“Amazônia e o direito de comunicar”
17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA
Burlas criativas e ativismo digital: antídotos para as tentativas de controle e vigilância
nas redes1
Doriedson Alves de Almeida2
Andrei Santos de Morais3
Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA
RESUMO
O texto conceitua burlas criativas e aborda aspectos e acontecimentos políticos e sociais
relacionados às formas de apropriação e uso das tecnologias digitais pela sociedade brasileira.
Refletimos sobre as tentativas de controle nas redes digitais por meio de investidas que se dão
através de fortes lobbies no parlamento visando estabelecer legislações ou através de artifícios
técnicos que têm como pano de fundo interesses econômicos e políticos. Analisa
acontecimentos políticos e administrativos recentes que, de forma contraditória, contribuem
para reforçar a forma hegemônica de difusão das tecnologias de comunicação digital,
contrapondo-se ao caráter intrinsecamente fluído e anti-hegemônico dessas técnicas.
Concluímos alertando acerca dos riscos de retrocessos em aspectos como: democratização do
acesso à internet; direito autoral e legislações que tipificam crimes virtuais.
PALAVRAS-CHAVE
Sociedade; política; controle; tecnologias digitais; hegemonia.
1. Considerações sobre contextos de interação e formas de apropriação das Tecnologias
de Informação e Comunicação (TIC) pela sociedade
Para o nosso contexto de reflexões sobre o desenvolvimento das redes digitais de
comunicação, abordaremos as relações vinculadas aos usos políticos e aos interesses privados
de grandes corporações, que em muitos casos reduzem as TIC a meros instrumentos
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Trabalho apresentado em Grupo de Trabalho da VII Conferência Brasileira de Mídia Cidadã
Doutorando em educação pela FACED-UFBA. Professor no Centro de Formação interdisciplinar (CFI) da UFOPA, email:
[email protected]
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Doutor em Literatura & Filosofia. Professor do Centro de Formação Interdisciplinar (CFI) da UFOPA, e-mail:
[email protected]
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destituídos de controles ideológicos, enquanto as concebem e utilizam de forma clara para
exercer esses controles.
Não se pode compreender as TIC como fenômeno isolado de nossa época. Álvaro Vieira
Pinto (2005), ao considerar a tecnologia como resultante do processo de hominização que
desde sempre necessitou superar as contradições com o meio, nega
tecnológica”, conceito que
a ideia de “era
“encobre, ao lado de um sentido razoável e sério, outro
tipicamente ideológico, graças ao qual os interessados buscam embriagar a consciência das
massas, fazendo-as crer que têm a felicidade de viver nos melhores tempos jamais desfrutados
pela humanidade” (ibidem, p. 41).
Os contextos hegemônicos e contra-hegemônicos que
apontaremos nesse texto relacionam-se aos modos de desenvolvimento e apropriação técnica
em que as tecnologias digitais se desenvolvem e são disseminadas. Pinto (2005) nos traz
questões que servirão de peças para o debate com os demais autores que travaremos aqui.
As burlas criativas que propomos devem ser compreendidas não como o que o significado
etimológico do verbo burlar no sentido de “engano fraudulento”, mas como tátias de
resistência conforme propõe Certeau (2011). Nas burlas criativas que propomos também
acontece o “enganar” mais esse “enganar” se torna necessário a partir de imperativos outros.
Justificam-se a partir da necessidade cotidiana de enfrentamento dos atores que uma vez
coagidos e oprimidos em seu cotidiano se vêem diante de situações que precisam de respostas
rápidas dada as condições em que ocorrem ou que são impostas pelo instituído.
Essas práticas que resultam no que denominamos de “burlas criativas” em última análise
devem ser compreendidas, como os “modos de fazer”, o “resolver”; a “ação criativa” que em
muitos casos constituem-se enquanto táticas de resistência conforme propôs Certeau
(2011). Elas constituem-se enquanto práticas necessárias ao enfrentamento cotidiano em
contextos onde as forças que se opõem são infinitamente desiguais. De um lado temos o
Estado e seus mecanismos de pressão e regulação social, do outro a sociedade
questionando e propondo novas práticas, Nesse sentido questionando seus aparatos.
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Essas práticas de resistência só serão possíveis se nos apropriarmos destes numa
perspectiva antropofágica, onde as táticas de resistência resistirão, enquando formas
anônimas de resistência surgidas das interações que a “multidão de anônimos” realiza
nesses universos que permeiam o cotidiano.
As TIC têm como objetivo comum prover-nos de avançadas condições de interação com o
mundo, cujo germe histórico confunde-se com a mítica busca humana por uma linguagem que
permitisse a comunicação de intenções entre os sujeitos. Destacamos aqui o surgimento da
escrita e seu auge com a invenção da imprensa por Guttenberg (s. XV). De lá para cá,
descobertas e invenções que possibilitaram intensas transformações nos processos
comunicacionais como o telégrafo, o telefone e, recentemente, a internet, fazem-nos refletir
até onde ainda podemos avançar nesse aperfeiçoamento constante e inquieto do desejo
humano de se aproximar de seus pares e promover o diálogo entre os saberes.
Entretanto, como já afirmara Francis Bacon (1986) no s. XVII, “saber é poder”. Quem
domina a tecnologia, em especial, a das comunicações, assume para si o status de
desenvolvida ou superior às demais nações apenas fornecedoras de matérias-primas. Esse
discurso é antigo, o então sociólogo da dependência da América Latina, Fernando Cardoso, na
década de 70, dizia a todos os cantos. Infelizmente, na condição de presidente, preferiu trilhar
o caminho neoliberal promovendo vendas de estatais que, estudos de Aluísio Biondi (2001)
mostram que o resultado das políticas neoliberais foi um intense repasse de patrimônio do
Estado brasileiro às multinacionais do setor de telecomunicações a preços abaixo do mercado,
recebendo em muitos casos títulos da dívida pública avaliados como “moeda podre”,
transferindo dinheiro público para a iniciativa privada via empréstimos do BNDES – Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
Tal decisão estratégica de governo é divisor d’águas no processo de apropriação das TIC e de
desenvolvimento de competências técnicas na área de telecomunicações por empresas e
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setores de pesquisa brasileiros, determinando a forma como diferentes extratos da sociedade
brasileira utilizam e compreendem os diferentes modos de comunicar-se e interagir a partir e
através das redes digitais de comunicação. Além disso, os esforços recentes de ações de
governo e/ou políticas públicas que buscavam ampliar e democratizar o acesso a esses meios
de forma mais autônoma e socialmente regulada sofreram reveses recentes e são alvos de
constantes embates políticos, cujos interesses ultrapassam as fronteiras dos governos e
conglomerados empresariais que controlam essas estruturas infotécnicas. Exemplo disso são
as recentes mudanças de rumo no PNBL4 e as indefinições em torno de importantes marcos
regulatórios como os do civil da internet e da reforma da lei de direitos autorais, que haviam
avançado consideravelmente.
Concordando com Milton Santos “que aponta a tentativa de construção de um pensamento
uno em torno das mudanças que estas técnicas possibilitam” (SANTOS, 2006a, p. x), reflexão
que corrobora com a nossa busca por compreender as formas de disseminação e integração
entre tecnologias digitais, territórios e sociedade, analisaremos a seguir os mecanismos de
controles (naturais e políticos) presentes ou impostos às redes digitais de comunicação e seus
usuários. Estudiosos ligados a esta corrente de pensamento como Boaventura de Souza Santos
(2001) atribuem à hegemonia do atual modelo macroeconômico mundial, denominado
globalização, a “uma espécie de alinhamento e convergência entre os interesses políticos
contemporâneos e o controle dos meios de produção e difusão possibilitados pelas técnicas
contemporâneas de comunicação digital” (ibidem).
Esses acontecimentos corroboram para a nossa afirmação de que esses avanços não podem ser
compreendidos sem o viés político.
Milton Santos aponta que para compreender a
globalização atual “como a qualquer fase da história, há dois elementos fundamentais a levar
em conta: o estado da técnica e o estado da política” (SANTOS, 2006a, p. 23). Segundo ele,
não existe uma separação entre as duas coisas, pois “(...) as técnicas são oferecidas como
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Plano Nacional de Banda Larga. Trata-se do projeto de ampliação das redes de comunicação digital no Brasil, planejada a
partir do PGMU – Plano geral de Metas de Universalização de serviços de telecomunicações, que no primeiro semestre de
2011 sofreu consideráveis mudanças estratégicas.
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sistemas e realizadas combinadamente através do trabalho e das formas de escolha dos
momentos e dos lugares de seu uso” (ibidem).
Analogamente às tecnologias de informação encontramos o que Karl Marx (1983), no s. XIX,
identificou como o fetichismo das mercadorias. Ao mesmo tempo em que não enxergamos na
mercadoria enfeitiçada o trabalho, a exploração, daquele que a fez, parece-nos ingênuo pensar
que as tecnologias de informação sejam apenas instrumentos destituídos de controle e
interesses capitalistas de consumo. Contrariamente ao que pensava Aristóteles (1987), no s.
IV a.C., a técnica (techné) não se distingue daquele que a domina, há sim um
comprometimento entre aquele que a domina e o seu produto, identificado este nos propósitos
aos quais foi utilizado.
Por exemplo, o sistema operacional Windows® não é apenas um mecanismo técnico restrito e
destinado a operar softwares em seu computador, ele está integrado a toda uma rede de
produtos eletrônicos e concepção, concepções de desenvolvimento e de mercado que
funcionam única e exclusivamente voltados para o consumo entre seus pares em acordo
comercial.
Ou seja, escolher o Windows® não é apenas uma escolha por um sistema
operacional, é acima de tudo coadunar com toda uma rede tecnológica que nos obriga
consumi-los indefinidamente num processo de dependência de suas inovações de forma
aparentemente arbitrária. Embora reconheçamos que estes processos, tenham contribuído em
para a popularização dos microcomputadores, não podemos descontextualizar tal fato do seu
caráter centralizador e hegemônico.
Parece contraditório que, por meio de instrumentos resultantes da própria ação das forças
hegemônicas, sejam possíveis manifestações anti-hegemônicas. Entretanto tais possibilidades
são cada vez mais comuns e presentes nas redes digitais e planetárias de comunicação, a partir
de uma espécie de apropriação anti-hegemônica contida pelo hegemônico. Ao nosso ver, esse
processo, embora incipiente e inacessível a muitos, é irreversível, pois resulta das
contradições do atual modelo de globalização, que não consegue tornar-se onipresente
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enquanto força motriz, devido, entre outros fatores, às características intrínsecas que as redes
digitais portam e que estão a cada dia mais presentes na sociedade, pois resultam do seu
caráter descentralizado, que Maria Gohn analisa assim:
A cidadania planetária surge como elaboração teórica na era da globalização,
decorrente da prática de grupos sociais que não se referenciam mais a um
Estado/Nação específico, a uma identidade determinada, mas a valores universais do
ser humano, que devem ser defendidos. O movimento antiglobalização é um exemplo
desse tipo de cidadania. Composto por uma rede de redes, ele tem inovado as práticas
e os discursos dos grupos, associações e movimentos que lutam pela igualdade de
condições de acesso ao mercado, contra os oligopólios, monopólios etc., contra as
injustiças sociais e discriminações identitárias. Ele utiliza a mídia como veículo
básico de comunicação e faz das suas manifestações um espetáculo-arte que atrai os
holofotes da mídia oral, televisiva e escrita. (GOHN, 2008, p. 28).
Acrescentaríamos à análise de Gohn que essas mobilizações só se viabilizam a partir dos
modelos descentralizados das redes digitais e planetárias de comunicação que permitem aos
movimentos sociais atuarem de forma descentralizada e a partir de novos contextos
hierárquicos onde o conhecimento e a capacidade de mobilização permitem as formas de
atuação que denominamos de anti-hegemonicas, embora sejam quase sempre contidas pelo
hegemônico. Acreditamos que fora desses contextos seria impossível a ocorrência do modelo
de cidadania planetária que rompa com a proposta de Estado/nação apontada por Gohn
(2008). O contexto de controles, cibervigilância e burlas sobre os quais refletimos pode ser
apontado como resposta do Estado-nação a essas tentativas de organização e ativismo social.
Se desejarmos retroceder para os contextos históricos em que se consolidou o Estado-nação
Marx afirmou em seu Manifesto comunista (1998) que as mesmas forças que alavancaram a
burguesia ao poder, os camponeses, agora a derrubariam. Analogamente, a mesma tecnologia
criada para atender o consumo desenfreado pode servir para demolir as estratégicas de
globalização do modo de pensar, usar e refletir esse conhecimento voltado especialmente ao
aprimoramento da técnica. Ainda que a lógica do desenvolvimento tecnológico esteja, a
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princípio, a serviço de seus patrocinadores, nada impede que sirva contra os propósitos de
seus criadores.
Outro importante exemplo é o forte desenvolvimento e comprovado avanço técnico dos
softwares livres5, de uso público e gratuito, a sua popularização encontra entraves ideológicos
e culturais. Muitos desses entraves ocorrem a partir de conceitos preconcebidos que se
consolidaram nas últimas três décadas, período em que usuários e instituições públicas e
privadas desenvolveram uma cultura de uso de softwares proprietários com licenças de uso
sob regras de copyright, em muitos casos a partir de ideias falaciosas sobre a sua eficácia e de
um discurso construído para legitimar sua hegemonia.
Contribuem também para a consolidação dessa cultura no setor de microinformática
estratégias para tornar esses sistemas e os conjuntos de dados e arquivos que manipulam,
padrões de mercado, em muitos casos, forçando incompatibilidades entre sistemas e
aplicativos, ou entre aparelhos e dispositivos eletrônicos como câmeras, impressoras. Esses
contextos reforçam e fortalecem economicamente um modelo onde as multinacionais do setor
formam e mantêm monopólios que atuam para controlar o acesso e o fluxo intenso de
informações produzidas e veiculadas nos contextos midiáticos da sociedade contemporânea, o
que é apontado por pesquisadores com Nelson Pretto (2008) e Sérgio Silveira (2009) como
fator de risco para a democratização e disseminação de informação, e consequentemente para
a produção de conhecimento nas sociedades contemporâneas.
2. Estratégias e discursos determinando controles e rotas de fuga
As técnicas e aplicações em softwares disponíveis hoje para monitorar e controlar o acesso a
pacotes e aos conteúdos são utilizadas de forma quase invisíveis para os cidadãos. Isso torna o
debate sobre a necessidade de existência de neutralidade na camada física inevitavelmente
5
Um software é considerado livre quanto atende a quatro liberdades básicas: 0 - liberdade de uso; 1 - liberdade de cópia; 2 liberdade de distribuição; 3 - liberdade de estudo e aperfeiçoamento.
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vinculada às possibilidades técnicas de controle. Esse será sempre o fator central que
determinará as práticas de controle do tráfego e de acesso aos conteúdos na internet. Por outro
lado, apesar da impossibilidade de controlar as tecnologias digitais apenas do ponto de vista
normativo e jurídico, e que servem cada vez mais à mediação das relações sociais
contemporâneas, reforça-se a importância de que nas reflexões sobre a constituição de uma
esfera pública na internet, destinada ao livre tráfego de conteúdos, sejam pautadas a partir da
observância e respeito às liberdades civis.
Em cenários onde os mecanismos de regulação devem emanar dos princípios jurídicos que
regem as liberdades civis, cabe ao Estado e às entidades normativas do setor de TIC
estabelecerem marcos regulatórios capazes de contribuir para consolidar essa esfera pública
na internet. Assim, a criminalização pura e simples das práticas e do acesso à internet
caminha na contramão dessa construção, em que o uso do direito penal enquanto instrumento
jurídico prioritário para mediar as relações no ciberespaço deve ser tomado apenas segundo o
princípio de última ratio, ou seja, recorrendo à penalização de condutas apenas quando da
ocorrência de violações que atentem contra bens jurídicos fundamentais. Aqui o sistema
jurídico-positivo brasileiro depara-se com entraves de complexa solução em que meras
tipificações de crimes falem na tentativa de classificar o que escapa a sua pretensa
objetivação: o ciberespaço.
Na contramão dessa tendência e a despeito dos inúmeros estudos e debates que veem
ocorrendo sobre o assunto, o número de leis aprovadas e em tramitação nos parlamentos
insistem na criminalização pura e simples de condutas, usando argumentos como a
necessidade de segurança nacional, combater crimes cibernéticos como terrorismo e pedofilia
etc., como se a rede constituísse o único lugar possível para ocorrência dessas práticas
lamentáveis. Nesse cenário, a questão das liberdades individuais é colocada em segundo
plano, como forma de encobrir os reais interesses corporativos e políticos por trás dessas
práticas legislativas.
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O conteúdo de alguns dos principais projetos de lei (PL 29, 70 e 332/2007 e 84/2009) dispõe
de, entre outros temas importantes, flexibilização para permitir participação de capital
estrangeiro em empresas de comunicação brasileiras, regulação dos conteúdos a serem
produzidos e veiculados, tipifica e penaliza condutas e atividades consideradas criminosas na
internet. Alguns destes Projetos de Lei, como o 84/2009, tramitam em fase final no legislativo
brasileiro e são apontados como lesivos aos interesses da sociedade, podem se transformar em
leis inócuas e predadoras das liberdades individuais e civis, atendendo aos fortes lobbies da
indústria de comunicação e dos softwares projetados para “garantir segurança e controle do
acesso” à internet. Os projetos de leis e/ou substitutivos que tratam do assunto excluem a
sociedade civil do debate e desconsideram aspectos fundamentais sobre a liberdade, a
cidadania, a posse e o controle de informações pessoais disponibilizadas na rede, o que
tornam os seus conteúdos normativos e os argumentos utilizados pelos seus autores e
defensores inaceitáveis em Estados democráticos.
Resultado do embate democrático no parlamento, outras propostas e movimentos sociais
articulam-se em frentes parlamentares, utilizam as redes para pressionar as atividades destes
últimos, elaboram e constroem propostas alternativas como a nova lei de direitos autorais, o
marco civil para a internet e a proposta de controle social dos grandes meios de comunicação
– debatidos amplamente com a sociedade civil brasileira e o setor de comunicações sociais
por meio de congresso fóruns e consultas públicas na internet. Iniciativas como o PL 68/2011,
que tramita no congresso e trata do apoio eletrônico da sociedade a propostas de leis de
autoria popular (direito previsto na constituição) por meio de mecanismos como consultas
públicas através das redes digitais, dependem de aprovação previa da Comissão de Legislação
Participativa da Câmara dos Deputados. Entretanto, propostas assim, embora contemplem
forte apoio e mobilização da sociedade encontram forte resistência por partes de setores
organizados e fortes lobbies da indústria de telecomunicação atuando no parlamento.
Ademais, o potencial das técnicas modernas pode assumir conformações descentralizadas ou
centralizadas em redes cujos nós serão autônomos e dinâmicos ou fortemente controlados de
forma a não permitir tais ações criativas. Nestes processos, o que determinará sua forma de
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utilização serão os mecanismos de regulação estatal e supranacionais e, em última instância,
sua apropriação cultural e técnica pelos diversos segmentos sociais.
Não é por acaso que manifestações e ações que enquadramos no rol da contra-hegemônia,
pelo seu caráter de contestação social e de negação do “status quo” que produzem os
contextos socioeconômicos contemporâneos, quando descobertas, são rastreadas, mapeadas,
identificadas e localizadas, sofrem processos de repressão e silenciamento. Este silenciar
pode acontecer de variadas formas, não implicando, necessariamente, a eliminação de seus
protagonistas. O mais comum é uma tentativa de desqualificação destas pessoas e/ou grupos,
muitas vezes tidas como desequilibrado(a)(s) e fora do contexto social, diga-se, fora e
desalinhados dos contextos sociais que perpassam os processos hegemonizadores.
No entanto, não fossem as iniciativas dos ativistas pela liberdade de acesso aos códigos-fonte,
democratização do acesso e compartilhamento do conhecimento, que atuam intensamente
através da rede para denunciar tais descalabros jurídicos, diversos projetos de leis, lesivos às
liberdades civis e à democracia, passariam despercebidos pela sociedade enquanto tramitam
sorrateiros pelas comissões do parlamento brasileiro. Ou seja, não há equilíbrio sem
desequilíbrio. (aqui ocorre uma digressão quando faço afimarçoes nesse contexto, ou
fundamento ou tira)
Ainda que a desqualificação persista, a criatividade só faz aumentar e se qualificar. Assim, é
importante novamente reiterar que o significado de burla aqui pretendido não está relacionado
à origem etimológica do vocábulo e/ou como o simples ato de “burlar, enganar ou fraudar”.
Nós a entendemos como resultado natural de uma tensão entre as forças hegemônicas e o
cotidiano, emergida de subjetivações complexas advindas dos usos e apropriações diversas
das TIC pelos indivíduos, seja de forma passiva enquanto simples observador/usuário e/ou de
maneira ativa como sujeitos ressignificadores e contestadores desses espaços. Trata-se do
simples exercício da liberdade assegurada na Declaração dos direitos do homem e do cidadão
(art. 11): “A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do
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homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo,
todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei" (2011). Diga-se, de
passagem, que esses direitos elaborados pelos franceses em 1789, período turbulento da
Revolução Francesa, serviram de base à Declaração Universal dos Direitos Humanos,
instituída com a criação da ONU, em 1948. Todavia, esses direitos parecem estar à disposição
apenas dos interesses originários que o proclamaram: a burguesia. Assim, o Estado
democrático deve ser colocado em suspeição, mormente por ter se mostrado cada vez mais
autoritário; ou quem sabe, esses direitos nunca passaram de engodo para nos sentirmos iguais.
Quanto a isso, David Graeber acrescenta:
De fato, a própria ideia de “Estado democrático” sempre foi uma espécie de
contradição em termos. “Democracia” refere-se a um sistema em que “o povo”, seja
como for definido, governa seus próprios assuntos. Um Estado é um aparato de
coerção sistemática destinado a obrigar as pessoas a obedecerem ordens sob a ameaça
da violência. Elementos de ambos podem no máximo existir em uma proximidade
desconfortável, mas nunca se misturar. Mesmo nos Estados mais democráticos, por
exemplo, os mecanismos pelos quais a violência é de fato exercida ― política,
tribunais, prisões ― operam sobre princípios completamente autoritários.
(GRAEBER, 2005, p. 6)
Em outras palavras, não há Estado democrático sem coerção, exercício ou ameaça da
violência por parte, principalmente, de quem ocupa os espaços públicos de poder, exercidos a
partir da esfera privada (Cf. ARENDT, 2007). No nosso caso, os espaços onde tais práticas
coercitivas ocorrem incluem ambientes os mais variados, inclusive o escolar, onde
identificamos ações desavisadas e ingênuas que contribuem para consolidar a força
hegemônica e monopolizadora das TIC.
3. Algumas (in)conclusões
Apesar das leituras paradigmáticas de técnica, seja separando o sujeito do objeto (Aristóteles)
ou feitichizando as mercadorias (Marx), Martin Heidegger (1889 – 1976) propõe uma
interpretação para além do caráter de utilidade ou alienação. Para Heidegger (2007), o homem
não é garantia a sua autonomia em relação à técnica enquanto sujeito dela, o que indica
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apenas uma condição de dependência. Contrariamente, a técnica é um destino oferecido ao
homem, é preciso compreender o seu apelo para ser livre. Entendemos que àqueles que
vislumbram e acreditam ser possíveis novas formas de apropriação livre dessas mesmas
técnicas, como afirma Heidegger, abrem-se perspectivas capazes de apontar mudanças
possíveis através dos enfrentamentos nesse campo, superando dicotomias falsas e/ou criadas
de forma deliberada. Metaforicamente, afirmamos que há galáxias ainda inexploradas,
oriundas do “big bang” que já ocorreu (ou ainda irá ocorrer) no universo ciber.
É preciso entender que a técnica não está a serviço do homem como a definida na relação
entre sujeito e objeto. O homem não é senhor da técnica, mas da sua relação com ela. Essa
desantropologização humana em relação à técnica, proposta por Heidegger, permite a sua
autonomia em relação a ela; ou seja, a compreensão da historicidade da relação com tudo que
existe e de si mesmo. A disponibilidade das tecnologias à pessoa é dada historicamente, sob
contextos e interesses muito bem definidos, e não de forma aleatória, descompromissada,
sujeitas à livre manipulação.
As Tecnologias da Informação e Comunicação não se limitam às históricas concepções de
técnica antiga (Aristóteles) e moderna (Marx), porém dialogam com Heidegger, mormente ao
defender a nossa autonomia em relação a ela. O desenvolvimento desta, a técnica em
tecnologia, por sua vez, aliada à informação e comunicação, permite uma abertura crítica
superior ao que se entende por linguagem. No nosso caso, linguagens em detrimento da
concepção pragmática de linguagem como mero veículo do pensamento/conhecimento. Na
tentativa de nos comunicarmos, sobrepujamos a complexidade de um dos maiores mitos
humanos: a linguagem. Nunca compreenderemos como nos comunicamos.
As informações aparentemente veiculadas na comunicação não se dão de maneira tão
unívoca. A complexidade das linguagens envolve diálogo entre culturas, ideologias e,
principalmente, interesses econômicos conflitantes quase imperceptíveis, porém presentes
quando uma hegemonia tecnológica se impõe como a única eficiente no mercado mundial.
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Ainda que tão próxima de nós, as TIC estão distantes, longe da compreensão por
considerarmo-las apenas um instrumento, uma técnica de manipulação de fins claros e
definidos. Quanto a isso, meditando sobre a questão da técnica heideggeriana, Franklin Silva
afirma: “Para reencontrarmos a experiência daquilo que nos constitui é necessário despojarnos das mediações construídas ao longo do processo de subjetivação dos fundamentos e de
objetivação científica e técnica da realidade.” (2007, p. 374) É preciso nos afastarmos das TIC
para nos encontrarmos como seus verdadeiros mediadores e não seus meros objetos de
manipulação, objetos/mercadorias de jogos político-econômicos de grandes corporações
voltadas única e exclusivamente para eliminar a nossa autonomia/liberdade.
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antídotos para as tentativas de controle e vigilância nas redes