Francisco Luiz Scagliusi arquiteto/urbanista
formado pela Universidade Mackenzie e
doutorando pela Universidade de São Paulo-USP;
autor de projetos de urbanização e consultor em
legislação urbana e ambiental.
[email protected]
Álvaro Rodrigues dos Santos geólogo
formado pela Universidade de São Paulo; ex-diretor
de Planejamento e Gestão e da Divisão de
Geologia do IPT e consultor em Geologia de
Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente.
[email protected]
Áreas de Preservação Permanente (Apps) no Ambiente Urbano.
A Necessidade de uma Legislação Específica.
Resumo:
Este texto tem a intenção de contribuir para a produção de uma nova legislação
especificamente voltada à regulação das Áreas de Preservação Permanente-APPs
no espaço urbano. Propõe um tratamento legal diferenciado para as APPs de Topo
de Morro e para as APPs de faixas marginais de cursos d’água e nascentes.
Palavras-chave:
Áreas de Preservação Permanente, Topo de Morro, Faixa Marginal, Espaço Urbano,
Legialação Ambiental.
Abstract:
This text intends to contribute to a new legislation specifically created to the
regulation of the Permanent Preservation Areas in the urban space. It proposes a
different legal focus to hilltop, marginal band and water spring.
Key-words:
Permanent Preservation Areas, Hilltop, Marginal Band, Urban Space, Environmental
Legialation.
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Conceitos aplicados a geomorfologia.
Morro: É uma elevação diferenciada no relevo com altura relativa entre 100 a 300
metros e declividades predominantes maiores que 15%.
Montanha: Elevação diferenciada com altura relativa maior que 300 metros com
declividades predominantes maiores que 15%.
Vertente: Todo plano inclinado que liga os setores altos do relevo, topos, cristas ou
cumeadas, aos setores baixos.
Encosta: É o flanco inclinado de uma elevação (colina, morro, montanha, serra). É
limitada superiormente por uma superfície de ruptura positiva e inferiormente por
uma ruptura de declive negativa.
Topo de morro: É o setor alto do morro, normalmente com formato de calota, ou
seja, com formato convexo, e com declividades baixas. O topo de morro se entende
até a ruptura de declive positiva que marca o início da encosta. Pode ter variadas
formas, mais ou menos ou abrupto, ou mesmo planar.
Cume: É o ponto mais alto do morro ou da montanha. O mesmo que pico.
Depressão: Do ponto de vista geométrico seria o reverso do topo. Inicia-se da
ruptura de declive negativa e se estende até a ruptura de declive negativa de uma
outra elevação próxima em um relevo ondulado. Seu ponto mais baixo é o talvegue.
Talvegue: É a linha que une os pontos mais baixos de uma depressão, podendo
receber um curso d’água permanente, apenas águas pluviais ou ser totalmente seca.
Declividade: É a medida da inclinação de um terreno em relação à linha do horizonte
e medida perpendicularmente às curvas de nível. Pode ser medida para caracterizar
segmentos da encosta com inclinação homogênea, ou seja, segmentos
compreendidos entre duas rupturas de declive, e pode ser medida para definir as
maiores e menores declividades presentes em uma forma de relevo. Pode ainda ser
medida para caracterizar a declividade média de uma elevação de relevo, sendo
quês neste caso corresponde à inclinação de uma linha imaginária que une o cume
ao talvegue.
Figura 1 - Perfil típico de um morro com a identificação de seus principais elementos geomorfológicos
(ARSantos).
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Introdução
Já existe um forte entendimento entre ambientalistas, urbanistas, geólogos,
engenheiros geotécnicos, juristas e toda a gama de profissionais que lidam com a
questão urbana, acerca da impropriedade da atual legislação ambiental reguladora
das APPs – Áreas de Preservação Permanente, no que se refere à sua aplicação ao
espaço urbano. A Resolução CONAMA 303, de 20 de março de 2002, que
estabelece os parâmetros, definições e limites referentes às APPs em todo o
território nacional, tanto para o domínio rural como para o urbano – e que nada mais
é que um termo mais específico de aplicação das determinações do Código
Florestal, de 1965 – constitui o principal aparato legal vigente sobre o tema.
A questão central é que a atual legislação não foi inspirada pela realidade urbana,
sendo, por decorrência, equivocada conceitual e estruturalmente para a gestão
ambiental do espaço urbano e de suas singularidades. Este fato tem provocado um
forte conflito relacionado ao uso do solo nas cidades e por decorrência embates de
ordem legal e administrativa entre órgãos ambientais e empreendedores urbanos
públicos e privados, inviabilizando a implantação de projetos urbanísticos planejados
e dotados de adequados controles ambientais. Também tem induzido,
especialmente em grandes conglomerados urbanos, a ocupações irregulares, do
que resulta um maior comprometimento dos já escassos recursos naturais e da
qualidade ambiental dessas áreas. Porções significativas das metrópoles brasileiras
e conseqüentemente seus habitantes, se encontram em uma situação de
clandestinidade promovida por leis inadequadas, que não refletem a realidade
existente nas urbes.
Legislações municipais e estaduais complementares e aquelas de âmbito federal,
como a Resolução CONAMA 369, a Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade), e a recente
Lei 11.977/09, conhecida como “Minha Casa Minha Vida” tem contribuído para o
avanço nas formas de consolidação e regularização de assentamentos em APPs,
porém não dão conta dos conflitos que se estabelecem nas formas de apropriação
do espaço pelas diferentes classes sociais, em especial para as mais pobres, que
não encontram alternativa habitacional no mercado e tampouco na oferta pública de
moradias adequadas. Tem colocado em embate também legisladores, órgãos de
fiscalização ambiental e agentes privados.
O fato é que a incompatibilidade da atual legislação com os processos que tem
orientado a produção do espaço e as características intrínsecas da urbanização é
tão radical, que desaconselha tentativas de melhor adequá-la através de emendas
ao atual texto ou leis complementares. A produção de uma nova legislação,
exclusivamente voltada à regulação das APPs no espaço urbano impõe-se como a
alternativa mais apropriada para enfrentar os graves problemas ambientais e de
apropriação do espaço.
Pressupostos conceituais e proposições.
Dentro desse objetivo é essencial, antes de tudo, atender a seguinte questão
conceitual: do ponto de vista ambiental o que é importante preservar, criar ou manter
de áreas verdes no espaço urbano? Melhor dizendo, de áreas verdes florestadas,
pois quanto maior sua superfície, melhor serão cumpridas as atribuições ambientais
de regulação climática; redução da poluição atmosférica; retenção das águas de
chuva; recarga de aqüíferos; proteção de encostas contra a erosão e
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escorregamentos de terra e rocha; proteção de margens e nascentes; abrigo e
alimentação da fauna urbana; lazer e embelezamento da paisagem urbana.
Desse ponto de vista, pode-se falar em uma manutenção mínima de áreas
florestadas nas cidades, tomando a sub-bacia hidrográfica como território de gestão
ambiental no espaço urbano. É possível, por exemplo, pensar na obrigatoriedade
legal de uma cobertura florestal com extensão mínima de 15% da área total da subbacia.
Na intenção de colaborar para uma nova legislação ambiental especificamente
voltada ao espaço urbano, registramos a seguir alguns pressupostos conceituais e
proposições de tratamento legal diferenciado para as APPs de topo de morro e para
as APPs de faixas marginais de cursos d’água e nascentes.
Em primeiro lugar não faz sentido no ambiente urbano cogitar-se de feições
ambientais rurais clássicas como os corredores ecológicos strictu sensu. O ambiente
urbano constitui um espaço singularmente antrópico, apropriado de forma desigual
por diferentes grupos sociais e por atividades ligadas a produção, consumo,
comércio, prestação de serviços, circulação, lazer e habitação, fatores fundamentais
na ocupação do território e na determinação de suas características ambientais.
Do ponto de vista geológico e geotécnico, fator especialmente importante no que diz
respeito aos graves problemas urbanos de risco causados pela erosão e pelos
deslizamentos, a área de topo das elevações topográficas são extremamente mais
favoráveis do que as áreas de encostas para uma segura ocupação urbana. Essa
qualidade geotécnica das áreas de topo de morro deve-se à formação de solos mais
espessos e evoluídos, portanto, mais resistentes à erosão e à quase inexistência de
esforços tangenciais decorrentes da ação da força de gravidade. Situação inversa
ocorre com as encostas de alta declividade, instáveis por natureza e palco comum
das recorrentes tragédias geotécnicas que têm vitimado milhares de brasileiros.
Os aspectos urbanísticos e de ordem geológico/geotécnicos sugerem que, a partir
de um novo regramento ambiental da expansão urbana, se possa evoluir na
liberação, sob algumas condições, da ocupação dos topos de morro, aumentando-se
as restrições para a ocupação das encostas, mediante os seguintes aspectos:
– instalação de dispositivos urbanísticos e de engenharia adequados, como pisos
drenantes, reservatórios, poços e trincheiras de infiltração e acumulação de águas
de chuva, sistemas de drenagem e de dissipação de energia hidráulica, etc., podem
permitir que uma área de topo de morro urbanizada cumpra, e até supere, as
propriedades de uma área de topo de morro florestada no que diz respeito à redução
do volume e da energia das águas de chuva que demandam as encostas e a
alimentação do lençol freático. É perfeitamente possível tecnicamente, portanto,
estabelecer como condição elementar da liberação de uma área de topo de morro
para ocupação urbana, o compromisso pelo qual a ocupação pretendida deverá
conservar ou ampliar, através de expedientes urbanísticos e de engenharia, tanto a
capacidade de infiltração das águas pluviais próprias da área original florestada,
como sua capacidade de reduzir o volume e a energia hidráulica das águas que se
derramam sobre as encostas;
– o Código Florestal (Artigo 2º, item e) e a Resolução Conama 303 (Artigo 3º, item
VII) definem como APP as encostas com declividade superior a 45º (100%). Os
conhecimentos geológicos e geotécnicos mais recentes e abalizados indicam que,
especialmente em regiões tropicais úmidas de relevo mais acidentado, há ocorrência
natural de deslizamentos de terra já a uma declividade de 30º (~57,5%), o que
revela a enorme suscetibilidade dessas encostas a movimentos de terra e rocha. Por
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seu lado, a Lei Nº 6.766, de dezembro de 1979, conhecida como Lei Lehmann, que
dispõe sobre o parcelamento do solo urbano no território nacional, em seu Artigo 3º,
item III, proíbe a ocupação urbana de encostas com declividade igual ou superior a
30% (~16,5º), abrindo exceção para situações onde são atendidas exigências
específicas das autoridades competentes;
– a leitura geológica e geotécnica dessa questão indica como pertinente o aumento
de restrições na ocupação das encostas urbanas. Essa medida teria forte
correspondência com a necessidade ambiental de se aumentarem as áreas verdes
florestadas no contexto do espaço urbano, conjunção oportuna que poderia ser
promovida pela decisão de reduzir de 45º (100%) para 22º (~40,5%) o limite mínimo
de declividade a partir do qual as áreas de encosta deveriam ser consideradas
Áreas de Preservação Permanente, e
– a ocupação de encostas até os limites legais estabelecidos seria condicionada à
adoção de partidos urbanísticos, bem como à utilização de tipologias habitacionais
nas quais deveriam ser evitados, por exemplo, os cortes e aterros nos terrenos e a
instalação de dispositivos de infiltração de efluentes ou de águas pluviais, ou seja,
deveriam ser adotadas concepções urbanísticas/arquitetônicas de projeto e
expedientes de engenharia que não concorram para a desestabilização geotécnica
das encostas.
Quanto às APPs de faixas de proteção ao longo dos cursos d’água e no entorno de
nascentes, sua definição ou regulamentação deve estar lastreada na análise das
feições geográficas encontradas e de sua relação com as formas de apropriação do
espaço urbano. Além dos benefícios ambientais associados às áreas verdes
florestadas no espaço urbano, a cobertura vegetal das margens de cursos d’água
cumpre importantíssimo papel na proteção dessas faixas contra a erosão hídrica,
assim como retém parte dos solos das vertentes removidos por erosão, impedindo
que esse material contribua para o assoreamento dos leitos hidrológicos. Em
qualquer alternativa de regulação da ocupação ou proteção das faixas de proteção
essas funções geológicas deverão ser de alguma maneira cumpridas.
Os aspectos citados anteriormente poderiam ser simultaneamente considerados na
legislação que regula o parcelamento do solo para a produção destinada a habitação
de interesse social, tal como previsto no Decreto de Interesse Social Nº 44.667/04,
em vigor no município de São Paulo. O mencionado diploma prevê no seu Art. 56,
III, o limite de declividade igual ou superior a 30% para parcelamento do solo de
interesse social “salvo aqueles objeto de intervenção que assegure a contenção de
encostas e a viabilidade de urbanização”, e no Art. 60 que nos loteamentos “deverão
ser destinados, no mínimo 15% da área total da gleba para áreas verdes e
institucionais públicas”
A partir, portanto, do diagnóstico das peculiaridades do tripé formado pela
geomorfologia, hidrologia e pedologia, em associação com as diretrizes de
desenvolvimento urbano estabelecidas pelo Plano Diretor da cidade é que se devem
estabelecer as regras de proteção aos rios e nascentes. Neste sentido poderíamos
distinguir três situações para as quais se impõem novas formas de regulamentação
do afastamento aos cursos d’água: a primeira delas diz respeito às ocupações de
APPs por assentamentos precários; a segunda está relacionada à urbanização já
consolidada sobre as APPs, e a terceira se refere ao processo de expansão urbana
em áreas virgens, conforme exposto a seguir:
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Figura 2 - Município de São Paulo-Rede Hídrica e Favelas, 2011. Fonte: PMSP
É possível observar como a localização de núcleos favelados (em vermelho) acompanha a densa
capilaridade de rede hídrica e, portanto, as faixas marginais de APP.
– com relação à primeira situação existe uma impossibilidade, em curto espaço de
tempo, de reassentamento de toda população moradora em favelas e loteamentos
clandestinos e irregulares que se instalaram sobre APPs de faixas de proteção de
cursos d’água e nascentes em áreas seguras e boas condições de habitabilidade.
Neste sentido, as regras de afastamento de nascentes e corpos d’água devem ser
estabelecidas no bojo de processo de urbanização destas áreas, que teriam de
equacionar, simultaneamente, os riscos de natureza geológica-geotécnica, como
deslizamentos, solapamentos e inundações. O fato de, nesses casos específicos,
não haver uma preocupação em se apontar um determinado afastamento não
significa, entretanto, a ausência de normas. É imperioso o estabelecimento de
critérios que assegurem a implantação de infra-estrutura e a segura requalificação
urbanística daqueles tecidos densamente ocupados, em especial para as favelas
que a partir dos anos 80 ocuparam margens de corpos d’água e de represas, como
mostra a figura 2. Apesar da existência de legislação federal que prevê a
regularização fundiária em APP’s, conforme estabelecido na Resolução CONAMA
369/06 e na Lei Federal 11.977/09, conhecida como “Minha Casa Minha Vida” é
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necessário articular a ocupação do espaço com questões ambientais mais amplas,
sem o que continuariam a se reproduzir assentamentos informais e fora de controle;
– a segunda situação se relaciona com áreas urbanas já consolidadas e a
inaplicabilidade das condições estabelecidas no Art. 2º da Lei Federal 4.771/65
(Código Florestal) e no item I, do Art. 3º da Resolução CONAMA 303/02, ambos
definidores das APPs, para o ambiente das cidades. É impensável, conforme os
diplomas mencionados, a reversão para APPs das larguras mínimas compreendidas
na “faixa marginal, medida a partir do nível mais alto, em projeção horizontal” na
trama urbana consolidada. A configuração espacial das cidades é o resultado de
processos sócio-econômicos que subverteram o desenho natural do território,
concentrando diferentes usos e atividades que promovem formas de adensamento
humano e construtivo. Há, claramente, uma dissociação entre os dispositivos de
preservação ambiental apontados e as condições de uso e ocupação do solo urbano
que necessitam ser revistos, já que não se cogitaria, sob hipótese alguma, remover
todas as instalações, equipamentos, sistema viário e edificações que se encontram
a menos de trinta metros dos cursos d’água com menos de dez metros de largura,
como preconiza a legislação citada. Para essa situação específica o ideal é resolverse caso a caso, buscando como objetivo social, mas não como fim obrigatório, a
recuperação ambiental de faixas marginais a cursos d’água, utilizando-se para tanto
expedientes tecnicamente recomendáveis, como por exemplo a renaturalização de
rios. Uma avaliação custo/benefício é recomendável para respaldar a decisão a se
tomar em cada caso;
– a terceira situação refere-se ao processo de expansão urbana e à implantação de
novos empreendimentos. Neste caso poder-se-ia adotar como largura mínima da
APP de faixas marginais de proteção a faixa marginal prevista na Lei 6.766/79,
conforme o item III do Art. 4º, que estabelece que “ao longo das águas correntes e
dormentes e das faixas de domínio público das rodovias, ferrovias e dutos, será
obrigatória a reserva de uma faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada
lado, salvo maiores exigências da legislação específica”. Vale então dizer que, no
caso das águas correntes e dormentes presentes em áreas que estão sendo objeto
de ocupação urbana, necessariamente a faixa de quinze metros non aedificandi
seria considerada como APP. No caso de cursos d’água de maior porte a definição
das faixas de proteção deve estar lastreada em estudos que incorporem as feições
geográficas encontradas; as características da geologia; as condições hídricas –
problemáticas em planícies aluviais com ocorrência de áreas baixas e mal drenadas
– e o tipo de ocupação promovida pelos diferentes agentes sociais.
Expansão urbana e regulação.
Os aspectos mencionados anteriormente viriam de encontro ao tema da
regularização fundiária de extensas áreas da cidade, que no caso de São Paulo
apresenta cerca de 40% de sua superfície ocupada de forma clandestina e/ou
irregular e com graves problemas de titulação e de qualidade ambiental. As áreas de
topo de morro ocupadas por assentamentos ilegais poderiam ser alvo de políticas
públicas visando sua regularização, porém sob o respaldo de uma legislação
ambiental que promovesse a melhoria das condições geológicas, garantindo a
proteção dos solos e encostas contra processos erosivos e deslizamentos de terra
responsáveis, como temos notícia, pela perda de muitas vidas.
Poderia ainda promover critérios ambientalmente adequados nas formas de uso e
ocupação do solo urbano, notadamente nos espaços periféricos, onde a cidade tem
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se expandido desmesuradamente, sem nenhuma forma de regulação pública e com
graves conseqüências ambientais, como ocupação de encostas de alta declividade;
fundos de vale e total ausência de saneamento, com o lançamento de lixo e esgotos
a céu aberto.
A expansão da mancha urbana avançou de modo predatório sobre áreas destinadas
à preservação de ecossistemas naturais, seja em direção aos paredões cristalinos
da Serra da Cantareira ao norte, como para os mananciais da região sul e outras
unidades de conservação da Região Metropolitana de São Paulo. O extenso
conjunto de normas existentes nos âmbitos federal, estadual e municipal não
conseguiu impedir, contudo, a ocupação urbana sobre áreas onde estão localizados
os recursos hídricos e as áreas florestadas da metrópole. Prova destes fatos é que
ocorreu avanço da ocupação sobre áreas de proteção de mananciais, áreas de
proteção ambiental e mesmo no interior de parques e reservas municipais e
estaduais. Segundo o Atlas Ambiental de São Paulo, publicado pela Secretaria do
Verde e Meio Ambiente, o município teria perdido cerca de 5.357 hectares de áreas
verdes apenas entre os anos 1991 e 2000.
A legislação, ao invés de representar forte empecilho à ocupação de mananciais e
ao desmatamento dos remanescentes da cobertura vegetal, promoveu uma situação
inversa: uma expansão urbana onde imperam a ilegalidade nos processos de
parcelamento do solo. Tanto os regulamentos estaduais, nos termos das leis Nº
898/75 e Nº 1172/76 que disciplinam o uso do solo para a proteção dos mananciais,
assim como as antigas Z8-100 (zonas rurais), que no novo zoneamento de São
Paulo foram convertidas em ZEPAM-Zonas de Proteção Ambiental impuseram fortes
limites ao mercado – por força dos condicionantes de aproveitamento de glebas –
que inibiram os interesses para um desenvolvimento imobiliário que atendesse as
necessidades de expansão urbana. Contrariamente, terra abundante e com baixos
índices de aproveitamento acabaram por deprimir os preços, e reuniram vantagens
para a reprodução da expansão urbana informal, que persiste por décadas.
A situação que hoje se apresenta foi conduzida por alguns vetores, responsáveis
pelo cenário de precariedade e degradação dos recursos naturais. Em primeiro lugar
a ocorrência de taxas de crescimento populacional explosivas, que desde a década
de 80 significaram o incremento de mais de três milhões de habitantes nos anéis
exterior e periférico da cidade (os mais afastados), conforme tabela abaixo.
ANEL
Município de São Paulo – Incremento Populacional por Anel
Variação por Número Absoluto
1960
1970
1980
1991
1970
1980
1991
2000
2001
2010
Central
22.635
84.351
-42.235
-65.449
57.192
Interior
5.168
91.648
-94.968
-102.654
84.584
Interm.
324.375
182.703
-115.507
-97.356
68.219
Exterior
910.791
792.046
282.786
38.879
194.192
Periférico
952.372
1.414.092
1.087.357
1.051.467
415.064
2.215.341
2.564.020
1.117.433
824.887
819.251
Total
Tabela 1 – Incremento populacional por anel no Município de São Paulo.
Fonte: Censos Demográficos/IBGE.
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Os dados censitários revelaram um esvaziamento das regiões centrais da cidade
nas décadas de 80 e 90, ao mesmo tempo em que mostram que o crescimento
populacional tem ocorrido exclusivamente de forma periférica. O último censo
informa uma reversão na queda do número de pessoas que habitam o centro, e
ainda uma forte redução nas taxas anuais de incremento da população, porém os
mesmos dados apontam, em 2010, que metade do crescimento da cidade de São
Paulo ainda se concentra nas regiões fronteiriças e de divisa com outros municípios
da região metropolitana. Vale dizer que o crescimento tem ocorrido de forma
periférica, quase que totalmente clandestino, horizontalizado, com ausência de infraestrutura e moradias auto-construídas, baixas densidades e uma população que
apresenta altos índices de vulnerabilidade social.
Políticas públicas consistentes devem, na ótica de uma nova legislação, repensar o
desenvolvimento urbano e promover a articulação das agendas urbana e ambiental,
que se apresentam totalmente dissociadas.
Trata-se de pensar as questões específicas da ocupação do espaço, que garantam
disponibilidade de terra urbanizada com adequada implantação de assentamentos
em sua relação com o meio físico, tal como tentamos evidenciar neste texto com
relação às áreas de topo de morro, encostas e faixas marginais de rios. Ao mesmo
tempo, as normas devem propor uma reordenação do território que promova o
acesso da população à habitação, infra-estrutura e serviços públicos.
Conclusões.
Uma avaliação dos poucos instrumentos de política urbana regulamentados pelo
Estatuto da Cidade revela que o instituto da Outorga Onerosa “vingou”, ou seja, o
mercado anuiu ao pagamento de contrapartida financeira por adicional construtivo,
que supostamente deveria beneficiar todos os cidadãos, ao passo que a aplicação
de instrumentos de caráter social, como no caso das Zonas Especiais de Interesse
Social-ZEIS, acabou ficando restrita a pequenas parcelas da cidade não permitindo,
por exemplo, o planejamento de áreas mais extensas onde poderiam se mesclar a
produção de diferentes tipologias de interesse social e diferentes grupos sociais.
O processo de urbanização descontrolado de nossas cidades responde também à
desarticulação de políticas integradas nas esferas habitacional, urbana e ambiental.
O desafio que se apresenta, não obstante os avanços verificados em alguns
programas públicos e na legislação aplicada às urbes brasileiras é o
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade. A questão
fundamental é que a população de baixa renda está excluída do mercado formal de
terras e, portanto, do acesso a terrenos com localização adequada no tecido urbano.
É neste sentido que os instrumentos de política urbana mencionados poderiam se
contrapor a dois processos básicos que constroem a exclusão urbana: a
especulação imobiliária, responsável pela retenção de extensas áreas vazias ou
mesmo ocupadas de forma ociosa, e que faz que haja uma apropriação privada e
para poucos dos benefícios do desenvolvimento urbano, e – ligada a primeira
questão – ausência de instrumentos efetivos de controle do preço da terra em
determinadas regiões, fator que impede o avanço da produção habitacional para as
faixas de renda mais baixas – onde se acumula 90% do déficit habitacional – já que
não há disponibilidade de solo urbanizado para construção, a preços compatíveis
com os limites estabelecidos pelos programas de financiamento.
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Infelizmente, as conquistas consolidadas até o momento não significam ainda a
articulação das políticas urbana e ambiental, com o objetivo de garantir o acesso a
localizações adequadas e urbanizadas pela maior parte da população. Pelo
contrário, configuram um território fragmentado, apropriado por interesses
específicos que disputam as condições de uso e ocupação do solo e empurram para
a fronteira urbana aqueles que não tem recursos para o pagamento de terrenos nas
regiões centrais. A questão fundiária, portanto, está na base dos problemas
originados nas formas de apropriação do espaço, na ausência de terra urbanizada a
preços acessíveis e na falta de opção que a maioria dos moradores das grandes
cidades enfrentam para instalar sua moradia.
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ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APPs) NO AMBIENTE