividade de estágio de observação em duas escolas da rede pública de ensino, uma em
Arraias e outra em Monte Alegre, Municípios do Estado do Tocantins.
Para melhor elucidação da proposta de se trabalhar a Didática Prática como fonte de
intervenção pedagógica no cotidiano das atividades de professores e professoras, faremos uso, em
maior proporção, das idéias de Pura Lúcia Oliver Martins em seu livro: “Didática teórica/Didática
prática: Para além do confronto”. Isso não quer dizer que outros autores sejam menos importantes,
apenas que as abordagens dessa professora são tecidas numa linguagem que facilita a compreensão
do que ela mesma chama de dicotomia entre teoria e prática da Didática enquanto área de estudo da
Pedagogia.
Aqui também, assim como nas proposições da Didática teórica, a autora determina quatro
aspectos a serem considerados: os objetivos de ensino; os conteúdos escolares, seleção e
organização; as metodologias de ensino e a relação que se estabelece entre professores e alunos. Na
Didática prática os objetivos de ensino são fatores determinantes no planejamento, seleção e
organização dos métodos e técnicas de ensino, recursos materiais de formas de avaliação, bem
como conteúdo a ser trabalhado.
A prática cotidiana dos professores, no entanto, se contrapõe aos pressupostos
da Didática, pois o professor não participa, na maioria das vezes, da elaboração
dos objetivos que irá prosseguir. Os objetivos educacionais são previamente
definidos no plano curricular da escola, por uma equipe de especialistas, sem a
participação do professor que os recebe, em pequenas (grandes) doses
bimestrais, em forma de tarefa a serem cumpridas (MARTINS, 2006:27).
Nesse sentido a autora pressupõe que o discurso dos autores de livros de didática e dos
professores dessa disciplina soa falso, e, quase sempre, não se comprova na ação. Desse modo o
quadro teórico faz uma generalização, fora do contexto histórico do objetivo independentemente
de tempo e do espaço, desconsiderando que professores e alunos são agentes sociais, atores e
autores de uma práAinda segundo a autora, os professores de primeiro grau, quando convidados a
escrever sua prática pedagógica, manifestam insatisfação por serem excluídos da elaboração do
processo de ensino e ressaltam a inadequação dos objetivos impostos à realidade da grande maioria
dos alunos envolvidos. Ao falarem da definição dos objetivos do ensino, alguns teóricos, dentre eles
Bloom et all apud Martins (2006:28), assim se expressam:
Os objetivos já vêm formulados e o professor tem que seguir e alcançá-los;
sendo que deveria ser o contrário, ou seja, o professor elaborá-los de acordo
com o nível de seus alunos (...) os objetivos são feitos pela coordenação mas
nem sempre estão de acordo com o nível da criança. Com isso o professor não
atinge os resultados esperados.
Contextualizando essas proposições com a realidade da escola aonde fizemos nossa
pesquisa, é possível concluir que o problema é mesmo sério. Se não bastassem todas essas
imposições colocadas ao professor, têm também, conforme já dito antes, os pacotes prontos,
desconsiderando a realidade das escolas e de seus alunos. O que se verifica são professores
alienados e desprovidos de qualquer autonomia. Desse modo e apesar da formulação explícita dos
objetivos, na realidade o professor tem sido excluído de sua função primordial que é a de participar
da concepção do seu objeto de trabalho, o que compromete seu desempenho, e consequentemente
os resultados pretendidos.
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Corroborando tudo isso Martins (2006) admite que essa situação decorre do modo de
produção capitalista em que o trabalhador assalariado, é, cada vez mais, destituído do controle de
seu processo de trabalho. Nesse contexto o professor é situado na sua condição real de assalariado,
alienado a um sistema que desvaloriza a sua formação e o coloca na condição de mero executor de
atividades que deverão ser transmitidas aos alunos, desprovido de qualquer senso crítico.
Em relação aos conteúdos escolares, sua seleção e organização, a situação não é muito
diferente e a autora adverte que, com toda uma formação para a seleção e organização dos
conteúdos o professor, ao chegar à sala de aula, se depara com uma realidade oposta àquela que lhe
foi descrita no período de sua formação pedagógica. Os conteúdos do seu ensino já estão definidos
no plano curricular da escola e nos livros didáticos adotados.
Nesse sentido uma professora de uma turma do terceiro ano do ensino fundamental,
alcançada por nossa pesquisa, ao se referir ao programa “acelera” admite que os conteúdos a serem
trabalhados são falhos, contendo muita coisa que não interessa, o que atrapalha o desenvolvimento
do que é realmente importante. Para essa professora, 90% do tempo destinado à aula é gasto com
as imposições do programa, e ela tem que “correr” para nos 10% do tempo restante, conseguir
cumprir o que está no livro didático, e que precisa ser registrado como conteúdo “dado” em
detrimento de o aluno ter ou não aprendido. Aí se encontra a face neoliberal da terceirização do
processo educativo28.
A metodologia de ensino no contexto da Didática Prática. Segundo Martins (2006),
considerando a exclusão do professor da concepção e organização do processo de ensino de que
deveria ser sujeito, num primeiro momento, é no aspecto metodológico que ele encontra um
espaço de criação e intervenção. A autora preconiza que, no momento de implementar o processo,
de materializá-lo visando à aprendizagem dos seus alunos, o professor procura criar situações que
favoreçam essa aprendizagem. E foi exatamente isso que foi verificado quando da observação de
uma aula numa classe do 3º e 4º. ano multiseriado do ensino fundamental em Monte Alegre, Estado
do Tocantins. Naquela ocasião a professora com o objetivo de facilitar a aprendizagem dos seus
alunos utilizou o método lúdico, primeiramente com uma música, visando a um melhor
aproveitamento numa aula de língua portuguesa, e posteriormente com os alunos fazendo uma
circunferência para estudar os conceitos de fração, objetivando ensinar as teorias dos números
fracionários, o que foi muito proveitoso para os alunos.
Nesse momento a interação entre os alunos foi bastante significativa, e podemos constatar,
na prática, a Didática de uma professora que foi além do pré-estabelecido pela escola, o que, na
ótica de Sônia Pacheco (2001) nada mais é do que uma alusão à Pedagogia Renovada, por meio da
qual o professor utiliza métodos tecnológicos para que ocorra uma aprendizagem significativa.
Nessa perspectiva, o fator tempo torna-se determinante para que o professor atinja os objetivos
impostos pela escola e aqueles que ele mesmo considera como indispensáveis. Segundo depoimento
de uma professora e citado por Martins (2006), a falta de tempo leva o professor a seguir sempre
aquele método imposto, sem alternativas para o professor. Mesmo assim, há sempre aquele
professor versátil que cria seus próprios métodos de acordo com suas necessidades. E foi isso que a
professora observada fez.
Durante o período de observação nas escolas, sentimos falta de algo que consideramos
básico, segundo Freire (1997) e Brandão (2005), que não se encontra nos manuais dos pacotes
“instrucionais” levados a cabo de modo vertical e descontextualizados da realidade em que alunos e
alunas encontram-se inseridos. Esse ingrediente é o amor. Para Freire (1997:27):
Gadotti (2003) adverte que a proposta neoliberal, em relação à educação, é de uma desprofissionalização da
docência, buscando-se alternativas na “terceirização” dos conteúdos. Com a concepção neoliberal os
docentes não precisam ter conhecimento científico. Seu saber é inútil. Por isso, não precisam ser consultados.
Eles só precisam receber receitas, programas instrucionais.
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Não há educação sem amor, o amor implica a luta contra o egoísmo, quem não
é capaz de amar os seres inacabados não pode educar. Não há educação
imposta, como não há amor imposto. Quem não ama, não compreende o
próximo, não o respeita. Não há educação do medo. Nada se pode temer da
educação quando se ama.
Para Brandão (2005), toda educação que instrui, mas não educa; que capacita, mas não
forma, apenas habilita quem aprende para ser o sujeito competente e competitivo dos projetos de
vida a serviço do mundo dos negócios e da sociedade do mercado. Essa pode ser uma capacitação
para o êxito e o sucesso, segundo os termos do mercado de bens e de capitais. No entanto, ela é
uma forma de contra-educação, ante uma vocação pedagógica dirigida ao diálogo solidário, à
gratuidade, e à partilha amorosa de bens, de serviços, de sentimentos e de sentidos.
Considerações finais
Ao concluirmos esse artigo, resultado de uma experiência Didático-pedagógica vivenciada
dentro e fora da escola, mais precisamente no que diz respeito à teoria e prática de metodologias de
ensino, sentimo-nos gratificados pela maneira como nossa professora nos conduziu nessa
caminhada. Foram momentos que farão parte da nossa identidade enquanto professores que
seremos, desde as vicissitudes próprias de uma profissão que anda tão desvalorizada, até os
benefícios de uma relação dialógica como a que acontece entre alunos e professores no cotidiano
das práticas educativas.
Vivemos na era da globalização e das políticas neoliberais voltadas para a “qualidade total”
de uma pedagogia preocupada com a instrução em vez de com a formação do homem. Nesse
cenário encontram-se os educadores, os quais, apesar de todas as dificuldades, são insubstituíveis
(CURY, 2001), porque a gentileza, a solidariedade, a tolerância, a inclusão, os sentimentos altruístas,
enfim, todas as áreas da sensibilidade não podem ser ensinadas por computadores, e sim por seres
humanos.
Que essa Didática teórica, de mãos dadas com a Didática prática, nos conduza pelas
veredas de uma vida mais humana, e que os saberes de nossos professores e mestres nos conduzam
a uma “vida de qualidade”, em detrimento da “qualidade de vida” apregoada como conquista de
bens materiais, galgada quase sempre por meio de uma competição, sabe-se lá a que preço. Que os
ensinamentos teóricos sejam por nós transformados em atividades práticas, e que as práticas sejam
degustadas como um banquete de sapiência, rumo a uma educação solidária na partilha e na
cumplicidade com os nossos “outros”. Pois, como “canta” Brandão na sua “Canção das sete
cores”: O conhecimento de um sábio que o guarda para si e não o compartilha com os outros, não
é apenas inútil, é também inexistente.
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LÍNGUA E SUJEITO DA ANÁLISE DO DISCURSO DE LINHA FRANCESA:
INTERSECÇÕES COM A PSICANÁLISE
Kátia Alexsandra dos Santos
Mestre em Letras- Estudos Linguísticos
Profª UNICENTRO
Resumo: A língua nos falta e nos constitui enquanto sujeitos. Partindo dessa afirmação
aparentemente paradoxal, pretendemos neste artigo discutir as noções de língua e sujeito, tal como
são vistas pela Análise do Discurso francesa (AD) em sua intersecção com a psicanálise. Para isso
faremos uma retrospectiva do modo como foram vistos esses conceitos em alguns momentos da
história da linguística e da AD. As conclusões a que chegamos levam à consideração de tais
conceitos como frutos de conjunturas epistemológicas que refletem as condições históricas, sociais
e ideológicas. O trabalho aponta, ainda, para os próximos deslizamentos conceituais, quando
pensamos no período contemporâneo.
Palavras-chave: língua; sujeito; análise do discurso.
Abstract: We miss the language and language makes us as subjects. The apparent paradoxical
statement underlies current analysis which discusses ideas of language and subject as foregrounded
by French Discourse Analysis in its intersection with psychoanalysis. The retrospective
investigation will discuss the manner these concepts have been seen by linguistics and by the
French Discourse Analysis throughout the latter‟s history. Results show that these concepts are the
result of epistemological complexes that reflect historical, social and ideological conditions. The
essay will also deal with conceptual slides during the contemporary period.
Keywords: language; subject; Discourse Analysis.
Considerações iniciais
A língua nos falta. A língua nos constitui enquanto sujeitos. Partindo dessas afirmações
aparentemente paradoxais, pretendemos neste artigo discutir as noções de língua e sujeito, tal como
são vistas pela Análise do Discurso de linha francesa (doravante AD) em sua intersecção com a
Psicanálise. Para isso faremos uma retrospectiva do modo como foram vistos esses conceitos em
alguns momentos da história da Linguística, passando pelas contribuições da Psicanálise, que se
colocaram de maneira proeminente, sobretudo na chamada terceira fase da AD.
Consideramos que toda produção discursiva só se dá na relação com a sua exterioridade.
Assim, é preciso considerar que, sendo a Linguística uma disciplina não isolada, mas imersa em um
campo epistemológico, ela reflete uma conjuntura social, histórica e ideológica.
Um aspecto que deve ser relevado é o fato de que a Linguística “comporta intrinsecamente
uma prática teórica que toma a língua como objeto próprio” (PÊCHEUX; GADET, 2004, p. 20), o
que vem sendo chamado de “real da língua”. E é justamente o cerceamento desse real que vem
sendo perseguido por todas as teorias linguísticas até hoje. São essas tentativas de cerceamento que
procuraremos demonstrar a seguir.
Língua e sujeito em Saussure e Chomsky
Desde o advento da Linguística como disciplina científica com Saussure, o campo da língua
(gem) vem se colocando (e se alterando) a partir de várias dicotomias e as áreas de estudo vêm se
delimitando pela escolha de uma ou outra dessas dicotomias. A dicotomia mais famosa é a que
separa “língua” de “fala” e que, ao mesmo tempo, institui a língua (enquanto sistema) como objeto
da Linguística.
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Acreditamos que a exclusão saussureana é válida no sentido de que dá margem para as
futuras das ciências da linguagem que irão “explorar largamente os domínios de uma linguística da
fala (estilística, pragmática, análise do discurso, etc.) (PAVEAU; SARFATI, 2006, p. 69). Isso
significa, segundo afirmou J. Authier (1998), ir de um nível de análise que se pode dizer
homogêneo- a língua- ao nível de análise da fala ou do discurso29, que não considera apenas a língua
como sistema, mas a vê na sua relação com o mundo e com os sujeitos. É o que veremos a seguir
quando trazemos, sumariamente, alguns nomes essenciais das chamadas linguísticas enunciativas e
depois o posicionamento da AD francesa. Antes, porém, é interessante situar os posicionamentos
dos dois grandes nomes na história da linguística: Saussure e Chomsky.
Saussure é considerado o pai da Linguística e uma das figuras mais enigmáticas da área.
Pêcheux e Gadet (2004) falam da existência de dois Saussures: o do Curso de Linguística Geral
(CLG) e o dos Anagramas. Com o CLG inaugura-se a linguística do sistema, justamente quando se
define o objeto do campo como a língua enquanto um sistema abstrato. “A definição saussuriana
de língua afasta tudo o que for estranho a seu organismo, a seu sistema, eliminando, assim, todas as
causas e determinações exteriores que podem afetá-la” (LEANDRO FERREIRA, 1999, p. 126).
Nos anagramas, porém, teria voz o indizível da língua, materializado na poesia, entretanto tal
aspecto é desconsiderado toda vez que se fala em Saussure, sintoma materializado na história da
linguística.
A noção de língua como sistema fechado e pertencente ao nível social conduz a um
aspecto interessante em relação à concepção de sujeito. “Ao encarar a língua como sistema,
Saussure produz um efeito de desconstrução do sujeito psicológico, livre e consciente que reinava
na reflexão das ciências humanas nascentes, ao fim do século XIX. Com isto ganha destaque a tese
de que o homem não é senhor da língua, muito cara à AD” (LEANDRO FERREIRA, 1999, p.
127).
Um aspecto hoje relevado em Saussure (Pêcheux, Gadet, 2004; Normand, 2009) é a noção
de valor, que ligaria os dois saussures, uma vez que traz a ideia de que a língua se constitui de um
sistema de oposições e, nesse sentido, a constituição dá-se pelo dito e pelo não-dito, efeito do que
Lacan chamaria de lalíngua (apud MILNER, 1987). Tal aspecto ficou encoberto e não apareceu
como efeito direto dos dizeres de Saussure, talvez porque foram relevados outros aspectos da sua
teoria, tais como a noção de arbitrariedade do signo e as dicotomias.
Posteriormente, temos Chomsky, considerado um formalista por excelência, uma vez que
seus trabalhos apontam para uma língua ideal e elegem um componente fundamental: a sintaxe. O
falante seria dotado de uma competência linguística, a partir da qual seria capaz de julgar sentenças
como gramaticais ou agramaticais. Desse modo, Chomsky coloca o sujeito como possuidor de uma
competência linguística, contudo o sistema é autônomo, uma estrutura imutável e inacessível para o
sujeito.
Segundo Leandro Ferreira (1999), Chomsky traz para a Linguística uma concepção de
língua muito próxima do que Pêcheux faz em sua Análise Automática do Discurso, ou seja, toma a
língua como uma estrutura fechada, a partir da qual o falante pode julgar a gramaticalidade das
sentenças. A contribuição dessa visão para a compreensão de língua trazida por Pêcheux está
situada justamente na possibilidade de o impossível surgir: “a existência do impossível, do proibido,
do não-gramatical está inscrita na ordem própria da língua” (LEANDRO FERREIRA, 1999, p.
Não estamos tomando aqui os termos “fala” e “discurso” como sinônimos, mas os utilizando para dar
conta de uma variedade de estudos que tomam como objeto desde a fala (no sentido saussureano) até o
discurso (no sentido de Pêcheux).
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129). Eis a grande contribuição, a nosso ver, contribuição essa que não aparece em geral, quando se
fala em Chomsky.
Língua e sujeito nas teorias enunciativas
Dentro do que se agrupa sob o rótulo “estudos enunciativos” temos várias correntes e
perspectivas de estudo, atuando em vários campos das exclusões saussureanas: sujeito, história,
aspecto social e fala. Traremos para esta discussão, brevemente, as contribuições de dois nomes:
Benveniste e Bakhtin.
Benveniste é tido como o marco inaugural da Linguística da Enunciação. Sua linguística
ainda é estruturalista, mas difere-se por considerar o sujeito, embora apenas na sua relação de
apropriação do “aparelho formal da enunciação” (1991). A consideração do sujeito é um ponto de
avanço bastante significativo em relação à linguística imanente. Contudo, esse também é o ponto
nodal da crítica que se faz à Benveniste por dar um valor excessivo ao sujeito, vendo-o como
unívoco e “dono” do que diz, sujeito “ego-cêntrico”, nas palavras de Brandão (apud BRAIT, 2001,
p. 61). No que se refere à língua, o autor a define como uma estrutura formal, dividida em níveis
hierarquicamente colocados, sendo, ainda, um instrumento de comunicação (NORMAND, 2009).
A Bakhtin cabe inaugurar uma discussão bastante polêmica que mudará o rumo dos
estudos linguísticos: a relação do EU com o OUTRO, ou seja, a concepção dialógica da linguagem.
Essa concepção dialógica não equivale à condição de diálogo, mas ao que se chama duplo
dialogismo, já que, segundo o autor, o “outro” que perpassa língua é o “outro” enquanto discurso e
enquanto receptor. Nesse âmbito, a enunciação passa a ter caráter essencialmente social, já que “a
enunciação como tal só se torna efetiva entre falantes” (BAKHTIN, 1995, p. 127). Bakhtin fala da
língua na sua relação com as lutas sociais e, portanto, com a ideologia, considerando que todo signo
é ideológico. Desse modo, a noção de língua sai da evidência do sentido e passa a ser perpassada
pela noção de ideologia, o que será retomado pela AD.
A grande problemática atualizada por esses autores e sobre a qual a AD se debruça é a
subjetividade. O tipo de relação com a linguagem (intencional ou não) provoca a grande cisão dos
estudos enunciativos ou pragmáticos. Quando Benveniste inaugura a questão da subjetividade
como constitutiva da língua, e dá ao sujeito um estatuto de poder até então relegado, instaura um
campo de profundas divergências dentro dos estudos linguísticos: todos concordam que o sujeito
precisa ser considerado, mas a relação que se estabelece entre ele e a língua é que vai determinar o
surgimento de algumas áreas/teorias, tais como a AD.
Língua e sujeito na AD
A Análise do Discurso de linha francesa surge na década de 60, a partir da relação entre
áreas como a Linguística, Psicanálise e Marxismo. Propõe uma investida na linguagem além da
dicotomia saussureana (língua X fala), baseada no "discurso", ou seja, a língua em seu percurso, uso
efetivo (ORLANDI, 2002), considerando as condições de produção, a ideologia, a posição do
sujeito falante, enfim, todo o processo discursivo.
Nesse sentido, a língua é vista como produto histórico-social e o sujeito falante como
"assujeitado", porta-voz de instituições, ou do seu tempo. A noção de sujeito é tributária da noção
de assujeitamento ideológico proposta por Louis Althusser, em Aparelhos Ideológicos de Estado (1992)
a que se acrescentará, posteriormente, a noção de interpelação também pela instância do
inconsciente.
Esse caráter permanecerá até a chamada terceira fase da AD, quando a influência da
Psicanálise se acentuará. Há muitos conceitos pertinentes dentro da conjuntura teórica da AD,
entretanto nos ateremos ao que diz respeito a uma teoria do sujeito, ponto de ancoragem e
determinante de todos os outros aspectos, tais como a noção de língua.
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Faremos agora um breve histórico das três fases da AD, já que a área foi (e ainda está) se
constituindo, revisando conceitos, retificando suas bases. É o que se pode verificar na revisão feita
pelo próprio Pêcheux no seu artigo A Análise do Discurso: três épocas (1983)30, da qual partiremos
nesse retrospecto.

AD: 1ª fase: maquinaria discursiva-sujeito “assujeitado”
A chamada primeira fase da AD “nasce”, por assim dizer, com a publicação de Análise
Automática do Discurso (1969)- AAD-69-, o projeto da instituído nessa fase é bastante audacioso:
“fornecer às ciências sociais um instrumento científico de que elas tinham necessidade, um
instrumento que seria a contrapartida de uma abertura teórica em seu campo” (Henry, apud
GADET; TAK, 1993, p. 15). Para isso, a AAD-69 postulava um dispositivo, com base na
informática, que pudesse determinar as generalidades dos discursos, como se fosse uma “máquina
de ler” que “arrancaria a leitura da subjetividade” (MALDIDIER, 2003, p. 21). Dessa forma, os
discursos eram tomados como estruturas que podiam ser armazenadas em formações discursivas
(FD´s), as quais designariam um conjunto homogêneo de discursos que se organizariam segundo as
formações ideológicas (FI´s).
Pêcheux nos apresenta, nessa primeira fase, um sujeito totalmente assujeitado, ou seja,
interpelado pela instância linguística e pela ideologia, o que faz com que esse sujeito (falante) se
constitua com base nessa interpelação, sendo mero repetidor de estruturas linguísticas já
determinadas pela maquinaria discursiva.

2ª fase: FD, interdiscurso- forma-sujeito
A noção de maquinaria discursiva vai se fragilizando quando se toma o conceito de FD de
Michel Foucault, a partir da ideia de dispersão (FOUCAULT, 2004). Nesse momento, Pêcheux
começa a perceber que as FD´s não são homogêneas, mas relacionam-se e ainda se constituem por
aquilo que não é dito, o silenciado. A “idéia do não-dito constitutivo do discurso” (MALDIDIER,
2003, p. 25) conduz a uma outra construção no conceito de FD.
A partir do conceito de dispersão, segundo o qual os discursos são uma dispersão de outros
discursos que não estão ligados por nenhum princípio de unidade, a AD concebe o discurso como
formado e perpassado por vários outros discursos que o antecedem ou que acontecem
simultaneamente. Disso decorre o termo interdiscurso, que é aquilo que fala antes e memória discursiva
que seria “o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do préconstruído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada de palavra” (ORLANDI,
2002, p. 31).
Sendo o discurso uma dispersão de outros discursos, segundo nos ensinou Foucault, o
sujeito é, portanto, uma posição vazia a ser preenchida conforme as posições que ocupamos em
determinados momentos de fala. A partir disso, Pêcheux passa a construir seu conceito de formasujeito, outro empréstimo de Althusser, que é explicitado em Semântica e Discurso (1975).
Pêcheux recorre a outros campos fora da linguística, a saber, a releitura de Marx por
Althusser e de Freud por Lacan, para dar conta de uma teoria não subjetiva do sujeito. Assim
sendo, a forma-sujeito, é justamente a interpelação dos indivíduos em sujeitos falantes que se faz via
ideologia e inconsciente, um passo já dado para se chegar ao conceito de heterogeneidade.
In: GADET, F.; HAK, T. Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel
Pêcheux.
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Desse modo, ao criticar a homogeneidade do sujeito, o autor também coloca em xeque a
linearidade e transparência do sentido, deixando espaço para o deslize e é a partir daí que o sentido
passará a ser visto, tal como o sujeito, sob o signo da heterogeneidade.
 3ª fase: Heterogeneidade do sujeito e do sentido
A chamada terceira fase da AD é o fruto do amadurecimento dos conceitos enunciados por
Pêcheux, o que se acentua pelo encontro teórico com a lingüista J. Authier-Revuz, que propõe a
teoria da heterogeneidade enunciativa, a partir de estudos sobre o discurso relatado.
O que a autora apresenta como “heterogeneidades enunciativas” compreende a
heterogeneidade constitutiva, aquela pela qual o “eu” pensa falar- ilusão narcísica- que se constitui
basicamente pela interferência do interdiscurso e do inconsciente; e a heterogeneidade mostrada,
que é a presença do “outro” no texto, marcada explicitamente, através de aspas, discurso direto e
indireto livre, glosa, citações, etc.
J. Authier (1990) apresenta sua tese das heterogeneidades enunciativas a partir da junção
dos trabalhos de Bakhtin e das contribuições da Psicanálise, via releitura lacaniana. Da primeira
teoria, Authier considera o princípio dialógico constitutivo da linguagem e a afirmação de que todo
dizer é atravessado por outras vozes- polifonia-, o que significa que nenhum dizer é original e, mais
que isso, toda palavra é carregada ideologicamente. Da segunda corrente teórica, há a compreensão
do atravessamento pelo inconsciente.
Das concepções de Bakhtin e Lacan a autora retira, portanto, elementos para formular a
sua teoria da heterogeneidade enunciativa. Apesar de pontos de vista bastante divergentes, ambas as
correntes trazem uma visão de não homogeneidade e de heterogeneidade constitutiva (BRAIT,
2001, p. 9).
Partindo desses pressupostos inaugurados pela autora mencionada, passemos a discutir
especificamente o papel da Psicanálise na (re)formulação dos conceitos de língua e sujeito na
Análise do Discurso.
E o que a Psicanálise tem a ver com isso?
Voltamos aqui ao ponto em que a AD toca a Psicanálise, e partimos da afirmação de
Milner de que “tudo não pode ser dito” (1987), quando ele traz à tona o fato de que o impossível se
inscreve na própria língua. Tal fato pode ser verificado a partir da noção de heterogeneidade
constitutiva. É ela que dá novo estatuto ao sujeito discursivo, inaugura a presença determinante do
“outro” no mesmo e apresenta essa como condição fundamental, ou melhor, constitutiva para a
existência da própria língua.
A Psicanálise contribuiu muito para essa designação de sujeito, segundo a qual não falamos
sempre o que queremos, como e da maneira que queremos, mas estamos “sujeitos” a inúmeros
fatores e um deles é a manifestação do inconsciente.
Entendendo o sujeito como um efeito de linguagem, a Psicanálise busca as
formas de constituição desse sujeito não no interior de uma fala homogênea,
mas na diversidade de uma fala heterogênea, que é conseqüência de um sujeito
dividido (BRANDÃO, 2004, p. 43).
O Sujeito da Psicanálise é um sujeito desejante, interpelado pelo inconsciente e, portanto,
um sujeito cindido, descentrado, através do qual fala o Outro, sujeito do inconsciente. O Outro
pode ser considerado a dimensão de alteridade que preexiste a todo sujeito. Lacan distingue no seu
Seminário II uma dupla dimensão de alteridade: o outro e o Outro: “há dois outros que se devem
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distinguir, pelo menos dois- um outro com A maiúsculo e um outro com a minúsculo, que é o eu.
O Outro é dele que se trata na função da fala (LACAN, 1985, p. 297).
Todas essas considerações da Psicanálise promovem deslocamentos na teoria da AD,
sobretudo no que se refere ao conceito de sujeito da linguagem e da própria língua, que congrega
em si a lalíngua. Desse modo, a instância do Outro estaria presente na língua e no sujeito. Tais
reflexões aparecem no texto de Pêcheux Só há causa daquilo que falha (In: MALDIDIER, 2003).
Pêcheux foi a vida toda um teórico inquieto, a reformular sem receio sua própria teoria.
Com Semântica e Discurso ele “resolve” o problema da máquina discursiva que homogeneizava os
discursos e absorvia completamente o sujeito. Entretanto, a forma-sujeito e a ilusão do sujeito
acabam dando uma dimensão tão perfeitamente estável da interpelação do sujeito, que não recobre
uma questão que sempre pesou nos estudos de Michel Pêcheux: as ideologias dominadas. “Tomar
muito a sério a ilusão de um eu-sujeito-pleno onde nada falha, eis precisamente algo que falha no
Semântica e Discurso” (MALDIDIER, 2003, p. 65/66) afirma Pêcheux em sua auto-crítica.
O grande problema, agora reconhecido pelo autor, é que, ao acreditar ter cercado o sujeito,
ele acaba reproduzindo o sujeito pleno, contornando o fato de que “o non-sens do inconsciente,
em que a interpelação encontra como se enganchar, nunca está inteiramente recoberto nem
obturado pela evidência do sujeito-centro-sentido que é seu produto” (Pêcheux, In: MALDIDIER,
2003, p. 69). O inconsciente ou Outro (da teoria lacaniana) nunca deixa de estar lá, sendo recoberto
pelo Imaginário, já que é a instância fundadora e constitutiva do sujeito, o qual se configura como
desejoso, faltante.
Considerando que a heterogeneidade constitutiva é condição de todo discurso, assumimos
uma concepção de discurso como constituído pelo interdiscurso e também pelo inconsciente. Ao
chegar à especificidade de um sujeito heterogêneo que se constitui como tal à medida que fala e
falha, Pêcheux ocupa um lugar original dentro dos estudos linguísticos, tendo em vista que não se
opõe simplesmente a um sujeito intencional, egoico, mas o situa através do assujeitamento como
sujeito ideológico e afetado pelo inconsciente, e o faz relacionando esse sujeito à materialidade
específica da língua. Esse fator merece relevo, já que o mentor da AD consegue, enfim, aliar as
teorias enunciadas como base de constituição epistemológica da área, sem deslocar-se dos estudos
linguísticos, onde sempre procurou se situar.
Considerações finais:
Toda revisão teórica tal como nos propusemos a fazer, não pode deixar de ser
fragmentária. Deixamos, obviamente, muitas lacunas, já que todo dizer é mesmo incompleto.
Procuramos, através do percurso empreendido, dar uma dimensão de como os estudos
linguísticos foram se reformulando (e ainda continuam) a fim de dar conta (sintoma?) de um objeto
tão complexo quanto a língua(gem). Saussure acreditava que, para estudá-la cientificamente, era
necessário isolá-la, tomá-la como sistema, desvinculada de toda exterioridade; Chomsky reduziu a
língua ao componente sintático e ambos desconsideraram o papel do sujeito; os estudos
enunciativos trazem de volta o sujeito (sobretudo com Benveniste), entendendo-o como condição
primeira de existência da própria língua; a posição do sujeito vai se alterando, ganhando contornos
divergentes com as teorias polifônicas; e, por fim, como vimos, a AD postula um sujeito
descentrado, interpelado pela língua, pela ideologia e ainda barrado pelo inconsciente, sujeito
heterogêneo, “efeito-sujeito”, nas palavras de Pêcheux.
Conforme afirmação de Brandão, a passagem de uma concepção cartesiana da língua e do
sujeito homogêneo para a heterogeneidade do sujeito e a opacidade da língua constitui-se como
fenômeno interdisciplinar, tendo em vista uma conjuntura sócio-histórico-ideológica:
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Como os sistemas de idéias de uma mesma época geralmente se mostram
solidários entre si, pode-se dizer que esse deslocamento não se deu apenas nos
estudos da língua; o que nos parece é que ele acompanha uma tendência geral
das manifestações culturais que marcam a passagem do modernismo para o pósmodernismo em que as mesmas preocupações com o sujeito e com a linguagem,
por ex., se dão. Ao sujeito humanista unitário, universal e atemporal da
epistemologia racionalista opõe-se um sujeito problematizado pela história, pela
ideologia e pela psicanálise, revelando sua constituição clivada, descentrada e
contraditória. (apud BRAIT, 2001, p. 61-62)
Dessa forma, é importante vermos os estudos linguísticos como pertencentes a um quadro
epistemológico maior que vive se reformulando, alterando, e melhorando talvez. Assim, podemos
conjecturar que pensar o sujeito hoje é pensá-lo dentro de uma conjuntura pós-moderna, com todas
as implicações que essa condição possa acarretar de incompletude, contradição e, principalmente,
heterogeneidade.
Tudo o que apresentamos até aqui reflete visões e conceitos cunhados no período histórico
compreendido pela Modernidade, mas é preciso considerar que os sentidos continuam deslizando.
Desse modo, este trabalho aponta para os próximos deslizamentos conceituais quando pensamos
no período contemporâneo, designado por alguns como “pós-moderno”. Acreditamos que a
dificuldade de designação é justamente o lugar onde se inscreve a falta constitutiva do sujeito e da
língua que se coloca na atualidade.
Assim, a consideração de uma língua que nos falta imprime ao sujeito da linguagem
também um lugar de incompletude e é desse modo e não de outro que procuramos ver os produtos
desse sujeito na língua(gem), sobretudo nesse período que ainda se quer nomear, e talvez não se
nomeie justamente porque a língua nos falta!
Referências
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Mello. Campinas, SP: Pontes, 2004.
Trabalho enviado até 30/04/2011 Recebido em 30/04/2011
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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO AÇÃO EDUCATIVA NO COMBATE À
DENGUE EM ARAGUAÍNA/TOCANTINS
Leandro Ferreira da Silva31,
Adriano Antonio Brito Darosci32
Joseilson Alves de Paiva33
Jeane Alves de Almeida34
Resumo: A Educação Ambiental assume cada vez mais seu papel na sociedade. Políticas de ações
ambientais voltadas para o bem estar das sociedades são prioridade. Porém a população ainda sofre
com doenças causadas pela ineficácia dessas ações. Muitas dessas doenças são causadas por vetores,
por exemplo, a dengue. Neste artigo avaliamos ações de Educação Ambiental em duas escolas de
Araguaína, estado do Tocantins. Os resultados apontam para um bom grau de conhecimento da
população e dos estudantes em relação à identificação do mosquito e medidas profiláticas.
Contudo, as escolas enfrentam dificuldades na realização de projetos voltados para o combate da
dengue.
Palavras chave: Educação Ambiental; Medidas Profiláticas; Dengue.
Abstract: Environmental education is increasingly assuming its role in society. Of environmental
policies aimed at the welfare of communities are a priority. But the population still suffers from
diseases caused by the ineffectiveness of these actions. Many of these diseases are caused by
vectors, such as dengue. This article evaluates environmental education efforts in two schools in
Araguaina, Tocantins state. The results indicate a good degree of knowledge of the population and
students regarding the identification of mosquito bites and preventive measures. However, schools
are facing difficulties in carrying out projects to fight dengue.
Keywords: Environmental Education; Prophylactic Measures; Dengue.
Introdução
A Educação Ambiental (EA), enquanto ação educativa, prepara o homem para viver com
qualidade de vida no meio ambiente em que ele está inserido. Para Carvalho (2008), a EA busca
construir um equilíbrio entre o homem e o meio ambiente, visando assim à construção de um
futuro pensado e vivido, numa lógica de progresso e desenvolvimento. A EA tem papel importante
ao articular diferente formas de conhecimentos numa ação educativa para preservação e
recuperação de ambientes degradados.
Dias (2004) defende que a EA é um processo permanente, no qual os indivíduos e a
comunidade tomam consciência do meio ambiente e adquirem o conhecimento, os valores, as
habilidades, as experiências e a determinação que os tornam aptos a agir individual e coletivamente
para resolver problemas ambientais presentes e futuros. Conforme a Política Nacional de
Educação, a Lei nº 9.795/99, no seu Artigo Primeiro, entende-se por Educação Ambiental os
processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais,
conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio
ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.
31Graduando
em Licenciatura em Biologia (EaD) – UFT
em Biologia Vegetal pela Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil(2009).Professor do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás, Brasil.
33Professor adjunto da UFT – Universidade federal do Tocantins, campus de araguaina. E-mail:
[email protected]
34Professora adjunta da UFT - Universidade Federal do Tocantins, campus de Araguaina. E-mail:
[email protected]
32Mestrado
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Mesmo com a preocupação da humanidade com relação ao meio ambiente e com o avanço
e o aumento de políticas públicas voltadas para essa temática, o que se tem presenciado ainda é a
indiferença de grande parte da população em se envolver na melhoria da qualidade de vida e, como
conseqüência disso ocorre o aumento das mazelas sociais como, por exemplo, o aumento de
doenças. Algumas dessas doenças são causadas por vetores, que aliados ao modo de organização
urbana e ao comportamento do homem no armazenamento e cuidado dos lixos domésticos
produzem criadouros que favorecem a proliferação, por exemplo, do mosquito vetor da dengue, o
Aedes aegypti.
A dengue tem se expandido cada vez mais em virtude do crescimento populacional do
mosquito vetor Aedes aegypti no ambiente urbano. Essa doença tem causado grandes preocupações
para os setores de saúde pública do país. As campanhas publicitárias voltadas para essa discussão
têm conscientizado muito a população, como visto em outdoors, faixas, na televisão, no rádio, na
internet, etc. As escolas também exercem papel importante como veiculador de educação formal, e
promove ações educativas em determinada época do ano, fazendo passeatas, distribuindo folhetos,
e oferecendo palestras e projetos voltados para a erradicação do mosquito transmissor da doença.
Esses trabalhos educativos desenvolvidos pelas escolas objetivam informar a população sobre a
doença e os riscos que ela pode trazer para a sociedade se não for combatida, mas tais medidas
educativas parecem causar pouco efeito na redução do número de casos de dengue, visto pelo
aumento anual de casos da doença.
Apesar de políticas educativas para a prevenção de doenças negligenciáveis, uma grande
parcela da população urbana parece ainda indiferente às campanhas que buscam educar quanto à
eliminação dos criadouros do mosquito e ao combate do transmissor da dengue. Surge então, a
pergunta: o que fazer para que a população se envolva no combate e na eliminação dos criadouros
do mosquito da dengue? Está muito claro que o sucesso de muitos municípios na diminuição ou até
mesmo eliminação dos casos de dengue, está relacionado ao envolvimento da população na
eliminação dos criadouros do vetor da doença. Segundo Brassolatti & Andrade (1998) o agente
chave de um controle biológico para os vetores da dengue tem de ser o homem, e a estratégia
básica, a completa eliminação de criadouros se dá através de uma forma consciente, por isso a
importância da EA.
O objetivo deste trabalho é avaliar como se dá o processo de ação educativa, mediante o
uso da Educação Ambiental, no combate ao mosquito vetor da dengue no Município de Araguaína.
Para tanto, buscou-se verificar, em duas escolas que atendem dois setores peculiares: (um de alto
índice de infestação predial e em outro de baixo índice de infestação), como a Educação Ambiental
é tratada nesse propósito e se é tratada, avaliando se há a presença dos objetivos referentes à EA no
Projeto Político Pedagógico (PPP) e nos projetos executados por essas unidades escolares e os
conhecimentos prévios dos alunos a respeito da doença. Buscou-se, ainda, alguma relação entre as
ações educativas desenvolvidas no interior das escolas e os conhecimentos sobre a dengue pela
comunidade local.
A Questão da Dengue em Araguaina e a Escola: O universo da Pesquisa
O Município de Araguaína, segundo o IBGE (2010) tem uma população de
aproximadamente 150.000 habitantes, com 57.987 imóveis distribuídos em 116 bairros ou setores.
Os bairros selecionados para a pesquisa foram os denominamos de Setor A e Setor B. O parâmetro
de seleção dos setores foi o seguinte: Setor A – local de maior concentração de casos de infestação
predial e de casos confirmados da dengue, e o Setor B- local de menor índice de casos de infestação
predial e de casos confirmados da dengue. Esses dados dos setores A e B foram baseados no Índice
de Infestação Predial do Centro de Controle de Zoonoses de Araguaína. (CCZ 2009).
Os setores A e B não possuem Escola de Ensino Médio, segundo a Delegacia Regional de
Ensino de Araguaína – DREA. Optou-se, então, por selecionar a Unidade Escolar que atende à
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comunidade do Setor A, denominada aqui de Escola A, e a Escola que atende à comunidade do
Setor B, denominada aqui de Escola B. Com base nessa prerrogativa, foi avaliado junto às duas
escolas se o Projeto Político Pedagógico e os projetos desenvolvidos de Educação Ambiental
contemplam ações voltadas para o combate à dengue. Para avaliar se as ações educativas,
desenvolvidas pelas escolas pesquisadas, são efetivas para a comunidade estudantil e local no
combate à dengue, foram aplicados questionários com perguntas abertas. A fim de lidar com a
diversidade de respostas, as respostas para cada pergunta foram padronizadas segundo as suas
semelhanças, diminuindo, assim, a quantidade de respostas e facilitando a posterior análise. As
perguntas envolviam temas a respeito da doença, como os vetores, as medidas profiláticas, os
sintomas, e a reprodução do mosquito. Este questionário foi aplicado aos alunos das escolas A e B,
e também em domicílios previamente sorteados dos setores estudados.
O inquérito domiciliar foi realizado com a mulher residente da casa ou que cuida da
residência. Para Winch et al.(1991), os entrevistados nestes tipos de pesquisa devem ser as
mulheres, devido ao seu maior conhecimento e responsabilidade sobre questões que envolvam
saúde e também pela sua maior participação no controle doméstico dos locais de criação de
mosquitos. Após a coleta dos dados, esses foram analisados e comparados quantitativamente,
sendo convertidos em números relativos e gráficos, e qualitativamente para posterior discussão.
Com efeito, a escola é um espaço privilegiado como base para o envolvimento da
população no controle de vetores de doenças parasitárias pois envolve membros da maioria das
famílias do bairro. No entanto, durante a execução deste estudo pode-se perceber muita resistência
nas escolas e em fornecer ou apresentar dados referentes às atividades desenvolvidas em EA. Na
Escola A, localizada no bairro periférico da cidade, local de maior incidência de dengue, foi clara a
ausência de atividades da EA ou projetos de outra natureza, voltados para área ambiental, visto que
nenhum desses foram mencionados em algum momento no seu Projeto Político Pedagógico- PPP.
Para Veloso (2007) no PPP de uma escola é importante que os temas que movam nossa
contemporaneidade e dizem respeito à qualidade de vida estejam presentes de forma planejada,
tendo em vista os objetivos que a escola pretende alcançar. É na verdade uma espécie de carta de
intenções e proposições, de compromisso que a Escola, como instituição do Estado, faz com a
comunidade e a sociedade como um todo.
Nessa perspectiva indagamos: Como é pensado o projeto político pedagógico na área de
EA? A escola está preparada para o envolvimento da comunidade local na redução dos números de
casos de dengue? De que forma a escola faz isso? De uma maneira geral buscamos compreender se
a escola possibilita que a EA voltadas para o controle de vetores dialogue com os alunos e alunas e
comunidade local na redução do número de casos da dengue. Segundo Veloso (2007), o educador
ou educadora precisa relacionar o conteúdo a ser trabalhado com o cotidiano dos educandos. É
necessário compreender os problemas que afetam a sua vida, a de sua comunidade a de seu país e a
do planeta.
Para Reigota (2009) a EA, como perspectiva educativa pode estar presente em todo o
contexto escolar, sem impor limites para seus estudantes, pois possui caráter de educação
permanente. Ela, por si só, não resolverá os complexos problemas ambientais planetários, mas
pode influir decididamente para isso ao formar cidadãos e cidadãs conscientes de seus direitos e
deveres. A escola tem a missão de envolver seus alunos não só conscientizando, mas
desenvolvendo práticas junto ao seu alunado na procura de soluções para problemas que afetam a
humanidade. Reigota (2009) afirma ainda que a educação ambiental realizada dentro do ambiente
escolar está comprometida com a ampliação da cidadania, da liberdade, da autonomia e da
intervenção direta dos cidadãos e das cidadãs na busca de soluções e alternativas que permitam a
convivência digna, voltada para o bem comum. E quando a escola deixa de fazer e se ausenta de sua
missão, a sociedade padece colhendo os frutos da falta de ação educativa.
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Na escola B, se constatou um pouco de atitudes referentes à EA, por apresentar no PPP
ações voltadas para a conscientização dos alunos a áreas apontadas para ecologia, tais como: ações
voltadas para a limpeza da escola; de coleta de lixo em volta dos rios e lagos; ao plantio de árvores
em datas comemorativas; eventos de caráter educativo (palestras) na estimulação da conservação da
natureza. Nesta escola ainda se confunde muito Ecologia com EA. Dias (2004) relata que os
professores que dizem fazer EA são estimulados a desenvolver atividades reducionistas com seus
alunos, a bater na tecla da poluição, do “desmatamento”, do efeito estufa, da camada de ozônio ou
então catar latinhas de alumínio e reciclar papel artesanalmente.
Um grande desafio de se fazer EA é envolver toda a comunidade escolar (professores, pais
e comunidade), principalmente na luta contra o mosquito da dengue. As campanhas publicitárias
alertam: “Eu e você não podemos deixar água parada”, dá um sentido de conjunto, de unidade,
todos envolvidos num mesmo objetivo. Cidades que conseguiram diminuir os casos de dengue são
aquelas que envolveram a população no combate dos criadouros do mosquito. No entanto, muitas
dificuldades são enfrentadas pelas escolas: algumas sucateadas, pouco materiais, baixos salário dos
professores, falta de apoio administrativo, falta de políticas públicas e uma série de fatores que
contribuem para que as ações não sejam desenvolvidas de modo operante e para que a Escola não
cumpra com a sua missão integradora.
Nota-se também a diferença entre a escola A e B quanto às características próprias de suas
estruturas. A escola A está inserida num local de baixo poder econômico, e em termos de estrutura,
a escola também apresenta várias deficiências. A Escola B está inserida em bairro de classe média, é
uma escola tradicional da cidade, e oferece uma infra-estrutura melhor do que a Escola A.
Nossos dados comprovam que grande parte dos alunos pesquisados tem noção que
somente a água parada é local de reprodução do mosquito e esqueceu-se de citar a água limpa como
depósito artificial favorável para a proliferação do mosquito. Outro dado a ser considerado, é que
somente os alunos da escola B citaram os criadouros artificiais como um dos locais de reprodução
do mosquito. Justamente o setor que registra baixos focos do mosquito. Estudos feitos pelo Centro
de Controle de Zoonoses de Araguaína, através do seu Plano de Contingência para o controle da
dengue, mostram que os locais de maior incidência são onde se encontram os depósitos positivos,
chamados criadouros artificiais, ou, melhor, o lixo (recipientes plásticos, latas, sucatas, entulhos de
construção). Grande parte dos depósitos positivos é encontrada nas residências, criadouros
produzidos pela própria população, que deixam lixo a deriva para proliferação do mosquito .
Para Gluber (1990) o aumento na produção e no consumo de produtos e embalagens não
recicláveis incrementa a produção do lixo e a proliferação de criadouros potenciais. Para Andrade
(2008), é preciso um programa continuado de educação. Um tipo diferente de educação, que leve a
mudança de hábitos e a um trabalho comunitário, uma intervenção educativa no combate da
dengue. A educação ambiental desempenha um relevante papel nesse trabalho e tem na escola um
espaço privilegiado nessa atuação.
Constatamos também a falta de conhecimento dos alunos sobre a dengue hemorrágica.
Segundo o Centro de Controle de Zoonoses, o vírus da dengue hemorrágica já circulou na cidade
de Araguaína: em 2003, surgiu o primeiro caso da forma hemorrágica; em 2004 ocorreram dois
casos; em 2006 ocorreram três casos; e em 2007 e 2010, um caso com óbito. Geralmente a dengue
hemorrágica está associada aos segundos casos de dengue. Porém, isso não é regra. Assim, 20% da
Escola A e 10% da Escola B que afirmaram ser a dengue hemorrágica a dengue pela segunda vez
erraram. Totalizando, 50% dos alunos entrevistados da Escola A e 60% da Escola B desconhecem
os amiúdes da doença.
O meio mais utilizado pelos alunos para se informarem sobre a dengue é a televisão, para
28% dos alunos da escola A e 32% da escola B, indicando a importância de um veículo de
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comunicação em massa. Reigota (2009) afirma que estes meios de comunicação têm um papel
educativo importante quando difundem filmes, artigos e reportagens aprofundadas enfocando as
questões ambientais e quando promovem debates e dando voz às pessoas que vivem esses
problemas e buscam soluções. Para 21% dos alunos da escola A e 26% da escola B, os agentes de
saúde são importantes meios de informação sobre a dengue. Para eles o acompanhamento desses
agentes nas residências também ajuda na conscientização.
É possível analisar, também, como as escolas estão contribuindo como meio de informação
e intervenção educativa quanto à dengue. Para ambos os alunos das escolas pesquisadas, não se
privilegia a EA no combate a dengue nas escolas, fato que pode ser comprovado numa resposta
dada por um estudante da escola A: “A escola deveria investir mais na conscientização dos alunos,
nos envolvendo em projetos e buscando ajuda do poder público na redução dos casos de dengue
em nosso bairro”.
Os alunos sentem essa necessidade de contribuir de alguma forma na prevenção dos casos
de dengue, como cita este estudante da escola B:
“Eu contribuo falando aos meus pais sobre a necessidade da gente manter um
quintal limpo, virando as garrafas, colocando tampa nos recipientes, como a
caixa d‟agua. Conscientizo meus vizinhos também, por que não adianta nada a
gente manter um quintal limpo e nosso vizinho não cuidar do dele”.
Analisando, agora, as comunidades, a comunidade A é, em sua grande maioria é uma
população de baixo poder econômico. Inicialmente, percebe-se que comunidade A possui mulheres
com menos grau de instrução, pois tem a maior porcentagem de mulheres com 1º grau incompleto
e também de analfabetismo. Cerca de 14% das mulheres entrevistadas não sabem ler ou escrever
Diferentemente das mulheres da comunidade B, visto que as entrevistadas possuem um grau de
instrução maior (primeiro grau e ensino médio completos), ato que pode ser revelado, ainda, nas
respostas dadas por elas mesmas em relação aos conhecimentos prévios da doença.
As moradoras da comunidade A demonstraram mais dificuldade em responder as
perguntas do questionário. Enquanto que as residentes das casas da comunidade B revelaram um
bom grau de conhecimento sobre a dengue. Mas nem sempre o conhecimento está aliado à
mudança de hábito no combate a dengue. Estudos já publicados revelam que os conhecimentos
obtidos pela população sobre a dengue, muitas vezes não refletem na diminuição dos casos
registrados da doença (ROSENBAUM ET. AL. 1995). Segundo Neto et. al. (1998), essa
discrepância entre o conhecimento e prática leva a concluir que a existência do conhecimento não
implica necessariamente em mudanças de atitudes. No entanto, para Reigota (2009), a EA entra
como instrumento de mudança comportamental, com atitudes de conscientização pelo meio
ambiente e a vontade de contribuir para sua proteção e qualidade.
Destacamos o fato deu que para quase 40% dos moradores da comunidade A, a dengue é o
mosquito Aedes aegypti, mostrando certa confusão entre a doença e o mosquito. A pesquisa também
revela a dificuldade que algumas moradoras da comunidade A ainda tem em reconhecer o mosquito
da dengue, visto que 45% das mulheres entrevistadas não conseguiram identificar o mosquito Aedes
aegypti como vetor da doença.
Em relação ao meio mais utilizado pelos moradores para se informarem sobre a dengue,
aproximadamente 42% das entrevistadas da comunidade A afirmaram ter o agente de saúde como
um veículo de informação sobre a dengue, superando até a televisão, que é um veículo de
comunicação em massa. A importância do papel dos agentes de saúde não se pode negar que é de
grande valia, pois eles acompanham de forma mais direta as residências, contribuindo com medidas
profiláticas, mas, por outro lado nota-se também que às vezes as donas de casa se tornam passivas e
esperam somente pelo poder público.
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Oliveira (1998) coloca entre esses motivos a confiança exagerada, por parte das autoridades
governamentais, nas rotinas de visitas dos agentes e o papel passivo das comunidades na condução
do problema. A participação da comunidade recebendo esses profissionais é de grande importância,
mas isso só terá êxito com a efetiva participação das comunidades na redução dos números de
focos da dengue. Como afirma uma moradora da comunidade A:
“Recebo de braços abertos os agentes de saúde dando espaço para as equipes e
dando espaço para as orientações. Sigo a risca, todas as orientações. A gente tem
criança, pessoas idosas, sempre tenho cuidado. Direto a gente tá olhando para
não deixar água acumular em lugar nenhum”.
Segundo Agentes do Centro de Controle de Zoonoses, muitos moradores não tem essa
preocupação o que reflete no número de focos encontrados em muitas residências como argumenta
esse agente do CCZ: “A gente chega em várias residências em que o morador reside e há aquele
verdadeiro descaso. A gente orienta, fala como se deve evitar..., Dá até um certo cansaço porque
as pessoas não fazem nada com referência àquilo que a gente tá falando”.
Andrade (1997) argumenta que os mosquitos vetores picam durante o dia e se procriam no
ambiente urbano, nas residências e nos locais de trabalho, em água limpa acumulada em recipientes
que a população mesmo gera. Quase todos sabem disso, mas não cuidam. São encontrados vasos
de plantas aquáticas criando larvas do vetor Aedes aegypti nas secretarias de escolas ou em drogarias,
ao lado de cartazes sobre o assunto. Criam-se também em aquários tidos como amuletos do
candomblé para dar sorte, ou em cacos de garrafas sobre o muro para proteger de ladrões.
Considerações Finais
O objetivo da EA não é só acumular conhecimento, mas sim fazer com que esse
conhecimento possibilite e amplie a visão da participação da defesa e da melhoria da qualidade de
vida. No caso da dengue, isso se torna essencial, sendo importante para qualquer cidade que queira
reduzir os casos de dengue e proporcionar aos seus cidadãos melhorias na qualidade de vida. Para
Dias (2004), a escola é um local favorável na mobilização com as comunidades locais construindo
uma educação ambiental crítica, participativa e emancipatória.
A comunidade escolar é mais uma entre as diversas forças chamadas ao engajamento de
forma efetiva para o combate da dengue. Pedrini, (2002) fala da necessidade de uma ação
continuada de conscientização pela mudança de hábitos na população como um fator fundamental
e imprescindível no controle e na expansão do vetor. Apesar disso, neste estudo evidencia-se ainda
que no município de Araguaína, as ações de educação ambiental estão longe de ser realmente
implementadas.
Apesar de haver uma grande contribuição por parte das políticas públicas na manutenção
dos agentes de saúde, a população ainda apresenta dificuldades no envolvimento com o combate à
doença e no reconhecimento da gravidade. Pode se constatar ainda, que os conhecimentos que as
comunidades estudantis e locais possuem não estão relacionados com as atividades educacionais
desenvolvidas pela EA oferecidas pelas escolas. Ou seja, os conhecimentos que as comunidades
têm sobre a dengue não vêm pela escola, mas sim por outros meios aqui já comentados ou
desconhecidos, que não possuem nenhum caráter ambiental.
Não obstante, a meta de qualquer instituição de ensino que prima pela EA é proporcionar
aos seus alunos um local favorável à propagação de uma educação permanente e que promova a
saúde, constituindo, assim, uma comunidade sem dengue. A escola não deve cruzar os braços
diante de sua missão, mas deve fazer isso de forma sistemática e cobrando das autoridades
competentes a sua participação na busca de uma sociedade mais saudável. A escola forma cidadãos
e os professores são formadores de opinião, assim, em tese, se consegue formar gerações mais
conscientes que lutam por melhorias na qualidade de vida. Por fim, vale dizer, que os resultados
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aqui citados não são inteiramente conclusivos e, por isso, recomenda-se novos trabalhos nesse
âmbito, tanto local quanto nacional.
Referências bibliográficas
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Trabalho enviado até 30/04/2011 Recebido em 30/04/2011
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MÁRIO PEDERNEIRAS E A BELLE ÉPOQUE NO RIO DE JANEIRO EM
FINS DO SÉCULO XIX/DO INÍCIO DO SÉCULO XX
Luciana Marino do Nascimento
Docente do Programa de Pós-Graduação em Letras
Linguagem e Identidade-Universidade Federal do Acre
Resumo: Cronologicamente, considerado como poeta simbolista, Mario Pederneiras também
tematizou a euforia da Belle Époque tropical, o cotidiano da cidade, exerceu o chamado jornalismo
mundano. Por considerarmos estes aspectos de importância para estudo de sua obra, pretende-se
neste trabalho, tecer algumas considerações acerca das relações entre literatura e experiência urbana,
considerando a cidade como palco para encenação da modernidade nascente na sociedade
brasileira. De acordo com Ronald Carvalho, Mario foi mal julgado pela crítica, tendo esta apenas
dado relevo aos aspectos “penumbristas“ de sua obra, sem ter levado em conta os aspectos mais
modernos da temática das ruas e da vida
Palavras-chave: Belle Époque, Mario Pederneiras, Modernidade.
Abstract: Chronologically viewed as a symbolist poet, Mario Pederneiras also tackled the euphoria
of Tropical Belle Époque, the daily life of the city and practiced the so called worldly journalism. As
these aspects are considered important to the study of his work, the current work intends to think
about the relations between literature and urban experience, considering the city as the venue for
staging of the rising modernity in Brazilian society. According to Ronald Carvalho, Mario was
misjudged by the critics who have only emphasized the "Penumbristas" (shadowing) aspects of his
work, without taking into account the most modern aspects of the theme on streets and life.
Keywords: Belle Époque, Mario Pederneiras, Modernity.
A atuação do literato na cidade correspondeu a um processo de Modernização do espaço
urbano e a cidade se destacou como palco de lutas e como fonte de idéias, de inovação, de paixão,
de violência, de fascinação e de medo. Todas essas sensações puderam ser apreendidas pelos seus
habitantes fossem eles poetas, escritores, políticos ou cidadãos comuns. A cidade emergiu como
tema literário e o espaço urbano passou a ser recorrentemente captado e reinventado pelo discurso
literário.
O fim do século XIX apresenta-se como um período fortemente marcado pela cidade
enquanto tema trabalhado tanto na prosa como na poesia. O referente urbano foi captado
recorrentemente pela literatura, como salienta Maria Esther Maciel:
Poe e Baudelaire souberam dizer desse fervilhar da cidade moderna do século
XIX, percorrendo com o olhar, as vitrines e as ruínas de Londres e Paris.
Cantando sua multidão indecifrável e fugidia. Atentos principalmente ao lixo, ao
que a cidade dispensou, esqueceu ou perdeu. (MACIEL,1995, p.57-58)
Segundo Benjamin, foi com Baudelaire que Paris se converteu em tema lírico, inaugurando
uma verdadeira galeria de imagens da cidade, construídas pela literatura. (BENJAMIN, 1991, p.3839).
No Brasil de fins do século XIX/início do século XX também vivemos a experiência do
advento do espaço urbano moderno e muitos dos nossos escritores seguiram a tendência em
tematizar a cidade e o movimento das ruas, entre eles, citamos Mário Pederneiras.
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Pederneiras foi tributário de Baudelaire, tendo sido elencado por Antonio Candido como
um dos “primeiros baudelairianos”. O panorama literário da época de Mário Pederneiras
corresponde ao chamado período da Belle Époque, período este que compreende os anos de 1896 a
1914. De acordo com Gilberto Mendonça Teles, foi um período marcado por variadas tendências
literárias; época da boêmia literária, dos cafés, boulevards e da Boêmia dourada. Antonio Candido em
seu ensaio “Os primeiros baudelairianos” elenca uma série de poetas da Belle Époque, destacando a
voga de Baudelaire entre nossos poetas.
No tocante às “poses da moderrnização” (COUTINHO, 2000), esses poetas incorporaram
em seus repertórios, a euforia do moderno, as transformações urbanas, o imaginário cosmopolita,
novas formas de sociabilidade, que eram instituídas na sociedade brasileira, conforme nos afirma
Nicolau Sevcenko ”acompanhar o progresso, significa acompanhar o ritmo e os desdobramentos
da sociedade européia”. Brito Broca, em seu livro “A vida literária dos 1900”, considerou que no
panorama literário havia uma euforia cosmopolita:
Os escritores superestimavam essa modernização da cidade, atribuindo ao Rio,
em contos, romances e crônicas, ambientes e tipos que na realidade aqui não
existiam. E os requintes de civilização, prevalecendo na parte urbana da
metrópole, iam fazendo naturalmente com que os velhos costumes, recuassem
para a zona suburbana. (BROCA, 1960, p.5)
Mario Pederneiras também foi literato atuante na nossa Belle Époque tropical, ao lado de João
do Rio, Elisyo de Carvalho, Luís Edmundo, entre outros. Cronologicamente, considerado como
poeta simbolista, Mario Pederneiras também tematizou a euforia da Belle Époque tropical, o
cotidiano da cidade, exerceu o chamado jornalismo mundano. Por considerarmos estes aspectos de
importância para estudo de sua obra, pretende-se neste texto, tecer algumas considerações acerca
das relações entre literatura e experiência urbana, considerando a cidade como palco para
encenação da modernidade nascente na sociedade brasileira. De acordo com Ronald Carvalho,
Mario foi mal julgado pela crítica, que por seu turno deu relevo apenas aos aspectos “penumbristas“
de sua obra, sem ter levado em conta os aspectos mais modernos, como o tema das ruas e da vida
social e a sua participação como um dos fundadores da Revista Fon Fon, importante órgão literário
da época.
Em seu poema “A Rua”, Pederneiras à moda baudelairiana e também seguindo os passos
de seu contemporâneo João do Rio, expõe a rua como espaço atraente para o literato e por meio do
flâneur se coloca a recortá-la em busca de materiais para sua poesia. De acordo com Walter
Benjamin, “a rua se torna moradia do flâneur” (BENJAMIN, 1991, p.63):
Eu considero a Rua
O melhor livro de Filosofia...
Na sua Vida que palpita e atua,
Há todo um método de ensinamento,
Desde o que prega risos e alegria,
Ao que doutrina mágoa e sofrimento.
Tal qual o “flâneur” baudelairiano, o andarilho-poeta, Perdeneiras nos mostra o
movimento, a multidão, signos do progresso e da modernidade, espaço democrático por excelência
onde os opostos se encontram:
É nela que se iguala o rumo demarcado
Do homem feliz, sincero ou falso,
E do grave senhor solene e douto,
Ao indeciso rumo aventurado
Do monstro infeliz de pé descalço
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E de sapato roto.
O flâneur recolhe, sob seu olhar aguçado e fragmentário, matéria para a sua poesia. Como
Constantin Guys, o pintor descrito por Baudelaire em “O pintor da vida moderna”, que após
percorrer o espaço urbano, passa para a tela o que armazenou na memória, com a qualidade de um
novo olhar, como o faz Pederneiras, na crônica intitulada A Mulher e a Rua, publicada na Revista
Fon Fon, de 1914:
(...) as mulheres estão mais lindas. Outras devem ser as causas desta espécie de
renascimento do nosso mundo feminino. Para mim, a mulher carioca de hoje,
sofre, como a Cidade os efeitos da civilização (...). Ora se a cidade e o homem
ganharam com a civilização era natural que a mulher também aproveitasse desse
delírio de renovações. E a aproveitou em beleza e elegância .(PEDERNEIRAS,
1914. Apud. OLIVEIRA, 2008, p.86)
O Rio de Janeiro como cidade modernizada tornou-se espaço propício ao surgimento de
uma nova mulher. Assim, as imagens da cidade conformadas à imagem da mulher moderna,
sedutora e elegante circularam no imaginário de nossos literatos como fruto da beleza e da
civilização moderna. Claudia Oliveira (2008. p.86) destaca que esta imagem de “cidade-mulher”
estava apoiada em um discurso que tinha suas raízes em uma percepção de fins do século/início do
século XX sobre o feminino e sobre a cidade e ambas simbolizavam objetos que aguçavam os
sentidos. Cidade e mulher na visão dos literatos eram objetos que adquiriam contornos sexualizados
e eram parte de uma mesma cena, conjugando uma idéia de feminilidade teatral, pois a própria rua
tornava-se palco e espaço para exibição feminina. As características femininas mais sedutoras eram
construídas pela ótica do literato e do fotógrafo para o olhar do público masculino. A imagem da
mulher desejável se justapunha à imagem da cidade moderna, reurbanizada e ambas evocavam uma
sexualidade típica da passante, a transeunte tematizada por Baudelaire no soneto “A uma Passante”:
O modernismo elegante das cariocas de hoje, em trottoir pela Avenida, de saia
curta, de fazenda clara, a caminho das compras, do chá na Cavê ou das
indiscrições… da porta da „Gazeta‟,todo esse mundo diário que por aqui rola e
se expande, põe qualquer coisa de pitoresco neste trecho da vida, que
calmamente observo da janela. (PEDERNEIRAS, apud. OLIVEIRA, 2008,
p.209)
A figura feminina foi sendo reinventada e reconstruída da alcova para o espaço público das
ruas da cidade, espaço esse antes destinado exclusivamente ao público masculino. Dessa forma,
espaços de sociabilidade como as Confeitarias, as Avenidas, os bondes passaram a ter a freqüência
do público feminino, que por seu turno passou, então, a se exibir diante do olhar masculino. No
imaginário masculino do início do século XX, o erotismo das figuras femininas estava relacionado à
imagem das deusas, pelo seu caráter de algo inatingível, demarcando outro espaço na sociedade, ou
seja, as mulheres são para serem vistas e não somente para estarem na alcova. Essa imagem da
mulher ganha espaço na cena escrita de Pederneiras, sendo descrita com contornos eróticos e
sedutores. A cidade moderna se converteu em ambiente libertador para a mulher, pois nas primeiras
décadas do século XX, elas descortinaram novas formas de sociabilidade, abrindo sua própria
senda, nos mais distintos espaços da cidade e a cidade transforma-se em uma espécie de vitrine a
seduzir quem a atravessa.
Referências Bibliográficas
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BENJAMIN, Walter. Sociologia. São Paulo: Brasiliense, 1991.
BROCA, Brito. A vida Literária-1900. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960.
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Temas, V.1. Estudos Literários. São Paulo: Editora Ática, 1987.
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MACIEL, Maria Ester. O cemitério de papel – Imagens da cidade na poesia de Augusto dos Anjos.
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FALE/UFMG, v. 15, n.19, jan./dez. 1995.
OLIVEIRA, Cláudia. A „Vênus Moderna‟: Mulher e Sexualidade nas Ilustradas Cariocas Fon-Fon!,
Selecta e Para Todos…, entre 1900-1930. Mneme. Publicação do Departamento de História e
Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ensino Superior do Seridó
– Campus de Caicó, v. 5, n. 11, jul./set. de 2004. – Semestral ISSN 1518-3394.Pp. 85-100.
Disponível em: www.cerescaico.ufrn.br/mneme
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão. São Paulo: Brasiliense, 1983.
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FOLCLORE E EDUCAÇÃO: UM DIÁLOGO PERTINENTE
Magno Francisco de Jesus Santos (FJAV)
Resumo
Ao adentrar na sala de aula o professor se depara com uma difícil missão: aproximar os conteúdos
programáticos da disciplina com a realidade vivenciada pelos alunos. Saberes formais e cotidianos
parecem caminhar por sentidos opostos, distanciando-se cada vez mais. Nesta perspectiva, esse
artigo tem como propósito apresentar o folclore como instrumento de aproximação do aluno com
sua realidade vivenciada, tornando-se um mediador entre o conhecimento formal e o informal.
Palavras-chave: folclore, educação, transformação.
Resumen
Al entrar en el aula el profesor se enfrenta con una difícil misión: llevar el programa del curso con la
realidad que enfrentan los estudiantes. Conocimientos formal y informales parecen caminar
direcciones opuestas, distanciándose cada vez más. En esta perspectiva, este artículo tiene como
objetivo presentar el folklore como estudiante de aproximación por instrumentos y la realidad
experimentada por convertirse en un mediador entre el conocimiento formal e informal.
Palabras claves: folclore, educación, transformación;
Uma breve incursão no ensino
O sistema educacional brasileiro entrou no século XXI em crise, pois vive o difícil
paradoxo de obter resultados quantitativos e qualitativos. Na era da informação em que as barreiras
da comunicação são diluídas a educação ganha um novo respaldo, pois passa a ser um instrumento
de socialização, de inserção do alunado no mundo da informação. O tema passa a ganhar maior
espaço na mídia, nos discursos políticos, nas propostas de empresários, sem, contudo, promover
um debate de maior amplitude com os maiores interessados: a população.
A proposta de democratização no âmbito escolar já vem sendo discutida a um tempo
considerável. No entanto, as medidas de efetivação são escassas e com resultados pouco
animadores. Isso se deve, em muitos casos, pelo fato da democratização ter sido implantada
sorrateiramente as pessoas, tentando adequar-se às propostas que são impostas pelo Estado nas
esferas municipais, estaduais e nacional. Democracia sem diálogo é uma invenção da escola
brasileira, pois na maioria das vezes, o que é denominado de democracia na escola consiste apenas
na apresentação de decisões do corpo administrativo aos alunos, professores e em alguns casos, a
comunidade.
Outro problema atender ao campo educacional é o fascínio pelo novo. A escola brasileira
está sempre em busca das novidades, com rejeição compulsória ao antigo. Sabemos que conhecer
as novidades é relevante, mas em contrapartida o novo nem sempre é o mais adequado. Usando da
metáfora comercial, o país parece viver a liquidação do novo. São novas tecnologias, metodologias,
modalidades e conhecimentos, que pouco esclarecem na preparação de uma escola engajada com a
transformação da sociedade. Pouco adianta dispor a escola de recursos com elevada tecnologia se
os profissionais não estão capacitados para usufruir ou se o projeto político pedagógico da escola
não se propõe a mudar a realidade social da comunidade. O novo e o moderno por si mesmo nada
transforma.
Geralmente, a implantação das novas tecnologias da informação e comunicação ocorre sob
o discurso da inclusão. Esta, aliás, consiste numa palavra usada constantemente pelos setores
dominantes da sociedade. É preciso incluir, levar os alunos às escolas, dispor estas de tecnologias,
reduzir o número de analfabetos, aumentar o número de portadores de diploma superior. Da
década de 1990 pra cá o país sofreu uma verdadeira avalanche de criação de cursos e instituições de
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nível superior. A universidade que outrora era para pouquíssimas, para uma elite, de imediatos
passou a ser para todos. Com a visão neoliberal, as nossas autoridades descobriram que só existe
um caminho na inclusão social: a escola. Assim, a legislação e os investimentos direcionados do
Estado passaram a fazer com que a escola se transformasse em um teatro de sombras, no qual se
reproduz a exclusão sob o pretexto da inclusão. Em síntese, ocorre a política de diplomar os
excluídos.
Uma causa possível para essa situação aterrorizante é a busca por resultados imediatos.
Buscamos reverter os longos séculos de exclusão e de negligencia com o campo educacional em
apenas uma gestão. Sabemos que em educação a busca exasperada por resultados imediatos é um
grande risco. Reverter o quadro de exclusão pelo viés educacional incumbe em ter paciência,
investir na qualificação continuada dos profissionais e, principalmente, um diálogo permanente com
a comunidade na resolução dos problemas que afligem a todos. Pautados no imediatismo,
superlotamos as escolas de criança e jovens, que devem permanecer na sala em troca de um
benefício a renda familiar sem nenhuma conexão ou compromisso com a aprendizagem. Para
piorar o quadro, o professor ser vê obrigado a aprovar compulsoriamente. Na dicotomia
qualidade/quantidade o primeiro é completamente sufocado pelo segundo. Não importa se temos
profissionais diplomados incapazes de promoverem um debate, ou simplesmente diplomados
incapazes de promoverem um debate, ou simplesmente, de encadear um raciocínio lógico. A
importância está nas cifras a serem atingidas, são os números.
Diante desse quadro pouco animador, como fica designado o papel do professor? Acatar as
decisões impostas pelas instancias superiores parece que tem sido a postura mis plausível. Todavia,
uma indagação permanece pairando sobre o ensino, que consiste na busca de um meio de converter
o ensino reprodutivista em um ensino transformador, propiciador da liberdade intelectual, da
autonomia. Um ponto crucial na busca por essa educação transformadora é despertar o interesse do
alunado, prender a atenção do público estudantil.
Neste sentido, nesse artigo propomos discutir o folclore como um instrumento de
aproximação do aluno com sua realidade vivenciada, ou seja, como o mediador entre o
conhecimento formal necessário a formação e o conhecimento informal, fortalecedor da
identidade, pertinente a esfera social na qual o aluno está inserido. Trata-se de uma proposta de
diálogos entre o folclore e a educação, no intuito de engendrar uma nova possibilidade de fortalecer
a identidade e, principalmente, de lançar um olhar sobre a realidade vivenciada, o cotidiano do
alunado.
A discussão consiste no embate tratado entre alguns dados empíricos obtidos com o
projeto desenvolvido no ensino de História na rede municipal de Itaporanga d‟Ajuda e o leque
conceitual de Florestan Fernandes. Para enveredar essa discussão, o texto foi dividido em dois
momentos: no primeiro, estão apresentados alguns pontos concernentes ao folclore, com a
conceitualização e a metodologia de investigação, na perspectiva de Florestan Fernandes. Por fim,
no segundo momento têm-se a questão do folclore discutida na escola, como artifício de
fortalecimento da identidade, da consolidação da cidadania, de introjeção dos primeiros passos a
consciência transformadora.
Neste sentido, o objeto de estudo desse artigo é o folclore. Todavia deve ser lembrado que
o foco não fica restrito ao folclore, pois o fulcro ao debate é a relação entre o folclore e a educação
na perspectiva de Florestan Fernandes. Trata-se de uma proposta de inserir o debate acerca das
diferentes perspectivas das manifestações folclóricas na escola. É importante ressaltar a total
rejeição de trabalhar o folclore como algo exótico, vinculado a uma cultura pertinente a uma
temporalidade exógena, de outrora. A idéia desse debate consiste em apresentar o folclore como
uma expressão da cultura, viva e dinâmica, reatualizada constantemente pelos sujeitos sociais.
Assim, o olhar do aluno direcionado sobre tais manifestações não enxergará o ultrapassado, a
expressão cristalizada do superado, mas sim a expressão viva de seu tempo, de seu cotidiano.
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O Ponto de partida: o folclore
O folclore passou a ser estudado com maior veemência a partir do século XIX, período no
qual foi observado que a modernidade estava sucumbindo às manifestações populares. A partir
desse momento desencadeou-se uma série de estudos a cerca de tais manifestações, tanto na
Europa como no novo mundo. Múltiplos olhares se debruçaram sobre o universo folclórico,
propiciando uma literatura diversificada e, fundamentalmente, heterogenia.
No Brasil diferentes intelectuais tiveram como objeto de estudo o mundo folclórico,
resultando estudos originais com interpretações e principalmente no levantamento de dados, no
registro das manifestações folclóricas. Este aspecto é imprescindível na investigação sobre tal
temática, pois pressupõe num passo fundamental na preservação dos dados para futuras gerações
de pesquisadores predisporem de material para atenuar novos estudos. Arrolar informações
detalhadas sobre o folclore constitui uma das primeiras etapas da investigação científica a respeito
do campo folclórico. Sem o rigor dessa etapa todas as demais ficam comprometidas.
Os primeiros estudos de folclore no país tiveram essa preocupação com o registro. A
intelectualidade do final do século XIX e início do XX tinha como principal atribuição registrar as
diferentes mudanças do universo folclórico. Tratava-se de pesquisadores-viajantes que observavam
o campo e registravam a impressão do seu olhar. É bem verdade que muitos desses registros hoje
são alvos de desconfianças de suspeitas quanto ao rigor de registros. Todavia, suspeitos ou não,
esses registros constituem numa valiosa fonte de informações sobre a realidade das camadas
populares do Brasil naquele período. A relevância desses dados consiste no fato do folclore
oferecer:
Um campo ideal de investigação para os cientistas sociais. É que ele permite
observar fenômenos que lançam enorme luz sobre o comportamento humano,
como a natureza dos valores culturais de uma coletividade, as circunstâncias ou
condições em que eles se atualizam, a importância deles na formação do
horizonte cultural de seus portadores e na criação ou na motivação de seus
centros de interesse, a relação deles e das situações sociais em que emergem com
os sentimentos compartilhados coletivamente, a sua significação como índice do
tipo de integração do grau de estabilidade e do nível civilizatório do sistema
sócio-cultural (FERNANDES, 1978, p. 13-14).
Como se pode perceber, a riqueza de possibilidades de reflexão propiciada pela
documentação folclórica é altamente diversificada. As diferentes facetas da sociedade podem ser
reveladas pelas lentes do folclore, tanto as de cunho psicológico, como as meramente sociológicas,
pois essas manifestações expressam o homem no coletivo, a interação de uma emerge em meio às
manifestações folclóricas possibilitando ao pesquisador o vislumbramento.
O primeiro grande pesquisador brasileiro a respeito das questões folclóricas foi Sílvio
Romero. Para comparar seus estudos críticos, o pesquisador lagartense registrou diferentes
manifestações populares do país, que resultaram em obras como Contos Populares do Brasil e
Cantos Populares do Brasil. Trata-se de uma pesquisa de fôlego, que buscou concatenar as mais
diversas expressões do País. De oração de rezadeiras à cantaria do reisado, de festas religiosas aos
contos populares. Tudo isso foi registrado por Romero, criando um acervo documental do folclore
de sua época de valor inestimável, ainda pouco analisado pelos intelectuais do nosso tempo. A
pesquisa de campo do autor em questão foi exaustiva reunindo dados que dificilmente outros
pesquisadores do país conseguem reunir.
Seus dados atualmente recebem uma série de críticas, questionando-se a credibilidade e o
rigor dos registros. Realmente percebe-se que o rigor em alguns momentos pode gerar
desconfianças, principalmente quando se trata das fontes das informações, quase sempre ocultadas,
ou mesmo no que refere na ausência de especificações do local de registro. São dados importantes
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que infelizmente o autor não teve interesse em dispor. Contudo, essa carência de dados sobre a
origem de suas anotações não desmerecem o valor das obras do autor. Romero foi um raro
intelectual que buscou descrever o que via, resultando numa documentação imprescindível sobre as
tradições populares de sua época. Além disso, deve ser lembrado que além de não ser um
antropólogo de formação, Sílvio Romero foi um pesquisador que atuou a mais de cem anos, sendo
um homem do seu tempo, com valores próprios e métodos de sua época. Se faltaram especificações
das fontes é por que isso era tolerável. Para Florestan Fernandes:
O valor de sua contribuição ao estado do folclore brasileiro ainda não foi
convenientemente salientado. Até os que se aproximaram mais de um juízo
exato ficam muito aquém de uma avaliação equilibrada e aceitável. Não há
dúvida de que Sílvio Romero não é o único grande folclorista brasileiro. Mas é o
nosso primeiro folclorista representativo (FERNANDES, 1978, p. 177).
Salientando o pensamento de Fernandes, a documentação gerada por Sílvio Romero pode
gerar pesquisas frutíferas, especialmente para o campo da história, que nos últimos decênios vem
aproximando-se da Antropologia com a chamada História cultural. As obras de Romero poderiam
servir como uma fonte fundamental na investigação sobre a história cultural dos regimentos
populares do Brasil no fim do século XIX. Além disso, as obras também podem ser de fundamental
relevância para os professores, no desenvolvimento de estudos comparativos com os alunos Sílvio
Romero registrou diferentes manifestações folclóricas de Sergipe. Caso o professor utilize tais
dados para serem debatidos em sala de aula e se predisponha a realizar um novo levantamento, com
participação dos alunos, dos folguedos atuais ele poderá evidenciar inovações substanciais. Seria um
meio de mostrar a cultura como algo dinâmico, que se adéqua constantemente às novas conjunturas
sociais. Dessa forma o professor estaria mostrando que ao contrario do que muitos pensam, o
folclore não é a sobra do tempo passado, a sobrevivência do ontem, uma relíquia cristalizada, mas
sim o passado reelaborado, adequado ao presente, à realidade vivenciada pela comunidade. Por esse
ângulo, o folclore seria uma ponte que une passado e presente, ou seja, o presente dialogando com
a tradição.
Passado e presente em um constante diálogo, em processo dialético de influência no qual a
tradição se rende à modernidade, reatualizando a expressão cultural e redefinindo os traços
identitários. O folclore só consegue sobreviver se for engendrado pelo aspecto da dinamicidade, se
conseguir ser reestruturado e adaptado aos novos cenários constituintes do tecido social. Assim,
uma possível cristalização das tradições folclóricas como pregam alguns entusiastas do saudosismo,
incumbiria na perda de sua vitalidade, no enfraquecimento dos laços identitários
comunidade/manifestações. Se a tradição sobrevive nos dias atuais não é simplesmente em
decorrência de sua relevância no passado, mas sim porque diz algo sobre o presente.
Observando por esse ângulo fica evidente o caráter pedagógico do folclore. Ao contrário
do que ocorre constantemente nas escolas, ele não é um instrumento exclusivo dos estudos sobre o
passado, mas primordialmente do presente. Trata-se de um enfoque que dialoga com o passado,
sem perder a dimensão da atualidade. Com isso, “a situação social dos indivíduos determina as
condições gerais de seu modo de vida, permitindo e fazendo-os participar de certa maneira do
patrimônio cultural de seu grupo” (FERNANDES, 1978, p. 43)
Devemos lembrar que um dos pontos essenciais do folclore é a oralidade, pois tratam-se de
conhecimentos que são perpetuados por meio dos ensinamentos de uma geração para outra,
pautados substancialmente na oralidade. Isso nos faz entender como ocorrer o processo de
reatualização, pois na transmissão desses saberes ocorre também a adaptação das tradições ao novo
contexto. O homem é dinâmico, vivendo em constante processo de transformação e isso propicia a
mudança de valores, crenças e saberes. Neste sentido, ganha importância a conceito de fato
folclórico, que pode ser entendido como:
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O fato folclórico se caracteriza pela sua espontaneidade e pelo seu poder de
motivação sobre os componentes da referida coletividade. A espontaneidade
indica que o fato folclórico é um modo de sentir, pensar e agir, que os membros
da coletividade exprimem ou identificam como seu, sem que a isto sejam
levados por influência direta ou instituições estabelecidas. O fato folclórico,
contudo, pode ressaltar tanto de invenção como de difusão. (FERNADES,
1978, p. 25)
Como se pode perceber o fato folclórico, na concepção de Florestan Fernandes, está
intrinsecamente ligada à questão da identidade. A idéia de pertencimento permeia todo o conceito.
Além disso, outro enfoque relevante é que ele inclui o elemento da invenção. O fato folclórico não
fica restrito à difusão de saberes, a reprodução de um viés tradicional, mas também abre espaço
para as inovações, para a criatividade social.
Folclore e educação: paradoxos de um diálogo necessário.
Uma das missões atribuídas ao papel do professor é a transformação da realidade do aluno
por meio do ensino. Essa missão indigesta, embora desafiadora, acaba por gerar situações
conflitantes e sem direcionamento no campo de ensino. Sabe-se que a educação isoladamente não
solucionará os sérios problemas sociais gestadas em quinhentos anos de exploração e segregação
social. Apesar do prestígio do verbo inclui em nossos meios de comunicação, a sua práxis se torna
cada vez mais uma tarefa árdua e difícil.
Um ponto crucial a ser solucionado é a definição do papel da escola. Ela por si mesma não
levará a transformação da sociedade. Isso seria algo tributário de um novo “entusiasmo pela
educação” ou mesmo de um “otimismo pedagógico”. Uma das funções da escola moderna é
propiciar a autonomia, engendrar os elementos constitutivos da busca pela construção da
autonomia de pensamento, ou seja, a libertação intelectual. Neste sentido,
Uma das tarefas mais importantes da prática educativo - crítica é propiciar as
condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos
com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se.
Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante,
transformados, criados, realizados de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de
amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer- se como objeto
(FREIRE, 1997, p. 46).
Assim, educador poderia ser visto como dedicar-se radicalmente à transformação social, ou
menos, se predispor a lançar os germes para tal com a construção da autonomia intelectual. Esse
discurso assume uma maior relevância e lucidez quando se trata do ensino público, no qual está
inserido a maior parcela de alunos provenientes dos segmentos marginalizados de nossa sociedade.
É com essa parcela da população que a palavra transformação ganha sentido. Educar não somente
para reproduzir um conhecimento, mas sim, para tentar constituir uma realidade renovada a partir
da reflexão do meio ao qual a comunidade escolar está inserida. Com isso, busca-se “saber do
futuro como problema e não como inexorabilidade” (FREIRE, 1997, p. 85).
Propiciar um ensino voltado para a transformação constitui tarefa árdua, que quase sempre
resulta em resistência de várias partes. Uma forma de tentar inibir a resistência do alunado é buscar
conhecer a realidade na qual ele está inserido, conhecer o cotidiano da população que margeia a
escola. É neste sentido que o folclore assume uma postura educacional, tornando-se não só um
eficiente instrumento pedagógico, como também, fortalecendo os laços identitários, ao passo que
propicia o inusitado fato da escola redescobrir a comunidade a qual está inserida, o folclore possui
uma relevante tenacidade socializadora, ensinando a agir como ser social, ao passo que propicia a
cooperação, competição e cumprimento das regras sociais. Para Florestan Fernandes “o folclore
possui uma valor educativo. Pelo jogo e pela recreação, a criança se prepara para a vida, amadurece
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para tornar-se um adulto em seu meio social” (FERNANDES, 1978, p. 62). Assim a criança passa a
introjetar valores como amor, obrigações, lealdade e a diferença entre o bem e o mal.
Por essa perspectiva, o folclore teria como missão engendrar na infância os valores sociais
de seu grupo. Seria a criação de um microcosmo infantil tendo como reflexo a sociedade adulta.
Com o folclore aprende-se brincando, pois por meio de brincadeiras infantis introjetam-se valores
vigentes no grupo social. Essa visão leva-nos a crer que o folclore teria como função, por essa ótica,
reproduzir a sociedade. Todavia, Fernandes alerta sobre a missão pedagógica do folclore, na ordem
do pedagogo, alertando que para este não importa como e o que a criança aprende, mas o que ela
pode fazer com o que aprendeu (FERNANDES, 1978, p. 63).
Deve-se lembrar também que, pelo próprio caráter do folclore, ele pode ser visto como
recurso educativo extrapolando os limites da brincadeira. O cotidiano das crianças do meio rural e
até mesmo a periferia dos núcleos urbanos é fortemente marcado pela presença da altivez
folclórica. Como já foi exposto anteriormente, o folclore constitui um elo que une passado e
presente, é o diálogo entre a tradição e a modernidade. Aferindo-se a esta característica do folclore
ele pode propiciar instigantes resultados no ensino vinculado à busca pela autonomia.
Isso se torna possível graças ao aspecto didático presente em muitas manifestações do
folclore. Grupos como cheganças, congadas, cacumbis, taieiras e lambe-sujos podem ser
vislumbrados como uma encenação representativa de outrora. Constituem a realização de enredos
que se perpetuaram na tradição, por meio da repetição e da oralidade. Por esse viés, o professor
pode usar tais apresentações como um eficiente recurso didático, pois a teatralidade dos grupos
propiciaria a exposição de cenas que retratam conflitos, exploração, exclusão, marginalidade ou até
mesmo esplendor econômico-social.
O folclore pode, neste caso, servir aos professores como instrumento que auxiliem no
reforço dos laços identitários. É uma forma de reafirmar a relevância histórico-social de diferentes
grupos sociais, evidenciando suas trajetórias marcadas por lutas, dominação e resistência. Somente
conhecendo a trajetória histórica de seu grupo social é que se torna possível ao aluno desperta-se
para a sua realidade, fazendo-o questionar a sua situação de marginalidade, antes vista como natural.
Partindo do pressuposto de que as sociedades são constituídas historicamente e que a dominação e
a subseqüente exploração se dão socialmente, o folclore pode tornar-se um eficiente instrumento de
promoção da autonomia intelectual, pois se for bem usado provocará no aluno o questionamento
da sua realidade. Segundo Paulo Freire:
É o saber da História como possibilidade e não como determinação. O mundo
não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente,
interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel
no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem
intervêm como sujeito de ocorrências. Não sou apenas objeto da História, mas
sou sujeito igualmente. No mundo da História, da cultura, da política, constato
não para me adaptar, mas para mudar (FREIRE, 1997, p. 85-86).
Esse aspecto transformador imbuído no ensino pode se consolidar utilizando-se da
segunda perspectiva didática do folclore. Por se tratar de manifestações representativas do presente,
ele pode servir como instrumento de compreensão da sociedade a qual ele está inserido. Trata-se de
uma oportunidade de propiciar o olhar do aluno sobre o seu meio social, despertando-o para
relações nele existentes e às forças excludentes às quais está submetido. Somente observando e
tomando consciência das condições de segregação e exploração social é que se torna possível
promover a busca pela transformação. A educação transformadora tem início com um ensino
crítico, no qual o passado e o presente são apresentados como vitrines da exclusão, despertando a
juventude para construir uma sociedade menos injusta.
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Desse modo, pode-se dizer que o folclore e a educação podem propiciar um diálogo
pertinente, impulsionando a constituição de um ensino engajado com a mudança, comprometido
com a autonomia intelectual. Neste sentido, o folclore extrapolaria o seu sentido de conexão
paradoxal presente/passado, tornando-se veículo da construção de um futuro diferente.
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Humanas e Ciências Sociais – Ano 07 Nº 14 – 2011 ISSN 1809-3264
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LETRAMENTO VIRTUAL: A LEITURA DE FILMES
NA FORMAÇÃO LEITORA
Maria Goreth de Sousa Varão-UFMG
Resumo
O século XXI exige que a escola desenvolva habilidades que permitam ao aluno analisar
criticamente a realidade e capacitá-los para usar as tecnologias (antigas e novas) de modo eficiente
e ético.Um caminho apontado é a leitura de textos com múltiplas linguagens, como o filme. Tendo
como base teórica idéias de Kleiman e Morais (2006) sobre papel do professor e valor social da
leitura, entre outros. Analisei fragmentos de dados coletados para uma pesquisa, em andamento, e
teci algumas considerações preliminares. O trabalho pode contribuir para discussões sobre
letramento(s) e práticas de leitura em sala de aula nos dias atuais.
Palavras-chave: letramento virtual, leitura, formação leitora
Abstract
The twenty-first century requires that the school develop skills that enable students to critically
examine the reality and thus enable them to use technologies (old and new ones) in an efficient and
ethical way. A path indicated is the reading of texts with multiple languages, like the film. Based on
theoretical ideas as Kleiman and Morais (2006) regarding the role of the teacher and social value of
reading, among others. I analyzed fragments data collected for a research, in progress, and I make
some preliminary. The work can contribute to the discussion(s) about literacy (ies) and reading
practices in the classroom today.
Keywords: virtual literacy, reading, formation reader
.
Introdução
O gosto pela leitura é fruto da experiência com textos orais e/ou escritos, produzidos em
domínios discursivos diferentes, e de um processo de interação com o mundo ao redor. Pode-se
dizer que é uma espécie de sedução que nasce do encanto das descobertas de outros mundos e
outras culturas e, segundo Foucamber (1994), não tem idade para começar. Nesse processo de
aprendizado da leitura, é papel das instituições de ensino e do professor oferecer os mais diversos
tipos de manifestações culturais, dentro de uma pedagogia que proporcione ao aluno construir-se e
constituir-se como leitor competente das várias modalidades de gêneros textuais, inclusive o filme,
centro de interesse deste artigo.
A literatura especializada tem nos mostrado que aprender no século XXI exige abrir a sala
de aula para o mundo real e virtual, ou seja, a escola precisa desenvolver práticas que capacitem o
alunos a usar as tecnologias (antigas e novas) de modo eficiente e ético, além de dominarem novos
conhecimentos e novas reflexões. Neste contexto, considero a leitura de textos com múltiplas
linguagens, como o filme, um caminho viável para este fim, mas que depende do(s) letramento (s)
do professor tanto no sentido tradicional quanto no virtual, pois a leitura desse gênero textual 35
envolve os conhecimentos de várias linguagens, principalmente, a linguagem imagética, visual,
gestual e expressão corporal.
Para Xavier (2009), o filme é um gênero textual por ter características convencionadas socialmente. Uma
delas é o cruzamento dos aspectos que o constituem, formando uma rede de relações, como: a composição,
os personagens, a música, a expressividade, a linguagem, e outros.
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Em cena: a escola
Para Bamberger (2010), o desenvolvimento do aluno como leitor exige tempo, dedicação e
planejamento, porque não basta pedir ao aluno que leia ou que passe a gostar de ler. É preciso
mostrar-lhe que ler é uma atividade enriquecedora e gratificante, que começa no lar, aperfeiçoa-se
sistematicamente na escola e continua pela vida a fora, por meio das influências da atmosfera
cultural geral e dos esforços conscientes da educação, considerando, ao mesmo tempo, as múltiplas
possibilidades e necessidades, além do encorajamento de toda e qualquer motivação possível para
ler.
Entretanto, o que se percebe é que a escola continua centrada na leitura de textos didáticos,
geralmente distantes da realidade do aluno e sem uma funcionalidade real, enquanto as leituras, fora
da escola, têm evoluído com as novas tecnologias, mesmo sem deixar de lado o imaginário do
leitor, o que tem motivado a leitura de textos do suporte tecnológico que mostram, cada vez mais e
de modos variados, uma integração entre imagens, palavras, cores, formas e som, um conjunto que
vem seduzindo os jovens e atraindo adeptos para a escrita e a leitura do texto digital. Com o uso da
Internet, os alunos acessam diferentes textos de seu interesse e com os quais se identificam a partir
de seu mundo significativo, gerando uma leitura diferenciada em estratégias, modalidades e
competências. Uma prática que deveria ser desenvolvida na escola de acordo com os PCNs (1998),
Kleiman e Moraes (2006) , entre outros.
Chartier (1999) diz que é comum a prática em que professores usam um discurso sobre a
necessidade de viabilizar o contato dos alunos com diferentes gêneros textuais, sobre suportes
variados, mas que, na realidade, estes professores não são leitores ativos dessa pluralidade de textos,
ou seja, o discurso do professor não corresponde com a sua prática de leitura.
Segundo Colomer e Camps (2002), a leitura, na escola, é sempre usada da mesma forma
que se faz ao mergulhar em um romance, ou seja, na aprendizagem não estão incluídas, por
exemplo, as habilidades necessárias à leitura do texto informativo, para buscar informações em uma
enciclopédia e/ou para a leitura de uma solicitação. Práticas que devem ser exercitadas a partir de
pistas textuais reconhecidas no texto lido e de condutas distintas, como: saltar trechos ou seguir a
sequência, avançar rápida ou lentamente, retornar, entre outros. Apesar de se reconhecer essa
abertura para múltiplas leituras, ainda predomina a leitura do texto escolar, um texto sem
funcionalidade real.
Entendo que o sistema educacional, no geral, precisa de mudanças imediatas, e o
profissional que vai atuar no ensino fundamental e médio com a leitura precisa de formação para
isso: é necessário que ele seja antes de tudo um leitor proficiente de gêneros textuais variados,
inclusive de filmes; que use, nas atividades com a leitura, uma metodologia diferente e motivadora
vislumbrando um elo entre as disciplinas curriculares; e não siga a mesma linha de projetos
interdisciplinares anteriores de que temos conhecimento, em que era atribuída à Língua Portuguesa
apenas a função de ler, produzir, revisar e corrigir texto.
Segundo Kleiman e Moraes (2006), o professor não pensa de forma interdisciplinar e não
consegue desenvolver a leitura crítica no aluno, porque sua aprendizagem realizou-se dentro de um
currículo compartimentado (leitura e escrita eram atribuições de uma disciplina, não uma atividade
de linguagem fundamental para o desenvolvimento do indivíduo em sociedades tecnológicas). Para
as autoras, um projeto interdisciplinar colaborativo faz da sala de aula o lugar de convergência do
cognitivo, do social e da expressão pessoal na construção de redes de conhecimento. “Permite a
construção conjunta de novas significações nos vários domínios do saber, tornando os papéis de
professor e aluno mais flexíveis e encurtando a distância que os separa em função de um objetivo
comum já negociado” (p. 49-50).
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Nessa perspectiva, penso o filme como um gênero adequado a essa prática de leitura, já
que, em geral, cobre as disciplinas curriculares, algumas mais, outras menos, além dos temas
transversais e atividades especiais complementares. Mas, vale reafirmar que essa prática exige a
formação leitora do professor, é preciso que ele seja um leitor de filmes, para ter condições de
motivar e mediar a leitura dos alunos, já que é um texto que requer estratégias diferentes de um
texto escrito.
Em ação: a leitura
Em um contexto onde a explosão da mídia eletrônica é evidente e os textos emergentes 36
surgem com múltiplas linguagens que possibilitam várias maneiras de ler, o professor passa a
exercer o papel de mediador. Para Kleiman (2000), o leitor, na interpretação, constrói o sentido,
gradualmente. Logo, cabe ao professor mediar essa construção, seja apontando pistas contidas no
texto, seja fazendo perguntas que façam o aluno-leitor refletir sobre o assunto enfocado, ou
orientando nas relações que podem estabelecer entre o texto e o contexto histórico-social de
produção e de leitura. O filme, por exemplo, se desdobra em múltiplas leituras decorrentes da
multiplicidade de elementos, formas e vozes que o constituem, e cabe ao espectador-leitor, na
recepção-leitura do filme, a função de analisar o mote principal (o enredo da trama) e o secundário
(o contexto da trama), identificando pistas lingüísticas com as quais traçará um percurso ao longo
do texto e fará inferências para a construção de sentido.
Para Koch (2003), a compreensão se realiza com base nos elementos lingüísticos explícitos no
texto, nos implícitos e na forma de organização ( requer a mobilização dos vários tipos de
conhecimentos prévios), e sua reconstrução no interior do evento comunicativo. No que se refere
ao texto visual, Kehrwald (2003, p.24) diz que a leitura de um texto é “decodificação e
compreensão de expressões formais e simbólicas que envolvem tanto componentes sensoriais,
emocionais, intelectuais, neurológicos, quanto culturais e econômicos”. Um trabalho que requer,
segundo a autora, a educação do olhar, pois é ele que seleciona e associa os elementos textuais e,
principalmente, as imagens no texto visual.
Nessa perspectiva, observo que, na universidade, se o graduando estiver ciente de sua
importância no processo de leitura e não assuma simplesmente o papel de sujeito-leitor ideal, mas
se constitua como sujeito-leitor real, crítico, consciente de seu papel ativo na leitura de um gênero
textual, além de desenvolver a habilidade de olhar e as competências para a leitura não só de
textos escritos e orais, como também dos textos visuais (eletrônico, pintura, teatro, filme,entre
outros); ele terá uma melhor preparação para desenvolver práticas de leitura que não sejam
defasadas, ou melhor, usando teorias e métodos na educação básica coerentes com propostas
pedagógicas atuais, visando, também, ao letramento virtual.
Silva (2005) apresenta três categorias básicas de leitura: informação, conhecimento e prazer.
Em sua análise, a última categoria é a mais prejudicada na escola, pois nas propostas pedagógicas, o
prazer não faz parte da formação escolar do indivíduo, ele está associado ao lazer. Contudo, esta
categoria está intimamente ligada à motivação, ao interesse pela leitura, sendo que a ausência dela
pesa no desenvolvimento e êxito das outras duas categorias. O que vejo no contexto universitário é
uma reprodução dessa prática, pois mesmo os alunos lendo textos e produzindo efeito de sentido,
nas aulas de leitura e de literatura, ainda é algo formal e voltado para a informação e a busca de
conhecimento.
A motivação e o interesse são os responsáveis em levar o leitor iniciante a desenvolver a
prática de leitura: a motivação envolve os impulsos e intenções que orientam o comportamento,
enquanto o interesse é dinâmico e ativo, abarca as atitudes e as experiências emocionais. Para
Bamberger (2010), ambos refletem no modo de vida do indivíduo, o qual nos mostra que, às vezes,
Segundo Marcuschi (2008), textos emergentes são os textos novos que surgem dentro de novas tecnologias,
principalmente a mídia digital.
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o aprendizado depende mais do seu interesse do que da inteligência. A equação é bastante simples:
o leitor precisa ser motivado, em princípio, pelo professor, mediador na prática de leitura, para que
tenha interesse em ler determinado gênero textual, o que o levaria a ampliar seu horizonte de
leitura. Por isso, a formação leitora do professor, é fundamental nesse processo.
É inegável o grande potencial das novas tecnologias para a educação e, ao se pensar um
processo pedagógico mediado pela tecnologia, é preciso pensar em uma proposta coletiva que
permita professores e alunos aprenderem juntos, visando à construção comum do conhecimento
com o auxílio de um instrumento tecnológico e de uma técnica para uso deste. Essa idéia me fez
considerar que o trabalho de leitura com o filme pode contribuir para a formação leitora dos
graduandos, professores do amanhã, já que é um texto do cinema, tecnologia conhecida, e que é
mais presente no contexto situacional de professores e alunos em casa e/ou na escola. Contudo,
para ensinar o aluno a entrar nesse novo mundo, o professor tem que conhecer e dominar esse
recurso, deve ser um leitor desse universo de imagens, sons, cores e enredo que se cruzam para um
determinado fim, e planejar como usá-lo, pois, ao ser usado em outro suporte, ele perde a função
do entretenimento e assume a função de formar e/ou de informar37.
Logo, cabe à universidade, como responsável pela formação de futuros profissionais do
ensino, aplicar teorias e práticas de leituras que contribuam para a formação leitora de seus alunos,
com a finalidade de prepará-los para atuar na educação básica, frente a essa evolução das novas
tecnologias, embasados em uma proposta pedagógica inovadora.
No contexto: a prática
Se a educação depende essencialmente da nossa capacidade de estimular/motivar o aluno
para a leitura, o filme é adequado para esse propósito, porque, além das multiplas linguagens que o
constituem, atende às três categorias propostas por Silva(2005): a primeira, o prazer, pois a
prioridade do filme é o entretenimento do espectador. Depois, a formação, em que o leitor trabalha
com as estratégia e os níveis de leitura, a linguagem cinematográfica, os aspectos que constituem o
texto, entre outros. Por último, a informação, pois os filmes cobrem a maioria das disciplinas
curriculares (algumas mais e outras menos, depende do filme), passando informações sobre tempo,
temática, espaço, acontecimento-social, histórico, científico e cultural-, valores, etc.
Neste artigo, analisei fragmentos de dados de uma pesquisa de Doutorado sobre a leitura
que alunos universitários, de um Curso de Letras, fizeram do filme A Era do Gelo, para tecer
algumas considerações sobre a prática, o nível de leitura e as competências usadas nesse processo
pelos graduandos, futuros profissionais do ensino fundamental e médio.
No filme, a história se passa em plena era do gelo, basicamente no período pré-histórico
chamado Pleistoceno, num momento em que todos os animais migram para regiões ainda quentes,
em busca de alimento. Nesse contexto, aparecem três animais (um mamute, uma preguiça e um
tigre dentes-de-sabre) que se unem numa única missão: devolver uma criança humana à sua tribo.
FRAGMENTO I
Durante o período glacial, animais e humanos migram para o sul. Para sobreviverem ao frio,
humanos matam espécies de animais e retiram sua pele para servir-lhes de agasalho contra o frio.
Para se vingarem da matança, um grupo de tigres ataca um acampamento humano, com o
objetivo de seqüestrar e matar um pequeno bebê. Porém, a mãe do pequenino foge carregando-o
nos braços. Porém, ao ser encurralada por um dos tigres, ela pula com o seu bebê nas correntezas
de um rio.
O pequeno bebê é encontrado pelo mamute e pela preguiça, que após uma breve discussão,
Marcuschi (2008) chama de reversibilidade o processo em que um gênero muda de função, quando muda de
suporte, ou seja, ele mantém suas características formais de gênero preservadas, mas a função é alterada.
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resolvem devolvê-lo aos humanos. Algum tempo depois, o mesmo tigre aparece e oferece sua
„ajuda‟ para encontrar o acampamento dos humanos. A grande viagem começa.
Repleto de aventuras, o filme mostra a trajetória desses personagens, suas superações com relação as dificuldades
que aparecem durante a viagem e as diferenças existentes entre eles, e o crescimento da cada um deles. Sem deixar
de lado o suspense e o humor, o filme ilustra como é possível, com união, superar as adversidades em prol de um
bem maior.
O fragmento I tem duas partes: a primeira, a sinopse do filme; a segunda, em itálico, é a
opinião do leitor. Observei, na sinopse, que o leitor destaca um contexto externo ao texto a migração
de humanos e animais para o Sul no período glacial, uma ocorrência anual nas terras geladas do planeta no
período do inverno, em que a falta de alimento e a baixa temperatura fazem os animais, em geral,
migrarem para áreas mais propícias à sobrevivência, uma informação científica que faz parte do
conhecimento de mundo. Depois mostra um contexto na história os humanos matam outros animais
para usarem a pele na fabricação de roupas e os tigres querem se vingar, matando um bebê humano, isso abre
espaço para a história a grande viagem, seguindo um tempo cronológico dos acontecimentos. Ele faz
uma reconstrução do filme por camadas a partir do mais amplo, ou seja, ele segue a sequência:
contexto externo-contexto interno- enredo, deixando claro a relação do real (o mais amplo) com o
fictício(o mais restrito).
A opinião sobre o filme pode ser dividida em 04 partes: característica do filme repleto de
aventuras, o que o filme mostra a evolução das personagens, os elementos textuais suspense e humor, e a
moral a união supera as dificuldades. A partir desse conjunto, é possível inferir que a apreciação do
informante sobre o filme foi positiva.
Essas especificações mostraram que o leitor percebeu o que estava por traz dessa
“aparente” história engraçada. Ele interpretou o texto, usando conhecimentos prévios sobre: a
situação do clima e da vida animal de determinada região da Terra, e a existência de elementos
textuais de gêneros diferentes, dentro de um mesmo texto, quando destaca a presença de suspense e
humor.
FRAGMENTO II
a) Sid observa com certo receio o ambiente e os elementos congelados da caverna. É como se
fosse um medo interno, um trauma de ambientes como aquele.
b) Manny chega a observar a sucessão de imagens de uma família de mamutes sendo
massacrada por humanos como uma imagem do que supostamente (já que isso não é
confirmado) do que teria acontecido com ele. Essa seria uma das causas pelas quais Manny
procura não ter laços sentimentais com nenhum animal, abandonando até mesmo a vida em
bando.
c) O efeito de sentido produzido pela junção das cenas que ocorrem dentro da caverna seria o
de evidenciar o medo interior de cada personagem e as atitudes tomadas em relação a estes. No
caso de Manny, por exemplo, o medo de perder alguém com um enlace sentimental fez com
que ele abandonasse a sua natureza, no que diz respeito à vida em bando, e passasse a viver
sozinho.
O fragmento II reproduz o resultado da leitura das cenas que ocorrem na caverna, sendo
que cada item corresponde a uma das cenas referidas. Identifiquei, na letra (a), que o leitor fez uma
inferência é como se fosse um medo interno, um trauma de ambientes como aquele, que não se sustenta no
filme. O receio do personagem Sid é comprovado, no primeiro momento, porque está num
ambiente desconhecido: ele se separou do grupo e encontrou algo inesperado, mas depois ele se
acalma por reconhecer alguns dos seres congelados e fica curioso em relação à evolução de uma
preguiça, o que sugere seu desconhecimento desse processo. Isso nos faz inferir que a espécie
preguiça (na forma representada pelo personagem) surgiu depois que os seres aquáticos evoluiram
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para a forma terrestre. Portanto, dizer que o receio do personagem é por conta de um trauma é
extrapolar o texto, é o que Marcuschi (2008) classifica como leitura errada.
Na letra (b), a argumentação sobre a possível causa da personalidade do personagem
Manny é bem articulada e sustentada pelo texto. Já na letra (c), embora o leitor tenha mostrado que
compreendeu as cenas, com uma argumentação bem elaborada sobre o medo interior dos
personagens, nota-se que ele não desenvolveu a resposta completa, pois inferiu uma resposta sobre
os sentimentos do personagem Manny, mas não se reportou aos outros personagens, Diego e Sid.
A análise desses fragmentos nos mostrou que o leitor fez uma leitura no horizonte máximo,
de acordo com a proposta de Marcuschi (2008), que envolveu os contextos externo e interno da
história, reconheceu os aspectos que contituem o texto como um todo e o cruzamento entre eles, e
fez inferência a partir de e com base em pistas identificadas na superfície do texto, usando os
conhecimentos prévios. Uma prática que retrata uma habilidade na leitura desse gênero textual :
uma habilidade em olhar e caminhar pelas trilhas do texto visual e apresentar um efeito de sentido,
também reforçar a idéia de que lê um filme segue um processo semelhante ao usado pelo leitor na
leitura de um texto escrito, envolve níveis de leitura, conhecimentos prévios e estratégias cognitivas,
entre outros; a diferença recai sobre as especificidades de cada modalidade de texto. Além desta
constatação, percebi que o filme A Era do Gelo comporta as três categorias apresentadas por Silva
(2005): prazer, formação e informação. Enfim, o leitor de um filme é um leitor de gêneros textuais
variados, sendo o filme mais um desses gêneros, assim como: uma pintura, um ensaio, uma novela
televisiva, e outros.
Considerações finais
O professor é um profissional que deve estar continuamente em processo de formação e
em sintonia com o mundo e com aquilo que a sociedade e a cultura lhe oferecem. Quanto às
instituições de ensino, como as tecnologias da informação e da comunicação passaram a fazer parte
da vida contemporânea, espera-se que elas repensem : sua própria estrutura e sua concepção de
ensino de leitura, para o desenvolvimento de múltiplos letramentos, principalmente o virtual, e
trabalhe mais a leitura do texto virtual para o aluno educar o seu olhar e desenvolver a habilidade
para ler este texto. É necessário que ela encontre um sentido para a inserção da tecnologia,
avaliando suas vantagens , desvantagens e a maneira como este processo acontecerá. Nesse
contexto, cabe ao aluno refletir sobre suas práticas de leitura e escrita, e agir para se tornar o leitor
crítico que a sociedade contemporânea exige.
Penso que essa realização é possível, pois se temos, nas IES, nos Cursos de Letras,
profissionais em Linguística e Língua Portuguesa aplicando teorias, métodos e práticas atualizadas
no trabalho com a leitura e produção de sentido nos gêneros textuais variados; e em Literatura, com
a análise formal e subjetiva de textos clássicos, temos, também, um novo perfil de leitor sendo
preparado para a recepção, interação e compreensão de textos variados e/ ou com múltiplas
linguagens; um leitor que considera os níveis de leitura, as múltiplas linguagens e contribuições
intertextuais e interdiscursivas na produção de sentido de um texto; um leitor que tece relações e
usa estratégias na sua área de conhecimento de forma interdisciplinar. Portanto, uma formação
dentro dos preceitos da Linguística Textual, da Análise do Discurso, da Semiótica e das novas
tecnologias.
Pelas trilhas deste texto, apresentei algumas ideias que deixo como contribuição para
discussões futuras e mais amplas sobre o(s) letramento(s) e as práticas de leitura em sala de aula da
universidade nos dias atuais.
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O ENSINO DE BOTÂNICA COMO ALTERNATIVA PARA FACILITAR A
APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS NO ENSINO MÉDIO: ESTRATÉGIAS DE
MELHORIA ATRAVÉS DE AULAS COM TESTES E ANÁLISES DE GERMINAÇÃO
DE FEIJÃO COMERCIAL
Nádia Regina Stefanine38
Fabiane Silva Darosci Brito39
Fábio de Jesus Castro40
Jeane Alves de Almeida41
Resumo: O ensino de ciências apresenta problemas em relação à aprendizagem, o que é atribuído
ao desinteresse dos alunos pela disciplina e ao despreparo dos docentes no que tange o conteúdo
programático. O objetivo do trabalho foi analisar as aulas enquanto ferramentas mediadoras do
conhecimento de botânica em duas turmas do segundo ano do Ensino Médio numa escola de
Araguaina, Tocantins. Os resultados mostraram que os alunos se envolveram com as atividades,
validando a utilização da metodologia adotada, ou seja, a contextualização dos tópicos tratados em
sala de aula, tornando um assunto antes considerado complexo, em uma aula agradável e
motivadora.
Palavras chave: Ensino de Ciências; Aprendizagem; Botânica.
Abstract: The teaching of science presents problems in relation to learning, which is attributed to
lack of interest among students for the discipline and the unpreparedness of teachers regarding the
curriculum. The objective was to analyze the lessons as tools mediating the knowledge of botany
into two classes the second year of high school in a school in Araguaina, Tocantins. The results
showed that students were involved with the activities, validating the use of methodology, ie, the
context of the topics covered in the classroom, making a complex subject previously considered in
a class enjoyable and motivating.
Keywords: Science Teaching; Learning; Botany.
Introdução
A Biologia é a ciência que estuda os aspectos relacionados à vida e suas manifestações em
variadas formas e adaptações, bem como, às interações entre os seres vivos presentes entre o tempo
e o espaço, gerando transformações no ambiente (PCNEM, 2001).
No mundo atual, de rápidas transformações e difíceis contradições, estar formado para a
vida significa mais do que reproduzir dados, determinar classificações ou identificar símbolos.
Significa saber se informar, comunicar-se, argumentar, compreender e agir; enfrentar problemas de
diferentes naturezas; participar socialmente, de forma prática e solidária; ser capaz de elaborar
críticas ou propostas; e, especialmente, adquirir uma atitude de permanente aprendizado (MEC,
2002).
No mundo contemporâneo a ciência assume um papel relevante para a humanidade, os
avanços científicos e tecnológicos influem no modo de vida das pessoas e na dinâmica da natureza.
Assim, conhecer os processos científicos permite às pessoas analisarem o efeito dessas descobertas
na vida e na sociedade, entenderem o papel e o significado da ciência e da tecnologia na sociedade
contemporânea, compreendendo o que se faz em ciência, por que se faz e como se faz (Krasilchik,
1988).
38Graduação
em Medicina Veterinária pela Fundação Universidade Federal do Tocantins, campus Araguaina. e-mail:
[email protected]
39Mestrado em Agroecossistemas pela Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. e-mail: [email protected]
40 Professor adjunto da UFT – Universidade Federal do Tocantins, campus Arguaina. e-mail: [email protected]
41 Professora adjunta da UFT – Universidade Federal do Tocantins, campus Araguaina. e-mail: [email protected]
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Cabe ao professor, aproximar os avanços científicos e tecnológicos da vida do aluno, e com
isso reduzir uma das exclusões mais importante deste século: a exclusão científica. Porém, ao
analisar-se a situação atual do ensino de ciências no Brasil, percebe-se que se faz necessário o uso de
práticas pedagógicas construídas num complexo conjunto de valores e sob os olhares da ciência,
levando, assim, a uma aprendizagem efetiva.
Desafios do Ensino de Biologia no Brasil
São muitos os desafios enfrentados nesta primeira metade do século XXI pela educação
brasileira em relação ao ensino em geral, e ao de ciências em particular, notadamente no que se
refere às disciplinas de Física, Química e Biologia. Na maior parte dos relatos sobre lacunas
importantes da educação nacional, destacam-se: a falta de infra-estrutura das escolas; professores
não graduados e carência de uma diretriz curricular nacional de educação que privilegie o
entendimento do desenvolvimento científico e tecnológico atual.
De acordo com Krasilchik (1988), a evolução do conhecimento nas áreas de ciências
naturais deve fugir do papel meramente descritivo e servir de base para o planejamento didático do
professor. Não se pode negar que historicamente vários esforços remodelaram e ampliaram as
estratégias didáticas, mas mesmo assim suas aplicações ainda são revistas (Krasilchik, 1987), o que
aponta para a ineficiência das metodologias voltadas para o ensino de matérias desta natureza.
As metodologias de ensino que utilizam de estratégias didáticas que privilegiam o diálogo
entre teoria e prática, incentivando o aluno a ser protagonista de sua aprendizagem, e exigindo dele
autoria de textos e idéias, são as mais efetivas. Essa abordagem metodológica apresenta-se distante
das formulações tecnicistas dos anos sessenta e setenta do século XX, bem como das formulações
de cunho predominantemente político dos anos oitenta e noventa do mesmo século, (Krasilchik,
1988), e certamente se adéquam melhor à realidade técnico-científica em que o mundo moderno se
encontra.
No tocante ao ensino de Biologia, o desafio maior do professor está em formar um aluno
que atenda às exigências de um mercado de trabalho cada vez mais exigente, ao mesmo tempo em
que o forme para o exercício da cidadania, que seja plural, crítico, interativo e ético. O professor,
nessa perspectiva, precisa se envolver profundamente na preparação das melhores estratégias de
ensino. Se a aula apresenta-se num formato meramente teórico e maçante, como então despertar o
interesse por este ou aquele assunto, utilizando o simples argumento de que tal conhecimento é
importante na vida do aluno?
Nesse sentido, cabe ao professor buscar recursos didáticos interessantes e instigantes, e
transpor as possíveis falhas ocorridas durante sua própria formação. É difícil crer que o professor
reproduz para seus alunos o mesmo modelo didático do qual fez parte, sem analisar os impactos
que isso gera na vida dos estudantes. No entanto, a mera reprodução de modelos conhecidos e
práticas exaustivamente utilizadas não mudam o quadro de desinteresse e distanciamento que
crianças e jovens vivenciam nas disciplinas científicas.
É, portanto, papel do professor ultrapassar essas limitações e avançar no uso de técnicas
didáticas que aproximem o aluno das disciplinas de caráter científico e tecnológico. Nesse cenário
de complexas e rápidas mudanças, outro desafio é a adaptação e a evolução do professor em
relação à sua prática educativa, tornando-a mais interessante, crítica e criativa. Para tanto, várias
estratégias pedagógicas devem ser implantadas e ampliadas dentro da escola como: aulas dinâmicas
estimulando a experimentação, a aprendizagem autônoma com contextualização teórica, promoção
da interação entre vida cotidiana e o conteúdo escolar e exploração do caráter transdisciplinar dos
assuntos ligados ao vários tipos de ciências e tecnologia.
A cada momento o profissional que trabalha a disciplina de Biologia deve enfrentar o
desafio de oferecer aos alunos uma forma de interação entre teoria e prática, justapondo
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possibilidade e realidade. Ademais, por seu caráter dinâmico, a Biologia oferece vastos recursos
pedagógicos e o professor deve estar preparado e atento para utilizar tais oportunidades de ensino.
Aulas práticas: estratégia valiosa no processo de ensino e da aprendizagem
Uma das ferramentas mais notáveis utilizadas no ensino de ciências é o da experimentação
científica, comumente tratada por alunos e professores como aula prática. Para Kuhn et al (2000),
“investigações” são atividades educacionais em que os estudantes, individualmente ou em grupo,
averiguam um conjunto de fenômenos, reais ou virtuais, e a partir da realização de observações e
experimentos, propõem conclusões e inferências. No entanto, deve-se atentar para a percepção de
que uma aula prática não deve limitar-se exclusivamente ao ambiente de laboratório. Sua dimensão
é maior e mais profunda, ultrapassando os limites do laboratório ou os muros da escola,
abrangendo vários elementos recorrentes da vida cotidiana do aluno, como a rua, o bairro, o posto
de saúde, a fonte de água da região, a agricultura, etc.
Ao revelar esse caráter global o próprio sentido em estudar Biologia também revela ao
aluno o contexto da sua vida neste planeta. Há, ainda, por parte dos estudantes, a necessidade da
compreensão mais profunda da atividade científica, tornando as investigações um método eficaz
para aprender e para praticar Ciência.
Conforme descrito por Barbieri & Carvalho (1988), o ensino prático de ciências é idéia
praticamente unânime de bom aprendizado entre os professores, pais e alunos, sendo condição
básica para o aprendizado das disciplinas de caráter científico. Porém, dados disponíveis na
literatura apontam que, ao contrário do esperado, a experimentação tem sido um dos grandes
problemas do ensino atual, não se efetivando, quer pela ausência de laboratórios em muitas escolas,
quer pela inexperiência dos professores, ou ainda pelos currículos sobrecarregados (Barbieri &
Carvalho, 1988).
Não obstante, as principais razões apontadas para não se utilizar aula prática na escola são:
1Os professores trabalham sozinhos e de forma isolada apenas dentro de suas
respectivas disciplinas.
2Estes permanecem na escola apenas durante o período em que ministram aulas e
em poucas reuniões anuais, que têm mais caráter burocrático do que pedagógico, portanto, perdem
o precioso momento da pesquisa e planejamento das aulas que poderiam desenvolver.
3A formação dos professores de Biologia nos cursos de licenciatura é deficiente,
haja visto que durante a graduação, não teve acesso a laboratórios e aulas práticas.
Outro ponto de destaque é que os professores que realizam experimentos são os que de
uma forma ou de outra desenvolveram aulas práticas nas suas licenciaturas, enquanto alunos
(Barbieri & Carvalho, 1988). Em sua grande maioria, os professores alegam falta de condições
apropriadas e se sentem desmotivados para se lançarem sozinhos na execução de atividades
experimentais. Muitos alegam ainda que não há verbas para aquisição de equipamentos e materiais,
e que o tempo é curto, Como reforça esses autores, o laboratório - aspiração de todos - não vinga
nas escolas, tanto nas públicas quanto nas privadas. Esses mesmos autores sustentam que, para se
dar início a um laboratório de ensino, é preciso se envolver também com pesquisa em ensino,
associada à exigência de algum treino em pesquisa na área específica. Talvez esta situação seja um
dos maiores problemas relacionados a não realização de aulas práticas atualmente nas escolas
brasileiras.
Segundo Krasilchik (2008), as aulas de laboratório têm um lugar insubstituível no ensino da
Biologia, pois desempenham funções únicas: reforçam a teoria, permitem que os alunos tenham
contato direto com os fenômenos manipulando os materiais e equipamentos e observando
organismos. Desde que a ocorrência de experimentação científica beneficia o processo de
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aprendizagem, é vital que os profissionais da educação defendam a implantação de espaços próprios
para tal prática e que a formação docente contemple esse recurso no currículo universitário.
A problemática do ensino e da aprendizagem de botânica
No modelo atual de ensino, a Botânica adquire uma complexidade ainda maior no contexto
descrito anteriormente, uma vez que seu ensino é meramente descritivo, causando rejeição e
desinteresse nos alunos. Os fatores que contribuem para a má qualidade de ensino são
diversificados e seus resultados alarmantes, fazendo com que os alunos não prestem atenção e não
formulem perguntas (COUTINHO ET AL, 2004).
Ao comentar sobre as principais causas da deficiência no ensino de Botânica, Aoki (2005),
sustenta que o desinteresse pelas plantas e a carência de estudos referentes ao ensino de botânica,
tanto no Ensino Fundamental como no Ensino Médio, têm preocupado muitos estudiosos, que são
unânimes em relatar a apatia e até mesmo aversão pela botânica por alunos de modo geral,
principalmente os de ensino médio. Some-se a isso o fato de que muitos professores “fogem” das
aulas de botânica, relegando-as ao final da programação do ano letivo, por medo ou insegurança em
falar do assunto.
O Ensino de Botânica, a partir da analise da Sociedade de Botânica do Brasil, segundo
Reinhold (2006), revela-se de forma mais acentuada como sendo tecnicista e tradicional,
constituindo um currículo também tradicional e com concepções de ensino e aprendizagem ainda
voltadas para um excesso de teoria.
Uma das maiores reclamações é a dificuldade em desenvolver atividades práticas que
despertem a curiosidade do aluno e mostre a utilidade daquele conhecimento no seu dia-a-dia
(Santos & Ceccantini, 2004). Particularmente, o conteúdo sobre botânica é ensinado de forma
isolada do ser humano e dos demais seres vivos. A falta de um enfoque evolutivo acaba por tornar
esse assunto pouco atraente, tanto para quem o ensina como para quem o aprende (SANTOS &
CECCANTINI, 2004). Ou seja, os alunos não enxergam nas plantas o caráter vital de que este ser
vivo faz parte do complexo arranjo da natureza. Além disso, como as plantas não expressam
sentimento, os estudantes não assimilam sua natureza viva e orgânica; elas são consideradas formas
de vida desconectadas do universo afetivo do aluno. Ademais, o ensino de botânica, a partir da
análise da Sociedade de Botânica do Brasil, (REINHOLD, 2006), revela-se de forma mais
acentuada, como sendo tecnicista e tradicional, constituindo um currículo também tradicional e
com concepções de ensino e de aprendizagem ainda voltadas para um excesso de teoria.
É evidente que o aspecto da metodologia de ensino é preponderante para a determinação
da aprendizagem em botânica. Acredita-se que a base da educação científica do estudante reside no
contato deste com a metodologia da ciência de forma aplicada. Em outras palavras, para quem se
inicia no estudo das Ciências Biológicas aprender como se produziram os conhecimentos é tão ou
mais importante do que possuir a informação sobre os mesmos, seja qual for a metodologia
adotada (FAGUNDES & GONZALEZ, 2009).
No Ensino Médio, o uso de aula prática é uma valiosa estratégia para desenvolver
conceitos de botânica a partir da manipulação de plantas e suas estruturas de forma a tornar a
aprendizagem mais envolvente e interessante. Dessa foram, passamos a analisar a importância do
uso da aula prática como recurso didático eficaz para complementar e ampliar a compreensão da
aula teórica do estudo de botânica. Para tanto, foram desenvolvidos conteúdos sobre a estrutura e
germinação de sementes.
Materiais e Métodos
O trabalho foi realizado em um colégio particular, situado na cidade de Araguaína, estado
do Tocantins, com duas turmas de alunos de segundo ano do ensino médio. O trabalho foi
conduzido em duas fases. Na primeira fase, as duas turmas, com o número total de 80 (oitenta)
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alunos, receberam uma aula teórica sobre estrutura e germinação de sementes. Ao final, os alunos
foram orientados a produzir um relatório com suas observações em relação ao temas abordados.
Na segunda fase, foram selecionados, por sorteio, 24 (vinte e quatro) alunos de cada turma
que assistiram à aula teórica. Os mesmos participaram de uma aula prática sobre o processo de
germinação de sementes de feijão comercial. Ao final desta aula, esses alunos foram novamente
instruídos a produzirem um relatório, a fim de comparar as informações obtidas após a aula teórica
com as coletadas após a aula teórico prática.
Durante a aula prática a manipulação dos materiais e a montagem do trabalho foram
registradas com fotos. Os resultados foram testados segundo uma análise qualitativa, baseada
principalmente nos relatórios produzidos pelos próprios alunos após aula teórica e aula prática,
sendo que os relatórios comparados foram do mesmo grupo de alunos expostos às duas formas de
apresentação: teórico e prática.
A aula prática foi conduzida no laboratório de ciências do colégio. Cada turma de 24 alunos
foi dividida em três grupos com oito alunos e cada grupo ficou responsável por um lote
experimental de sementes, denominados lotes: A, B e C.
Cada lote continha 30 (trinta) copos de duzentos mililitros (unidade experimental)
contendo algodão e sementes de feijão (três sementes por copo). Os lotes A, B e C foram
separados em três espaços sobre a mesma bancada do laboratório: no lote A os alunos injetaram
cinco mililitros de água destilada em cada copo, no lote B foram injetados 10 ml de água destilada
em cada copo e no lote C foram injetados 15 ml de água destilada em cada copo. Os lotes
permaneceram sobre a bancada do laboratório expostos a temperatura, umidade e luminosidade
ambiente. Durante cinco dias os alunos fizeram registros da quantidade diária de germinações em
cada lote em uma planilha de controle. Considerou-se germinada a semente que apresentava
protrusão da radícula (MOURÃO ET AL. 2002; BATTILANI ET AL. 2006).
Resultados e Discussões
A aula prática gerou maior comprometimento dos alunos com o conteúdo apresentado,
seja na produção do relatório, seja nos questionamentos que surgiram durante o processo, bem
como na satisfação dos alunos em realizar o experimento. Verificou-se que a maioria dos alunos
deixou de ser passivo, ou alunos ouvintes, questionando mais o professor a respeito das dúvidas e
dos procedimentos a serem realizados. Bastos (1994) relata que as aulas práticas também
promovem e intensificam a interação entre professor e aluno em sala de aula. Ainda nesse sentido
Piletti (1984) apud Bastos (1994), cita a importância da participação do docente, lembrando que este
irá conduzir o educando para uma aprendizagem efetiva ou não.
O entusiasmo, o interesse e o envolvimento dos alunos compensam qualquer professor
pelo esforço e pela sobrecarga de trabalho que possa resultar das aulas de laboratório (Hansen et. al.,
2006). Com isso, a importância das aulas práticas está ligada diretamente ao desenvolvimento das
capacidades, das habilidades, dos interesses dos alunos e também no envolvimento dos mesmos em
investigações científicas bem como na capacidade de resolver problemas.
A seguir está descrito alguns fragmentos do que os alunos expressaram após a aula prática
em seus relatórios:
“Nossa eu não sabia que a semente germinava assim...” M.E.C, 16 anos
“Germinou mais rápido do que eu esperava...” MM, 16 anos
“Nossa, olhe a radícula aparece mesmo, consegui vê-la...” VC, 15 anos
Os alunos participaram efetivamente de todo o processo de montagem do material da aula
prática e do desenvolvimento do experimento, e também na observação do fenômeno de
germinação da semente, e com a geração dos dados. Questionaram, ainda, alguns resultados que se
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apresentaram em relação ao esperado, baseados em suas expectativas iniciais gerada pelo protocolo
experimental. De fato, a maior parte dos alunos acreditava que a germinação ocorreria entre cinco a
seis dias e de maneira gradual, de acordo com as condições de umidade de exposição das sementes ,
mas a maior taxa de germinação das sementes de cada lote ocorreu entre o segundo e o terceiro dia.
Os resultados de germinação da turma do 2º ano A indica que no primeiro dia do
experimento não foi observado germinação em nenhum dos lotes. A partir do segundo dia
observou-se uma alta taxa de germinação em todos os lotes, no segundo dia observou-se uma taxa
de germinação de 6,7%, 3,3% e 30,0% respectivamente nos lotes A, B e C, no terceiro dia
observamos 53,3%; 40% e 63,3% nos lotes A, B e C. No quarto dia foram registrados 33,3%; 0,0%
e 3,3% respectivamente, e no quinto dia 6,7%; 26,7% e 3,3% respectivamente aos lotes A, B e C.
Já os resultados de germinação (lotes dos alunos do 2º ano B) indicam também que no
primeiro dia não ocorreu germinação, no segundo dia ocorreu 30,0%; 56,7% e 76,7% de
germinação nos lotes A, B e C, respectivamente. No terceiro dia 53,3%,40,0% e 20,0%
germinações, no quarto dia 6,7%;3,3% e 3,3% germinações, no quinto dia apenas 3,3% de
germinação no lote A.
Ao compararmos os resultados dos percentuais de germinação das duas turmas A e B
observamos uma grande variação entre os valores de germinação registrados. Essas variações
podem decorrer de problemas estruturais e fisiológicos das sementes, ou por erro na proporção de
água que os alunos utilizaram em cada lote. Essa discrepância observada nos resultados obtidos nas
turmas A e B, no entanto, não compromete este estudo, cujo objetivo não é analisar todos os
fatores de germinação, mas sim demonstrar visualmente como ocorre à germinação da semente e
que a presença de água é fundamental para este processo.
Por outro lado, o mais importante foi avaliar a aprendizagem dos alunos antes e após a aula
prática. Com relação aos questionamentos formulados com objetivo de comparar a aprendizagem
dos alunos sobre o conteúdo de botânica, analisou-se a estrutura dos relatórios produzidos para
aula teórica e prática e percebeu-se que houve uma evolução na descrição dos conceitos relativos a
estes questionamentos. Para essa análise foi utilizada a escala de valores para as respostas de cada
questão descritas na metodologia.
Após a análise dos resultados podemos afirmar o valor positivo da aula prática para
melhorar o aprendizado dos alunos e que é notório o aumento da aprendizagem com a utilização da
aula prática, o que é justificado pelo aumento no número de respostas medianas e amplas. Mesmo
admitindo que alguns fatores mencionados possam ser limitantes, nenhum deles justifica a ausência
do trabalho prático na sala de aula. Um pequeno número de atividades interessantes e desafiadoras
para o aluno já será suficiente para suprir as necessidades básicas desse componente essencial à
formação dos jovens, dando-lhes oportunidade de identificar questões para investigação, elaborar
hipóteses e planejar experimentos para testá-las, organizar e interpretar dados e, a partir deles, fazer
generalizações e inferências (KRASILCHIK, 2008).
Os resultados obtidos no presente trabalho corroboram com os autores citados
anteriormente, evidenciando que iniciativas simples que desviam do modelo atual melhoram
significativamente a aprendizagem.
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ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA E EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA:
QUANDO AS PRÁTICAS SE ENCONTRAM
Núbia Luis Cardoso42
Jeane Alves de Almeida43
Joseilson Alves Paiva44
Fábio de Jesus Castro45
Resumo: No contexto de uma sociedade da informação, a escola precisa incorporar as linguagens e métodos
científicos aos espaços de construção do saber, tendo em vista o fortalecimento da cidadania. Para
fundamentar os argumentos apresentados, além de uma análise bibliográfica, buscou-se uma investigação
junto aos professores e professoras das escolas públicas da cidade de Arraias, Estado do Tocantins, com o
objetivo de avaliar como os docentes do Ensino Fundamental estão lidando com a necessidade de aplicar a
ciência no processo educativo. Percebeu-se que o professor é o mobilizador de uma dinâmica de
aprendizagem entrelaçada com a realidade científica e tecnológica.
Palavras- chave: Sociedade da Informação; Ciência; Processo educativo;
Abstract: In an information society, schools need to incorporate the languages and scientific methods to the
construction of knowledge spaces in order to strengthen citizenship. To substantiate the claims, and a
literature review, we sought a research with teachers and teachers of public schools of stingray, State of
Tocantins, in order to assess how teachers of elementary school are dealing with the need to apply science in
the educational process. It was felt that the teacher is the rallying of a dynamic learning intertwined with the
scientific and technological reality.
Keywords: Information Society, Science, Educational process;
Introdução
Neste artigo fazemos uma abordagem acerca de atividades que possam subsidiar a atuação dos
professores das séries iniciais do Ensino Fundamental para a efetivação da Alfabetização Científica e
Tecnológica, considerando as peculiaridades das escolas e a formação dos docentes envolvidos. Os avanços
na eletrônica, meios de comunicação, biotecnologia, economia etc., vêm gerando grandes desafios na
sociedade contemporânea, caracterizada pela complexidade, incerteza e velocidade em suas transformações.
O sistema educacional brasileiro tem demonstrado dificuldades em lidar com toda essa
transformação, bem como adequar suas referências de formação a uma sucessão constante de novas
demandas que se refletem na ação docente. A mediação das Tecnologias da Informação e Comunicação no
processo educativo promove mudanças na ação pedagógica através do exercício da reflexão coletiva,
promovendo novos caminhos para a educação. Sendo assim este artigo aborda a Alfabetização Científica e
Tecnológica, bem como o processo formativo de professores para inserção das Tecnologias da Informação e
Comunicação nas séries iniciais do Ensino Fundamental, numa perspectiva crítico reflexiva, tomando o
movimento dialético entre teoria e prática como base para a construção do conhecimento.
Não obstante, com as constantes alterações sociais, os conteúdos simplesmente memorizados não
possuem tanto valor. O educando dever ser constantemente convidado a raciocinar e debater os
acontecimentos científicos e tecnológicos. Para que isso aconteça, é necessário que o processo de
alfabetização seja antes de tudo, um processo que ocorra subsidiado pelos conteúdos de teor científico e/ou
tecnológico. Partindo desse pressuposto, se torna necessário desmistificar a imagem construída ao longo da
história acerca do conceito de ciência, desde que se constituiu como crença o fato de que o conhecimento
fornecido pelo método científico se distingue dos demais pela comprovação através de experimentos,
desfrutando assim de uma posição privilegiada em relação aos demais tipos de conhecimento (conhecimento
empírico, senso comum, pensamento filosófico e religioso).
Pedagoga pela UFT – Universidade Federal do Tocantins, campus Arraias. e-mail: nú[email protected]
adjunta da UFT – Universidade Federal do Tocantins, campus Araguaina. e-mail: [email protected]
44 Professor adjunto da UFT – Universidade Federal do Tocantins, campus Araguaina. e-mail: [email protected]
45 Professor adjunto da UFT – Universidade Federal do Tocantins. e-mail: [email protected]
42
43Professora
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Com efeito, os estudos sobre Ciência, Tecnologia e Sociedade apresentam-se como uma análise
crítica e interdisciplinar da Ciência e da Tecnologia num contexto social, com o objetivo de compreender os
aspectos gerais do fenômeno científico-tecnológico. Hoje, as questões relativas à Ciência e à Tecnologia e sua
importância na definição das condições da vida humana, ultrapassam o âmbito acadêmico para se
converterem em centros de atenção e de interesse do conjunto da sociedade. Ciência, Tecnologia e Sociedade
configuram uma tríade mais complexa do que uma mera série sucessiva, e sua combinação obriga a analisar
suas relações com mais atenção do que implicaria a ingênua aplicação da clássica relação linear entre elas.
Na atualidade há também uma preocupação pertinente com um eminente desequilíbrio entre o
desenvolvimento da ciência e da tecnologia por uma parte, e da educação científica que se aplica ao cidadão,
por outra. O chamado "analfabetismo científico" constitui um obstáculo importante para a compreensão
pública da ciência e da tecnologia e o seu conceito antagônico, o de alfabetização científica, vem sendo
utilizado como base para o modelo tradicional de comunicação pública da ciência e da tecnologia. Segundo
Sabetti (2004) este modelo tradicional, também chamado de "modelo linear" ou "modelo de déficit" supõe
que a os distintos formatos da divulgação científica devem preencher uma lacuna de conhecimento,
informando e ensinando aos não-especialistas, e que este novo entendimento levaria a uma maior valorização
da ciência e da tecnologia. Porém, ao mesmo tempo em que este modelo tradicional se vê criticado e surgem
novas propostas, o conceito de alfabetização científica também se vê questionado.
Delizoicov (2001) pontua que alfabetização científica é uma atividade vitalícia, isto é, um processo
que tornará o indivíduo alfabetizado nos assuntos que envolvem ciência e tecnologia, ultrapassando a mera
reprodução de conceitos científicos destituídos de significado, sentidos e de aplicabilidade. A expressão
Alfabetização Cientifica e Tecnológica abarca um aspecto que vai alem de termos traduzidos através de
expressões como: “popularização da ciência”, “divulgação cientifica” e “entendimento público da ciência”. Os
objetivos balizadores são diversos e difusos. De acordo com Auler e Delizoicov (1999) tais objetivos vão
desde a busca de uma participação da sociedade em problemáticas vinculadas à ciência tecnológica, até àqueles
que vêem a Alfabetização Científica e Tecnológica como encaminhamentos mais próximos de uma
perspectiva democrática, ou mesmo, procedimentos que direta ou indiretamente respaldam postulações
tecnocráticas.
É pertinente enfatizar que a Alfabetização Científica não pode ser vista de forma tecnicista como se
o desenvolvimento científico levasse, automaticamente, ao desenvolvimento social. Antes, esta deve ser
entendida como um modo de formar cidadãos críticos e capazes de entender o mundo onde estão inseridos e,
deste modo, evitar a exclusão social.
Alfabetização Científica: As Tecnologias na Educação produzindo conhecimento
A relação entre educação e tecnologia ao longo do tempo, desde a escrita até o rádio, a TV, o vídeo,
o DVD e hoje os computadores e Internet, sempre compreendeu/assimilou esses meios na perspectiva de
transmissão de mensagens. Tal concepção determina práticas pedagógicas inconsistentes, onde o professor e
a professora são o emissor e o aluno e a aluna meros receptores. Atualmente o entendimento se faz no
sentido de se construir uma relação que favoreça diferentes caminhos e aprendizagens, pautados na
construção de um referencial do que é aprender e ensinar com tecnologia, das capacidades cognitivas que
envolvem a construção do conhecimento mediada por tecnologias, entre outros aspectos (PRETTO, 2002).
A alfabetização tecnológica “tem muitas das características de um sistema educacional no qual o
consenso é superficial, porque o termo significa coisas diferentes” (BINGLE & GASKELL, 1994, p. 186).
Diante disso, Lorenzetti & Delicozoicov (2001) questionam qual o significado da alfabetização cientifica, qual
sua importância para o currículo escolar e como promovê-la. Após vasto debate sobre alfabetização científica
e tecnológica no contexto das séries inicias do Ensino Fundamental, esses autores defendem a premissa de
que esta pode e deve ser desenvolvida desde o início do processo de alfabetização, mesmo antes que a criança
saiba ler e escrever. Nessa perspectiva, o ensino de ciência e tecnologia pode se construir num importante
aliado para o desenvolvimento da leitura e da escrita, uma vez que contribui para atribuir sentidos e
significados às palavras e aos discursos.
Nesta composição a propagação das Tecnologias da Informação e Comunicação na educação vem
favorecendo o desenvolvimento de novas abordagens de ensino-aprendizagem e estratégias pedagógicas,
(MACHADO & SANTOS, 2004), tornando possível o desenvolvimento de sistemas que facultam ao aluno a
exploração de informações conforme suas dúvidas e interesses, optando pelas conexões da forma que desejar.
Esse processo permite a construção ativa de conhecimentos, predispondo a descoberta de idéias, temas ou
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fatos num ambiente de informações que estimula o desenvolvimento do espírito crítico por requerer
participação constante, observação e atribuição de valores.
Não se tem dúvida dos problemas atuais e das dificuldades enfrentadas por profissionais da
educação, especialmente na prática do ensino de ciências, e uso de meios tecnológicos, os quais podem ser
utilizados para falar de qualquer tema proposto pela matriz curricular do ensino básico, podendo ser utilizado
até por alunos e alunas que ainda não sabem ler e escrever (LORENZETTI & DELICOZOICOV, 2001).
Ademais, a alfabetização científica é necessária e fundamental para que as pessoas sintam satisfação pessoal,
para participarem criticamente da sociedade e para melhor desempenharem suas atividades profissionais.
De acordo com Harms e Yager (1977) apud Penick (1995), vários grupos de objetivos principais
caracterizam a sala de aula CTS, independentemente do assunto central que esteja sendo discutido, por
exemplo: l) Conhecimento para Satisfazer Necessidades Pessoais. A educação deveria preparar pessoas para utilizar o
conhecimento visando ao melhoramento da qualidade de vida e oferecer ferramentas para adequar-se a um
mundo em crescimento tecnológico. 2) Conhecimento para Resolver Assuntos Sociais Comuns. A educação deveria
produzir cidadãos informados e preparados para tratar com responsabilidade os assuntos científicos no
contexto social. 3) Conhecimento Visando ao Auxílio na Escolha da Profissão. A educação deveria ofertar a todos os
alunos o conhecimento da natureza e a vasta variedade das profissões à disposição do cidadão de acordo com
suas aptidões e inclinações.
Para que essa abordagem torne-se uma realidade nas nossas escolas, é imperativo que alguns
desafios sejam enfrentados e vencidos. Pode-se começar dizendo que a organização do cotidiano escolar
precisa se adequar, principalmente nas escolas de Ensino Fundamental da rede pública, a essa nova maneira
de ensinar e aprender. Nesse contexto, deve-se considerar que a atuação docente também precisa ser
repensada. O professor como agente transformador desse processo assume um papel fundamental para a
introdução de um programa que pretenda adicionar a tecnológica na sua prática pedagógica, principalmente
nas primeiras séries do Ensino Fundamental, onde o professor tem um papel polivalente em sua atuação.
Se esse é um desafio que se apresenta ao professor, não cabe apenas a este o seu enfrentamento.
Torna-se necessário também um (re) direcionamento nos cursos formadores desses profissionais da
educação, visando a uma formação continuada e permanente que articule a prática docente a condições
materiais e intelectuais, capazes de assegurar-lhes um desempenho consistente na realização do seu trabalho.
Deve-se fazer uma abordagem sistemática do leque de atividades que, conectadas ao planejamento
escolar, possa subsidiar os professores das primeiras séries do Ensino Fundamental no intuito de efetivar uma
educação nos moldes aqui propostos. Faz-se importante, também, conhecer pressupostos teóricos e
filosóficos sobre o conhecimento cientifico e suas inter-relações, tanto dos professores em serviço, como
daqueles que estão se preparando para o mercado de trabalho, nesse caso, os alunos do curso de pedagogia.
Para tanto, deve-se dar ênfase ao uso das Tecnologias de Comunicação e Informação (TCIs) como
instrumento de inserção de novos conteúdos de cunho científico e tecnológico, capazes de fazer a diferença
no que diz respeito à formação continuada dos professores, capacitando-os para promoveram as mudanças
qualitativas no fazer pedagógico desses profissionais.
Alfabetização Científica: Prática pedagógica a partir do uso das Tecnologias
A pesquisa que originou esse artigo deu-se priorizando o processo hipotético dedutivo,
estabelecendo-se uma investigação a partir da problemática da Alfabetização Científica e Tecnológica em
relação ao que vem sendo trabalhado nas escolas públicas da cidade de Arraias, estado do Tocantins. Os
procedimentos metodológicos utilizados foram os princípios da revisão bibliográfica questionando-se sobre a
problemática do método, a alfabetização, a alfabetização científica e tecnológica, o uso de sítios educativos,
tendo em vista o impacto desses na sociedade. Foi utilizado também o recurso de pesquisa de campo através
de entrevista por amostragem realizada com coordenadores pedagógicos e professores de cada escola com
enfoque na segunda série da primeira fase do Ensino Fundamental (terceiro ano após mudança do ensino
para nove anos).
Esses procedimentos de intervenção direta com os alunos foram concluídos com um trabalho muito
produtivo durante os eventos da programação da “Semana Acadêmica” do Campus da UFT – Universidade
Federal do Tocantins de Arraias. Ao se desenvolver uma atividade de observação com os alunos da rede
pública de ensino, mas precisamente com 4 turmas da segunda série do ensino fundamental de quatro escolas
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diferentes, convivendo em realidades sociais também diferentes, quando pudemos constatar os diferentes
níveis de aprendizagem em alunos de uma mesma série do ensino.
Um dos procedimentos da pesquisa bastante produtivo foi a realização de uma atividade extraclasse
com observação a partir de atividades pedagógicas na UFT. Num primeiro momento foram realizados
trabalhos com fantoches visando a estimular a criatividade das crianças e que despertou o interesse de todos.
Num segundo momento levamos as crianças ao LABIM (Laboratório de Informática), para proporcionarmos
o primeiro contato com os computadores e sítios educativos. Este foi considerado “o grande momento”
pelos alunos participantes, alguns ansiosos, outros com medo de estragar a máquina, mas todos muito
curiosos e satisfeitos por estarem ali.
Levamos as crianças também para biblioteca, para muitos, uma novidade, e o que chamou a atenção
foi que a maior procura por livros acadêmicos. Já livros infanto-juvenis disponíveis na biblioteca, que foram
preparado exclusivamente para elas, passaram quase despercebidos pela maioria das crianças. Ao final do
encontro realizamos uma avaliação com as crianças, pedindo a elas que desenhasse o de que elas mais
gostaram, ou aquilo que tivesse sido mais interessante. Dentre as crianças participantes, num total de 125,
tivemos os mais variados desenhos, o que nos chamou a atenção foi que cada turma trazia sua “rosa
vermelha” já pronta da escola. Uma turma desenhou uma grande quantidade de bandeira, outra turma
desenhava árvores, as outras duas turmas trouxeram os mais variados desenhos, mas o que prevalecia eram
desenhos de computadores, algo ainda inédito para muitos.
Como etapa posterior da pesquisa foi elaborado questionários para entrevistas, com os professores
das escolas objeto do estudo com o intuito de avaliar como o professor processa a alfabetização e se
considera a alfabetização científica em seus métodos educativos. Diante do questionário, observou-se a não
execução de uma alfabetização que privilegie a ciência e como principal motivo. Em todas as respostas
obtidas, a falta de computadores na escola foi apontado como sendo o principal entrave neste modelo de
alfabetização, além da falta de incentivo tanto da escola como do Estado para com os recursos tecnológicos.
Todos os professores participantes desta fase da pesquisa (quatro, um de cada escola participante),
disseram que ciências é algo importante, mas que não faz parte da realidade deles; pois não possuem meios
para realizar um trabalho assim: “para começar não temos nem Internet disponível para nosso uso, dirá para
nossos alunos” pontuou uma professora entrevistada. Para visualizar esta problemática fizemos visitas nas
salas participantes e pudemos observar que os professores trabalham atrelados aos livros didáticos de
Português e de Matemática, enquanto as outras disciplinas são trabalhadas “quando o tempo dá”, segundo a
mesma professora entrevistada.
Se não há dúvidas sobre o potencial oferecido pelo estudo das ciências, na fase inicial da
escolaridade, outras questões permanecem em aberto. Uma em especial nos chama a atenção: quais os
obstáculos encontrados pelos professores das séries iniciais do Ensino Fundamental no ensino de ciências.
Esta questão decorre da constatação de que, praticamente, não são desenvolvidas atividades relativas às
ciências na pré-escola. Na busca por discutir essa problematização, alguns elementos passaram a ser
diagnosticados como possíveis causadores dessa aparente apatia dos educadores. Entre eles, destacamos: A
falta de visão por parte dos elaboradores dos programas curriculares e dos livros didáticos, sobre a
importância do conhecimento de ciências para a formação dos indivíduos. A deficiência no processo de
formação dos professores das séries iniciais do Ensino Fundamental nesta área do conhecimento, gerando
insegurança em relação ao assunto.
Considerações Finais
Nas sociedades caracterizadas por várias formas de exclusão (geográfica, social, cultural, de gênero)
o acesso aos conhecimentos científicos pode ser mais um instrumento de exclusão de mulheres e homens que
vivem e atuam em sociedades modeladas pela ciência e pela tecnologia. Esta exclusão resulta na criação de
uma elite, à qual se reserva a ciência e a tecnologia, enquanto a maioria da população não tem a formação
científica adequada, consolidando-se assim novas e diferentes formas de discriminação.
Este novo instrumento de exclusão social pode ser neutralizado assegurando-se uma educação
científica de qualidade desde muito cedo. Por esse motivo se considera imprescindível gerar políticas de
aperfeiçoamento, inovação e investigação no campo do ensino das ciências, visando à eqüidade e propondo
uma educação científica para todos. Devemos hierarquizar, particularmente, o setor da educação informal,
para elevar o nível de cultura das crianças, dos jovens e dos adultos, privilegiando, as pessoas de setores
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socioeconômicos desfavorecidos, assim, com o propósito de contribuir para melhorar suas condições em
termos de qualidade de vida. (MACEDO & KATZKOWICZ. 2003).
O que essas autoras protagonizam vai ao encontro do que foi proposto no Fórum Mundial sobre
Educação realizado em Dacar no ano 2000, o qual estabeleceu como objetivos, até o ano 2015, garantir que
todas as crianças em idade escolar tenham acesso a um ensino primário de boa qualidade, gratuito e
obrigatório, e possam terminar seus estudos; que aumentem, em 50%, os índices de alfabetização das pessoas
adultas, especialmente as mulheres, e que se consiga com que todas tenham acesso a uma educação básica e
permanente.
Pode-se, igualmente, situar nessa perspectiva, o fato de que a formação científica e tecnológica, que
hoje se apresenta indispensável para poder entender a vida moderna e nela atuar é, também, privilégio de uns
poucos. Segundo Macedo & Katzkowicz (2003), a possibilidade de se superar esse privilégio, e de que amplos
setores da população tenham conhecimentos que lhes permitam tomar as decisões com autonomia, algumas
delas tão simples como decidir de que modo se alimentar, como manejar as fontes de energia em casa e
economizar o consumo dessa energia, ou como utilizar o recurso água, para mencionar só algumas das
questões mais comuns, significa colocar a formação científica necessária e pertinente à disposição de todos os
cidadãos e cidadãs.
As autoras acenam com a premissa de que a ciência deve não só responder às necessidades sociais,
para possibilitar melhores condições de vida para a população que vive em condições de pobreza extrema,
mas que os progressos científicos possam ser utilizados pela/para a cidadania, e, para isso, precisam ser
conhecidos, o que nos obriga, e não apenas de uma perspectiva educacional, porém ética e de compromisso
social, a incrementar os esforços para garantir a todos uma cultura científica e tecnológica de qualidade.
A igualdade de acesso à educação científica constitui não só uma exigência social e ética para o
desenvolvimento humano como, além disso, é necessário para explorar plenamente o potencial das
comunidades científicas de todo o mundo e para orientar o progresso científico, de modo a satisfazer as
necessidades da humanidade. Este processo de mudança deve estar baseado em uma nova relação entre
ciência e sociedade, que só poderá existir se todos os cidadãos e cidadãs possuírem formação e cultura
científica e tecnológica que lhes permita compreender e administrar sua vida quotidiana, enfrentá-la e
integrar-se a ela de maneira crítica e autônoma, estando capacitados a tomar decisões.
Por isso entendemos que as diversas dimensões dessa problemática devem ser abordadas de modo
integral e sistêmico: novas propostas curriculares que contemplem as tendências atuais da educação científica;
a formação inicial, em serviço e permanente, dos docentes; a pesquisa; a elaboração de materiais didáticos
apropriados; a sistematização de experiências inovadoras que devem fomentar as interfases de diálogo e
trabalho conjunto entre professores, pesquisadores e estudantes.
Só assim será possível promover uma educação de qualidade voltada para a produção científica, caso
contrário, estaremos contribuindo, ainda mais, para ampliar a grande massa dos esquecidos que hoje não têm
emprego e padecem vítimas de políticas governamentais predatórias. Sem o compromisso dos governos com
a retomada do Estado de bem estar social, nem a plena, plana e generalizada educação informacional trará
conforto à sociedade. Nem a sociedade, por mais incluída que esteja na democracia digital da informação,
deixará de permanecer, realmente, excluída do acesso, não só aos bens de consumo, mas às condições de
desenvolvimento cultural humanístico que devem continuar a ser a utopia e o traço distintivo do homem em
sua humanidade. É dever do Estado dá condições a estes 20 milhões de brasileiros (em especial aos que estão
ao “nosso” alcance) analfabetos de ingressarem no meio social e educacional com consciência crítica. Hoje,
mais do que em outras épocas, a questão de Educação deixou de ser somente uma questão social. É uma
questão de sobrevivência.
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Trabalho enviado até 30/04/2011 Recebido em 30/04/2011
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BULLYING: UM DESAFIO PARA AS NOSSAS ESCOLAS
Pedro Braga Gomes46
Resumo: Este artigo é resultado de reflexões sobre a construção de relações interpessoais no
convívio escolar, pautadas no diálogo e na resolução pacifica de conflitos a partir do surgimento do
Bullying na escola e na vida cotidiana. Na busca do aprendizado e da participação cidadã nos rumos
da sociedade aprendente.
Palavras chaves: Educação Estética, Direitos Humanos, Bullying e Escola.
Abstract: This article is the result of reflections on the construction of interpersonal relationships
in school life, grounded in dialogue and peaceful resolution of conflicts from the rise of bullying at
school and in everyday life. In pursuit of learning and citizen participation in shaping the learning
society.
Key-words: Aesthetic Education, Human Rights, Bullying and School
Ninguém nasce sujeito agressivo ou hostil,
O sujeito “se torna um”
Simone de Beauvoir (1908-1986).
O conflito é parte natural de nossas vidas. A maioria das teorias interacionistas em filosofia,
psicologia e educação está alicerçada no pressuposto de que nos constituímos e nos formamos a
partir da relação direta ou mediada com o outro. “As gerações nascem umas das outras“, assim nos
ensinou o inventor moderno do conceito, o pensador espanhol ORTEGA Y GASSET (1929),
sugerindo a existência de um processo compulsório de transmissão de heranças culturais.
Nessa relação, deparamo-nos com as diferenças e semelhanças que nos obrigam a
comparar, descobrir, ressignificar, compreender, agir, buscar alternativas e refletir sobre nós
mesmos e sobre os demais.
Uma solução satisfatória de um conflito exige que nos afastemos e distanciemos do nosso
próprio ponto de vista, para contemplarmos, simultaneamente, outros pontos de vista diferentes e,
muitas vezes, opostos daqueles que se propõem mediar. Exigindo, ainda, a elaboração de fusões
criativas entre os diferentes pontos de vista. Tal processo implica, necessariamente, operações de
reciprocidade e síntese entre as diferenças. Para tanto, faz-se necessário analisar a situação
enfrentada, expor adequadamente o problema e buscar soluções que permitam resolvê-lo de
maneira satisfatória. Tudo isso requer um processo de aprendizagem que nosso sistema educativo
no vivido escolar parece não contemplar.
Ora, uma formação que visa à construção de valores de democracia e de cidadania não
pode ignorar os conflitos pessoais e sociais vividos por seus atores, mas, deve sim, conceder um
lugar relevante às relações interpessoais. Conceber os conflitos interpessoais como um conteúdo
essencial para a formação psicológica e social dos seres humanos, um caminho profícuo para a
46Filósofo
e Professor. Mestre em Educação. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Pedagogia do
Sujeito na Universidade Cidade de São Paulo (www.NEPEPES.com.br).
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construção de sociedades e culturas mais democráticas e sensíveis à ética nas relações humanas seria
introduzir o trabalho sistematizado com conflitos no cotidiano escolar.
É relevo que, apesar de bastante difundida pela maioria das propostas de resolução de
conflitos, tal como sinalizou SCHINITMAN (1999), utilizar arbitragens, mediações, negociações e
terapias, com base em modelos tradicionais que parecem atuar mais sobre objetivos específicos e
práticos e se pautarem em pressupostos dicotômicos de ganhar e perder nas resoluções.
Em outra dimensão, surgem novos paradigmas de resolução de conflitos que, com base na
comunicação e em práticas discursivas e simbólicas, promover diálogos transformativos. Tais
propostas rechaçam a idéia de que em um conflito sempre há ganhadores e perdedores e defendem
a construção de interesses comuns e uma co-participação responsável. Incrementar o diálogo e a
participação coletiva em decisões e acordos participativos, essas propostas permitem aumentar a
compreensão, o respeito e a construção de ações coordenadas que considerem as diferenças.
Neste sentido, a Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana (1948), assim
orienta:
Artigo 1º - Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e
consciência e devem agir em relação umas as outras com espírito de fraternidade;
Artigo 25º - Toda pessoa tem direito a instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus
elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnicoprofissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, está baseada no mérito. A
instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da pessoa humana e do
fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução
promoverá a compensação, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais e
religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada aos
seus filhos. O atributo é a pessoa, que merece respeito e dignidade por essa condição. Pelo ser que
possui o atributo a vida GOMES (2010), e sendo pressupostos da educação: a liberdade e
inteligência. Esta Carta deveria ser uma oração internacional a tratar o afeto e o acolhimento como
compromisso ético para a construção da justiça social. Escola a formar cidadãos capazes de
conviver em um ambiente social plural com respeito ao diferente, a liberdade religiosa e adversidade
sexual. Criando-se oportunidade de se conhecer e reconhecer no outro a alteridade, apesar da
diferença. Sendo o Brasil signatário da Declaração de Nova Delhi em que se reconhece a educação
como instrumento de promoção dos valores humanos universais, da qualidade dos recursos
humanos e do respeito pela diversidade cultural.
Os conflitos étnicos estão batendo a nossa porta a todo instante. O silêncio está
caminhando no paralelo. Silêncio este, com muitos saberes e com muito de nossos fazeres também
na prática profissional. Um silêncio quanto à alteridade, da não percepção quanto à multiplicidade
que é esse país. Temos até quem trabalha numa outra perspectiva de inclusão social, que imagina
outra sociedade possível, que também é conveniente o silêncio.
Como se sabe, há uma distância enorme entre a intenção e o gesto, está distante. Como nos
ensina a Carta das Nações Unidas, está distante demais de uma transformação substancial. Mas,
precisamos destes mecanismos para nos motivar a reflexão, tendo como parâmetros conceitos de
grandeza e dignidade humana e sendo exemplo a ser seguido o consenso de tantas nações
signatárias.
Assim, é preciso ter sempre em conta que todas as pessoas nascem com os mesmos
direitos fundamentais. Não importa se a pessoa é homem/mulher, não importa onde a pessoa
nasceu e nem a cor da sua pele, não importa se a pessoa é rica ou pobre, como também não são
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importantes o nome da família, a profissão, a preferência política, sexual ou a sua crença religiosa.
Os direitos fundamentais são os mesmos para todos os seres humanos (DALLARI, 2004, p. 14).
A relevância deste autor, e dos demais artigos inclusive as da Carta das Nações Unidas dos
Direitos da Pessoa Humana, encontram-se eco na necessidade de uma convivência pacifica entre as
nações que poderá ser efetivada com maior sucesso na medida em que a educação estiver formando
cidadãos capazes de conviver em uma sociedade plural, com respeito à liberdade religiosa, de culto
e de cultura.
A sociedade atual é pluricultural e diversificada, quanto à sua formação educacional
fundamentada em uma era digital e veloz, cujos conceitos e valores mudam com a rapidez de bytes,
gigabyte e megabytes. Inseridos nesse processo encontramos o sistema da educação formal
fundamentado em preceitos e valores construídos nos ideais de moral e ética de manter a formação
do cidadão de forma holística; que geralmente entra em contraponto com a rapidez da diversidade
de valores da sociedade atual, ou até mesmo a diversidade de valores da família que está inserida
neste contexto.
É notório que o maior desafio da educação formal, nos dias de hoje, não é simplesmente o
desenvolvimento do potencial cognitivo e a construção de conhecimento, bem como as variáveis
externas que envolvem esse processo e sim a habilidade da resolução de conflitos para que esse
processo atinja um nível de excelência aceitável. O educador que não estiver preparado para lidar
com essas situações no processo educacional enfrentará muitas barreiras, as quais quando impostas
podem refletir o seu sucesso profissional e, até mesmo, frustrações pessoais. Dentre as várias
situações que envolvem esse contexto, destaco nesse artigo uma de relevante importância: o Bullying
e as ações ocasionadas pelos alunos desafiadores.
Bullying é uma palavra inglesa e ainda não se tem uma tradução para a língua portuguesa,
mas o termo poderia ser associado ao seu significado original “tirania, ameaça ou intimidação ou,
até mesmo, fazer troça das pessoas” e embora seja ainda pouco conhecida, refere-se a uma prática
freqüente nas escolas do mundo.
Em tempo de nossas vidas, nossa sociedade parece vê-los sempre de forma negativa e/ou
destrutiva. Diante de um conflito vivido, por exemplo, entre irmãos/as, a conduta do pai ou da
mãe, normalmente, contempla a idéia de que a extinção é a melhor forma de resolvê-lo. Nesse
sentido, é comum argumentarem que o melhor é que façam “as pazes” e voltem a ser amigos/as,
como eram antes do início da situação conflitiva. Em suma, o conflito é visto como algo
desnecessário, um comportamento corriqueiro, visto como inofensivo entre os adultos ou quase
inexistente e que viola as normas sociais e que, portanto, deve ser evitado ou não dar importância.
Por exemplo, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condenou o Colégio Nossa Senhora
da Piedade a pagar uma indenização para uma vítima do Bullying. A Instituição Educacional tratou a
situação sempre com “medidas pedagógicas”, dizendo para “a vítima fingir que o agressor não
existia” e tratou o assunto a todo instante como sendo um caso de uma “mãe encrenqueira” (Jornal
O Estado de São Paulo – Caderno Vida – A29 –2 de Abril de 2011). O problema não está no
acontecimento do Bullying, mas a atitude e o tratamento como que a Instituição de Ensino elegeu
para episódio, e inclusive não aceitando palestras da Associação Brasileira de Proteção a Infância e
Adolescência (ABRAPIA) para debater o Bullying na escola. A Instituição de Ensino negou o
mundo dado da existência do Bullying.
Neste sentido, JOHNSON e JOHNSON (1999, p.35), acrescentam ao debate nos
orientando:“o que determina que os conflitos sejam destrutivos ou construtivos não é sua
existência, mas sim a forma como são tratados”.
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Conforme ensinamento dos autores, as escolas que desprezam seus conflitos os tratam de
forma destrutiva e aquelas que os valorizam os tratam de forma construtiva e valorosa. Assim, os
conflitos tratados construtivamente de forma humanizadora podem trazer resultados positivos,
melhorar o desempenho, o raciocínio e a resolução das situações problemas. Penso ser coerente o
que os autores acrescentam, pois, a busca por uma escola de qualidade deve transformar os
conflitos do vivido escolar em instrumentos valiosos na construção de um espaço singular para
reflexão e atitudes que possibilitam aos envolvidos enfrentarem, de maneira autônoma, a ampla e
variada gama de conflitos pessoais e sociais.
Necessitamos de nos sentirmos imbuídos e encorajados a investir na reorganização
curricular da escola, para que possa proporcionar um lugar onde, de forma transversal, se trabalhem
os conflitos vividos no cotidiano da vida social e escolar.
Comparativamente, a proposta educacional e a escola entendem que, da mesma forma que
os estudantes aprendem a contar, a conhecer os fenômenos naturais e a se apropriar da escrita, são
fundamentais para suas vidas que conheçam a si mesmos e a seus colegas, e as causas e
conseqüências dos conflitos da vida moderna. Por meio de situações que solicitem a resolução de
conflitos, a educação atinge um duplo aspecto: preparar seus educandos para a Vida (GOMES,
2010, p. 41), fora dos muros e ao mesmo tempo em que não se fragmenta as dimensões cognitivas
e afetivas no trabalho com as disciplinas curriculares.
O Bullying é um problema transnacional, é encontrado em qualquer escola, não está restrito
a um tipo específico de instituição. O Bullying começou a ser pesquisado há cerca de dez anos na
Europa. Geralmente, os pais e a escola não davam importância para o fato, que geralmente
achavam as ofensas bobas e sem importância para terem maiores conseqüências, o jovem recorria a
uma medida desesperada, muitas vezes sem volta.
O primeiro a relacionar a palavra Bullying ao fenômeno foi DAN OLWEUS, professor da
Universidade de Noruega. Ao pesquisar as tendências suicidas entre adolescentes, o pesquisador
descobriu que a maioria desses jovens tinha sofrido algum tipo de ameaça e que, portanto, Bullying é
um mal a ser combatido nas nossas escolas.
Após vários estudos de vários setores envolvidos com o processo educacional constatou-se
que a sala de aula e o horário do recreio são locais de maior incidência desse tipo de violência.
Contudo, como isso ocorre dentro de um ambiente educacional o qual se preza pela formação
moral, social e cognitiva do principal produto do seu fim, o ser humano? Como os educandos se
envolvem nesse processo? Conforme vários teóricos que abordam o comportamento do Bullying os
protagonistas são pessoas que, na maioria das vezes, não possuem empatia e, geralmente são fruto
de um ambiente familiar desestruturado, nos quais há carência de relacionamento afetivo.
Os pais de um protagonista de Bullying não possuem um acompanhamento eficiente ou
possua voz ativa sobre ele, alguns são tolerantes e permissivos apresentando solução para resolução
de conflitos o comportamento agressivo, explosivo e excludente.
Na contemporaneidade os valores culturais passaram a ser ditados pela televisão, ou
mesmo em jogos de vídeo-game. Nesse sentido o que podemos observar em nossas escolas e
acredita-se que os praticantes de Bullying têm grande probabilidade de se tornarem adultos com
comportamentos anti-sociais ou violentos, podendo, até mesmo, adotar atitudes delinqüentes ou
criminosas que se manifestam de várias formas. Hipoteticamente já pensou ou imaginou que a
corrupção e os corruptos podem surgir de um processo como esse? Já as vítimas, geralmente, são
pessoas ou grupos que são prejudicados ou que sofrem as conseqüências dos comportamentos de
outros e que não têm autonomia e voz ativa ou, competência para reagir ou cessar as ações
prejudiciais que são impostas.
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A pessoa vítima do Bullying, geralmente, tem um estereótipo constante ligado a traços de
uma pessoa de pouca sociabilidade, uma pessoa introspectiva, uma pessoa estudiosa, uma pessoa
frágil físicamente e são permeados de um forte sentimento de insegurança que os proporciona uma
situação de impotência, impedindo-os de solicitar ajuda. São pessoas com uma auto-estima baixa ou
sem esperanças quanto às possibilidades de aceitação em um grupo. A situação se agrava quando
alguns crêem que realmente são merecedores do que lhes é imposto.
As vítimas do Bullying têm poucos amigos, são passivos, inertes e não reagem efetivamente
aos atos de agressividade sofridos. Muitos passam a ter baixo desempenho escolar, resistem ou
recusam-se a ir para a escola, chegando a simular doenças. Trocam de colégio com frequência, ou
abandonam os estudos.
Podemos observar que o agressor também precisa cometer a ação de Bulliyng possuir
alguma compensação a ser suprida, talvez pela carência familiar. No momento que um protagonista
do Bullying passa a atuar, ele se torna o centro das atenções ganhando popularidade,
reconhecimento e status em relação a uma vítima que lhe atinge psicologicamente pela sua maneira
de ser e conviver. Para um ator do Bullying sempre existe uma platéia ativa que o reforça. Não existe
espetáculo sem platéia e neste sentido BEAUDOIN & TAYLOR (2006, p.182) nos ensina:
Quando os alunos mudam, não é porque adquiriram um conhecimento intelectual sobre o
respeito, mas sim porque descobriram sozinhos quais são suas preferências nos relacionamentos
que têm uns com os outros. É muito mais convincente e significativo perceber as próprias
preferências do que ser informado sobre quais deveriam ser essas preferências.
Quando nos expressamos e escrevemos sobre Bullying adentramos em um mundo pouco
conhecido, tanto para nós “leigos” ou profissionais envolvidos na área médica ou educacional,
contudo já que sabemos um pouco dessa “gota” dentro do oceano meu principal objetivo e deixálo atento para esse fato e neste sentido as autoras e pesquisadoras norte americanas (BEAUDOIN
& TAYLOR, 2006, p.123-124) nos alerta para:
Inúmeros alunos de todas as idades nos disseram que sua ligação com um educador, que
tenham tido a chance de conhecer como pessoa, aumentou sua motivação para concluir tarefas e
levou-os a nutrir uma atitude mais positiva.
É impossível em tempos atuais que o Bullying seja olhado não mais como um
comportamento comum e inofensivo dentro das relações escolares, mas um fenômeno silencioso e
que não se pode desprezar o conflito; ele é parte integrante da nossa convivência no quadrante
escolar. Ele precisa ser trazido como um conteúdo escolar, para além da disciplina que o professor
está a ministrar. Por exemplo. Como transformar num acontecimento total uma agressão entre dois
alunos? Como superar a própria onipotência, parar aula e fazer dali um espaço de aprendizagem de
afetos? Não posso exigir do aluno que tenha outro tipo de comportamento, que repense suas
relações, se dentro da sala de aula não se proporciona um espaço para isso?
Com tais ações é uma questão de mudar um pouco a dinâmica escolar, revisitar debatendo
com o grupo de professores e com toda a comunidade escolar, de que a educação deve ter outro
tempo, porque em novos tempos se exige um tempo para aprender a se relacionar.
Jamais podemos esquecer que a escola é uma instituição social. E como tal, o seu objetivo é
o da manutenção do eixo civilizatório. Ela precisa se colocar também neste lugar. Não é
simplesmente o punir ou não punir o aluno, mas acrescentar na escola esse ambiente de educar para
a vida além dos murros.
Por exemplo, uma assembléia de pais, um espaço onde os pais participem da construção
das regras da escola, mas no momento de exercer uma autoridade, que não autoritarismo, fazer com
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que a regras estabelecidas sejam colocadas em prática dentro do espaço de convivência a Ágora,
SAUTET (1992), como nos ensinou Platão. As regras de convivência como nos ensina PUIG
(2000), podem ser construídas coletivamente e de maneira clara, e dentro de um processo. Todos se
comprometendo com elas, inclusive os educandos.
Numa escola que ensina, é importante ensinar a olhar para o outro, criar relacionamentos
saudáveis, em que os colegas tolerem as diferenças e com um senso de proteção coletiva e lealdade.
E preciso criar no quadrante escolar a cultura de se preocupar com outro na construção de uma
imagem positiva de si mesmo e de quem estiver ao redor.
Numa escola que ensina, é importante ensinar para a alteridade DUSSEL (2002), esse algo
além de mim, a palavra alteridade revela muito e com muito simbolismo, porque ela é o outro, ela é
o além de mim. Diferente como pessoa humana, ou diferente como outro, singular, diferente como
o universo inteiro e uma energia de amor que perpassa o universo que conecta uns aos outros.
Numa escola que ensina, é essencial proporcionar no quadrante escolar um ambiente
equilibrado, onde o professor forma vínculo estreitos com os educandos, mostrando acolhimento,
afeto e atenção. Mostrando de fato reconhecimento por uma imagem positiva com a “compaixão” e
com “o cuidado” GOMES (2010). Compaixão que serve a paz, a justiça e o cuidado a ecologia e com
o meio ambiente.
Numa escola que ensina, a equipe escolar precisa dar o exemplo, banindo a violência e o
autoritarismo de suas práticas. Os educandos aprendem que gritos e indiferenças são formas
normais do enfrentamento das insatisfações. Os educadores são sempre modelos de uma Pedagogia
Viva GOMES (2010, p. 34) para o bem ou para o mal.
Numa escola que ensina, é essencial a escola ensinar limites. Estabelecendo normas e
justificativas por que devem ser seguidas. Por pensar que sejam rígidas demais os educadores tem a
prática do afrouxamento. Mas os educandos nem sempre sabem o que é melhor fazer e precisam de
referencia.
Portanto ao observar nas propostas, os professores, pais, alunos, enfim, a comunidade
escolar como um todo precisa atentar para ocorrência de bullying e, sempre buscar ajuda para
viabilizar situações e ações que erradiquem esses conflitos. Os pais são parte integrante nas ações e
com certeza, nos seus momentos de convivências familiares detectam comentários dos filhos em
relação aos colegas ou até mesmo percebem a mudança de comportamento das crianças quando
sofrem Bullying.
A educação para a cidadania no seu discurso oficial, o importante é saber equilibrar o
pensar estético FREIRE (1967; 1975), o histórico, o cientifico e o filosófico, isto é, o da reflexão. A
abertura como capacidade de ultrapassagem e o de romper paradigmas. É a dimensão do conviver
com a outra pessoa: é um ser enraizado nos limites da realidade, situado e datado no tempo. É um
nó concreto de relações. Ambas as relações convivem no único e mesmo ser humano. Ele é
histórico e utópico; é feito e sempre incompleto e sempre por fazer. É uma pulsão infinita que se
encontra aprisionada nos limites do espaço e tempo. É a convergência dos opostos.
Sendo a transcendência, a ousadia para um novo espaço de aprender como ensina
ASSMANN (1996). Instrução que sirva de lastro para a vivência e o discipulado profissional, a
formação é permanente. Somente assim podemos compreender qual é o professor, que se encontra
em mim. Qual é o meu professor interno? O encontro de si mesmo com você mesmo. “Conhecer a
ti mesmo” como nos advertiu o pensador grego Sócrates. Como gesto na busca de uma “Pedagogia
Viva” GOMES (2010, p.34) cujas práticas pedagógicas sejam sempre revisitadas, na busca de
soluções inadiáveis para os graves problemas sociais que o afligem e o ameaçam. Com a convicção
de ensinar aquilo que crê e realizar aquilo que ensinar.
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Uma “Pedagogia Viva”, GOMES (2010, p.34) preocupada com o outro, o saber cuidar é o
principio da Vida. Não sendo apenas uma atitude que eu tomo agora e posso não tomar daqui a
alguns momentos. Mas o jeito de viver é uma forma de organização. E assim convivendo
positivamente, com problemas e crises inerentes à sua própria existência como nos ensinou
MONTAIGNE (2010) em saber desfrutar lealmente do nosso ser. O EU que por meio da
racionalidade o homem conhece, se desenvolve, cresce e se modifica.
“O poder de adivinhar o futuro o educador não o possui”, mas, reconhecer os sinais e
identificar as mudanças no comportamento dos educandos é condição “sine qua non”, para que as
vitimas do Bullying sejam menos expostas possíveis. A vítima precisa se sentir segura e fortalecida de
que não será mais prejudicada. Saber conviver na escola e além dos seus muros, é fator fundamental
para sermos cidadãos, numa sociedade que se pretende justa e democrática.
É preciso criar uma cultura contra o Bullying não contra os bullies. A final, estes também
são em sua essência, resultado de violência e, portanto, vitimas. A educação não é o único caminho
para o combate ao Bullying, mas é, sem dúvida, o mais importante, tanto para o seu papel formador
como pelo poder multiplicador que possui.
Referências
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Piracicaba: Unimep, 1996;
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FAZENDA, I. C. A. Interdisciplinaridade: História, Teoria e Pesquisa. Campinas: Papirus,
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Trabalho enviado até 30/04/2011 Recebido em 30/04/2011
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SOBRE A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO – INTERFACES NAS
REFLEXÕES DA ANÁLISE DO DISCURSO E DA PSICANÁLISE.
Raquel Horta Fialho do Amaral Cougo
Mestre PUC – RJ
Resumo
Este artigo investiga o processo de produção de conhecimento científico através de uma articulação
teórica entre a psicanálise lacaniana e a análise de discurso pecheutiana. Para tanto, além das duas
áreas de conhecimento já citadas, mobilizaremos também a filosofia da ciência - aqui representada
por Koyré - no que ela nos informa sobre os fundamentos do discurso científico. Traremos as
exigências que a ciência estabelece para que um discurso seja considerado científico e as reflexões
da psicanálise e a análise do discurso sobre esse paradigma de produção de conhecimento.
Palavras – chave: saber, ciência, sujeito
Abstract
This article investigates the process of scientific knowledge production, by articulating lacanian
psychoanalysis and Pêcheux's discourse analysis. For that end, besides the two aforementioned
areas of expertise, we also mobilize the philosophy of science - represented here by Koyré - as it
tells us about the fundamentals of scientific discourse. We will bring the requirements that science
establishes that a speech is considered scientific the reflections of psychoanalysis and discourse
analysis about this paradigm of knowledge production.
Key-words: knowledge, science, subject
Introdução
São muitos os pontos de contato entre a psicanálise lacaniana e a análise de discurso
pecheutiana. Desde a concepção de um sujeito determinado por condições sobre os quais ele não
tem conhecimento (LACAN, 1998[1957] e PÊCHEUX, 1997) até as afirmações sobre as formações
discursivas componentes do laço social (LACAN, 1998[1965] e PÊCHEUX, 1971), as conclusões
de Lacan e Pêcheux se harmonizam e fazem notar que os dois campos de saber que cada um
representa podem ser tidos como suplementares. Partindo dessa premissa, analisaremos as
contribuições desses dois autores para o debate sobre a produção de conhecimento científico na
modernidade, salientando o lugar (ou falta de) do sujeito e da história nesse processo.
1 – A relação da descoberta científica com a história
Para circunscrevermos a concepção de ciência que orienta o processo de produção do
saber científico na modernidade, lancemos mão de Alexandre Koyré como nosso guia, tal como ele
o foi para Lacan no entendimento dos fundamentos da ciência moderna. Segundo Koyré (2006) a
viga-mestra sobre a qual se ergue a ciência seria postulado de que todo o campo empírico é
constituído por matema. Isso implica que não existe uma hierarquia que vai dos seres menos
perfeitos, ou seja, menos matematizáveis, aos seres mais perfeitos e necessários que podem ser, por
essa razão, quase completamente matematizados. Na perspectiva moderna tudo o que existe
empiricamente é matema e deve ser lido matematicamente – ponto de vista que Koyré (2006, p. 53)
sintetizou afirmando que se trata da “redução do real ao geométrico” pela ciência.
O cientista moderno Galileu Galilei nos servirá de ilustração para os pontos sobre os quais
gostaríamos de refletir dentro da ciência moderna por ter sido um dos que mais acreditou no ideal
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matemático dessa ciência. Galileu formaliza e defende a idéia seminal da ciência moderna de que o
grande livro do universo estaria escrito em língua matemática (GALILEI, 1996[1623]).
Galileu talvez seja o primeiro espírito a acreditar que as formas matemáticas
eram efetivamente realizadas no mundo. Tudo o que existe no mundo está
submetido à forma geométrica; todos os movimentos são submetidos a leis
matemáticas, não só os movimentos regulares e as formas regulares que, talvez,
sejam absolutamente inexistentes na natureza, mas também as formas
irregulares. (KOYRÉ, 1982, p. 54)
Porém não encontramos em Galileu nenhuma afirmação que atribua à ciência que o
antecede ou a qualquer outro campo de saber qualquer mérito em sua „descoberta‟: essa nova
cosmovisão não é tida como herança de saberes que a antecediam e não seria procedente de
qualquer ideologia ou filosofia existente anteriormente. Poderíamos dizer que, se Deus construiu o
mundo em linguagem matemática, o mundo não teria relação nenhuma com isso, nem mesmo
Galileu, a quem coube somente se deparar com esse fato que sempre existiu. Trata-se de um
postulado completamente independente do cientista – da sua história, das suas vivências e das suas
escolhas; e independente do mundo que é pesquisado e que, ao mesmo tempo, constitui o cenário
da pesquisa.
Vemos então que essa separação entre a ciência e o meio no qual ela se desenvolve teve sua
origem nos primórdios da ciência moderna e moldou a posição da ciência diante do seu processo de
produção de conhecimento até a contemporaneidade. A pesquisa científica na contemporaneidade
herdou da ciência moderna essa crença de que o seu saber não seria afetado por um contexto
histórico-social no qual ela estaria inserida.
Pêcheux (1997) escolhe outra via de entendimento do processo de produção de
conhecimento, pois, segundo ele, a forma como se dá a construção do saber científico não pode ser
pensada em separado da história. O autor localiza em seu texto a incidência da história da luta de
classes e suas consequências para o conhecimento científico (PÊCHEUX, 1997) e nos esclarece que
uma descoberta científica precisa entendida de modo mais abrangente, i.e., ela deve ser entendida a
partir de sua inscrição na história e não como um momento de insight e surpresa de um indivíduo
alheio à história e à ideologia. A cena do cientista isolado pesquisando em seu laboratório até que “eureka!47”, dá espaço, a partir de Pêcheux, para uma visão da produção de conhecimento que
contemple os alicerces sócio-culturais que propiciaram esta novidade. Desta forma, a análise do
discurso, nos permite conceber a existência de vetores históricos que precedem a descoberta e que
possibilitam a sua aparição, ao mesmo tempo em que desconstrói o mito do cientista que recebe a
graça de obter a resposta para um enigma.
Isto implica que a produção histórica de um conhecimento científico dado não
poderia ser pensada como uma 'inovação das mentalidades', uma 'criação da
imaginação humana', um 'desarranjo dos hábitos do pensamento', etc., mas
como o efeito (e a parte) de um processo histórico determinado [...].
(PÊCHEUX, 1997, p. 190).
Se o saber científico caminha junto com a história, devemos abandonar a idéia de que o
processo de produção de conhecimento esteja absolutamente imune às formações ideológicas da
época. O interesse pela questão pesquisada, a escolha pela pergunta a ser feita, o método escolhido
e a resposta alcançada pelo cientista carregam a marca das formações discursivas vigentes no
período, quer dizer, dos aparelhos ideológicos de Estado e com a história da luta de classes
(PÊCHEUX, 1997, p. 191).
Traduzido do grego: “encontrei!”. Exclamação atribuída ao matemático grego Arquimedes quando este
estabeleceu o principio de Arquimedes.
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2 – A definição de corte epistemológico a partir da análise do discurso
Entender que o conhecimento tem suas raízes num processo que se inicia muito antes da
descoberta científica inscreve a ciência, ainda que à revelia desta, em um campo no qual o
desenvolvimento do saber não caminha aos saltos, mas é construído paulatinamente. Pêcheux
sinaliza que antes que haja o corte epistemológico que demarca o nascimento de uma ciência,
poderíamos observar a existência de fissuras menores – as rupturas intra-ideológicas, nas ideologias
ou filosofia já existentes. O autor sublinha (PÊCHEUX, 1997, p. 13) “a existência de um processo
de acumulação que precede necessariamente o momento do corte, e determina a conjuntura na qual
este se produzirá”. Dito de outra maneira, a forma como se ergueu o saber até o corte demarca os
limites dentro dos quais este corte se produzirá.
Essa perspectiva, além de localizar o saber científico em seu espaço/tempo, também faz
cair por terra a idéia de que a descoberta científica seria o marco zero antes do qual nenhum saber
existia. Se o conhecimento seria gerado no decorrer e partir da história, essa divisão estanque que
opõe o antes – tempo de trevas e obscurantismo, e o depois da descoberta – a partir do qual “Fiat
lux!48” tudo se iluminou, perde seu sentido. Antes da formalização de uma nova perspectiva
científica os diversos feixes que darão estofo a essa nova perspectiva estão dispostos na cultura
porque a história se encarregou de deixá-los aí. Não se trata, portanto, de um período de não-saber
até porque este período não existe: "[...] não há um 'estádio' pré-epistemológico em que 'os homens'
se encontrariam em estado de completa ignorância, não há 'estado de natureza' - ou de inocência epistemológico" (PÊCHEUX, 1997, p. 192).
Se as descobertas científicas estão dentro de uma conjuntura construída historicamente e a
produção do conhecimento não pode ser entendida através de divisões estanques, só podemos
continuar a pensar na existência de um corte, i.e., de uma ruptura que inaugura um novo paradigma
no processo de produção de saber, se este corte for entendido de uma determinada maneira.
Descartamos de início um corte que signifique a irrupção de algo totalmente novo – “um salto fora
da ideologia” (PÊCHEUX, 1997, p. 14), algo que não tenha nada do que já existia antes porque,
como vimos até aqui, o surgimento de um saber novo sobre o mundo se dá em relação com o que
já se sabia antes e não de forma independente. Para estar em harmonia com as indicações que
seguimos de Pêcheux, numa ruptura epistemológica o que havia antes não deixa de existir, não
desaparece, mas passa a integrar o que está se constituindo.
Koyré (2006) foi sensível aos saberes anteriores que constituíam a ciência que hoje
chamamos de antiga e que preparam o terreno para o pensamento moderno. Lembremos que a
ciência moderna tem a matemática como linguagem suprema, mas somente a partir de determinada
concepção de mundo é que a matemática poderá ocupar tal lugar neste. Este mundo não pode ser o
mundo aristotélico já que o mundo de Aristóteles seria um mundo impreciso e qualitativo, o que
inviabilizaria seu entendimento a partir da matemática. O platonismo também não se harmoniza
com esta proposta na medida em que a realidade seria uma cópia das figuras geométricas, porém
uma cópia imperfeita. Galileu parte das idéias de Platão, mas insere nela algo de novo ao extinguir a
distância entre as figuras geométricas e o mundo real afirmando que Deus construiu o mundo em
caracteres matemáticos. Obviamente o platonismo de Galileu é diferente do platonismo antigo, mas
ainda assim é possível que encontremos uma relação entre um e outro, que possamos pensar que
Galileu encontrava-se imerso nessas concepções de mundo e que elas contribuíram para o seu
pensar.
[...] o próprio dos conhecimentos (empíricos, descritivos, etc.) que precedem o
corte em um campo epistemológico dado é que eles permanecem inscritos na
forma-sujeito, isto é, que eles existem sob a forma de um sentido evidente para
"Faça-se a luz" em latim. Frase atribuída a Deus no processo de a criação do universo quando Ele teria
criado a luz a partir do nada.
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os sujeitos – seus suportes históricos - através das transformações históricas que
afetam esse sentido. (PÊCHEUX, 1997, p. 192).
O que se recolheu de conhecimento até o corte – o interdiscurso – sobrevive como
memória, como um arquivo precedente e como matéria-prima para o que virá. Assim, o corte
epistemológico seria esse momento em que se lança mão do interdiscurso para acrescentar a ele
algo novo – algo de polissêmico.
3 – A ciência como ausência de sujeito
A esta altura da nossa leitura é preciso que estabeleçamos distinções entre a maneira como
a análise do discurso e a psicanálise entendem a ciência e o modo como esta entende e identifica a si
própria. Um dos princípios fundamentais da análise do discurso é que todos “os indivíduos são
interpelados em sujeitos falantes por formações discursivas que representam „na linguagem‟ as
formações ideológicas que lhes são correspondentes” (PÊCHEUX, 1997, p. 214). Significa que
estamos todos constrangidos a nos posicionarmos como sujeitos diante do que nos chega da
cultura, i.e., da linguagem. Veremos, porém, que a ciência estabelece suas leis sob a forma de uma
“desidentificação, em outras palavras, de uma tomada de posição não-subjetiva” (PÊCHEUX,
1997, p. 217) ao destituir o sujeito do lugar que lhe cabe no processo de produção de
conhecimento.
Um enunciado, para ser identificado pela ciência como pertencente ao seu campo, não
pode estar relacionado a sujeito algum. O surgimento de um novo campo de saber científico não
pode ser produto ou responsabilidade de um indivíduo, ou seja, um novo modo deste indivíduo
entender o mundo porque na ciência o pensamento teria a exigência de ser “[...] um pensamento do
qual todo sujeito está, como tal, ausente [...]” (PÊCHEUX, 1997, p. 193). Por definição, uma nova
concepção científica não pode ser uma nova forma de um sujeito significar o mundo diante de si
porque o pensamento científico se propõe como autônomo, existindo independente de um sujeito.
Diante desta exigência primordial que a ciência impõe a si, a análise do discurso – aqui
representada por Pêcheux, e a psicanálise lacaniana constroem reflexões consonantes quando se
dedicam a pensar a estrutura do pensamento científico.
Ao longo de sua obra Lacan aborda o tema da ciência insistindo que aí estaria em ação um
radical mecanismo de “supressão do sujeito” (LACAN, 2003[1970], p. 436). A ciência, ao se
propor como um saber total, que, como veremos adiante, acessa a verdade sobre o real de maneira
imediata, se afasta do sujeito do inconsciente da psicanálise, que porta um ponto de não-saber
estrutural (LACAN, 1998[1965]). Para a ciência não existe lugar no mundo que não possa ser
iluminado pelo seu saber e, dentro dessa lógica, o sujeito da psicanálise não existiria. Vejamos como
isso funciona na ciência.
Vimos anteriormente que a ciência moderna parte do postulado que o real é matema.
Notemos agora que essa matematização não é um trabalho a ser empreendido pela ciência, mas um
fato que já está dado, uma característica inerente à própria natureza. Estejamos atentos à importante
diferença que há entre buscar matematizar o real e postular a condição matemática do real. A
matematização do real pela ciência é uma decisão de que o real é matemático, um saber total sobre
o real até onde este se estender.
Diante deste real matemático a ciência moderna se dedica à criação de protocolos que
façam uma leitura fiel desse real. Esses protocolos são equações matemáticas que dão conta dos
fenômenos da física e que seriam “as leis sobre as quais o Grande Criador houve por bem fundar
esta esplendorosa Estrutura do Mundo” (BERKELEY apud KOYRÉ 2006, p. 205). Os cientistas
modernos como Newton e Galileu se posicionam de modo a observar os fenômenos e, partindo do
postulado de que esses fenômenos são regidos matematicamente, extrair-lhes as leis (KOYRÉ,
2006, p. 157). Dizer que a lei é extraída do real faz notar que a posição da ciência moderna diante
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do real não corresponde à formulação de uma teoria, de uma hipótese matemática sobre ele porque
essas leis comporiam a natureza e, por isso, não seriam hipóteses ou induções. A ciência moderna
não se posiciona de maneira a fazer induções sobre o real49, mas sim alcançar a lei que rege o
fenômeno. Fica claro que o real na ciência moderna contém leis e estrutura acessíveis ao homem
naturalmente, ou seja, já contém um saber restando ao cientista somente desenterrar, tal como um
arqueólogo, esse saber que já existiria muito antes que dele alguém se ocupasse. Isso leva Lacan
(2003[1973], p. 132) a afirmar que
[...] é preciso levar em conta o real. Ou seja, aquilo que se destaca da nossa
experiência do saber: existe saber no real. Ainda que, este, não seja o analista que
tem que alojá-lo, mas sim o cientista.
Trata-se de uma exigência básica para se fazer ciência: o saber no real é fato. Daí que, para
saber, é preciso zero de sujeito.
Mas é válido que abordemos a ambiguidade que esta frase de Lacan carrega. O verbo
“alojar”50 escolhido pelo autor possibilita que se levante a questão se o cientista depositaria - no
sentido de acrescentar, saber ao real. Se optamos por uma leitura que, como a que Lacan fez,
sintoniza-se com a de Koyré devemos entender que por supor de saída que ali no real há saber, o
cientista termina por encontrá-lo. Portanto, o verbo alojar no excerto acima estaria mais próximo
dos verbos estabelecer ou abrigar.
Partindo de um postulado, a ciência instaura a mais genuína e eloqüente forma de
produção de saber: supondo que ele existe e se dedicando a deduzi-lo, a colhê-lo.
Essas afirmações de Lacan se harmonizam com a análise de discurso pecheutiana quando
definem o saber científico, como “um corpo articulado de conceitos” (PÊCHEUX, 1997, p. 193)
que deve dar a impressão de que se sustenta por si só. Para isso, seus conceitos não podem
pertencer ao campo do sentido, não podem carregar consigo a marca de uma significação particular.
Quanto mais livre de significação, quanto mais a significação do conceito se aproxime de zero, mais
este conceito se presta à ciência. Desta forma está impedida a possibilidade de se localizar o sujeito
no centro do processo de produção de saber, porque este saber não pode estar relacionado a um
sujeito, mas sim com o real. Uma proposição científica não pode ter sua origem em um sujeito, mas
sim no mundo.
Nesse saber que vem do real não será possível localizar, portanto, as relações com a
história, as escolhas que foram influenciadas pela conjuntura sócio-econômica e com tudo mais que
fundamentou o surgimento desta forma de pensar. Isso leva a Pêcheux (1997, p. 194) afirmar que
no nascimento da ciência ela rompe com “[...] aquilo de onde ela surge [...]” apagando o caráter
sobredeterminado em que se produziu o seu corte. Esta afirmação de Pêcheux se harmoniza com
os comentários de Lacan (1998[1965], p. 884) sobre esse assunto quando eles nos informam que
“[...] a ciência, se a examinarmos bem de perto, não tem memória. Ela esquece as peripécias em que
nasceu uma vez constituída”.
Para ilustrar esse procedimento radical de ruptura empreendido pela ciência, Pêcheux
lembra a passagem da mecânica para a eletricidade e o magnetismo afirmando que, para a
construção de seus instrumentos os dois últimos se apóiam na ciência anterior, mas essa relação fica
esquecida quando os fundamentos da mecânica são tomados como ponto de consenso, como um
dado óbvio da natureza (PÊCHEUX, 1971, p. 35) e não uma forma possível de pensar o real 51.
“Hypotheses non figo” - traduzido como „eu não imagino hipóteses‟ (NEWTON apud KOYRÉ, 2006: 202).
“Loger” no original em francês.
51 Dito desta maneira fica mais clara a noção de que o corte inaugura uma “[...] relação do „pensamento‟ com
o real [...]” (PÊCHEUX, 1997, p.193).
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Com essa ruptura entre a ciência e as suas condições de nascimento fica estabelecida uma
relação imediata entre o real e o saber na qual o processo de produção de conhecimento seria um
encontro com a verdade contida nos objetos do mundo, cabendo ao cientista aprimorar cada vez
mais o processo de extração desse saber. Assim, a ciência equivaleria à lógica (PÊCHEUX, 1997, p.
197), i.e., a um exercício intelectual que visa à apreensão dos enunciados verdadeiros e o rechaço às
afirmações equivocadas sobre o mundo. O cientista acredita se encontrar numa posição de
neutralidade diante dos fenômenos sobre os quais ele se debruça porque não considera os vetores
históricos pelo quais ele é atravessado no processo de produção de saber. Esta relação entre o
cientista e o objeto estudado é, portanto, uma “tomada de posição materialista” (PÊCHEUX, 1997,
p. 197) que confere à produção de conhecimento uma objetividade que, segundo nos adverte
Pêcheux, é artificial e apaga a ligação da ciência com qualquer ideologia. Disso decorre a observação
de Pêcheux (1997, p. 198) de que o ideal científico suporia um processo de conhecimento científico
“sem sujeito”. Suprimindo o sujeito, os enunciados científicos ganham contornos de uma afirmação
que “exibe o real enquanto „necessidade-pensada‟”, ou seja, como informação extraída do real e
nunca uma reflexão sobre este.
Notamos, portanto, que a psicanálise lacaniana e a análise do discurso possuem uma
interface no que diz respeito às suas considerações sobre a produção de saber científico. Enquanto
o saber científico só ganha respaldo quando se considera disjunto de qualquer interpretações e livre
de toda a ideologia, a análise do discurso pecheutiana e a psicanálise lacaniana se dedicam
justamente sobre estes pontos porque os consideram vetores fundantes de uma formação discursiva
que seria particular e índices da posição do sujeito diante do mundo.
Bibliografia
GALILEI, G. O Ensaiador (1623). In: Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
KOYRÉ, A. Do mundo fechado ao universo infinito. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária: 2006.
_________. Estudos de história do pensamento científico. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1982.
LACAN, J. A ciência e a verdade (1965). In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. pp.
869-892.
_________. A nota italiana (1973). In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. pp.
311-315.
_________. Radiofonia (1970). In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. pp.
400-447.
PÊCHEUX, M. Ideologia e história das ciências. In: PÊCHEUX, Michel; FICHANT, Michel. Sobre
a história das ciências. Lisboa: Estampa, 1971. p. 9-57.
_________. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas : Editora da Unicamp,
1997.
Trabalho enviado até 30/04/2011 Recebido em 30/04/2011
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ENCENAÇÕES DE SER CRIANÇA EM MANOEL DE BARROS
Rodrigo da Costa Araujo52
Resumo: Este ensaio apresenta representações metafóricas da infância na poética de Manoel de
Barros além de falar das relações da obra com a ilustração, do caráter auto-reflexivo da poesia, da
estética do fragmentário e das encenações do sujeito lírico. Como corpus de análise para essa leitura,
utilizaremos os livros Exercícios de ser criança (1999), Memórias Inventadas (2008) e Menino do mato
(2010), além de outros textos do conjunto da obra do poeta pantaneiro.
Palavras-chave: memória - representações da infância - Manoel de Barros
Abstract: This essay presents metaphorical representations of childhood in the poetry of Manoel
de Barros and mention the work of relations with the illustration, character self-reflective poetry,
and aesthetics of the fragmentary and the lyrical subject of scenarios. The corpus of analysis for this
reading, we will use the exercises to be children's books and invented memory, and other texts of
the poet's oeuvre wetland.
Keywords: memory - depictions of childhood - Manoel de Barros
O olho vê, a lembrança revê, a imaginação transvê.
É preciso transver o mundo.
[Manoel de Barros. Livro sobre nada. 1997, p.75]
“Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre e sem comparamentos. Eu
tinha mais comunhão com as coisas do que comparação. Porque se a gente fala a partir de ser
criança, a gente faz comunhão [...]”.
[BARROS, Manoel. Memórias Inventadas. São Paulo. Planeta. 2008. p.11]
Lendo ou vendo, delicadamente, o livro Exercícios de ser Criança [1999], de Manoel de Barros
verifica-se uma reflexão metatextual, explorada no percurso da palavra em sua capacidade de “dizer
o indizível”, de reforçar o que caracteriza a literatura como jogo de brincar e eclodir múltiplas
significações. Ilustrado pela família Diniz Dumont, num trabalho inovador, com desenhos
bordados, realçando a força imagética das palavras, o livro, em prosa poética, enreda o leitor em
duas estórias - O menino que carregava água na peneira e A menina avoada - que relacionam o fazer
poético com a infância - etapa em que o conhecimento da realidade efetiva-se pelo sensível, pelo
emotivo e intuição, com predomínio do pensamento mágico, razão por que é considerada fase
decisiva, para a formação do futuro leitor, a interação com obras literárias cujas temáticas abordem
questões de seus interesses e necessidades.
Professor de Literatura Infantil na FAFIMA - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé, Mestre
em Ciência da Arte e Doutorando em Literatura Comparada pela UFF./ E-mail: [email protected]
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Para explicar esse processo imaginativo da poética de Manoel de Barros, José Fernandes,
em A Loucura da palavra (1987), afirma que:
“[...] a imaginação comenta o trabalho da língua, das ideias e do discurso, sem se
ater às imposições do racionalismo que reduz a arte ao círculo fechado das
experiências pessoais, afectas unicamente às limitações impostas pela razão. À
imaginação do poeta tudo é permitido; nada deve restringir a criação poética,
nem mesmo o racionalismo, porque restrito aos fatos sem importância da
experiência existencial” [FERNANDES, 1987, pp.47-48].
Esse processo de criação literária apontado pelo crítico é explicado em virtude da
fragmentação e do discurso, que, misturados em outros discursos e linguagens, ocorrem na
contemporaneidade. O dilaceramento do sujeito contemporâneo e da palavra coincide com a busca
de novos sentidos que se pautam na pluralidade de novas interpretações. O próprio poeta,
acompanhando esse olhar, tem consciência disso e confessa: “agora a nossa realidade se desmorona
[...] resta falar dos fragmentos, do homem fragmentado que, perdendo suas crenças, perdeu sua
intimidade interior” [BARROS, 1992, p.308-309].
Reforçando o discurso da fragmentação, a imagem, mais do que nunca, prolifera essa
mesma ideia de estilhaçamento do sujeito; ela, nesse contexto, estrutura um pensamento, formaliza
uma ou mais ideias e conduz o sujeito e o leitor a uma outra realidade, ainda mais ambígua e
desenhada por ela. A retórica da imagem indica sempre uma possibilidade de um sentido segundo,
conotado. Para Barthes “a imagem pretende sempre dizer algo diferente do que representa no
primeiro grau, isto é, no nível da denotação” [JOLY, 1996, p.83].
A palavra, por outro lado, que viabiliza a imagem torna-se um novo objeto capaz de induzir
o poeta a novos sentidos. Esses novos sentidos referenciam outras imagens que, recriadas pelo
momento e pela palavra poética tornar-se-ão as imagens que cristalizam e eternizam as concepções
experimentadas pelo sujeito poético. É nesse sentido que José Fernandes ressalta que:
“Construída sobre a liberdade do pensamento, a poesia de Manoel de Barros,
além de se relacionar com estados oníricos, apresenta imagens que, dentro da
estética surrealista, provêm da escrita automática. Imagens que ligam realidades
que nem se tocam”. [FERNANDES, 1987, p.50].
Para José Fernandes, como visto acima, Manoel de Barros utilizará, no processo de criação
visual, recursos linguísticos que se assemelham, em muitos aspectos, à composição surrealista. No
entanto, o processo de escrita não é automático; o desregramento dos sentidos é alcançado após
um longo trabalho de depuração. A criação poética se dá no sentido inverso, ou seja, a linguagem
não é utilizada como uma construção lógica ou racional na representação do mundo. Ao
aproximar-se da natureza ou de qualquer coisa, a palavra não as “re-presenta”, mas sim as “apresenta” e, por conseguinte, a um mundo, fazendo-o existir segundo seus códigos próprios,
atribuindo-lhe materialidade e significação. Sua linguagem não representa o mundo nessas imagens
insólitas, porém busca aproximar-se do que é representado, retirando da palavra o máximo de
significação possível que a língua já lhe impôs, para, em seguida, ressignificá-la, produzindo novos
sentidos e com eles um novo mundo, sempre mais plural. É como ele mesmo afirma no prefácio
intitulado pretexto, no Livro sobre Nada: “o que eu queria era fazer brinquedos com as palavras.
Fazer coisas desúteis. O nada mesmo. Tudo que use o abandono por dentro e por fora” [BARROS,
1997.p.7].
Todos esses recursos na poesia barriana, atrelados a infância como estado primordial e
potência do ser inauguram um mundo de possibilidades. Para Afonso Castro em A Poética de Manoel
de Barros o poeta cosmiciza tudo e reinventa os seres, ora conferindo funções e qualidade de uns
para os outros, ora integrando no poema seres de funções díspares para compor uma nova
harmonia cósmica e humana devaneada a partir da proximidade do ser e da potência arquetípica da
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infância. Para o crítico, o autor de A Gramática Expositiva do chão [1990] reinventa o homem e o
mundo, possibilitando, assim, novas relações entre eles, integrando “o firmamento, o homem, os
animais e os seres numa convivência feliz” (CASTRO, 1991, p.177).
Isso pode ser percebido em Exercícios de ser criança. Na primeira história, um personagemmenino “que carregava água na peneira” dialoga com a mãe que compara essa atitude com o
mesmo que “roubar um vento e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos”, “o mesmo que
catar espinhos na água”, “o mesmo que criar peixes no bolso”, em resumo, se para o narrador, “o
menino era ligado em despropósito”, para a personagem/mãe cabe a constatação: “meu filho você
vai ser poeta. Você vai carregar água na peneira a vida toda”. Assim, aquele menino “cismado e
esquisito”, “quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos”, “gostava mais do vazio do que
do cheio”, “falava que os vazios são maiores e até infinitos”, “foi capaz de modificar uma tarde
botando uma chuva nela”, “até fez uma pedra dar flor!” e descobriu que escrever era tudo isso, e
mais: era “fazer peraltagens com as palavras”.
Num segundo momento, e, em outra narrativa, uma menina, juntamente com o irmão,
“pregava no caixote duas rodas de lata de goiabada, “a gente ia viajar”, isto é, “imitava estar
viajando” de carro, “puxado por dois bois”, numa tarde em que “as cigarras derretiam ... com seus
cantos”, rumo à cidade porque o irmão tinha uma namorada, “isso ele contava”, mas na travessia de
“um rio inventado”, “o carro afundou e os bois morreram afogados”, porém chegavam sempre “no
fim do quintal”. O poeta pantaneiro, nessa delicada obra, combina imagens relacionadas ao
pensamento mágico e, levemente transgressor, em ações situadas no âmbito do insólito,
comunicando uma realidade através de comparações, desenhos e alegorias, mostrando que literatura
é representação, linguagem imagística que, como nenhuma outra, tem o poder de concretizar o
abstrato, criando um universo lúdico, ao mesmo tempo em que veicula elementos questionadores
sobre o mundo, a memória infantil e sobre o próprio homem. Tais recursos conferem à obra
unidade semântica que relembram, semioticamente, o mundo infantil carregado de expressividade.
Impregnado de questionamentos, brincadeiras, adivinhas, imagens e outras manifestações
do brincar-jogar, comuns à crianças de todos os tempos, - mas esquecidos atualmente por muitos encontramos várias manifestações da lírica no universo infantil. A oralidade, as ilustrações
carregadas de aviões, anjos, pipas, barcos, peixes, pescaria, violão remontam, ludicamente, o
universo da infância como signos entoados pelas próprias crianças e por seus pais. A prosa poética
deve ser entendida aqui não somente como ponto de vista estético, mas, sobretudo, como função
lúdica e estratégia memorialística da infância. Nesse sentido, as palavras/imagens são tocadas como
objetos, como algo corpóreo que participa do mesmo universo dos brinquedos da criança.
Esse mesmo tempo - volta à infância - acontece e está presente em diversos poemas das
diferentes épocas da composição de Manoel de Barros. A infância, na poesia manoelina surge,
segundo Afonso de Castro [1991] como expressão do lúdico no acontecer da vida, como origem do
ser, ou ainda, como explicação da experiência da infância do poeta, especificamente, retratando
tipos, situações, vivências arquetípicas recorrentes como matrizes de seus devaneios poéticos.
Manoel de Barros tem poemas que retratam a infância como tempo/lugar ideal da inocência, como
estado primordial da existência a partir do qual se originam todas as possibilidades; a infância
considerada como fase inocente da vida seria a origem originante de todos os sonhos e idealidades
da vida e do universo.
Por isso não é de se estranhar na poética de Manoel de Barros que nas relações entre
homem, mundo e linguagem a infância emerge como estado potencial de todas as invenções. Essas
mesmas imagens, também, podem ser percebidas no livro Memórias Inventadas onde, o poeta, ao falar
de si e de suas errâncias, não apresenta propriamente relatos de sua vida como acontecimentos reais
que descrevem os fatos. “[...] eu tenho que essa visão oblíqua vem de eu ter sido criança em algum
lugar perdido onde havia transfusão da natureza e, comunhão com ela. Era o menino e as árvores”
[BARROS, 2008, p.11]. Essas memórias de infância apresentam-se de maneira fragmentada e à
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deriva, sem que obedeçam a um movimento ou a limites de tempo e espaço. Apresentam-se,
metaforicamente, como flashes memorialísticos, fragmentos de lembranças livres, soltos, inventados.
Molhada pelo líquido viscoso e ambíguo da prosa poética e escorregadia de Guimarães
Rosa [1908-1967], a poesia barriana mergulha o leitor - nada inocente - no chão infantil das
palavras, na metalinguagem que reforça, insistentemente, - como também fez Clarice Lispector
[1920- 1977] -, a paixão pelas palavras. E, por isso mesmo, diz em tom encantador em Menino do
Mato: “Penso nos rios infantis que ainda procuram declives/ para correr” [2010, p.29] ou, ainda,
“Escrever o que não acontece é tarefa de poesia” [2010, p.31].
Tudo de alguma forma, em Menino do Mato reforça o “absurdo divino das imagens”,
sobretudo as imagens que vêm do chão da infância, do idioma e do “menino do mato” - “Eu queria
mesmo que as minhas palavras/ fizessem parte do chão como os lagartos/ fazem” [p.65]. Na
escritura leve e vislumbrante, as imagens da infância assumem o delírio da palavra e a carga
semântica de passagens significativas, apesar de não representarem isso tudo em significantes.
Dividido em duas partes - a primeira “Menino do mato” - e a segunda parte “Cadernos de
aprendiz” – o livro é uma longa narrativa. Uma narração lírica que divaga para o particular e o
minúsculo, sem desprezar o desejo de universalidade. Feito poema-rio que deságua - metáfora
significativa para se pensar o livro como um todo - segue por noventa e seis páginas enlaçando o
estilo memorialístico ao desenho da infância que, reforçado pela epígrafe inicial e as paisagens que
cita, privilegia o traço delicado, informe e provisório da figura, marca de um texto rasurado e em
processo.
Manoel de Barros, com isso, capta a poética fragmentária com sensação de inacabada,
vislumbrada na Modernidade por Baudelaire e, que, sem dúvida nenhuma ressoa com as Artes
Plásticas, o gênero da improvisação, os croquis, a aquarela e a água-forte. Poesia e pintura, desde a
capa, - paratexto de abertura da obra -, passam a ser referenciais entre a alusão e o
experimentalismo, o inacabado e o sensível.
O sujeito narrativo,- condutor que enuncia o discurso em Menino do Mato -, é um adulto que
lembra do menino que foi, e, esse “menino do mato” , apresenta-se como aquele que busca o novo,
o ainda não-dito, extrapolando para a liberdade. Nesse livro, o difícil caminho do menino é,
também, o mesmo do poeta diante da criação, por isso infância e poesia se alimentam de devaneios.
“A gente gostava das palavras quando elas perturbam o sentido normal das ideias”, diz o narrador
astuto, na sua metalinguagem.
Esse menino, como muitos outros citados na poética barriana, presente em cada cena ou
palavras do livro, ecoa do título que nomeia a obra, - Menino do Mato -, e se contextualiza no
universo distante dos centros urbanos e, portanto, as referências e os interesses dele dizem respeito
a elementos da natureza, o que instiga os sentidos e amplia a percepção: “Nosso conhecimento não
era de estudar em livros”./ “A gente queria o arpejo. O canto. O gorjeio das palavras” [2010, p.11].
Como se estivesse voltando a um filme em pequenos flashes, e vendo-se menino, esse
narrador confessa em tom metalinguístico: “A gente gostava bem das vadiações com as palavras do
que das prisões gramaticais” [2010, p.12]. A segunda parte do livro - escorre e fragmenta cada vez
mais o discurso - assume desníveis em relação à primeira. O narrador adulto, valendo-se de falar de
si pela mediação da infância e pela forma estética, recompõe certo autorretrato. Essa postura,
extremamente fragmentária, feito anotações em um caderno escolar, capta o efêmero e o fugidio do
instante ou o detalhe significativo do close da cena. Pincela-se, assim, o contorno do quadro pelo
toque distorcido de expressividade e subjetividade, estilhaços de uma poética da fragmentação e do
desvario. Uma profusão de imagens partidas da memória infantil que irá permitir a Manoel de
Barros contemplar-se duplamente nos desenhos da capa – expressões delicadas de sua figurativa
ambiguidade. Desenho e palavra, poesia e pintura rupestre, de certa forma, confirmam que: “Ele
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sabia que as coisas inúteis e os homens inúteis se guardam no abandono. Os homens no seu
próprio abandono. E as coisas inúteis ficam para a poesia” [2010, p. 91].
Sua escritura poética apresenta-se, assim, calcada no trabalho com o uso dos significantes
os quais extrapolam os lugares comuns ao serem trabalhados de maneira tal que se ajustam ao
texto, sempre que o poeta deseja extrair dele a essência de seu significado semântico ou metafórico.
Nesse sentido, o Manoel-poeta, nesse livro, ao eleger o Pantanal como o espaço em que se constitui
fazendo comunhão “[...] de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e
sua árvore. Então eu trago em minhas “raízes crianceiras a visão comungante e oblíqua das coisas”
[BARROS, 2008, p.11]. Essa brincadeira com as palavras também podem ser percebidas/sugeridas
em vários desenhos que o próprio poeta fez quando tinha vinte anos.
Quanto a esses desenhos, assemelham-se as discussões sobre a infância quando ele mesmo
afirma em entrevista a Pedro Espíndola:
“Sempre achei que as minhas palavras teriam que atingir o grau de brinquedo
para que fossem sérias. Acho que os bonecos têm o peso da infância. A infância
não conhece a técnica. Os desenhos dos bonecos podem ser comparados, não
desarrazoadamente, com desenhos de crianças. Porque em ambos temos a
mesma visão pré-lógica, o mesmo deleite do olho inocente” (BARROS, Manoel.
2006, p.53).
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Segundo Ordália Almeida, ao falar de seu processo de escrita e desenho diz: “seu jeito de
escrever e desenhar só me leva a pensar que todo dia é dia de reconhecer e valorizar a infância”
(ALMEIDA, 2006. p.27). Signo e escrita, traço e poesia, ou ainda, desenho e poesia comungam
características semelhantes. De certa forma, esses delicados desenhos dão contorno a sua poética e
reforçam as metáforas da imaginação em memórias infantis. Para ele, quando fala dos bonecos em
sua poética, afirma: “Teria caído em mim um surto de puerícia”.
A delicadeza dos bonecos, articulados em palavras, imagens e natureza, traços infantis e
simples configura, de certa forma, um imaginário pautado no chão do Pantanal, na dimensão lúdica
e imaginária - encenações e inspirações poéticas e infantis, lugar metafórico para o surgimento da
linguagem. Dos neologismos aos traços dos desenhos, a infância se desloca para a poesia num
constante e criativo jogo de faz-de-conta. Com esse gesto, traço e letra instauram um tempo
produzido pela palavra, imagem e invenção, poesia e criatividade.
Essa comunhão ou transfusão semiótica com a natureza (também presente nos desenhos e
ilustrações dos livros), ou a relação direta com ela, então, revela o “chão da língua”, sempre
estrangeiro, mesmo que nativo, mas nunca sem perder a delicadeza e a virgindade das palavras.
“Penso que trago em mim uma pobreza ancestral que me eleva para as coisas rasteiras” [BARROS,
2003, p.123]. E é aí, nesse lugar de materialização do significante, da desconstrução da língua e da
coisificação do sujeito poético que podemos escutar, na voz, os ecos de Fernando Pessoa ou
Guimarães Rosa, mas também de outros “sussurros da mata”, gorjeio de pássaros, que, desse chão
de letras irradia.
Em Manoel de Barros temos explícita a evocação da infância como um estado de
percepção da realidade pelos sentidos que, por sua vez, possibilita atravessar o universo da
linguagem, da memória e do discurso infantil. Lendo-o amorosamente, como sua produção pede
para ser lida,- lembrando Barthes -, o leitor não apenas atravessa essas indagações, mas também o
debate sobre o gênero “literatura infantil”, discutindo os limites entre prosa e poesia, entre arte e
educação, entre memória e infância ou criação e lembrança.
Esses livros tornam visíveis em sua escritura o múltiplo olhar para a infância: o avesso
delicado de sua poesia, a trama que urde entre linguagem e vida, a escritura leve e rápida que encena
visivelmente o contato com a natureza e sentimentos da alma, as relações entre poesia e filosofia 53.
Enfim, nesses cruzamentos de lembranças, costuram-se a memória também ilustrada, frutos de
imagens criadas em retorno permanente, na multiplicidade polifônica de vozes e estilos. Ao costurála nas palavras e imagens, a infância remonta o fio poético tão sofisticado e simples a um só tempo
do mundo e dos “exercícios de ser criança”.
Referências Bibliográficas:
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Faculdade do Sul da Bahia. 2010.p.83-85.
_____. Diálogos intersemióticos: Manoel de Barros & Miró. In: O Insólito e seu duplo: reflexões sobre o insólito
na narrativa ficcional. 2010. Rio de Janeiro. Anais do VI Painel/ I Encontro Regional. Rio de Janeiro RJ: Publicações Dialogarts, 2010. v. 01. p. 239-255.
BARROS, Manoel de. Exercícios de ser Criança. Bordados de Antônia Zulma et.alli. sobre desenhos
de Demóstenes Vargas. Rio de Janeiro. Salamandra. 1999.
_____. Livro sobre nada. Rio de Janeiro. Record. 1997.
_____. Gramática Expositiva do Chão. (Poesia quase toda). Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 1990.
_____. Ensaios Fotográficos. Rio de Janeiro. Record. 2001.
_____. Memórias Inventadas. As Infâncias de Manoel de Barros. São Paulo. Editora Planeta do Brasil.
2008.
Sobre as relações entre poesia e filosofia em Manoel de Barros, ver melhor o livro: SOUZA, Elton Luiz
Leite. Manoel de Barros: a poética do deslimite. Rio de Janeiro. Sete Letras. 2010.
53
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_____. Menino do Mato. São Paulo. Leya. 2010.
BARBOSA, Luiz Henrique. Palavras do chão. São Paulo. Annablume. 2003.
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Brasília. 1991.
ESPÍNDOLA, Pedro (org.). Celebração das coisas. Bonecos e poesias de Manoel de Barros. Campo Grande.
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FERNANDES, José. A Loucura da Palavra. Barra do Garças. Universidade Federal do Mato Grosso.
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JOLY, Martine. Introdução à analise da imagem. Campinas. São Paulo. Papirus. 1996.
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SANCHES NETO, Miguel. Achados do chão. Ponta Grossa. Paraná. Editora UEPG. 1997.
SOUZA, Elton Luiz L. de. Manoel de Barros: a poética do deslimite. Rio de Janeiro. 7Letras.2010.
WALDMAN, Berta. A Poesia ao rés do chão. Prefácio. In: Gramática Expositiva do Chão. (Poesia quase
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Trabalho enviado até 30/04/2011 Recebido em 30/04/2011
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O CRIME NA CRÔNICA DA CASA ASSASSINADA, DE LÚCIO CARDOSO54
Rosana Santos Cardoso 55
Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar a obra Crônica da casa assassinada, (1959), de
Lúcio Cardoso, no que se refere ao crime. Levando em consideração que este tema é tido aqui
como o que ultrapassa as regras. A abordagem do crime na Crônica é predominantemente
metafórica, como o próprio título sugere. No decorrer leitura percebe-se que a casa é a metáfora da
família Meneses, que chega ao fim, por isso assassinada. Ainda neste trabalho são relatados os
delitos praticados pelas personagens da narrativa.
Palavras-chave: crime; Crônica da casa assassinada; Lúcio Cardoso.
Abstract: This article aims at analyzing the work of the Crônica da casa assassinada, (1959), The Lúcio
Cardoso, in relation to crime. Considering that this issue is taken here as going beyond the rules.
The approach to crime in the Crônica is predominantly metaphorical, as its title suggests. During
reading you realize that the house is the family metaphor Meneses, who comes to an end, so
murdered. Also in this work are reported the crimes committed by the characters of the narrative.
Keywords: crime; Crônica da casa assassinada , Lúcio Cardoso.
Introdução
Pretende-se com este trabalho abordar os aspectos do crime na Crônica da casa assassinada
(1959), de Lúcio Cardoso.Tendo em vista que esse tema aqui é entendido como uma oposição às
regras sociais, Dornelles (1988, p. 17) reforça essa ideia, afirmando que o mesmo pode ser
entendido como uma transgressão à lei, como manifestação de anormalidade do criminoso, ou
como o produto de um funcionamento inadequado de algumas partes da sociedade. Veremos mais
adiante que o crime na obra é predominantemente metafórico, e isso, conforme Jeha (2007) é
característico da literatura quando se quer fazer referência ao mal que está presente em toda obra, a
começar pelo título.
A Crônica não é estruturada por referências diretas, e sim por cartas, diários, confissões e
narrativas das personagens, por conta disso Bosi (2002. p. 414) defende que na obra refina-se um
processo de caracterização, pois são essas narrativas de cunho pessoal que estruturam o livro. Esse
tipo de estrutura deixa o leitor confuso e desconfiado do que lê, pois isso dá imprecisão aos fatos
que ocorrem, principalmente com relação aos delitos possivelmente praticados, como será exposto
mais adiante.
A casa assassinada: metáfora dos Meneses
Neste tópico faremos uma tentativa de demonstrar a trajetória do crime a partir da
estrutura física da casa em paralelo com a situação financeira dos Meneses, a fim de entendermos
como se deu o assassinato anunciado no título do romance. Para tanto algumas informações
necessárias serão explicitadas a seguir.
A Crônica da casa assassinada relata a história dos Meneses, uma família tradicional respeitada
por todos na fictícia cidade de Vila Velha, interior de Minas Gerais, composta por Demétrio, irmão
Este artigo faz parte do projeto de pesquisa “A questão do mal em Cornélio Penna e Lúcio Cardoso”,
coordenado pela prof.ª Josalba Fabiana dos Santos e que recebe apoio financeiro do CNPq.
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mais velho e conservador; sua esposa Ana; Valdo, irmão do meio; sua esposa Nina; Timóteo, o
irmão mais novo e Betty, a governanta.
Os descendentes dos Meneses, personagens da obra em questão, não conseguiram dar
continuidade na administração das finanças da família, o que acarretou no fracasso total. A única
coisa que havia sobrado para manter o status que ainda existia em torno da família era a casa. Eram
os utensílios domésticos que demonstravam a riqueza que um dia reinou na Chácara. O seguinte
trecho mostra a manutenção do que os Meneses são a partir do que lhes foi deixado, por meio da
descrição de Betty sobre como foram os preparativos para o retorno de Nina: “descobrimos velhos
objetos colocados fora de uso, e que, no entanto transmitiam à casa uma impressão de luxo
discreto” (CARDOSO, 2009, p. 55). Esse resgate de objetos antigos vem reforçar que só as coisas
adquiridas no passado podem dar ao ambiente um ar de riqueza, pois no presente não adquiriram
nada de valor.
A situação financeira deles é relatada por Demétrio ao saber que Valdo disse a Nina que
eram ricos:
você sabe muito bem o que representamos: uma família arruinada do sul de
Minas, que não tem mais gado em seus pastos, que vive de alugar esses pastos
quando eles não estão secos, e não produz nada, absolutamente nada, para
substituir rendas que se esgotaram há muito. (CARDOSO, 2009, p. 66)
Esse trecho revela a insatisfação de Demétrio ao saber que Valdo mentiu a respeito das
finanças da família, bem como a dura realidade que enfrentavam. Demétrio sempre tentou
preservar a imagem da família, embora tivesse ciência do que lhes ocorria de fato.
A casa na narrativa parece ser também uma personagem, devido à importância e ao
significado que tem para os demais, como podemos perceber na citação que segue, na qual Ana se
refere a ela:
desde que entrei para esta casa, aprendi a referir-me a ela como se se tratasse de
uma entidade viva. Sempre ouvi meu marido dizer que o sangue dos Meneses
criara uma alma para estas paredes.” (CARDOSO, 2009, p. 108)
Essa citação reforça a ideia da casa como uma “entidade viva”, enquanto ela existir ainda
existem os Meneses, há aí uma relação de dependência. O que necessariamente nos remete ao título
do romance, que é a metáfora deles. A derrocada da família foi provocada pelos seus próprios
integrantes: uns por não reconstituírem o que uma dia foram, pois além de respeitados eram ricos; e
outros por não suportarem o caráter patriarcal e discriminante da família, o que era o caso de
Timóteo, pois era homossexual e por conta disso vivia preso num quarto e tinha como maior
objetivo acabar com essa genealogia que tanto o rejeitou. Ele via Nina como sua aliada, pois ela era
avessa aos costumes impostos pela sociedade. Fez com ela um pacto para concretizar esse objetivo.
Ela apareceu para acabar de vez com o que ainda restava.
Após a chegada de Nina, o ambiente da casa mudou, ocorreram várias coisas que
influenciaram bastante para o fim dessa tradicional família, tais como: uma tentativa de suicídio, um
suicídio de fato e adultérios (praticados por ela e por Ana). Trataremos desses acontecimentos
posteriormente, é importante perceber até então que esses fatos estão inteiramente relacionados
com o fim da família/casa.
Com o decorrer do tempo a casa vai se deteriorando paralelamente a presença ou ausência
de Nina, parece contraditório, mas ela se faz presente mesmo estando ausente. Pode-se verificar a
ligação entre ela e o andamento das coisas na casa na citação a seguir:
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A casa é a mesma, mas a ação do tempo é bem mais visível: há outras janelas
que não se abrem mais, a pintura passou do verde ao tom escuro, as paredes
gretaram-se pelo esforço da chuva e, no jardim, o mato misturou-se às flores.
Não há como negar, Nina, houve aqui uma transformação desde que você
partiu - como se um motor artificial, movido unicamente pelo seu ímpeto,
cessou de bater - e a calma que se apossou da casa trouxe também esse primeiro
assomo da morte que tantas vezes reponta no âmago do próprio repouso;
cessamos bruscamente no tempo, e o nosso lento progresso para a extinção é
um clima a que você talvez não se adapte mais.
( CARDOSO, 2009, p. 127)
Esse é um trecho de uma carta que Valdo escreveu para Nina, em resposta às suas
cobranças, e que revela os Meneses caminhando para a própria extinção. E ainda percebe-se o grau
de degradação em que a casa se encontra e para Valdo isso está relacionado com a ausência de
Nina. E ainda na expressão “assomo de morte” tem-se um prenúncio do fim.
Conforme Brandão (2006. p. 162), a casa e o corpo de Nina se confundem, pois Nina tinha
câncer, doença que a corroia por dentro fazendo-a apodrecer ainda em vida, ao passo que a casa
estava também podre no seu interior, como reflexo das relações que lá existiam, de uma família que
vivia de aparências e não tinha nenhum tipo de laços afetivos. Dessa forma ambas têm a função de
revelar a perda total do poder e da beleza.
Para confirmar a relação de Nina com o fim dos Meneses foi justamente a morte dela que
marcou o fim dessa família, por conta de tal fato as pessoas da cidade foram ao velório, não para
prestar solidariedade, afinal os Meneses não tinham amigos, mas para aproveitarem a oportunidade
de conhecer de perto essa família misteriosa, que sempre foi muito especulada pelas pessoas.
E por conta disso, os vizinhos acabam denunciando o fim porque estando no interior da
casa todos passaram a perceber que a imagem da família era pura aparência, nessa situação todo o
esforço de Demétrio em preservar o nome deles ficou comprometido. E ainda todos que lá se
encontravam presenciaram a briga de Valdo e Demétrio, fato que ajuda a demonstrar que não
existia harmonia ali.
Esse acontecimento trouxe a tão esperada visita de Demétrio: o Barão, considerado o
homem mais importante da cidade, receber a visita dele para Demétrio representava nobreza, mas
isso nunca havia acontecido antes. Como Timóteo sabia o quanto esse fato era importante para
Demétrio, aproveitou a situação para por em prática seu plano. Dessa forma, Timóteo se utilizou
da ocasião para realizar o pedido que Nina fez, de levar as violetas ao seu caixão, e aparecer de
forma triunfal, carregado numa rede por empregados vestido com as roupas da mãe como era seu
costume. Causando dessa forma, um choque para todos que se encontravam no velório, que
acabaram indo embora assustados com tal cena, e principalmente manchando a imagem da família
Meneses que Demétrio tanto queria preservar. Este reagiu como “alguém que acabasse de ser
mortalmente ferido.” (CARDOSO, 2009, p. 502) E dessa maneira, Timóteo sela o pacto feito com
Nina, até morta ela possibilita a execução do maior desejo dele: destruir os Meneses.
Ana foi a última que restou, ela mudou-se para o Pavilhão, pois a casa começou a ruir.
Esse detalhe é interessante, porque a habitação anterior já estava impregnada de tanto mal, a tal
ponto de se destruir primeiro do que o Pavilhão, local há muito considerado inóspito e foi lá que
Ana passou seus últimos dias de vida. Isso fica claro no trecho a seguir do pós-escrito numa carta
de Padre Justino:
a casa dos Meneses não existia mais. O último reduto, aquele quarto de porão
onde um dia se abrigaram o amor e a esperança, estava prestes a ruir também, e
fora aquele o abrigo que Ana elegera, como o faria a criatura ante a ameaça de
uma inundação, escolhendo para abrigo a cumeeira da casa cercada. Naquele
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minuto preciso a casa dos Meneses desaparecia para sempre. (CARDOSO,
2009, p. 535)
E assim definitivamente se configura o “assassinato” dessa família tão visada pela sociedade
de Vila Velha. Brandão (2006) descreve bem que o enigma da casa se dissolve com a ruína dos
Meneses, com a destruição de um prestígio sustentado por um excesso de signos vazios. É
importante lembrar que todos os integrantes da família tiveram sua parcela de culpa, ou seja, todos
têm um pouco de assassinos, dois tinham isso como objetivo mesmo (Nina e Timóteo) em
oposição à sociedade patriarcal, e os outros porque não buscaram meios para tentar se reerguer.
Dessa forma, sem valores morais e sem dinheiro não poderia ter outro fim.
Portanto, o crime, como afirma Dalcol (s.d.), não significa as mortes ocorridas na Chácara,
mas a morte da própria casa que, por sua vez, representa a família e a sociedade mineira, que é
assassinada.
Os delitos na Crônica
Os delitos, segundo Beccaria (2005, p. 50-51) são todas as ações opostas ao bem comum.
Quando são cometidos causam mal à sociedade, portanto os motivos os quais afastam os homens
da delinqüência devem ser maiores do que os que os levam a delinquir. Fazendo uma ligação com o
livro em questão, percebe-se o quanto os “crimes” praticados pelas personagens contribuíram de
forma direta para o fim dos Meneses, os mesmos são manifestações do mal presente na casa.
Demétrio pratica uma ação que manifesta vontade de executar um delito, ao procurar o
farmacêutico da cidade pedindo-lhe um veneno para matar um lobo que dizia estar incomodando a
Chácara. Mas o farmacêutico sugere que um revólver seria mais eficaz, embora tivesse certeza que
Demétrio foi até lá por outra causa, que não é revelada.
As armas, como afirma Rosa (2009), potencializam crimes, ou seja, a existência de uma em
um dado local propicia a ocorrência de atos contra a vida. Foi o que aconteceu na Chácara: certos
acontecimentos foram praticados porque lá havia um revólver, como se verá a seguir.
O suicídio não é crime, mas é considerado um delito, conforme Beccaria (2005). Na
narrativa, Valdo tenta contra sua própria vida, mas é ineficaz, sobrevive. Ele tenta se matar porque
sua esposa Nina estava partindo, para isso utiliza a arma comprada por Demétrio, seu irmão.
Demétrio sempre fez questão de deixar a arma num lugar de fácil acesso, pois isso aumentaria a
probabilidade de ser usada por alguém, ou por ele próprio. Verifica-se isso no trecho que segue da
carta de Valdo:
Durante algum tempo ele ainda fez a arma girar diante de mim, depois colocou
sobre o aparador, em lugar bem visível. E na verdade eu o via sempre, desde
que passasse defronte do móvel. A própria Ana, arrumando a sala um dia
perguntou: “Por que você não guarda este revólver, Demétrio?” Ele respondeu
um tanto secamente: “Não. As armas devem ficar expostas para serem
apanhadas no instante preciso. (CARDOSO, 2009, p. 131)
A citação acima se refere ao momento em que Demétrio mostrou o revólver a Valdo, e
esse conteúdo é intrigante: Qual era a intenção de Demétrio em deixar esse objeto tão exposto?
Queria induzir seu próprio irmão ao suicídio? Como achava Nina, acusando- o de assassino, pois
acreditava que o acontecido com Valdo teria sido planejado por Demétrio. Ou ele mesmo planejava
utilizá-lo em alguma ocasião? Na qual mataria Nina, conforme deduziu posteriormente Valdo. Há
um mistério sobre a destinação desse revólver.
Valdo escapou, mas o fato é que essa mesma arma gerou outra vítima, que dessa vez foi
fatal. Alberto, o jardineiro que mantinha um caso amoroso com Nina, esposa de Valdo, comete
suicídio. E disso temos outro enigma, Alberto conseguiu ter acesso ao revólver porque Nina o
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jogou no jardim. Teria ela jogado com a intenção que o jardineiro pegasse? A fim de que o mesmo
se matasse, para não existir mais nenhuma prova que a incriminasse. Afinal, o adultério, como
Beccaria (2005, p. 109) afirma, é um delito de prova difícil, e dessa forma ela não teria o que temer,
estando morta a prova concreta, como acreditava Ana. Ou apenas o jogou para que ficasse fora do
alcance de Valdo?
O revólver ainda reaparece, dessa vez na posse de Ana, que tenta matar Nina por ser sua
rival e ter certeza que ela queria estimular o suicídio de Alberto, mas não consegue executar seu
plano. Talvez porque vigiá-la fosse a única coisa que movimentava a vida dela e com sua adversária
morta isso não mais ocorreria. Ana alimentava um sentimento de atração/repulsão por ela.
Com relação à arma na Crônica, Brandão (2006) faz a seguinte afirmação:
O trajeto do revólver, no texto, coincide com o circuito da morte, que o funda,
e com a necessidade de se fazer uma armadilha. Da mesma forma, a narrativa
como um todo é uma armadilha, onde coincidem os lugares da morte, do crime
e da mulher, de que Nina é paradigma. (BRANDÃO, 2006, p. 181)
De maneira geral é possível pensar que Demétrio planejava matar alguém que estivesse
ameaçando os valores dos Meneses, ou tinha o intuito de instigar alguém a fazê-lo, porque ao
comprar a arma ele afirmou que queria acabar com um lobo que estava incomodando a Chácara.
Se esse lobo era Nina, quem acaba se ferindo é Valdo e quem morre é o jardineiro. E isso de
alguma forma provoca mal estar na Chácara, contribuindo para a destruição da família/casa. Ou
seja, ocorreu o inverso do que Demétrio desejava, porque com a aquisição da arma ele tentava
preservar ordem na casa, porém esse ato ajudou a acabar com os Meneses.
O adultério se faz presente na narrativa como já foi mencionado. Nina trai o marido com o
jardineiro, e depois de 15 anos volta a traí-lo com André, um relacionamento que se crê incestuoso,
pois todos acham que ele é filho dela, apenas ao fim do romance nos é revelado que André é filho
de Ana. Nina sabe que não é mãe do rapaz e nunca diz a ele, ao mesmo tempo em que Ana sabe do
relacionamento que eles mantinham e nenhuma das duas fala a verdade.
Ana era movida pela inveja que sentia por Nina, ela representava o que Ana nunca pôde
ser em decorrência da sociedade patriarcal na qual estava inserida. E ela passou a trair também por
causa dessa inveja. Nunca tinha notado a presença do jardineiro, mas porque Nina se relacionava
com ele, passou a notá-lo, apaixonou-se, e dessa paixão nasceu André.
A inveja que Ana sentia era tão grande que, ao saber do relacionamento existente entre
Nina e André, ela também o quer e, de modo absurdo, tenta entregar-se a ele, mesmo sabendo ser
ele fruto do seu ventre.
Desse modo, é perceptível que os delitos mencionados influenciaram na construção de um
ambiente maléfico na Chácara, bem como resultaram na morte da família/casa, pois cada
acontecimento deixou a estrutura que existia ainda mais decadente.
Considerações finais
A partir do que foi exposto, pode-se verificar que a Crônica da casa assassinada traz uma
temática do crime bastante interessante, pois não ocorre um crime no rigor do termo, o assassinato
que aparece no título é uma metáfora que engloba toda a história de uma família decaída moral e
financeiramente, que vivia apenas de aparências e não tentou se reerguer.
Os demais delitos mencionados também aparecem de maneira formidável, pois nos deixa
na dúvida sobre os reais objetivos das personagens, como ocorre com Demétrio em relação à arma
que comprou.
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Nesses acontecimentos o mal está presente em todo o contexto e se revela como afirma
Oliveira (2010): “através de inúmeros equivalentes semânticos tais como a solidão, o ódio, a inveja,
as perturbações psíquicas, a morte, a doença que degenera os corpos, a melancolia, o silêncio, o
segredo e a deterioração da casa patriarcal.” (OLIVEIRA, 2010, p.9). Sendo assim, o mal na obra se
caracteriza pelo ambiente sombrio proporcionado pelos crimes ou delitos praticados.
Referências
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
BOSI, Alfredo. Tendências Contemporâneas. In: História concisa da literatura brasileira. 40. ed. São
Paulo: Cultrix, 2002. p. 390-415.
BRANDÃO. Ruth Silviano. O discurso da morte encenada. In: Mulher ao pé da letra. UFMG, 2006.
p.160-200.
CARDOSO, Lúcio. Crônica da casa assassinada. 12. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
DALCOL, Susana. Crônica da casa assassinada - a escrita da memória. Disponível em: < http:
susanadalcol.blogspot.com/.../crnica-da-casa-assassinada-escrita > Acesso em 10 out 2010.
DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. São Paulo: Brasiliense, 1988. (Coleção primeiros
passos)
JEHA, Julio. Monstros como metáfora do mal. In: Monstros e monstruosidades na literatura. Belo
Horizonte: UFMG, 2007. p. 9- 29.
OLIVEIRA, Lara Emanuella da Silva. Crimes na crônica da casa assassinada, o mal na obra de Lúcio
Cardoso. Anais do II Seminário Nacional Literatura e Cultura. vol. 2, São Cristóvão: GELIC, 2010.
ROSA,
Tatiane.
Violência
urbana.
Disponível
em
<http://euseiquepossovencer.blogspot.com/2009> Acesso em 10 nov 2010.
Trabalho enviado até 30/04/2011 Recebido em 30/04/2011
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INFÂNCIA E EDUCAÇÃO: AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA ALFABETIZAÇÃO
DAS CRIANÇAS INDÍGENAS APINAYÉ EM PERSPECTIVA
Severina Alves de Almeida56
Francisco Edviges Albuquerque57
Eliana Henriques Moreira58
Jeane Alves de Almeida59
Resumo: Apresentamos resultados de um trabalho nas aldeias Apinayé São José e Bonito,
localizadas no estado do Tocantins. Os Apinayé são indígenas pertencentes ao Tronco Macro- Jê e
à Família Lingüística-Jê. A partir de uma pesquisa etnográfica, buscamos identificar na infância da
criança Apinayé a cultura como fundamento da educação indígena. Constata-se que a
educação/alfabetização das crianças Apinayé pauta-se no paradigma escolar da sociedade
abrangente, desconsiderando a cultura indígena. Todavia, folguedos, músicas e brincadeiras são
componentes que fomentam um conhecimento fundado nas interações sociais e práticas
tradicionais, constituindo-se atividades repletas de significados, e sendo assim devem ser
considerados no planejamento pedagógico.
Palavras Chave: Apinayé; Criança Apinayé; Cultura.
Abstract: We present results of work in the villages and Apinaye São José and Bonito, located in
the state of Tocantins. The Apinaye are indigenous people belonging to the trunk a the Macro-Jê
end Jê linguistic family. From an ethnographic study, we sought to identify the child's infancy
Apinaye culture as the foundation of indigenous education. It appears that education / child literacy
Apinaye staff at the school paradigm of inclusive society, ignoring the indigenous culture. However,
mirth, music and games are components that foster a knowledge founded on social interactions and
traditional practices, constituting activities full of meanings, and thus should be considered in
educational planning.
Keywords: Apinaye; Child Apinaye; Culture.
Introdução
Analisamos neste artigo o resultado de um trabalho exploratório/etnográfico realizado nas
aldeias Apinayé São José e Bonito alcançando as crianças dessa etnia indígena. Fazemos um estudo
sobre a educação ofertada nas escolas que foram construídas nessas aldeias, considerando ser essa
uma das conquistas advindas pela promulgação da Constituição Federal Brasileira (CRF/1988)
quando finalmente os grupos remanescentes da imensa nação indígena que habitavam esse país no
século XVI passaram a ser considerados, do ponto de vista legal, cidadãos brasileiros com direito à
demarcação das terras em que vivem e também a uma educação que contemple sua língua materna.
Essa educação que em tese deveria possibilitar a inserção desses povos à sociedade
abrangente, marcadamente aquela que é oferecida às crianças a partir dos seis anos de idade,
apresenta-se como fator excludente e de aculturação, sustentada por um currículo neoliberal
unificado o qual é concebido inicialmente para as escolas das outras crianças brasileiras, agravado
por ser editado na língua portuguesa, considerando ser essa uma língua estrangeira para os alunos
indígenas, sendo que nem os professores nativos dominam muito bem esse idioma, tampouco os
professores da cidade que se deslocam para as escolas das aldeias falam a língua Apinayé.
56Pedagoga,
professora tutora da EaD Biologia na UFT – Universidade Federal do Tocantins, campus Araguaina e
Mestranda do PPGL - Programa de Pós Graduação em Letras no curso MELL – Mestrado em Língua e Literatura – da
UFT - Universidade Federal do Tocantins – Araguaína e bolsista da CAPES. e-mail: [email protected]
² Professor Adjunto da UFT – Universidade Federal do Tocantins. e-mail: [email protected]
58 Professora assistente da UFT – Univesidade Federal do Tocantins, camapus Tocantinópolis. E-mail:
[email protected]
59 Profesora adjunta da UFT – Universidade Federal do Tocantins, campus Araguaina. e-mail: [email protected]
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Nesse sentido refletimos sobre a educação da criança Apinayé numa concepção
antropológica, entendendo ser a cultura desse povo fator imprescindível para que se edifique uma
educação realmente diferenciada. Em se tratando da infância as possibilidades se ampliam, uma vez
que essa fase da vida é marcada por diferentes modos de refinamento cultural, processado nos
folguedos e traduzidos nas brincadeiras como elementos altamente significativos como é o caso dos
mitos e da natureza, os quais se situam numa perspectiva lúdica repleta de sentidos, e sendo assim
devem ser considerados como recurso pedagógico e didático na composição dos currículos.
Ao longo do texto discorremos sobre a infância e o ser criança na sociedade Apinayé; sobre
antropologia da infância e ludicidade; sobre educação, currículo e conteúdos escolares no universo
pueril indígena, considerando as singularidades presentes nas inter relações dos componentes dessa
etnia e a necessidade de se entender como estas se processam. Também foi realizada uma criteriosa
revisão bibliográfica como recurso metodológico, sendo fonte de consulta, entre outros, Curt
Nimuendajú (1983) e Roberto da Matta (1976) e Albuquerque (1999; 2007). Além destes,
pesquisamos alguns teóricos que se dedicam à antropologia da infância, notadamente à infância nas
sociedades periféricas, permitindo resultados expressivos sobre a cultura e a educação das crianças
indígenas em geral, e sobre as crianças Apinayé em particular.
Os Apinayé são uma sociedade indígena de povos remanescentes da grande nação Timbira
que ocupavam, nos séculos passados, os cerrados do norte de Goiás, sul do Maranhão e do Piauí,
expulsos progressivamente pelas frentes de penetração agropastoris. Os Apinayé atualmente
ocupam uma área delimitada por decreto em 1985 com extensão de 141.904 ha, na região do Bico
do Papagaio60, estando sua população estimada atualmente em 1.750 pessoas distribuídos por 19
aldeias.
Segundo Albuquerque (1999:20), “antes da demarcação da área Apinayé, os Apinayé eram
distribuídos apenas em duas aldeias, São José e Mariazinha. Porém, após a demarcação, eles se
distribuíram pelo território, formando novas aldeias e, deste modo, passando a ter um maior
controle sobre a área”. Para esse autor, o nome da comunidade foi citado pela primeira vez na
forma de pinarés e pinagés, passando, posteriormente, para Apinayé. Nimuendajú (1983:3) Apud,
Albuquerque (2007:25), afirma não ter nenhuma explicação para esse nome, de sorte que o sufixo
pessoal-yé, das línguas Timbira orientais, soa no próprio Apinayé como ya.
No tocante à integração dos povos Apinayé à sociedade envolvente, Albuquerque assim se
manifesta:
[...] Os índios Apinayé começaram a ser integrados à história do Brasil com a
ocupação do sertão nordestino e com a intensificação da navegação do rio
Tocantins. A ocupação do sertão do Maranhão, da Bahia e do Piauí é
conseqüência da criação extensiva de gado que, no período Colonial, servia para
alimentar as populações dos engenhos litorâneos. Esse gado, porém, avançou
pelos sertões até chegar ao sertão goiano, atual Tocantins, na região onde se
achavam os índios (ALBUQUERQUE, 1999:8).
Segundo Nimuendajú (1983:1), os Apinayé consideram sua tribo uma ramificação dos
Timbira, a leste do Tocantins (Rio) e, em particular, dos Krikati – Caracaty – conhecidos nesse
meio por Makráya, sedo que o território da tribo se localizava entre o Rio Tocantins e o Baixo
Araguaia estendendo-se para o sul, ultrapassando possivelmente esses limites pelo lado do
Noroeste.
60Mesorregião
do extremo norte do Estado do Tocantins com 25 municípios. A população total do Bico é de
150 mil habitantes, entre estes os Apinayé – grupo indígena integrante dos Timbira do Norte.
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Sendo essa uma sociedade que durante mais de quatro séculos se manteve no anonimato,
sofrendo todo tipo de extermínio e sendo sistematicamente devastada em suas composições étnica
e cultural, a qual foi profetizada por Da Matta (1976) como passível de descaracterização cultural
completa e eminente desaparecimento, e considerando que o interesse pelo estudo da infância,
mesmo na sociedade hegemônica, data do início do século XX, quando Philippe Ariès publica a
“História Social da Criança e da Família” (1975), é possível se indagar acerca da importância de se
estudar a criança desse grupo indígena. Afinal a quem interessa a continuidade desse povo que
teimosamente sobreviveu a tantos infortúnios? E onde reside a importância de se situar a infância
dessa sociedade na perspectiva da antropologia moderna? E finalmente, mas não menos
importante, qual a contribuição que um estudo etnográfico como este pode trazer para que se
estabeleça um diálogo intercultural entre os Apinayé e a nossa sociedade?
Fazemos as perguntas, mas não temos necessariamente as respostas. Entretanto,
credenciados pela pesquisa realizada junto às crianças Apinayé das aldeias São José e Bonito, e em
diálogo com o corpo teórico em que nos apoiamos buscamos elucidar esses e outros
questionamentos, considerando a imperiosa necessidade de se estabelecer uma rede de diálogo que
possibilite o exercício da solidariedade pautada na alteridade absoluta do outro.
Etnologia Indígena como paradigma para o estudo da Infância
Aracy Lopes da Silva, antropóloga brasileira que dedicou boa parte de sua vida
investigando a infância indígena brasileira, e Ângela Nunes, também antropóloga residindo
atualmente em Portugal, sustentam que na origem das causas que levaram a classificar como
inadequado o “tradicional e ortodoxo modelo de se pensar a infância” (2002:22), encontrava-se o
acervo etnográfico reunido até então, nomeadamente aqueles recolhidos das sociedades não
ocidentais. Ademais, “ainda que disperso e com enormes falhas, esse material permitiu que se
começasse a perceber, gradualmente, que o quadro de conceitos disponível também não se prestava
ao exercício comparativo” (Ibidem, p. 22-23), não esquecendo que o modelo dominante era o das
sociedades européias, sendo as outras analisadas com base nestas.
Para essas mesmas autoras, devemos estar igualmente atentos à problemática de que a
maior parte desse material que continua a alimentar a construção de um novo paradigma tem sido
recolhido em países do norte europeu, especialmente em áreas urbanas, por exemplo, na Inglaterra,
de sorte que os estudiosos do tema estão conscientes das implicações disso nos resultados
recolhidos e da extrema necessidade se realizarem mais pesquisas em outras realidades
socioculturais, como é o caso da etnografia realizada junto às crianças Apinayé da região do Bico do
papagaio nesse nosso estudo.
Segundo James, Jenks e Prout (1997) apud Lopes da Silva & Nunes (2002:23), nas
investigações antropológicas mais recentes sobre a infância é possível identificar a incidência de
pelo menos quatro abordagens:
1 – A infância como construção social. Esta abordagem desmonta conceitos até
agora dados como supostos e inquestionáveis, como a universalidade da
infância, defendendo sua pluralidade e diversidade. Tem implícito um papel
político, libertando a criança do determinismo biológico e inserindo uma
epistemologia própria da infância nos domínios do social.
2 – O mundo social da infância como um mundo à parte. É cheio de
significados próprios e não um mero mundo de fantasia e imitação, percussor
do mundo adulto. Esta abordagem enfatiza a infância como socialmente
estruturada, mas não familiar para os adultos, e, portanto, passível de ser
revelada apenas por meio de pesquisa, e recomenda que se faça muita
etnografia.
3 – As crianças como grupo minoritário. Esta abordagem tem se desenvolvido
no âmbito de uma sociedade desigual e discriminatória, de relações do poder
adulto sobre os rumos da infância. Considera a criança como um outro
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silenciado e pretende dar-lhe voz, apelando para que as pesquisas se façam
“para” as crianças e não apenas “sobre” as crianças.
4 – A criança como categoria socioestrutural. Nesta abordagem a criança volta a
ter características universais, emergindo de constrangimentos específicos à
estrutura social em que se inserem, ou seja, sua manifestação pode ser
considerada um fato social que varia de sociedade para sociedade, mas que é
uniforme dentro da mesma sociedade.
O que as autoras estão nos mostrando através desse quadro, e que encontra ressonância na
etnografia por nós realizada junto com as crianças Apinayé, é o quanto os atuais estudos sobre a
infância estão sustentados por dicotomias presentes na teoria social, concomitantemente a uma
série de outros debates recorrentes da atualidade, tais como: “agência-estrutura; universal-particular;
global-local; continuidade-mudança” (Ibidem, p. 24), indicando o quanto é importante que se
estude crianças de culturas mais complexas e suas singularidades, para que a partir daí se vislumbre
uma educação que favoreça a emergência da alteridade a que somos acossados sistematicamente.
É nesse sentido que a antropologia da criança indígena no Brasil, conforme Lopes da Silva
e Nunes (2002) pode trazer uma importante contribuição, aliando a maturidade da pesquisa
etnográfica ao vigor e solidez da reflexão antropológica num país com tanta diversidade cultural
como o nosso, fazendo o que precisa ser feito, como por exemplo, construir essas etnografias com
as crianças, abordando seus universos, conhecendo suas expectativas, de sorte que tais informações
possam ajudar a construir um referencial teórico que possibilite o diálogo necessário à edificação de
uma educação inter e multicultural.
O lúdico na perspectiva da criança apinayé: pela valorização de sua cultura
Estudar o universo da criança Apinayé na perspectiva da antropologia da infância,
considerando que o cotidiano delas encontra-se permeado de atividades lúdicas bastante singulares,
corolário de práticas culturais pautadas em aspectos mitológicos transmitidos gerações afora e
repletos de significados com o poder de atuar de forma decisiva na formação integral da criança,
desde que se apresenta como status pedagógico para a educação infantil, é o que constata a pesquisa
exploratória/etnográfica que impetramos nas aldeias São José e Bonito, elevando esses pequenos
personagens ao posto de agentes ativos, capazes de elaborar suas próprias categorias de
pensamento posicionando-se criticamente diante das informações que recebem dos adultos.
A análise de alguns aspectos do dia-a-dia das crianças Apinayé e das atividades lúdicas que
elas desenvolvem foi por nós construída, ao acompanharmos, em diferentes momentos do dia,
intercalando momentos de chuva e de sol, quando foi possível constatar o que diz Ângela Nunes
(2002), que ao acompanhar as crianças A´uwe-Xavante - grupo indígena pertencente à Família
Lingüística Jê assim como os Apinayé - em épocas do ano bem distintas, observou a existência de
um repertório de brincadeiras estreitamente relacionado com as condições ambientais resultantes
do ciclo o do ritmo sazonais. Por exemplo, um grupo de crianças que acompanhamos numa tarde
de sol se espalha em correria pela aldeia, numa liberdade consentida intencionalmente, divididas em
grupos de meninos e meninas, ora trepando em árvores para retirar um fruto amadurecido
naturalmente, que tanto pode ser uma suculenta manga ou um agridoce caju, ora mergulhando nas
águas translúcidas do ribeirão que corre caudaloso por entre a aldeia, pescando sem anzol um
desavisado peixe que complementará um jantar em família sob a supervisão dos mais velhos.
Quando brincar no pátio da aldeia se torna uma prática impossível, por exemplo nos dias
chuvosos, elas ocupam os pequenos espaços das casas cobertas de palhas de babaçu, construídas
em volta do pátio da aldeia em forma de praça, marca registrada dos povos Jê, (Da Matta, 1976),
transformando-as num abrigo perfeito para brincadeiras normalmente realizadas quase sempre em
duplas: meninas brincando de casinha, exercitando uma espantosa criatividade com caixas de
fósforo vazias, quando estas se transformam em cadeiras, televisores, etc., e meninos reproduzindo
“fazendas de gado” quando pedras e ossos dos mais diversos formatos assumem a categoria de
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vacas, bois e bezerros, em currais improvisados por pedras enfileiradas, ou então numa
emocionante partida de “bolinhas” quando a pontaria de cada um ao acertar o alvo torna-se um
exercício de coordenação motora de fazer inveja a qualquer metodologia construtivista.
Segundo Nunes (2002), essas brincadeiras estabelecem entre si um relação recíproca de
complementaridade, refletindo simultaneamente momentos de interiorização e exteriorização, de
concentração e expansão, de descoberta e de reafirmação, de vivências individuais e coletivas. “A
vivência da sazonalidade implica, igualmente, tecer diferentes relações de espaço e tempo, nas quais
a vida doméstica, a produção familiar e a organização comunitária encaixam-se e desdobram-se ao
longo do ano, em arranjos que refletem etapas do ciclo da vida de cada indivíduo” (IBIDEM, p.
79).
Alfabetização bilingue: como se dá esse processo?
A década de 1990 veio consolidar os dispositivos da Constituição Federal (1988) quando
foi promulgado um Decreto Lei que delegou ao MEC - Ministério da Educação - a coordenação de
políticas públicas voltadas para a educação escolar indígena em substituição à FUNAI, órgão
responsável pelo setor até então no Brasil, delegando sua organização aos Estados e Municípios, a
qual passa a figurar nos documentos educacionais posteriores: Lei de Diretrizes e Bases para a
Educação Nacional – LDB (1996); Plano Nacional de Educação (1998) e no Referencial Nacional
para as Escolas Indígenas – RCNEI - (1998), conforme Almeida e Moreira (2008).
Nesta perspectiva, a LDB 9394/96 nas suas Disposições Gerais dedica dois artigos à
educação escolar indígena, e em seu artigo 78 sustenta que o Sistema de Ensino da União
desenvolva ações integradas de ensino e pesquisa para a oferta de educação escolar bilíngüe e
intercultural aos povos indígenas, promovendo a criação de um subsistema de ensino voltado
exclusivamente para a educação indígena, delegando uma possível autonomia para que se edifiquem
escolas nas aldeias desvinculadas dos modelos tradicionais que prevalecem nas escolas urbanas.
Em outro trabalho (Almeida e Moreira, 2008a), evidenciamos a necessidade de se
compreender o processo de alfabetização e as práticas pedagógicas que se dão dentro e fora da
escola enquanto fatores que viabilizam a aprendizagem das crianças, inserindo-as no universo
cultural da sociedade abrangente sem manipulá-las, considerando também o desafio de se
alfabetizar na língua materna – Apinayé - não esquecendo que o material didático encaminhado às
escolas das aldeias atende às especificidades de um currículo na língua portuguesa para a
escolarização das crianças não indígenas, sendo esta uma língua estrangeira no território das aldeias.
Em nossas investigações que contemplaram períodos de observação também dentro da sala
de aula, presenciamos momentos de extrema vulnerabilidade do projeto educativo indígena
brasileiro, quando professores/as alienados ao currículo oficial tentam encaminhar uma aula para
crianças do primeiro ao quinto ano do Ensino Fundamental. Citamos como exemplo duas classes,
uma do primeiro ano da escola Matyk na aldeia São José e outra da escola Tankak na aldeia Bonito.
Na primeira a professora que é nativa da aldeia e fala português, tenta passar aos seus alunos/as –
crianças com seis anos de idade – os conteúdos previamente recebidos, traduzindo-os para a língua
materna. O problema se agrava quando alguns termos que são exclusivos de nossa sociedade não
são identificados pela professora que os deixa de lado, produzindo lacunas importantes na pretensa
aprendizagem.
Já em outra classe, uma turma do quinto ano, a professora, que não é indígena e, por
conseguinte, não fala a língua Apinayé, tenta passar um conteúdo de matemática, diante de uma
classe que também não entende a língua portuguesa, sendo a professora auxiliada por um dos
alunos que domina “um pouco” – nas próprias palavras da professora - o que ela fala e tenta
traduzir para uma turma conceitos matemáticos complexos. O resultado foi frustrante. A
professora visivelmente preocupada desabafou: “O que eu estou fazendo aqui?” Segundo ela,
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enquanto não for construído um projeto educativo específico para a comunidade, e os professores
vierem da cidade, a tendência é que a alfabetização não aconteça.
Considerações Finais
Sustentado por uma pesquisa etnográfica acerca da antropologia da infância na sociedade
Apinayé, e tendo como apoio um corpo teórico dos mais respeitados, este artigo fez uma análise da
alfabetização das crianças desse grupo indígena, considerando a sociedade abrangente como
referência também no estudo da infância em grupos étnicos minoritários como este que estudamos,
acenando com a necessidade de se repensar o modelo educacional da nossa sociedade enquanto
paradigma de uma educação que deveria ser “indígena”, e que, no entanto, padece de identidade.
Conforme evidenciou a pesquisa, é preocupante o que se faz nas escolas das aldeias
Apinayé, ou seja, oferta-se uma pseudo-educação, promovendo impactos negativos em todos que
se encontram direta ou indiretamente vinculados ao processo educativo, sendo as crianças as mais
prejudicadas. Não obstante, esses estudantes ainda são submetidos a avaliações padronizadas em
escala nacional, atendendo a exigências de organismos corporativos, marca das políticas neoliberais
presentes também na educação das crianças indígenas. Nesse sentido os resultados tendem a serem
dramáticos, conforme demonstrou o exame nacional do ensino médio – ENEM 2009 – quando a
escola da aldeia Apinayé Mariazinha ficou em último lugar entre todas as demais do estado do
Tocantins.
Com efeito, as crianças indígenas assistidas pela pesquisa são diretamente afetadas pela falta
de estrutura teórica e prática da grade curricular destinada às escolas Matuk e Tankak, concebida
pela sociedade abrangente tendo como alvo as escolas de seu entorno, mas que são encaminhadas
às aldeias sem nenhuma preocupação nem com os estudantes nem com o corpo docente, numa
menção clara de desrespeito a um direito básico garantido por Lei, que é o de uma educação
diferenciada de acordo com as peculiaridades de cada povo. Quanto à formulação de um currículo
que faça frente a todos esses impasses, isso vai depender de uma ação conjunta entre os órgãos
oficiais que administram os sistemas de ensino tanto a nível municipal quanto estadual, uma vez
que são eles os responsáveis por tal situação, desde que o MEC concede autonomia para se
organizarem de acordo com a realidade local.
Para finalizar retomamos nossa proposta inicial de se trabalhar uma pedagogia tomando
como referência a cultura de cada povo em geral e das crianças em particular, priorizando o lúdico
como forma sistemática de aprendizagem, sendo mesmo a aldeia e suas dependências um
laboratório repleto de material para experimento, possibilitando um diálogo franco entre as
diferentes áreas do conhecimento, conforme presenciamos, em nossas observações das atividades
lúdicas – e livres - das crianças em seu cotidiano.
Afinal, que aula de geografia tem como material didático a mata ciliar e os ribeirões que
cercam a aldeia, que em sua exuberância desafiam a pedagogia com suas teorias sócioconstrutivistas? Que aula de ciências pode concorrer com a diversidade do cerrado enquanto bioma
privilegiado que reúne num mesmo espaço a biodiversidade própria dessa área do Brasil Central?
Qual metodologia do estudo da matemática consegue mobilizar os estudantes para uma aula de
aritmética como aqueles meninos diante de suas “fazenda de gado”, que embora não
entendêssemos o que conversavam, podíamos perceber que “negociavam” regras para a efetivação
da brincadeira, separando entre eles, as pedras e os ossos em quantidades iguais? Que ambiente
seria mais propício para uma aula de educação física do que as barras de um singelo campo de
futebol que tem desavisadamente sua parte superior elevada à categoria de barra assimétrica,
revelando talentos dignos de qualquer olimpíada, além das margens do ribeirão que se transformam
em raias para uma emocionante disputa de natação? Pensemos nisso.
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DA SILVA, Aracy. MACEDO, Ana Vera L. da Silva, NUNES, Ângela. (Org). Crianças Indígenas
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Trabalho enviado até 30/04/2011 Recebido em 30/04/2011
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ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: UM DESAFIO
Simone Gonçalves Franzati
Resumo
O tema “letramento e alfabetização” relata um dos grandes problemas da nossa escola de ensino
básico atualmente, devido as grandes dificuldades de alfabetizar letrando, mas o que seria letrar um
aluno? O que seria uma pessoa alfabetizada e não letrada e não alfabetizada? Para responder estas
questões, buscarei nos autores possíveis respostas para um melhor entendimento. Alfabetização e
Letramento é um tema muito interessante, devido aos meios de comunicação vigente, explicitando
sobre o analfabeto-funcional nas escolas públicas no nosso país, onde os alunos lêem e escrevem,
mas não conseguem contextualizar, talvez um dos fatores mais notórios, seja a falta de investimento
em educação, mas esse artigo segue dicas de como você educador poderá contribuir para o
letramento do seu aluno.
Palavras Chaves: Alfabetização, letramento, educação básica, ensino fundamental.
Abstract
The theme of literacy and literacy, says a major problem in our elementary school today owing to
the great difficulties of teaching letter, but the letter would be a student? What would be a literate
person and not literate and illiterate? To answer these questions, the authors seek possible answers
to a better understanding. Literacy and Literacy is a very interesting issue because the media effect,
explaining about the functional-illiterate public schools in our country, where students read and
write but can not contextualize, perhaps one of the most notorious is the lack of investment in
education, but this article follows educator tips on how you can contribute to the literacy of
students.
Keywords: Literacy, basic education, primary education.
_____________________
Graduada em Pedagogia
Pós - graduando: Formação Docente para o Ensino Superior
Mestranda: Educação, Arte e História da Cultura.
Email: [email protected]
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Introdução
“Professor: Júlio, responda: por que os Judeus foram expulsos da
Espanha?
Júlio: Porque não se deixaram fotografar.
Professor: Como? De onde você tirou isso?
Júlio: É o que está no livro.
Professor: Está, é? Onde?
Júlio: Aqui, olhe: “porque não se retrataram” (MIRAS in COLL,
1998: 57).
De acordo com Soares (2001), alfabetizado é o indivíduo que sabe ler e escrever e letrado é
o indivíduo sábio, ou seja, aquele que consegue ler e escrever e contextualizar seu mundo sua
sociedade.
Assuntos ligados e de muito interesse para a educação, devido existir no Brasil grande
número de analfabeto-funcionais, o indivíduo que lê, escreve, mas não consegue contextualizar (
saber explicar o que leu, por exemplo), seu mundo, sociedade e sua comunidade, como se fosse
dois mundo indissociáveis e o que ele aprendeu na escola é como se não fizesse parte de sua
história.
Para poder melhor analisar os níveis de analfabetismo e letramento no Brasil irei recorrer à
história:

Quando comemorava- se os cem anos de República no Brasil, não foi
colocada em discussão a questão do analfabetismo, momento histórico em que a maioria da
população não sabia ler ou escrever; essa população não tinha acesso à escola, somente a elite
Brasileira;

Em 1882 – Reforma eleitoral proíbe o voto de pessoas analfabetas, negando
ao cidadão brasileiro o direito à cidadania, esse critério foi mantido na constituição de 1891;

Segundo o Censo de 1890, a taxa de analfabetismo no Brasil era de 82,63%;

O analfabetismo no Brasil torna-se uma questão política e não econômica,
pois esses analfabetos trabalhavam, pagavam seus impostos, eram chefes de família, proprietários,
agricultores, industriais, convocados para serviços militares, mas não lhe era permitido o direito de
ser cidadão e participar da política do país;

Em 1964 o General Presidente H. Castelo Branco propõe o projeto de
Emenda à constituição n. 3, de voto facultativo aos analfabetos, mas não conseguiu aumentar os
números de votos;

Nesse período o índice de analfabetismo no Brasil era de 40%;

Em 2000, 14% dos brasileiros com 15 a 64 anos, não sabiam ler e escrever, de
acordo com a UNESCO, alfabetizado não era mais o indivíduo que não sabia ler e escrever, mas
também aqueles que são capazes de fazer com essa habilidade, surge o analfabetismo funcional, que
nada mais é do que indivíduos que não conseguem fazer uso da escrita e leitura nas diferentes
esferas da vida social;

Em 2001, foi realizada uma pesquisa sobre o letramento de jovens e adultos
brasileiros, produzida pela ONG: Ação Educativa – Instituto Paulo Montenegro, pesquisou
indivíduos com a faixa etária entre 15 a 64 anos, sendo aplicados testes de leitura e um questionário,
visando analisar níveis de linguagem e escrita em diferentes contextos. Essa pesquisa teve como
objetivo, levantar o índice de analfabetismo – funcional que pudesse ser divulgado a população.
Sabendo que após a Revolução Industrial, a vida urbana torna-se padrão para as massas,
onde é de grande importância saber o nível de analfabetismo que influi no desenvolvimento sócioeconômico do país, e quanto for menor esse índice em relação aos outros países maiores serão as
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chances de atraírem investidores estrangeiros. Começa então a pesquisar o motivo desse número de
analfabetismo funcional, pensa-se em metodologias a serem utilizadas para que esse individuo
consiga adquirir e utilizar as habilidades da leitura e escrita.
Segundo Kleiman (1995), o letramento é uma tradução para o português da palavra
“Literacy”, que pode ser traduzida como a condição de ser letrado. Um individuo alfabetizado não
é necessariamente um individuo letrado; alfabetizado é aquele individuo que sabe ler e escrever;
letrado é aquele individuo que sabe ler e escrever, mas que também responde adequadamente às
demandas sociais de leitura e de escrita, sendo assim, o individuo deve ser alfabetizado e letrado.
A linguagem é um fenômeno social, estrutura de forma ativa e grupal do ponto de vista
cultural e social.
A palavra letramento é utilizada no processo de inserção numa cultura letrada.
Nos Estados Unidos e Inglaterra, embora a palavra “Literacy” já constasse no dicionário
desde o final do século XIX, foi na década de 1980, que o fato tornou-se o foco de atenção e de
estudos nas áreas da educação e da linguagem.
No Brasil os conceitos de alfabetização e letramento mesclam-se e confundem-se, que tem
levado, a uma inadequada e imprópria síntese dos dois procedimentos, com prevalência do conceito
de letramento sobre o de alfabetização, nós não podemos separar os dois processos, pois a
principio o estudo do aluno no universo da escrita se dá concomitantemente pela interação desses
dois processos: a alfabetização, e pelo desenvolvimento de habilidades da leitura e escrita, nas
práticas sociais que envolvem a língua escrita e o letramento.
O conhecimento das letras é apenas um meio para o letramento, que é uso social de leitura
e da escrita, para formar cidadãos atuantes e interacionistas é preciso conhecer a importância da
informação sobre o letramento.
Letrar significa colocar a criança no mundo letrado, trabalhando com os distintos usos de
escrita na sociedade, essa inclusão começa muito antes da alfabetização, quando a criança começa a
interagir socialmente com as práticas de letramento no seu mundo social.
O letramento é cultural, por isso, muitas crianças vão para a escola com um conhecimento
alcançado de maneira informal, absorvido em seu próprio cotidiano, ao conhecer a importância do
letramento, deixamos de exercitar o aprendizado automático e repetitivo, baseado na
descontextualização. Na escola a criança deve interagir firmemente em relação ao caráter social da
escrita e ler e escrever textos significativos, textos críticos.
A alfabetização ocupa-se da aquisição da escrita pelo individuo ou grupos de indivíduos, o
letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de um sistema de escritura de uma
sociedade.
Em termos amplos posso dizer que o letramento é apontado como sendo produto do
desenvolvimento do comércio, da diversificação dos meios de produção, da complexidade
crescente da agricultura, etc.
Ao mesmo tempo, dentro de uma visão dialética, torna-se uma causa de transformações
históricas profundas, como o aparecimento da máquina a vapor, da imprensa, telescópio e de uma
sociedade industrial como um todo.
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Iniciando o letramento: Estratégias que ajudam no processo de construção da escrita.
Segundo Soares (2004), infelizmente até os dias de hoje encontramos diversas crianças que
não são alfabetizadas ao final das séries iniciais das escola públicas em nosso país, isto significa, que
estes alunos não conseguiram encontrar significados suficientes para a aquisição de leitura ou
escrita, mas conseguem participar do mundo letrado.
Um bom momento para a inicialização de construção de significado para a aprendizagem
de leitura e escrita é na Educação Infantil, que acontece a entrada dos alunos ao Ensino
Fundamental.
Vygotsky e Piaget enfatizam que o homem constrói e reconstrói seu conhecimento na
relação com o outro.
De posse das contribuições dos teóricos como Lev Semenovich, Vygotsky, Paulo Freire,
Emília Ferreiro, Ana Teberosky e Piaget, buscarei compreender o papel da escola, do professor
enquanto mediador no processo educativo e no aluno epistêmico. Um professor mediador,
desencadeador no processo de leitura e escrita, como destaca Ferrero (1991), deve romper com a
imagem de que a criança reduz-se a um par de olhos, um par de ouvidos, uma mão que pega um
instrumento e etc... Esquecem que a criança é um sujeito cognoscente, ou seja, alguém que pensa,
que interpreta, que tem sentimentos e etc.
Deve-se considerar então, que para a aprendizagem ocorrer é necessário que haja um
significado para o conteúdo a ser aprendido, que é necessário mostrar os aspectos sociais, históricos
e pessoais, o professor mediador precisa criar estratégias, que possibilitem seus alunos a pensar,
criar propostas e estratégias de leitura e escrita.
O professor mediador e o aluno, devem assumir o papel de investigador, em busca do
conhecimento. O professor mediador deve desafiar seu aluno, mostrando que ele é capaz, para que
ocorra sua evolução na leitura e na escrita (ontogênese).
A criança deve pensar, errar, refletir sobre ler e escrever, para que a aprendizagem deixe de
ser mecânica e descontextualizada, como são nas cartilhas, onde a criança para escrever uma
simples palavra aprende as vogais, as consoantes, depois de uma soma entre a vogal e a consoante
forma uma sílaba, que somando com uma outra consoante e com outra vogal forma-se outra sílaba,
que somando a primeira sílaba com a segunda forma enfim a palavra, que a criança busca aprender.
Ex: b + o= bo; l + a = la = bola, muito complicado.
Não podemos esquecer que a criança, que está sendo alfabetizada dentro de sala de aula é a
mesma que vive num mundo letrado, que assiste televisão e sabe direitinho contar como foi esse
programa , que ouve rádio e canta as músicas que lhe são preferidas, compra algo que deseja, sabe
se tem troco ou não, declama poesia, esta criança está o tempo todo em ação com o mundo, mas
quando pega a cartilha não consegue ler se quer uma palavra, sendo assim, um excelente material
para um professor auxiliar seu aluno na alfabetização, encontra-se no mundo letrado das próprias
crianças é necessário instrumentalizar o processo de construção de leitura e escrita.
É necessário sensibilizar na criança com algo que lhe desperte o interesse para conhecer as
letras, mostrando a importância do ler e do escrever, quando a criança começar a perceber esse
novo mundo, com certeza seus horizontes irão se abrir e a comunicação entre o ensino –
aprendizagem, ficará mais significativas, tornando-se verdadeiras.
A criança que aprende a ler e a escrever num mundo letrado, rompe uma das barreiras que
a impede de construir seu processo pessoal de leitura e escrita.
Como sugestão, seguem atividades que iniciam-se na Educação Infantil, que incentivam a
criança para que ocorra uma alfabetização significativa ou letrada:
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
O professor deve ler diferentes textos, como contar histórias para as crianças,
para que possam divertir-se, informar-se, pensar, opinar e etc;

A criança deve recontar as histórias já ouvidas do professor, da mãe, dos
colegas entre outros;

Manusear o alfabeto móvel para fazer montagens, leituras, escrever seu nome
e dos seus colegas, entre outros;

Acompanhar no seu próprio texto, a leitura realizada pelo professor;

Utilizar-se de textos conhecidos de memória (de cor), para realizar leitura de
faz-de-conta, com parlendas, trava-línguas, letras de música, piadas, história em quadrinhos, etc;

Produzir, individualmente ou em duplas, textos conhecidos de memória,
cartas, bilhetes, listas, letras de música, de cantigas de roda, entre outras;

Participar oralmente da produção de textos coletivos, registrados pelo
professor no quadro-de-giz;

Montar quebra-cabeça de textos escritos e com imagens;

Ler, folhear, olhar, apreciar, conhecer, examinar, atentamente, diferentes tipos
de textos (cartas, jornais, rótulos, anúncios, revistas, convites, livros, gibis, charges e etc), buscando
fazer diferentes leituras e divertir-se;

Colorir, em textos os espaços entre as palavras;

Destacar em textos, palavras repetidas ou aquelas que são desconhecidas e etc;
Essas atividades sugeridas não param por aqui, o professor mediador observando seus
alunos, pode criar atividades que possibilitem superar suas hipóteses de escrita e sua estratégias de
leitura e propor a seus alunos.
Segundo Ferrero; Teberosky (1991), antes de saber ler e escrever a criança pensa na escrita
e nos símbolos que a rodeia, por isso é muito importante que o professor mediador do processo
ensino e aprendizagem, crie uma ambiente estimulador no qual, ler e escrever tenha significado e
função para a criança.
O desenho:
A criança começa a utilizar o desenho quando a linguagem falada já progrediu. No
início, ela desenha de memória, mesmo que o objeto na sua frente, ela não desenhe o que vê, mas
o que conhece.
Os símbolos:
A criança com a faixa etária entre 3 a 4 anos de idade, rabiscam traços que consegue
reconstituir, isto é, o rabisco tornou-se símbolos mnemotécnicos.
As concepções:
Antes mesmo da criança ser alfabetizada, ela já observa, pensa e vai adquirindo concepções
individuais a respeito dos símbolos lingüísticos, tendo consciência que há uma diferença entre a
leitura silenciosa e leitura em voz alta.
Reconhece que a leitura de histórias é feita em livros e que as notícias são lidas em jornais,
compreende que os manuais de brinquedos e jogos, servem para entender como eles devem ser
montados ou jogados, além disso, já se verifica a concepção de quantidade, qualidade e direção.
Quantidade:
As palavras possuem muitas letras.
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Direção:
A leitura é feita de cima para baixo e da esquerda para a direita, essas hipóteses em se
tratando de leitura, a criança adquire à medida que interage com o entorno, especialmente
observando o adulto ler diversos materiais escritos e a escrever.
Símbolos Globais:
Nesta fase a criança desenvolve também a falsa impressão de que o tamanho da palavra
está ligado a mesma proporção do objeto relacionado, a partir desta etapa, a criança passa para a
fase da leitura e símbolos globais em contextos familiares (Coca-Cola, Mc Donald‟s, Ketchup) é a
leitura de preditibilidade (adivinhação).
Na aprendizagem da leitura e da escrita as crianças tem como ponto de partida o sentido
do mundo e dos objetos que a cercam, por que aprendem pensando, estabelecendo relações sobre
as características de linguagem presentes em seu entorno.
Os níveis conceptuais lingüísticos:
Nível 1 – pré – silábico ( fase pictórica, gráfica primitiva e pré - silábica.
Nível 2 – intermediário l.
Nível 3 – silábico.
Nível 4 – intermediário II ou silábico – alfabético.
Nível 5 – alfabético.
Nível 1 – Pré – Silábico:
Fase pictórica, onde a criança registra garatujas, desenhos sem figuração e, mais tarde,
desenhos com figuração, mas se for uma criança que vive num ambiente urbano, com estimulação
lingüística e disponibilidade de material gráfico (papel e lápis), começará a rabiscar e a experimentar
símbolos muito cedo (por volta dos dois anos), muitas vezes, usa-se a linearidade, mostrando uma
consciência sobre as características da escrita.
Na fase pré-silábica, a criança começa a diferenciar letras de números, desenhos ou
símbolos e reconhece o papel da letra na escrita, percebem também, que as letras servem para
escrever, mas não sabem como isso ocorre.
Gráfica Primitiva:
A criança registra e pseudoletras, misturadas com letras e números, já demonstrando sua
linearidade e utiliza-se do que já conhece em seu entorno para escrever (bolinhas, riscos, pedaços de
letras e etc).
Nível 2 – Intermediário l:
Nesta fase a criança ainda não consegue entender a organização do sistema lingüístico,
geralmente há uma negação da escrita, pois o aluno diz que “não sabe escrever”, a postura do
professor mediador é a de estimular e isso irá determinar se essa criança dará prosseguimento ou se
desestimulará.
Exemplo: A criança sabe que elefante começa e termina com a vogal “e”, mas não sabe a
ordem das letras, sabe-se que a palavra Rodrigo, tem dois “r”, mas não sabe colocá-los, acaba
fazendo uma ligação confusa entre a pronuncia e a escrita, essa criança já conhece e utiliza de
alguns valores sonoros convencionais.
Nível 3 – Silábico:
Quando a criança chega ao nível silábico, sente-se confiante porque descobre que pode
escrever com lógica, ela conta os “pedaços sonoros”, isto é , as silabas e a palavra, coloca-se uma
palavra para ficar “mais bonito”.
Exemplo: UALXTO (uva).
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Utiliza-se de uma letra para cada palavra ao escrever uma frase: AVKVUQ (a vaca da leite).
Essa noção de que cada símbolo corresponde a uma letra pode ocorrer com ou sem
valor sonoro convencional. A criança pode, por exemplo, escrever fita assim: IA ou LX, aqui a
criança acredita que resolveu o problema da escrita, mas a leitura ainda continua problemática,
porque o adulto não consegue ler o que a criança escreveu.
Nível 4 – Intermediário II ou Silábico – Alfabético:
Neste nível a criança está a um passo da escrita alfabética, ao professor mediador cabe ao
trabalho de refletir com ela sobre o sistema lingüístico, a pertir da observação da escrita alfabética e
da reconstrução do código.
Exemplo: TIAO = Tiago; TOAT = Tomate; KVAQ = Cavalo.
Nível 5 – alfabético:
A criança consegue ler e expressar graficamente o que pensa ou fala.
Exemplo: A criança sabe que os sons G e A são grafados ga e que T e O são grafados to e
que, juntos, significam gato.
Às vezes, a criança ainda não divide a frase convencionalmente (graficamente), e sim de
acordo com o ritmo frasal.
Exemplo: Omininu comeum doci; BISILTA = bicicleta; PTECA = peteca; UVDA =
corda; LUSIA GO PTEC = Lúcia joga peteca.
Nesta fase a criança escreve foneticamente (faz a relação entre som e letra), mas não
ortograficamente.
Cabe ao professor mediador conduzi-lo a ortografia gramatical.
O letramento como elemento articulador do planejamento escolar
A aprendizagem da leitura e da escrita tem sido motivo de preocupação para as escolas
sendo eles os principais pré-requisitos para o ensino e aprendizagem. É um desafio para a
comunidade educar os alunos devido às referências culturais das mais diversas camadas sociais, por
causa das desigualdades sociais e econômicas, muitos professores justificam, a reprovação que era
reconhecida com tradução da compatibilidade e assim jogando a culpa em seus alunos.
Os professores tem dificuldades em trabalhar com essas crianças, não possuidoras de uma
base cultural do mundo das letras, para suprir essas necessidades é preciso utilizar-se de inúmeros
recursos como por exemplo: projeto coletivo, momentos de troca de experiências e outras técnicas
que facilitem o seu trabalho, mas respeitando as potencialidades e o desenvolvimento de seus
alunos.
vividas.
Os alunos não podiam desenvolver a capacidade de avaliar e criticar suas experiências
A alfabetização é um desafio não somente para a escola, professor, mas também para os
diretores, coordenadores, funcionários e a comunidade do entorno, ou seja, um trabalho coletivo e
que se proponha a formar um aluno para a cidadania.
Muitas escolas desenvolvem essa pratica, obtendo sucesso, para assegurar a capacidade de
ler e escrever, o ser humano tem que ter o ato crítico de ouvir, entender, responder, estabelecer
intercâmbio com as mais variadas informações, através de textos orais e escritos, para que formule
sua própria opinião sobre o mundo (visão de mundo), através da linguagem.
Alfabetização, letramento escolarização
Segundo Ribeiro (2004), a alfabetização é vocábulo de uso corrente, cujo o sentido não
suscita dúvidas nem desperta polêmicas, o mesmo não ocorre com o vocábulo letramento, de
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sentido pouco claro e impreciso, porque foi introduzido recentemente no léxico das ciências sociais,
pode-se dizer que a inserção no mundo da escrita se dá por meio de uma aquisição tecnológica – a
isso chama-se alfabetização, por meio de desenvolvimento de competências (habilidades,
conhecimentos e atitudes), de uso coletivo dessa tecnologia em práticas sociais que envolvem a
língua escrita – a isso chama-se letramento.
O domínio do sistema de escrita (alfabético, ortográfico), que são habilidades motoras de
manipulação de instrumentos e equipamentos para que a codificação e decodificação realizem-se,
isto é, a aquisição de modos de escrever e modos de ler, aprendizagem de uma certa postura
corporal adequada para ler e escrever, habilidades de uso de instrumentos de escrita(lápis, borracha,
caneta, corretivos, réguas, computador e etc), habilidades de escrever ou ler seguindo a direção
correta e adequada dos suportes em que se escreve e nos quais se lê.
O uso da palavra letramento vem distinguir dois processos, pôr um lado garantindo a
especificidade do processo de aquisição da tecnologia da escrita e pôr outro lado atribuindo não
somente a especificidade, mas também visibilidade ao processo de desenvolvimento de habilidades
e atitudes de uso dessa tecnologia em práticas sociais que envolvem a língua escrita.
Analfabetos podem ter um certo nível de letramento, mesmo não tendo adquirindo a
tecnologia da escrita, utilizam-se de que tem para fazer o uso da leitura e da escrita, conseguem
exercer suas práticas sociais.
Alfabetização e letramento são processos distintos, da natureza essencialmente diferente,
entretanto, são interdependentes e mesmo indissociáveis.
A alfabetização, a aquisição da tecnologia da escrita não precede nem é pré requisito para o
letramento, isto é, para a participação em práticas sociais de escrita, tanto assim que analfabetos tem
um certo nível de letramento: não tendo adquirido a tecnologia da escrita, utilizam-se do que tem
para fazer uso da leitura e escrita.
Escolarização, esta palavra é um substantivo derivado do verbo escolarizar, sendo um
verbo transitivo direto, isto é, exige um complemento; este pode ser de duas naturezas: escolarizar
um conhecimento, uma pratica social, um comportamento, esta palavra é considerada de duplo
sentido; por um lado, pode-se discutir as relações entre níveis de aprendizado escolar e nível de
letramento, em busca das relações e praticas sociais e escolares de leitura e de escrita; considere-se a
escolarização da escrita como objeto de aprendizagem.
Letramento de filhos de mãe alfabetizadas e não letradas
As mãos que embalam o bercinho são as mãos que embalam o mundo. Segundo Kleiman
(2001), se consideramos índices demográficos relativos à alfabetização de homens e mulheres no
Brasil, teríamos que concluir que a situação das mulheres, aqui é excepcional, pois vem melhorando
de forma firme e segura tanto ao longo do tempo na últimas décadas quanto entre gerações.
As estatísticas mostram que os índices de analfabetismo foram significantemente reduzidos
entre as mulheres mais jovens, quando compararmos as taxas da época com suas mães e avós, alem
disso, o índice vem caindo mais rapidamente do que os índices de analfabetismo entre os homens.
Em contextos naturais, nos permite questionar a normalização das concepções crenças
dominantes sobre o letramento, que as agências encarregadas dos programas de alfabetização
apresentam como dadas e inevitáveis.
No microcosmo da sala de aula, podemos ver a encenação macro, relações de poder entre
as classes sociais, diferentes grupos étnicos e sexuais, o que nos deixa entrever que, na prática social
é possível não somente reproduzir o mundo social, mas também contesta-lo e transforma-lo, em
resumo, a pesquisa etnográfica, ao nos permitir examinar as práticas discursivas que tornam alguma
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agência de letramento mais bem sucedidas do que outras, também pode ser um subsídio importante
para a mudança nos programas de alfabetização de jovens e adultos, em busca do difícil sucesso.
Metodologia
É uma pesquisa bibliográfica, segundo Gil (2002: 45), a “principal vantagem da pesquisa
bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de soma de fenômenos muito
mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente”. A pesquisa bibliográfica também
pode ser considerada como aquela que permite uma maior redução de custos, devido os dados
pesquisados estarem disponíveis para futuras pesquisas, também possibilita a coleta de dados
históricos só possíveis através da pesquisa bibliográfica.
O desenvolvimento a reflexão de novos conceitos e procedimentos de pesquisa científica
estão sempre acompanhados de uma reflexão epistemológica, capazes de sustentar profundas
mudanças de produzir conhecimento científico, nos quais permitam aos pesquisadores terem
acesso ao significado na produção teórica sobre o assunto a ser estudado (REY, 2011).
“O simples conhecimento, por parte do sujeito, de que está envolvido
em um estudo é suficiente para alterar de forma significativa e
certamente em um nível desconhecido, sua resposta diante o
pesquisador” (REY, 2011: 78).
Gil (2002), alerta para a desvantagem da pesquisa bibliográfica quando esta pode levar ao
erro, se for realizada através de fontes secundárias que apresentam dados equivocados. Para
corrigir esta possível falha, este projeto visa coletar dados de publicações certificas de autores e
entidades reconhecidas no meio cientifico.
Análise
Se fizermos um contraponto entre os conceitos de letramento e alfabetização, que resultam
numa reivindicação da alfabetização, os dois processos têm sua especificidade e, ao mesmo tempo
são indissociáveis, tanto numa perspectiva teórica como na prática pedagógica, ainda não
estabeleçam uma relação de causalidade.
A invenção do letramento, num certo momento histórico surgiu a necessidade de
reconhecer e nomear práticas sociais de leitura e de escrita mais avançadas e complexas que as
práticas do ler e do escrever, resultantes da aprendizagem do sistema de escrita.
No final da década de 1970, a UNESCO sugeriu, que as avaliações internacionais sobre o
domínio de competências de leitura e de escrita fossem além do medir apenas a capacidade de saber
ler e escrever.
Nos Estados Unidos, Literacy: domínio de competências de uso da leitura e da escrita, nos
Estados Unidos e na França, há uma independência das questões de letramento em relação às
questões de alfabetização uma vez que a população passou pela escolaridade básica, é alfabetizada,
mas não domina as competências do uso da escrita e da leitura necessárias para a sua inserção no
mundo do trabalho e nas práticas sociais.
No Brasil, os conceitos de letramento e alfabetização mesclam-se, isso é documentado ao
longo das décadas, a partir dos conceitos de alfabetização utilizados nos censos demográficos, até
1940, era considerado analfabeto aquele que não soubesse ler e escrever o seu próprio nome, a
partir desta data, era considerado alfabetizado o individuo que soubesse ler e escrever um bilhete,
agora no momento atual, considera-se também os anos de escolarização, estendendo o conceito de
alfabetização para ser capaz de fazer uso da leitura e escrita. O conceito de alfabetização e
letramento em nosso país estão sempre associados, correndo o risco de perder a especificidade de
cada um dele.
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Na mídia sempre encontramos termos como: semi-analfabetos, iletrados e analfabetos funcionais.
Na desinvenção da alfabetização, há uma progressiva perda da especificidade do processo
de alfabetização, se antes o fracasso em alfabetização era revelado em avaliações internas às escolas,
atualmente ele se revela em avaliações externas estaduais (SARESP, SIMAVE), nacionais (SAEB,
ENEM) e até internacionais (PISA), assim o fracasso da alfabetização traduz-se em altos índices de
precário ou nulo desempenho de alunos em provas de leituras, após quatro, seis, oito anos de
escolarização, se antes havia uma excessiva especificidade do processo de alfabetização,
privilegiando a autonomização das relações entre o sistema fonológico e o sistema gráfico, em
relação às demais aprendizagens e comportamentos na área da leitura e da escrita, parece que
atualmente, apagou-se essa especificidade. Algumas causas podem ser apontadas para isso, desde a
reorganização do tempo escolar que terminou por provocar uma diluição ou uma preterição de
metas e objetivos a serem atingidos gradativamente ao longo do processo de escolarização; o
princípio da progressão continuada que pode resultar em falta de compromisso com o
desenvolvimento gradual e sistemático de habilidades, competências e conhecimentos.
Mas há um fenômeno mais complexo que é a mudança conceitual a respeito da
aprendizagem da língua escrita que se difundiu no Brasil a partir da década de 1980. As décadas de
1980 e 1990 assistiram ao domínio hegemônico do paradigma cognitivista, que aqui se difundiu
com a denominação de construtivismo.
Nos Estados Unidos, esse paradigma foi proposto para todo e qualquer conhecimento
escolar, implicando uma nova concepção das relações ensino e aprendizagem. Para nós, esse
paradigma chegou pelas vias da alfabetização (Emília Ferrero), a ponto de disfundir-se um conceito
equivocado de que só na fase da aprendizagem da língua escrita um professor poderia ser
“construtivista”.
Sem duvida, essa mudança de paradigma foi importante, pois passou-se a considerar a
criança como um sujeito ativo, capaz de (re) construir o sistema de representação, interagindo com
a língua escrita em seus usos e práticas sociais (materiais para ler e não produzidos para aprender a
ler); passou – se a afirmar que a aprendizagem se dá por uma progressiva construção do
conhecimento e as dificuldades passaram a ser vistas como “erros construtivos” ou reestruturações,
porém, há alguns equívocos:

Privilegiando a faceta psicológica da alfabetização, obscureceu sua faceta
lingüística (fonética e fonológica);

Uma falsa inferência de que seria incompatível com o paradigma conceitual
psicogenético a proposta de métodos de alfabetização, assim, hoje temos uma teoria sobre o
processo de aprendizagem da língua escrita e nenhum método;

O falso pressuposto de que apenas através do convívio com a cultura escrita, a
criança alfabetiza-se, assim, a alfabetização, como processo de aquisição do sistema convencional de
uma escrita alfabética e ortografia (essa é sua especificidade), perderam sua especificidade, ficando
obscurecida pelo letramento.
A reinvenção da alfabetização, nas ultimas décadas, em vários países domina uma
concepção de aprendizagem que compreende que aprender a ler e a escrever é construir um sentido
para textos escritos, utilizando os conhecimentos prévios; nesse entendimento, o ensino de fonemagrafema não é objeto de ensino direto e explícito, pois sua aprendizagem decorreria de forma
normal da interação com a língua escrita.
Um relatório produzido em 2000, nos Estados Unidos, pelo National Institute of Child
Helth and Human Development (NICHD), conclui que, entre as facetas consideradas
componentes essenciais do processo de alfabetização – consciência fonêmica, relações fonema-
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grafema, fluência em leitura (oral e silenciosa), vocabulário e compreensão – as evidencias a que as
pesquisas conduziram mostravam que têm implicações altamente positivas para a aprendizagem da
língua escrita, o desenvolvimento da consciência fonêmica e o ensino explicito, direto e sistemático
das correspondências fonema-grafema, sendo assim, postula-se que essa faceta da aprendizagem
recupere a importância fundamental que tem na aprendizagem da língua escrita; sobretudo que seja
objeto de ensino explícito, direto e sistemático.
O antagonismo que possa surgir entre as duas postura é mais político do que conceitual,
dissociar alfabetização de letramento é um equivoco porque a entrada no mundo da escrita se dá
simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do sistema convencional de escrita – a
alfabetização e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema – o letramento.
A vantagem em diferenciar letramento e alfabetização está na especificação de que esses
são processos de naturezas diversas e que, portanto, exigem procedimentos diferenciados de
ensino, uma vez reconhecida à necessidade de conciliação entre as duas facetas do aprendizado da
língua escrita é possível reconhecer também a diversidades de métodos de ensino de um e outro
aspecto, além da diversidade de grupos de alunos e de cada aluno, exigindo formas diferenciadas de
ação.
Referências bibliográficas
FERREIRO, E. e TEBEROSKY, A. A psicogênese da língua escrita. Porto Alegre, Artes médicas,
1991.
KLEIMAN, Ângela B. Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita.
Campinas: Mercado de Letras, 2001.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2002.
MIRAS, M. Um ponto de partida para a aprendizagem de novos conteúdos. In: COLL, C. O
construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática, 1999.
REY, Fernando Luis G. Pesquisa qualitativa em psicologia: caminhos e desafios. São Paulo: Pioneira
Thomson Learning, 2011.
RIBEIRO, Vera. Por mais e melhores leitores: uma introdução. In: RIBEIRO, Vera. M. Letramento no
Brasil: Reflexões a Partir do INAF 2001. 2ª Edição. São Paulo: Global, 2004.
SOARES, Leôncio José Gomes. O surgimento dos Fóruns de EJA no Brasil: articular, socializar e intervir.
In: RAAAB, alfabetização e Cidadania – políticas Públicas e EJA. Revista de EJA, n.17, maio de
2004.
SOARES, Magda. Letramento. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
Trabalho enviado até 30/04/2011 Recebido em 30/04/2011
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APROPRIAÇÃO DE CULTURAS: AS INFLUÊNCIAS SOCIAIS
QUE MODIFICAM O SUJEITO
Suzana Luiz Tibúrcio
Licenciada em História
Mestranda em Ciências da Linguagem pela Unisul Tubarão SC
Resumo
A língua é extremamente social, e é na cultura que se percebe o envolvimento entre as descendência
autóctones e os imigrantes. Tanto a linguagem, quanto diversos aspectos culturais são influenciados
pelo sujeito. Esse sujeito que vive em comunidade desde sempre, e é em Benveniste e Bakhtin que
o presente artigo vem demonstrar o quanto se tem de social na língua, em sua arbitrariedade, com
todas as modificaçoes oriundas do processo de colonização, não sendo nunca adquirida
involuntariamente e sozinha, sem interferências. Se a língua prova e mostra que foi modificada,
como ainda pensar em comunidades sem interferências, sem trocas culturais e mais ainda, pensar
em superioridade de culturas? As culturas se mesclam e se constroem, não sendo nem menos e nem
mais importante que a cultura que já advêm dos próprios indígenas, como no caso do Brasil.
Palavras chave: Culturas autóctones e imigrantes, língua, culturas miscigenadas.
Abstract
The language is extremely social, and culture is that it perceives the engagement between
indigenous descent and immigrants. Both the language, as many cultural aspects are influenced by
the subject. This guy who lives in the community ever since, and is in Bakhtin and Benveniste that
this article demonstrates how it has to be social in language, its arbitrariness, with all modifications
from the process of colonization and never acquired involuntarily and alone, without interference.
If the language test and show what was changed, but also think of communities without
interference, without cultural exchanges and more, thinking about the superiority of cultures? The
cultures are mixed and are constructed, being neither more nor less important than the culture that
has come from the Indians themselves, as in the case of Brazil.
Keywords: Host and immigrant cultures, languages, cultures intermixed...
A linguagem enquanto fator modificado pela sociedade
O homem é resultado e agente da história, pois ele se constrói através do tempo. Nesse
tempo onde o homem vive mantêm relações, adquire experiências e se locomove dentre muitas
outras atividades que o tornam um agente da história; isto porque ele se apropria e
concomitantemente promove a outros sujeitos resquícios de experiências vividas.
Nesse desenrolar “filosófico”, quero enfocar a construção cultural do homem como sendo
essencialmente social. O fato de sermos seres que vivem em “bandos” possibilita trocas que nos
criam, que moldam nossos pensamentos, modos de falar, de se vestir, de comer, etc.
Sobre esse aspecto vale citar o lingüista Benveniste que ao ver e expor em suas idéias a
língua como social, que se modifica, entendemos a real importância dessas relações.
Podem-se, pois, conceber muitos tipos de descrição e muitos tipos de
formalização, mas todos devem necessariamente supor o seu objeto, a língua, é
dotado de significação, que em vista disso que é estruturado, e que essa
condição é essencial ao funcionamento da língua entre outros sistemas de
signos. É difícil imaginar o que resultaria de uma segmentação da cultura em
elementos discretos. Numa cultura, como numa língua, há um conjunto de
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símbolos cujas relações é necessário definir. Até aqui, a ciência das culturas
permanece forte e deliberadamente substancial. (BENVENISTE, 2005, p.13)
A língua é algo que se desenvolve e se transforma na relação social, mais precisamente na
significação, pois é neste âmbito que se tem presente os sentidos de um signo lingüístico.
A linguagem reproduz a realidade. Isso deve entender-se da maneira mais literal:
a realidade é produzida novamente por intermédio da linguagem. Aquele que
fala faz renascer pelo discurso o acontecimento e a sua experiência do
acontecimento. Aquele que o ouve apreende primeiro o discurso e através desse
discurso, o acontecimento reproduzido. Assim a situação inerente ao exercício
da linguagem, que é a da troca e do diálogo, confere ao ato do discurso dupla
função: para o locutor, representa a realidade; para o ouvinte, recria a realidade.
Isso faz da linguagem o próprio instrumento da comunicação intersubjetiva.
(BENVENISTE, 2005, p.26).
A subjetividade é o reflexo das relações, os sentidos que se criam entre o significado e o
significante de uma língua. O entendimento e sentido de um diálogo vão acontecer relacionados às
vivencias de um povo, portanto nem sempre será igual. Werner, afirma que:
A perspectiva de entendimento de língua de Benveniste se diferencia da de
Saussure, uma vez que a vê como essencialmente social, concebida no consenso
coletivo. [...]No primeiro, que confere com o pensamento de Saussure, está o
signo significando no sistema e, no segundo, há a expressão do sentido
resultante da relação do signo com o contexto, ou seja, o modo de significar do
enunciado (discurso). Para o autor, essa forma de significar é a língua como
trabalho social. Assim, Benveniste vê a língua no seio da sociedade e da cultura
porque, para ele, o social é da natureza do homem e da língua. (WERNER,2004,
p.2)
Benveniste vê confusão na teoria de Sausurre, pois quando afirma que o signo é arbitrário,
tem que se explicitar que ele é pessoal, se dá com as experiências, não faz parte somente de uma
estrutura; conforme essas afirmações percebemos que a língua é algo de extrema importância para a
vivência em grupos, pois necessitamos de diálogo, e dialogamos em toda nossa construção
histórica, desde os primórdios. Faraco, 1998 enfatiza a questão do dialogismo conforme a teoria de
Bakhtin, onde para ele o diálogo coloca a relação humana como transformador das linguagens[...]
Como sendo uma abordagem mais globalizante das realidades humanas e não apenas teorias e
modelos formais de fragmentos de coisas. (FARACO, 1996, p.119)
Bakhtin elabora uma concepção de linguagem que não a separa dos sujeitos reais
e concretos/; os falantes não são reduzidos a meros atualizadores de leis e
códigos de um sistema lingüístico inacessível, nem são assujeitados em sentido
absoluto a uma supra-estrutura ideológico-discursiva, mas não também não são
hiperatrofiados na condição de fonte absoluta da expressão. (FARACO, 1996,
p.122)
O que Faraco quis mostrar é que as expressões e os sentidos podem se modificar com as
relações culturais entre os povos, a relação entre falante e ouvinte; onde a linguagem não é somente
estrutura, ela é resultado da ligação/interação entre os sujeitos.
Porém o que se vale explicitar é que essa relação que é extremamente benéfica para o
desenvolvimento intelectual e cultural pode também trazer algumas “desapropriações” culturais.
Um exemplo dessa apropriação/desapropriação se dá com comunidades brasileiras de
descendências alemãs, onde por menor que seja o resquício de parentesco que se tenha em uma
família, a mesma se sobressai sobre a cultura brasileira.
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2. As culturas autóctones e as influências sociais
O brasileiro atualmente, que possui uma vertente, uma veia européia em sua árvore
genealógica, esquece muitas vezes, que é brasileiro, antes de tudo, que tem suas descendências e
raízes atreladas a uma grande mescla de culturas; citamos assim o índio que manteve relações,
embora tortuosamente, com os europeus, e disso resulta-se em novas incorporações, em novas
culturas e parentescos.
O primeiro encontro entre espanhóis e indígenas no Brasil é surpreendente e em
tudo desigual àquele que, meses mais tarde, aguardaria os portugueses, na Bahia.
A explicação é simples: enquanto Cabral e seus homens encontraram os
Tupiniquins e estabeleceram com eles uma relação pacífica, os marujos de
Pinzón desembarcaram no territórios dos Potiguar e podem tê-los provocado.
(BUENO, 1998, p.17)
Neste trecho Eduardo Bueno mostra que realmente existiram relações entre
indígenas com europeus; no primeiro momento com espanhóis, bastante turbulentas, onde ele
encontra os Potiguar, já com Cabral, o encontro com Tupiniquins é mais cauteloso, esses povos se
adaptam a cultura e sofrem interferências, estando “abertos” a modificações de cultura. Nessa
modificação, o português também sofre influência da cultura indígena.
Em todas as camadas sociais da Europa, os trajes passaram a distinguir cada vez
mais o sexo e a personalidade dos usuários. Os homens abandonaram os
vestidos de sarja em favor das meias colantes, da túnica e do colarinho
pregueado. [...] Desde o século XI, a Europa estava familiarizada com o paubrasil, embora de uma espécie diferente daquela encontrada no Brasil.
(BUENO, 1998, p.68)
O índio é deixado de lado, cai no esquecimento qu ando se fala em descendências (ele
precisou ser dizimado, morto e retirado de seu local de origem, dando espaço a um novo povo).
Conforme afirma Bueno, 1998, o índio brasileiro foi explorado durante séculos “Um espanhol se
encarregaria de debochar dos portugueses afirmando que as melhores minas do Brasil são
capturar e matar (índios) tapuias.” (BUENO, 1998, p.184) Mas e as trocas culturais? Não
aconteceram? Não adquirimos palavras, danças, comidas indígenas a nossa cultura? Sabemos que
sim, porém esse patrimônio não é valorizado, pois há uma “europeização” em nossa colonização. É
mais fácil e bonito dizer que sou puramente alemão, do que dizer que sou resultado do índio, do
escravo afro, do português e dentre muitos outros.
Fomos formados nessa mescla cultural; desde a colonização do Brasil temos presente
vários povos distintos que aqui se instalaram, advindos das navegações em busca de riquezas, essas
buscas promovem também o contato entre o índio e o europeu, conforme afirma Bueno, 1998:
O que se pode afirmar com certeza é que a partir de 1525, quando os europeus
começaram a desembarcar com mais freqüência no Brasil, encontraram uma
galeria de personagens enigmáticos. Eram homens brancos que viviam entre os
nativos, outros haviam desertado. Muitos haviam cometido algum crime em
Portugal e foram condenados ao degredo ao Brasil, outros tiveram a audácia de
discordar de seus capitães e acabaram desterrados. Vários estavam casados com
as filhas dos principais chefes indígenas, exerciam papel preponderante na tribo,
conheciam suas trilhas, usos e costumes, e intermediavam as negociações entre
várias nações indígenas e os representantes das potências européias. (BUENO,
1998, p.7)
O que acontece, é que essa relação desapropria uma identidade; queremos ser algo que não
somos na realidade, pois como sendo seres sociais, somos também uma infinidade de “eus”. Não
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há cultura superior ou inferior, mais sim trocas culturais que transformam o ser. Não se pode deixar
de valorizar um passado, seja ele indígena, africano, asiático, europeu; se houvesse o sentimento e
entendimento de que sendo sujeitos sociais e agentes da própria historia, nos tronaríamos menos
preconceituosos, pois criaríamos nossa identidade sem subjugar outras.
Quando tratamos dessas desapropriações é válido enfatizar Benveniste, pois ele
problematiza na questão da língua o arbitrário, a intersubjetividade sendo formados pela realidade
do sujeito a que se fala. Ou seja, o europeu em contato com o índio produziu uma nova cultura,
não houve uma superioridade de uma sobre a outra, mas sim houve trocas.
Conforme Benveniste e Bakhtin, grande teóricos da enunciação, há afirmações de que no
diálogo, na subjetividade, temos construções de sentido, pois o homem é falante, e se cria com essa
fala; sendo assim, seria impossível um europeu somente impor uma cultura, sem adquirir algo da
outra. Na enunciação, no diálogo criam-se inferências relacionadas às vivências do sujeito ( que
sujeita-se ( se modifica) e também é sujeito (modifica algo ou alguém)). O significante é pessoal,
particular, sendo que diz respeito à certos elementos da realidade e não a todos igualmente, afinal
tem-se diferenciações regionais, de idade, de tempos, etc. Tudo isso nos mostra que a língua não é
somente uma estrutura e sim conjunto de significações.
Qual é, portanto, a realidade à qual se refere eu ou tu? Unicamente uma
realidade de discurso, que é coisa muito singular. Eu só pode definir-se em
termos de “locução”, não em termos de objetos, como um signo nominal. Eu
significa “ a pessoa que enuncia a presente instância de discurso que contêm
eu”. [...] Não tem valor a não ser na instância na qual é produzido.
(BENVENISTE, 1995, p.278)
O que Benveniste quis dizer é que é preciso estar em um meio social, em um discurso para
os pronomes terem a real função da linguagem. Para a língua que é um elemento puramente
cultural, se tornar válida e de entendimento ela precisa estar dentro de um diálogo, precisa de um
falante e de um ouvinte, é necessário trocas, envolvimentos para transformar essa linguagem em
algo nacionalizado, mais precisamente de entendimento do falante e do ouvinte. Sobre tal aspecto
Werner (2004, p.3) trata da questão da subjetividade na língua, sendo que nesse dialogicismo, os
pronomes colocados na frase (eu-tu) pertencem a mensagem (fala), e não só ao código (língua);
sempre irá precisar de um falante, a linguagem não se desenvolve sozinha.
A subjetividade é percebida materialmente num enunciado através de algumas
formas (dêixis, verbo) que a língua empresta ao indivíduo que quer enunciar; e
quando o faz transforma-se em sujeito. Classifica essas marcas lingüísticas, que
têm o poder de expressar a subjetividade, os pronomes e o verbo, integrando
essas duas classes de palavras na categoria de pessoa, proposta em 1946.
[...] Benveniste, ao instaurar a categoria de pessoa, define as pessoas do discurso.
Considera eu/tu como as autênticas pessoas em oposição a ele – a não-pessoa.
As pessoas eu/tu se caracterizam como categorias de discurso que só ganham
plenitude quando assumidas por um falante, na instância discursiva. (WERNER,
2004, p. 3)
Segundo Benveniste (1991, p.288), a subjetividade é entendida como “a capacidade do
locutor para se propor como “sujeito”. Essa proposição como sujeito tem como condição a
linguagem. “É na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito; porque só a
linguagem fundamenta na realidade, na sua realidade que é a do ser, o conceito de ego”.
Rodrigues, explica a problematização de Benveniste à teoria de Sausurre quando afirma
que o signo lingüístico é arbitrário, sendo que para Benveniste ele é necessário, ou seja, todas as
significações vão acontecer diferentemente umas das outras, pois afinal, a relação humana se deu
com povos distintos.
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Para Benveniste (1991:56), a relação entre significado e significante não é
arbitrária: “o que é arbitrário é que um signo, mas não outro, se aplica a determinado
elemento da realidade, mas não a outro”. [...]O deslize parece decorrer de uma
simplificação feita por Saussure: O laço que une o significante ao significado é arbitrário
ou então, visto que entendemos por signo o total resultante da associação de um
significante com um significado, podemos dizer mais simplesmente: o signo
lingüístico é arbitrário. (Saussure, 1970:81 – grifos meus) [...] Ora, a relação que
une os componentes do signo não poder ser tomada como sendo o próprio
signo, mas sim o “total resultante” dessa associação. Daí, Benveniste (1991: 55)
propor: “entre o significante e o significado, o laço não é arbitrário; pelo contrário, é
necessário”. Aliás, vemos essa relação necessária explícita no texto do próprio
Saussure (1970:80), quando diz: “esses dois elementos estão intimamente unidos e um
reclama o outro”. (RODRIGUES,2001 , p,4)
Com base nessas questões sociais, que modificam a língua, que causam interpretações
distintas e moldam uma sociedade, como dizer que há superioridade de culturas? Como querer
fazer parte de somente um vínculo identitário? Sabemos que a mais de 500 anos o brasileiro foi
exposto a deslocamentos e vivências diversas, com povos distintos que fizeram do Brasil um “povo
mistura”. Esse povo possui vínculos nacionalistas próprios, criados por uma infinidade de
influências (Ex: Samba, futebol); não somos puramente alemães, nem puramente italianos, e é essa
a característica do brasileiro. Por mais fechada que seja a comunidade, por maior valorização que se
tenha da cultura européia, o brasileiro é com certeza resultado do índio, do afro, do português, do
holandês e de outros tantos; a identificação se encontra em se perceber como agente e sujeito dessa
construção histórica, sem superiores.
O passado faz parte da identidade cultural do ser humano e precisar ser valorizada, para
isso são necessárias atividades educativas de Educação Patrimonial, pois elas possibilitam o
envolvimento das pessoas com os bens materiais e são elos com o patrimônio a ser preservado
(Horta et al, 1999; Farias, 2000); Atividades essas que valorizem o passado que foi esquecido, talvez
por desconhecimento, ou até mesmo por não pertencimento; cabe a pesquisadores a busca e
inserção dessas questões em escolas, universidades, a fim de sensibilizar o povo brasileiro para um
passado que está sendo esquecido. Se realmente houver esse esquecimento, onde ficará o
sentimento de ser brasileiro, o sentimento de nação? Na Europa?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENVENISTE, E. Estrutura das relações de pessoa no verbo. In: Problemas de Lingüística Geral I. 3 ed.
São Paulo: Pontes, 1991.
___.A natureza dos pronomes. In: Problemas de Lingüística Geral I. 3 ed. São Paulo: Pontes, 1991.
___.Da subjetividade na linguagem. In: Problemas de Lingüística Geral I. 3 ed. São Paulo: Pontes, 1991.
BUENO, Eduardo. Náufragos,traficantes e degredados: as primeiras expedições do Brasil. Rio de
Janeiro: Objetiva, 1998
HORTA, Maria de Lourdes Parreira; GRUNBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane Queiroz. Guia básico
de Educação Patrimonial. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Museu Imperial, 1999.
FARIAS, Deisi Scunderlick Eloy. Arqueologia e Educação: uma proposta de preservação para os
sambaquis do Sul de Santa Catarina. Pontifica Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2000.
(Dissertação de mestrado)
RODRIGUES, Fábio Della Paschoa. O arbitrário do signo: o sentido e a referência. São Paulo, 2001.
Artigo retirado de : http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/a00001.htm
Acesso em: 15/10/2010
WERNER, Kelly C. Granzotto. Os estudos da enunciação e a formação do professor de línguas. Rio Grande
do Sul, 2004. Artigo retirado de http://www.ufsm.br/lec/02_04/Kelly.htm
Acesso em: 15/10/2010
Trabalho enviado até 30/04/2011 Recebido em 30/04/2011
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O PROCESSO DE GRAMATICALIZAÇÃO DO JUNTIVO ENTRETANTO
NA HISTÓRIA DO PORTUGUÊS
Tatiana Mazza da Silva
Doutoranda em Estudos Linguísticos – UNESP/SJRP
Bolsista CAPES 2010 – 2014
Resumo
O objetivo deste artigo é apresentar a análise da mudança sintático-semântico-pragmática do
juntivo adversativo entretanto na história do português. Tendo como fundamentação teórica os
postulados da gramaticalização, comprovaremos, por meio de análises contextuais que explicam o
surgimento do uso conjuncional adversativo do item, a trajetória de mudança advérbio > conjunção.
Para análise, utilizamos como corpora dados de escrita de diferentes textos do século XVI até o
século XX.
Palavras-chave: mudança linguística, gramaticalização, juntivo
THE PROCESS OF GRAMMATICALIZATION OF JUNTIVE ENTRETANTO IN
THE PORTUGUESE HISTORY
Abstract
This aim of this article is to present the analysis of the syntactic, semantic, pragmatic change of the
adversative juntive entretanto in the Portuguese history. Having the postulates of grammaticalization
as a theoretical base, we prove, through contextual analyses that explain the emerging of the
adversative conjunctional use of the item, the trajectory of the change adverb > conjunction. For the
analysis, we use written data of different texts from the XVI to the XX century as corpora.
Keywords: linguistic change, grammaticalization, juntive
Introdução
Este artigo apresenta parte dos resultados da minha dissertação de mestrado (SILVA, 2010) que
teve como objetivo investigar a gramaticalização dos juntivos adversativos na história do português.
Tem-se como objetivo, neste artigo, a descrição da mudança sintático-semântico-pragmática do
juntivo61 entretanto do século XIII até a sincronia atual, sob a perspectiva da gramaticalização, com
vistas a comprovar a hipótese de uma trajetória do tipo advérbio > conjunção, por meio de análises
contextuais que expliquem o surgimento do uso conjuncional adversativo na história do português.
Segundo Houaiss (1991), entretanto é datado do século XIII, mas, nos corpora trabalhados, o item
surge a partir do século XVI. Esse item é formado da junção da preposição entre com o pronome
tanto e, segundo Barreto (1999), tem o sentido originário de “entre tantas coisas”. Ainda no
português moderno, especificamente no século XVII, encontramos ainda um isso de entretanto
como advérbio temporal, com o sentido de enquanto isso sucede. Além da grafia corrente, nos
textos investigados, encontramos as formas entre tanto, no entretanto62.
Com base nos critérios de frequência token e type (HEINE, 1991; BYBEE et al. 1994; BYBEE,
2002, 2003), verificamos as ocorrências desse item levando em conta os seguintes fatores: (i) relação
semântico-discursiva; (ii) posição de entretanto no enunciado; (iii) presença de negação.
Para análise, foram selecionados textos variados de fontes históricas e também dados de escrita do
português contemporâneo. Para compor o corpus diacrônico, foram selecionados textos
Segundo Neves (2000), juntivos são advérbios, de valor anafórico, que equivaleria ao papel assumido por
uma conjunção.
62 Essa forma foi encontrada no século XIX, com o sentido de adversativo. Segundo Barreto (1999), pode-se
considerar uma forma analógica a no entanto.
61
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pertencentes ao “Banco Informatizado de Textos”, do Projeto para a História do Português (BITPROHPOR), de responsabilidade dos pesquisadores da Universidade Federal da Bahia,
complementados pelos textos do “Corpus Diacrônico do Português”, organizado por LonghinThomazi (2007). Para representar o século XX, foram selecionados alguns textos do Banco
Lexicográfico da UNESP-Araraquara e, representativo do século XXI, selecionamos alguns textos
de caráter opinativo-argumentativo (painel de leitores, editoriais, crônicas jornalísticas) do jornal
“Folha de São Paulo”.
Os pressupostos da Gramaticalização
Segundo Hopper & Traugott (2003), a gramaticalização pode ser entendida como um
processo pelo qual itens e construções lexicais passam, em determinados contextos, a assumir
funções gramaticais ou, se já gramaticalizados, continuam a desenvolver novas funções gramaticais.
Segundo Traugott (1982, 1999) e Traugott e König (1991), esse processo de mudança envolve uma
pragmatização crescente de significados (mudança semântica) e uma recategorização do item
(mudança sintática).
A unidirecionalidade, princípio fundamental da gramaticalização, norteia todos os
processos de mudança, uma vez que a mudança segue um caminho único, sempre do mais lexical
para o mais gramatical, e não vice-versa.
Essa hipótese da unidirecionalidade pode ser vista tanto na própria definição de
gramaticalização, a qual pressupõe um aumento de gramaticalidade, pois um item lexical adquire
características de um item gramatical, e não vice-versa, quanto nos mecanismos que regem o
processo, sendo os principais a metáfora e a metonímia.
A metáfora, de modo geral, pode ser entendida como o uso de um item do domínio
concreto que é empregado num domínio mais abstrato; já a metonímia, também chamada de
reinterpretação induzida pelo contexto, refere-se à mudança que uma determinada forma sofre devido ao
contexto que está sendo utilizada.
Dentro da gramaticalização de conjunções, os trabalhos de Traugott (1982, 1999), de
Traugott e König (1991) e de Sweetser (1990) são importantes referências. Esses autores advogam
que, no processo de gramaticalização, um item passa de significados referenciais, mais concretos, a
significados pautados na atitude do falante acerca do que está sendo dito, intermediados por
significados relacionados com a construção textual.
A gramaticalização de entretanto
No gráfico a seguir, apresentamos a frequência token de entretanto no período dos séculos
XVI a XXI.
40
35
30
25
20
15
10
5
0
XIII
XIV
XV
XVI
XVII
XVIII
XIX
XX
XXI
Gráfico 01: Frequência token de entretanto do século XVI ao XXI
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A partir da análise do gráfico 01, podemos constatar que foram registradas, no corpus, as
primeiras ocorrências de entretanto no século XVI e, entre os séculos XVI e XVIII, o item
apresentou uma frequência muito baixa, chegando a nulidade no século XVIII. A frequência token
de entretanto aumenta significativamente entre os séculos XIX e XX. No século XXI, há uma
diminuição na frequência de uso, que pode ser decorrente do fato de trabalharmos com textos
jornalísticos que, como sabemos, tem um controle de caracteres, dando preferência, então, a itens
com quantidade menor de caracteres, como mas.
Na tabela 01, à pagina seguinte, expomos a frequência token e type de entretanto.
Frequência
token
70
Frequência type
03
Categoria
Conjunção
(32,9%)
Advérbio
juntivo
(64,3%)
Advérbio
(2,9%)
Valor semântico
Totais
Adversativa
23
(32,9%)
45
(64,3%)
Adversativo
Companhia (entre
tantas coisas)
Temporal (enquanto
isso sucede)
Total
1
(1,45%)
1
(1,45%)
70
(100%)
Tabela 01: Frequência token e type totais de entretanto na história do português (séc. XVI a XXI)
Como se pode observar, os 70 tokens de entretanto são distribuídos em 3 types sintáticos –
advérbio, 2,9%, advérbio juntivo, 64,3%, e conjunção, 32,9%. Quanto às relações semânticas
desempenhadas por entretanto, há também 3 types semânticos – adversativo (97,1%), companhia
(1,45%) e temporal (1,45%), distrubuídos da seguinte maneira: o type adversativo ocorre
predominantemente como advérbio juntivo (64,3%) e ocorre também como conjunção (32,9%); o
type companhia ocorre como advérbio (1,45%) e o type tempo ocorre também como advérbio
(1,45%).
Considerando os percentuais apresentados na tabela 01, constata-se que entretanto ocorre
predominantemente como advérbio juntivo com valor adversativo, type no qual se concentram
64,3% das ocorrências levantadas. Esse uso afasta-se do uso puramente adverbial, cujos valores
semânticos, juntos (2,9%), também se distanciam do uso conjuncional adversativo, que apresenta
metade das ocorrências do uso como advérbio juntivo, (32,9%). Diante da alta percentagem de usos
adversativos e da alta percentagem como advérbio juntivo, podemos inferir que o processo de
mudança semântica está além do processo de mudança sintática, como veremos no decorrer da
análise.
De (01) a (04), seguem ocorrências exemplificativas de cada um dos types sintáticosemânticos considerados na tabela 1.
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(01) Advérbio de lugar figurado
Tomada essa resolução se pôs em ordem para este edifício, fazendo primeiro um cercamento
forte de pau a pique para os trabalhadores e soldados poderem estar seguros do gentio e
como foi acabada arrumou a cidade dela para dentro arruando-a por boa ordem com as casas
cobertas de palma ao modo do gentio em as quais por entretanto se agasalharam os
mancebos e soldados que vieram na armada e como todos foram agasalhados ordenou de
cercar esta cidade de muros de taipa grossa. (16NB, p.56)
Em (01), entretanto traz uma circunstância ao enunciado, estabelecendo uma relação de lugar
figurado que pode ser parafraseado por entre tantas coisas, valor original do item. Ao interpretarmos a
ocorrência, tem-se: “arrundo-a por boa ordem com as casas cobertas de palma ao modo do gentio,
nas quais por entre tantas coisas se agasalharam os mancebos e soldados que vieram na armada
(...).” Em (02), mostramos ocorrência de entretanto com valor temporal.
(02) Advérbio temporal
Eu sei, que cá- be nos limites da minha Jurisdição punir esta especie de dezobediencia, e dar
por inutil, e de nenh
efeito alicença concedida; mas hé justo, que esta Ca
mara, eas
futuras conheção quanto dé- vem ser respeitádas, e venerádas as ordens dos senhores
Generáes; epor isso oponho na Prezensa deVossa Excelencia para da sua parte lho extranhar,
com Piedade sim, mas de forma, que elles conheção agravidade do seo erro, e dasua
facilidade, e que este Padre conheça tamb
, que deve esperar asoberana Decizão, que elle
mesmo prócurou, e entretanto aco- Acomodar se, e não au mentar as perturbaçoens,
partidos e dezunião em que Vive este Povo: Espero a Rezolução de Vossa Excelencia para
saber o que eide obrar. (17CBS, p.147)
Em (02), entretanto também traz uma circunstância para o enunciado, estabelecendo uma
relação semântica temporal, podendo ser parafraseado por enquanto isso sucede. Sendo assim, temos:
“(...) é justo que esta câmara e as futuras conheçam quanto devem ser respeitadas e veneradas as
ordens dos senhores generais, e, por isso, oponho na presença de Vossa Excelência para da sua
parte, com piedade, sim, mas de forma que eles conheçam a gravidade do seus erros e da sua
facilidade e que este Padre conheça também que deve esperar a soberana decisão, que ele mesmo
procurou, e enquanto isso sucede ele deve se acomodar e não aumentar as perturbações, partidos e
desunião em que vive este povo.”
Em (03), segue o uso adverbial adversativo do item.
(03) Advérbio juntivo adversativo
Entregar a construção e a exploração de rodovias à iniciativa privada é uma atitude justa e,
no mais das vezes, necessária. O Rodoanel, entretanto, foi concebido para integrar as várias
estradas que saem da capital paulista e, assim, aliviar o trânsito de caminhões nas marginais
Tietê e Pinheiros -é isso, aliás, que justifica o investimento público. (21FSP, jun.06)
Entretanto, em (03), ocupa posição medial, estabelecendo relação de adversatividade entre as
duas orações. Essa relação é estabelecida entre a conclusão do primeiro argumento de que todas as
construções e explorações de rodovias serão entregues à iniciativa privada, logo o Rodoanel também,
e a conclusão do segundo argumento de que o Rodoanel será um investimento público.
(04) Conjunção Adversativa
Dois tangos me produzem mal-estar e três tangos provocam em mim náuseas positivas.
Entretanto o meu amigo dom Carlos Reverbel adora tangos. (20GN, p.121)
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Na ocorrência (04), entretanto ocupa posição inicial, estabelecendo a ligação sintática entre as
orações. Além da ligação sintática, entretanto estabelece a relação semântica de adversatividade no
nível epistêmico, pois não há nenhuma oposição, no nível do conteúdo, entre o locutor não
apreciar tangos e o seu amigo, dom Carlos Reverbel, adorá-los. Sendo assim, a oposição no nível
epistêmico se dá entre o fato do locutor não gostar de tangos e o seu amigo, dom Carlos Reverbel,
adorar tangos.
Na tabela 02, apresentamos o percentual de ocorrências em cada uma das posições
sintáticas – inicial, medial e final – ocupadas por entretanto.
Posição/categoria
Inicial
Adv juntivo
Percentual
1
(1,4%)
23
(32,9%)
2
(2,9%)
43
(61,4%)
1
(1,4%)
Conjunção
Medial
Advérbio
Advérbio
juntivo
Final
Advérbio
juntivo
Total
70
(100%)
Tabela 02: Frequência das posições sintáticas de entretanto na história do português (séc. XVI a
XXI)
Verificamos que, em 61,4% dos casos, entretanto ocorre na posição medial como advérbio
juntivo. Diante desses resultados gerais, concluímos que entretanto, embora guarde resquícios de sua
fonte adverbial, está mais próximo da posição inicial, típica das conjunções prototípicas, que
apresenta percentual de 32,9%. Uma análise um pouco mais detalhada dessa constatação pode ser
feita pelo cruzamento dos fatores categoria e século, como se observa no gráfico 02.
35
30
25
advérbio
20
juntivo
15
conjunção
10
5
0
XVI
XVII
XVIII
XIX
XX
XXI
Gráfico 02: O desenvolvimento categorial de entretanto do século XVI ao XXI
Observando o gráfico 02, constatamos que entretanto como advérbio ocorreu, numa
frequência muito baixa, nos séculos XVI e XVII. No século XVII, embora entretanto seja usado com
frequência baixa, há o convívio das 3 categorias – advérbio, advérbio juntivo e conjunção. A
frequência já baixa de entretanto no século XVII chega à nulidade no século XVIII, reaparecendo no
século XIX, apenas como advérbio juntivo e conjunção. A partir do século XIX, pode-se dizer que
a mudança está instaurada, em favor do uso conjuncional, que apresenta, na sincronia atual, uma
frequência um pouco mais acentuada que o percentual de advérbio juntivo.
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De acordo com os resultados apresentados, uma possível escala de gramaticalização das
categorias sintáticas para entretanto seria:
(05)
ADVÉRBIO
> ADVÉRBIO JUNTIVO
> (CONJUNÇÃO)
Em relação aos types semânticos, como foi demonstrado na tabela 09, entretanto apresenta
três types – lugar figurado, temporal e adversativo. Diferentemente dos demais itens investigados,
entretanto não tem ocorrências de reforço nem valores ambíguos. No gráfico 03, expomos os valores
semânticos de entretanto do séculos XVI ao XXI.
35
30
25
companhia
20
temporal
15
adversativo
10
5
0
XVI
XVII
XVIII
XIX
XX
XXI
Gráfico 03: Os valores semânticos de entretanto dos séculos XVI ao XXI
No gráfico 03, nota-se que os valores de companhia e temporal, que seriam os valores-base
de entretanto, ocorrem numa frequência baixa nos séculos XVI e XVII. O valor adversativo, por sua
vez, começa a ser usado a partir do século XVII e apresenta uma frequência crescente até o século
XX. No século XXI, há uma redução, devido ao tipo de texto jornalístico utilizado como
representante desse século. Num primeiro momento, uma possível escala de gramaticalização das
funções semânticas de entretanto seria:
(06)
LUGAR
FIGURADO
> TEMPO
> ADVERSATIVO
Essa mudança semântica, mostrada na escala acima, pode ser explicada tanto por um viés
metafórico quanto por um viés metonímico. Pela metonímia, pode-se dizer que entretanto tenha
instaurado o valor adversativo em contextos de negação ou precedido desses contextos,
corroborando, assim, a proposta defendida por Said Ali (1964). Na tabela 03, apresentamos os
percentuais de uso nesses contextos.
Contexto Negativo
Frequência
Negação na primeira oração
16 (50%)
Negação na segunda oração
13 (40,6%)
Negação nas duas orações
3 (9,4%)
Total
32 (100%)
Tabela 03: O uso de entretanto em presença de elemento de negação ao longo da história do
português (séc. XVI a XXI)
O uso de entretanto em contextos negativos ou precedidos de negação corresponde a quase
metade das ocorrências investigadas, isto é, 32/70 ocorrências (45,7%). Dessas 32 ocorrências, 16
(50%) apresentam o elemento de negação na primeira oração; 13 (40,6%), na segunda oração e 3
(9,4%), nas duas orações. Com base nesses percentuais, podemos afirmar que entretanto, ao ser
usado nesses contextos, assimilou metonimicamente o valor de negação, passando, assim, a
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codificar uma estratégia de adversidade em que o argumento apresentado no primeiro enunciado é
sempre o argumento negado no segundo enunciado. A ocorrência (07) exemplifica o uso de
entretanto em contexto de negação.
(07) Embora tenhamos uma Lei que determina que todos os que, por falta de rendas, não podem
servir na Guarda Nacional pertenção á Guarda Policial, a falta d‟organisação d‟esta força, faz
com que ella apenas preste insignificante serviço, e só sirva d‟estorvo para a administração,
que vê-se todos os dias importunada com propostas para nomeação de comandantes, que
nada fazem, e que procurão com ancia este posto para escaparem do serviço da Guarda
Nacional, e a outros encargos a que são obrigados. Entretanto não se pode duvidar de que é
esta a força que mais serviços poderia prestar, com menos perda da industria; e esta vantagem
foi procurada pelos Legisladores quando crearão a Guarda Policial. (19DMA, p.14)
A relação de adversatividade, em (07), é estabelecida entre o argumento de que a Guarda
Policial não tem serventia e o argumento de que essa deveria ser a força que mais serviços poderia
prestar. Essa relação que pode ser entendida como uma negação de inferência (uma vez que, se não
há serventia para guarda, o interlocutor infere que essa não terá muitos serviços a prestar) é
estabelecida pelo elemento negativo não, presente na segunda oração, após entretanto, que estaria
reforçando o sentido expresso pelo item adversativo.
Por viés metafórico, a mudança semântica de entretanto se implementa, por meio da escala
de abstratização espaço > tempo > qualidade (HEINE et al., 1991), em que os usos com valor
semântico de entre tantas coisas se encaixaria no domínio do espaço, os usos com valor de enquanto isso
sucede, no domínio do tempo e os usos com valor de adversativo, no domínio da qualidade, como se
pode ver na escala abaixo.
(08)
COMPANHIA > TEMPO
ESPAÇO
> TEMPO
> ADVERSATIVO
> QUALIDADE
METÁFORA
Considerações Finais
O presente texto teve como objetivo apresentar a mudança sintático-semântica do juntivo
adversativo entretanto na história do português. Para tanto, trabalhamos com os fatores categoria do
item, função semântica estabelecida por ele e presença de negação. A partir dos diferentes cruzamentos feitos
entre esses fatores, diagnosticamos que, possivelmente, a mudança semântica de entretanto é anterior
a mudança categorial, pois, como vimos na tabela 01 e nos gráficos 02 e 03, o percentual de usos
como adversativo é maior que o percentual de usos conjuncionais, estágio mais gramaticalizado.
Para explicarmos esta mudança semântica, valemo-nos da hipótese de Said Ali (1964) de
que o valor adversativo tenha emergido de contextos de negação. Diante desta hipótese,
constatamos que entretanto tem uma alta percentagem de ocorrência em contexto de negação,
favorecendo, assim, a transferência metonímica do valor de contraste. A mudança semântica do
item se implementa, por meio da escala metafórica espaço > tempo > qualidade, proposta por Heine
(1991).
Silva (2010), ao comparar entretanto, como os demais juntivos adversativos porém, todavia,
contudo e no entanto, constata que entretanto apresenta um grau de gramaticalidade menor, ficando a
frente, apenas, de no entanto, se considerarmos a emergência do uso conjuncional adversativo na
história da língua portuguesa.
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Trabalho enviado até 30/04/2011 Recebido em 30/04/2011
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AVALIAÇÃO DA PRODUÇÃO TEXTUAL
Tahiná da Silva Santos Moreira
(Graduanda em Letras – UFF)
Resumo
O presente artigo analisa os fatores que contribuem para a avaliação da produção de textos, desde a
sua elaboração pelo aluno até a entrega ao leitor principal que é o professor. Com isso, verificamos
que o docente, na maioria das vezes, prioriza o ensino da gramática normativa ao invés do trabalho
com o texto, e apontamos algumas causas e conseqüências disso. Citamos também os parâmetros,
da avaliação como os elementos de textualização e os elementos linguísticos. Outro ponto enfocado
acerca da avaliação é sobre a importância da reescritura de textos, já que através dessa o próprio
aluno pode avaliar sua escrita. Alem disso, tratamos de "desmistificar o erro”, que geralmente são
variações lingüísticas que por não seguirem a Norma Padrão são vistas com preconceito linguístico.
Logo, concluímos a avaliação como um processo interativo muito amplo e complexo, no qual o
docente deveria participar lado a lado ao discente.
Palavras-chave: Avaliação, Erro, Variação, Reescritura.
Introdução
No dia-a-dia das instituições escolares, observamos que os professores não trabalham com a
produção de textos com os alunos. A desculpa cai sempre na gramática normativa que precisa ser
dada em função do currículo e que os docentes sempre valorizam mais do que o texto.
O uso escrito da Língua Portuguesa, seguindo as regras dessa gramática, faz com que a idéia
de certo e errado sobreponha as variações que a língua dispõe e reforça o preconceito linguístico até
mesmo durante a avaliação da produção textual (MONTEIRO, 1999, p.32).
Através deste artigo, examinaremos alguns critérios utilizados pelos docentes para avaliar a
produção de textos dos discentes. Para Antunes (2006, p.164), “a avaliação tem ficado a cargo do
professor que por sua vez fica responsável pelo produto, ou seja, avaliar através de uma prova para
que o aluno obtenha um resultado, isto é, a nota”.
O aluno, nesse caso, é somente expectador do que irá ocorrer e através da nota que alcança
conclui se seu aprendizado foi suficiente ou não. Isso acarreta muitos problemas, pois quando o
aluno tira notas altas, geralmente acha que não precisa estudar tanto, já domina o assunto, e quando
tira notas baixas acaba por estudar mais para tentar alcançar uma média que o faça ser aprovado
naquela disciplina. Antunes (2006, p. 163) afirma que:
Nesse contexto, o aluno apenas “sofre a ação” de ser avaliado e, fazendo jus a
essa experiência de sofrimento, é reduzido à condição de mero paciente, de
simples expectador da avaliação de seu estado de aprendiz.
Parâmetros da avaliação
Costa Val (1991, apud FELISBINO, 2001, p.3), antes de referir-se aos critérios de avaliação
de textos, tece considerações a respeito da concepção textual, textualidade, coesão e coerência. E
assim, Costa Val define texto como “ocorrência linguística falada ou escrita de qualquer extensão,
dotada de unidade sociocomunicativa, semântica e formal”.
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Isso quer dizer que um texto é uma unidade da língua em utilização, a fim de produzir
sentido (coerência). Através de um texto ocorre um processo de interação autor-texto-leitor, onde o
contexto dará o suporte para o autor transmitir suas idéias.
Os parâmetros da avaliação do texto escrito, ou seja, o que realmente devemos levar em
consideração ao analisar o texto do aluno, é abordado de forma bem específica por Antunes (2006,
p.171):
Fazer um texto não é apenas uma questão de gramática. É uma forma
particular de atuação social que inclui o conhecimento dos elementos
lingüísticos, dos elementos de textualização e dos elementos da situação em que
o texto ocorre.
Comecemos, então, citando os elementos linguísticos, ou seja, o léxico, a gramática, todas as
palavras da língua e as normas que as convencionam. Durante a produção textual, o aluno vai
estabelecer uma relação com todo esse conhecimento do léxico que possui, escolhendo palavras e
as associando com outras para dar sentido àquilo que escreve.
Além disso, o domínio que possui sobre as normas gramaticais é de suma importância para
que ele faça as ligações necessárias entre as classes de palavras, encadeando suas idéias em um
contexto. Isso vai ao encontro do que Antunes (2006, p. 173), cita: “a gramática existe para que a
Língua que usamos faça sentido e não onere o trabalho de quem está interagindo conosco”.
Com relação aos elementos de textualização, estes englobam todas as propriedades do
texto: coesão, coerência, informatividade, intertextualidade, e já que as pessoas não falam frases
soltas ou palavras, mas sim textos, esses elementos vão ligar, articular essas idéias para que assim o
texto possa ter sentido (Antunes, 2007, p.173).
A coesão é a ligação das idéias no texto através dos nexos apresentados pelas classes
gramaticais, como: as conjunções, as preposições, as locuções adverbiais e as preposicionais, ou
seja, conectores que fazem o entrelace do todo para garantir a progressão, a continuidade do texto.
A coerência é o conjunto harmônico da produção textual e nem sempre está relacionada à coesão.
Segundo Costa Val (apud FELISBINO, 2001, p.2), “um texto, para ser considerado
coerente e coeso, deve levar em conta quatro requisitos: a continuidade, a progressão, a nãocontradição e a articulação”. A continuidade é a retomada de elementos no decorrer do texto; a
progressão relaciona-se aos acréscimos semânticos que justificam o texto; a não- contradição é
responsável pela coerência interna do texto, não podendo alegar o mundo a que se refere e, por
fim, a articulação, que se refere a como os fatos colocados no texto se encadeiam, se organizam.
Quanto à informatividade, esta se relaciona àquilo que o produtor do texto sabe a respeito
do que vai escrever. A intertextualidade está, de certa maneira, ligada à informatividade, ou seja, a
bagagem informativa que o produtor traz consigo sobre outras leituras, e que ele aproveita para
fazer uma comparação com o que vai ser escrito.
Todos esses elementos permitem que as informações sejam dispostas de forma mais clara
no texto, levando ao leitor o máximo de informações que o autor pretende passar. Porém, esse
“jogo” com os elementos só é possível quando quem produz o texto os domina.
Vale ressaltar, quanto à informatividade, que, muitas vezes, em nossas salas de aula, o
professor, abusando de sua autoridade, solicita a seus alunos que escrevam textos sobre temas
nunca debatidos por eles. Antunes (2006, p.174) entende que:
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A leitura e o debate em torno dos textos que tratam do tema sobre o que vai
escrever são fundamentais. Não pode faltar. Perde sentido, portanto, a prática
de improvisar uma atividade de redação, sobretudo se se trata de um tema que
exija um conhecimento mais especializado.
Devido a isso, afirmamos que é importante que o docente, antes de pedir que o aluno
escreva seu texto, dê a ele subsídios necessários para que o mesmo possa ter conhecimento do
assunto e explorá-lo. Isso pode se dá através de diversas leituras, aproveitando-se dos diferentes
gêneros textuais que podem ser trabalhados. Assim, a produção fica mais prazerosa ao discente, que
se sente muito mais confiante ao escrever, resultando assim em textos mais coerentes.
Dessa forma, a avaliação dos textos deve ser não somente baseada na superfície do texto,
isto é, nos elementos linguísticos, mas também e principalmente voltada para a análise dos
elementos de textualização que o aluno dispõe em sua produção. A avaliação do texto do aluno, que
prioriza a observação dos elementos textuais, é mais vantajosa para o aprendizado dele, e esta não
pode ficar a cargo somente do professor como um produto= avaliação= prova, mas como
processo interativo entre aluno-professor e aluno-aluno.
A avaliação do erro
A avaliação deve ser um processo interativo em que ocorra espaço para que o aluno interaja
consigo mesmo, com a classe e com o professor para que possa ocorrer a auto-avaliação do seu
processo ensino-aprendizagem. Segundo Antunes (2006, p.164), “nada pode dispensar o olhar do
aprendiz sobre seu próprio processo de aprendizagem”.
Avaliar uma redação, atualmente, tem se restringido a correção de “erros”, exclusivamente
os de superfície textual como a ortografia e a concordância. Os educadores são meros corretores
que ao receber o texto do aluno apontam esses “erros”.
O foco dado ao erro faz com que todo o processo de avaliação não ocorra e acabamos
ficando e nos contentando com o produto avaliativo, ou seja, aquele que vai nos dar uma nota.
Lengo (1995, p. 13) afirma que “os erros possuem efeito variável na inteligibilidade. Alguns erros
têm pequenos efeitos de sentido que não impedem a compreensão. Outros, entretanto, podem
causar problemas de compreensão”.
Por que qualificamos como “erro” a forma de se expressar das pessoas, geralmente, as que
não tiveram oportunidade de freqüentar a escola? Porque simplesmente foi determinado que o
modo de falar “correto” seria o aprovado pela classe dominante, ou seja, a norma culta que
encontramos na gramática prescritiva.
Para Monteiro (1999, p. 32, grifo nosso):
“Não estamos querendo inverter os valores cultivados pela sociedade nem
muito menos defender que o ensino de português deixe de tomar como
referência a chamada língua padrão. Nosso propósito é apenas o de refletir
sobre a hipótese de que o erro gramatical na prática não existe, pois em
última análise o que se condena no uso da língua ou são variantes
populares estigmatizadas ou construções pouco freqüentes, mas,
possíveis. Muitas vezes, o que se interpreta como infração a uma regra
gramatical nada mais é do que um empréstimo de outra norma”.
Na verdade, a classe menos favorecida não tem o conhecimento da norma culta porque a
própria sociedade nega a oportunidade de aprendê-la, quando não prioriza a sua freqüência à escola.
Outros fatores também influenciam o “erro”, mas um em especial pode desmotivar o produtor.
Esse se dá quando o mesmo constata que sua linguagem não é suficiente para representar aquilo
que gostaria de transmitir aos leitores de seu texto.
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Coseriu (1987, apud Monteiro, 1999, p. 32), observou que:
Os grandes criadores da língua rompem conscientemente a norma e realizam no
grau mais alto as possibilidades do sistema. Quando isso ocorre, não se costuma
dizer que houve um erro gramatical, senão que uma prova maior do domínio
lingüístico. Ao chamado erro sempre se atribui uma conotação negativa,
associado que é ao despreparo, descaso ou até mesmo falta de amor e respeito à
língua materna. Como se os indivíduos que não têm acesso a um bom nível de
escolaridade fossem culpados por se expressarem de modo diferente.
Com o estudo da lingüística, podemos perceber que todas as construções consideradas
errôneas, dentro do sistema da língua, têm seu valor e são possibilidades existentes por
estabelecerem relações opositivas com outras construções, mas não são convencionadas pela norma
padrão do grupo lingüístico. Isso quer dizer que, que quando os grandes lingüistas nos propõem
suas visões sobre essas construções, querem nos mostrar que na língua existem variações,
mudanças, possíveis inadequações e não “erros”. Para Labov (1983, apud MONTEIRO, 1999,
p.33),” a grande maioria dos enunciados é constituída de frases corretamente formadas segundo
todos os critérios”.
Devido a isso, a avaliação que o professor executa quanto aos “erros”, que são meras
variações da língua, deve ser cuidadosa. Ele deve priorizar a avaliação como processo interativo,
abrindo espaço ao aluno para se auto-avaliar, enquanto o processo orienta-o quanto à norma
padrão sem descartar as possibilidades que a língua oferece. Como Antunes (2006, p.179, grifo da
autora), afirma:
Talvez uma concentração maior no ensino, no êxito que se procura para a
nossa atividade pedagógica, nos fizesse colocar a avaliação na sua função maior
de reguladora do processo de aprendizagem em curso. Sem esquecer que a
atividade de ensino é inerentemente interativa: ensinar e aprender são duas
faces da mesma realidade.
Reescritura de textos
Existem várias tendências que fazem parte da escrita de textos. Para Murray (1978 apud
Dallagnelo, 2000, p.1):
A escrita de qualidade pressupõe a atividade de reescrever. Sabe-se até que
escritores experientes passam mais tempo reescrevendo seus textos do que
elaborando a primeira versão dos mesmos. A reescritura neste sentido tornouse crescentemente importante para os especialistas de escritura, que têm
procurado, por este meio, aprimorar a capacidade de produção textual de seus
alunos-escritores.
A atividade de reescrever textos, utilizada pelos docentes que trabalham com a produção de
textos, é de suma importância, já que permite ao aluno uma auto-avaliação daquilo que ele mesmo
produziu, trazendo para os textos elementos que antes não estavam presentes: mais clareza nas
informações, e até mesmo o permite analisar inadequações de ortografia e gramática.
Essa atividade se dá a partir da orientação do docente que analisa o texto do aluno e lhe
aponta onde ele pode fazer melhorias para tornar sua produção cada vez mais objetiva. Existem
três diferentes técnicas de reescritura: a individual, a colaborativa e a auxiliada por ”feedback”, ou
seja, opinião ( Leki, 1990, apud Dallagnelo,2000, p. 1).
A reescritura individual seria aquela onde o próprio discente revisa o seu texto e faz sua
auto-avaliação. A reescritura colaborativa, que atualmente é considerada como a mais bem sucedida
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em função do desempenho dos educandos, é aquela em que eles, os colegas e até mesmo o
professor analisem seus textos em prol de fazerem juntos a avaliação, para aprimorá-los. Para
Cohen & Cavalcanti (1990, apud Dallagnelo, p.1), “os resultados de seus estudos sobre reescritura
apontaram uma mudança positiva nas produções de textos dos alunos”.
A reescritura por “feedback” é aquela onde o professor ou os próprios colegas lêem o texto
do aluno e apontam o que acham que deve ser modificado, através de anotações no mesmo. O
efeito desta reescritura nas produções dos alunos não tem causado mudanças na escrita deles (Leki,
1990, apud Dallagnelo, 2000, p.1).
Através da reescritura, os alunos juntamente com o professor, podem fazer com que o
processo avaliativo ocorra, já que quando reescreve seu texto, eles mesmos irão se auto-avaliar,
partindo daquilo que sabem ou das anotações feitas pelos colegas e/ou professor. Assim, teremos
uma avaliação muito mais completa, com um aproveitamento de aprendizagem da língua materna.
Conclusão
De acordo com tudo o que foi citado no decorrer deste artigo, concluímos que a avaliação é
muito ampla, complexa e que não deve ser feita de qualquer forma, já que através dela os docentes
podem ajudar os discentes a reformular o saber não somente na disciplina de produção textual, mas
em todas as disciplinas.
A avaliação não deve ser vista como mera correção de erros gramaticais ou ortográficos,
mas como uma das ferramentas que o professor tem em mãos para trocar com seus alunos no
processo ensino-aprendizagem, enfocando os elementos lingüísticos e os de textualização,
mostrando aos alunos que existem variações lingüísticas e uma delas é a norma culta, que foi
estipulada pela classe dominante e que devemos apreender.
A reescritura dos textos pelos educandos é uma técnica muito válida durante o processo
avaliativo, já que através da reescritura eles podem verificar as inadequações de sua escrita e
modificar seu texto de acordo com aquilo que ele mesmo verificou ou com as anotações de colegas
e até mesmo do professor. Tudo para deixar suas idéias mais claras e coerentes, por conseqüência.
Portanto, avaliar um texto exige muito do educador, já que ele deve além de possuir o
conhecimento de todos os critérios cobrados aos educandos, não ser autoritário na forma como vai
cobrar os critérios analisados nesse artigo, como o “erro”, a concepção textual, seus elementos de
textualização e os elementos linguísticos como a reescritura. Dessa forma, o professor poderá suprir
as necessidades dos alunos os ajudando a escrever cada vez mais harmonicamente.
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Trabalho enviado até 30/04/2011 Recebido em 30/04/2011
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ERRO, TEMPO E CORREÇÃO EM L2 (LÍNGUA INGLESA) – BREVES
REFLEXÕES SOBRE COMUNICAÇÃO EM SALA DE AULA
Welisson Marques63
Resumo
Este artigo, de cunho analítico-reflexivo, propõe discorrer acerca de determinados problemas que
envolvem a fala em um ambiente de sala de aula de língua estrangeira, (língua inglesa). Iniciaremos
com uma breve exposição sobre as inúmeras dificuldades quando se buscar ver o aluno
comunicando-se com qualidade. Após elucidar que o problema é real, há uma abordagem a respeito
de determinadas atitudes que o professor pode tomar como facilitador do processo ensinoaprendizagem, especialmente, em relação à correção e ao tempo dado ao aprendiz (STT) baseado
em sugestões propostas por Oxenden e Seligson (1997), para que este aluno se desenvolva e venha
adquirir competência linguística para a vida real.
Palavras-chave: Comunicação; Correção; Fala; Língua Inglesa.
Abstract
The aim of this analytical-reflexive article is to reflect about certain problems which involve
speaking in a foreign language classroom environment, more specifically an English language
classroom. This one starts presenting a brief exposition, demonstrating that there are several
difficulties when the aim of the pupil is to communicate with quality. After elucidating that the
problem is real, there is an approach about certain attitudes which the teacher can take as a
facilitator in the learning-teaching process, specially, concerning correction and time given to the
learner, that is the student talking time (STT), based on suggestions given by Oxeden and Seligson
(1997), so that this pupil is able to develop and acquire linguistic competence for real life. Some
conclusions we reach in this article derive from the author‟s own experiences, discussions in the
post-graduation course, and bibliographical research.
Key-words: Communication; Correction; Speaking; English Language.
À Guisa de Introdução
Um professor de língua estrangeira depara-se com dezenas de obstáculos e amiúde adquire
vícios, mesmo sem os perceber. Estes afetam os nossos alunos de diversas maneiras.
Neste artigo, abordaremos a questão da fala dentro da sala de aula, focando especificamente a
correção e o tempo dado ao aprendiz para se comunicar. Entendemos que qualquer que seja o
contexto escolar, seja ele em escola pública ou, mesmo, em escola privada, os professores se vêem
envolvidos nos mesmos problemas.
A fala em sala de aula – Breves Considerações
Spratt, Pulverness e Williams (2005) definem a fala como uma habilidade produtiva, assim
como a escrita. De acordo com estes autores, quando falamos, utilizamos diferentes aspectos da
mesma, dependendo da situação na qual estamos envolvidos. Por exemplo, se você for a uma loja
para comprar doces e pergunta ao vendedor “quanto custa isso?” e então sai após sua resposta,
você não utiliza muito da fala. Mas, se você for a um banco fazer um empréstimo e pede
determinado valor, você provavelmente precisará utilizar-se muito dela.
Professor da rede pública municipal. Realiza pesquisa em nível de Mestrado em Estudos Linguísticos pela
Universidade Federal de Uberlândia orientado pelo prof. Dr. Cleudemar Alves Fernandes. Proficiente em
Língua Inglesa pela Universidade de Cambridge (Inglaterra) e Universidade de Michigan (Estados Unidos).
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A fala na segunda língua de qualquer aprendiz, doravante L2, é uma atividade complexa, pois
o mesmo pode precisar de bastante auxílio para preparar-se para falar, ou precise praticar e fixar
bem o vocabulário antes de utilizá-lo, ou mesmo, reforçar a pronúncia de determinadas expressões
ou estruturas antes de colocá-las em prática.
Os professores preparam atividades diferentes com propósitos diferentes. Scrivener (1994)
menciona tarefas com o propósito de dar aos alunos a oportunidade de melhorar a fluência,
enquanto outras têm o propósito de praticar estruturas – as quais se denominam precisão. O
mesmo autor explicita também que existirão atividades orais com inúmeros propósitos, como
preparar atividades para fixar uma função específica da língua, praticar vocabulário sobre
determinado tema, entre outros.
Devemos reforçar que a fala, entre as quatro habilidades básicas (ler, escrever, ouvir e falar)
parece ser a mais importante. O desejo dos alunos quando se matriculam em uma escola de línguas
é aprender a falar a língua. Na escola pública, malgrado as atividades serem focadas em atividades
escritas e gramaticais, os professores podem preparar atividades que desenvolvam essa habilidade.
É salutar considerar, também, outros tipos de aprendizes que buscam desenvolver somente técnicas
e habilidades específicas, como por exemplo, para serem em sucedidos em determinados exames
utilizando-se, para tal, do inglês instrumental. Entretanto, não são esses os casos aqui mencionados.
Na experiência de professores de L2 é muito comum os alunos indagarem: “Em quanto
tempo estarei falando inglês bem?” – notem que eles não perguntam em quanto tempo estarão
lendo, escrevendo ou compreendendo o inglês bem, mas sim falando a língua fluentemente. Nunan (1991)
postula que o sucesso na aprendizagem de uma língua estrangeira é medido em termos da
habilidade de conduzir ou dirigir um diálogo na língua-alvo.
Sabe-se que a fala dentro da sala de aula é bem diferente do que fora dela. São situações e
contextos bem diferentes. Na primeira há simulações, representações quando muito, da situação
real. Já na segunda, a situação é geralmente imediata. O aluno deve expor nua e cruamente o que lhe
é exigido. Destarte, ou ele conseguirá ser eficiente ou não. Neste ínterim, fala-se muito no método
comunicativo atualmente. Muitas escolas têm utilizado este método, com o intuito de levarem seus
alunos a terem fluência verbal o mais rápido possível.
Todavia, muitas vezes, vislumbramos na prática alunos migrando de escola para escola ou
mesmo outros que até estudaram por muitos anos em institutos que utilizam tal método, mas que
na hora de expor suas opiniões nos contextos mais elementares não conseguem fazê-lo. Não
estamos afirmando que esta é a regra e que se aplica a todos os casos, ou mesmo que a maioria das
escolas ou seus métodos estão errados. Mas o que tem nos inquietado é observar que a produção
oral de muitos alunos, em certos contextos, até mesmo aqueles em que se exige muito pouco no
que tange às questões lexicais e morfológicas, apresenta-se qualitativamente mais baixa do que
esperar-se-ia, especialmente dependendo do nível no qual o aluno esteja inserido.
Tais observações têm gerado reflexões acerca da postura do profissional como ajudador,
facilitador e mediador no sentido de verdadeiramente dar aos alunos a maior oportunidade possível
de se expor, de produzir, de falar, de sempre criar um ambiente propício para o desenvolvimento
dessa habilidade que precisa tanto ser praticada. Segundo Scrivener (1994, pág. 59):
Para alcançar o objetivo principal nós queremos freqüentemente achar maneiras
de permitir aos alunos que falem o máximo possível. Às vezes, uma atividade de
fala com toda a sala é útil, mas se a mesma consome todo o tempo da aula este
tipo de atividade oferecerá muito pouco tempo de fala para cada aluno
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individualmente. É uma boa idéia organizar atividades de fala em duplas, trios
ou pequenos grupos assim como com a sala toda”.64
Como se vê, o objetivo final do professor é que o aluno fale, que exponha suas idéias de
maneira eficaz. Como o próprio Longman Dictionary of English Language and Culture (1992, pág. 1.273)
define: “Falar é expressar-se em voz alta e expor idéias e sentimentos”. Ora, se a meta principal é
que o aluno se expresse, exponha livremente seus sentimentos e emoções, mas se na prática a
produção oral de uma grande parcela de nossos alunos tem sido improdutiva, precisamos refletir
sobre a nossa posição como instrumento essencial e eficaz para que o aluno usufrua e tenha o
melhor disponível para o seu desenvolvimento lingüístico.
Será que temos sido verdadeiros facilitadores de todo o processo ensino-aprendizagem da
língua inglesa e/ou estrangeira ou será que temos sido castradores da produção oral em prol
somente da precisão técnico-gramatical?
A problemática da correção
Sabemos que existem inúmeros tipos de erros cometidos pelos alunos. Por exemplo, no
aspecto pronúncia, pode haver um erro de som ou seqüência de sons; um erro na sílaba tônica da
palavra ou da palavra tônica na frase; um erro de ritmo ou entonação ou, até mesmo, erros de
ligação de uma palavra para outra. Há também erros em vários outros aspectos (gramaticais,
lexicais, de discurso - o mau uso de certas palavras ou expressões em ocasiões específicas, etc.). Mas
o que queremos expor aqui é sobre o problema da correção, especificamente sobre o momento
apropriado em que o educador deve realizá-la ou não.
Oxenden e Seligson (1997, pág. 15) os renomados escritores da série English File, postulam
que
cometer erros é uma parte importante na aprendizagem de uma língua. Os
alunos, naturalmente, gostam de ser corrigidos, mas pode ser muito
desmotivador se toda hora em que os mesmos disserem algo o professor
corrigi-los ou melhorar aquilo que falaram. Obviamente, em certos estágios, por
exemplo, no momento de prática controlada de um novo item lingüístico, os
erros devem ser apontados, mas em atividades mais livres é melhor tomar nota
dos erros recorrentes e lidar com eles posteriormente65.
Percebemos que a correção deve ocorrer, mas somente em determinados momentos e com
propósitos específicos. Há momentos em que o professor trabalha uma estrutura ou tempo verbal
específicos, em que ele deve sim focar a correção por causa da sintaxe, ou seja, a forma que as
palavras são organizadas na frase. Nesse momento, o professor deve trabalhar arduamente na
correção até que os alunos venham expor suas frases em obediência às regras gramaticais que
controlam a língua. Após esse passo, abre-se espaço para a discussão livre com vistas à fluência oral.
É nesse momento que o professor deve se preocupar mais com o aspecto semântico, mesmo que a
sintaxe não esteja corretamente trabalhada.
To achieve the main aim we often want to find ways of enabling as many students as possible to speak as
much as possible. Sometimes an all-class speaking activity is useful, but if it takes up the whole lesson it
actually offers very little speaking time to each individual student. It‟s usually a good idea to organize speaking
activities in pairs, threes and small groups as well as with the class as a whole.
65 Making mistakes is an important part of language-learning. Students naturally like being corrected but it
can be very demotivating if every time they say anything the teacher corrects or improves it! Obviously at
certain stages, e.g. controlled practice of new language, mistakes must be picked up, but in freer activities it‟s
better to note recurring errors or deal with them later.
64
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É muito mais produtivo permitir ao aluno ser ambicioso e expor frases que, mesmo
contendo erros gramaticais, venham expor o que ele deseja, do que em prol do “seja 100% correto”
frustrar o que o aluno pretende falar, quebrando o prazer da interação.
A este respeito, Bowen e Marks (1994, pág. 50) afirmam: “anywhere outside a classroom,
formal mistakes will often go unnoticed if the message is clear”66, e ainda vão além ao dizer: “Much
more damage can be done by language which is correct but doesn‟t express the speaker‟s
intention” 67.
É necessário observar também que a correção deve ter como propósito final levar o falante a
saber o porquê da versão errada estar inadequada e certa ser considerada adequada. Isso só
acontece se o mesmo tiver oportunidade de prática suficiente, até que tenha familiarização com a
mesma.
Insta pontuar que vale a pena gastar tempo com os alunos praticando frases e expressões em
diferentes velocidades e ritmos e expressando diferentes emoções ao falar: medo, raiva, prazer,
contentamento, alegria. Como reflexão, todos os professores precisam entender que têm opções
diante dos erros de seus alunos: a primeira é não fazer nada, a segunda é anotá-los para
posteriormente discuti-los e a última é corrigi-los no exato momento do erro. É preciso monitorar
como se responde aos erros dentro da sala de aula, de preferência gravando as aulas e observando
os efeitos que nossas correções causam nos alunos ou convidando um colega para observá-las,
fazendo anotações sobre as mesmas acerca disto.
Em suma, quando o professor assume a posição de correção, esta não deve ser realizada
todas as vezes que o aluno cometer um erro, mas no momento oportuno com o intuito de ser um
facilitador e ajudá-lo na busca por uma fluência.
Fluência e Comunicação
Spratt, Pulverness e Williams (2005, pág 34) definem fluência e comunicação da seguinte
forma: “Fluency is speaking at a normal speed, without hesitation, repetition or self-correction and
with smooth use of connected speech” 68. Se o propósito dos alunos é falar inglês, como dito
anteriormente, e se é fato que as deficiências existem e precisam ser tratadas, é de suma importância
analisar quanto tempo os alunos têm tido oportunidade de praticarem esta habilidade em sala de
aula.
Ora, em primeiro lugar, se o objetivo é que os alunos falem sem hesitação e confiantemente,
é necessário dar a eles o máximo de oportunidades para se expressarem. E isso só acontece se for
criado, em primeiro lugar, um ambiente favorável à fala. Os alunos precisam se sentir seguros para
se expressarem. Falar é uma atividade que exige uma ação e, muitas vezes, coragem ou mesmo
ousadia.
É natural o aluno ter vergonha de expor suas idéias, pois existe o medo de ser julgado ou
criticado pelos demais e isso na própria língua materna, quanto mais em uma língua estrangeira!
Uma atitude carrancuda por parte do educador somente contribuirá para que poucos de seus alunos
tenham desejo de falar alguma coisa. Eles vão ficar com mais receio de errar do que com desejo de
acertar. O professor precisa sempre respeitar as idéias e posições de todos e, ao mesmo tempo, criar
uma atmosfera de cooperação e amizade. A partir desse ambiente os aprendizes terão muito mais
facilidade para se expressarem sem medo de serem criticados.
Em qualquer lugar fora da sala de aula os erros passarão despercebidos se a mensagem for clara.
Muito mais estrago pode ser causado por uma linguagem que é correta, mas que não expressa a intenção do
interlocutor.
68 Fluência é falar em uma velocidade normal, sem hesitação, repetição ou auto-correção e com o uso sem
problemas de um discurso conexo.
66
67
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Em segundo lugar, não adianta somente sermos simpáticos se os objetivos das atividades de
conversação não forem claros e específicos. Atividades mal-compreendidas prejudicam o
desempenho dos alunos. O professor sempre tem que saber qual é o objetivo de cada atividade
dentro da sala de aula.
Outro problema que impede a fluência é quando o professor tipo “papagaio”. Ele explica a
tarefa, mas não consegue permanecer em silêncio acompanhando e monitorando a turma, ao
contrário, conversa mais do que todos, re-explicando, interrompendo os diálogos das duplas –
sempre sendo o centro.
Maza (1994, pág. 63) discorre sobre a necessidade do professor moderno não permitir que
suas aulas sejam centradas em si, mas que se voltem para seus alunos. A mesma autora afirma que:
O papel do professor, como pesquisador, continua até nossos dias. O
professor de hoje é um profissional participativo, observador de sua própria
prática e da prática de seus colegas. Ele não é mais um modelo, (...) Ele desce
do pedestal e adquire nova postura. Sai do centro da atividade pedagógica, torna-se o
facilitador da aprendizagem e tem como principal função, em sala de aula, dar
significação ao processo pedagógico. (grifo nosso)
Mais uma vez recorrendo a Oxenden e Seligson (1997), eles sugerem a maximização das
oportunidades de fala aos alunos e a minimização do tempo de fala do professor. Isso ocorre não
somente sabendo distribuir bem o tempo na preparação de atividades de fala dentro do plano de
aula e gerenciando-o, mas também passando aos alunos a incumbência de realizar leituras de
instruções, títulos e diálogos sempre que possível. Isso até torna a aula mais dinâmica por trazer
uma variedade de “vozes” e diminuir o estresse de ouvirem somente a voz do professor o tempo
todo.
Comunicação em L2
À medida que se adquire mais experiência, é possível perceber que a comunicação é bem
mais abrangente do que a fala. Por exemplo, quando o aluno repete frases após o professor, lê
exercícios em voz alta do livro-texto ou apresenta uma fala ou opinião preparada, não está havendo
comunicação. A comunicação existe quando há uma troca verdadeira de informações. Todos os
exemplos anteriores são úteis para a prática oral, mas não há em nenhuma delas a comunicação, a
interação em si.
Algo que é possível perceber, por exemplo, quando se faz exercícios de repetição em sala de
aula de um determinado grupo lexical, é que os alunos conseguem pronunciar todos os vocábulos
sem nenhum tipo de medo. Mas, na hora em que eles praticam entre si, é natural pronunciarem as
palavras que acabaram de repetir corretamente, de forma errada, ou até mesmo, terem medo ou
insegurança de estarem pronunciando incorretamente. Ou seja, o passo dado entre a absorção de
um ponto gramatical ou lexical até a produção precisa do mesmo em um ambiente espontâneo de
comunicação é grande. Daí a importância dos professores reforçarem a necessidade dos alunos
utilizarem constantemente materiais extras para fixação da pronúncia como o CD ou o CD-ROM,
como prática externa e livre, sem necessidade de monitoramento.
Outro ponto relevante é que os alunos precisam aprender a ouvir. Percebemos isso, quando,
após exercícios em que os alunos faziam, por exemplo, uma entrevista em duplas, ao relatar as
respostas do colega para um terceiro colega, não raramente, muitos tinham que fazer o exercício de
novo para “memorizar” o que o colega anterior respondera. Na verdade, o que acontece é que eles
estão mais preocupados em falar do que em ouvir. Nesse caso, por mais que a atividade tenha
aparentado ser perfeita, o engano da falsa comunicação foi desmascarado na segunda etapa, quando
precisavam expor o ouviram há poucos minutos atrás. A partir desse tipo de experiências, é preciso
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focar um ponto crucial: os alunos devem aprender a ouvir. Eles devem aprender a exercitar essa
prática. Além disso, devemos questionar: será que os professores tem se questionado o quanto seus
alunos tem realmente compreendido suas explicações? É infortúnio compreender que muito é
perdido em aula por desconcentração, despercebimento ou, simplesmente, por falta de atenção por
parte do aprendiz.
Não é nosso objetivo aqui aprofundar este tema sobre interferência, todavia, acreditamos
que faz parte do trabalho do professor sempre esclarecer que o aluno precisa estar constantemente
questionando a si próprio: Será que eu entendi? Esta explicação está clara? Uma sugestão é a
seguinte: de vez em quando, ao chegar ao final da aula pergunte aos alunos onde eles estiveram
durante a aula. Se forem sinceros, muitos vão responder que estavam pensando no video-game, na
Internet, na televisão, no almoço, nos problemas… mas menos na aula. Saber e querer ouvir é uma
luta que é vencida após a identificação do problema e por meio de auto-disciplina.
Saber ouvir é, deveras, tão importante quanto falar, pois um depende do outro para que a
comunicação ocorra efetivamente. Ademais, na elaboração do plano de aula, o educador precisa
atentar-se para o tempo que os alunos terão para se exporem, falarem, opinarem. Isso é essencial.
Dito de outro modo, o professor também precisa aprender a ouvir.
Também é importante mencionar que durante as atividades orais, é muito comum os alunos
criarem certos vícios. Um deles é ler as perguntas para o colega, mas não pensarem no que se está
lendo. O aluno faz, por exemplo, vinte perguntas, mas, ao final, não sabe nem o que perguntou.
Uma abordagem muito válida - e que já mudou muito a forma e, conseqüentemente, os resultados
de muitas atividades de conversação em nossa prática, é utilizar a técnica Read-Cover-Say. Ao invés
do aprendiz ler no papel a pergunta, ele deve lê-la, cobrir a folha, olhar para o colega e, somente
após esse processo, realizar a pergunta; ou seja, ele tem que pensar naquilo que está perguntando e
não apenas repetir algo que está posto no papel. Atividades assim são mais exigentes, mas trazem
melhores resultados.
Considerações Finais
A primeira conclusão a que chegamos após a escrita deste artigo, das leituras realizadas e da
observação da própria prática é que o professor precisa, acima de tudo, ser mais humanista. A partir
dessa posição, todas as dificuldades e problemas que fazem parte do cotidiano de sala-de-aula
tornar-se-ão mais fáceis, visto que não adianta saber somente se algo está certo ou errado, porém
saber o quando e como corrigir fazem muita diferença.
Não é aconselhável que o professor corrija o tempo todo, mas que o faça na oportunidade
certa, dependendo também dos objetivos de cada atividade que está sendo proposta. O aluno
precisa entender, também, o porquê de algo estar errado ou certo, pois a correção visa à mudança e
esta somente acontece com reflexão.
Portanto, ao trabalhar a correção, o professor precisa compreender que se ele interrompe o
aluno em seu momento de produção ou o corrige o tempo todo, além de o mesmo criar um
ambiente desfavorável, pois os aprendizes ficarão com medo de não errar e não de acertar, a
comunicação e a fluência serão prejudicadas.
É fundamental levar em consideração outros aspectos, também. Por mais que se planeje uma
aula, nem sempre tudo sairá perfeitamente como previsto. Apesar de todas as dificuldades que o
professor enfrenta, o processo ensino-aprendizagem fica muito mais propício a dar frutos quando,
em primeiro lugar, é criado um ambiente favorável na sala de aula. Scrivener (1994) escreveu: “As a
teacher I cannot learn for my students. Only they can do that. What I can do is help create the
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conditions in which they might be able to learn”69 (grifo nosso). Em segundo lugar, quando se dá
tempo aos educandos para que estes produzam suficientemente e com qualidade, conforme
escreveu Seligson e Oxenden (1994): maximizando o tempo e a oportunidade de fala dos
aprendizes e minimizando o tempo de fala do professor. E, por último, quando se prepara um
ambiente centrado no aluno e não no professor.
O que vimos é que, por meio dessa breve reflexão, o professor pode, ao menos no que se
refere à fala (o processo ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira abrange n fatores), facilitar
enormemente a produção oral e a comunicação com e entre seus alunos, apesar de o objetivo final
do professor de língua estrangeira ser que seu aluno aprenda a falar e comunicar-se fluentemente
por meio de situações e diálogos que tenham significado e promovam o seu crescimento. Como já
bem disse Scrivener (1994, p. 200):
Como professores de língua somos privilegiados em trabalhar com uma
matéria vital e fascinante. A linguagem é o meio com o qual expressamos nosso
próprio ser. E a maneira com a qual nos relacionamos com o mundo. É a única
maneira que fazemos nosso entendimento de vida concreto. É a forma que
nós utilizamos para fazer contato com outros seres humanos.70
Por fim, concluímos que somos privilegiados por ensinar uma língua, pois esta é uma
ferramenta de grande proficuidade nas mãos de nossos alunos. Além do mais, o objetivo final do
aprendiz é se comunicar, é fazer contato com outros povos, outras culturas. Assim, seu objetivo é
aprender a se expressar, aprender a falar.
Referências
BOWEN, Tim. MARKS, Jonathan. Inside Teaching – The Teacher Development Series.
Reino Unido: Heinemann English Language Teaching, 1994.
Longman Dictionary of Contemporary English. Inglaterra: Pearson Education Limited, 2001.
Longman Dictionary of English Language and Culture. Inglaterra: Longman Group UK
LimIted , 1992.
NUNAN, David. Language Teaching Methodology. Reino Unido: Prentice Hall International,
1991.
OXENDEN, Clive. SELIGSON, Paul. English File 1 Teacher‟s Book – 2nd Edition.
Inglaterra: Oxford University Press, 1997.
SCRIVENER, Jim. Learning Teaching – The Teacher Development Series. Reino Unido:
Heinemann English Language Teaching, 1994.
SPRATT, Mary. PULVERNESS, Alan. WILLIAMS, Melaine. The Teaching Knowledge Test
Course. Inglaterra: Cambridge University Press, 2005.
Trabalho enviado até 30/04/2011 Recebido em 30/04/2011
Como professor não posso aprender para os meus alunos. Somente eles podem fazer isso. O que eu posso
fazer é criar as condições nas quais eles possam aprender.
69
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REVISTA QUERUBIM - Universidade Federal Fluminense