SANDRA NOGUEIRA A TANOARIA NO CONCELHO DO CARTAXO O DIÁRIO REINVENTAR DA TRADIÇÃO 2003 À minha filha Rafaela Lourenço, pelas horas que “roubei” à nossa convivência de mãe e filha. 2 “Os costumes são como a linguagem, uma propriedade de que o proprietário não tem consciência.” Missionário da Coreia, citado por Mauss,1967:17 3 ÍNDICE Dedicatória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 Epígrafe 2 Indice 3 Introdução e agradecimentos Metodologia 1. Tema e objecto de estudo 1.1. Enquadramento teórico do problema de pesquisa 1.2. Problema de pesquisa 1.3. Recolha de dados 1.4. Problema de pesquisa PARTE I - A VINHA E O VINHO NO CONCELHO DO CARTAXO 1. A triologia homem/ambiente/tecnologia: a vinha, o vinho e as relações sócio-culturais no Concelho 2. Quinta da Fonte Bela: marco vinícola no Concelho 3. Rota do Vinho, turismo e os ofícios tradicionais: uma dinâmica desagregada PARTE II – A MADEIRA, MATÉRIA-PRIMA BASE NA TANOARIA 1. As madeiras empregues na tanoaria: sua importância 2. O tanino e ai das vasilhas de madeira na conservação dos Vinhos 3. O Abate das Árvores e a Secagem da Madeira 4. Principais Características Físicas e Químicas da Madeira PARTE III – O TRABALHO TECNOLÓGICO 1. A Oficina: sua estrutura e organização 2. As diferentes fases do trabalho tecnológico 2.1. A aparelhagem da madeira 2.1.1. esquivir 2.1.2. tornear 2.1.3. vazar 2.1.4. juntar 2.2. Parear a madeira e armar a vasilha 2.2.1. parear a madeira 2.2.2. armar a vasilha 2.3. Bastição 2.3.1. chanfrar 2.3.2. cravar 2.3.3. apertar 2.4. Arrunhar 4 8 8 12 16 22 24 27 27 32 34 40 40 48 54 57 60 60 69 69 70 70 70 71 72 72 72 74 77 78 79 81 4 2.4.1. cortar 2.4.2. aparejar 2.4.3. rebotar 2.4.4. deitar o javre 2.4.5. Assentar o fartel 2.5. Preparação dos fundos 2.5.1. medir 2.5.2. arrumar 2.5.3. numerar 2.5.4. encavilhar 2.5.5. riscar e rodear o tampo 2.5.6. deitar o javre (tampo) 2.5.7. fundar 2.5.8. empalhar 2.6. Acabamentos 2.6.1. raspar e arranjar 2.6.2. amassar 2.6.3. retoques finais 2.6.3.1. limpar 2.6.3.2. abrir o batoque 2.6.3.3. suar e parafinar 2.6.3.4. raspar a vasilha PARTE IV – O PROGRESSO TECNOLÓGICO 1. As Técnicas Físico-Químicas e as Técnicas Mecânicas 1.1. As técnicas físico químicas 1.1.1. o fogo, a água e o ar 1.1.2. os materiais utilizados 1.2. As técnicas mecânicas 1.2.1. As ferramentas, instrumentos e máquinas 1.2.1.1. as ferramentas e suas funções 1.2.1.2. os instrumentos e suas funções 1.2.1.3. as máquinas e suas funções PARTE V – O ASPECTO ECONÓMICO-SOCIAL DA TANOARIA 1. A Produção e Comercialização de Vasilhas Vinárias no Cartaxo 1.1. A relação tanoeiro/cliente 1.2. Caracterização sócio-cultural do tanoeiro CONCLUSÃO ANEXOS I ANEXOS II BIBLIOGRAFIA 81 81 81 81 82 82 83 83 83 84 84 85 86 86 88 88 89 90 90 90 94 98 100 100 102 102 104 107 107 109 118 132 142 142 150 152 156 165 169 170 5 INTRODUÇÃO E AGRADECIMENTOS A história da evolução humana mostra-nos que o Homem como espécime conseguiu sobreviver ao longo dos milénios, devido às suas mudanças adaptativas, quer fisícas, quer biológicas, aos diferentes nichos ecológicos. Se as analogias biológicas entre os humanos - família Hominidae - e os semídeos família Pongidae - são de cerca de 99%, a grande diferença assenta precisamente na capacidade de criação cultural. O Bipedalismo marca sem dúvida a maior dissemelhança entre uma e outra família. A locomoção bípede tornou-se vantajosa e determinante na evolução cultural humana, uma vez que permitiu que os membros superiores se libertassem para o carregamento de objectos e posterior fabricação dos mesmos. Nessa longa caminhada evolutiva, o homem criou e desenvolveu artefactos - “(...) através dos utensílios de pedra talhada que, praticamente são os nossos únicos testemunhos; sabe-se que em todas as culturas que precederam o Homo sapiens os utensílios seguiram (...), uma linha de evolução progressiva comparável à que se seguiram as formas humanas (...).” (Gourhan, 1971:22) - que permitiram e contribuiram para o seu processo adaptativo e consequentemente para um desenvolvimento cerebral, já que a complexização cerebral foi originando melhores instrumentos e vice-versa. A completa confiança no material cultural para sobreviver, talvez seja a característica mais importante e determinante no processo evolutivo do homem. Sem ferramentas, é improvável que qualquer sociedade humana pudesse sobreviver. É através das ferramentas, dos gestos e movimentos nelas imprimidos e, nos objectos a partir daqui obtidos, que a humanidade continua a sua caminhada evolutiva. Para além desta pesquisa ser essencialmente um estudo de carácter tecnológico, faz-se de igual forma a análise da relação entre a população do Concelho do Cartaxo 6 e o vinho, através de um dos ofícios subjacentes ou directamente impulsionados pela vitivinicultura: a Tanoaria. O estudo vái mais além, sendo um instrumento de reflexão sobre a actividade tradicional e o papel que a mesma teve e, ainda tem, na identificação das gentes desta região e simultaneamente na sua diferenciação relativamente às populações de outras regiões. É evidente que esta pesquisa não teria sido possível sem a predisposição de todas as pessoas que a tornaram viável e por isso reitero aqui os meus mais sinceros agradecimentos: Prof. Dr. Diogo Moreira (Orientador do meu Seminário) Dra. Fátima Calça Amante (actualmente Mestre em Ciências Antropológicas) Mestre Celeste Quintino Engº João Sardinha Técnico Agrário António Luís Conceição Engº Carlos Santos Engª Silvicultora Gisela Cid Simões Dr. José Conde Rodrigues (Presidente da Câmara do Cartaxo em 1996) Rogério Marques Duarte Carvalho e Silva Fernando Lourenço Fundação da Juventude (Porto), da qual obtive uma Bolsa de Investigação para a prosecussão deste estudo. Os maiores agradecimentos vão sem dúvida para todos os tanoeiros, Eduardo Casqueiro, Francisco Carvalho e Joaquim Vilão, com os quais trabalhei durante cerca de dezoito meses e que, sem a sua preciosa ajuda e colaboração este estudo não teria sido possível. 7 De salientar que embora a pesquisa seja datada de 1995/1996, o texto foi recentemente revisto e actualizado, não só em relação a alguns dados dos artesãos frisados no estudo, como também em relação à actividade tanoeira a partir de então. A experiência profissional adquirida ao longo destes anos junto da área da Cultura Material em geral e, do artesanato em particular, consolidaram, complementaram e enriqueceram as ideias originais da primeira versão deste texto. O contacto entre mim e os artesãos foi sem dúvida enfatizado e consolidado ao longo destes anos, em acções e eventos de promoção e divulgação das Artes e Ofícios Tradicionais no Concelho e nas regiões limítrofes. Sempre acreditei que um dos potenciais económico-culturais do Concelho do Cartaxo são as Artes e Ofícios Tradicionais, área totalmente esquecida na política cultural concelhia. A região é ainda detentora de muitas actividades artesanais – em alguns casos com uma nova geração de artesãos – que teimam em resistir ao desaparecimento. No entanto, desde 1994 até hoje, algumas delas – únicos exemplares no Concelho -, têm vindo a desaparecer a um ritmo preocupante, por situações de reforma, doença ou falecimento dos artesãos. Num estudo de campo desenvolvido e coordenado por mim - em co-autoria com a hoje antropóloga Angélica Conceição - em 1995/96 e, apoiado pela Câmara Municipal do Cartaxo, pude demonstrar e provar a riqueza cultural da região nesta matéria. Se na altura faltavam bases e essencialmente dados para avançar com algum plano de revitalização para o sector dos ofícios tradicionais, o problema deixou de ser real quando resolvemos ir para o terreno e seis meses depois apresentar resultados. Os números revelaram uma extraordinária vida no sector, que muitos julgavam totalmente inexistente. Num levantamento total de 110 artesãos pelas 8 freguesias do Concelho do Cartaxo, entre outras coisas apurámos que 67,3% trabalhavam a tempo inteiro, ou seja, garantiam a sua subsistência e na maioria dos casos do seu agregado familiar, através da sua actividade artesanal. Também se apurou que cerca de 31% dos artesãos se situavam na faixa etária dos 51-65 anos, demonstrando-se que o sector de uma forma geral sofria de algum envelhecimento. No entanto, também ficou provado que imediatamente a seguir, cerca de 8 22% dos artesãos se encontravam no escalão etário dos 18-35 anos. Se por um lado, a situação de envelhecimento do sector das Artes e Ofícios Tradicionais era uma realidade, a mesma estava amenizada com o segundo maior número de artesãos localizado na faixa jovem. Este seria por si só motivo de investigação, apoio e investimento no sector, nomeadamente nas freguesias com maior número de artesãos como Cartaxo (40%), Pontével (21.8%) e Vila Chã de Ourique (14.5%). Estes valores estão directamente relacionados com a dimensão populacional das freguesias, isto é, o maior número de artesãos geralmente localiza-se nas zonas com maior densidade populacional. Resta acrescentar que, numa sociedade de características patriarcais, onde o indivíduo do sexo masculino sempre assumiu o papel de líder sócio familiar e, portanto, responsável maioritário pelo sustento do seu agregado familiar, o estudo desenvolvido no Concelho do Cartaxo, confirma o atrás referido, na medida em que cerca de 73% dos artesãos no activo eram do sexo masculino. Extraordinários resultados que deveriam ter sido usados para o incremento e a salvaguarda de tão riquíssimo património. A Tanoaria, especificamente, era já na altura do estudo uma actividade em sérios riscos e com grande envelhecimento. Esta situação será desenvolvida e explicada ao longo do trabalho e, esta realidade condicionou a pesquisa à selecção de apenas duas freguesias o desenvolvimento do trabalho de campo. 9 METODOLOGIA 1. TEMA E OBJECTO DE ESTUDO A pesquisa cujos dados a seguir se apresentam, decorreu entre 1994 e 1996 e insere-se numa das mais recentes vertentes da antropologia Portuguesa: as Tecnologias Tradicionais. Por ter na altura residência fixada no Concelho do Cartaxo – o que possibilitou uma maior disponibilidade e acessibilidade para o trabalho de campo que durou 18 meses-, e por ser a Tanoaria uma das artes em vias de desaparecimento, tornaram-se excelentes motivos para que este estudo fosse uma realidade. Contudo, as motivações que me levaram a seleccionar a Tanoaria no Concelho do Cartaxo, como objecto de estudo, foram mais profundas. Muitos poderiam ter sido os temas para a pesquisa, mas a paixão pelos ofícios tradicionais e pela cultura vinícola em geral e a inexistência de qualquer estudo ou escritos sobre a actividade tanoeira neste Concelho, em particular, foram fortes responsáveis pela minha escolha. Situado em pleno coração Ribatejano, o Concelho do Cartaxo cedo cresceu, desenvolveuse e tornou-se conhecido, pela sua actividade agrícola, especialmente pela exploração vitivinícola. Durante muitos séculos o vinho marcou a vivência e as memórias culturais da população. O vinho foi durante muito tempo a chave do progresso económico da região e continua a ser o elemento mais marcante da vivência e identidade cultural dos habitantes do Cartaxo. Consequência da produção vinícola, inúmeros foram os ofícios tradicionais que surgiram. A Tanoaria é um dos muitos exemplos. Cabe agora aqui, dizer que a Tanoaria é a arte de executar barris, tonéis e outros vasilhames vinários de madeira, cujo objectivo é a conservação, curtimenta e envelhecimento dos vinhos e aguardentes. Os vasilhames de madeira são extremamente importantes para a qualidade das bebidas fermentadas e são considerados por alguns técnicos na matéria, como “ (...) o maio mais adequado para uma boa curtimenta dos vinhos, como consequência da porosidade das suas paredes que favorece uma oxidação muito lenta, base do processo de envelhecimento.” (Garcia-Vaquero,1979:87) 10 Na tabela classificativa de Jean Poirier, esta tecnologia tradicional insere-se no parâmetro das Técnicas de Fabricação. O termo tanoaria deriva de Tanoa, “ que significa fabrico e reparação de tonéis, pipas, barris (...), e que tem a sua raíz em Tanu que, em linguagem do baixo Bretão, quer dizer carvalho.” (Claúdio,1984:87) Os objectivos da pesquisa centraram-se sobretudo na exploração das vertentes técnicas, socioculturais e artísticas desta indústria artesanal, podendo contribuir simultaneamente, de alguma forma, para a salvaguarda deste património técnico-cultural que devido à modernização do sector agrícola e à inexistência de uma política local de apoio e promoção e revitalização das artes tradicionais, corre sérios riscos de completo desaparecimento. Para além de um exaustivo estudo da actividade técnica, houve a preocupação de estabelecer a ligação desta tecnologia tradicional, com o aspecto económico, social e cultural da região, mais concretamente, abordando problemáticas como a rentabilidade económica da tanoaria, o seu progresso tecnológico ao longo dos anos, a sua relação com as novas tecnologias vinícolas, a continuidade deste ofício tradicional e ainda a sua eventual refuncionalização, ou seja, a substituição da função utilitária pela função decorativa. Perceber se a refuncionalização poderia ser um dos estímulos à revitalização e consequentemente salvaguarda desta actividade, não significa que eu defenda que as sociedades devam «guardar» indiscriminadamente tudo o que faz parte do passado, mas sou pelo contrário, acérrima defensora, de que devemos «guardar» e preservar tudo aquilo que não só caracteriza verdadeiramente uma comunidade, como ainda serve essa mesma comunidade. Muitos dirão que temos a obrigação de preservar os elementos culturais mais autênticos1 de uma população. 1 A questão da autenticidade dos objectos ou de uma determinada tecnologia tradicional é uma temática delicada. Quando refiro o termo «autêntico», estou a falar precisamente da origem do objecto ou do ofício tradicional. Apesar desde muito cedo serem conhecidas as potencialidades vinícolas do Concelho do Cartaxo, não creio que a indústria tradicional da tanoaria esteja implantada na região desde o início, ou melhor, desde a época medieval. Dado que administrativamente o Cartaxo era parte integrante de Santarém, ao que apurei durante o século XIV em Santarém os Mesteirais passaram a ter um papel mais interveniente na sociedade, organizando-se em « (...) arruamentos e albergarias (...) ». (Beirante, 1980:212) Seguindo a ideia de que estas artes enquanto grupo organizado se concentravam e desenvolviam nos locais mais urbanos, Santarém era no século XIV uma cidade dinâmica ao nível da concentração de ofícios tradicionais e muitos dos camponeses da 11 Apesar de a tanoaria ser uma técnica que corre sérios riscos, o facto é que este ofício foi outrora extremamente importante, porque contribuiu para o equilíbrio económico da região, absorvendo muita mão-de-obra. Os tanoeiros eram na região do Cartaxo há não muito tempo, das classes profissionais mais representativas. Neste momento, o panorama não é famoso e na prospecção por levada a cabo entre 1994 e 1996 nas oito freguesias do Concelho, encontrei somente cinco tanoeiros no activo, dos quais um dedica-se à execução de miniaturas de vasilhames vinários - freguesia de Pontével -, e outro trabalha esporadicamente por motivos de saúde - freguesia de Vale da Pinta -. Contudo, e após dezoito meses de trabalho de campo tive conhecimento de que na freguesia do Cartaxo existia outro tanoeiro em laboração. Procurei o artesão em questão, mas decidi não incluílo na pesquisa porque, por um lado quando tive conhecimento da sua existência tínha já mais de um ano de trabalho de campo nas duas oficinas que escolhi para trabalhar - e sendo este um estudo comparativo tornava-se difícil introduzir mais um artesão a ser observado, tanto tempo depois de iniciada a pesquisa - e por outro lado, após uma conversa com esse mesmo tanoeiro constatei que o seu trabalho era mais voltado para o exterior da oficina, ou seja, o artesão deslocava-se ao local onde existem vasilhas vinárias de madeira e é aí que procede à sua reparação. Esta situação explica-se pelo facto de as vasilhas de grande porte serem muito pesadas e portanto a sua dimensão impossibilitar o seu transporte até à oficina. Para além disso, pelo que me foi possível observar, este tanoeiro possui uma técnica semelhante aos outros tanoeiros estudados, no que concerne à reparação de vasilhas, não tendo sido notado qualquer ferramenta, instrumento ou máquina diferente das existentes nas outras oficinas. Resta ainda acrescentar que o facto do artesão trabalhar fora da oficina, poderia dar origem a uma outra pesquisa. Por estes motivos optei por não incluir este artesão nesta pesquisa. região acolheram a esta cidade em busca de melhores salários. Muitos dos tanoeiros fizeram inicialmente a sua aprendizagem em Santarém, fixando-se posteriormente no Cartaxo. Contudo, já no século XX, uma grande quantidade de tanoeiros provenientes de Esmoriz e Cortegaça fixaram residência no Cartaxo, sendo as suas oficinas grandes locais de aprendizagem para jovens cartaxeiros «aspirantes» a tanoeiros. Os artesãos visados nesta pesquisa, foram eles próprios aprendizes numa dessas oficinas, cujo Mestre era nortenho. A penúltima e última geração de tanoeiros existentes no Cartaxo, fez a sua aprendizagem nestas circunstâncias e pode-se aqui afirmar que existiu um claro processo de difusão cultural do norte do País para o Cartaxo, mas houve simultaneamente um processo de recriação tecnológica, uma vez que houve uma interligação entre a forma de fazer barris no norte de Portugal e a forma de construír as mesmas vasilhas no Cartaxo. As duas técnicas miscigenaram-se e hoje elas são uma só e caracterizam aquela região. 12 De facto, em todo o Concelho existem algumas dezenas de pessoas que durante muitos anos deram toda a sua força, experiência e sabedoria à tanoaria, mas actualmente a maior parte delas está arredada da actividade pelos mais diversos motivos. As diversas oficinas de construção e reparação de vasilhas vinárias foram fechando as suas portas, restando neste momento menos de uma mão cheia de mestres na arte de tanoar.2 Deste modo, o trabalho de campo foi realizado somente em duas freguesias - apesar de o universo de tanoarias existentes em todas as freguesias ser de seis- a saber: Cartaxo e Vila Chã de Ourique. A razão da escolha destas duas freguesias, assenta no facto de na primeira existirem as únicas oficinas do concelho que trabalham para o exterior - quer para o Concelho, quer por vezes para fora dos limites concelhios, no que diz respeito ao restauro de vasilhas de pequeno e de grande porte - e cujos tanoeiros não possuem uma actividade profissional paralela. É ainda importante acrescentar que um dos artesãos da oficina estudada no Cartaxo, encontra-se em situação de reforma e como tal apenas trabalha esporádicamente - ajudando o irmão - para a reparação de vasilhas de maior dimensão. Apesar de este tanoeiro trabalhar em part-time, não considerámos imperativo que o mesmo não constasse da nossa pesquisa, até porque as informações que por si nos foram transmitidas revelaram-se da maior importância, nomeadamente pela experiência e saber acumulado ao longo dos mais de 60 anos de actividade. Na freguesia de Vila Chã de Ourique, a oficina de tanoaria é parte integrante de uma quinta agrícola - Quinta da Fonte Bela - que é um marco na história vinícola do Concelho e por isso tem aí um tanoeiro a trabalhar apenas na reconstrução dos vasilhames existentes. Portanto o que se produz em termos de tanoaria é para consumo interno. 2 Hoje, sete anos depois de iniciada esta pesquisa existe apenas um tanoeiro a trabalhar a tempo inteiro no Concelho do Cartaxo e que é um dos artesãos visados nesta pesquisa. O segundo tanoeiro visado no estudo e que trabalhava na Quinta da Fonte Bela, encontra-se em situação de reforma desde há uns anos. 13 1.1. Enquadramento Teórico do Problema de Pesquisa Antes de avançar para a explicação e delimitação do problema de pesquisa, é forçoso que fale da tecnologia como ciência, do seu aparecimento e desenvolvimento e, da sua relação com a antropologia. Apesar de ser uma área de estudo muito recente em Portugal, esta ciência surge no século XVIII com os enciclopedistas e era entendida como a ciência das artes mecânicas. Tendo sido os estudos posteriormente abandonados, no século XIX foram retomados principalmente com a escola difusionista, que através dos estudos dos objectos especialmente a sua forma -, encara a distribuição ou difusão das técnicas de umas zonas do globo para as outras. O difusionismo é uma corrente antropológica emergente nos inícios do século XX e que refuta as ideias evolucionistas. A principal teoria desta escola assenta na ideia de que a cultura se difunde de umas zonas para as outras, o que implica que esta não seja um produto inventado independentemente pelo homem, mas sim o resultado de uma imitação de uns povos para os outros, isto é, "procura explicar como os elementos inventados numa cultura se vão propagando, a pouco e pouco, através do espaço e do tempo."3 (Dias, 1986:128) Já no século XX, Marcel Mauss é sem dúvida um marco histórico na etnologia ao contribuir para a reafirmação da tecnologia como ciência e por ser o responsável pelo crescimento e engrandecimento deste ramo. Lévi-Strauss na Introdução à obra de Marcel Mauss, testemunha isso quando escreve "Poucos ensinamentos permaneceram tão esotéricos e poucos, ao mesmo tempo, exerceram uma influência tão profunda como a de Marcel Mauss." (Lévi-Strauss, 1950:9) Perguntar-se-á então, o que é a tecnologia? 3 Considero que os elementos culturais podem ser inventados mas, não de forma tão sistemática como reinventados, porque á medida que esses elementos se propagam de região para região sofrem inevitavelmente processos de adaptação, tomando por conseguinte novas características. Penso que a invenção cultural é um fenómeno mais difícil de acontecer. “ (...) a invenção está quase sempre condicionada pelo ambiente cultural, que lhe prepara uma conjuntura favorável.” (Dias, 1986:126) No entanto, no que concerne à invenção técnica propriamente dita, Leroi-Gourhan define-a “(...) como (...) todo o contributo trazido pelo meio interno ao grupo técnico.” (1984: 284 -285) De salientar que o meio interno é definido por este autor como o conjunto das “(...) tradições mentais.” (Op. Cit, 254) Portanto, reflectindo sobre as opiniões dos dois autores, conclui-se que a invenção é sempre fruto da conjugação entre o meio interno e o meio externo, ou seja, da relação entre as tradições mentais e o ambiente geográfico, biológico ou zoológico. (Ibid) 14 Tecnologia é "(...) o estudo da actividade material das populações (...)". (Poirier,1965:731), enquanto que, em meu entender, a técnica é um conjunto de actos ou movimentos - que podem ou não ser tradicionais - criados pelo homem e transmitidos de geração em geração, de modo a satisfazerem as necessidades humanas mais prementes. Um dos seguidores da escola Maussiana, Leroi-Gourhan, defende que “o grupo humano comportase no seio da natureza como um organismo vivo; tal como o animal ou a planta, para quem os produtos naturais não são imediatamente assimiláveis, exigindo antes a intervenção de orgãos que preparam elementos, também o grupo humano assimila o seu meio ambiente através de uma cortina de objectos (utensílios ou instrumentos)”. (1984:253) A tecnologia tradicional, é portanto uma actividade tradicional - porque utiliza métodos e técnicas tradicionais - e que pode ser caracterizada por duas situações: • A antiguidade; • A sua situação de risco. Qual o interesse do estudo das Tecnologias? A primeira ideia que surge é que, o estudo mostra-nos a relação de uma comunidade e o meio ambiente envolvente. Tal como defende André Haudricourt - discípulo de Mauss -, a tecnologia é a ciência da actividade humana e através dela poderemos compreender a relação entre o homem e os objectos e consequentemente a sua adaptabilidade ao meio ambiente. Este estudo permite de igual forma perceber a relação que existe entre os indivíduos e os objectos por ele criados e/ou manuseados. Outro seguidor da escola de Mauss, André Leroi-Gourhan, preconiza a teoria de que através do estudo das técnicas poderemos compreender a evolução cultural do mundo, mais especificamente, a evolução técnico-cultural e também a evolução fisico-biológica da Humanidade ao longo dos milénios. Só as técnicas perduram no tempo e " (...) permitem subir a corrente humana até às suas origens, a um ou dois milhões de anos de distância do tempo presente." (Gourhan, 1971: 11) Gourhan vai mais longe e esclarece “ (...) que o génio inventivo não se prende com o meio externo; mas a invenção, porque se insere na matéria, já comporta uma larga parte de determinismo físico.” (Op. Cit., 289) 15 O estudo das técnicas pode ser elaborado com objectivos muito diversificados e por isso torna-se precioso para a antropologia, porque através delas poderemos compreender a própria essência humana. Contudo, trata-se de um estudo que não se justifica só por si, isto é, não tem qualquer interesse estudar a evolução técnica de um determinado povo ou comunidade se não a relacionarmos com outros ramos da vida social. Para Marcel Mauss, o importante é que os objectos sejam vistos e estudados não pela sua forma - como se defendia no século XIX - mas também pela sua funcionalidade. Antropologicamente, um facto não pode ser encarado meramente como cultural, social, político ou económico. Ele é sempre total e por conseguinte deve ser entendido numa perspectiva pluridimensional. Por isso, é que Mauss é considerado como o antropólogo do facto social total. O facto técnico, tal como o social, deve ser estudado numa perspectiva mais alargada, daí ser tão importante a funcionalidade dos objectos, já que um estudo destes, baseado meramente na sua forma é totalmente destituído de sentido. O facto técnico deve ser estudado dentro do contexto cultural e social, caso contrário não é um estudo antropológico. Se nos cingirmos à forma cairemos num trabalho meramente descritivo, demasiado etnográfico. "Nada, a nosso ver, é mais urgente e frutífero que este estudo dos factos sociais totais." (Mauss, 1947: 18) Para além do estudo dos objectos, o autor supracitado considera de extrema importância o estudo das técnicas do corpo adoptadas pelos indivíduos nos mais diversos actos sociais. Cada profissional possui técnicas e formas específicas de movimentação corporal que são apreendidas e transmitidas em sociedade. "O conjunto dos hábitos do corpo é uma técnica que se ensina e cuja evolução não acabou." (Op. Cit. 44). Deste modo, o conjunto das técnicas transmitidas de pais para filhos e de mestres para aprendizes vai tomando novos contornos, vai engrandecendo-se nas sucessivas gerações e vai simultaneamente criando cada vez mais raízes numa determinada comunidade. As técnicas do corpo contribuem para "(...) afirmar o valor crucial para as ciências do homem, de um estudo sobre o modo como cada sociedade impõe ao indivíduo, um uso rigorosamente determinado do seu corpo." (Lévi-Strauss, 1950: 10) A observação atenta 16 aos movimentos corporais proporciona ao estudo uma certa dinâmica, dado que é importante que a pesquisa tecnológica não resulte num trabalho meramente descritivo e estático. Apesar da importância e do interesse desta vertente, esta pesquisa não focará as técnicas do corpo, uma vez que o tempo disponível para o estudo não o permite. Ainda nesta perspectiva Léroi-Gourhan canaliza toda a sua atenção e interesse para os gestos, dando menor importância à forma e à função dos objectos. Este autor vê os objectos como elementos transformadores de movimentos, ou seja, cada utensílio exige do homem determinado tipo de movimentos, movimentos esses que são tão diversificados quanto mais diversificados forem os utensílios. "(...) Os objectos não são apenas considerados meramente como objectos, mas como resultantes de certos movimentos, enquanto as ferramentas como transformadoras desses movimentos." (Poirier, 1965: 756). Há portanto, sempre uma relação muito íntima entre o homem e os objectos por ele criados. O autor defende a ideia de que através dos gestos podemos compreender a evolução humana e que os objectos são elementos que nos dão uma ideia de continuidade; funcionam como fio condutor desde o despertar da Humanidade até aos nossos dias. À medida que a técnica vai sendo passada de indivíduo para indivíduo, cada um deles será um potencial criador de cultura, que neste caso é materializada, por isso designamolo por cultura material. Torna-se portanto oportuno definir aqui ambos os conceitos. Cientificamente, a cultura está sempre ligada à actividade mental, ou à capacidade criativa, inventiva e produtora que caracteriza o ser humano. Cultura é tudo aquilo que recebemos ou herdamos do ambiente social em que nos desenvolvemos, ou nos socializamos. "A cultura é (...), um conjunto complexo de normas, valores, comportamentos e realizações materiais que diferenciam as comunidades humanas." (Moreira, 1987:461). Assim sendo, a cultura material é aquilo que o homem cria ou concebe e que utiliza na sua vida quotidiana, de modo a extrair do meio envolvente tudo o que necessita. 17 Não obstante, pareceu-me de igual modo importante, clarificar um pouco mais a importância do estudo dos objectos num determinado grupo. Esse reforço encontrámo-lo em Maget quando este afirma que "Os traços materiais são os testemunhos que mais se manifestam e que mais duráveis são dentro de uma cultura. De muitas das civilizações passadas, é tudo o que nos resta." (Maget, 1962:17) O tema tratado nesta pesquisa, enquadra-se teoricamente nos pressupostos de Marcel Mauss, Léroi-Gourhan e Marcel Maget, pela sua importância na antropologia e no desenvolvimento da tecnologia como ciência. Deste modo, a base teórico-conceptual deste estudo apoia-se na Escola Francesa, por ser esta a que mais se tem interessado pelas tecnologias. 1.2. Problema de Pesquisa Como foi já referenciado anteriormente, as actividades tradicionais são consideradas de uma forma geral, pela sua antiguidade e por vezes pela sua situação de risco. A realização deste trabalho levanta algumas questões prementes e pretende encontrar senão soluções, pelo menos algumas respostas ou possíveis saídas que possam evitar que a tanoaria desapareça por completo numa região que continua a ter o vinho como a sua principal produção agrícola. O problema de pesquisa centra-se no impacto que a mecanização ou o avanço das técnicas vinícolas provocaram na tanoaria. Portanto, pretendemos apurar se houve ou não algum progresso tecnológico neste ofício tradicional. O avanço tecnológico na fabricação vinícola no Concelho do Cartaxo, não surge esporadicamente, nem é sequer um fenómeno actual. “Na passagem do Século XIX para o Século XX a indústria do vinho beneficiou de grandes transformações tecnológicas, não só no que dizia respeito ao estabelecimento e plantação da vinha, aos granjeios, aos tratamentos anti-filoxéricos, míldio, como também o fabrico do vinho.” (Câmara Municipal do Cartaxo, 1985:38). Este excerto demonstra que, desde muito cedo a indústria vinícola 18 no Concelho do Cartaxo foi “marcada” pela introdução de maquinaria, embora esta realidade não fosse generalizada a todas as quintas agrícolas. A grande procura na altura originou o aumento do volume produtivo e a satisfação da procura foi assinalada pela mecanização, por forma a “acelerar” todo o trabalho inerente à fabricação dos vinhos e aguardentes. É claro que esse progresso nunca mais parou e a grande questão actualmente consiste em saber se a salvaguarda deste património cultural consegue concorrer com uma produção cada vez mais industrializada de outros recipientes destinados à conservação, maturação e envelhecimento dos vinhos. Será a tanoaria mais uma das actividades tradicionais condenada a ser relembrada apenas nas salas dos museus? Se faltam aprendizes, quem vão ser os tanoeiros do futuro? As razões que têm contribuído para o crescente afastamento dos jovens desta actividade são também focadas neste estudo. Certamente, a resposta não poderá cingir-se ao facto de esta arte não atrair ou não interessar os mais novos. Neste caso, é oportuno não esquecer a problemática da funcionalidade dos objectos levantada por Mauss e já aqui explicada . Tal como os objectos, as indústrias só podem desenvolver-se ou manter-se numa comunidade se forem funcionais, ou seja, úteis a essa mesma comunidade, se continuarem a dar resposta ao quotidiano dos indivíduos. A verdade é que tradicionalmente, a tanoaria foi uma actividade de grande projecção na região, porque a situação socio-económica assim o exigia. A tanoaria era praticada em larga escala, porque respondia às necessidades concretas da sociedade de então. Com a entrada de Portugal na Comunidade Europeia, novos desafios têm sido impostos à agricultura Portuguesa. Esta situação, ainda nova para muitos agricultores tem criado muitas desilusões no sector, o que tem de certa forma contribuído para que na região do Cartaxo, exista cada vez mais uma agricultura praticada a tempo parcial. Tal situação implica que, não sendo a agricultura praticada a tempo inteiro por grande parte da população, certos ofícios a ela agregados vão desaparecendo ou diminuindo progressivamente. Posso dizer que, o número de tanoeiros tem vindo a diminuir 19 gradualmente não só, porque a actividade vinícola já não é praticada pela maioria da população como era anteriormente, mas também, porque os vasilhames vinários de madeira começaram a ser substituídos por cubas de inox - questão esta que ao longo da pesquisa será desenvolvida -. Portanto, a actual prática agrícola já quase que não justifica o uso da tanoaria. A arte de tanoar já não serve a sociedade cartaxeira como a serviu durante décadas. "(...) a produção artesanal (...) está intrinsecamente ligada à história e ao contexto cultural da região e local onde vive. Ora esse contexto cultural evolui e modificase profundamente." (Ferreira, 1983:110). A tanoaria - tal como outras tecnologias tradicionais -, é uma actividade muito ligada a uma determinada comunidade. Tal como em outros ofícios tradicionais, a família funcionava como a base da actividade, estando a oficina em muitos casos localizada na casa de família ou a ela anexada; o mestre era o chefe familiar e os restantes elementos masculinos da família fortaleciam a actividade. Esta tecnologia apenas tinha um carácter mais empresarial - implicando contratação de pessoal assalariado -, caso o proprietário da tanoaria se soubesse impor num mercado mais alargado, nomeadamente ao nível da exportação, como foi o caso da tanoaria do "Cunha 13", como é conhecida no Cartaxo, e por onde passaram grande parte dos profissionais deste Concelho - agora reformados -, quer em situação de profissionais, quer em situação de aprendizes. Com esse carácter mais familiar, os segredos das técnicas eram assim transmitidos de pais para filhos e em alguns casos de mestres para aprendizes. Com a industrialização e a modernização da maioria das actividades, a família perdeu esse papel chave na economia rural, consequência directa de alterações mais profundas ao nível social. É ainda importante acrescentar que, esta actividade é exclusivamente masculina, tal como o eram todas as outras actividades que estejam directamente ligadas à produção vinícola. De qualquer modo, admito que neste caso a justificação seja mais simplista, podendo resumir-se ao facto de a tanoaria ser uma actividade muito "violenta" fisicamente. Vasilhas de grande porte, instrumentos e ferramentas de muito peso, são esclarecedores motivos para que as mulheres se mantivessem à margem da actividade. 20 O mais importante agora, é que, todas as entidades conjuguem esforços no sentido de preservarem a tanoaria como património cultural local. Este estudo tem também a finalidade de dar a conhecer a muitas pessoas o que é de facto a actividade, porque só conhecendo se pode respeitar, estimar e preservar. Tendo em atenção o problema de pesquisa anteriormente frisado, a enunciação dos conceitos centra-se em: progresso tecnológico e tanoaria. À volta destes, serão criadas as dimensões das variáveis, os respectivos indicadores e índices. Contudo, antes de passar à enunciação de conceitos, é forçoso que se definam termos muito utilizados no decorrer da pesquisa, tais como: progresso tecnológico, tanoaria, ofício, indústria e artesão. A tanoaria, tal como foi já referenciado anteriormente, é a arte de executar vasilhames de madeira, que podem transportar líquidos e também produtos secos, embora a sua utilização seja maioritariamente conhecida ao nível da conservação e envelhecimento de bebidas fermentadas. Por ofício entendo “qualquer actividade especializada de trabalho.” (Dicionário Enclopédico Koogan-Larousse,1977:613), que neste estudo assume a particularidade de ser um ofício tradicional. Apesar de ser uma actividade de cariz rural, o facto é que esta actividade teve sempre mais praticantes e por conseguinte maior número de oficinas na sede de Concelho – Cartaxo -. A explicação para tal, pode ser encontrada no facto de que as zonas mais urbanizadas, foram desde sempre grandes pólos de acolhimento dos ofícios tradicionais. “(...) o urbanismo atraiu oficiais das terras mais pequenas a exercitar a arte nas cidades (...)”. (Serrão, 1978:146) A “(...) indústria define-se como um conjunto de técnicas que contribuem para a satisfação de uma necessidade - ou, mais exactamente, para a satisfação de um consumo.” (Mauss, 1967:63) 21 O termo artesão é definido como o “trabalhador manual que trabalha por sua conta, só ou com o auxílio dos membros da família e alguns companheiros.” (Dicionário Enciclopédico Koogan-Larousse, 1977:86) Observando este conceito não o podemos ajustar plenamente à situação daquele que trabalha hoje em dia de forma artesanal porque, com a evolução das sociedades também o conceito de artesão sofre inevitavelmente transformações. No caso específico da tanoaria no Cartaxo, a situação apresenta-se de duas formas diferentes. Na freguesia do Cartaxo, o tanoeiro ajusta-se à definição dada anteriormente, mas no caso da freguesia de Vila Chã de Ourique, o tanoeiro que ali trabalha não se encaixa em nenhuma das vertentes da definição - à excepção da questão da solidão- uma vez que não trabalha com membros da família, não tem companheiros de trabalho e finalmente desenvolve a sua actividade por conta de outrém. Assim sendo, como poder-se-á considerar os tanoeiros do Cartaxo como artesãos tradicionais? O que é afinal um artesão tradicional? “(...) artesão tradicional é, (...) aquele que, como ocupação principal ou (...) secundária, está ligado a artes tradicionais, predominantemente manuais, desenvolvidas em pequenas unidades de produção, executa pelo menos a parte mais considerável do produto, reúne em si os factores de produção e detém o direito de propriedade sobre o objecto produzido.” (Ventura,1991:6). Este conceito de artesão tradicional parece-me menos lato que o primeiro, daí que o consideremos mais apropriado para definir os profissionais de tanoaria no Concelho estudado. Para além disso, é um conceito que na minha opinião enquadra-se perfeitamente na actual postura dos artesãos. É no entanto importante esclarecer que se por acaso, a tanoaria no Concelho do Cartaxo, fosse uma actividade mais mecanizada - como é no Douro, Esmoriz ou Cortegaça -, não significaria que o tanoeiro deixasse de poder ser considerado um artesão e a actividade por ele praticada não fosse considerada uma tecnologia tradicional. Estas considerações acerca do que é o artesão do século XXI, que desafios se lhe deparam actualmente, como é que os artesãos estudados se vêm a si próprios e qual a visão que eu própria tenho do actual artífice, serão exploradas posteriormente. 22 ENUNCIAÇÃO DE CONCEITOS Progresso Tecnológico Dimensões Indicadores Técnicas Tanoaria Indices Dimensões Indicadores Técnicas Tecnicas Físico- Económicas usadas químicas Escoamento do (fogo/água) Produto Produção Horas de Trabalho Regime de Vendas Lucros Investimentos Técnicas Sócio- Sexo Mecânicas Culturais Idade (ferram./Instrum. Escolaridade /máq.) Aprendizagem Colaboradores Aprendizes Início de Actividade Regime de Trabalho Ferramentas Ferram. Impacto Usadas Ferram. Fricção Ferram. Furar Ferram. Prender Instrumentos Instr. Impacto Usados Instr. Fricção Instr. Furar Instr. Riscar Instr. Prender Instr. Cortar Máquinas Máq. Furar Usadas Máq. Cortar Máq. de Resistencia 23 1.3. Recolha de Dados A metodologia é importante porque, dela dependem a fiabilidade e a validação científica do estudo que o investigador leva a cabo. As técnicas de recolha de dados ao dispor do cientista social são diversas e cada estudioso deve optar por aquelas que ache mais indicadas para a obtenção da informação pretendida. Antes de partir para o terreno, procedi primeiramente à formulação do problema de pesquisa, tendo passado posteriormente para um estudo exploratório e só depois passei à pesquisa bibliográfica em diversas bibliotecas e centros de informação. O estudo das técnicas em Portugal é recente e, por isso, as obras ao dispor não foram muito diversificadas, nem abundantes. Contudo, o acesso às fontes documentais não foi de todo difícil, embora fossem muito escassas as obras que de abordagem directa à tanoaria, tendo recorrido por isso, à aquisição de obras publicadas em França acerca desta temática. Relativamente ao desenrolar do trabalho tecnológico, tive como obra base em termos de orientação, Tanoaria e vasilhame, do enólogo José Nobre da Veiga. Recorri ao que é designado em ciências sociais por fontes secundárias, ou seja, fontes constituídas por documentos escritos já tratados pelos seus autores, constituídos por relatórios, livros, roteiros, dados estatísticos oficiais e artigos. Outra técnica de recolha de dados foi a história oral - grande fonte de informação para a execução deste estudo -. Essa informação oral foi obtida através de entrevistas não estruturadas e que foram dirigidas a informadores qualificados no próprio local. Esta fase tem importância fundamental, já que a rotina de trabalho de um tanoeiro é um grande reservatório de experiências e portanto a entrevista informal com perguntas abertas teve como objectivo básico a recolha de dados. As entrevistas foram em alguns casos gravadas na íntegra e só posteriormente tratadas. Noutros casos, os dados obtidos foram memorizados ou de imediato registados por escrito, no caderno de campo, elemento imprescindível para o antropólogo. A conversa gravada não foi portanto um procedimento a ser tomado de forma sistemática, porque 24 entendi que em algumas circunstâncias o gravador não seria o meio mais eficaz de recolha de informação. A razão da escolha deste tipo de entrevista, deve-se ao facto de esta ser - tal como referencia Loffland -, " mais flexível e versátil " e para além disso, a informação obtida é tanto mais profunda, quanto mais intensiva for a técnica de recolha de dados. Contudo, foi também por mim adoptada a entrevista semi-estruturada (Anexo I), dirigida a alguns informantes qualificados. A principal diferença entre este tipo de entrevista e a descrita anteriormente, é que a entrevista semi-estruturada "(...) é guiada por uma relação de pontos de interesse que o entrevistador vai explorando ao longo do seu curso" (Gil,1994:92). Era também minha intenção usar o inquérito tecnológico, mas como neste caso o universo a estudar era demasiado pequeno (somente três tanoeiros), esta forma de recolha de dados não era a mais indicada, daí ter adoptado em sua substituição a entrevista estruturada (Anexo I). O questionário “(...) possibilita atingir grande número de pessoas (...)”. (Op. Cit. 125) Outra técnica a utilizada foi a observação directa. "(...) a maior parte do conhecimento científico social tem origem na observação, em etnografia tal conhecimento respeita tanto à observação de fenómenos culturais como à informação que é proporcionada pelos informantes." (Moreira,1994:106) Sendo a observação participante o principal método da antropologia, de facto alterei esta técnica para, método de observação directa. A razão para esta alteração baseia-se na opinião do Prof. Doutor Diogo Moreira - e com a qual concordo -, de que, a observação participante é actualmente na antropologia um ideal. Ela funciona mais como um referencial, para que o antropólogo não se subjugue às técnicas das outras ciências sociais. A observação participante coaduna-se com estudos muito mais longos temporalmente, do que aqueles que hoje em dia são praticados. Para além disso, penso que actualmente o antropólogo está cada vez mais virado para si próprio, para a sua própria sociedade, o seu meio social, cultural, político e económico. Portanto, o antropólogo não é um estranho à 25 sociedade ou à comunidade que pretende estudar, o mesmo não acontecendo na maior parte dos estudos antropológicos feitos nas décadas anteriores. Esta pesquisa recorre também ao método comparativo, na medida em que é um estudo extensivo a duas freguesias do Concelho e a três profissionais que praticam a mesma actividade . Este método dá a possibilidade de poderem ser estabelecidas semelhanças e dissemelhanças entre os diversos tanoeiros, sobre os quais incidirá a pesquisa. "Algumas vezes, o método comparativo é visto como mais superficial em relação aos outros. No entanto há situações em que os procedimentos são desenvolvidos mediante rigoroso controle e seus resultados proporcionam elevado grau de generalização." (Gil,1987:36) 1.4. Trabalho de Campo O trabalho de campo é das tarefas mais importantes nas pesquisas antropológicas, sendo considerado a "estrutura mestra" de qualquer trabalho científico. "É com o desaparecimento da cisão entre (...) a colecta de documentos e interpretação e prática do trabalho de campo (...) que a etnologia adquire a sua originalidade." (Copans,1971:19) De facto, com o surgimento do trabalho de campo na antropologia através de Franz Boas, esta ciência sofre um "prodigioso desenvolvimento (...) a partir de 1900." (Ibid.). Depois de Boas, o trabalho de campo assumiu forma científica através de Malinowski. Esta fase do trabalho de campo, é sem dúvida dos momentos mais empolgantes para o investigador porque, a particularidade da antropologia e a riqueza da informação obtida advém precisamente do contacto directo e até certo ponto intimista do observador com o observado. "O trabalho de campo é basicamente uma experiência solitária (...)" e simultaneamente "(...) um processo de aprendizagem da cultura ." (Moreira,1994:108-111) No entanto, para que a pesquisa não saia de certo modo enviesada é importante o distanciamento, ou seja, o investigador não pode envolver-se na pesquisa que está a levar a cabo, para que os dados possam de facto ser rigorosos. Portanto, o antropólogo deve ter uma presença sempre muito discreta, de modo a não chocar com o ambiente em que a 26 sua pesquisa se desenrola. Só essa distância proporcionará ao investigador clareza e rigor científico. Tendo em conta o que foi referenciado anteriormente, foi sempre minha preocupação durante a permanência no terreno, usar um vestuário muito simples, discreto, não só porque o tipo de actividade escolhida para ser estudada assim o exigia mas também para que pudesse passar o mais despercebida possível no local da pesquisa. O trabalho de campo foi iniciado no final de Janeiro de 1995, na freguesia de Vila Chã de Ourique, mais concretamente na Quinta da Fonte Bela. Por esse motivo a oficina aqui existente é designada nesta pesquisa como Oficina 1. Posteriormente, a pesquisa de campo estendeu-se à Oficina 2, situada na freguesia do Cartaxo. Esta categorização dada às oficinas prende-se apenas com o facto de ter sido na Quinta da Fonte Bela, que iniciei o trabalho de campo. Este, prolongou-se até finais de Fevereiro de 1996. O caderno de campo, durante o tempo de permanência no terreno, esteve sempre presente e nele foram registados três tipos de notas: "(...) notas de memória, notas-resumo e anotações completas." (op. Cit.,129). As primeiras anotações continham informações precisas e detalhadas relativamente ao desenvolvimento do trabalho executado pelos tanoeiros. As notas-resumo, tal como a própria designação indica, eram resumos das notas-memória, enquanto as anotações completas eram elaboradas geralmente em casa, portanto fora do local da pesquisa, por exigirem maior dispêndio de tempo. O gravador e a máquina fotográfica foram outros objectos sempre presentes nas saídas de campo, embora o primeiro diversas vezes fosse preterido em favor da redacção de notas, nomeadamente quando o barulho dentro da oficina era demasiado intenso, o que poderia pôr em causa a qualidade de som das informações gravadas, que como é óbvio eram quase sempre preciosas. A fotografia tem neste trabalho um papel importante já que "(...) para a análise dos processos tecnológicos, a fotografia é superior ao cinema porque permite individualizar os vários momentos." (Copans,1974:70). Daí ter preferido utilizar o registo fotográfico em detrimento do vídeo. 27 Sendo a pesquisa tecnológica um trabalho exaustivo e de muita minúcia - e a tanoaria é exemplo disso, uma vez que é uma actividade com muitas fases e um grande número de ferramentas -, achei por bem utilizar também informação iconográfica - nomeadamente no que concerne a algumas ferramentas ou instrumentos mais utilizados, ou às plantas arquitectónicas das oficinas -, já que esta técnica quanto a mim dá mais rigor à pesquisa. A pesquisa está dividida em cinco partes. Na primeira parte é feita a caracterização do Concelho do Cartaxo - de forma sumária -, onde se destaca e previligia a relação social e cultural da população com a vinha e o vinho, bem como o papel do Turismo como eventual agente de preservação das Artes e Ofícios Tradicionais. A segunda parte é toda ela dedicada à madeira, dado que esta é a principal matéria-prima da tanoaria. Na terceira parte, fala-se directamente do progresso tecnológico, das técnicas e dos materiais tradicionalmente e agora utilizados, assim como dos instrumentos, das ferramentas e máquinas usados na execução das vasilhas vinárias em madeira. Abordase não só todo o desenrolar do trabalho tecnológico, bem como as suas diversificadas fases, e também descrevo e teco algumas considerações acerca das oficinas de tanoaria. Na quarta parte é analisado o progresso tecnológico da actividade no que diz respeito aos materiais e às ferramentas utilizadas. A quinta e última parte é totalmente dedicada ao aspecto económico da actividade, bem como às questões socio-culturais que dizem directamente respeito aos tanoeiros sobre os quais foi desenvolvida a pesquisa. Finalmente, segue-se a conclusão e a bibliografia. 28 PARTE I A VINHA E O VINHO NO CONCELHO DO CARTAXO 1. A TRILOGIA HOMEM/ AMBIENTE/ TECNOLOGIA: A VINHA, O VINHO E AS RELAÇÕES SOCIO-CULTURAIS NO CONCELHO Vinde à terra do Vinho, Deuses novos! Vinde, porque é de mosto O sorriso dos Deuses e dos Povos Quando a verdade lhes deslumbra o rosto. Miguel Torga O vinho marca de forma inegável a cultura e a economia Portuguesa. Sabe-se que os Fenícios no século X A. C. Trouxeram algumas castas de videiras para o território que é hoje Portugal. Depois destes vieram os Gregos – século VII A. C. -, os Celtas – século VI A. C. -, os Romanos – 194 A. C. – e, os Árabes – séculos VIII a XII -. Pensa-se que os Celtas terão trazido consigo igualmnte a técnica da tanoaria. Os cultos Báquicos ou Dionisíacos tiveram – e ainda têm, salvo todas as alterações provocadas principalmente pelo Cristianismo -, também expressão na cultura popular dos portugueses. A celebração do S. Martinho é uma reminiscência desses tempos. No Cartaxo, os encontros Báquicos têm especialmente dois momentos: O primeiro momento é no Dia de S. Martinho – 11 de Novembro -, que marca o o final do calendário da produção vinícola e simultaneamente o reinício da “nova temporada” de trabalhos agrícolas. As adegas abrem as suas portas, as pipas e tóneis transbordam de novos aromas e os vinhos são postas à prova nos primeiros “tragos”. Grandes reuniões masculinas acontecem, acompanhadas de castanhas assadas ou cozidas, designadas por Magusto. No entanto, o S. Martinho também se festeja em outros lugares sejam estes públicos ou privados e aqui as mulheres são presença constante, bem como as crianças que tradicionalmente se divertiam saltando a fogueira onde se assavam as castanhas. 29 O segundo momento acontece no final da Primavera, início do Verão, quando os produtores vinícolas que não conseguiram vender toda a sua produção do ano anterior, abrem as suas adegas ao público, vendendo o vinho a granel, em muitos casos acompanhados de deliciosos momentos gastronómicos. O sucesso é geral e a população masculina não resiste ao convite para beber e conviver. Nos últimos anos – contrariamente ao que estava estabelecido tradicionalmente -, têm vindo a crescer o número de mulheres presentes nestas adegas, não só para a venda do vinho a granel, como também e principalmente, para a confecção de tão apreciadas iguarias gastronómicas. Durante a Idade Média, a dieta alimentar do povo resumia-se a carne, peixe, cereais e vinho. Prova disso são os inúmeros provérbios dedicados a esta bebida no Adagiário Popular Português. Desde sempre que a cultura da vinha é uma das actividades agrícolas mais marcantes deste Concelho. Barris – Oficina 2 (Fig. 1) Há autores que defendem a ideia de que já no século XII, muito provavelmente, a cultura da vinha já existisse pelo menos “(...) desde o domínio romano (...)” (Júnior, 1946:155), uma vez que a este povo se devem os trabalhos de desbravamento dos matagais então existentes, para que se pudesse proceder à fixação das famílias oriundas de Roma. Prova disso é o foral concedido à actual freguesia de Pontével, em 1194, por D. Sancho I - sendo este local o mais antigo do Concelho - e onde eram então reconhecidas as produções vinícolas como sendo as mais importantes. A cidade do Cartaxo obteve o seu primeiro foral mais tarde – 1312 -, concedido por D. Dinis, confirmado posteriormente por D. João II – 1487 – e D. Manuel I – 1496 -. Existem registos da época do Rei Lavrador da atribuição de certos previlégios a todos aqueles que plantassem vinhas. 30 De uma maneira geral, a relação do homem com o meio envolvente é primordial para o desenvolvimento das sociedades ou de uma comunidade. No Concelho do Cartaxo essa relação foi desde sempre visível e real. Há muito que o homem cartaxeiro estabelece uma espécie de amor-ódio com a terra que cultiva. Amor, porque ainda hoje - apesar da actividade no sector agrícola ser cada vez mais diminuta no quadro económico do Concelho -, grande parte da população continua a ter um pedaço de terra que pode ou não estar cultivado, mas que de certa forma reafirma a ancestralidade desta relação e revela directa ou indirectamente a necessidade de preservação de um património familiar e até de ligação com os seus antepassados mais imediatos e directos. A relação de ódio consubstancia-se diariamente na luta homem/terra e na dureza do trabalho rural. Esta luta tradicionalmente, era mais directa, ou seja, o contacto corporal do indivíduo com a terra era inevitável. Hoje, por força da máquina, a luta mantém-se, mas agora de forma mais indirecta, mais impessoal, mas não menos intensa. A batalha continua a ser uma realidade, mas com outros contornos, dado os meios técnicos disponíveis. Para além disso, desde há muitos séculos que este contacto estreito entre o homem e a terra ultrapassa o mero aspecto produtivo e lucrativo. A relação com a terra era de certa forma hereditária, porque o amanho desta ía passando de geração em geração. A relação técnico-ambiental determina a capacidade que a comunidade tem para interagir com o meio-físico envolvente. “(...) a tecnologia nunca existe sem um propósito, mas apenas em circunstâncias particulares onde interage com uma determinada especificidade ambiental.” (Harris, 1993:219). Essa interacção dá origem a uma criação material e a partir daqui a relação passa a ser de dominância do indivíduo sobre o meio envolvente e através da qual ele garante a sua sobrevivência. Essa dominância permite-lhe simultaneamente a evolução tecnológica. Em suma, há dois lados que coexistem: por um lado, o ambiente que condiciona a técnica, por outro lado, a técnica com a qual o homem pode dominar o ambiente. 31 Tradicionalmente, a actividade vitivinícola movimentava toda a estrutura económica do concelho e a partir desta actividade agrícola, surgiram diversas indústrias que directa ou indirectamente estavam dependentes da cultura da vinha e da produção do vinho. É o caso das tanoarias, latoarias4, correarias e tantas outras, que difícilmente vão teimando em permanecer ainda hoje no Concelho. Embora sendo actividades autónomas, estavam ligadas ao trabalho da vinha e do vinho, estabelecendo-se desta forma uma interdisciplinariedade laboral. Assim, a “(...) produção, conservação, transporte e consumo de tal bebida obrigaram a desenvolver uma complexa tecnologia e promoveram o aparecimento de numerosas indústrias complementares (...)” (Amaral, 1994:7) Estas indústrias não são mais do que uma concretização material da actividade mental humana, sendo também a tal resposta adaptativo-cultural do indivíduo ao meio que o rodeia. Essa resposta cultural é sempre tão diversa, quanto diversificado for o meio ambiente em que o homem está inserido. Por isso, a criação tecnológica é sempre tão diferente de grupo para grupo, e/ou de região para região. Mas, a tecnologia não só é uma resposta adaptativa, criativa e cultural do homem ao meio, como também expressa um importante relacionamento entre ela própria e o ser humano. A criação tecnológica proporciona a humanização da paisagem. Como a cultura não é um fenómeno estável, estático, a evolução tecnológica nunca parou e a perda de importância económica dos ofícios tradicionais na sociedade cartaxeira é uma realidade incontroversa. As técnicas artesanais estão cada vez mais a serem substituídas pela máquina - aquisições tecnológicas, depressa enculturadas na região -, por forma a tornar a luta homem/ meio menos dura para o primeiro. A industrialização da maioria das tarefas agrícolas e especialmente na vinha, e na produção do que dela advém, cortou rapidamente as “amarras” dos indivíduos com o seu próprio passado material e cultural. No entanto, esta trilogia de elementos homem/ambiente/tecnologia é permanente, embora essa simbiose seja simultaneamente cada vez mais efémera, porque com a rapidez com que a máquina desenvolve o nosso trabalho, o passado é cada vez menos representativo e está cada vez menos presente, por isso, é mais facilmente 4 Quando a pesquisa foi realizada existis na altura, a única Latoaria do Concelho com carácter de mercado. Hoje a mesma desapareceu, porque desapareceu também fisicamente o artesão, que trabalhou para além dos seus 90 anos de idade. 32 esquecido. Essa inovação tecnológica fez-se sentir no Concelho, principalmente desde o século XIX, devido a razões de ordem geográfica, como: 1º) Proximidade da capital do País (ligação esta feita não só por via terrestre, como também fluvial e já no século XIX por via ferroviária); 2º) Região situada na zona litoral; 3º) Ponto de passagem obrigatório entre o Norte e o Sul de Portugal. Sendo portanto um lugar de passagem, sempre foi propício a encontros, confluências de estilos, ideias e de fácil aceitação à inovação devido à sua abertura ao exterior. A relação da população de algumas regiões do Portugal, com a cultura da vinha marca determinantemente a sua forma de estar, o seu comportamento, a sua economia e as suas relações sociais. O Cartaxo é exemplo disso e, desde há muito se habituou a receber gente de todos os lados do País e não só. A temática vinícola continua a estar também presente nas festas5 no convívio social, no adagiário popular, nos trajes, na habitação, etc. É claro que esta relação homem/vinha, não se esgota no aspecto económico-cultural; a produção vinícola determinou tradicionalmente a forma como a sociedade cartaxeira estava organizada em termos sociais. Actualmente, este aspecto está já mais “diluído”, na medida em que o fosso social entre os proprietários da terra e os assalariados não é já tão marcante. Contudo, os herdeiros dos grandes agricultores são ainda alvo de alguma veneração e respeito nomeadamente pelo apelido que transportam - sobretudo pelas pessoas mais idosas e que sempre tiveram uma vida ligada ao trabalho do campo. Tradicionalmente, a socialização dos indivíduos era toda desenvolvida à volta do trabalho agrícola com papéis sociais devidamente distintos entre o homem e a mulher. Embora a mulher sempre tivesse uma intervenção activa nos diversos trabalhos agrícolas durante todo o ano, o facto é que esses papéis eram distintamente marcados e o sexo feminino estava arredado das actividades referentes à produção vinícola. A única fase em que a 5 Em 2002, numa nova política de promoção do Concelho e dos seus vinhos, a Câmara do Cartaxo criou e consolidou o recémprojecto Cartaxo, Capital do Vinho. 33 presença feminina era aceite, era durante as vindimas. Após a apanha das uvas todas as inúmeras fases da produção vinícola eram estritamente masculinas. Contudo, não há dúvida que os tempos introduzem grandes mudanças nas mentalidades e em Trás-os-Montes, as mulheres já chegaram ao sector tanoeiro. Na região de Vila Real, em Santa Marta de Penaguião a arte de tanoar está a ser recuperada e as mulheres iniciam os seus primeiros passos numa profissão dominantemente masculina. O projecto é da responsabilidade do Centro de Formação Profissional de Vila Real e da Adega Cooperativa de Santa Marta, que promoveram no último trimestre de 2001 um curso de formação profissional por forma a reactivar a actividade em vias de extinção, mas que continua a ser necessária na região, por ser esta também uma zona de produção vinícola. Hoje em dia, a posição social do indivíduo, no Cartaxo, já não é definida apenas pelo número de pipas produzidas anualmente ou pelos hectares de terra plantados com cepas, porque a produção de vinho não é já a única forma de vida desta população. Mas é evidente que dentro do sector agrícola destacam-se aqueles produtores que têm a sua actividade mais mecanizada, já que isso origina uma maior capacidade produtiva e por conseguinte, competitiva. 2. QUINTA DA FONTE BELA: MARCO VINÍCOLA NO CONCELHO A quinta da Fonte Bela data dos finais do século XIX - 1898 -, está situada na designada zona do Campo, que se caracteriza por ser uma zona de planície com terras a perder de vista, marginada pelo Tejo e por isso facilmente inundável - em épocas de muita pluviosidade -. Os solos são por conseguinte abundantemente férteis e a grande produção vinícola desta zona do Concelho acentua-se sobre os vinhos brancos. Esta quinta foi desde sempre conhecida devido não só às suas características arquitectónicas como também devido à grandiosidade da área de vinha plantada - cerca de 1 000 000 ha -. 34 Mas a sua fama veio de igual forma da monumentalidade das adegas, lagares e vasilhas de madeira e principalmente devido à Pátio interior da Quinta da Fonte Bela (Fig. 2) aplicação das novas tecnologias agrícolas na fabricação dos vinhos e aguardentes. “ Os efeitos da Revolução Industrial e da máquina a vapor também se fizeram sentir na indústria vitivinícola. (...) na Fonte Bela, o vapor foi utilizado em alambiques de destilação contínua e de gigantescas proporções que podiam destilar 100 a 160 pipas de vinho em 24 horas.” (Aguiar in Cadernos Históricos do Concelho do Cartaxo, 1866:34) A aposta foi arrojada, mas simultaneamente justificada já que, nesta viragem de século e segundo os relatos da época “em 1858, foi inaugurado o Caminho de Ferro até Santana o que veio tornar mais fácil o escoamento dos vinhos, embora se continuasse a utilizar a via fluvial para o transporte do famoso vinho do Cartaxo.” (Ibid) Interior da Adega da Fonte Bela (Fig. 3) Actualmente a situação é diferente e, a quinta foi repartida por dois herdeiros, cabendo à parte por mim estudada, cerca de 330 ha de terra cultivável, dos quais 65 ha são de vinha. O vinho já não é a principal produção desta casa - embora, economicamente a vinha continue a ser rentável, sendo responsável por 40% do volume de receitas6 -. Na restante área cultivável são plantados cereais e diversos produtos hortícolas, estes últimos posteriormente vendidos a uma transnacional francesa. Para que esta empresa possa impor-se num mercado tão competitivo como é o mercado vinícola, algumas directrizes que devem ser seguidas, como, a aposta na qualidade, no médio preço e ainda na exportação, uma vez que o mercado nacional está superlotado 6 Todos os dados referentes a esta quinta são de 1996. 35 com marcas e, face à imensa oferta existente, é difícil aos consumidores serem “fiéis” a uma só marca de vinho. De acordo com o anteriormente exposto, o progresso tecnológico não tem parado e para além dos investimentos em equipamento para a produção de vinho, há também projectos para a plantação de novas vinhas, a existência de uma linha de engarrafamento e a Rota do Vinho. É importante salientar que as visitas de forasteiros a esta quinta são desde há muito habituais, nomeadamente em época de venda do vinho novo. A marcar muitas dessas presenças, os apreciadores que por ali passam costumam assinar ou emitir, com giz branco, a sua opinião directamente nos grandes tonéis que ornamentam as monumentais adegas. Nos horizontes económicos desta sociedade agrícola permanece bastante viva a ideia da aposta na actividade vitivinícola, havendo para isso um projecto de coexistência entre o tradicional - a tanoaria e a manutenção adega tradicional -e o moderno - as cubas de inox ou a linha de engarrafamento -, por forma a que utilizando os dois métodos, se possa obter os melhores resultados possíveis. Mesmo que, o tanoeiro que actualmente trabalha na quinta da Fonte Bela deixe em qualquer altura de praticar a actividade, a sociedade agrícola aqui mencionada, continuará a servir-se da madeira para envasilhar os seus vinhos, indo buscar futuramente essas vasilhas fora do concelho, caso o Cartaxo deixe “morrer” as suas oficinas de tanoaria.7 3. ROTA DO VINHO, TURISMO E OFÍCIOS TRADICIONAIS: UMA DINÂMICA DESAGREGADA Uma das ideias subjacentes a esta pesquisa é sem dúvida a questão turística. Pelas experiências e projectos desenvolvidos em outras regiões do País, já se provou que o 7 Como foi já mencionado anteriormente, um dos tanoeiros alvo desta pesquisa e funcionário na Quinta da Fonte Bela, alguns anos após este trabalho, entrou em situação definitiva de reforma, sendo que segundo o que apurei em 2000, a empresa não possuia na altura nenhum artesão a reparar as suas vasilhas de madeira. 36 Turismo pode funcionar como “tábua de salvação” para muitos dos ofícios tradicionais portugueses. O turismo não é mais do que um fenómeno migratório temporário alimentado por um vai e vem de gentes, um excelente veículo de transmissão e divulgação cultural. É sem dúvida, uma actividade quase mágica que permite uma mistura tão ímpar e infinita de ideias, costumes, linguagens, formas de estar e assim por diante. O projecto é liderado pela Associação da Rota da Vinha e do Vinho, inicialmente financiado pela Comunidade Europeia e que envolve as Regiões de Turismo do Ribatejo e Região de Turismo dos Templários. Quando levei a cabo esta pesquisa, o projecto era já sobejamente falado, mas ainda não tinha sido consolidado. A fase operacional teve início em 1998 e os objectivos passam pela divulgação e valorização da actividade vinícola. A ideia é pois usar o vinho como instrumento e produto turistico-cultural Actualmente, o projecto da Rota do Vinho do Ribatejo, conta com 32 produtores e está subdividido em cinco percursos turistico-culturais. O Concelho do Cartaxo, faz-se representar no Percurso I – Tesouro Gótico, conjuntamente com os concelhos de Azambuja, Chamusca, Golegã e Santarém. A designação provém do facto de estes Concelhos rodearem Santarém, conhecida como a capital da arquitectura gótica. No caso específico do Concelho do Cartaxo, três empresas vinícolas integram o projecto, a saber D.F.J. Vinhos (Quinta da Fonte Bela), Adega Cooperativa do Cartaxo e SAQUAM – Sociedade Agrícola da Quinta da Amoreira. Os caminhos da Rota do Vinho vão da comtemplação do gótico à degustação dos excelentes vinhos e iguarias gastronómicas, passando pela miragem da beleza da imensa Lezíria e dos personagens que lhe dão vida. Devem as comunidades que recebem turistas apenas receber o que vem do exterior? Devem adaptar-se e deixarem-se aculturar por aquilo que vem do exterior? E onde fica a história dessa comunidade? Que memórias devem persistir e continuar para além do tempo e do espaço? Devem essas comunidades esquecer as suas raízes? Como vencer este fenómeno ou como conjugar todas estas problemáticas, aceitando e, por vezes adoptando o que vem do exterior, sem perder a tão desejada identidade cultural. 37 É sem dúvida uma tarefa difícil esta de "trabalhar" o Turismo do ponto de vista positivo. E isto significa que se deve ter em conta não só o aspecto financeiro, mas também o aspecto cultural e um acreditar de que os aspectos que mais caracterizam ou identificam uma determinada comunidade não morrem nem desaparecem porque se "recebe em casa" visitantes provenientes de toda a parte. O que acontece é que às nossas memórias e vivências culturais se vão juntando outras partículas culturais que vão transformando essas memórias à velocidade que essa mesma comunidade permitir. A Rota do Vinho do Ribatejo é em minha opinião um excelente veículo de divulgação cultural do Concelho do Cartaxo. Olhar e conhecer os Ofícios Tradicionais, é uma extraordinária viagem a um passado que em muitos casos ainda faz parte do presente e, que poderia ser experienciada através deste projecto. A Tanoaria é um desses exemplos. Sendo uma actividade quase extinta, o certo é que ainda não o é. Há que apostar urgentemente neste sector. Afinal as visitas às quintas agrícolas e as provas de vinhos, passam também inevitavelmente pelos vinhos estagiados em vasilhas de madeira. É sem dúvida incompreensível, que em adegas cartaxeiras, se consumam vinhos estagiados em vasilhas de madeira fabricadas na região do Douro. A aposta e a defesa dos valores culturais passa também pelos objectos. Através deles contamos a história de parte da nossa História. Por mais que as pessoas em geral pensem que os objectos nada nos dizem ou eventualmente caracterizem como desperdício de tempo, a análise, a atenção e o investimento em estudos desta natureza, a realidade é bem mais simplista. As sociedades são desde sempre constituídas e assistidas pelo “material” e cada comunidade tem a sua própria história neste sector. Cada uma dessas comunidades teve e tem um percurso que assenta sobre aquilo que se cria e que através do gesto se corporiza, isto é, tem vida. A relação entre o Turismo e as Artes e os Ofícios Tradicionais pode pois ser observada sob 4 prismas: 1- Turismo/ Cultura Urbana / Cultura Rural 2 - Turismo e Globalização 3 - Turismo e Preservação do Património 4 - Turismo: intercâmbios e aprendizagens entre visitantes e visitados 38 Estes 4 aspectos podem ainda ser olhados todos juntos e analisados na sua globalidade. As vertentes aqui levantadas estão todas próximas e, por conseguinte, interdependentes. Neste sentido, o Turismo como fenómeno de massas que é, foi durante muito tempo considerado uma actividade urbana. Hoje, a ideia está completamente ultrapassada e a prova são as inúmeras regiões rurais que se abriram para esta nova forma de vender bem-estar, descanso e também cultura. O Turismo não é de forma alguma uma actividade urbana, mas sim uma actividade que exige algumas urbanidades. Quem faz turismo tenta obter durante esse período muito do que não consegue diariamente. Este desejo é corporizado num certo bemestar e conforto material, que dá ao turista uma espécie de energia e o faz esquecer em parte o mundo donde provém. Aqui e, só aqui, as regiões rurais tiveram e têm de se adaptar. Temos cada vez mais cidadãos bem informados e exigentes que só querem o melhor. Têm de facto as regiões rurais de criar infra estruturas que possam atrair forasteiros e dar-lhes todas as condições para que estes ali permaneçam o maior tempo possível. Não vejo aqui qualquer adversidade entre o Turismo e o Mundo Rural. O que há é uma maior aproximação entre estes dois mundos. Existem diferenças, diferenças essas que são cada vez mais cultivadas por quem vive nas regiões rurais e, desejadas e apreciadas por quem vive nos espaços urbanos. Este vai-vem de gentes, contribuiu para o cair das fronteiras físicas entre países e/ou regiões e simultaneamente para o estreitar de relações entre o tradicional e o moderno. Os media e o turismo podem ser considerados responsáveis pela globalização da cultura. Sem dúvida, que a globalização é das temáticas mais polémicas do ponto de vista da afirmação cultural dos povos. Muitas têm sido as discussões entre os técnicos e inúmeras têm sido igualmente as opiniões. Esta realidade pode ser encarada quase como uma luta entre o bem e o mal. Por um lado, a Humanidade caminha tendencialmente para a unificação e homogeneização, mas por outro lado não abdica da diversificação. Em altura de grandes revoluções ao nível da ciência Genética, contra a “clonagem” cultural insurge-se meio mundo. Lévi –Strauss defende que o que «deve ser salvo ou preservado é o direito à diversidade e não o conteúdo histórico que cada época deu, dado que nenhuma conseguiria prolongar-se para além de si mesma» (1973:339). Desde há muito que, de um lado se encontram os defensores da globalização e, de outro lado os defensores das identidades culturais. 39 Porque a globalização é consequência da modernização, será esta última incompatível com a preservação das identidades culturais de cada um de nós? Se inicialmente era usual pensar-se desta forma, neste momento e, dado o que se tem observado, o que está a acontecer é precisamente o contrário. Pedro García Gomes, Catedrático da Universidade de Granada, defende que a globalização é inevitável, o progresso e a diversidade são importantes para que a Humanidade não se “ossifique”. O autor vai ainda mais longe quando afirma ser muito perigosa a noção de “identidade cultural”, uma vez que a considera demasiado reducionista e desumanizadora. A globalização não deve ser restrita ao aspecto económico-financeiro. Esta, dá não só possibilidades aos indivíduos de acederem a outras culturas, como abre também caminhos para uma melhor e mais eficaz defesa das suas próprias referências culturais. Neste contexto a globalização não fará desaparecer as culturas locais, pelo contrário, tudo o que for realmente importante e valioso culturalmente, encontrará à escala mundial terreno propício para germinar, desenvolver-se e expandir-se. Isto significa que a ideia da preservação das raízes culturais dos povos, deixa de cingir-se meramente às fronteiras físicas dos territórios. O reavivar de pequenos costumes e tradições locais, devolverá à Humanidade a riqueza da multiplicidade de comportamentos e manifestações de cada um dos povos. O mais interessante é que García Gomez defende e encara a globalização, não como um fenómeno de massificação e homogeneização, mas sim como elemento de diversificação. Assim mesmo: a Cultura constrói-se e reconstrói-se todos os dias. Ela é mutável. Os ofícios tradicionais são por conseguinte construções culturais e, por isso não podem ser entendidos fora de um determinado contexto cultural. A função e o significado de cada artefacto estão intrínsecamente e inteiramente dependentes de padrões culturais. Ao estudarmos os ofícios tradicionais, ou num sentido mais abrangente a cultura material de uma comunidade, estamos a conhecer melhor essa mesma comunidade. O Turismo funciona sem qualquer dúvida como forma de preservação do património, ou melhor, de patrimónios. A prova disso, é que em Portugal algumas artes tradicionais "escaparam" da extinção precisamente por causa do fenómeno turístico, como é o caso da Olaria, da Tapeçaria e da Doçaria. Adequados e cuidados planos de intervenção cultural, ajustados às realidades de cada região, podem funcionar como potentes "armas" de arremesso contra a descaracterização 40 identitária das comunidades, regiões ou territórios. No entanto a actividade tanoeira no Cartaxo só terá chances de ser resgatada, se as actividades da Rota do Vinho forem mais profundas e principalmente se a Associação que gere o projecto, planificar as actividades com outras instituições concelhias. De nada serve existirem organismos de defesa dos patrimónios móveis e imóveis, se cada um deles trabalhar para dentro, se cada um deles trabalhar de costas viradas para a realidade socio-cultural das regiões. A cultura é uma construção diária e por conseguinte, permanente. Neste sentido, o intercâmbio entre os "visitados" e "visitantes" criado no projecto da Rota do Vinho é frutuoso porque se vai complexizando e crescendo diariamente. As trocas são permanentes e muito positivas, na medida em que se dá e recebe simultaneamente. Podemos então encarar o acto turístico, como uma interessante forma de aprendizagem e de troca de conhecimentos e experiências. Todas as regiões que vivem sob este fenómeno, sabem o quanto é importante mante-lo vivo. Dele dependem não só o desenvolvimento económico dessa região, como também o crescimento e enriquicemento cultural da mesma. O turismo funciona como uma excelente forma de afirmação cultural e, através dele a preocupação de se manter uma certa identidade local ou regional, é uma realidade incontestável. O tradicional e o moderno caminham de "mãos dadas", num Mundo que se auto denomina cada vez mais como Global, standarizado, único. É sem dúvida muito interessante ver como é que as sociedades desejam tanto estar próximas umas das outras - mesmo quando as distâncias entre elas são de milhares de quilómetros - e ao mesmo tempo, distanciam-se e marcam a diferença através dos seus elementos culturais, sejam eles físicos, morais ou psicológicos Por tudo o que foi dito anteriormente, o turismo pode e deve ser uma das formas de preservação das Artes e Ofícios Tradicionais. Quando a região do Cartaxo perceber esta realidade, muito do Património que diariamente se perde, irá permanecer vivo e continuará a enriquecer e a perpetuar a história cultural da daquela população. Entretanto, os tanoeiros em particular e os artesãos em geral, olhos postos no futuro, continuam à espera! 41 PARTE II A MADEIRA, MATÉRIA-PRIMA BASE NA TANOARIA Vasilha de pinho, não faz bom vinho. Adágio Popular 1. AS MADEIRAS EMPREGUES NA TANOARIA: SUA IMPORTÂNCIA Diversas fontes documentais dão conta de que o barril aparece no século I A. C. E foi o ponto de partida para o desenvolvimento da tanoaria. A madeira é a matéria-prima por excelência utilizada nos vasilhames vinários, se bem que outrora Gregos e Romanos tenham armazenado os seus vinhos em vasilhas de barro. Certas regiões em Portugal – nomeadamente no Alentejo – tinham igualmente o hábito de armazenar os seus vinhos em vasilhas de barro. Como material, as árvores são "(...) todas as plantas que possuem incluídos na massa do tronco, dos ramos e das raízes, invólucros de células muito activas que os envolvem e que, pela sua repetida divisão fazem aumentar com o tempo o diâmetro dessas partes perenes. Essas (...) células (...) dão origem à formação de uma grande massa de lenho ( a madeira ) (...)." (Fabião, 1987:13) A esta formação do lenho ou da madeira dá-se a designação de plantas lenhosas, "(...) que com a idade se torna dura e seca (...)". (Maurício, 1991:28) As árvores são objecto de diversos tipos de classificações, mas a maioria dos especialistas concorda em incluir as que possuem entre os 25 e os 30 metros de altura, no grupo das espécies de grande porte. "Em Portugal, considerando apenas os produtos 42 florestais clássicos, é o valor da produção de material lenhoso que suplanta largamente os restantes produtos ". (Fabião, 1987: 87) As inúmeras espécies arbóreas dividem-se fundamentalmente em dois grupos: Resinosas e Folhosas . Quanto ao aproveitamento tecnológico da madeira, as suas diversas utilizações, têm a ver com as suas características anatómicas, características estas que são variáveis de espécie para espécie e que estão directamente ligadas ás condições climatéricas e ambientais em que a árvore se desenvolveu. "È de esperar que esta variabilidade se reflicta de algum modo nas aptidões tecnológicas da madeira". (Op. Cit., 89) A arte de tanoar exige portanto madeiras com características especiais, nomeadamente: • madeiras resistentes e duras; • madeiras com boa elasticidade; • madeiras fáceis de trabalhar; • madeiras pouco porosas; • madeiras com substâncias adstringentes, como o tanino, mas simultaneamente, madeiras suaves. É determinante para a durabilidade do vasilhame, que na construção das vasilhas, seja aplicada madeira da melhor qualidade, uma vez que desta depende o sucesso qualitativo não só do próprio contentor de líquidos, como também a qualidade dos vinhos e aguardentes nele envasilhados. Por estas razões é que o lenho utilizado na tanoaria, pertence ao grupo das folhosas. Os técnicos dizem que a madeira deve ser cortada durante o período de Inverno - época de menor quantidade de seiva das árvores -, prevenindo desta forma o risco de a madeira transmitir ao vinho paladares e aromas indesejados. Há enólogos que afirmam ser os melhores carvalhos o: Carvalho Português (Quercus lusitania) Carvalho Séssil (Quercus sessiliflora) Carvalho Roble (Quercus robur) 43 Carvalho Vermelho das Américas (Quercus boreatis) Carvalho das Canárias (Quercus canariensis) Actualmente sabe-se que madeiras de carvalho provenientes provenientes de algumas regiões doa EUA, da Rússia e da França, têm grande preferência mundial para o envasilhamento e estágio de vinhos. Assim sendo, as madeiras utilizadas no concelho do Cartaxo, nas oficinas alvo do estudo, são: • Madeiras nacionais: Castanheiro bravo, Carvalho e Acácia da Austrália. • Madeiras estrangeiras: Carvalho do Norte (oriundo da América do Norte), mas que os tanoeiros por nós contactados dão esta designação ao carvalho proveniente do norte de Portugal, enquanto o verdadeiro Carvalho do Norte é chamado de Carvalho da América ou Carvalho Americano. Há também o Carvalho Amazonas, a madeira de Vinhático, Mógno, Macacaúba, Farjó e Carvalho Stettin ou Memel (oriundo da Polónia). "De modo geral, as melhores madeiras são as estrangeiras, havendo contudo algumas nacionais (...), que são também muito indicadas para a indústria da tanoaria. As dificuldades de importação das madeiras estrangeiras (...), bem como o elevado custo destas, têm sido a causa de preferência para as madeiras nacionais." (Veiga, 1954: 30) Actualmente a situação é bem mais melindrosa e a verdade é que ninguém compra madeiras importadas para a construção de barris. "Hoje, já não se vende madeira para a tanoaria. É uma actividade praticamente extinta. Há muitos anos que os tanoeiros não me compram madeira.", confessa Rogério Marques, industrial de madeiras e proprietário herdeiro da primeira oficina de serração existente no Concelho. Não é difícil compreender, quando constatamos que os actuais tanoeiros já não compram sequer madeira nacional, pelo facto de neste concelho já não se fabricarem barris novos, uma vez que estes saem algo dispendiosos para quem os adquire. A actividade cinge-se à reparação e reconstrução de vasilhas. A este propósito Rogério Marques acrescenta ainda o seguinte: 44 "Cheguei a vender principalmente carvalho e castanho, embora o volume de vendas de madeira para a tanoaria na nossa região fosse sempre pequeno (...). Apesar da produção vinícola ser muito maior do que o é hoje, a indústria da tanoaria nunca foi tão expressiva como no Norte do País. Por vezes vinham camionetas carregadas de barris da zona de Esmoriz. No Cartaxo, a indústria era mais de manutenção dos vasilhames, à excepção de uma ou outra oficina ". Ainda segundo informação do tanoeiro da Oficina 2, um dos meus informadores qualificados, os actuais produtores vinícolas do Concelho que desejam adquirir vasilhas de madeira novas, fazem-no na região do Porto, porque como a indústria da tanoaria está aí parcialmente mecanizada8, o preço das vasilhas é mais baixo do que as que ele próprio poderia executar, já que no concelho do Cartaxo a actividade mantém-se ainda totalmente artesanal e o volume de encomendas não é tão elevado que possibilite concorrer com os preços praticados mais ao Norte de Portugal. A juntar a esta realidade, está também o problema do preço da madeira nacional usada nesta actividade que é proveniente do Norte e que no Cartaxo é vendida a um preço superior. No entanto, este artesão tem, ele próprio, por norma, vender por vezes vasilhas novas que compra em Esmoriz, a um preço mais baixo do que aquele que praticaria se fabricasse ele mesmo as vasilhas. Contudo muitos dos vasilhames restaurados, pela sua idade, estão executados em madeiras importadas, o que implica que, no restauro, as aduelas - tábuas curvas que compõem o corpo da vasilha -, terão de ser do mesmo lenho das restantes. Neste caso, como os tanoeiros têm inúmeros barris “abatidos” nas suas oficinas e que lhes pertencem, não necessitam, pois, de adquirir propositadamente madeira para esse restauro - o que obviamente iria encarecer mais o trabalho -, nem de fazer a aduela (s), uma vez que esta (s) já está (ão) executada (s). É claro, que esta situação é a mais comum. Por vezes é necessário adquirir madeira, quer nacional, quer importada, para que se possa proceder a determinados restauros. 8 Regiões de grandes tradições vinícolas, como são o Douro e o Distrito de Aveiro, a actividade tanoeira resistiu e incrementou-se, porque se adaptou industrialmente ao mercado, isto é, a actividade mecanizou-se nas fases mais morosas. Esta é uma das soluções que defendo para o Concelho do Cartaxo. 45 Quanto ao povoamento florestal em Portugal, segundo o silvicultor António Fabião, os primeiros inventários foram realizados em finais do século XIX, o que torna difícil estudar e analisar a evolução desse povoamento no nosso território. No entanto "(...) estudos de palobotânica (...) realizados no país parecem indicar que após as glaciações do período Quaternário, a nossa flora florestal passou a ser dominada principalmente por carvalhos de diversas espécies." (Fabião, 1987:122)9 De facto, na obra deste autor encontra-se um quadro onde se pode observar a evolução da percentagem de área florestal ocupada por diversas espécies, desde 1874 até 1980. Quer os carvalhos, quer os castanheiros foram diminuindo, ao longo deste período, a sua percentagem em área florestal, contrariamente a outras espécies florestais folhosas como o sobreiro e a azinheira -, a primeira espécie pelo aumento na produção de cortiça, cujo auge de ocupação territorial se deu em 1934, com cerca de 29,5 ha da totalidade da área florestal. O grupo das folhosas é composto por grande número de ordens, famílias e géneros. Assim sendo, os que mais interessam à tanoaria são: 1) CARVALHO Nome de árvore da espécie caducifólia, do género Quercus e da família das Fagáceas. Ao género Quercus pertencem cerca de seiscentas espécies, destacando-se aqui o castanheiro, o sobreiro e diversas espécies de carvalhos. É a "árvore que os romanos consagraram a Júpiter, e de cuja folhagem se teceram as coroas dos heróis (...).” (Natividade, 1929) Trata-se de uma madeira muito boa para a prática da tanoaria devido à sua "elevada densidade e dureza, grande resistência a imersão (...)". (Op. Cit., 111) 9 O período Quaternário é marcado pelo aparecimento dos grandes mamíferos, dos quais se destaca o mais importante: o género Homo. Este período divide-se em três fases: antigo, médio e recente. Cronologicamente situamo-nos entre 500 000 a 600 000 anos atrás até cerca de 2450 anos. 46 Para além do aspecto da aplicação material, os carvalhos estiveram também ligados ao imaginário dos homens, nomeadamente ao sagrado, sendo até objecto de culto durante a Idade Média e são-lhes igualmente conferidas atribuições mitológicas. "Segundo a mitologia, os bosques estavam povoados de ninfas (Dríades, Hamadríades), cuja vida andava ligada às árvores: quem as respeitasse era objecto da sua gratidão (...). Chamavam-se Quercutulanas (de Quercus) as que protegiam os carvalhos". (Lima, 1951:15)10 Estes druídas eram então "(...) os sacerdotes dos Celtas e reuniam-se nos bosques, onde desempenhavam funções sacerdotais e judiciárias". (Op.Cit., 18) Os carvalhos eram assim tidos como árvores sagradas, a quem eram prestados cultos, e "(...) o murmúrio das suas folhas predizia o futuro". (Op.Cit., 20) Na obra As Brumas de Avalon de Marion Zimmer Bradley, a relação entre os Celtas e os mistérios da floresta está bem patente e originalmente reinventada. 1.1.) Carvalho Roble (Quercus robur) : esta árvore pertence à família das Fagáceas e prolifera no norte de África, na Ásia ocidental e na Europa meridional, sendo que no nosso País se encontra mais no norte litoral. É uma espécie de grande porte, atingindo vinte e cinco a cinquenta metros de altura. Trata-se de "(...) uma das melhores madeiras nacionais para vasilhame". (Veiga, 1954:29) É de igual modo considerada uma madeira macia, o que facilita a sua transformação. 1.2.) Carvalho Negral (Quercus pyrenaica) : encontra-se nas regiões mais acidentadas de Portugal, como é o caso de Trás-os-Montes e Beira interior. Trata-se de uma espécie de porte médio. É igualmente utilizável em tanoaria, mas não com a frequência da espécie anterior. 1.3.) Carvalho Amazonas : oriunda da região brasileira com o mesmo nome11, trata-se de uma madeira muito boa para a construção de vasilhas de madeira e devido à sua dureza há quem defenda ser ideal para a construção dos fundos e dos tampos, que é a parte da 10 Convém explicar que o termo Dryade "(...) deriva (...) de um monge grego que significa bosque de carvalhos". (Lima,1951:15) 11 Apesar de em algumas obras termos encontrado esta espécie de carvalho como oriunda do Brasil ou de outras florestas tropicais, o facto é que não conseguimos confirmar esta informação. 47 vasilha que mais se deforma. É uma madeira bastante compacta e pouco porosa. O seu inconveniente é o facto de transmitir "(...) aos vinhos e aguardentes um travo amargo e alguma côr.” (Veiga, 1954:30). No entanto, "após demorado uso, aqueles inconvenientes são muito atenuados, supondo-se que cheguem a desaparecer ". (Ibid.) 1.4.) Carvalho de Stettin12 : oriundo da Polónia, também utilizado no Cartaxo. Segundo José da Veiga, esta madeira era considerada pelo professor Cinccinnato da Costa, como um dos melhores carvalhos para a construção de barris e tonéis, devido a possuir poucas substâncias adstringentes. 1.5.) Carvalho da América (Quercus borealis) : Madeira muito conhecida, utilizada e apreciada no Cartaxo. Tal como o nome indica é oriunda do continente Norte Americano, sendo a sua cor avermelhada. 1.6.) Castanheiro (Castanea sativa) : árvore pertencente à família das Fagáceas, tal como os carvalhos, a quem são conhecidas doze espécies. Geograficamente está implantada na "(...) Europa Meridional, Ásia ocidental e Norte de Àfrica (...)". (Fabião, 1987:152), existindo um pouco por todo o nosso País, mas tendo mais incidência em Trás-os-Montes e nas Beiras. Trata-se de uma espécie tânica vegetal e de porte mediano que pode variar entre os oito e os trinta metros de altura. "Ao princípio cresce com rapidez até alcançar os 40 - 50 anos de idade, sendo posteriormente o seu crescimento muito mais lento". (Gil, 1965:9) Há autores que defendem a provável entrada do castanheiro em Portugal, através dos romanos "(...) tendo vindo a ocupar regiões naturais dos carvalhos". (Alves, 1956:1) Tratase de uma madeira com óptimas características físicas para a tanoaria como leveza, dureza e de grande durabilidade. O castanheiro possui um tronco "(...) de cor avermelhada ou acinzentada (...)". (Fabião, 1987:152). Apesar de ser um lenho muito apreciado na arte 12 O enólogo José da Veiga considera que este carvalho com esta designação é oriundo da Polónia, mas, segundo o que nos foi possível apurar dentro das leituras e consultas por nós levadas a cabo, pareceu-nos que esta designação é insuficiente para clarificar a que espécie pertence este carvalho. Contudo, e devido à impossibilidade de uma melhor clarificação desta espécie 48 de tanoar, segundo José da Veiga, o Carvalho roble é preferível ao castanheiro, porque em termos de evaporação a madeira desta última espécie é muito porosa, o que origina intensa evaporação do vinho. Contudo, há informações contraditórias, uma vez que há quem considere o castanho com "(...) reduzida porosidade e nodosidade, o que lhe permite uma aplicação de muito interesse como a da tanoaria". (Alves, 1956:9) Semelhante posição à do enólogo J. da Veiga, tem outro autor ao afirmar que "o carvalho é preferível ao castanho (...) porque é mais compacto. Mas nem todo o carvalho tem igual préstimo". (Lapa, 1874:212) É o caso do carvalho português, também conhecido por carvalho cerquinho (Quercus faginea), cuja madeira é difícil de trabalhar, por isso não se lhe conhecem aplicações não só na tanoaria, como noutras áreas de construção. "Contém grande quantidade sílica que danifica as ferramentas, dá ainda mau polido (...). É absolutamente imprópria para aduela, ainda que aberta à serra ". (Natividade, 1929 :112) 2) MOGNO : árvore que pertence à família das Meliáceas. Trata-se de uma madeira tropical de cor avermelhada, proveniente da América do Sul (especialmente Brasil), e de África13. Devido à sua resistência era também muito usada na construção de barris no Concelho do Cartaxo. 3) MACACAÚBA : originária do Brasil, é também muito apreciada em tanoaria. Trata-se de uma árvore da família das Leguminosas, cuja subfamília é a dos papilionados. 4) VINHÁTICO ( Enterolobium ellypticum): proveniente do latim vineaticu, é a designação vulgar com que é conhecida no Brasil. Pertence à família das Leguminosas e é também muito conhecida na construção de vasilhas. do género Quercus, optámos por adoptar a designação de Carvalho de Stettin, salvaguardando a relativa imprecisão da designação escolhida. 13 No que concerne a esta madeira, existem vários géneros e espécies no continente africano, sendo os mais conhecidos o Mogno-de-S. Tomé (Sorindria grandifolia), o Mogno-de-Benim (Khaya grandifolia), o Mogno-da-Rodésia (Afzelia quanzensis) e ainda o Mogno-Africano (Klaya senegalensis). 49 Existe também uma madeira portuguesa, conhecida apenas por Vinhático ou Vinháticodas-Ilhas, que predomina nos Açores e na Madeira (Phoebe indica). No entanto, durante toda a permanência no terreno, nunca nos foi dito que a madeira de vinhático utilizada nas vasilhas vinárias, fosse oriunda das ilhas. A informação obtida, aponta sempre para madeira importada de países tropicais. Na opinião do artesão da Oficina 2, as madeiras exóticas são de superior qualidade e portanto melhores para a construção de vasilhas devido à resistência e à dureza que as mesmas possuem. 5) ACÁCIA-AUSTRÁLIA: (Acacia melanoxylon) árvore de porte médio pertencente à família das Leguminosas. É originária da Austrália "(...) e foi introduzida em Portugal como ornamental e em alguns perímetros florestais do centro (sobretudo na Lousã, Gardunha e Leiria) ". (Fabião, 1987:159) O seu crescimento é rápido, trata-se de uma madeira fácil de trabalhar, pesada, resistente e de cor escura. Por ser uma madeira rija, para além da tanoaria, também era usada na construção naval. 2. O Tanino e a Importância das Vasilhas de Madeira na Conservação dos Vinhos “São muitos os que fazem vinho, e poucos os que o fazem bem.” (Villa-Maior,1868:5) Tendo-se focado anteriormente as madeiras como possuidoras de algumas substâncias adstringentes, é oportuno falarmos um pouco do tanino, das suas vantagens e/ou desvantagens quando usado nos vinhos e aguardentes. O tanino é uma substância adstringente encontrada em espécies vegetais e que segundo o enólogo por mim entrevistado, João Sardinha, tem algumas vantagens: 50 1. " Favorece a coagulação das proteínas para clarificar o vinho; 2. Impede de certa forma o desenvolvimento das bactérias do vinho", assumindo assim uma função inibidora. "(...) as vasilhas de madeira são (...) o meio mais adequado para uma boa curtimenta dos vinhos, consequência da porosidade das suas paredes que favorece uma oxidação muito lenta, base do processo de envelhecimento (...)" (Garcia-Vaquero, 1979:43). João Sardinha não concorda com esta afirmação e explica que a curtimenta dos vinhos dá-se durante o processo de fermentação. Para além disso, o enólogo diz que " os processos de curtimenta hoje em dia são de tal forma evoluídos que ultrapassam todas as oxidações duma vasilha de madeira.” Desta forma, conclui-se que na opinião do enólogo entrevistado, os vasilhames de madeira não têm actualmente qualquer função no que diz respeito à curtimenta dos vinhos, uma vez que as cubas em aço inoxidável substituíram de forma mais favorável as vasilhas de madeira, na medida em que estas requerem cuidados higiénicos exigentes, demorados e por conseguinte dispendiosos. Enquanto que uma vasilha de aço inoxidável é lavada com água quente e fica automaticamente bem higienizada e pronta para receber novo vinho, com as vasilhas de madeira o processo é mais complicado devido: • à porosidade do lenho; • ao tempo de espera de secagem da vasilha, após a lavagem; • ao exaustivo trabalho de higienização, que inicialmente consiste na execução de uma raspagem para que seja removido todo o sarro14 que entretanto tenha aderido às paredes da vasilha. Para se ter uma noção do cuidado a ter com estas vasilhas, elas “(...) devem ser interiormente examinadas com todo o rigor, para ver se contêm algum cheiro desagradável e se comunicam à água mau sabor, se apresentam nódoas na madeira (...) ou outro qualquer defeito, e neste caso devem raspá-las interiormente até as pôr no são, lavá-las com água contendo 1/10 de ácido sulfúrico (...), e, depois dele extraído, lavá-las à escova com água fria até que esta saia limpa.” (Villa-Maior, 1868:82). É claro que todo o trabalho de higienização das 51 vasilhas não ficava por aqui e depois da lavagem a vasilha de madeira “(...) deve (...) ser limpa com a esponja ou com panos secos, e, se não tem de servir imediatamente, deve nela queimar-se a mecha para a sulfurar, e fechar completamente o batoque. Esta sulfuração (...) deve repetir-se pelo menos de seis em seis meses, porque nada preserva melhor as vasilhas contra o bolor.” (Op. Cit, 83). É evidente que nem todos os produtores no Concelho do Cartaxo tinham tradicionalmente estes exigentes cuidados com a higienização das vasilhas, o que originava posteriormente vinhos de má qualidade. No que diz respeito à evaporação do vinho através da madeira, o autor supra citado acrescenta também que esta evaporação “(...) é constante, e daí vem a necessidade de atestar a miúdo as vasilhas para as conservar sempre cheias.” (Op. Cit, 87) Outra vantagem das cubas em inox sobre os cascos é que, no primeiro caso pode-se controlar a temperatura da fermentação do vinho e no segundo caso isso já não é possível. Tradicionalmente, o vinho era feito sem grande tecnologia e por conseguinte não havia a preocupação com as altas temperaturas da fermentação. Hoje sabe-se que, este controle da temperatura traz benesses ao vinho, uma vez que há muitos aromas da uva que vão persistir no vinho. Esta é a principal e a mais importante diferença entre as cubas de inox e as vasilhas de madeira. A situação é que hoje em dia só quem utiliza vasilhas de madeira é quem já as tem. O produtor normalmente não vai adquiri-las para fazer vinho. Hoje em dia, estes vasilhames são meramente encarados como importantes para o envelhecimento dos vinhos. Portanto este líquido trabalha-se e conserva-se em cubas de inox e só se envasilha em cascos, caso a finalidade seja envelhecê-lo. Para além disso, financeiramente é mais dispendioso possuir vasilhas de madeira do que em inox, pois não só relativamente à sua manutenção e reparação, como em termos qualitativos não há qualquer vantagem. 14 O sarro é a designação dada às substâncias que o vinho possui e que aderem às paredes da vasilha, acabando por secarem quando esta fica vazia. Para se voltar a envasilhar novo vinho na mesma vasilha é necessário remover tudo o que nela ficou consequência do envasilhamento anterior, caso contrário, o novo líquido nela depositado ficará estragado. 52 Senão vejamos: ao colocar-se o vinho dentro de uma vasilha de madeira nova, nos primeiros três ou quatro anos tiram-se todos os proveitos que a madeira poderia dar a esse mesmo líquido. A partir desta altura ter vinho envasilhado em madeira ou em inox é precisamente a mesma coisa, com o inconveniente - já frisado anteriormente - da manutenção da primeira. Portanto, para se fazerem vinhos que comercialmente se querem com gosto a madeira, fazem-se estes em cubas de inox, adquirem-se vasilhas novas de madeira e faz-se aí o envelhecimento. Contudo, este envelhecimento é muito mais acelerado, porque ao colocar-se o vinho numa vasilha nova, ao fim de sensivelmente um ano, o referido líquido parece ter dez anos de envasilhamento. Em suma, o envelhecimento é em madeira nova, mas por um período mais curto, o que reflecte a maneira de estar de um empresário que deseja ser bem sucedido num mercado cada vez mais exigente, uma vez que: • evita que surjam bolores no vinho de ano para ano, não prejudica a qualidade, porque o produto final tem o paladar que vai de encontro ao interesse comercial e segundo uma visão economicista, o importante é ganhar tempo; • a qualidade que se tirava antigamente em três anos, tira-se agora em seis ou em doze meses. Deixar os vinhos nos cascos por muitos anos como acontecia há algumas décadas atrás, é actualmente incomportável para as empresas. Tudo tem de ser feito o melhor possível, mas o mais rápido possível. Mas, as opiniões dividem-se e cada empresário tem de ter regras próprias de orientação, gestão e produção, havendo até quem defenda o pisar das uvas de forma tradicional: a pé. “Uma empresa não pode basear-se unicamente em contas, em números, quando a qualidade está em causa. (...) E qualidade é isso mesmo: um vinho que na prova mantém um prolongado prazer.” (Lopes, 1995:26) No Concelho do Cartaxo, a situação resume-se a duas posturas: 1. Pequenos produtores - são aqueles cuja produção vinícola em termos globais não ultrapassa os cem mil litros e como tal são também aqueles que ainda utilizam as vasilhas de madeira, porque de uma forma geral já as tinham. 53 Já foi frisado anteriormente que, embora possam estes produtores usufruir ainda destas vasilhas, não beneficiam qualitativamente os seus vinhos por isso. 2. Grandes produtores - são aqueles cuja produção vinícola ultrapassa anualmente os cem mil litros ( pequeno número de viticultores) e que, acabam por fermentar e envelhecer vinhos em cubas de inox, embora esse envelhecimento seja bastante mais lento do que na madeira, uma vez que não há oxidação dos constituintes do vinho. No entanto, esse envelhecimento é possível nas cubas de inox, já que o tanino não existe só na madeira, mas também se encontra nas grainhas das uvas e nas próprias películas, tanino esse que é activado através do aumento da temperatura e da formação de álcool. Por esta razão é que se faz o desengace do vinho tinto, principalmente com o objectivo de extrair-lhe a substância tânica. Isto significa que o gosto comercial actualmente se centra nos vinhos suaves e macios enquanto que o tanino dá ao vinho uma certa aspereza que não é comercialmente solicitada. Porém, Duarte Carvalho e Silva, um dos maiores produtores vitícolas do Concelho é de opinião contrária e afirma que o consumidor não aprecia os tintos com sabor a madeira velha - que até é considerado um defeito no vinho e sim os vinhos com um paladar a madeira nova. Este produtor vai mais longe e acrescenta que mundialmente há uma grande aposta no envelhecimento em madeira nova e há até casos de vinhos brancos vinificados em madeira nova.15 “Encontra-se no bouquet dos vinhos conservados em cascos novos desde que nascem, uma nota a baunilha, ligeiramente a madeira, muito apreciada.” (Peynaud, 1982:243) Mas é claro que um empresário que opte por esta via tem de estar consciente de que esta é uma escolha muito cara principalmente porque, as madeiras novas são muito dispendiosas. Resumindo, as cubas de inox permitem o controle da temperatura do vinho durante todo o processo de fermentação, são fáceis de higienizar e a sua qualidade - em termos de armazenagem - mantém-se por muitos anos. Estas são algumas das várias explicações 15 É importante salientar que apenas os vinhos tintos são envelhecidos, enquanto que os brancos desejam-se frescos, novos. No entanto isso não significa que os brancos não possam ser vinificados em madeira. 54 para a quebra do uso do vasilhame de madeira, num Concelho vinhateiro como é o Cartaxo. No entanto, estas informações apesar de serem verídicas porque me foram confirmadas pelo informador qualificado já referenciado anteriormente, o facto é que, as cubas têm também algumas desvantagens na medida em que o autor Emile Peynaud diz que “(...) o vinho em casco tem melhor aspecto e sabor. O vinho novo desenvolve-se mais rapidamente em pequeno volume. A cuba retarda a evolução e não permite que se atinja a melhor qualidade. (...) O vinho novo demora mais tempo turvo na cuba do que no casco; a clarificação espontânea faz-se mal em grande volume.” (Ibid) Peynaud acrescenta ainda que “(...) passados dois anos a vantagem gustativa pode voltar-se em favor do vinho em cuba, que se mantém mais fresco.” (Ibid) Mas, de acordo com a opinião do Eng.º João Sardinha, a madeira é ainda tão importante no mercado actual dos vinhos que a questão que se põe é: “O mercado pede o gosto a madeira, tenha ou não o vinho passado por madeira?” É mesmo isso. Mas não é fácil. E se for bem feito nem o mercado nota a diferença, nem os enólogos. Para os vinhos de grande qualidade, sem dúvida que se deve usar barricas.” (Lopes e Martins, 1995:24) O que esta citação levanta é o problema dos vinhos que são vendidos a baixo preço, não poderem pois ser envasilhados em madeira e por isso nele são mergulhadas aparas de carvalho torrado, por forma a conferir-lhe esse gosto a madeira. A outra questão - mais problemática e altamente condenável - é a utilização de determinadas essências nos vinhos, de maneira a ir-se ao encontro daquilo que um determinado mercado ou consumidor prefere. 55 3. O Abate das Árvores e a Secagem da Madeira Como já foi anteriormente referenciado, da boa qualidade do lenho depende obviamente não só a qualidade, resistência e durabilidade das vasilhas como também o sucesso gustativo dos vinhos e aguardentes nelas envasilhados. Por isso o abate das árvores tem de ser levado a cabo na época mais propícia, que oscila entre o fim do mês de Outubro até finais de Janeiro, uma vez que é nesta altura que "(...) a vegetação e a circulação da seiva são quase nulas." (Maurício & Supico, 1991:51) A existência quase nula da seiva proporciona melhores garantias "(...) para a sua conservação e secagem, visto os hidratos de carbono, que são os seus constituintes, ficarem assim reduzidos". ( Tecnologia Florestal, s.d:1)16 Por exemplo, a madeira de castanho deve ser cortada em Janeiro , porque caso contrário, "(...) noutra época a madeira tem muitos sucos gomo-resinosos que se comunicam ao vinho. A madeira, cortada fora do tempo para vasilhas, é o que vulgarmente se chama de pau de aveceiro". (Lapa, 1864:214) No entanto a época exacta do corte de determinadas espécies varia na opinião de autor para autor, havendo até quem defenda que a melhor altura de corte do castanheiro seja entre os meses de Setembro e Outubro. Contudo, pensamos que a época mais apropriada será aquela que foi definida primeiramente, uma vez que vem referenciada dessa forma na maioria das obras consultadas. A forma como a árvore é cortada, determina por sua vez o lado para o qual esta tombará, isto é, depende da forma como os cortes são dirigidos na sua base. O corte pode ser feito de duas formas - manual ou mecânico - embora, como é compreensível, o processo mecânico seja actualmente o mais utilizado, nomeadamente quando a quantidade de árvores a abater é elevada. No processo manual, como elementos intervenientes - para além de pelo menos duas pessoas - as ferramentas utilizadas eram a serra de arco, que na gíria do Cartaxo é também conhecida por zagaia, o machado e o traçador. 16 Esta obra consultada não referenciava quer o seu autor, quer a data, daí ter optado por incluir o título da obra. 56 No processo mecânico, a ferramenta utilizada é a motoserra, que não é mais do que uma serra mecânica e cujo ruído se assemelha ao de uma moto. No Cartaxo, Rogério Marques, o industrial de madeiras por mim contactado, conta que a sua oficina foi a primeira do Concelho, montada pelo seu avô, estando a laborar há cerca de oitenta anos. Antes do aparecimento da serra mecânica, o abate era feito pelo actual proprietário e pelo seu pai "com a ajuda dos assalariados, um machado, um serrote e uma zagaia. No mínimo eram necessárias duas pessoas e era um trabalho moroso. Depois surgiram as serras mecânicas e nós adoptámo-las porque eram mais rápidas.", conta o empresário. Depois do abate, a desrama - após esta operação a árvore passa a designar-se apenas como tronco -, é o procedimento seguinte, sendo feita no próprio local. Há quem defenda a vantagem do abate com a folhagem que funciona como uma espécie de amortecedor, isto é, evita que o choque entre o tronco caído e o solo seja demasiado violento, impedindo que sejam causados danos à madeira. Posteriormente, procede-se ao corte dos troncos, operação esta designada por toragem. O passo seguinte é o de retirar todos os toros da floresta o mais rápido possível e transportá-los para o estaleiro, a fim de se proceder ao seu corte, empilhamento e secagem. Rogério Marques lembra que era hábito irem buscar árvores à Serra do Montejunto e que o transporte destas no tempo do seu avô e ainda do seu pai era feito em carros de bois. "Quando a madeira tenha de ficar na mata não deve ser descascada (...)" (Tecnologia Florestal, s.d:6) e as zonas não cobertas com casca devem ser protegidas " (...) com um produto anti-criptogâmico (...), impermeabilizando-se depois a superfície com um verniz resistente à humidade" (Ibid). Caso não sejam tomadas estas precauções corre-se o risco de insectos se instalarem na madeira durante o período que esta permanecer na floresta. Após a chegada ao estaleiro os toros sofrem a sua primeira transformação, ou seja, são serrados e devidamente empilhados. Contudo, antes da serração, alguns toros devem também ser empilhados e assim permanecerem durante algum tempo. "Madeiras como os 57 carvalhos devem permanecer em toro durante um período mais ou menos longo, antes da serragem" (Ibid), o mesmo não acontecendo com as resinosas, que são reduzidos logo a tábuas. No entanto, é sempre importante que a madeira seja cortada verde, porque nesta fase ela está mais macia, o que facilita o trabalho de corte. No Cartaxo, a madeira quando chegada à serração era empilhada em toros ou cortada verde em pranchas e depois arrumada em pilhas cruzadas, para secarem e fenderem, caso isso acontecesse, e, só a partir daí, é que se faziam as aduelas. A secagem da madeira pode ser feita de duas formas: 1. Secagem natural - em que a madeira após serrada é empilhada em cima de uns apoios, designados por fundações - evitando o contacto desta matéria-prima com o solo de forma alinhada para proporcionar um arejamento eficaz em todas as pranchas. "A secagem natural permite secar a madeira até uma humidade mínima de 12%. Abaixo de 20% de humidade a madeira resiste às podridões ". (Maurício & Supico, 1994:67) É oportuno acrescentar que o teor ideal da secagem natural é de 12% e que os valores acima deste só são possíveis com uma secagem artificial, portanto uma secagem forçada. 2. Secagem artificial - é feita em estufas e passa por diversas fases. 1ª fase: a) " Muito vapor b) Temperatura baixa c) Madeira verde 2ª fase: d) Redução do vapor e) Aumento da temperatura f) Madeira em meio da secagem 3ª fase: g) Pouco vapor h) Temperatura elevada i) Madeira seca " (Ibid) 58 A madeira contém uma percentagem de humidade, que quanto mais baixa for, mais seca se encontra. Por isso, em contacto com o meio ambiente é muito fácil a esta matéria prima ter muitas variações na quantidade de água que possui, entumecendo ou retraindo conforme as situações. "De tal jogo podem resultar empenos e irregularidades nas superfícies (...), assim como fendas que depreciam as peças nas quais a madeira está aplicada". (Frade, 1958:30) Mas a madeira pode também estar em equilíbrio com o ambiente quando "(...) não há perdas nem aumentos de humidade (...)" (Maurício & Supico, 1994:66) Estes autores referem também que, por exemplo, a quantidade de água existente na madeira de carvalho verde é de cerca de catorze litros, enquanto que seca até ter uma humidade mínima de 12% - isto é, a humidade de equilíbrio - é de somente dois litros. Assim sendo, a madeira seca tem algumas vantagens que passam por: 1. " Menor variação de dimensões "; 2. " Maior resistência mecânica "; 3. " Menos possibilidades de apodrecer ". (Ibid) Portanto, pode dizer-se que o principal objectivo da secagem da madeira é a remoção da água nela existente, de modo a torná-la mais apta a ser trabalhada e com uma maior resistência mecânica. No caso da tanoaria, "para uma boa secagem o tempo necessário deverá ser de no mínimo oito meses, convindo, no entanto, atingir os doze. Este período de secagem pode ser reduzido com a utilização das estufas, mas provou-se não ser tão eficaz como a secagem natural". (Op. Cit.,173) Na opinião de Rogério Marques a melhor madeira para aduela é o castanho, precisamente por abrir poucas fendas. 4. Principais Características Fisicas e Químicas da Madeira As propriedades físicas da madeira manifestam-se de diversas formas, algumas das quais foram já desenvolvidas no subcapítulo anterior e, que se podem resumir-se em: 1. Peso - tal como já foi igualmente referenciado, a densidade normal é "(...) aquela que corresponde a uma humidade de 12%." (Maurício & Supico, 59 1994:42). Ligada à densidade está também a dureza da madeira, na medida em que "(...) quanto mais densa é (...) mais dura é "por sua vez a madeira. (Op.Cit,43). A secagem torna-se também muito mais difícil se a densidade da madeira for acentuada. Assim sendo, o peso varia consoante a humidade retida no lenho e é também "(...) determinado pela estrutura interna (...)" (Johnson, 1994:249) da própria madeira. 2. Durabilidade - "Diz respeito à capacidade da madeira para resistir à podridão sem necessidade de tratamentos preventivos (...)." (Ibid). É claro que esta característica da durabilidade está directamente dependente do facto de a madeira estar ou não bem seca. 3. Retractilidade - dependendo da humidade que a madeira contenha, assim vai variar a sua capacidade de retracção ou entumecimento, isto é, inchamento. Por exemplo se uma madeira estiver muito seca, a tendência é ela absorver a humidade do meio exterior o que lhe vai provocar o entumecimento que, no caso dos cascos, pode gerar sérios problemas. Para além disso quando o lenho está muito seco, pode inclusivé abrir fendas. Se a madeira for trabalhada ainda verde, ou seja, com muita humidade, o que sucede é precisamente o contrário do anteriormente explicado, a retracção. No caso da tanoaria isto pode causar sérios danos à vasilha, uma vez que os arcos que apertam as aduelas passam a ficar mais folgados e as próprias aduelas podem ficar empenadas. O ideal é trabalhar a madeira com a humidade de equilíbrio, pois só assim se evitam as perdas e aumentos da mesma. As propriedades mecânicas são igualmente fundamentais para o sucesso das obras feitas em madeira. Manuel Maurício e António Supico, definem-nas e classificam-nas do seguinte modo: 1 Flexibilidade - "Propriedade que as madeiras têm de se curvar, no sentido longitudinal, ao ser-lhes aplicada uma determinada força". Por isso, as madeiras utilizadas na tanoaria devem possuir esta propriedade, para que as aduelas possam ser executadas. Caso contrário, a madeira não resistiria à pressão. 60 2. Fendibilidade - "Propriedade que as madeiras têm em oferecer resistência ao aparecimento de fendas na direcção das fibras (...)". As fibras constituem a textura da madeira, por isso se ela estiver demasiado seca, tem mais tendência para fender. 3 Resistência - "Propriedade que as madeiras têm de se deixarem transformar quando lhes é aplicada determinada força. Esta propriedade pode ser, quanto à flexão, tracção, compressão, choque ". 4. Dureza - "Propriedade que as madeiras têm de oferecer resistência quando penetradas por qualquer corpo (pregos, parafusos, etc.) ". (1991: 43-44) Depois de analisadas as características físicas e mecânicas da madeira, é importante estender esta observação até à opinião de Hugh Johnson, especialista em silvicultura, que considera ter esta matéria-prima mais duas características importantes: o seu valor económico e ecológico. “A primeira é que a madeira é uma matéria prima (...), com baixo consumo de energia para a sua transformação e posterior trabalho. A título exemplificativo, a energia necessária para fabricar uma janela de alumínio, tendo em conta desde o momento em que se extrai o mineral, até à colocação da janela (...), é de dezassete vezes maior do que para fazer a mesma janela em madeira. A segunda é o aumento da procura da madeira que fará com que aumentem os nossos bosques." (Johnson, 1994:91) Isto originará uma política de reflorestação do Planeta, uma vez que a madeira contrariamente a outras, é uma riqueza renovável, o que certamente irá melhorar muitos dos problemas climáticos que estão já a surgir. "Este é um dos trabalhos mais importantes que a longo prazo podem ter os governos de todos os países ." (Ibid) 61 PARTE III O TRABALHO TECNOLÓGICO 1. A OFICINA: SUA ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO «O vinho é composto de humor e luz» Galileu Galilei Interessante esta reflexão de Galileu sobre o vinho. Sendo o vinho uma maravilhosa criação humana, a arte do envasilhamento dos vinhos é também ela plena de sabedoria. A oficina de tanoaria é o único e principal local de construção das vasilhas vinícolas de madeira. É neste sítio que se inicia toda a magia, encanto e arte de tanoar, trabalho este que será posteriormente apreciado nos chamados templos do vinho, ou seja, nas adegas. Apesar do trabalho árduo, há uma certa magia e beleza nos actos de vergar as aduelas, de usar o fogo e a água em quantidades certas ou de proceder à estanquicidade da vasilha. O trabalho é feito com perícia e com alegria. Por ser esta tecnologia tradicional bastante complexa do ponto de vista tecnológico e dadas as dimensões do produto construído – barris, cartolas, balseiros, tonéis, etc -, a actividade exige de facto um local próprio. Tradicionalmente, as oficinas não só de tanoaria, mas também de outros ofícios eram localizadas num anexo à casa de família do Mestre artesão. Sendo estas empresas de cariz maioritariamente familiar era pois neste espaço que se localizavam estas indústrias. Na pesquisa por mim levada a cabo, esta situação constata-se, embora não em ambas as oficinas. A Oficina 1 , como foi referenciado anteriormente é parte integrante de uma Quinta Agrícola, que possui uma casa – antiga morada da família proprietária-, mas que neste momento, integra simultaneamente os escritórios da empresa vinícola. Contudo, um dos anexos da casa principal foi destinado à prática da tanoaria, não só pelas dimensões que possui, como também por se encontrar muito próxima da adega da Quinta, onde se encontram todo o património em vasilhas de madeira, algumas delas com mais de meio século. 62 No caso da oficina 2 , esta situação não se verifica e o artesão tem um espaço alugado, destinado à prática da sua actividade. Como qualquer outro local de trabalho, as oficinas de tanoaria devem ser detentoras de algumas características que consideramos indispensáveis ao bem estar de quem nelas trabalha e à melhor eficácia na produção dos barris. Assim sendo, deverá a oficina: • Ser ampla; • Ser espaçosa; • Ter todo o seu espaço organizado, de modo a não ser dificultada a circulação e trajectória de quem nela trabalha; • Possuír espaços reservados para os utensílios, ferramentas e máquinas - caso estas últimas existam -; • Ter muita luminosidade, de preferência natural; • Possuír um piso fácil de ser higienizado e que não seja irregular; • Possuír água canalizada ou, em contrapartida, ser fácil o acesso a esta. No Cartaxo, as oficinas de tanoaria não possuem grande parte das características supracitadas. A Oficina 1, como já foi referido anteriormente, situa-se na freguesia de Vila Chã de Ourique e é parte integrante de uma quinta agrícola, de seu nome Quinta da Fonte Bela Este espaço encontra-se localizado no pátio, a poente da construção principal (casa de habitação), de frente para as gigantescas adegas que albergam dezenas de tonéis, alguns dos quais têm uma capacidade para trinta mil litros de vinho e outros a pesarem cerca de quatro toneladas. Exterior da Oficina 1 – Qtª Fonte Bela (Fig. 4) 63 Por ser parte integrante de uma construção arquitectónica do século XIX, esta oficina tem uma área que é muito difícil encontrar em qualquer parte do País. Pelos cerca de trezentos metros quadrados, estão distribuídos todos os equipamentos e materiais inerentes à prática da tanoaria. As paredes estão construídas em alvenaria de pedra seca, isto é, pedra sobre pedra sem qualquer tipo de ligantes, o piso é térreo, a estrutura da cobertura é em madeiramento e o seu revestimento com telha de canudo ou telha mourisca. Devido à sua grande área esta oficina possui quanto a nós um grande inconveniente: a falta de luminosidade é uma constante dado que não existem janelas apenas pequenos protecções que óculos sem permitem a entrada de pouca luz natural -. Interior da oficina 1 – Qtª Fonte Bela (Fig. 5) Mesmo com um portão de duas folhas de grandes dimensões e completamente aberto, o centro e o fundo da oficina permanecem sempre com uma rarefacção de luz. Por isso todo o trabalho é desenvolvido junto à sua porta já que aí a visibilidade natural é bastante boa. A oficina possui luz eléctrica situada ao centro, mas a luz artificial é muito insuficiente para iluminar convenientemente tão grande espaço. O paramento é de pedra à vista e as paredes interiores também o são. O seu portão de madeira e de cor verde, encontra-se virado para norte e está sempre aberto - o que é um indicador de que o tanoeiro está a trabalhar -. No seu interior, as paredes não estão nem rebocadas, nem pintadas. O piso, por ser térreo, é ligeiramente irregular e durante o Inverno bastante desagradável por ser frio. Como há necessidade por vezes de fazer lume para bastir as vasilhas, segundo José da Veiga, “(...) o tecto deve ter saída para o fumo (...)” (1954:34), no entanto aqui isso não 64 acontece e quando tal procedimento tem de ser tomado, o fogacho é acesso junto à porta e as vasilhas aí bastidas, tal como quase todos os outras tarefas. Preparação do fogacho – Oficina 1 (Fig. 6) Acendimento do fogacho – Oficina 1 (Fig. 7) A água canalizada não se encontra dentro da oficina, mas sim no exterior desta, em frente à porta. Junto da torneira está a pedra de afiar ou a mó. A água que esta pedra recebe na parte superior de modo a poderem ser afiados os diversos instrumentos cortantes, deveria provir directamente da torneira, mas tal não acontece porque a pedra não está colocada por debaixo da torneira e sim ao seu lado. A água é então deitada através de um qualquer recipiente. Quanto à disposição dos materiais e ferramentas, a desorganização impera, mas todos eles se encontram ao redor da oficina - principalmente junto às paredes - ficando a parte central desta mais liberta para que os diversos movimentos do tanoeiro não sejam limitados. Existem algumas prateleiras e armários, mas na maior parte das vezes as ferramentas não se encontram aí guardadas e sim dispersas por alguns sítios mais ou menos certos para quem os usa. Pensamos que esta situação advém do facto de o tanoeiro existente nesta oficina trabalhar sozinho; os utensílios apenas por ele 65 manuseados, são colocados um pouco anarquicamente o que provoca uma certa desorganização no seu local de trabalho. O Quadro 1 que se apresenta de seguida, identifica as ferramentas, instrumentos e máquinas existentes nas duas oficinas estudadas, a localização e mobilidade destes, dentro do espaço de trabalho. MOBILIDADE DAS FERRAMENTAS, INSTRUMENTOS E MÁQUINAS NAS OFICINAS Quadro 1 LOCALIZAÇÃO NA OFICINA NOME Ferramentas Alheta Baixete Cavilha Compasso Cunha de Empalhar Descravadeira Fogareiro Funil Gato Goiva Moço Mola Pareia Ponção Repuxo Talhadeiras Travadeira Tufo Turquês Instrumentos Banco de tanoeiro FUNÇÃO CLASSIFICAÇÃO MÓVEIS FIXAS Fundar Apoiar Pregar Riscar Abrir os juntos Descravar ou cravar Fogacho Suar e parafinar Tirar os fundos Abrir buracos para válvulas nos postigos Segurar as aduelas Bastir Medir Furar "Embelezar" Cortar Dar "trava" às serras Abrir o batoque Arrancar pregos Impacto -----Impacto Fricção Impacto x x x x x -----x ---------------- Prateleiras17 Solo (exterior da oficina) Prateleiras Prateleiras Prateleiras Impacto x ------ Prateleiras ----------- x x ----------- Solo (exterior) Solo (interior ) Impacto x ------ Prateleiras Impacto x ------ Prateleiras Prender x ------ Prateleiras Impacto -----Impacto e furar Impacto Impacto ------ x x x x x x ------------------------------- Prateleiras Solo (interior) Prateleiras Prateleiras Prateleiras Prateleiras Furar x ------ Solo (interior) Impacto x ------ Prateleiras Fricção ------ x18 Junto à parede Aparelhar 17 No caso da Oficina 1 como não existem prateleiras, as ferramentas e alguns instrumentos, são guardados nos armários, quando não estão a ser usadas. Caso contrário nunca são arrumadas, a não ser no final da (s) vasilha (s) construída (s). 18 Dentro das oficinas de tanoaria, todas as ferramentas, instrumentos e máquinas são móveis, com excepção da Bigorna que é fixa no solo, por forma a permanecer na posição vertical. No entanto, existem outros que pelo seu 66 Embutir Cravar e descravar Desbastar "Receber" o impacto das marretas Arrunhar Impacto Impacto x ------ -----x Prateleiras Junto à porta Fricção Impacto x x ----------- Prateleiras Prateleiras Fricção x ------ Banco de tanoeiro e prateleiras Afagar Fricção x ------ Banco de tanoeiro e prateleiras Aparelhar Traçar Segurar Desbastar Abrir o javre "Apontar" Bastir Fricção Riscar Prender Fricção Fricção Fricção Impacto x x x x x x x ------------------------------------ Banco de tanoeiro Prateleiras Prateleiras Prateleiras Prateleiras Prateleiras Prateleiras Bastir e chanfrar Amolar Impacto x ------ Prateleiras Fricção ------ x Picadeira Plaina de chão Plaina de mão Raspador Raspilhas Picar o sarro Juntar Tornear Raspar Esquivir Impacto Fricção Fricção Fricção Cortar x ----x x x ----x ---------------- Serra de cortar e serra de rodear Trado Máquinas Arco de pua Cortar e rodear Cortar x ------ Junto à parede e atrás da porta e no 19 exterior da oficina Solo (interior) Junto à porta (interior) Banco de tanoeiro Prateleiras Parede (penduradas) e em cima de 20 uma mesa Parede (penduradas) e em cima de uma mesa Abrir orifícios Furar x ------ Prateleiras Abrir os batoques Cortar fundos Furar x ------ Prateleiras Cortar ------ x Junto à parede Bastir Resistência ------ ------ Levantar tonéis Resistência x ------ Arrecadação (exterior à oficina) e 21 interior da oficina Junto à parede 40 6 Batoqueira Bigorna Bedame Chaço de cabo Enxó de arrunhar Enxó de carpinteiro Garlopa Graminho Grampo Grosa Javradeira Lima Marreta de bastir Marreta de pena Pedra de Afiar Banco de cortar fundos Macaco de corda Macaco de elevação TOTAL peso e dimensões encontram-se sempre no mesmo lugar dentro das oficinas, daí nós termos adoptado para estes a classificação de fixos. 19 A Pedra de Afiar na Oficina 1 é que se encontra no exterior desta. 20 As Raspilhas e as Serras, na Oficina 1 é que se encontram numa mesa e não nos armários, pela razão de serem instrumentos relativamente grandes. 21 No caso da Oficina 1, como a sua área é muito grande, o Macaco de Corda também está guardado no seu interior. No que diz respeito à Oficina 2, tal como foi referenciado anteriormente, como actualmente já não se constroem vasilhas novas, este instrumento é perfeitamente dispensável, daí ele estar guardado num local afastado da oficina, conjuntamente com as vasilhas de grande porte que necessitam de ser reparadas e com aquelas já reparadas e que aguardam o transporte para as adegas donde são provenientes. 67 A Oficina 2 situada na freguesia do Cartaxo e simultaneamente sede de concelho, possui na generalidade as mesmas características e lacunas da oficina anterior, registando-se algumas dissemelhanças. Trata-se de uma oficina muito mais pequena - cerca de 47 metros quadrados - sendo a sua construção também em alvenaria de pedra. A data de construção remonta ao último quarto do século XIX. Tal como a anterior, o tecto é em madeiramento e a cobertura em telha de canudo, o piso é térreo, irregular e também não possui qualquer janela. A porta é de duas folhas, igualmente em madeira e de cor verde. A disposição dos materiais, ferramentas e instrumentos é menos desorganizada do que na oficina 1, provavelmente por três razões: 1. O espaço é bastante mais reduzido; Exterior da Oficina 2 (Fig.8) 2. Nesse espaço por vezes, trabalham dois tanoeiros; 3. Existem diversos exemplares de cada uma das ferramentas, o que não acontecia na Oficina 1, dado que o ritmo e as solicitações de trabalho na Oficina 2 são muito maiores do que no primeiro caso, onde existe apenas uma produção caseira. Daí que na Oficina 2, as ferramentas estão em grande parte nas prateleiras, à excepção da matéria prima, dos instrumentos e máquinas22 de grande porte que se encontram em redor das paredes de toda a oficina, de modo a que o centro permaneça livre. 22 As designações referentes a ferramentas, instrumentos e máquinas, serão explicadas no Grupo IV, tendo sido esta tipologia adoptada do autor Marcel Mauss. O facto de ter salientado já anteriormente que a tanoaria é uma actividade completamente artesanal não entra em contra-senso com a existência de algumas máquinas nas duas oficinas estudadas, uma vez que a máquina tem aqui uma classificação exclusivamente tecnológica. 68 Neste local é importante que as ferramentas tenham um sítio certo para que de arrumação, nenhum dos utilizadores perca tempo a procurá-las, quando delas necessitar (ver Quadro 1). Tal como existem na Oficina diversas 1 vasilhas desmanchadas e por essa Interior da oficina 2 (Fig.9) razão as aduelas encontram-se agrupadas e encostadas às paredes, paredes estas que, por sua vez, estão algo danificadas e muito escuras, devido ao pó que contêm. Os paramentos são rebocados e caiados de branco. Certamente paredes interiores mais limpas e pintadas de branco dariam a esta oficina uma maior luminosidade. Muitas das operações tecnológicas são executadas junto à porta e por vezes até o são no exterior - quando as condições climatéricas assim o permitem -, por três motivos: • Espaço exíguo, o que dificulta por vezes o desenvolver de determinadas tarefas, especialmente quando se trata de uma vasilha de maiores dimensões; • Luminosidade natural deficiente, devido à inexistência de janelas; • Não existência de luminosidade artificial, ou seja, luz eléctrica. No entanto o artesão da Oficina 2 mostrou intenção em executar obras na sua oficina, não só com o objectivo de melhorar o aspecto interior da mesma, mas também de forma a melhorar as suas condições de trabalho, melhorias essas que passarão pela instalação de luz eléctrica no local e muito possivelmente pela construção de uma chaminé, para que os 69 trabalhos que exijam a utilização do fogo possam ser realizados no interior da oficina e não no exterior. Esta oficina não tem água canalizada, de modo que quando é necessário utilizá-la, os artesãos vão buscar a água a um dos dois poços existentes na propriedade onde está inserida a oficina. Para finalizar, resta acrescentar que no Concelho do Cartaxo as oficinas de tanoaria, para além de outras características, são essencialmente locais sombrios, frescos no Verão e, por isso, algo desagradáveis no Inverno, o que revela que há portanto pouco cuidado quer na escolha do local de trabalho, quer na sua adaptação arquitectónica e na sua manutenção. Já em 1954, José da Veiga escrevia: “A maioria das tanoarias em Portugal são verdadeiros pardieiros, construídas sem se ter atendido aos mais elementares princípios da técnica”: (1954:36) No que diz respeito ao aspecto decorativo e à animação das oficinas, o destaque vai para a Oficina 2, onde as paredes exibem diversos calendários, para além de existir ainda um rádio a pilhas na maioria das vezes sintonizado em estações radiofónicas locais. 70 2. AS DIFERENTES FASES DO TRABALHO TECNOLÓGICO Todo o trabalho tecnológico é distribuído por diversos momentos, fases estas que poderão ser mais ou menos demoradas, dependendo isso da complexidade dos procedimentos a serem tomados em cada uma delas, da profissionalidade do tanoeiro e da existência ou não de uma actividade mecanizada. A tanoaria é o exemplo típico de uma técnica muito faseada, o que, se por um lado torna toda a observação directa e a descrição muito mais complexa e trabalhada, é por outro lado mais aliciante tornando-se, por conseguinte, um desafio. Assim sendo, entre fases e subfases, na construção de uma vasilha de madeira contam-se pelo menos trinta e quatro diferentes procedimentos. 2.1. A Aparelhagem da Madeira Depois de concluído todo o trabalho de preparação das madeiras, é chegada a altura de se proceder à aparelhagem da madeira23, operação esta que poderá ser manual ou mecânica. No concelho do Cartaxo, toda esta actividade permanece totalmente artesanal, na medida em que não intervém qualquer máquina no fabrico das vasilhas vinárias. Antes de se entrar propriamente nesta fase, é importante verificar se a madeira tem o comprimento desejado para a construção da vasilha; caso não o possua, o tanoeiro deve: • Serrar a madeira à talha, o que significa dar-lhe somente o comprimento necessário. O tanoeiro da Oficina 1, confessa-nos que ao formar-se uma vasilha há sempre uma aduela que serve de medida a todas as outras e que a esta aduela é dada a designação de talha. • Lavrar a madeira, ou seja, proceder à sua aparelhagem, de modo que possa ser transformada em aduela. 23 Ao longo de todo o trabalho, todas as operações e designações técnicas aparecerão em itálico. Neste estudo não será incluído um glossário técnico, uma vez que o significado quer das operações, quer das designações técnicas está descrito ao longo do corpo do trabalho. A designação das ferramentas surgem ao longo desta pesquisa em negrito, enquanto que os diversos materiais usados na tanoaria encontram-se sublinhados. 71 Se por acaso a madeira já tiver o comprimento que se deseja, então a primeira operação é dispensável e procede-se directamente à aparelhagem desta. A aparelhagem manual da madeira inclui no seu seio diversas operações: 2.1.1. Esquivir, é a operação que tem como finalidade tornar a aduela mais estreita desde o centro até às pontas. Esta operação pretende dar mais ou menos bojo à vasilha. Quanto mais bojuda esta for, melhor será o seu aspecto, para além de ser mais fácil de rebolar. No entanto as vantagens não compensam os inconvenientes, uma vez que quanto maior for o bojo, mais difícil é o vergamento das aduelas, dada a distância das extremidades destas em relação ao solo, porque há necessidade de um maior aperto e isso origina o partir de muitas mais aduelas A aduela é esquivida no banco de tanoeiro e com a ajuda de uma raspilha. 2.1.2. operação Tornear, é esta também conhecida por “dar torno à madeira”, o que implica dar à aduela uma forma mais arredondada. Esquivir – Oficina 2 (Fig.10) A aduela é torneada lateralmente e do lado exterior. Trata-se de uma operação que exige muito profissionalismo, já que dela dependem os bons ajustes entre todas as aduelas da vasilha. Caso contrário o resultado seria desastroso, isto é, a vasilha não ficaria perfeita. Para este trabalho é usada a plaina de mão. 2.1.3. Vazar, consiste em adelgaçar as aduelas, mas desta feita pelo lado interior. Trata-se novamente de um trabalho minucioso e rigoroso, dado que esta operação tem de estar em conformidade com a anterior, ou seja, com o torno. À 72 madeira é assim infligido um desgaste, embora este não afecte a aduela em toda a sua extensão, limitando-se esse desgaste de colete a colete, isto é, às extremidades superior e inferiores da aduela. Segundo opinião do tanoeiro da Oficina 2 , esta operação só é desenvolvida quando a madeira é muito grossa, o que revela não ser para si um procedimento imprescindível 2.1.4. Juntar, a operação de juntar a madeira, é importante para desempenar e polir os juntos de forma a que quando a vasilha for montada, as aduelas estejam perfeitamente juntas umas com as outras, evitando eventuais folgas. Aduela – Oficina 2 (Fig.11) Da perfeição operação desta depende última a durabilidade da própria vasilha. As aduelas são desempenadas numa plaina de chão Juntar a Madeira – Oficina 1 (Fig.12) 73 2.2. Parear a Madeira e Armar a Vasilha 2.2.1. Parear a madeira, é a designação dada à operação de saber o número de aduelas necessárias para a construção de uma vasilha, número esse que varia consoante a capacidade que se deseja para o vasilhame. Parear a madeira é um acto importante porque através dele mede-se “(...) a madeira necessária para uma vasilha ficar com capacidade. vulgar centímetros, determinada É uma tábua graduada em tendo numa extremidade um amparo. Deve ser apoiada em três pernas e Parear a Madeira – Oficina 2 (Fig. 13) ficar inclinada a 45 graus. As aduelas são colocadas a par umas das outras(...)”. (Veiga,1954:55) Na Oficina 2, para se medir a pareia utiliza-se de facto uma tábua de madeira , cuja graduação está registada a giz, tendo esta sido calculada com a ajuda de um metro. Tratase de um método muito rudimentar, em que os registos graduados a giz têm o inconveniente de com o tempo se apagarem. Por exemplo, nessa régua graduada, 1,52 metros de comprimento equivale a uma vasilha com capacidade para 120 litros. 2.2.2. Armar, o casco significa colocar em pé todas as aduelas dentro do primeiro arco de bastição. A primeira aduela que 74 levantará a vasilha será aquela onde será aberto o batoque. As aduelas um pouco menos resistentes e que possuam alguma nodosidade - se bem que é sempre aconselhável evitar utilizar as madeiras que possuam nós na tanoaria -, são desaconselháveis para nelas ser feito o batoque , porque o risco de perdas de vinho é muito forte. Armar a Vasilha – Oficina 2 (Fig.14) Assim sendo, na aduela mais forte é que será aberto o batoque. Olhando a figura acima, pode observar-se que a aduela do batoque é aquela que está segura por um grampo – a primeira do lado direito -, isto é, significa que foi a primeira a ser colocada dentro do primeiro arco. Por esta razão é que o arco é conhecido por molde. Assim que o casco esteja levantado, dentro do primeiro arco é preciso agalhar a vasilha, operação que consiste no acerto das aduelas nas suas extremidades. Na mesma figura pode de igual modo ser visto que as aduelas não estão todas à mesma altura e para que a vasilha não fique imperfeita é preciso agalhá-la. Como ferramenta e instrumento pode utilizar-se o grampo ou um moço, cuja finalidade é segurar as primeiras aduelas, quando se está a armar a vasilha. Enquanto a primeira peça é de ferro, a segunda é de madeira.24 O artesão da Oficina 2, apesar de utilizar o grampo tem preferência pelo moço, dado que esta ferramenta é mais rápida de ser manuseada ou utilizada já que não necessita de ser apertada, como acontece com o grampo. A partir 24 Ver capítulo das ferramentas e instrumentos, bem como os respectivos anexos. 75 daqui o artesão vai colocando os restantes arcos de bastição, para que a vasilha possa manter-se segura. 2.3. Bastição Bastir um casco significa vergar as aduelas de um qualquer vasilhame de madeira. Para que isso possa ser feito, o fogo tem aqui um papel decisivo, na medida em que só através dele é que a madeira se torna mais maleável. O fogo possui a particularidade de tornar as aduelas suficientemente flexíveis para que possam ser bastidas, tomando assim a forma definitiva. Armar a Vasilha – Oficina 1 (Fig. 15) Para tal, é feito um fogacho e a vasilha é invertida sobre este, enquanto a lenha arde dentro de um fogareiro. De seguida o artesão vai batendo nos arcos, de modo a que estes façam mais pressão sobre as aduelas e por conseguinte apertem mais a vasilha. Como instrumentos são utilizados a marreta de bastir ou a marreta de pena. O primeiro é somente usado nos cascos de capacidade superior a 800 litros, enquanto que o Bastir o barril (Fogacho) – Oficina 1 (Fig. 16) 76 segundo instrumento é utilizado em vasilhas de menor porte. A razão desta destrinça é devido ao peso da marreta de bastir que é sensivelmente de cinco quilogramas, enquanto a marreta de pena pesa apenas dois quilos. Por isso uma vasilha mais pequena não suportaria o impacto de um instrumento de cinco quilos. No entanto, quando se está a armar uma vasilha com aduelas que ainda não estejam vergadas, o procedimento é o mesmo descrito anteriormente mas com a particularidade de o macaco com corda ser o instrumento utilizado para bastir as aduelas, sempre, é claro, com a ajuda do fogo. Só posteriormente, quando a vasilha já estiver levantada, o tanoeiro volta novamente a utilizar o fogacho da forma como foi descrito no início. A água é também aqui utilizada porque através dela evita-se que a vasilha aqueça demasiado e em consequência disso começe a arder. A bastição é das operações que maior profissionalismo e acuidade exige, já que se torna muito fácil quebrar as aduelas durante este trabalho, nomeadamente se a madeira não for de boa qualidade e se o tanoeiro não tiver grande experiência. Concluída esta operação, podemos acrescentar que o número de arcos varia consoante a dimensão da vasilha, mas, de uma maneira geral, a maioria delas possui dez arcos - cinco na parte superior e outros cinco na parte inferior -, que tomam as seguintes designações: 1º arco - cabeça;25 2º arco - javre; 3º arco - colete; 4º arco - sobre-bojo; 5º arco - bojo Contudo, existem inúmeras vasilhas que levam somente oito arcos - quatro em cada uma das extremidades - : 1º arco - cabeça; 2º arco - jabre; 3º arco - sobre-bojo; 4º arco - bojo26. 25 A denominação que se dá ao primeiro arco de bastição (cabeça), advém do facto de este estar precisamente à "cabeça" da vasilha, quer seja na parte superior da mesma, quer seja na parte inferior. É também oportuno acrescentar que durante a execução de um casco este arco é igualmente denominado de molde. 77 Mas há ainda vasilhas que contêm mais de cinco arcos: 1º arco - cabeça; 2º arco -javre; 3º arco -colete; 4º arco - rabo-palhas;27 5º arco - sobre-bojo; 6º arco - bojo. Por vezes aparecem também vasilhas com sete arcos, mas esta situação é já muito rara. O material do qual são constituídos os arcos - ferro -, é adquirido nas lojas de ferragens, mas na maioria dos casos os profissionais não necessitam de os comprar, uma vez que nas suas oficinas existem muitos arcos que pertencem aos vasilhames que já não são aproveitáveis. Vasilha com Oito Arcos – Museu Rural e do Vinho do Cartaxo (Fig. 17) Tradicionalmente havia oficinas que os adquiriam nas zonas limítrofes, principalmente nas Caldas da Rainha. Posteriormente, este material passou a ser comercializado no Cartaxo. No entanto, sempre que é necessário adquirir um rolo de ferro para arcos de vasilhames em madeira, o tanoeiro da Oficina 2 compra-os em Esmoriz, já que de lá vêm outros materiais como a parafina, madeira e vasilhas novas. A dimensão necessária para os arcos é determinada através de uma palha de tabúa, que é colocada ao redor da vasilha e a partir daqui corta-se o ferro com a mesma medida da palha. Esta palha tem uma função 26 Torna-se importante esclarecer que na parte superior da vasilha, os arcos contam-se de cima para baixo, enquanto que na extremidade inferior é ao contrário, ou seja, o primeiro arco (cabeça), é o que está em baixo, ao passo que o último arco (bojo) é o que está em cima. 27 José da Veiga, refere que a denominação de rabo-palhas é devido à palha de tabúa aplicada nos juntos das aduelas que ao ser puxada para baixo, termina no arco seguido do colete. ( 1954:107) 78 primordial quase no final da construção ou restauração da vasilha, já que serve para calafetar de forma eficaz os juntos do barril. (ver os pormenores desta operação mais adiante). Para além disso, os arcos têm polegadas específicas conforme a dimensão das vasilhas. Esta situação não será aqui mais especificada, uma vez que os tanoeiros alvos da pesquisa, não limitavam o seu trabalho às polegadas dos arcos. O arco sofre ainda a intervenção da mão humana, antes de ser colocado em redor das vasilhas, operação esta designada por: 2.3.1. Chanfrar, que consiste em dar ao arco o formato da vasilha de modo a este poder unir e apertar as aduelas, ou seja, a finalidade desta operação é apertar o arco por baixo e simultaneamente alargá-lo por cima. Quando o arco não fica bem apertado à vasilha, os tanoeiros costumam dizer que o arco tem pouco “chanfro”, por isso torna-se necessário voltar a chanfrá-lo. Durante esta operação, o tanoeiro coloca o arco na bigorna de tanoeiro e inflige neste, diversos movimentos de percussão com a ajuda de uma marreta de pena. Após esta fase, o tanoeiro corta as extremidades do arco com a Chanfar o Arco – Oficina 1 (Fig. 18) ajuda de uma talhadeira ou simplesmente com uma talhadeira de volta, de modo a que esta última possa dar uma forma arredondada a essas mesmas partes. Este procedimento, tal como o anterior, é executado numa bigorna. 79 2.3.2. Cravar, acontece quando o arco já está preparado para ser colocado no casco, as suas extremidades são presas com os cravos operação ou os é de rebites. Esta igual modo desenvolvida na bigorna, tal como pode ser observado na imagem. Cravar o Arco – Oficina 2 (Fig. 19) As ferramentas utilizadas na cravação do arco são: o ponção - cuja finalidade é abrir os furos no arco onde serão seguidamente cravados os rebites - e o repuxo que "serve para tornar cilíndrica a cabeça dos cravos". (Veiga, 1954:59). Esta ferramenta é utilizada nos rebites através de um movimento de percussão e no repuxo é também infligido em simultâneo esse mesmo movimento com a ajuda da marreta de pena. Para além disso, se por acaso a bigorna não possuír os buracos que geralmente tem na parte superior, é necessário para ajudar a cravar o arco uma descravadeira. Tal como a designação indica, esta peça serve também para descravar o arco quando tal for necessário. É de igual modo importante acrescentar que, às cravaduras é conveniente dar-lhes um sentido estético, daí que estas devem sempre ficar viradas para o lado direito. A seguir à bastição, é necessário que o tanoeiro ajuste todos os arcos o mais possível contra as aduelas, de modo a que estas fiquem bem vedadas. Nesta fase a marreta e o chaço são as ferramentas utilizadas. José da Veiga salienta a necessidade de manter a vasilha no fogacho pelo menos durante quinze minutos, caso contrário, “(...), as aduelas não conservam o vergamento e tendem a endireitar-se apenas se alargarem os arcos”. (1954:99). Assim, enquanto o fogo vai tendo a sua acção, o tanoeiro vai ajustando os arcos à vasilha, sempre com movimentos de percussão em que a marreta de pena bate num chaço de cabo e este por sua vez nos arcos (ver imagem anterior da bastição). 80 Deve ainda atender-se à importância de que o fogacho só é utilizado quando se pretende bastir as aduelas, isto é, quando se constrói um casco. É claro, que estando neste momento a tanoaria no Concelho do Cartaxo reduzida essencialmente à reparação de vasilhas, a bastição e o fogacho são procedimentos muito pouco utilizados porque os restauros são na maioria das vezes feitos com aduelas de outros cascos “abatidos”. Quando iniciei a pesquisa de campo na Oficina 1, deparei com uma situação que inicialmente considerei invulgar: a construção de miniaturas de barris - denominados em conjunto, como "bar" - para a qual apesar da sua pequena dimensão, não deixam de ser efectuados todos os passos utilizados na construção de outro qualquer vasilhame de superior capacidade de armazenagem. Estes pequenos vasilhames destinam-se a representar a Quinta da Fonte Bela em diversos certames vinícolas ou de promoção das artes e ofícios tradicionais. Com o desenrolar da pesquisa percebi que, este trabalho não é tão invulgar quanto pensava, dado que muitos dos tanoeiros agora reformados têm o hábito de executar estas pequenas vasilhas para ornamentar as suas pequenas adegas, tertúlias ou bares. É uma forma de nunca estarem completamente desligados da actividade, que, em muitos casos, motivos de saúde forçaram ao total abandono. Por outro lado, os apreciadores de vinhos e os apreciadores de trabalhos artesanais, são fortes consumidores deste tipo de produto. A construção destes pequenos barris, permitiu-me portanto a possibilidade de observar estas operações, o que, de outro modo, seria inviável, na medida em que a construção total de vasilhame vinário nesta região está praticamente extinta. 2.3.3 Apertar, a vasilha é um procedimento tomado quando o tanoeiro está apenas a restaurar uma vasilha de madeira e não a construí-la. Como ele neste processo não utiliza fogacho, terá de ajustar da mesma forma os arcos ao casco, por isso as restantes operações acabam por estar de igual modo implícitas, ou seja, apenas o fogacho e a bastição é que não são utilizadas. Em vez da bastição, os artesãos denominam esta fase como aperto da vasilha28. 28 Aconselho a observação das fotos da bastição e do aperto da vasilha, para que se possa entender melhor as diferenças. 81 Curioso é o facto de, na colocação dos arcos, os tanoeiros seguirem um ritual de movimentos corporais que se resumem na percussão da marreta sobre o chaço, circulando continuamente à volta da vasilha - como se de uma caminhada se tratasse - e em que os seus corpos adoptam posturas flectidas não só ao nível do tronco, mas também os joelhos Apertar a Vasilha – Oficina 2 (Fig. 20) tomam essa mesma posição. Apesar de ter mencionado somente os arcos de ferro, a verdade é que em outras regiões do País existiram também os arcos de madeira. Mas, “os melhores arcos são os de ferro e oleados, porque os de madeira caruncham, e não poucas vezes estoiram”. (Lapa,1874:215) No entanto, na Oficina 2, não se procede desta forma, uma vez que o artesão defende que a oleosidade nos arcos dificulta substancialmente a sua aderência ao casco. No Concelho por nós estudado conseguimos apurar que a prática dos arcos em madeira é totalmente desconhecida dos tanoeiros contactados. Contudo, no último quartel do século XII, sabemos que as vasilhas vinárias eram bastidas com arcos em madeira. “Quem vender vinho no relego pague 5 soldos pela primeira e segunda vez; à terceira o vinho será entornado e os aros das cubas partidos.” (Excerto do Foral de Santarém em 1179). 82 2.4. Arrunhar Esta designação diz respeito ao conjunto das actividades que antecedem a colocação dos fundos dos barris e dos outros vasilhames. Trata-se de um termo específico da tanoaria e que se pensa “deve ter a sua origem na palavra francesa rogner”. (Veiga,1954:100) As operações distribuem-se por: cortar, aparejar, rebotar, deitar o javre e assentar o fartel. 2.4.1. Cortar, esta operação “(...) dá as aduelas a terminação em cunha, pela sua parte interior”. (Op. Cit.,101). Nesta fase o tanoeiro utiliza a chamada enxó de arrunhar. A finalidade é desgastar as aduelas entre o javre e a extremidade da vasilha, de modo a dar-lhes a tão desejada terminação em cunha. 2.4.2. Aparejar, operação que consiste no acerto e no alisamento das aduelas onde se irá abrir o javre. O instrumento utilizado é novamente a enxó de arrunhar, enquanto o casco está apoiado num baixete de ferro ou baixete de madeira - sendo o primeiro mais moderno e mais utilizado, porque a sua resistência é superior ao de madeira - . 2.4.3. Rebotar, consiste no nivelamento das aduelas, no sítio onde vai ser aberto o javre. Trata-se de uma operação muito importante, uma vez que facilita uma boa colocação e consolidação dos fundos. “Um casco mal rebotado implica sempre o fácil empenamento dos fundos” (Op. Cit.,102). O instrumento utilizado para este trabalho, designa-se por garlopa. 2.4.4. Deitar o javre, esta operação pode também ser designada por javrar, abrir o javre ou fazer rebaixos e consiste na abertura do roço onde irão ser colocados os fundos. A ferramenta utilizada para esta tarefa é a gibardoura, gebradoura ou javradeira. Enquanto o tanoeiro abre o javre a vasilha deve estar assente num baixete 83 Na opinião do tanoeiro da freguesia de Cartaxo, quer a gebradoura, quer o bedame podem ser utilizados na execução desta tarefa. Contudo, o primeiro instrumento é mais utilizado para abrir javres nas vasilhas novas, ao passo que, quando se procedem a restauros a gebradoura por vezes é dispensada, porque a reparação cinge-se apenas a algumas aduelas. Mas se a reparação for bastante extensa, então o tanoeiro pode preterir o bedame em favor da gebradoura. 2.4.5. Assentar o fartel, após a tarefa de javrar o casco, o tanoeiro dá um acabamento às aduelas desde o javre até às suas extremidades - que terminam em cunha -, e a esta operação dá-se o nome de assentar o Deitar o Javre – Oficina 2 (Fig. 21) fartel. O artesão da Oficina 1, designa esta operação como dar um acabamento à "boca" da vasilha. 2.5. A preparação dos fundos A preparação dos fundos é determinante para a durabilidade da vasilha. Para além de ser importante que os fundos sejam executados em madeiras resistentes - razão pela qual os tampos de algumas vasilhas eram em madeiras tropicais, pelo facto de estas serem mais resistentes e dificilmente quebrarem -, e que por sua vez sejam aparelhadas visando sobretudo desempenar os juntos, isto é, as partes laterais que vão ficar encostadas umas às outras. 84 2.5.1. Medir, para achar a medida ao fundo de um casco, o tanoeiro divide o perímetro da circunferência da vasilha em seis partes iguais com um compasso em ferro da seguinte forma: coloca-se o compasso no roço do fundo do casco e gira-se à volta do vasilhame. 2.5.2. Arrumar, o mesmo que juntar - todas as partes que compõem o respectivo fundo, ao lado umas das outras e colocar o compasso ao centro riscando-se uma circunferência com o diâmetro desejado. Se por algum motivo, as medidas não saírem exactas, como se trata de um trabalho de precisão, o artesão terá que dar um pequeno aumento à circunferência. Esta atitude é designada pelos profissionais da região como fazer um esturpaço, ou seja, os tanoeiros aplicam este procedimento de modo que o traçado do compasso fique um pouco mais pequeno que a realidade, por forma que o tampo fique mais justo à vasilha. 2.5.3. Numerar, numera-se com giz as partes que compõem o tampo; categorização essa que se inicia da esquerda para a direita. O giz tem aqui o papel que o lápis tem na carpintaria. No caso da Oficina 1, o tanoeiro Fundo Numerado (Oficina 1) (fig. 22) numerou essas partes com a ajuda de um marcador de feltro. 85 O fundo dos cascos é constituído por um mínimo de cinco peças, cada uma delas com uma designação específica: 1. Chintel; 2. Encosto do meão; 3. Meão; 4. Encosto do meão; 5. Chintel (ver foto anterior contando da esquerda para a direita) Por vezes há vasilhas que possuem apenas um fundo composto por três peças, ou seja, um meão e dois chintéis, um de cada lado do meão. 2.5.4. Encavilhar, o encavilhamento dos fundos com a ajuda de umas cavilhas - idênticas a pregos -, que têm a particularidade de possuír dois bicos e que proporcionam aos tampos maior resistência sendo colocados ao redor de todo o tampo. Em seguida, os juntos são calafetados com palha de tabúa, tornando-se praticamente inviável que a vasilha verta qualquer líquido. Esta palha é colhida nas margens dos rios e no caso do profissional de tanoaria da Oficina 2, é comprada ao molho - geralmente adquire cerca de dez molhos -, pelo preço de, sensivelmente, mil e duzentos escudos cada um. Os fornecedores deste material são oriundos do concelho vizinho, ou seja, Azambuja, mais concretamente da freguesia de Aveiras de Cima. 2.5.5. Riscar e Rodear o tampo, posteriormente o fundo é definitivamente riscado - traçado este por onde será cortada a madeira -. Esta operação é designada por riscar o tampo. Esse riscar é feito pelo próprio compasso. Seguidamente, passa-se a rodear o fundo com uma serra de rodear, operação esta que respeita o traçado deixado anteriormente pelo compasso. Para rodear o tampo, o tanoeiro senta-se no banco de lavrar, também conhecido por banco de lavrar fundos ou banco de cortar fundos - ferramenta esta que segura o fundo da vasilha -, e aqui é que se rodeiam os tampos. 86 Depois de rodeado, há que proceder ao desempape - que consiste em desempenar -, com o intuito de aparelhar a madeira quer nas faces, quer nos juntos, com uma ferramenta denominada de garlopa, de modo que a madeira fique mais lisa e consequentemente o trabalho com maior perfeição. Rodear a madeira e fazer o desempape têm a finalidade de dar às extremidades do fundo a forma de cunha. 2.5.6. Deitar o javre,29 logo de imediato deve também abrir-se um roço em redor do tampo para que este possa encaixar perfeitamente no javre do barril. Este roço é aberto com uma javradeira. Todo este procedimento acontece na construção das vasilhas, mas se o tanoeiro estiver a proceder a uma reparação num casco de pequeno porte, retira-lhe os arcos e de imediato o fundo cai para dentro deste. Se o restauro for numa vasilha grande para que este possa ser retirado deve ser colocado um prego ao redor do fundo e com um gato, o fundo é empurrado para dentro da vasilha e este sai de imediato. No caso dos tonéis com uma capacidade de armazenagem superior a dois mil litros, como o mesmo não pode ser retirado do local onde está instalado, o trabalho é executado por dois indivíduos, um dos quais entra dentro da vasilha através do postigo e empurra o tampo para fora com a ajuda de uma marreta de bastir, que é um instrumento bastante pesado e por conseguinte aconselhável para este trabalho. 29 Esta operação acontece em dois momentos: o primeiro diz respeito à bertura de um roço nas extremidades do barril e o segundo acontece nos tampos superiores e inferiores da vasilha. 87 2.5.7. Fundar a vasilha, resumidamente, nesta fase o fundo é colocado definitiva no casco. Para que o recipiente fique hermeticamente fechado é necessário fazer uma pasta com Fundar a Vasilha (Oficina 2) (Fig. 23) farinha de trigo e água. Para o tampo poder ser colocado, o tanoeiro deve retirar os arcos de bastição, mais concretamente o primeiro arco (cabeça) e o segundo arco (javre). De quando em vez há também necessidade de alargar o quinto arco (bojo) - no caso de o casco possuír dez arcos -. Finalmente o fundo é colocado com a ajuda de uma alheta 2.5.8. Empalhar, depois do javre barrado, o procedimento seguinte envolve o empalhamento da vasilha propriamente dita, isto é, a colocação da palha de tabúa nos juntos e aduelas, quer na parte superior, quer na parte inferior, com vista à estanquicidade completa do casco. A operação processa-se com a ajuda de uma faca de empalhar - ferramenta em ferro - e com a cunha de empalhar - ferramenta em madeira que é colocada do lado de dentro dos fundos, enquanto estes estão a ser empalhados. 88 A faca de empalhar entrando nos juntos, afasta as aduelas (ver foto ao lado) e entre cada uma delas introduz-se a palha no sentido vertical e de cima para baixo, sendo bem puxada até à altura do colete (ver foto ao lado). Empalhar os Juntos das Aduelas (Oficina 2) (Fig. 24) Contudo, a faca de empalhar é por vezes desaconselhável, já que costuma danificar as aduelas exteriormente30. Por isso, em certos casos esta ferramenta é substituída pela cunha de empalhar, que é usada no interior da vasilha entre as aduelas e que por ser de madeira não tem efeitos negativos. Junto danificado Oficina 2 (Fig. 25) 30 A figura acima mostra claramente que, devido à utilização da faca de empalhar a parte superior da junção entre uma aduela e outra está ligeiramente danificada. 89 A palha de tabúa é demolhada com o objectivo de a entumecer e seguidamente é colocada na vasilha. Este entumecimento vai obviamente facilitar a calafetagem do casco. 2.6. Acabamentos Esta fase é aquela que dá mais trabalho, que exige mais perícia e, por isso, a que mais encarece a vasilha. A partir daqui todo e qualquer esforço tem dois objectivos: ♦ Tornar tecnicamente a vasilha o mais perfeita possível; ♦ Tornar a vasilha simultaneamente atractiva, portanto, esteticamente uma obra de arte. 2.6.1. Raspar e "arranjar" a madeira , consiste em passar o raspador nas aduelas no sentido vertical e de cima para baixo, por forma a acertar todas as aduelas. O artesão da Oficina 2 salienta a importância do raspador nos tampos das vasilhas novas para acertar os juntos e aduelas, bem Arranjar a madeira (Oficina 2) (Fig. 26) como a polaina de mão para acertar igualmente as adue las Para além disso, o tanoeiro pode ainda ter necessidade de bater com leves pancadas nas aduelas com a marreta de pena, tendo sempre em mente o mesmo objectivo, desempenho esse que o tanoeiro designa por "arranjar a madeira" 90 2.6.2. Amassar o fundo, o que significa que os arcos são novamente colocados e bem apertados. Por vezes, é preciso chanfrar novamente os arcos para que estes se encaixem melhor na vasilha. Em cada um deles são cravados dois rebites. O primeiro arco (cabeça) ajuda a amassar bem o fundo, ou seja, contribui para um maior aperto do tampo, por isso inicialmente é-lhe colocado apenas um rebite e só nesta fase lhe é aplicado o segundo cravo (Fig. 19). Seguidamente o tanoeiro coloca o segundo tampo, tomando exactamente os mesmos procedimentos. O já mencionado José da Veiga esclarece na sua obra que, naquela época e no norte do país, às vasilhas eram colocados por duas vezes arcos diferentes, ou seja, os primeiros arcos eram meramente os de bastição e os arcos definitivos vêm posteriormente substituir os anteriores. Acontece que no concelho do Cartaxo esse procedimento não foi por nós observado, sendo os arcos definitivos os mesmos que os de bastição, embora por vezes esses arcos tenham que ser novamente chanfrados para que melhor se adaptem ao vasilhame. Como referi anteriormente, cada um dos arcos tem designações próprias consoante a ordem de colocação na vasilha. No norte do país essa ordem de colocação é diferente, por isso também o é a denominação. Nesta zona os arcos de bastição designam-se por: 1. "molde ou mole 2. colete 3. rabo de palha 4. sobre-bojo 5. bojo" (Veiga, 1954:82) Os arcos definitivos têm outra ordem de colocação, por isso são identificados de forma diferente: 91 1. "colete 2. javre 3. arco de cabeça (definitivamente) 4. sobre-bojo 5. bojo" (Op. Cit.,108) Como pode ser observado, nas oficinas onde desenvolvemos a nossa pesquisa, os arcos em ambas as situações têm a mesma ordem de colocação e por isso a mesma designação. 2.6.3. Retoques finais, como retoques finais, o tanoeiro: 2.6.3.1. Limpar a massa que saiu fora dos juntos, corta as pontas das palhas que estão visíveis fora dos juntos, pode ainda ter necessidade de polir uma ou outra aduela. 2.6.3.2. Abrir o batoque, com a ajuda de um berbequim ou de um arco de pua. É ainda necessário que o casco seja parafinado, mas tal só acontece quando o orifício do batoque é alargado e aperfeiçoado com um tufo em brasa. O batoque é um orifício feito na vasilha, na aduela "mestra", ou seja, naquela que é a mais forte e que foi a primeira a ser colocada na armação do casco. Esta abertura é importante, na medida em que é através dela que o vinho é colocado na vasilha ou inclusivamente retirado e também porque é através desta abertura que é feita a limpeza da vasilha. Designam-se igualmente por batoques as “rolhas” que selam o orifício descrito anteriormente. Orifício do Batoque()Museu Rural e do Vinho) (Fig. 27) 92 Existem dois tipos de batoques: 1. Batoques de conservação - dentro dos quais se incluem diversas variedades. Estes batoques de conservação, permitem "(...) a saída de gás carbónico produzido dentro das vasilhas e, simultaneamente, evitar o acesso do ar, que iria prejudicar o vinho (...)" (Veiga, 1954:170). 2. Batoques-rolhas - existem em madeira e em cortiça. Os batoques de madeira são utilizados para batocar cascos que vão percorrer grandes distâncias, sendo os mais apreciados aqueles que são executados em castanho, por ser uma madeira flexível e com boas qualidades de vedação. "Os batoques de madeiras rijas, como (...) a macacaúba e o carvalho amazonas, são condenáveis por ser difícil a sua aplicação e poderem fender a aduela do batoque." (Op. Cit.,172) São de igual modo aconselháveis os batoques em carvalho memel ou carvalho americano, por possuírem as mesmas qualidades da madeira de castanho. Batoques (esquerda: batoque actual; direita: ba toque tradicional) (Oficina 2) (Fig. 28) 93 Desaconselhados são os batoques em madeira de choupo ou de eucalipto, por se deformarem com facilidade e não vedarem as vasilhas convenientemente. (Ibid)31 Chapas Batoqueiras (Oficina 2) (Fig. 30) Quando a exportação de vinho para os países de expressão Portuguesa era uma realidade constante no Concelho - e foi durante esta altura que a Batoque envolvido em Palha de Tabúa (Museu Rural e do Vinho) (Fig. 29) tanoaria aqui teve maior expressão -, a rolha do batoque em madeira era torneada, envolvida em linhagem, colocada à pressão e, levava também por cima uma cobertura metálica, conhecida por chapa batoqueira, (Fig. 30) o que lhe permitia uma melhor segurança durante as longas distâncias que iria percorrer até ao seu destino. Estas chapas em aço são " (...) circulares e (...)" tinham " (...) pequenos grampos que entram na madeira". (Op. Cit.,173) Após esta operação, as chapas batoqueiras eram lacradas pela fiscalização antes do embarque, o que funcionava como controle das exportações e era também uma garantia de qualidade para quem adquiria vinho ou aguardente. 31 Estes batoques de madeira não são já utilizados, uma vez que nesta região, a exportação de vinhos em vasilhas de madeira já não acontece. 94 Hoje em dia, nomeadamente entre os pequenos produtores, as rolhas de cortiça são utilizadas para batocar vasilhas que fazem um percurso pequeno, como, por exemplo, dentro das próprias adegas, armazéns de vinhos, tabernas, etc. Estes batoques de cortiça são sempre envolvidos em palha de tabúa . (Fig. 29) No entanto, este procedimento tradicional não é já muito utilizado, uma vez que actualmente o mercado oferece já rolhas não em cortiça, mas sim em corticite, ou seja, a matéria prima que compõe a rolha está bastante mais compacta, e devido a isso, não é necessária a palha de tabúa a envolver a rolha ou o batoque. (Fig. 28 à esquerda) Nas vasilhas que são utilizadas e abertas com mais regularidade, o facto de o batoque ser aperfeiçoado com o tufo, permite que a rolha seja retirada com maior facilidade. (Veiga, 1954:172). A ferramenta utilizada para a colocação dos batoques é a batoqueira, enquanto que a enxó de abatocar era utilizada para cortar a linhagem - que envolvia o batoque de madeira - à superfície da aduela No caso dos tonéis, para além de possuírem o batoque, possuem também um postigo - espécie de uma porta -, por onde é feita a sua higienização e que em alguns casos permite a entrada de um indivíduo Vasilhas de madeira de grande porte, com capacidade de armazenamento de milhares de litros de vinho, os tonéis são ainda hoje, objecto de comtemplação por todos aqueles que gostam de visitar e conviver em adegas e outros espaços tradicionais dedicados à actividade vinícola. Grande sabedoria a do Mestre tanoeiro, responsável pela construção ou reparação de tão belas obras de arte. Postigo (Museu Rural e do Vinho) (Fig. 31) 95 Este procedimento não foi por mim observado, na medida em que já não se produzem barris para exportação na região do Cartaxo. 2.6.3.3. Suar e parafinar - O Suadouro é das actividades finais na construção ou reparação de qualquer vasilha de madeira. Depois de construída ou reparada, o artesão tem de testar o seu trabalho. Colocando água quente dentro da vasilha, o tanoeiro terá a oportunidade de verificar a estanquicidade desta, detectando possíveis zonas de vasamento de líquido. Caso isso aconteça, o artesão analisa o exacto local de vasamento e procede à sua reparação. Numa primeira fase o tanoeiro tem de aquecer a água para esta operação e a imagem que se segue documenta a acção mencionada através da forma mais tradicional possível, ou seja, o tanoeiro da Oficina 2 geralmente acende uma fogueira no pátio onde está localizada a sua oficina, e aí aquece a água para o seu suadouro. Água quente para o Suadouro (Oficina 2) (Fig. 32) A àgua quente é introduzida na vasilha com a ajuda de um funil de zinco de grandes proporções e de seguida testa-se a vasilha através de o rolar da mesma no solo. (Fig. 33). 96 Em vasilhas de grande porte, este é um procedimento que para além da perícia técnica exige grande esforço físico por parte do artesão. Rolar da vasilha (Oficina 2) (Fig. 33) A imagem à esquerda, regista o momento em que o artesão procede à marcação dos locais onde a vasilha está a verter água, depois de esta ser rolada por alguns minutos. De salientar que neste particular caso, Vasamento de água. Marcar as zonas e proceder à reparação. (Oficina 2) (Fig. 34) 97 O tanoeiro utiliza giz branco para esses registos e não um marcador. Quanto à parafinação do casco, este é um procedimento que tem dois propósitos. O primeiro diz respeito à garantia da estanquicidade da vasilha e o segundo diz respeito ao sabor que o produtor vinícola deseja imprimir aos vinhos que serão envasilhados naquele barril em particular. Quando o produtor vinícola não pretende que os seus vinhos tenham um acentuado “gosto a madeira”, se a vasilha for relativamente nova, esta deverá ser parafinada, evitando assim que, o vinho tenha contacto directo com a vasilha durante o processo de armazenamento. A parafinação pode também ser feita quando o entumecimento da vasilha, feito através da água, não for suficiente. O artesão não parafina os cascos quando o entumecimento obtido através da água, é suficiente para garantir a estanquicidade da vasilha ou quando o produtor deseja imprimir aos seus vinhos uma acentuada adstringência proveniente do contacto directo entre a bebida e a madeira. No entanto, na reparação de cascos surgem situações em que a madeira já está “avinhada”, ou seja, a madeira já teve tanto tempo em contacto com vinhos, que perdeu praticamente a sua adstringência. Nestas situações (sem parafinação), é conveniente que a vasilha seja posteriormente resguardada do ar, nomeadamente do sol. Caso contrário, as aduelas perdem a humidade e deixam verter o líquido colocado na vasilha. . Posteriormente, o tanoeiro, coloca mais palha de tabúa nos juntos. Finalmente, como a madeira está entumecida devido ao suadouro, caso se pretenda - e segundo a opinião do artesão da freguesia de Cartaxo - a vasilha poderá levar logo vinho. Caso esta não seja suada, muito provavelmente verterá vinho. Para além da parafina, existem outros produtos que produzem os mesmos efeitos, como é o caso de uma tartarização, que consiste numa solução de ácido tartárico com água, com a qual se banha as vasilhas, se estas forem de pequenas dimensões. Nos tonéis - as 98 maiores vasilhas vinárias - e em outros recipientes de grande capacidade, estes eram pincelados com a mesma solução. Depois de secas, as paredes das vasilhas ficavam com uma espécie de vidrado. O ácido tartárico, tal como a parafina, evita que o vinho envasilhado esteja em contacto directo e permanente com a madeira. No entanto, outrora, quando era moda os vinhos com "gosto a madeira", este cuidado era também tomado nas vasilhas construídas em madeira de fraca qualidade, já que este ácido funcionava como um isolante. Parafina em barra (Oficina 2) (Fig. 35) Como foi já dito anteriormente, se o produtor desejar envelhecer vinhos, então este líquido é depositado directamente no casco, sem qualquer tipo de tratamento. O contacto directo do vinho com a madeira, permite-lhe um bom e rápido envelhecimento, caso a vasilha seja nova. A parafina é utilizada nas vasilhas com o intuito de isolar a madeira, de modo a esta não transmitir determinados paladares adstringentes às bebidas nelas envasilhadas. O tanoeiro coloca este produto a derreter dentro de um recipiente e este está em condições de ser aplicado quando tiver atingido uma temperatura de aproximadamente 80º C. Caso contrário, a parafina não ficaria devidamente líquida, o que implicaria o não isolamento da vasilha. 99 Qualquer vasilha pode ser parafinada, quer seja nova ou usada. Em cada barril de 50 litros são aplicados cerca de 100 gramas de parafina, que é deitada para dentro do casco através do batoque e com a ajuda de um funil de cobre, dado que a elevada temperatura do produto danifica o funil de zinco . Parafinar o casco (Oficina 2) (Fig. 36) No caso da imagem 36, o artesão não utiliza o funil de cobre, porque a vasilha que está a ser reparada é de grande porte, por isso a parafina é introduzida no seu interior através do postigo que, obviamente, dispensa o funil. Tal como no processo do suadouro, durante a parafinação, a vasilha tem de ser também rolada. 2.6.3.4. Raspar a vasilha, se por acaso uma vasilha usada necessitar de ser novamente parafinada por estar a azedar os vinhos nela depositados, então o tanoeiro deverá fazer um fogacho (Fig. 16), com aparas de madeira e sobre ele colocar o casco. Com a subida da temperatura, grande parte da parafina derrete. Depois de retirar o fogacho da vasilha, todo o seu interior é raspado com um raspador, de modo a ser extraído todo o queimado que aí se encontra. Seguidamente a vasilha é novamente parafinada, sendo rolada no solo. Esta fase é executada depois de o batoque aberto, sendo necessário fechá-lo com uma rolha de cortiça provisória ou com uma rolha improvisada em tecido. 100 É ainda importante voltar a reafirmar que a parafinação só é executada quando a madeira ainda não está "avinhada".32 Caso esteja, a madeira já não transmite paladar ao vinho ou aguardente nela depositado, tal como foi já referenciado anteriormente. Após esta operação, o tanoeiro guarda a vasilha em local onde esteja protegida quer do sol, quer das intempéries, até esta ser levada para o seu local apropriado, ou seja, a adega. 32 "Avinhada" significa que na vasilha já foi depositado vinho e que por isso a adstringência normal de uma madeira nova já não existe, daí ser desnecessário parafinar a vasilha de modo a isolá-la. 101 PARTE IV O PROGRESSO TECNOLÓGICO 1. AS TÉCNICAS FISICO-QUÍMICAS E AS TÉCNICAS MECÂNICAS (...) a aquisição técnica nunca se perde, dado a sua transmissão estar assegurada (....) . Prolonga-se no tempo, após a morte do grupo, em novas unidades que se formam sobre os seus escombros. André Leroi - Gourhan Para que esta investigação possa chegar a bom termo, é necessário ter sempre presente não só o problema de pesquisa que defini, como de igual modo os conceitos escolhidos e as respectivas dimensões das suas variáveis, indicadores e índices. (Ver página 20) Para que se possa avaliar se houve ou não progresso técnico na tanoaria ainda existente no Concelho do Cartaxo, houve necessidade de ter em atenção as duas técnicas existentes e categorizá-las da forma que considerámos mais adequada : ♦ Técnicas físico-químicas, através da utilização do fogo e da água ; ♦ Técnicas mecânicas, que passam pelas diversas ferramentas e instrumentos utilizados neste ofício. Embora não pretendendo explorar uma outra área de interesse da Tecnologia conhecida por técnicas do corpo, defendo, contudo neste estudo, uma perspectiva dinâmica dos objectos, uma vez que estes não devem ser considerados meramente como tais, ou seja, peças inanimadas, e sim instrumentos activos e transformadores não só de movimentos, como defende Leroi-Gourhan, mas principalmente, como elementos transformadores da matéria-prima. Elementos fulcrais são sem dúvida as ferramentas que funcionam como as transformadoras desses movimentos ( Michéa, 1968:756) e dos materiais. Todas estas técnicas visam sobretudo o alcançar de um objectivo consciente e, de um outro inconsciente, ou seja, a criação de melhores utensílios e o progresso técnico, respectivamente. 102 Assim sendo, que se entende por progresso técnico? Toda a criação técnica visa, em primeiro lugar, um domínio colectivo do homem face ao meio físico onde está inserido e, em segundo lugar, proporcionar melhor conforto ao ser humano. "Os grupos são, sem excepção, tanto mais importantes quanto mais vastos forem os seus meios materiais, de modo que existe uma relação entre progresso técnico e a extensão do grupo." (Leroi-Gourhan, 1984:326) Concordando com a opinião do autor supracitado, acrescento ainda que, para além disso, o progresso técnico neste caso mais restrito (tanoaria) deve ser analisado como a capacidade de adaptação e desenvolvimento que esta tecnologia tradicional sofreu ao longo da sua existência neste Concelho. Será que há o perigo de extinção deste ofício? Derivará esse perigo da inexistência de uma evolução técnica na actividade? Sim e não. A resposta positiva assenta na ideia de que por um lado, “os factos técnicos (...), surgem como que dotados de uma grande força de progressão (...).” (Leroi-Gourhan, 1984:297). Mais ainda: a actividade vai sempre sofrendo inovações, adaptações, evoluções, porque ela é acima de tudo uma actividade humana e como tal "(...) a aquisição técnica nunca se perde, dado a sua transmissão estar assegurada (...)". (Op.Cit., 329). Na verdade, a aquisição técnica "(...) prolonga-se no tempo, após a morte do grupo, em novas unidades que se formam sobre os seus escombros." (Ibid). As invenções técnicas, tal como todas as restantes invenções ou reinvenções culturais são sempre progressivas. O progresso técnico é sempre tão inevitável, que chega grande parte das vezes a ultrapassar a própria vontade humana. Senão vejamos: é claro que os tanoeiros preferiam que a sua arte continuasse a ser apreciada, e mais que isso, necessária na fabricação das bebidas fermentadas. Mas o que acontece é que o progresso tecnológico impôs-se evidentemente na área vinícola e agora não é a produção de vinhos que tem de se restringir às vasilhas de madeira - a não ser que consigam contrariar a actual opinião dos produtores vinícolas de que as vasilhas de madeira já não são competitivas economicamente -, mas sim os artesãos que têm de aceitar esta viragem e principalmente adaptarem o seu ofício às 103 novas exigências do mercado. Mas o facto de um ofício - apesar das dificuldades -, ir resistindo às mudanças sociais e culturais, mostra claramente que as suas aptidões técnicas não foram postas em causa, pelo contrário, com a passagem do tempo, a sua técnica e até o desempenho da própria actividade vai ganhando mais valor. A resposta negativa, assenta no facto de que este ofício corre riscos de desaparecimento se a reestruturação da actividade, através da mecanização de algumas das fases, não for implantada no Concelho estudado. Esta medida, conjuntamente com outras, que explicarei mais adiante, poderão contribuir para a revitalização da tanoaria e do papel do tanoeiro na sociedade cartaxeira actual. 1.1. As Técnicas Físico-Químicas 1.1.1. O Fogo, a Água e o Ar Antes de iniciar a exposição deste tema, é importante referir que os elementos a serem analisados seguidamente são baseados na tipologia desenvolvida por Leroi-Gourhan com a qual concordo, daí a razão de a ter adoptado. Conforme já referenciei e demonstrei no decorrer do capítulo III, o fogo e a água são dois elementos indispensáveis na tanoaria. O fogo foi das descobertas e das conquistas mais fascinantes da Humanidade, tendo acentuado definitivamente o processo de hominização e pondo em evidência a grande capacidade do Homem para a criação cultural. "Poucas aquisições humanas excitaram tanto a imaginação." (Leroi-Gourhan, 1984:51) Apesar de serem desconhecidas as origens do fogo doméstico, a verdade é que a partir da sua descoberta nada voltou a ser como antes. Através do fogo o Homem aumentou grandemente a sua capacidade de sobrevivência dado que este elemento se tornou versátil para inúmeras utilizações. Ele pode funcionar como elemento de protecção aquecimento e afastamento do inimigo -, destruição - incêndios -, transformação queimadas, alimentação, moldagem de ferramentas e instrumentos – e, tantos outros. 104 O fogo é sem dúvida a primeira fonte de energia descoberta e controlada pelo Ser Humano. Segundo a categorização de Gourhan, a Tanoaria pertence ao grupo das técnicas de fabricação ou fabrico. "O fabrico (...), obtém do fogo alguns dos seus produtos mais importantes: (...) fazem-no intervir em momentos determinados dos seus processos (...)", tais como "(...) madeira encurvada ao calor (...)". (Op. Cit., 57). Na tanoaria, o fogo, através da sua acção física, amolece a madeira, permitindo que as aduelas sejam curvadas sem se quebrarem e que esta deformação seja permanente. Para além disso o fogo é também utilizado para aquecer a parafina que será posteriormente utilizada nas vasilhas. (Ver fig. 19) Outro elemento não menos importante é a água que, segundo Leroi-Gourhan, tem três efeitos: físicos, químicos e dinâmicos. No entanto, no caso da tanoaria, apenas se aplicam os dois primeiros. Relativamente ao seu efeito físico a água tem a função de refrescar as vasilhas enquanto estas estão a ser bastidas, evitando deste modo que o excesso de calor queime a madeira. Este líquido é então deitado para o interior da vasilha. Por outro lado, com a madeira húmida torna-se mais fácil esta tomar a forma desejada, isto é, curva. A água é igualmente usada para refrescar as lâminas das ferramentas e instrumentos cortantes, enquanto estas são amoladas na pedra de afiar. Esta utilização refrescante que é dada à água é mais limitada, dado que a maioria dos povos tem a água não muito inferior à temperatura ambiente. "(...) ela apenas se usa para fazer regressar a uma temperatura normal corpos muito quentes (...) e a amolação dos utensílios cortantes numa pedra (...)".(Op. Cit., 59) Amolar ferramenta humedecendo a pedra (Oficina 2) (Fig. 37) 105 Foi já descrita anteriormente que a água quente tem de igual modo um papel preponderante na verificação da estanquicidade dos barris. No que diz respeito ao efeito químico da água, ele está directamente ligado à função de suporte que este líquido tem, nomeadamente na dissolução de determinados produtos que estão secos. No caso da tanoaria, a água é utilizada para dissolver a farinha de trigo que é usada como pasta na altura de fundar a vasilha. Mesmo que essa pasta fosse composta por barro - como se faz em algumas regiões do Norte de Portugal -, o facto é que a água seria de igual forma um elemento indispensável de ligação desta substância . Quanto ao último elemento, o ar, não é tão importante como os anteriores - pelo menos aparentemente - mas isso não significa que não tenha algum significado em todo o processo de construção e restauro de vasilhas vinárias de madeira. A sua grande acção assenta sobretudo na secagem por corrente de ar natural ou secagem ao ar livre (LeroiGourhan, 1984:63), das madeiras a utilizar na tanoaria. É oportuno acrescentar que a importância deste elemento está muito relativizada, pelo facto de actualmente a indústria da tanoaria no Concelho do Cartaxo se resumir essencialmente ao restauro e reparações em detrimento da construção, ou seja, as madeiras utilizadas no primeiro caso são na sua maioria provenientes de outros vasilhames já desmanchados. Dada esta situação, pensamos não ser importante aprofundar mais a acção deste elemento. 1.1.2. Os Materiais Utilizados A madeira é, como já frisei anteriormente, a matéria prima mais importante na tanoaria. Segundo Leroi-Gourhan, este material encaixa-se na categoria dos sólidos estáveis fibrosos. O autor define sólidos estáveis "(...) como matérias primas cuja constituição e propriedades físicas não variam antes, durante, e após o tratamento." (1984:121) Para os sólidos fibrosos a definição anterior mantém-se, simplesmente "(...) acrescenta-se o facto de serem constituídos por fibras dispostas no sentido do comprimento (...)". (Op. Cit.,130) 106 Torna-se oportuno debruçar-me sobre o problema de pesquisa para chegar à conclusão de que, apesar de a técnica de construção ou reparação de vasilhames de madeira ser praticamente a mesma da que se praticava tradicionalmente, a verdade é que essa semelhança é apenas aparente, já que, se os materiais se vão alterando, isso provoca inevitavelmente uma transformação na técnica anteriormente utilizada, dado que cada material devido à sua especificidade, obriga o profissional a alterar a forma de o manusear. Vejamos uma situação mais concreta: Anteriormente e durante muito tempo, as vasilhas de madeira que não fossem de exportação tinham a particularidade de serem executadas em madeiras "exóticas", por serem de melhor qualidade que todas as outras. No entanto, não só o sentido estético, mas também o valor monetário de muitas vasilhas numa adega, tinham um grande peso no património dos produtores de vinho da região. O aparecimento das cubas de inox e o dispêndio financeiro que toda a actividade produtiva de vinho possui, forçou os viticultores a optarem por abandonar - em alguns casos definitivamente - o envasilhamento das suas bebidas em madeira e colocá-los em vasilhas de inox. À tanoaria resta agora a oportunidade de só trabalhar com madeiras mais "ricas", quando se procede a restauros. Na construção de vasilhas as madeiras utilizadas são as menos dispendiosas - tendo obviamente sempre em conta o objectivo principal que é a construção de uma vasilha capaz - e por isso a técnica é ligeiramente diferente. Foi frisado anteriormente, o hábito de se colocar uma pasta feita de farinha de trigo aquando da colocação dos tampos na vasilha, de modo a que o recipiente fique hermeticamente fechado. Essa pasta feita com farinha de trigo e água funciona como um isolante, impedindo que a vasilha verta qualquer líquido e é colocada quer no javre do recipiente, quer no javre dos tampos. Segundo apurei, em algumas zonas do norte de Portugal - nomeadamente Esmoriz -, é utilizado barro nesta operação, mas esta prática não é bem vista pelos profissionais de tanoaria existentes no Concelho do Cartaxo, dado que esta substância possui sempre pequenos grãos que danificam as ferramentas quando a vasilha necessita de restauro. 107 Quanto a mim, esta é também uma forma de progresso tecnológico, já que a experiência mostrou que a farinha de trigo é preferível ao barro. Já o enólogo José da Veiga, é de opinião contrária, defendendo que a farinha e o barro utilizados para barrar o javre têm "(...) sérios inconvenientes (...). Em nossa opinião são condenáveis todos os produtos, à excepção do caolino especial". (1954:105) . O caolino é semelhante à farinha e ainda segundo este autor "(...) está longe de apresentar os inconvenientes desta e os de todos os (...) barros (...). Forma boa pasta, não tem cheiro e é neutro. Faz óptima vedação e em pouco ou nada afecta as ferramentas, visto ser pulverizado." (Op. Cit.,150) No Concelho do Cartaxo, os tanoeiros alvo da pesquisa, desconhecem este produto. No que concerne ao material utilizado para calafetar as vasilhas, é usada entre os tanoeiros uma fibra vegetal conhecida por palha de tabúa. Trata-se de uma planta que aparece em zonas húmidas e/ou pantanosas, pertencente ao género das typháceas. Na tanoaria a espécie aplicada é a tabúa larga - Typha latifolia -. O emprego desta palha é extremamente importante na estanquicidade da vasilha, pois as aduelas por muito perfeitas que estejam, nunca permitiriam uma boa calafetagem. Este material é humedecido primeiramente e só depois utilizado. A explicação assenta no facto de a palha depois de molhada entumecer e por isso ter um efeito mais imediato. Palha de Tabúa (Exposição “A Tanoaria – o falar das mãos”, Câmara 33 Municipal de Azambuja, 2001) (Fig. 38) 33 Esta exposição foi realizada por mim, quando trabalhava na Câmara Municipal de Azambuja e iniciou um ciclo expositivo intitulado “Tecnologias Tradicionais Portuguesas”. A mostra aconteceu em 2001 e foi consubstanciada na pesquisa de campo de desenvolvi em 1995/96 no Concelho do Cartaxo, dedicada à Tanoaria 108 Contudo, se o tanoeiro optar por não humedecer a palha de tabúa, esta pode ser colocada seca e quando fôr feito o suadouro da vasilha a palha acaba por entumecer. A parafina é outra das substâncias utilizadas e cuja finalidade é a impermeabilização da vasilha. Trata-se de uma "substância sólida, translúcida, inodora. Flutua na água (...). É um hidrocarboneto da série metano, funde entre os 50 e os 70 º C e ferve aos 300 º C." (Nova Enciclopédia Portuguesa, 1992:1797) Trata-se de uma substância obtida através da destilação do petróleo. (Ver fig. 35) 1.2. As Técnicas Mecânicas 1.2.1. As Ferramentas, Instrumentos e Máquinas É importante que num estudo baseado na cultura material se tenha o máximo cuidado em distinguir minuciosamente todos os instrumentos utilizados no fabrico de determinado utensílio ou objecto. Deste modo, e porque a tanoaria é uma actividade que possui inúmeras ferramentas, optei por adoptar uma tipologia também ela adoptada de Franz Reuleau por Marcel Mauss, nomeadamente no que diz respeito ás ferramentas de impacto, ferramentas de fricção e ferramentas para furar - já que as restantes classificações são de minha autoria - e da distinção geral entre ferramentas e instrumentos. Penso ser de extrema importância clarificar conceitos chaves como estes, por forma a que ao longo do trabalho possa utilizar esta linguagem técnica. Assim sendo, Mauss define a ferramenta como sendo composta por uma só peça (ex. ponção), enquanto que o instrumento é um composto de ferramentas (ex. marreta de pena ), porque é constituído por mais de uma peça, ou seja, para além da parte de ferro, tem um cabo em madeira. (Mauss, 1993:46) Para além desta há ainda as máquinas que não são mais do que um composto de instrumentos (Ibid). A título exemplificativo, temos o banco de tanoeiro que é já em si um 109 instrumento, mas, por exemplo para se rodear um fundo, há necessidade de se utilizar igualmente uma raspilha que é também um instrumento. Para que esta classificação fosse possível e mais compreensível, tive necessidade de fazer um inventário e caracterização das ferramentas, instrumentos e máquinas existentes nas duas oficinas alvos da pesquisa. Os quadros que a seguir se apresentam mostram não só o numero de peças existentes nas duas oficinas como os materiais que as compoem. INVENTÁRIO DAS FERRAMENTAS Quadro 2 Matéria- Prima Ferramentas Quant Alheta 8 Baixete 3 Compasso 9 Cunha de Empalhar 7 Descravadeira 25 Fogareiro 2 Funil 4 Gato 4 Goiva 4 Moço 2 Mola 2 Pareia 2 Ponção 19 Repuxo 3 Talhadeiras 8 Travadeira 3 Tufo 5 Turquês 5 TOTAL 115 Ferro 100 Madeira 11 Aço 0 Outros 4 110 Inventário das Ferramentas 120 100 Número de 80 60 peças 40 20 0 Analisando o Quadro 115 100 e o Gráfico acima, conclui-se que do total de ferramentas existentes nas duas 11 Ferro 0 oficinas, 87% destas 4 Aço Total são em ferro contra 9.5% em madeira e, Matéria-Prima Gráfico 1 3,5% outras matérias primas, como zinco ou cobre. À luz desta realidade é fácil perceber porque razão é esta actividade tão violenta do ponto de vista físico. A maioria das ferramentas sendo constituídas maioritariamente em ferro, são or conseguinte mais pesadas. Contudo, esta particularidade quanto à matéria-prima que compoe as ferramentas torna-as mais resistentes e duráveis e igualmente mais eficazes nos resultados obtidos. Ferramentas constituídas por matérias-primas mais frágeis, jamais seriam eficazes neste tipo de actividade. 1.2.1.1. As ferramentas e as suas funções A tanoaria por ser uma tecnologia muito faseada e elaborada, exige ao artesão a utilização de inúmeras ferramentas, que tal como já foi descrito anteriormente são objectos compostos de uma só parte ou de uma só peça. 111 Alheta - ferramenta em ferro com uma das extremidades curva e cuja função é ajudar a colocar os fundos dos cascos. Geralmente esta peça é executada pelo próprio artesão, a partir de um arco inutilizado. Alheta (iconografia) (Fig. 39) As dimensões desta peça são de: 33 cm de comprimento e 2,5 cm de largura. Baixete - ferramenta que pode ser em ferro ou em madeira e dos quais existem dois exemplares distintos. Um serve para os cascos (vasilhas maiores), outro para os barris (vasilhas menores). Geralmente esta ferramenta serve de apoio às vasilhas, quando estas estão a ser arrunhadas. O baixete de cascos é apoiado em quatro pés e a parte superior que apoia a vasilha tem uma concavidade acentuada. Dividese em duas partes distintas: a) Suporte, com 85 cm de comprimento; b) Pés, com 42 cm de altura Baixete de Cascos (Fig. 40) No caso do baixete de barris a sua forma é bem diferente, só possui dois pés e estes servem simultâneamente de braços para segurar as vasilhas. Esta ferramenta é versátil porque permite que possa ser utilizada de dois lados. Divide-se em quatro partes: a) Suporte, com 50 cm de altura; b) Trave, com 1,25 m de comprimento; c) Apoio da trave, com 59 cm de altura; 112 d) Ferro, que se desloca consoante o tamanho da vasilha, com 18 cm de altura Baixete de Barris (Fig. 41) Bigorna de Tanoeiro (Fig. 42) Bigorna - ferramenta em ferro, que se encontra fixo no chão e que serve de apoio para a cravação, descravação, ou ainda para dar chanfro aos arcos. Todo este trabalho é feito na parte superior deste instrumento. Trata-se de uma das peças mais importantes e por conseguinte imprescindíveis ao trabalho do tanoeiro. Esta ferramenta tem 1,00 de altura, possuindo a parte superior cerca de 20 cm de comprimento e 5,5 cm de largura)34. Cavilha - ferramenta em aço, idêntica a um prego, com a particularidade de possuír dois bicos 35. Esta ferramenta mede cerca de 3 cm de comprimento. 34 Segundo Marcel Mauss, a bigorna é considerada como um instrumento, ou melhor, meio instrumento quando isolada (1947:48). No entanto, optei por classificá-la como uma ferramenta, por ser apenas uma só peça. Para além disso, considero que esta ferramenta só é instrumento, quando está a ser utilizada com outras ferramentas ou instrumentos. 35 É importante salientar aqui a posição de Mauss, e com a qual estou de acordo, de que a cavilha ou a bigorna, apesar de serem ferramentas, "(...) fazem parte de instrumentos." (Ibid) Isto deve-se ao facto de apesar destes elementos serem compostos por uma só peça, eles só têm sentido quando se juntam com outros instrumentos ou outras ferramentas. Caso contrário não têm qualquer utilidade. 113 Compasso - ferramenta em ferro com bicos e, das mais variadas dimensões (consoante o tamanho das vasilhas), cuja finalidade é medir e riscar os fundos. Possui cerca de 8,5 cm de comprimento. Compassos (Fig. 43) Cunha de empalhar - ferramenta cilíndrica, em madeira (por vezes um pouco tosca), cuja finalidade é abrir os juntos das vasilhas enquanto estas estão a ser empalhadas e cuja extremidade é em forma de cunha 36 . De salientar que na Oficina 1, o artesão utiliza uma cunha de empalhar em ferro (Fig. 46), Cunhas de Emplhar e Travadeira (Fig.44) mas esta não danifica os juntos, por ser uma ferramenta menos "agressiva" que a faca de empalhar. Estas cunhas de empalhar têm 12,5 cm de comprimento. Descravadeira - que no norte de Portugal é também conhecida por aducha, e cuja função é descravar os arcos e também cravá-los, caso a bigorna de tanoeiro não possua buracos, ou ainda quando estes são pouco profundos ou estreitos. Descravadeira (iconografia) (Fig.45) 36 Esta ferramenta é muito fácil de se arranjar e na maior parte das vezes são os próprios tanoeiros que as executam com um pedaço de madeira aguçado numa das pontas. Por isso, às vezes o seu aspecto é um pouco tosco, não sendo de modo algum uma ferramenta estéticamente perfeita. 114 Trata-se de uma só peça em ferro, cujas dimensões são variáveis e que tem a forma de um hexágono Faca de empalhar - ferramenta em ferro, também de diversas dimensões, que serve, tal como a cunha, para abrir os juntos, de modo que estes possam ser empalhados. A ferramenta em causa mede 29 cm de comprimento e 2,5 cm de largura. Faca de Empalhar (direita) e Cunha de Empalhar (esquerda) (Fig. 46) Fogareiro - ferramenta em ferro, tal qual uma armação, com cerca de 20 cm de altura. Não possui fundo e serve para acender o fogacho, por forma a que a vasilha possa ser bastida Fogareiro (iconografia) (Fig. 47) Funil - ferramenta em zinco ou em cobre, com uma asa, que permite que os cascos sejam suados e parafinados O funil observado na imagem tem sensivelmente 37 cm. Funil (Fig. 48) 115 Gato - ferramenta em ferro utilizada para retirar das vasilhas de grande porte, através do "aliviar" das aduelas. È uma espécie de alavanca e a sua parte posterior termina em U. O suporte da peça - cabo - tem uma forma cilíndrica e mede cerca de 39 cm de comprimento. A parte da ferramenta em forma de U tem 10,5 cm de largura. os fundos Gato (esquerda) e Arco de Pua (direita) (Fig. 49) Goiva - ferramenta em ferro que serve para abrir os buracos para colocar as válvulas nos postigos dos tonéis e outras vasilhas de grande capacidade. Trata-se ferramenta de de corte uma cuja extremidade "(...) tem a forma de Goiva (vasilhas grande porte) (Fig. 50) uma meia-cana vazada." (Maurício e Supico, 1991:84). A parte superior é constituída por uma "cabeça" redonda, por forma a que possa ser manuseada mais facilmente Existe também outra versão desta ferramenta que, possui a mesma finalidade da anterior, embora seja utilizada somente para aparejar as vasilhas muito pequenas, uma vez que estas não permitem que a entrada no seu interior das mãos Goiva (vasilhas pequeno porte) (Fig. 51) 116 do artesão. Este modelo de ferramenta é de igual modo em ferro e possui uma espátula na extremidade. Mede cerca de 42 cm. Moço - ferramenta em madeira, que tem a mesma finalidade do grampo. Trata-se de uma peça leve, embora grossa, sendo a extremidade dentada, extremidade esta que segura as aduelas. Possui 15 cm de comprimento. Grampo (esquerda) e Moço (direita) (Fig. 52) Mola - ferramenta em ferro que serve para ajudar a bater a "cabeça", ou seja, o primeiro arco de bastição. A extremidade inferior é recta, enquanto que a superior é facetada. Trata-se de uma ferramenta ligeiramente pesada, o que como é evidente, é vantajoso para um melhor acabamento do Mola (esquerda) Raspador (direita) (Fig. 53) arco. Mede 36 cm de comprimento e 6,5 cm de largura. Pareia - ferramenta em madeira (tal qual uma régua), graduada em centímetros e que serve para medir o número de aduelas necessário à construção de uma vasilha Pareia (Oficina 2) (Fig. 54) 117 Ponção - ferramenta em ferro, de formato cilíndrico, cuja finalidade é furar os arcos para que estes possam ser cravados. Na parte superior possui uma "cabeça" circular onde a marreta bate, sendo a parte inferior bastante aguçada. A sua dimensão é variável, dependendo do tamanho da vasilha e/ou dos arcos. Repuxo (esquerda), Talhadeira (duas ferramentas ao centro) e Ponção (duas ferramentas da direita) (Fig. 55) Repuxo - ferramenta em ferro que, ao bater nos cravos, torna a sua cabeça cilíndrica. É uma ferramenta cilíndrica com as extremidades arredondadas, tendo na extremidade posterior uma reentrância, de modo a aperfeiçoar a cabeça dos cravos ou rebites. Tal como o Ponção é uma peça de várias dimensões, mas a observada na figura 55 mede 10 cm. Talhadeira - ferramenta em ferro que é utilizada para cortar as extremidades dos arcos antes de estes serem colocados nas vasilhas. Existe ainda um outro exemplar, designado por, talhadeira de volta (Fig. 55, primeira talhadeira à esquerda), que tem a mesma finalidade da anterior mas cuja extremidade não é em forma de cunha e sim em forma de U e ligeiramente concava. Estas ferramentas possuem também as mais variadas dimensões, no entanto a talhadeira observada mede 11,5 cm de comprimento e 2 cm de largura. Travadeira - ferramenta em ferro que serve para dar "trava" às serras, através do inclinar dos "dentes" destas alternadamente, de modo a não ficarem presas, ou seja, de forma a que o afastamento dos dentes seja regular e as serras possam cortar melhor (Fig. 44 à direita). Esta ferramenta possui as partes laterais dentadas, para que estas ranhuras possam encaixar nos "dentes" das serras. Esta ferramenta tem 13 cm de comprimento. 118 Tufo - ferramenta em ferro utilizada para alargar e aperfeiçoar o orifício do batoque, de maneira a dar-lhe uma forma "(...) tronco cónica (...)" (Maurício e Supico, 1991:195). É uma ferramenta bastante comprida - com 93 cm de comprimento - em forma de T, tem a extremidade cónica e com algum peso. As mãos do tanoeiro seguram esta ferramenta, precisamente na parte superior ("T") e fazem pressão na madeira, de modo a perfurá-la. O tufo é usado em brasa. O tufo da imagem é considerado de grande porte e é utilizado para abrir o batoque de cascos ou tonéis. Tal como acontece com outras ferramentas, existem outros pequenos exemplares utilizados em vasilhas de pequenas dimensões, como os barris. Tufo (Fig. 56) Turquês - ferramenta em ferro cuja função é arrancar e cortar pregos. É uma ferramenta vulgarmente conhecida, dado que também é usada na carpintaria, ou ainda na sapataria. A turquês observada mede 23 cm. Turquês (iconografia) (Fig. 57) 119 1.2.2. Os instrumentos e as suas funções Tal como aconteceu com as ferramentas, também os instrumentos foram inventariados e classificados consoante as matérias-primas que os compõem. INVENTÁRIO DOS INSTRUMENTOS Quadro 3 Matéria- Prima Instrumentos Quant Banco de Tanoeiro 2 Batoqueira 2 Bigorna 2 Bedame 6 Chaço de Cabo 8 Enxó de Arrunhar 6 Enxó de Carpinteiro 3 Garlopa 2 Graminho 3 Grosa 6 Javradeira 13 Lima 4 Marreta de Bastir 4 Marreta de Pena 6 Pedra de Afiar 3 Picadeira 4 Plaina de Chão 5 Plaina de Mão 12 Raspador 8 Raspilha 3 Raspilha de Volta 7 Serra de Cortar 6 Serra de Rodear 6 Trado 7 TOTAL 128 Ferro Madeira Aço Outros 114 126 0 3 120 Inventário dos Instrumentos 140 120 100 Número de 80 60 Peças 40 20 0 114 128 126 0 Ferro 3 Aço Total Matéria-Prima Gráfico 2 De acordo com os dados existentes quer no Quadro 2, quer no Gráfico acima representado, a maioria dos instrumentos usados em ambas as oficinas de tanoaria, são constituídos maioritariamente por ferro e madeira, embora a segunda matéria-prima esteja em vantagem sobre a primeira. Constatei que 98% dos instrumentos existentes têm na sua composição madeira, contra 89% em ferro e cerca de 2,3% são constituídos de outros materiais, como pedra. No caso das ferramentas anteriormente descritas e analisadas, constata-se que a maioria destas é composta por ferro, existindo a madeira em muito pequena percentagem. No caso dos instrumentos essa discrepância é muito menos acentuada. Torna-se também importante salientar que, a maioria dos instrumentos acumulam dois tipos de matéria-prima (madeira e ferro ou madeira e pedra). Tal como já foi dito anteriormente os instrumentos são peças diferentes das ferramentas porque são compostos por mais de um elemento. Na actividade tanoeira há a considerar os seguintes: Banco de Tanoeiro ou Banco de Carpinteiro - instrumento totalmente em madeira, que funciona como uma espécie de bancada e que serve também para aparelhar as aduelas e os tampos. 121 Este banco divide-se nas seguintes partes: a) Tampo, com 2,35 m comprimento e 30 cm de largura; b) Pés, com cerca de 64 cm de altura; c) Trave, com 1,80 m Banco de Tanoeiro (Fig. 58) de comprimento e 11 cm de largura. Na trave, é usual estarem arrumadas as plainas de mão, nomeadamente na Oficina 2. Batoqueira, instrumento em madeira e ferro, apropriado para embutir as chapas batoqueiras. Este instrumento é maioritariamente constituído por madeira e só a extremidade inferior é que contém um círculo em ferro. Trata-se de uma peça que actualmente não é utilizada, embora anteriormente isso não acontecesse. Mede 27 cm. Batoqueira (Fig. 59) 122 Bedame, instrumento semelhante a um formão possuindo uma função de corte e desbaste. É dividido em duas partes: a) Lâmina; b) Cabo. A primeira parte é em ferro e poderá ser pontiaguda ou em cunha. Bedames (Fig. 60) A segunda parte é em madeira e permite que o tanoeiro possa manuseá-la com bastante destreza. As suas dimensões são de 21,5 cm. Chaço de Cabo, instrumento que nunca "trabalha" sózinho, dado que a sua finalidade é ser colocado no arco e receber as pancadas da marreta. Trata-se de uma peça igualmente dividida em duas partes: Da esquerda para a direita: Marreta de Pena, Chaço de Cabo, Plaina De Mão e Javradeira (Fig. 61) a) Chaço, com cerca de 9 cm de comp., por 5,5 cm de largura. b) Cabo, com 25 cm de comprimento. A primeira parte é em ferro, sendo facetada dos dois lados. Dum lado é maior e tem a ponta quase em cunha, do outro a distância até ao cabo é mais pequena e o malho é quadrado. Na segunda parte, o cabo é em madeira e curto. 123 Enxó de instrumento Arrunhar, em ferro madeira que serve arrunhar as vasilhas. enxós existem em e para As várias dimensões e são compostas por duas partes: Da esquerda para a direita: Enxós de Arrunhar e Enxó de Carpinteiro (Fig. 62) a) Folha, com 14 cm de comp.; 13,5 cm de largura junto ao cabo, tendo a extremidade cortante 18,5 cm de largura; b) Cabo, com 17 cm de comprimento A primeira parte é em ferro e côncava, enquanto que a segunda parte é encabada na primeira e é em madeira. Enxó de Carpinteiro, instrumento que tal como o anterior, é composto por ferro e madeira. A sua função é afagar a madeira, ou seja, desbastá-la de modo a dar-lhe um aspecto mais perfeito. É composto por duas partes: a) Braço, tem 32 cm de comprimento; b) Ferro, com 9,5 cm de comp, por 10 cm de largura. 37 A primeira parte é em madeira e a segunda é em ferro. Este ferro não é mais que uma lâmina bastante grossa. (Ver Fig. 62) 37 Em tempos, chegou a utilizar-se também a Enxó de Abatocar, cuja finalidade era cortar a parte do batoque exterior ao orifício, de modo que as chapas batoqueiras pudessem ser colocadas. O mesmo instrumento como possui duas faces era igualmente utilizado para bater os batoques em madeira dos barris de exportação. 124 Garlopa, instrumento na sua maioria em madeira, à excepção da lâmina que é em ferro. Tratase de um instrumento muito idêntico a uma plaina, embora seja de grandes dimensões. Garlopa (Fig. 63) Tem como função aparelhar a madeira e é composto pelas seguintes partes: a) Cepo, com 75 cm comp., por 7,5 cm de largura; b) Pega 38, tem 29 cm de comp.; c) Cunha, tem 13,5 cm de comp e 6 cm de largura; d) Ferro, possui 14 cm de comp. e 6 cm de largura. Este instrumento exige que o tanoeiro utilize as duas mãos, sendo que a mão direita segura o instrumento pela Pega e a mão esquerda é apoiada na dianteira do instrumento. Graminho, instrumento de traçagem em madeira, que na tanoaria marca o local exacto onde são abertos os buracos para a colocação das cavilhas quando os fundos dos tonéis estão a ser encavilhados. É composto por três elementos: Graminho (Fig. 64) a) Cabos, com cerca de 18 cm; b) Prego (preso num dos cabos, instrumento este que traça os fundos); c) "Cabeça", com 14,5 cm de comprimento e 8,5 cm de largura. Nas oficinas onde foi desenvolvida a pesquisa este instrumento já não é utilizado, porque já não há vasilhas para exportação. A denominação de Pega é uma designação minha. 38 125 Grampo, instrumento em ferro de várias dimensões e que serve para segurar as primeiras aduelas aquando da armação de um casco. É constituído por dois elementos: a) Arco, que mede cerca de 12 cm; b) Rosca com "orelhas", igualmente com 12 cm. (ver Fig. 52) Grosa, instrumento de madeira e ferro, também utilizado em carpintaria e, cuja finalidade é desbastar a madeira. É composta por dois elementos: a) Lâmina, com 21,5 cm de comp. e 2 cm de largura; b) Cabo, possui 13 cm de comp. Grosa (Fig. 65) A lâmina "(...) tem a aparência de escamas formadas por pequenos dentes semi cónicos (...)." (Maurício e Supico,1991:81) É um instrumento idêntico a uma lima, mas com os "dentes" da lâmina mais grossos. Javradeira, instrumento em ferro e madeira, que serve para abrir o javre nos barris. Nas duas oficinas onde decorreu a pesquisa, encontrei javradeiras diferentes, embora a finalidade e o resultado fossem os mesmos. Assim, na Oficina 1 existe uma javradeira, que se divide em três elementos: a) Platine (peça chata); b) Quadrilátero; c) Cunha ou Calço (Hiéret, 1992:152) (Ver Fig. 61)). 126 Entretanto, outro modelo deste instrumento foi por mim encontrado na Oficina 2, e que entendi dividi-lo nas seguintes partes: a) Cabo, com 22 cm de comp.; b) Ferro (parte do instrumento que é cortante), com 5 cm de comp. e 4,5 cm de largura; c) "Cabeça", com 20 cm de comp. e 16 cm de largura. Javradeira (Fig. 66) Lima, instrumento igualmente em ferro e madeira, muito idêntico à grosa e de igual modo usado também na arte da carpintaria. É um instrumento de desbaste, cuja função é "apontar" as serras, ou seja, afiá-las. Tal como a grosa é também composto por dois elementos: a) Lâmina, que mede 15,5 cm de comp. e 2 cm de larg.; b) Cabo, com 11 cm de comprimento. Marreta de Bastir, instrumento em ferro e madeira, cuja finalidade é bater directamente nos arcos de bastição. Trata-se de um dos instrumentos mais importantes em tanoaria e dos mais pesados - cerca de 5 quilos -. Marreta de Bastir (Iconografia) (Fig. 67) É composto por dois elementos: a) Maço, com 20 cm de comp., por 5 cm de largura; b) Cabo, com 52 cm. 127 O maço é em ferro e facetado dos dois lados, funcionando um deles como batente e daí possuír uma forma quadrada, enquanto que o outro lado é em forma de "unha". Este instrumento é encabado em madeira por um cabo curto e recto. Marreta de Pena, instrumento em ferro e madeira e cuja finalidade é bater no chaço e chanfrar os arcos. É dos instrumentos mais utilizados na arte de tanoar e é bastante mais leve que o anterior. É igualmente composto por duas peças: a) Maço, mede 9cm comprimento, por 3,5 cm de largura; b) Cabo, com 25 cm. O maço é facetado dos dois lados, funcionando um deles como batente e possuindo uma forma quadrada, enquanto o outro lado termina em forma de cunha. Esta peça em ferro é encabada por cabo de madeira curto e recto. (ver Fig. 61) Pedra de Afiar, instrumento em pedra e madeira, cuja finalidade é afiar as ferramentas. Há-os de diversos formatos e dimensões. As peças que compõem este instrumento são: a) Suportes da Pedra, que medem cerca de 1,20 cm; b) Traves, com 28 cm de largura; c) Manípulo giratório; d) Pedra. A pedra de afiar é circular e toda a estrutura que a segura é rectangular. Esta estrutura tem a extremidade superior encostada à parede e a extremidade inferior apoiada no solo. Pedra de Afiar ou Mó (Fig. 68) 128 A pedra gira através do rodar do manípulo giratório que geralmente é feito com o pé, enquanto o tanoeiro com as mãos segura o instrumento a ser afiado. O instrumento descrito encontra-se na Oficina 2, mas neste mesmo local existe uma outra pedra de afiar, de grandes dimensões, mas constituída pelas mesmas peças da anterior. Pedra de Afiar ou Mó (Fig. 69 A única diferença é que esta última tem os suportes totalmente assentes no solo. Na Oficina 1 existe também uma mó semelhante à da figura 68. Pedra de Afiar (Fig. 70) De salientar que, no Museu Rural e do Vinho do Cartaxo, há igualmente um exemplar de uma Pedra de Afiar de características distintas das observadas por mim nas oficinas estudadas. Este instrumento previligia sobretudo o uso das mãos, contrariamente aos exemplares descritos anteriormente, onde o uso das mãos e dos pés é imprescindível. Pedra de Afiar (Museu Rural e do Vinho, Cartaxo) (Fig. 71) 129 Plaina de Chão, instrumento maioritariamente em madeira, e que possui uma lâmina cortante. A finalidade deste instrumento é juntar a madeira ou as aduelas, durante a aparelhagem desta. É um instrumento de corte, possui a parte posterior mais alta que a dianteira, uma vez que na execução desta operação, o tanoeiro coloca-se precisamente no lado posterior e imprime continuamente movimentos verticais Plaina de Chão (Fig. 72) de trás para a frente, segurando e fazendo força na aduela com as duas maõs. A plaina de chão reparte-se pelas seguintes peças: a) Barrote 39, mede 1,34 m comp. e 13 cm de larg; b) Pernas; as traseiras com 46,5 cm altura e a perna dianteira com 22 cm de altura; c) Orifício, está colocado a cerca de 55 cm da extremidade posterior; d) Ferro, com 38,5 cm comp. e 6,5 cm de larg; e) Cunha, com 31,5 cm comp. e 8 cm de largura (Hiéret, 1992:138) Plaina de Mão, instrumento muito usado em tanoaria, essencialmente em madeira, embora possua uma lâmina em ferro, que serve para tornear as aduelas durante a aparelhagem da madeira. É um instrumento de corte idêntico à garlopa, mas de menores dimensões. Para ser usado, o tanoeiro segura-o com ambas as mãos, fazendo pressão sobre a peça a trabalhar e executando movimentos horizontais de trás para a frente ou de 39 Esta foi a designação mais apropriada que encontrei para a tradução em causa. De salientar que a descrição de todas as ferramentas, instrumentos e máquinas, adoptei as designações de autores que estudaram anteriormente a tanoaria. Não encontrando desiugnações portuguesas, adoptei as designações do autor françês, dada a semelhança entre dos instrumentos em França e na região do Cartaxo. Na inexistência de designações desenvolvi a minha própria categorização ou adoptei a categorização usada pelos artesãos estudados. 130 cima para baixo, consoante a posição do objecto. É um instrumento igualmente muito familiar, por ser também usado em carpintaria. Divide-se em : a) Cepo, que mede cerca de 20 cm de comp. e 5 cm de larg.; b) Cunha, com 10 cm comp. e 4,5 cm de larg.; c) Ferro 40, com 18 cm comp. e 4 cm de largura (Fig. 61) Raspa, instrumento em madeira, de forma rectangular que, tal como o nome indica, serve para raspar as aduelas do lado exterior na fase de acabamento da vasilha, por forma a evitar quaisquer “falhas” na madeira. Raspas (Fig. 73) Este instrumento possui uma lâmina cortante em ferro, cuja parte posterior é dentada. A lâmina é apertada e ajustada à peça através de duas “porcas de orelhas”, também elas em ferro. É um instrumento que na sua totalidade mede cerca de 47 cm e que se divide em duas partes: a) Pega, com 24 cm comp. e 6,5 cm de larg.; b) Lâmina, com 15 cm de comp. e 4,5 cm de largura. Raspador, instrumento pequeno em ferro e madeira, cuja finalidade é raspar a madeira, de modo a dissipar as irregularidades desta, bem como retirar algumas substâncias que estejam nas vasilhas já usadas e que estão a ser reparadas. Este instrumento é muito usado durante a fase dos acabamentos da vasilha. É repartido em: a) Cabo, com 11 cm de comp. e 4,5 cm de larg.; b) Lâmina, mede 11 cm de comp. e 0,5 cm de largura. (Fig. 53). 40 Quer a descrição da garlopa, como da plaina de mão foram feitas pelos tanoeiros da Oficina 1 e da Oficina 2. 131 Raspilha, instrumento em ferro e madeira, usado para esquivir a madeira, ou seja, "(...) aparelhar a madeira pela parte de fora, dando-lhe a forma de aduela antes do vergamento." (Veiga, 1954:58) Este instrumento divide-se em: De cima para baixo: Raspilha, Raspilha de Volta (Fig. 74) a) Lâmina, que possui 49 cm comp. e 4,5 cm largura (parte cortante). b) Braços, sensivelmente que 13 medem cm (Hiéret, 1992:139) Raspilha de Volta (iconografia) (Fig. 75) Raspilha de Volta, muito semelhante à anterior sendo utilizada para aparelhar as aduelas pelo lado interior. Possui uma lâmina ligeiramente curva. Geralmente o tanoeiro trabalha com esta ferramenta sentado no banco de lavrar fundos. A peça é presa no banco e com as mãos o tanoeiro segura os braços da raspilha e procede à aparelhagem da madeira. Tal como a anterior raspilha, esta divide-se também em duas partes: a) Lâmina, mede 39,5 cm comp e 4,5 cm larg. (parte cortante); b) Braços, tal como a anterior raspilha, medem 13 cm de comprimento. (Hiéret, 1992:139) (Fig. 74). 132 Serra de Cortar ou Serra de Folha, instrumento em ferro e madeira, também usado em carpintaria e que, tal como o seu nome indica, é usado para cortar a madeira para os fundos, por exemplo. Da esquerda para a direita: Serra de Cortar e Serra de Rodear (Fig. 76) Esta serra compõe-se das seguintes partes: a) Corda, com 72 cm de comp. e 84 cm de largura; b) Trambelho, com 20 cm; c) Alfeizar, que mede 85 cm; d) Tornel, mede cerca de 7 cm; e) Arma, com 46 cm; f) Lâmina, com 66 cm de comp. e 76 cm de largura (Maurício e Supico, 1991:80) Serra de Rodear, instrumento muito idêntico ao anterior, com a particularidade de possuír a lâmina mais fina e cuja finalidade é rodear os tampos dos cascos. Por ser um instrumento semelhante ao anterior, as partes em que se divide são as mesmas e a designação de cada uma delas - segundo a minha opinião - é a mesma da serra de cortar. A única diferença entre estes dois instrumentos, está na largura da lâmina que, no caso da serra de rodear, é mais estreita. (Ver Fig. 76) 133 Trado, instrumento em ferro e madeira, cuja finalidade é abrir os orifícios onde serão colocadas as cavilhas no fundo da vasilha. Estes orifícios são abertos após serem traçados pelo graminho. Este instrumento reparte-se pelas seguintes partes: a) "Cabeça", mede cerca de 22 cm; b) Rosca, com 47 cm de comprimento. Trado (Fig. 77) 2.3.3. As máquinas e Suas Funções Como foi já oportunamente explicado, esta classificação das máquinas nada tem a ver com a mecanização industrializada da actividade da tanoaria, mas é sim, mais uma forma de distinção entre os inúmeros objectos para execução das vasilhas existente nas oficinas. A máquina está directamente ligada à força mecânica, quer esta seja "(...)estática ou dinâmica." (Mauss, 1947:49). Neste sentido, o significado de máquina neste contexto, está directamente ligado à força mecânica produzida através da energia humana. 134 INVENTÁRIO DAS MÁQUINAS Quadro 4 Matéria- Prima Máquinas Quant Arco de Pua 4 Banco de Cortar Fundos Macaco de Corda 2 4 Macaco de Elevação 3 TOTAL Ferro 13 Madeira 13 Aço Outros 1 0 13 Inventário das Máquinas Nº Máquinas 14 12 10 8 6 4 2 0 13 13 13 1 0 1 Matéria-Prima Ferro Madeira Aço Outros Total Gráfico 3 O Quadro 4 e o Gráfico 3 mostram o número de máquinas existentes nas oficinas alvo da pesquisa e a predominância de matéria-prima em cada uma delas. Das 13 máquinas inventariadas, todas elas são compostas por ferro e madeira em simultâneo, à excepção do macaco de corda, que para além das duas matérias-primas anteriores, possui também o aço. 135 Toas as máquinas, dadas não só as suas características, funções e dimensões, encontravam-se de forma geral sempre no mesmo local, sendo rara a sua movimentação dentro da oficina. De seguida, são apresentadas e caracterizadas em detalhe todas as máquinas encontradas nas oficinas estudadas: Arco de Pua, instrumento também conhecido por berbequim, cuja finalidade é abrir os batoques. Trata-se de um instrumento de ferro com alguns elementos em madeira. A designação Puas vem das brocas que lhe são colocadas. À semelhança das anteriores descrições, também as máquinas se dividem por partes. No caso concreto do Arco de Pua, classifiquei-a da seguinte forma: a) "Cabeça", com 8,5 cm de largura; b) Arco, com 13,5 cm comp; c) Rosca 41, com 3 cm de largura; d) Navalha (para abrir o buraco), com 15 cm comp. e 4 cm de largura. (Ver Fig. 49) Para que esta máquina possa ser devidamente manuseada os seus utilizadores colocam a mão direita sobre a "cabeça" e a mão esquerda sobre o arco, executando movimentos giratórios. 41 Como não encontrei qualquer referência às diversas partes em que se compõem os inúmeros instrumentos usados em tanoaria, optei por criar uma designação para cada uma dessas mesmas partes ou peças desses instrumentos, sem que isso, contudo, tenha algo a ver com quaisquer outras designações técnicas correntes no nosso País. No entanto, para alguns instrumentos e máquinas, adoptei as designações dadas às mesmas peças na zona de Bordéus. 136 Banco de Lavrar Fundos, peça indispensável numa oficina de tanoaria. É constituída por madeira e ferro. Para que os fundos possam ser cortados, o tanoeiro segura-os com a ajuda da peça móvel , senta-se nele e com a raspilha executa então o trabalho. Banco de Lavrar (Fig. 78) Esta máquina compõe-se pelas seguintes partes: a) Banco, com 2 m comp. e 21 cm de largura; b) Tábua, com 1,06 m comp. e 20 cm larg.; c) Apoio da tábua, possui 8,5 cm altura e 24 cm de comp.; d) Peça móvel, tem 1,00 m comp. e 23 cm de largura; e) Trave, tem 77 cm de comp. e 7 cm de largura; Banco de Lavrar (iconografia) (Fig. 79) f) Pés 42 , com 65 cm de altura (Hiéret, 1992:136) 42 As designações em itálico são da autoria de Hiéret. As outras foram classificadas por mim própria. A razão de não ter adoptado todas as designações, prende-se com o facto de na zona de Bordéus o banco de tanoeiro ser um pouco diferente, dos existentes no Concelho do Cartaxo. Daí ter sómente adoptado as designações das partes coincidentes entre os bancos de ambas as regiões. 137 Macaco de Corda, instrumento em madeira e ferro, cuja finalidade é bastir as aduelas, através da ajuda do fogacho e da água. Este instrumento possui ainda uma corda, que é colocada ao redor das aduela e à medida que o tanoeiro faz girar a corda, esta aperta as aduelas de modo a vergá-las. Macaco de Corda (Fig. 80) O macaco de corda reparte-se pelos seguintes elementos: a) Base de Apoio; b) Estruturas Quadriláteras do Macaco; c) Rosca Giratória; d) Corda. Apenas a rosca giratória é em ferro, sendo toda a estrutura do instrumento em madeira. Este instrumento nunca foi por mim observado em funcionamento, porque no Concelho do Cartaxo, já não se constroem barris. Por ter sido uma máquina que nunca foi usada durante o tempo em que permaneci no terreno, não a medi. A ideia é mostrar a peça que outrora era indispensável nesta actividade. 138 Macaco Elevação (Fig. 81) Macaco de Elevação (Museu do Vinho) (Fig. 81) Macaco de Elevação, instrumento de grande porte, muito pesado, constituído em ferro e madeira. A sua finalidade é levantar vasilhas de grandes dimensões " (...)com capacidade de 10 000 litros para cima (...)" (Veiga, 1954:49) -, quer na sua construção, quer na sua reparação. De salientar que ao longo de dezoito meses de trabalho de campo, não observei a utilização deste instrumento nas oficinas estudadas, embora, em ambas o macaco de elevação existisse. A explicação para este fenómeno encontro-a no facto de já não se construírem tonéis, apenas se procederem a restauros, embora ainda assim, estes restauros sejam pouco frequentes. Por exemplo, na Quinta da Fonte Bela, apesar de as adegas existentes guardarem ainda dos mais bonitos e significativos exemplares das vasilhas de grande capacidade de armazenagem, a realidade é que não observei neles qualquer tipo de intervenção, durante o tempo de permanência no terreno. Na Oficina 2, os artesãos, quando têm de reparar vasilhas grandes, deslocam-se ao local onde estas estão, daí ter sido também impossível observar tal prática. Esta máquina é dividida em : 139 a) Manípulo giratório; b) “Cabeça” do manípulo; c) Pegas; d) Quadrilátero de elevação. Na figura 81, é mostrado um outro Macaco de Elevação, que apesar das diferenças no seu formato, funciona exactamente da mesma maneira da máquina mostrada na figura 80. Na impossibilidade de serem medidas cada uma das partes componentes desta máquina, optei apenas por medi-la na altura, que é de 67 cm. O macaco é colocado por debaixo da vasilha e, ao girar-se o manípulo, esta começa a elevar-se porque se encontra apoiada no quadrilátero. CONTABILIZAÇÃO DAS CLASSIFICAÇÕES Quadro 5 Impacto Fricção Furar Riscar Prender Cortar Resistência 17 13 4 1 2 3 2 Total 42 Classificações 2% 7% 5% 5% 40% 10% 31% Im pacto Fricção Furar Riscar Prender Cortar Resistência Gráfico 4 140 Para concluír a análise às ferramentas, instrumentos e máquinas utilizadas na construção e/ou reparação de vasilhas de madeira, para além das informações complementares ao texto nos quadros e gráficos, parece-me importante frisar aqui que após esta longa lista de ferramentas na tanoaria, é evidente que a maioria destas têm uma função de impacto, logo seguida daquelas que são de fricção. Para as restantes funções, a variedade de ferramentas é significativamente menor. Deste modo, podemos concluír que, a tanoaria é de facto uma actividade bastante violenta e que exige muito esforço muscular, em que os movimentos mais executados pelo artesão são o de percussão, que atinge cerca de 40% do total de movimentos e o de fricção, que absorve sensivelmente 30%. No que diz respeito ao progresso tecnológico, estou já em condições de poder afirmar que a tanoaria teve um progresso técnico ao longo dos anos e, é óbvio que, como o progresso técnico é um fenómeno cultural, isso significa que, enquanto esta actividade permanecer viva, esse progresso vai sempre renovando-se, complexizando-se, podendo eventualmente chegar à mecanização. A principal questão é que, se a tanoaria sobreviveu até agora à pressão das novas tecnologias e a mercados cada vez mais exigentes, quer do ponto de vista qualitativo, quer do ponto de vista económico, já é um indício de que afinal este ofício tradicional não pode ser de maneira alguma rotulado de "velho" ofício caído em desuso - forma como na maior parte das vezes estas tecnologias tradicionais são designadas -. Se a actividade ainda hoje é praticada, embora com um número muito pequeno de artesãos, a verdade é que ela conseguiu de certa forma acompanhar não só todo o progresso técnico na área vinícola, como conseguíu também empreender alterações a si própria, de forma a continuar a competir com as mais sofisticadas técnicas de produção e maturação vinícola. O mais importante não é o número de artesãos actualmente existentes no Concelho, mas sim a qualidade e a capacidade de trabalho dos tanoeiros que ainda laboram. É claro que, se as solicitações hoje em dia já não são em grande número como o eram em décadas anteriores, não há por conseguinte qualquer interesse em que existam muitas oficinas de tanoaria. A prioridade vai no sentido de se apoiar, proteger e incentivar - através da formação profissional - esta actividade. 141 De um ponto de vista mais prático e concreto, psso ilustrar claramente algumas das adaptações e, consequentemente, progressos técnicos que a tanoaria conquistou. Por exemplo, se a indústria de exportação em vasilhas de madeira caíu muito desde que os países de expressão portuguesa conquistaram a sua autonomia, não tinha sentido continuar a produzir batoques de madeira, uma vez que estes eram só utilizados em barris de exportação. Neste sentido, deixou também de ter lógica o uso das chapas batoqueiras e do próprio instrumento que as encaixava, a batoqueira, bem como ainda a enxó de abatocar. Para além disso, se tradicionalmente os batoques de cortiça tinham de ser envolvidos em palha de tabúa para poderem vedar convenientemente uma vasilha, actualmente estes são preteridos por outros mais eficientes, na medida em que dispensam a palha. Também o giz, muito utilizado nos diversos procedimentos desta tecnologia tradicional, tem provavelmente os seus dias contados, já que em alguns casos observamos que os marcadores de feltro são já usados, porque se tornam visíveis por tempo indeterminado, contrariamente ao giz que, com o passar do tempo, desaparece. No entanto, a situação mais evidente é que a indústria de tanoaria no Concelho de Cartaxo está neste momento a viver apenas das reparações, dado que vasilhas novas só têm duas hipóteses de serem adquiridas: ou através da compra directa, em Esmoriz, ou por meio da sua aquisição ao tanoeiro da Oficina 2 que as adquire por sua vez também em Esmoriz, para as poder vender a um preço competitivo com o Norte do País, onde toda a actividade está praticamente mecanizada. De tudo isto, pode-se ressaltar uma certeza: apesar de toda a actual sofisticação tecnológica na área dos vinhos, a verdade é que as grandes empresas do sector que pretendam produzir vinhos de excelente qualidade, nomeadamente no campo do envelhecimento, consideram que o método tradicional, ou seja, o envasilhamento em madeira, é o mais indicado, independentemente dos custos. É uma aposta na diferença que se contrapõe a uma visão mais economicista, mas que, se correctamente levada a 142 cabo, tem abertas as portas de um mercado tão competitivo como é o dos vinhos. Contudo, apesar desta constatação, continuo a defender que a modernização da actividade tanoeira pode ser a chave para a sua própria continuidade. A outra alternativa poderá ser a refuncionalização, que em certa medida já é visível e praticável, onde a tanoaria passa a ter uma finalidade meramente decorativa em detrimento da função utilitária. 143 PARTE V O ASPECTO ECONÓMICO-SOCIAL DA TANOARIA 1. A PRODUÇÃO E A COMERCIALIZAÇÃO DE VASILHAS VINÁRIAS NO CARTAXO Tal como foi já frisado anteriormente, é importante que qualquer estudo tecnológico seja sempre globalizante, isto é, não se restrinja meramente às considerações técnicas. É primordial que toda a pesquisa etnotecnológica tenha sempre uma abordagem cultural, social, económica, para além da perspectiva técnica. Refiro-me ao já tão conhecido facto técnico total, defendido por Marcel Mauss. Daí ser “(...) uma característica da antropologia inserir a análise das actividades económicas na visão total dos fenómenos culturais.” (Bernardi, 1974:357). Mauss defende que “(...) os fenómenos económicos continuam a ser os mais comprometidos com a matéria; integram-se habitualmente, nos fenómenos materiais, ao lado das técnicas (...).” (1967:127) Quanto à actividade tanoeira, considero que a produção é intensa - e aqui refiro-me apenas à oficina existente no Cartaxo, dado que na oficina em Vila Chã de Ourique, a produção é para consumo interno da Quinta da Fonte Bela - se pensarmos que num Concelho vinhateiro como é o Cartaxo, só existe uma oficina de tanoaria a trabalhar nos mesmos moldes da existente na sede de Concelho (oficina 2). No entanto, esta produção cinge-se meramente à reparação de vasilhas como já tive oportunidade de explicar. Durante os cerca de 8 meses que permaneci no terreno observei que, em nenhum momento o artesão da Oficina 2 se deparou com a inexistência de trabalho.Geralmente o tanoeiro trabalha sózinho - o meu universo é sempre os tanoeiros contactados - e no caso do artesão mencionado, o trabalho só é executado por duas pessoas quando a vasilha a ser reparada é de grande porte, o que obriga o tanoeiro a pedir a colaboração do seu irmão mais velho, por forma a que com os dois indivíduos o manuseamento do casco seja 144 bastante mais facilitado. É claro que, economicamente torna-se mais compensador trabalharem dois artesãos em vez de um, dado que o rendimento de trabalho é maior. Pelo menos assim o deveria ser. Contudo, o artesão permanente da Oficina 2 confessounos ser pouco rentável trabalhar sistematicamente com o outro tanoeiro uma vez que, a avançada idade deste último não permite que o rendimento obtido seja compensador para ambos. Por isso, na maior parte das vezes trabalha sózinho, solicitando a colaboração do outro artesão reformado apenas nas situações anteriormente mencionadas. No caso da Oficina 1, a situação é completamente diferente porque aqui não há prazos a cumprir, nem clientes a agradar. Todas as reparações a serem feitas são nos tonéis e barris existentes na quinta e por isso o ritmo de trabalho é menos intenso do que na Oficina 2. Para além disso, o tanoeiro da Oficina 1 não trabalha diariamente na actividade tanoeira - prestando igualmente outros serviços na Quinta da Fonte Bela contrariamente ao da Oficina 2. Há ainda outra particularidade importante de ser registada e que, assenta na diferença de idades existente entre o tanoeiro da Oficina 1 que já ultrapassou os sessenta e cinco anos,43 e o artesão da Oficina 2 que é bastante mais jovem. Este facto também contribui muito para o desempenho de ambos os profissionais quando comparados. No que concerne ao escoamento e comercialização dos barris, na Oficina 2 como a actividade tanoeira se resume praticamente a reparações, o trabalho executado tem por conseguinte clientes imediatos. No entanto o artesão desta oficina adquire habitualmente barris novos provenientes de Esmoriz sem vislumbrar compradores certos, embora saiba que sempre surgem potenciais interessados e que, por essa razão, o investimento é justificado. Qual o motivo que leva um tanoeiro a adquirir vasilhas novas fora da sua região, podendo ele próprio executá-las até com maior qualidade? 43 Dados de 1995/96. 145 A resposta foi até já dada em capítulos anteriores, mas a principal razão é o fenómeno económico. Para que um ofício tradicional como a tanoaria sobreviva, é importante que o artesão tenha precisamente uma mentalidade económica e que por isso saiba tirar o maior partido entre aquilo que o mercado oferece e aquilo que o cliente procura. Ora, como este último, geralmente deseja adquirir um produto de qualidade ao mais baixo preço, o tanoeiro que pratica ainda uma actividade completamente artesanal não consegue satisfazer este desejo sem ele próprio entrar em prejuízo, daí que, a melhor solução seja adquirir vasilhas novas fora da sua região executadas na maioria das operações por máquinas e vendê-las no Concelho do Cartaxo por um preço compensador para si e agradável ao cliente. Portanto, sai muito mais barato ao artesão e ao cliente que as vasilhas novas venham de fora da região, do que sejam executadas na sua oficina e o preço final suba sensivelmente para o dobro. Senão vejamos: um barril novo poderá levar um dia de trabalho - cerca de oito horas -, dependendo da capacidade do mesmo. Contabilizadas as horas dispendidas, a mão-deobra e o material, uma vasilha nova de 50 litros por exemplo, fabricada no Cartaxo, custaria cerca de sete mil escudos44. A mesma vasilha vinda de Esmoriz custa ao cliente cerca de quatro mil escudos45. Obviamente que a construção de vasilhas novas no Concelho do Cartaxo jamais poderá concorrer com os preços praticados no Norte do País. Pelo menos enquanto a actividade não fôr remodelada, industrializando algumas das fases produtivas, nomeadamente as mais morosas. Apesar dos tanoeiros alvo desta pesquisa, serem da opinião que as vasilhas executadas manualmente são de superior qualidade quando comparadas com as que são provenientes do Norte46, a verdade é que os produtores ou os armazenistas que estão 44 Valores referentes a 1995/96. Estes preços variam consoante o tipo de madeira utilizada no casco. Os valores aqui apresentados referem-se a barris executados em madeira de Castanho, que é actualmente a madeira mais usada na tanoaria. 46 Esta é apenas uma questão opinativa. O que estes artesãos pretendem realçar é que o trabalho por eles executado terá maior valor económico, por ser prcisamente artesanal, de certa forma mais genuíno. Por outro lado, prevalece a opinião de que não haverá máquina mais perfeita do que a mão humana e, por conseguinte, a qualidade de uma vasilha artesanal será superior à de uma vasilha semi-artesanal. É claro, que aqui temos de ter em mente que os tanoeiros ao fazerem tais afirmações, estão apenas a defender a sua arte. Não creio contudo, que as vasilhas executadas de forma menos artesanal, não sejam igualmente de 45 146 preocupados com a competitividade económica num mercado tão difícil como o dos vinhos, considerações destas ficam para segundo plano. Para além disto, o tanoeiro da Oficina 2 também compra vasilhas antigas - de boas madeiras - a alguns fazendeiros da região ou a empresas vinícolas que vão fechando as suas portas, e, “abate-as”47 vendendo-as posteriormente para o Norte de Portugal, principalmente para a região do Porto. Outras vezes, o tanoeiro adquire - ao que o próprio designa por um bom preço - vasilhas não muito danificadas procedendo seguidamente aos indispensáveis reparos e vende-as posteriormente aos habituais clientes. Uma quartola de 500 litros de capacidade poderá custar nestas circunstâncias cerca de dezoito mil escudos.48 Ao afirmar que o tanoeiro compra vasilhas não muito danificadas, este acto justifica-se pelo facto de que, se esta estiver muito danificada o restauro terá de ser moroso e por conseguinte o preço final da vasilha será dispendioso. Esta situação dá origem à preferência por vasilhas novas vindas de Esmoriz, em detrimento das vasilhas que exigem uma grande reparação. No que diz respeito aos restauros, o preço é mais ou menos fixo, é estabelecido à unidade e os clientes conhecem antecipadamente este procedimento. Assim, o restauro de um barril de 50 litros custa cerca de dois mil escudos, enquanto que uma vasilha de 100 litros ronda os três mil escudos. Se partirmos do princípio que o tanoeiro repara cerca de duas a três vasilhas com esta capacidade diariamente, mensalmente este profissional aufere um salário de sensivelmente cento e cinquenta mil escudos - foram contabilizados aqui apenas os dias excelente qualidade. O mais importante aqui, não é a substituição do trabalho totalmente artesanal pelo trabalho mais mecanizado. Preocupante é a consequente perda de uma determinada sabedoria popular e de um saber fazer, onde o factor tempo é importante, mas não determinante. Com a mecanização da actividade - caso aconteça -, essa relação indivíduo/tempo dispendido, será inevitavelmente alterada. 47 O termo “abater” um barril significa o desmanchar de uma vasilha para que, posteriormente em outro lugar esta possa ser novamente montada. Este procedimento acontece quando as vasilhas são de grande porte ou existem muitas vasilhas mais pequenas para serem transportadas. É por conseguinte um acto que facilita essencialmente o seu transporte. 48 Valores de 1995/96. 147 úteis -. É claro que isto é apenas uma estimativa porque o tanoeiro terá dias que pode realizar mais ou menos trabalho. Por este exemplo se compreende porque razão este artesão é tão adverso à ideia de possuir aprendizes sem ter qualquer ajuda financeira. De facto, o seu salário não lhe permite fazer face a todas as despesas que um empresário em nome individual tem, conjuntamente com um salário a ser pago a um aprendiz que nunca poderia ser inferior ao salário mínimo. Resta acrescentar que os tanoeiros com quem realizei esta pesquisa são unânimes ao afirmarem que a pagar o salário mínimo, muito provavelmente não apareceria nenhum aprendiz, dado a complexização da actividade e por conseguinte a morosidade na aprendizagem e também em última instância, devido ao facto de a tanoaria ser uma tecnologia que, fisicamente é ainda muito violenta. Para além destes preços praticados na própria oficina de tanoaria, o artesão desloca-se por vezes para o exterior da freguesia do Cartaxo, a fim de reparar vasilhas de grande porte - tonéis -, que pelas suas dimensões não podem ser transportadas para grandes distâncias - para além de que a Oficina 2 devido à exiguidade do espaço não comporta vasilhas muito grandes -. É evidente que, estas deslocações acarretam algumas despesas para o tanoeiro e por isso o trabalho só é aceite mediante certas condições, que passam pela garantia de transporte por parte de quem contrata os serviços do tanoeiro e pelo acordo de que este último cobra cerca de sete mil escudos diariamente independentemente do trabalho a ser realizado. É claro que o tanoeiro acaba por auferir mais quando aceita este tipo de trabalhos do que quando permanece na sua oficina, dado que nesta nem sempre ele consegue ganhar o mesmo diariamente, ou se eventualmente conseguir, o trabalho deverá ser feito a um ritmo muito mais acentuado. É curioso constatar que a relação comercial entre o Norte do País e o Cartaxo no que diz respeito à tanoaria é desigual para este último, dado que, o Cartaxo vende para Esmoriz ou para o Porto vasilhas “abatidas” com vista ao aproveitamento da madeira, enquanto que, dessas regiões para o Cartaxo vem o produto já acabado. No entanto se encararmos a situação exclusivamente pelo aspecto individual - o artesão -, é evidente que as vasilhas 148 novas adquiridas fora do Concelho proporcionam-lhe um lucro imediato sem qualquer dispêndio de tempo ou material. Por isso é que o tanoeiro da Oficina 2, compatibiliza este negócio com a sua actual actividade limitada à reparação de cascos. O futuro, o desenvolvimento e a competitividade económica da tanoaria no Concelho do Cartaxo, passa inevitavelmente pela modernização da actividade, ou ainda, pela aposta na refuncionalização, ou seja, passando esta actividade do aspecto utilitário ao aspecto decorativo49. Mas é claro que, tal só é possível, com um programa bem estruturado de apoios e incentivos aos artesãos deste Concelho50. E aqui não se pode descurar de forma alguma a necessidade de empreender uma forte e cuidada política de turismo.51 Numa espécie de natural resposta adaptativa, os tanoeiros do Cartaxo são agora também artistas e fazedores de mobiliário. As grandes mudanças surgidas no sector agrícola colocaram para segundo 49 O termo decorativo tem aqui um dúbio sentido porque apesar de por diversas vezes as vasilhas serem transformadas em objectos decorativos (candeeiros, apliques de parede e outros.), o facto é que outras vezes esses mesmos objectos para além do aspecto decorativo são simultaneamente utilitários (mesas, bancos, cadeiras, balcões de atendimento público em locais típicos, como restaurantes ou tertúlias). 50 Neste sentido, espera-se que o futuro Centro Regional de Artesanato (C.R.A.), sediado na Chamusca e a inaugurado em 17 de Maio de 1996, possa ter aqui um importante papel. Este centro tem o apoio do Núcleo Empresarial da Região de Santarém (NERSANT) e entre muitos outros objectivos, pretende: ♦ apoiar a criação de micro-empresas de artesanato; ♦ apoiar o artesanato na sua valência cultural e económica; ♦ dignificar a actividade do artesão; ♦ estabelecer uma relação entre o srtesão e a comunidade, particularmente, entre este e as escolas; ♦ criar uma especialização na produção artesanal de certas regiões ou concelhos; ♦ criar um símbolo de qualidade para os produtos oriundos do distrito de Santarém. 51 Hoje, em 2003, apesar do bom trabalho desenvolvido pelo C.R.A. da divulgação e preservação do artesanato no Distrito de Santarém, a verdade é que essas acções não têm passado – de forma visível e principalmente de forma transformadora-, pelas actividades tradicionais desenvolvidas no Concelho do Cartaxo em geral e da tanoaria em particular. Não deixa de ser igualmente verdade que acções destas têm de ser concertadas com outras instituições ou entidades locais, mais que não seja pelo facto de serem instituições que pela sua localização fisico-geográfica, estão mais perto da tanoaria que se pratica no Cartaxo. A inexistente ou muito deficiente política de turismo neste Concelho, tem sido também uma das causas para a crise no sector das actividades tradicionais. 149 plano a arte de fabricação de barris. Depois uma tendência de mercado ditada pelo Barris reconvertidos (Fig. 83) Stand expositivo na Festa do Vinho, 1995, Cartaxo desejo de decorar as habitações em estilo rústico, com as características culturais da região, levou a procura a alterar os hábitos dos tanoeiros, ou seja, as vasilhas que restauram ou eventualmente possam construír, destinam-se muitas delas a peças de mobiliário ou objectos decorativo-utilitários. Eu própria presenciei durante a permanência no terreno, esta realidade. A moda está instalada e os clientes agora tanto são particulares como industriais, como é o caso de restaurantes, bares e outros locais de convívio público. A situação é vantajosa para os artesãos, eles olham-na com agrado e regozijam-se por mais esta oportunidade criativa e igualmente por mais uma oportunidade de manter a actividade viva e de não fecharem as portas da oficina para sempre. Festa do capítulo do Vinho, 1995 (Fig. 84) Falando durante este aspecto económico, é importante 150 também saber quem são afinal os compradores. A clientela é diversificada, mas incide principalmente em armazenistas de vinhos e algumas empresas de produção vinícola essencialmente do Concelho em estudo, mas, por vezes, também de freguesias vizinhas. É de igual modo importante acrescentar que a “moda” da reconversão dos barris e Barris reconvertidos em garrafeiras (Fig. 85) Festa do Vinho, 1995, Cartaxo outros vasilhames de madeira em peças de mobiliário, tem levado a que muitos particulares recorram aos serviços do tanoeiro da Oficina 2, isto é, a oficina situada na freguesia de Cartaxo. Assim sendo, a forma de escoamento da produção é por conseguinte a venda directa ao público na própria oficina. O artesão não se desloca do seu local de trabalho para vender os seus produtos ou para promover a sua actividade. A oficina nem sequer possui uma placa identificativa. De facto, os clientes é que a procuram. Provavelmente esta é uma das vantagens de não possuir concorrentes. A oficina situa-se dentro de um pátio, ao entrarmos nele, logo a identificamos não só pelo ruído que a actividade em certas fases provoca, como também pelos inúmeros arcos de ferro e aduelas que se encontram junto ao alçado principal da oficina. Evidentemente que um plano de expansão desta actividade passaria inevitavelmente por uma boa política de marketing, iniciando-a com acções tão simples mas básicas como a colocação de placas informativas acerca da localização actividades das oficinas artesanais, nas de tanoaria entradas e e outras saídas do Concelho. Políticas culturais determinadas em “lutar” contra o desaparecimento dos ofícios tradicionais, têm primeiramente de ser acções concertadas não só com os artesãos em particular, mas com a comunidade cultural e Reconversão de casco em garrafeira (Fig. 86) 151 económica em geral. Para além disso, deverão ser acções constantes, permanentes e exigentes. Se o investimento for bem aplicado os resultados serão concertezas visíveis e compensadores. Para finalizar, o transporte, quer das vasilhas reparadas, quer das vasilhas novas adquiridas, é da responsabilidade do comprador. 1.1. A relação tanoeiro/cliente A relação entre o tanoeiro e o cliente é primeiramente comercial, porque “(...) o homem moderno está o tempo todo no mercado.” (Mauss,1967:129) É claro que, não sendo os barris produtos que se vendam em casas comerciais acaba por ter algumas vantagens, como por exemplo a relação entre o tanoeiro e o cliente acaba por ser directa e por isso menos fria. Não havendo aqui intermediários - apesar de o aspecto económico nunca ser descurado - a verdade é que o cliente se desloca ao local de trabalho do artesão, podendo constatar directamente como este é desenvolvido, para além de sentir simultaneamente toda a ambiência da própria oficina. Há portanto a possibilidade de o artesão estabelecer com o cliente uma relação mais próxima, de amizade e respeito mútuo, que em outras actividades onde existam intermediários isso não é possível. No caso específico desta tecnologia tradicional, como o produto final não é fácil de ser vendido num qualquer estabelecimento comercial, penso que esta situação continuará a ser vantajosa porque a relação entre tanoeiro/cliente será sempre o mais directa e próxima possível. Sendo esta uma actividade comercial como qualquer outra, o tanoeiro corre os riscos que qualquer empresário tem hoje em dia, riscos estes que passam também pelas dívidas dos clientes ao artesão, pelo não cumprimento dos prazos por parte dos compradores no levantamento das vasilhas reparadas, chegando estas em casos mais graves a permanecer um ano na oficina. Nestas situações o tanoeiro acaba por cobrar a permanência da vasilha na oficina para além do prazo inicialmente acordado. Contudo, 152 estas situações são muito raras porque apenas acontecem com clientes particulares e a maioria dos clientes do tanoeiro da Oficina 2 são os armazenistas. Sobre a questão da publicidade ou do marketing, o mesmo é feito pelos próprios clientes que transmitem a informação de “boca em boca”. Como o tanoeiro da freguesia do Cartaxo é o único a trabalhar para o mercado, todos aqueles que de forma directa ou indirecta estão ligados à vitivinicultura sabem quem é o Sr. “Melancia”, como é vulgarmente conhecido. Estes mesmos viticultores e/ou produtores vinícolas, costumam participar em certames e feiras de promoção agrícola ou vinícola e ao exporem barris, cascos ou peças de mobiliário feitas a partir da tanoaria, estão directamente a promover primeiramente a actividade e em segundo lugar o artesão. As imagens anteriormente exibidas são prova de que esses certames acabam por ser igualmente importantes para a divulgação e promoção da tanoaria desenvolvida no Cartaxo. 1.2. Caracterização Sócio-Cultural do Tanoeiro No sentido de tentar colocar alguma ordem no caos existente no sector das artes e ofícios tradicionais em Portugal, foi criado o Estatuto do Artesão, com objectivos precisos de regulamentação e apoio aos artesãos e às micro empresas artesanais. Estando a lacuna preenchida é pois importante saber que os incentivos financeiros e a formação profissional serão dados apenas aqueles que cumprirem determinados requisitos, nomeadamente que se enquadrem nas definições de artesão e de micro empresas artesanais, definidos pela Lei. Por falta de investigação adequada é desconhecida a origem da tanoaria e dos tanoeiros no Concelho do Cartaxo. As informações existentes dão conta duma dinâmica acentuada no século XIX e XX, principalmente até 1975, data em que a maioria das colónias portuguesas em África adquirem a independência. Contudo é provável que a sua origem 153 no Concelho se situe entre os séculos XII e XIV, uma vez que os forais mais antigos datam desta altura (Pontével e posteriormente Cartaxo) Contudo sabe-se que aos ofícios tradicionais foi dado grande incremento durante a Idade Média, nomeadamente após o aparecimento dos Mesteirais e da organização destas actividades em arruamentos, nos aglomerados populacionais mais expressivos, como era o caso das cidades. Hoje sabe-se que apesar de estas actividades serem de cariz rural, as mesmas tiveram mais expressão e maior concentração laboral nos meios mais densos populacionalmente e portanto mais urbanizados. Em Santarém a classe dos mesteres era já no século XIV bastante dinâmica e organizada. DADOS SÓCIO-CULTURAIS DOS ARTESÃOS Nome Oficina/ Idade Naturalid. Escolarid. Localização Activ. Eduardo Oficina Casqueir Vila Chã de o Ourique Francisco Oficina Carvalho Cartaxo Joaquim Oficina Vilão Cartaxo MÉDIA 1 2 Início da – - 65 58 Cartaxo Cartaxo 3º ano (ensino 12 anos básico) de idade iletrado 12 anos de idade 2 – 74 Cartaxo iletrado 12 anos de idade 65,6 12 anos anos Quadro 6 A tanoaria é praticada no Cartaxo52 apenas por seis tanoeiros, dos quais somente três foram estudados nesta pesquisa. A média etária dos tanoeiros em laboração e alvo do estudo é elevada - cerca de 65 anos -, e apenas dois artesãos trabalham sistematicamente na actividade, sendo que apenas o tanoeiro da freguesia do Cartaxo não 52 Dados referentes a 1995/1996. Actualmente existem menos artífices nesta área. 154 concilia qualquer outra actividade com a tanoaria. Isto é, a tanoaria ainda é exercida a tempo inteiro. A escolaridade destes artesãos é baixa, sendo que apenas um tanoeiro é alfabetizado. A média etária de aprendizagem da actividade nos três artesãos estudados, ronda os doze anos de idade. Todos possuem carteira profissional e foram sindicalizados, enquanto o sindicato dos tanoeiros existiu. A forma como o próprio artesão se vê no mercado da produção de barris é igualmente importante para uma eventual mudança no sector. Indivíduos deficientemente alfabetizados são mais frágeis e menos competitivos comercialmente na medida em que é inexistente a tão importante agressividade comercial. Para além disso, são também mais resistentes à mudança, nomeadamente se vislumbrarem que esta não trará lucros imediatos. Vivem e projectam o seu trabalho a curto prazo, desconhecendo que o futuro da tanoaria passa também pelos agentes directos da actividade, ou seja, eles próprios, artesãos. Tanoeiros alfabetizados e jovens terão de ser a continuidade da actividade e os protagonistas das mudanças urgentes que o sector carece. A eles será mais fácil aderir e adoptar novas tecnologias de trabalho e de marketing, por forma a vencerem a competitividade, nomeadamente proveniente do Norte de Portugal, onde as tradições vinícolas sáo bastante mais fortes, principalmente na vertente histórico-económica. Embora a região do Cartaxo seja sobejamente conhecida pelos vinhos que produz, o facto é que se ofusca quando comparada com a região do Douro, sendo a sua capacidade comercial bastante inferior. Com a independência das ex-colónias portuguesas – locais para onde o Cartaxo exportava muito vinho envasilhado em barris – e com todas as mudanças ocorridas no sector vinícola aquando da entrada de Portugal na UE, o sector da produção de barris no Cartaxo foi relegado para segundo plano e entregue à mercê das apetências dum mercado que de repente se fechou nas fronteiras concelhias ou na melhor das hipóteses, nas fronteiras ribatejanas. 155 Dada a falta de incentivos, a crise no sector instalou-se, o trabalho escasseou, os rendimentos tornaram-se insuficientes e a maioria dos tanoeiros abandonaram a arte, passando a dedicar-se a outras actividades eventualmente menos duras fisícamente e com lucros regulares. As gerações descendentes destes tanoeiros, face à experiência vivida pelos seus progenitores – trabalho duro, esporádico e mal pago -, nem sequer tiveram interesse em passar pela oficina de seus pais ou avós para viver a experiência. As amarras foram cortadas de forma radical. Durante a permanência no terreno verifiquei que independentemente de os artesãos gostarem muito da profissão que escolheram, olham-se a si próprios como os menos interessantes, aqueles de quem ninguém já se lembra, ou que a maioria desconhece. São na sua globalidade empresários solitários, acomodados à situação eminente de desaparecimento da actividade, desacreditados quanto ao futuro e de fraca auto-estima quanto ao valor etnográfico, cultural e histórico do seu trabalho. Por outro lado, são profissionais dedicados, sábios, ávidos de companhia por parte dos mais jovens que se interessem pela sua actividade e sentem-se orgulhosos quando o seu trabalho é fruto de divulgação, admiração e reconhecimento em certames de promoção vitivinícola ou promoção do artesanato. O artesão do século XXI, tem de ser artista mas também empresário, com mentalidade económica, progressista e competitiva. Estes são os desafios da nova Era ao artesão em geral e ao tanoeiro em particular. Ter auto estima, acreditar nas suas potencialidades enquanto profissional e, lutar por um lugar na vida actual do Concelho do Cartaxo, são caminhos que os futuros tanoeiros terão de percorrer. Resta saber se alguém dará o “pontapé” de saída. 156 CONCLUSÃO O trabalho realizado, pretende essencialmente estudar a tanoaria no Concelho do Cartaxo, bem como a sua ligação com o aspecto económico social e cultural da região. Caracteriza-se por um estudo eminentemente tecnológico, embora a abordagem etnológica jamais seja descurada. Quando parti para o terreno, nada sabia desta tecnologia, nem tão pouco da relação próxima existente entre tanoeiro/objecto. Este é o resultado de dezoito meses de trabalho de campo, que se distribuiram por cerca de 150 dias, em aproximadamente 200 horas de observação directa. Muito fica ainda por dizer e por explorar. No entanto, este trabalho poderá ser um ponto de partida para uma pesquisa mais alargada explorando até outras vertentes deste ofício tradicional. No decorrer de toda a pesquisa, tomei conhecimento que a tanoaria apesar de ser uma tecnologia tradicional característica da região, a penúltima e última geração de tanoeiros existentes no Concelho do Cartaxo ou são oriundos do Norte do Portugal, ou fizeram a sua aprendizagem com mestres nortenhos. Trata-se de uma actividade de alguma complexidade tecnológica, composta por seis grandes fases e por cerca de trinta subfases. Na totalidade foram contabilizadas quarenta e seis ferramentas, instrumentos e máquinas na arte de tanoar, das quais cerca de 87% são móveis, isto é, “circulam” por toda a oficina e apenas 13% são fixas, ou seja, são instrumentos, ferramentas ou máquinas que estão sempre no mesmo local. Nas duas oficinas estudadas foram contabilizadas ainda, um total de 256 ferramentas, instrumentos e máquinas, e concluiu-se que, cerca de 90% destes são constituídos em ferro, logo seguida da madeira, com mais de 50%. De salientar que a maioria destes utensílios detêm conjuntamente as duas matérias-primas, anteriormente referidas. 157 Apesar de durante todo o ano as solicitações serem substanciais, a época de mais trabalho é durante os meses de Setembro e Outubro, devido às vindimas. Economicamente, a tanoaria é ainda uma actividade viável - desde que não seja praticada por muitos artesãos -, apesar de continuar a ser exercida de forma totalmente artesanal, o que encarece o produto final. Esta situação deu origem à procura de vasilhas em madeira novas provenientes do Norte de Portugal, por serem estas mais acessíveis aos compradores, uma vez que na região do Douro e Esmoriz a actividade tanoeira está já parcialmente industrializada. Face a este panorama à tanoaria existente no Concelho do Cartaxo, restam as reparações e a construção de peças decorativas ou de mobiliário em alguns casos a partir do “abate” de antigos vasilhames. Mas, qual é afinal a importância do estudo técnico desta actividade? Será que a técnica sofreu e continua a sofrer alterações? A cultura material é sempre fruto da criatividade humana, daí, ela ser tão importante para a ciência antropológica. Interessando-se por todas as manifestações culturais – daí a sua característica holística -, ao fazer-se um estudo tecnológico, a antropologia está a contribuir para a salvaguarda dessa mesma actividade, dado que tudo o que for registado jamais se perde. Foi este também o meu propósito: estudar e investigar uma actividade desconhecida ou pelo menos, mal conhecida, pela maioria da população cartaxeira. Os principais objectivos são: conhecer para preservar. Preservar, respeitando sempre a evolução natural dessas tecnologias. Para além disso, o estudo da cultura material, tal como foi referenciado ao longo da pesquisa, é extremamente importante para se entender não só a relação homem/meio, como também para se avaliar o grau de evolução técnico-cultural de determinado povo ou comunidade. Toda a evolução tecnológica tem implicações directas não só na vida cultural, como também na vida social dos indivíduos. "A relação do homem com a máquina ou da sociedade com a tecnologia que fabrica não são relações neutras. As condições sociais da produção (...) tecnológica, as formas concretas como os novos equipamentos 158 vão sendo incorporados no processo de trabalho provocam inevitavelmente uma divisão técnica e social desse trabalho." (Costa, 1993:143) É claro que esta tecnologia sofreu evolução ao longo dos anos, porque o fenómeno técnico é simultaneamente cultural e, como tal, não poderia ser estático. O aspecto técnico de qualquer actividade é sempre dinâmico, quer essa actividade seja tradicional ou não, quer essa tecnologia seja desenvolvida de forma completamente artesanal ou não; caso contrário, ela não sobreviveria às várias gerações. Cada uma das ferramentas da tanoaria é, adaptada ao que o artesão pretende realizar. Por isso é que algumas delas deixaram de ter aplicabilidade, porque as exigências do mercado assim o obrigaram. Ex: chapas batoqueiras; batoqueira; macaco de corda, etc. Questões como a rentabilidade económica da actividade, o progresso tecnológico e a relação dos tanoeiros com os clientes, foram também sumariamente abordadas e cheguei à conclusão que, a produção é intensa - no que concerne à reparação de vasilhas -, mas o artesão acaba por comprar barris novos fora do Concelho, vendendo-os a preços significativamente mais baixos do que aqueles que ele praticaria caso executasse as vasilhas na sua própria oficina. Face ao anteriormente exposto, estou em condições de poder afirmar que, a mecanização da actividade vitivinícola trouxe sem dúvida, problemas económicos, tecnológicos e de competividade para a tanoaria; mas por outra via, considero que este não é o problema de fundo, ou seja, se na generalidade os grandes produtores já não usam vasilhas de madeira para fermentar e guardar os seus vinhos, a verdade é que estas vasilhas continuam a ser muito procuradas e apreciadas para o envelhecimento das bebidas fermentadas. Houve portanto, uma readaptação da actividade, uma readaptação dos produtores vinícolas às novas tecnologias e finalmente uma readaptação dos tanoeiros à ideia de que as vasilhas de madeira passam agora a ter outra finalidade. Elas são pois, um complemento de qualidade à produção dos vinhos que se desejam com “sabor a madeira”. 159 Apesar dos poucos tanoeiros actualmente existentes no Concelho em laboração, o panorama não me parece tão negro, dado que trabalho não falta. A minha apreensão explica-se do seguinte modo: Se por um lado é já raro encontrarmos uma actividade tecnológica completamente artesanal que, de algum modo, ainda corresponda às necessidades da comunidade, por outro lado, é preocupante pensarmos que este facto pode conduzir o ofício à extinção, uma vez que, tal como foi dito ao longo da pesquisa, no Cartaxo já não se constrõem praticamente vasilhas de madeira. Parece-me que o mais importante e urgente será apoiar a modernização da actividade em algumas fases -, com vista a torná-la mais eficiente e competitiva, em termos de oferta, garantindo desta forma a sua continuidade. A indústria das reparações não durará por muitos anos, porque lhe falta consistência. A reparação deveria ser um complemento à construção. É a actividade construtiva que gera relações comerciais, incremento de trabalho e por conseguinte lucros. Ou a tanoaria no Cartaxo readquire novamente a sua capacidade construtiva - nem que seja ao nível da refuncionalização – e industrializa-se em algumas das suas fases, ou a mesma terá os dias contados. A questão da continuidade da tanoaria é outro ponto fulcral. A mecanização de algumas das fases do trabalho tecnológico, poderia contribuir para a “atracção” dos mais jovens para esta actividade, nomeadamente porque a modernização trazer-lhe-ia maior competividade e por conseguinte mais prosperidade. Contudo, ao defender a modernização da tanoaria, não significa que a máquina deva sobrepor-se ao trabalho humano, ao trabalho artesanal, ao trabalho das mãos e principalmente ao trabalho criativo. A máquina deve funcionar como um complemento da actividade tradicional. A máquina “(...) deve ser redescoberta de forma a voltar a ser instrumento na mão daquele que a cria.” (Associação de Alfabetização e Cultura Popular, 1981:17). Não considero que a relação entre o tradicional e as novas tecnologias, seja contraproducente. Pelo contrário, essa relação cada vez mais estreita entre o tradicional e 160 o moderno, quer ao nível dos materiais, quer ao nível das ferramentas de trabalho, é cada vez mais frequente e imperiosa. A execução ou reparação de barris não deve nem pode ser desprestigiada, apenas porque durante alguns momentos da sua concepção, lhe são introduzidas as novas tecnologias. O mais importante é saber manter esse equilíbrio entre o tradicional e o moderno. Não se pode continuar a cair no erro de querer que os artesãos continuem a viver uma vida que não é compatível com os tempos actuais, não se pode “obrigar” o artesão a trabalhar de forma completamente artesanal, pondo desta forma em risco a sobrevivência do seu ofício e por conseguinte a sua própria subsistência. Os resultados são até já bem visíveis: os artesãos que conseguem estabelecer essa “ponte” entre o tradicional e o moderno, os artesãos que não estão de “costas viradas” para o mundo de hoje, são sem dúvida os mais bem sucedidos profissionalmente. O artesão e, neste caso específico o tanoeiro, deve estar atento a esta realidade e agir de forma a não fugir, nem esquecer a tradição, mas acompanhando sempre que possível as inovações. Apesar de tradicionalmente a tanoaria ser praticada em larga escala nesta região e actualmente isso já não acontecer, não significa que esta indústria tenha deixado de servir a comunidade. A explicação é que hoje não é só a tanoaria a oferecer uma solução para o fabrico do vinho. As novas tecnologias estão aí e têm cada vez mais força e mais facilidade em implementarem-se nos mais diversos campos da vida social. A grande questão é saber conciliar ambas as ofertas - tecnologia tradicional/novas tecnologias - e tirar daí os melhores resultados. O grande desafio é saber estabelecer esse fio condutor entre o tradicional e o moderno. É necessário acabar com os “fantasmas” da inovação tecnológica nas produções artesanais. Sem essa ligação, as tecnologias tradicionais não sobreviverão. Acredito também que, como a actividade é ainda totalmente artesanal e extremamente violenta, esta poderá ser a primeira razão para o afastamento dos jovens. Com a mecanização das principais fases da tanoaria, provavelmente este problema seria ultrapassado. 161 Não menos importante, é o dever da autarquia e/ou outras entidades com responsabilidades culturais - não excluindo de forma alguma o papel da instituição Escola -, no que diz respeito à aproximação entre os jovens e os artesãos, ou os jovens e as tecnologias tradicionais, visando a continuidade da actividade53. Reafirmo novamente que, ao defender a continuidade da actividade tanoeira, não significa que esta tenha de continuar a fazer-se nos mesmos moldes. Há necessidade de se procederem a mudanças não só tecnológicas, como também ao nível do espaço onde toda a actividade se desenrola, ou seja, a oficina. É necessário que as oficinas passem a ter outras condições, para que o trabalho possa ser desenvolvido principalmente com mais dignidade. Outra aspecto importante situa-se na complexidade desta tecnologia e, por conseguinte na morosidade de aprendizagem que ela própria exige. Como tal, não sendo actualmente a tanoaria uma actividade mal remunerada - um tanoeiro experiente a trabalhar por conta de outrem aufere cerca de sete mil escudos diariamente54-, o grande senão é que ninguém pretende estar como aprendiz durante muito tempo e a ganhar um salário baixo, tal como acontecia tradicionalmente. A propósito deste caso, o artesão da Oficina 2, confessou que, embora a falta de aprendizes o deixe apreensivo, não está disposto a contratar alguém, perder muitas horas a ensiná-lo, baixando o rendimento do seu trabalho, e chegar ao final de cada mês tendo de pagar um salário bastante razoável a esse aprendiz, sem ter em contrapartida, aumentado a sua capacidade produtiva e competitiva. Assim sendo, os objectivos desta pesquisa passam também por: * Despertar as autarquias e outras entidades locais ou regionais para o urgente apoio económico à tanoaria, no sentido da sua mecanização ou na reconversão, ou 53 A título exemplificativo, posso relatar que na cidade de Guimarães a ODIT (Oficina de Dramaturgia e Interpretação Teatral) tem tido um importante papel na dinamização cultural de Guimarães através da “(...) formação, pesquisa, produção e a divulgação e projecção cultural da cidade de Guimarães (...).” Esta oficina tem também “(...) o propósito assumido de desenvolver um programa de estudo e aprendizagem junto dos artesãos vimaranenses, incentivando os jovens ao desenvolvimento dessas técnicas como forma de garantir a sua continuidade.” (Revista Municipal, 1995:23) Em outras regiões do País, nomeadamente na região de Bragança, foram criados cursos profissionais na área da tanoaria, por forma a trair os mais jovens a esta actividade. E para espanto de todos, muitos dos formandos são do sexo feminino, totalmente contrária à situação tradicional. Este facto revela que com a modernização do sector tanoeiro, a prática desta arte torna-se bastante menos pesada do ponto de vista físico. 54 Dados de 1995. 162 eventualmente o apoio à criação de micro-empresas nesta área. Para além disso, é inequívoco que as pequenas e médias empresas são actualmente os grandes polos dinamizadores da economia, nomeadamente, na criação de postos de trabalho; * Mostrar que às autarquias cabe a primeira responsabilidade, no que diz respeito à preservação e divulgação desta tecnologia tradicional, enquanto expressão cultural da comunidade em que se insere. E a "preservação (...) não é fuga ao choque e à mudança; mas é tornar conscientes, nas pessoas (...), as obras e os gestos que exprimem e simbolizam o que de melhor têm (...) e desarmar as resistências indiscriminadas à mudança." (Ferreira, 1983:177); * Demonstrar que a Escola tem também a grande tarefa de falar, discutir, mostrar, trabalhar e esclarecer todos os jovens para as questões do património cultural móvel e imóvel. A questão educativa é determinante na forma como os indivíduos olham, encaram e estimam os legados patrimoniais. * Sensibilizar os próprios tanoeiros, no sentido de mostrar que esta actividade é ainda muito importante no Concelho e que, por isso, devem lutar por uma dignificação da sua profissão. Daí que, esta pesquisa visa também tentar "vestir" ou restituir de alguma forma, a dignidade à profissão, que muitas vezes é esquecida e, em certas circunstâncias, menosprezada. Numa altura em que o termo desenvolvimento é a palavra chave, é vulgar que a ele estejam na maior parte das vezes associadas meramente ideias económico-financeiras, o que implica que afinal não se fala de desenvolvimento, mas sim de crescimento económico. Por isso, as questões culturais são sempre as mais menosprezadas, porque a elas quase nunca são associadas ideias mercantilizadas, ou pelo menos, não o eram, agora a tendência está a alterar-se. Contudo, é primordial que as populações percebam que o seu património cultural não pode ser quantificado ou relativizado economicamente, que nem tudo se compra e se 163 vende, e que a chave para um progresso equilibrado se encontra na esfera ou na consciência cultural dos indivíduos. Acresce que, com a ideia da massificação ou globalização cultural que esta "aldeia global" nos impõe nos dias de hoje, a preservação das artes e dos ofícios tradicionais é uma excelente forma de reafirmação da nossa identidade cultural. A este propósito, considero que a “globalização” cultural jamais irá acontecer, dado que os povos já começaram a reagir contrariamente a esta tendência, através da valorização das suas tradições. A este respeito, durante as Jornadas de Antropologia de 1996 do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, subordinadas ao tema Olhares sobre a Diferença, o antropólogo Yanes Casal, afirmou que a diversidade é o recurso do desenvolvimento. Por isso, não vai haver um só desenvolvimento, mas sim vários desenvolvimentos. Por último, cabe aqui também dizer que o turismo tem uma relação muito estreita com a vida cultural das populações e que, por essa razão, ao expandir o fenómeno turístico, estar-se-à simultaneamente a divulgar e incentivar as tradições culturais. Uma política de turismo regional séria, cuidada e rigorosa, é extremamente importante e urgente para as artes e ofícios tradicionais A criação da Rota do Vinho e da Vinha, mencionada no início desta pesquisa, poderia dar grande impulso e provocar uma redescoberta da tanoaria e de todos os outros ofícios tradicionais, que na maior parte dos casos são um passado ainda muito presente. Afinal, como se pode divulgar a cultura vinícola, sem apoiar, incrementar, desenvolver e promover um dos ofícios subjacentes à fabricação de vinhos? O turismo poderia ainda ter outra acção determinante no que concerne à refuncionalização da actividade, isto é, permitir que os objectos que outrora tinham uma determinada função na sociedade - a utilidade -, possam agora adoptar outra função - a decorativa -. Embora esta situação já se verifique - embora de forma ainda muito incipiente , uma vez que ao tanoeiro da Oficina 2, são encomendados trabalhos de reconversão de antigos barris em mesas, cadeiras, bancos, candeeiros, bares, garrafeiras, etc -, creio que futuramente, se a tanoaria perder totalmente a sua função básica, a refuncionalização poderia ser um dos 164 meios revitalizadores. É esta a resposta adaptativa mais evidente de uma actividade tradicional, aos desafios da sociedade actual. A tanoaria no Concelho do Cartaxo é mais do que um ofício tradicional. A actividade é a memória cultural do Concelho. 165 ANEXO I ( GUIÕES DE ENTREVISTAS) ENTREVISTAS ESTRUTURADAS (tanoeiros) 1. Nome 2. Idade 3. Naturalidade 4. Grau de instrução 5. Tempo de serviço 6. Razão para a prática da actividade 7. Aprendizagem da actividade 8. Empresário em nome individual ou colectivo? 9. Fornece habitualmente produtos ou materiais a outros profissionais da região do Cartaxo ou fora desta? 10. Onde são adquiridas as vasilhas “abatidas” que se encontram na oficina? 11. Como se procede para a entrega das vasilhas restauradas? O clienete vem buscá-las ou é o Sr. Que as vai entregar? 12. Quem são os clientes e donde provêm? 13. Os clientes vêm buscar as vasilhas restauradas dentro do prazo previamente combinado? 14. O pagamento é feito na data de entrega da vasilha concluída? 15. Há reclamações quanto ao preço? 16. Qual é o preço de uma vasilha produzida por si (totalmente artesanal) e a mesma vasilha proveniente dos habituais fornecedores no Norte de Portugal? 17. O o preço da vasilha é comunicado ao cliente no início ou apenas quando concluído o trabalho? 18. É exigido ao cliente um pré-pagamento ou um “sinal” do valor total a pagar pela vasilha? 166 19. Se os barris restaurados permanecerem muito tempo na oficina, ficam os clientes sujeitos a um acréscimo no preço? 20. É fácil ou difícil a escoação dos barris que compra provenientes principalmente de Esmoriz? 21. Gostaria de ter colaboradores ou aprendizes? 22. O que se torna mais dispendioso, restaurar uma vasilha ou convertê-la numa peça de mobiliário? ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS Entrevista ao empresário Duarte Carvalho e Silva 1. Qual a data de construção da Quinta da Fonte Bela? 2. O que produzia esta Quinta no início do Século e o que produz agora? 3. Quais as estratégias produtivas e de incremento económico que possui para esta Quinta? 4. O vinho deixou de ser a principal e única produção da Quinta da Fonte Bela. Porquê? 5. É actualmente muito conhecidas a inovação tecnolõgica implementada na Quinta do início do século. Actualmente que progressos tecnológicos têm vindo a registar-se? 6. Qual o mercado dos vinhos produzidos na Quinta da Fonte Bela? 7. Qual a razão da existência das adegas tradicionais, quando a produção vinícola actual está totalmente modernizada? 8. Quais as vantagens e desvantagens do envasilhamento em madeira? 9. Porque razão mantém esta Quinta um tanoeiro? 10. Quando o tanoeiro entrar em situação de reforma, como vai resolver o problema da manutenção dos vasilhames de madeira existentes? 11. Que vantagens trará a Rota do Vinho à Quinta da Fonte Bela? 167 Entrevista ao empresário Rogério Marques (Industrial de madeiras) 1. Quais as madeiras nacionais que se vendiam tradicionalmente e quais as que ainda hoje são procuradas? 2. A procura de madeira para a tanoaria é ainda considerávelmente grande? 3. Quais os preços das madeiras utilizadas actualmente na tanoaria? 4. Os “toros” têm algum tratamento especial antes de irem para as oficinas de tanoaria? 5. Em que época e como são abatidos os castanheiros e os carvalhos? 6. Compra a madeira em “toros”, ou vai buscá-la directamente *a origem, procedendo desta forma ao seu abate? 7. Quando as madeiras chegam *a sua oficina, quais os procedimentos a serem tomados? 8. Como é feita a secagem? 9. Qual o tipo de secagem mais vantajoso e menos dispendioso? 10. Que madeiras importadas costuma adquirir? 11. De onde provêm?Já vêm com a secagem feita? 12. Tem algumas encomendas na aquisição destas madeiras, cujo destino final seja a tanoaria? 13. A que preço é vendida? Entrevista ao enólogo Eng. João Sardinha 1. Emílio Garcia-Vaquero, defende que os vasilhames de madeira contribuem para uma boa curtimenta dos vinhos, devido à porosidade das suas paredes que favorecem uma oxidação muito lenta, base do processo de envelhecimento. Concorda? 2. Qual a importância dos vasilhames de madeira na curtimenta e conservação dos vinhos? 3. Quais os tipos de madeira mais usados em tanoaria? 4. Quais são as madeiras mais indicadas para esta prática? 5. O que é o tanino e qual a sua importància no envelhecimento dos vinhos? 6. Esta substância é importante em todos os vinhos? 168 7. Quais as vasilhas que produzem vinhos de melhor qualidade, as cubas de inox ou os cascos? 8. Numa panorâmica geral, em que tipo de vasilhas colocam os seus vinhos, os produtores do Concelho do Cartaxo? 9. Que tipo de tratamento deve um barril novo sofrer para que possa guardar vinho, sem qualquer prejuízo na sua qualidade? 10. Qual a capacidade média de um barril, pipa, quartola ou tonél? 11. Quantos produtores vinícolas no Concelho do Cartaxo ainda se dedicam a tempo inteiro a esta actividade? Entrevista ao Dr. José Conde Rodrigues (Presidente da Câmara Municipal do Cartaxo em 1995) 1. Sendo a tanoaria uma actividade muito pouco representativa no quadro económico do Concelho, que medidas tema Autarquia implementado ou que planos tem a Autarquia para evitar o desaparecimento desta actividade tradicional? 2. Em sua opinião, quais as soluções para a resolução do problema do desaparecimento deste património? 3. Que tipo de prestação poderá ter o Museu Rural e do Vinho na rentabilização desta actividade? 4. Que acções poderá a Autarquia implementr por forma a promover a salvaguarda da tanoaria? 169 ANEXO II ( REGIONALISMOS) Cada região tem o seu próprio sotaque ou “modo de falar” – como se diz no Cartaxo -, e daí que, quer aos materiais, quer as ferramentas, instrumentos e máquinas, bem como as fases do trabalho tecnológico, são atribuídas outras designações, fruto da forma como os indivíduos se expressam oralmente. Esta situação aconteceu diversas vezes durante a minha permanência no terreno e a mesma gerou alguma confusão terminológica, pelo que por vezes tive de recorrer a outros meios literários para entender de facto qual o verdadeiro significado de tais designações. Assim sendo, os termos que a seguir se apresentam são aqueles que maior dúvida provocaram. A primeira designação apresentada é a forma como os tanoeiros com quem trabalhei se expressavam e à frente encontra-se a forma correcta de a pronunciar. Amazonas – Carvalho Amazonas Aparajar – Aparejar Arpua – Arco de Pua Assentar o Frantel – Assentar o Fartel Badame – Bedame Baxete – Baixete Chaço de Rabo – Chaço de Cabo Desenpapo – Desenpape Esq’vir – Esquivir Frajó – Farjó Jabre – Javre Madeira de Cetim – Stettin Plaha de Tabuga – Palha de Tabúa Ponção – Ponpulsão Raspa – Designação para a Raspa e para o Raspador Rebaixos – Javre “Porca” ou Anilha – Descravadeira 170 BIBLIOGRAFIA AGUIAR, António Augusto, 1867 - Memória sobre os Processos de Vinificação, Lisboa, Imprensa Nacional, 1867. 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