FACIP/UFU
Ituiutaba, 2010
I SEMANA DE HISTÓRIA DO PONTAL
III Seminário de Práticas Educativas
De 22 a 24 de novembro de 2010
I SEMANA DE HISTÓRIA DO PONTAL
ANAIS
FACIP/UFU
Ituiutaba, 2010
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Cultura, educação e ambiente
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I SEMANA DE HISTÓRIA DO PONTAL
III Seminário de Práticas Educativas
De 22 a 24 de novembro de 2010
COORDENAÇÃO: Profa. Dra. Angela Teles
Prof. Dr. Eduardo Giavara
Prof. Dr. Marco Antonio Cornacioni. Sávio
Profa. Dra. Janaina Zito Losada
FACIP/UFU
Ituiutaba, 2010
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
ANAIS
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I Semana de História do Pontal
Promoção e organização
Curso de História/Faculdade de Ciências Integradas do Pontal
Universidade Federal de Uberlândia
Pró-reitoria de Extensão, Cultura e Assuntos Estudantis/PROEX
Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação/PROPP
Comissão Organizadora
Dra. Ângela Aparecida Teles
Dr. Eduardo Giavara
Dra. Janaina Zito Losada
Dr. Marco Antonio Cornacioni Sávio
Comitê Científico
Dra. Ana Paula Spini
Dra. Daniela Magalhães da Silveira
Dr. Jean Luiz Neves Abreu
Ms. Jiani Fernando Langaro
Dra. Mara Regina do Nascimento
Comissão de Cultura
Dr. Angela Teles
Diego de O. Ribeiro
Caio Vinicius de Carvalho Ferreira
Comissão de Divulgação
Dr. Eduardo Giavara
Bárbara Rufino de Carvalho
Camilla Aparecida Nogueira de Souza
Glaucia Silva Souza
Jurandir Ribeiro Muniz
Luana Ferreira Santana
Renata Alexandre da Costa Campos
Comissão de Infraestrutura
Dr. Marco A. C. Sávio
Anderson Aparecido G. de Oliveira
Fernanda Domingos Naves
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Anderson A. G. de Oliveira
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Filipe Silva Limonta
Iza Costa
Luciene Maria Nascimento Andrade
Túlio Andrade dos Santos
Comissão de Inscrições
Dra. Janaina Zito Losada
Bruno Taumaturgo Bandeira
Cristiele Nascimento
Daniela Cristina Borges
Maria Thereza Gomes da Silva Vasconcelos
Organização e preparação dos ANAIS
Dra. Janaina Zito Losada
Capa
Dr. Eduardo Giavara
(sobre a obra de Vladmir Tatlin (1885-1953) - Monumento à III Internacional, 1919)
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil.
Semana de História do Pontal (1. : 2010 : Ituiutaba, MG)
I Semana de História do Pontal : cultura, educação e ambiente :
anais ; III Seminário de práticas educativas, de 22 a 24 de novembro
de 2010, em Ituiutaba, Minas Gerais ; coordenação: Angela Teles,
Eduardo Giavara, Marco A. C. Sávio, Janaina Zito Losada. –
Ituiutaba: UFU, FACIP, 2010.
1 CD-ROM
Inclui bibliografia.
ISSN: 2179-5665
1. História - Congressos. 2. Cultura - Congressos. 3. Meio
Ambiente - Congressos. 4. Educação - Congressos. I. Teles, Ângela.
II. Universidade Federal de Uberlândia. Faculdades Integradas do
Pontal. III. Seminário de práticas educativas (3. : 2010 : Ituiutaba,
MG). IV. Título.
CDU: 930(061.3)
Elaborado pelo Sistema de Bibliotecas da UFU/Setor de Catalogação e Classificação
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
S471h
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Apresentação
A I Semana de História do Pontal - Cultura, Educação e Ambiente apresenta-se como o resultado de um trabalho de instalação e de
fortalecimento do curso de história na FACIP. Iniciado no ano de 2007, o curso
passou por um período de estruturação e assiste ao encerramento de sua
primeira turma no primeiro semestre do ano de 2011. Por outro lado, ao longo
desses três anos, o curso consolidou seu quadro de professores. É nesse
momento que o evento se inscreve como uma primeira oportunidade de
apresentar para a universidade e para o público em geral o resultado desses
anos de trabalho.
Fruto do trabalho compartilhado e do envolvimento de professores,
alunos e técnicos, a I Semana de História do Pontal recebeu mais de uma
professores e alunos de universidades como a Universidade Federal do Rio
Grande – FURG/RS ou da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte/UFRN.
A opção pelos temas dos simpósios está diretamente ligada com a
necessidade de consolidar linhas/espaços/campos de pesquisa que
atravessam e propõem os professores do curso e que agrupam alunos e
interesses de pesquisa. Os simpósios entrecruzam os temas Cultura, educação
e ambiente, que também organizam a ordem das palestras dos professores
doutores Tania Regina de Lucca, Lana Mara Castro Siman e Paulo Martinez
que gentilmente aceitaram o convite para participar do evento. Ainda aqui se
encontram articuladas as mesas redondas que terão espaço nas manhãs, com
professores da nossa Universidade.
Dentro desse espírito esperamos atingir as seguintes finalidades:
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
centena de inscrições de cinco estados diferentes do país, contando com uma
variada amplitude temática, temporal e teórica. São sete os Simpósios
Temáticos que constituem a I Semana e que propiciarão aos docentes, alunos
e professores da Facip/UFU e da rede de ensino de Ituiutaba e região contato
com os debates historiográficos e as pesquisas realizadas dentro e fora
da unidade. É marcante a circulação de alunos provenientes de Uberlândia, da
própria UFU e também de acadêmicos e professores da Universidade Federal
de Goiás, campus de Jataí. Ainda devemos apontar a participação de
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1. Divulgar as atividades do curso de história da FACIP-UFU para a
comunidade acadêmica e o público em geral;
2. Possibilitar a apresentação dos trabalhos e pesquisa na área de história
à comunidade acadêmica e ao público em geral;
3. Propiciar a docentes, alunos e professores da rede de ensino de
Ituiutaba e região contato com os debates historiográficos e as
pesquisas realizadas dentro e fora da unidade;
4. Convidar professores de outras instituições para debater temas de
interesse para a pesquisa e o ensino de história;
5. Propiciar aos alunos da instituição uma maior densidade nos debates e
apresentar outras visões acerca do ensino e da pesquisa em história;
6. Proporcionar um espaço de participação nos debates travados pela
historiografia nacional, bem como apresentar o curso de história e a
FACIP como um espaço aberto para a reflexão acerca do ensino de
história e das demandas educacionais brasileiras;
7. Divulgar, através de anais eletrônicos, os resultados do evento,
história no ambiente acadêmico do Pontal.
Este evento não aconteceria sem a participação decisiva da Pró-reitoria
de Extensão, Cultura e Assuntos Estudantis, da Pró-reitoria de Pesquisa e Pós
Graduação e do auxílio da Diretoria da Faculdade de Ciências Integradas do
Pontal. Também temos que marcar o papel fundamental dos funcionários
destas e da Gráfica da UFU. Mas fundamentalmente é importante apontar o
empenho dos acadêmicos que se envolveram nas comissões e dos
professores do Curso de História da Facip, que conceberam este evento que
este busca sistematizar.
Assim desejamos a todos um excelente evento!
Comissão Organizadora
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
ampliando seu alcance e marcando, assim, a consolidação do curso de
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PROGRAMAÇÃO GERAL
Segunda-Feira, 22 de novembro de 2010.
08h00 - 11h30 Credenciamento – LAPEH – Bloco A II
10h00 - 12h00 Apresentação do III Seminário de Práticas Educativas - FACIP/UFU
12h00 - 14h00 Almoço
14h00 - 17:00 Apresentação dos trabalhos e banners de PIPE IV.
19h00 - 21:00 Palestra Inaugural - Profa. Dra. Tânia Regina de Luca (Unesp/Assis). "Cultura,
imprensa e mídia".
21h00 - 22h00 Evento cultural (organizado pelos alunos do Curso de História)
Terça-Feira, 23 de novembro de 2010.
10h00 - 12h00: Mesa Redonda: "Abordagem interdisciplinar da Lei 10.639/2003 - História e
Cultura Afro-Brasileira. Debatedores: Prof. Dr. Cairo Mohamad Ibrahim Katrib (FACIP/UFU);
Profa. Dra. Cristiane Coppe (FACIP-UFU); Prof. Ms. Luciane Ribeiro Dias Gonçalves (FACIPUFU). Local: FTM II - ala 6 - sala 03
12h00 - 14h00 Almoço.
14h00 - 17h00 Simpósios Temáticos.
20h00 - 22h00 Apresentação da palestra da Profa. Dra. Lana Mara Castro Siman (UFMG).
"Educação, patrimônio cultural e ensino de história".
Quarta-feira, 24 de novembro de 2010.
10h00 - 12h00: Mesa Redonda: "História, Natureza e Sociedade". Debatedores: Prof. Dr. Jean
Luiz Neves Santos (INHIS-UFU); Prof. Dr. Marcelo Lapuente Mahl (INHIS-UFU); Prof. Dr.
Marco A. C. Sávio (FACIP-UFU). – Local: FTM II - ala 6 - sala 03
12h00 - 14h00 Almoço
14h00 - 17h00 Simpósios Temáticos
18h00 - 20h00 Lançamentos de livros.
"A cidade e as máquinas: bondes e automóveis nos primórdios da métropole paulista": Marco
A. C. Sávio.
"Do público ao privado, do confessional ao laico: a história das instituições escolares na
Ituiutaba do século XX": Betânia de O. Laterza Ribeiro e Sauloéber Társio de Souza.
20h00 - 22h00 Palestra de encerramento - Prof. Dr. Paulo Martinez (Unesp/Assis). "História
Ambiental e museus: um debate contemporâneo.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
18h00 - 20h00 Apresentação dos trabalhos e banners de PIPE IV.
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SUMÁRIO
Simpósio Temático 1 - Cidade, patrimônio e memória............................................................... 10
Simpósio Temático 2 – Natureza, espaço e técnica .................................................................... 96
Simpósio Temático 3 – Cultura popular, oralidades e linguagens audiovisuais ....................... 175
Simpósio Temático 4 – História e literatura.............................................................................. 250
Simpósio Temático 5 – Escravidão: fontes, historiografia e perspectivas de pesquisa ............. 282
Simpósio Temático 6 – História, memória, teoria da história e historiografia.......................... 310
Simpósio Temático 7 – História da educação escolar e do ensino de história .......................... 376
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Indice de Autores .....................................................................................................................497
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SIMPÓSIO TEMÁTICO 1 - CIDADE, PATRIMÔNIO E MEMÓRIA
Coordenação: Profa. Dra. Dalva Maria de Oliveira Silva e Prof. Ms.Jiani.
Fernando Langaro
CATALOGAÇÃO E DIGITALIZAÇÃO DE ACERVOS PAROQUIAIS DA DIOCESE DE
ITUIUTABA. .............................................................................................................................. 11
Pedro Affonso de Oliveira Filho
CATALOGAÇÃO E DIGITALIZAÇÃO DE DOCUMENTAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA .................................................................................................................................... 19
Francelly Helena Santos e Dalva Maria de Oliveira Silva
COMEMORAÇÃO DO PRIMEIRO CENTENÁRIO DE ITUIUTABA, RELAÇÕES
AFETIVAS OU QUIMÉRICAS? ............................................................................................... 27
Paula Marcele Ferreira Oliveira e Iago de Paula Barbosa
DESLOCAMENTO SOCIAL, TRABALHO E RESISTÊNCIAS: MIGRAÇÃO DE
ALAGOANOS PARA AS USINAS DE CANA-DE-AÇÚCAR. TRIÂNGULO MINEIRO MG 2005-2008. ........................................................................................................................... 37
Gláucia Silva Souza
HISTÓRIA, MEMÓRIA, CULTURA E SOCIEDADE:UM OLHAR SOBRE O PATRIMÔNIO
CULTURAL DA CIDADE DE ITUIUTABA/MG .................................................................... 43
Renato Mateus e Sidney Leopoldino da Mata
Lara Denise Muntaser e Dalva Maria de Oliveira Silva
IMPRENSA E MEMÓRIA: REFLEXÕES SOBRE A CONSTRUÇÃO DE MEMÓRIAS
PÚBLICAS EM TOLEDO/PR A PARTIR DE UMA NOTÍCIA POLICIAL DE 1954 ............ 64
Jiani Fernando Langaro
INVENTÁRIO E CATALOGAÇÃO DE ACERVO PAROQUIAL E FORENSE NA CIDADE
DE MONTE ALEGRE DE MINAS ........................................................................................... 76
Fabiana Conceição de Moura Gonçalves Rodrigues e Dalva Maria de Oliveira Silva
LEVANTAMENTO DOS BENS CULTURAIS DE ITUIUTABA- MG .................................. 83
Filipi Silva Limonta e Cairo Mohamad Ibrahim Katrib
POLÍTICAS PÚBLICAS E RELAÇÕES PRIVADAS COM O TOMBAMENTO EM
ITUIUTABA ............................................................................................................................... 89
Leonardo Silva Oliveira e Luana Regina Mendes
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
IMIGRAÇÃO ÁRABE PARA ITUIUTABA - PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX ....... 56
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CATALOGAÇÃO E DIGITALIZAÇÃO DE ACERVOS PAROQUIAIS DA
DIOCESE DE ITUIUTABA.
Pedro Affonso de Oliveira Filho
Graduando do curso de História da
Universidade Federal de Uberlândia/
UFU/Campus Pontal
Introdução
A região do Triângulo, Estado de Minas Gerais, possui um expressivo acervo
documental histórico referente à atuação da Igreja Católica, presente na região desde os
primórdios da ocupação deste território. Esses acervos podem ser encontrados, em
grande parte, nas cúrias diocesanas nas cidades de Uberaba, Uberlândia, Patos de Minas
e Ituiutaba sendo que muitos ainda se encontram dispersos em paróquias pertencentes às
mesmas dioceses. Trata-se de acervos importantíssimos para a recuperação da memória
desta região e que, geralmente, não são acessíveis para os pesquisadores, seja devido à
sua dispersão ou por resistência de alguns dirigentes da igreja que proíbem o acesso aos
mesmos em algumas localidades. Em face desta realidade o Projeto Memória, História e
Cidadania, que tem por objetivo preservar a memória local, bem como a identidade
histórica e cultural da região, têm trabalhado no sentido de inventariar e catalogar esta
documentação, visando preserva-la e disponibiliza-la ao publico de pesquisadores,
Mineiro.
Tendo em vista os avanços tecnológicos do século XX e inicio do XXI, era em
que se pode encontrar grande parte de informações em suportes de software, na internet,
ou mesmo em acervos digitais virtuais, pode-se notar que esta alternativa se revela em
uma ferramenta eficaz no que se refere à preservação e conservação da memória
regional, local e até mesmo nacional. Sendo assim os objetivos do Projeto Memória,
História e Cidadania: os sujeitos sociais e históricos e as suas relações nas e com as
cidades no Pontal do Triângulo Mineiro, coordenado pela professora Dra. Dalva Maria
de Oliveira Silva, faz parte deste campo de pesquisa, atuando, também, como projeto de
extensão ligado à Pró-reitoria de Extensão da Universidade Federal de Uberlândia.
O principal objetivo deste projeto, em sua primeira etapa no ano de 2009 e
janeiro de 2010, foi a catalogação e digitalização dos acervos das paróquias
pertencentes à diocese de Ituiutaba que, em sua maioria, atualmente se encontram no
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
através da criação de um centro de documentação na região do Pontal do Triangulo
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arquivo diocesano da mesma cidade. Nosso objetivo com este trabalho é poder
disponibilizar estes acervos no centro de documentação, que atualmente se encontra em
processo de construção, através da conversão de arquivos fotografados em JPG em
arquivos no formato PDF, possibilitando assim uma consulta mais rápida e eficiente,
uma vez que os arquivos se encontraram em seqüência.
Durante este trabalho, privilegiamos os assentos de batismo, casamento, óbito e
livros tombo da paróquia catedral São José de Ituiutaba e os assentos de batismo e
matrimonio da paróquia de Nossa Senhora Mãe dos Homens de Campina Verde (atual
Nossa Senhora da Medalha Milagrosa), por serem os registros paroquiais mais antigos
do arquivo e por estarem em estado de parcial degradação, devido ao manuseio e à ação
do tempo. Com base no material digitalizado foi possível tecermos algumas
considerações a cerca da região do Triangulo Mineiro na ultima década do século XVIII
e primeira metade do século XIX, o trabalho que apresentamos agora é o resultado
parcial desta pesquisa, bem como o apontamento de possíveis pesquisas a partir desta
documentação e, também o relato de experiências e reflexões construídas por nossa
participação como bolsistas de extensão no projeto durante o período de junho de 2009
a janeiro de 2010.
Os registros eclesiásticos e seus usos na pesquisa histórica.
Américas, principalmente na América Latina a partir do Concílio de Trento no século
XVI, como forma de controle sobre os fiéis da paróquia ou capela de uma cidade, vila,
ou freguesia. As Ordenações Filipinas no século XVII vieram reafirmar a utilidade
desses registros e ordenar que também os escravos fossem batizados, como forma de
controle da igreja sobre todos os segmentos da sociedade, o que é explicitado no Livro
V, capítulo 99, das Ordenações Filipinas:
Mandamos que qualquer pessoa, de qualquer estado e condição que seja que
escravos de Guiné tiver, os faça batizar e fazer cristãos, do dia que a seu
poder vierem até seis meses, sob pena de os perder para quem os demandar.
E se algum dos ditos escravos que passe de idade de dez anos 1 se não quiser
tornar cristão, sendo por seu senhor querido, faça-o seu senhor saber ao prior
ou cura da igreja em cuja freguesia viver, perante o qual fará ir o dito
escravo; e se ele, sendo pelo dito prior e cura admoestado e requerido por seu
senhor, perante testemunhas, não quiser ser batizado, não incorrerá o senhor
em dita pena. (LARA, 1999, p. 308)
1
Na nota 242 consta que segundo as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia a idade mínima
para poder escolher a religião era de sete anos.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Os assentos de batismo, crisma, casamento e óbito generalizaram-se nas
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Durante os séculos XVIII e XIX em todo o território nacional e mais especificamente
em Minas Gerais, estando a igreja ligada ao Estado, a produção destes documentos
ganha características especificas, devido a ligação do clero com a máquina burocrática
do Estado colonial e imperial. O clero era pago pelo Estado e em troca deveria cuidar de
aspectos da vida religiosa e social da comunidade por ele dirigida. Todas as ações da
Igreja sejam elas religiosas, sociais, burocráticas, administrativas, eram registradas, uma
vez que os clérigos deveriam, caso fossem solicitados, prestar contas a seus superiores.
No caso do batismo que era e ainda continua sendo considerado como uma inserção do
individuo no cristianismo, os registros são mais numerosos uma vez que a grande
maioria das pessoas era batizada após o sétimo dia de nascimento, como explica Miriam
Moura Lott (2004). Devemos considerar que no século XIX e primeira metade do XX,
em virtude de varias causas, o índice de mortalidade infantil era muito alto, sendo assim
o numero de assentos de matrimonio é relativamente menor que o de batismo e o de
óbitos, sendo que os registros de óbitos podem nos fornecer inúmeras pistas sobre as
enfermidades sofridas nos séculos XIX e XX, além de revelar as praticas religiosas
ligadas à morte, como encomendação do corpo, enterro em solo sagrado e outras mais.
Como podemos observar estes registros fizeram e ainda fazem parte da vida da
grande maioria dos habitantes da região do Triangulo Mineiro dos séculos XIX e XX,
independente da condição social ou da cor. O conteúdo dos registros pode variar em
tinha uma forma de relatar o assento. Os registros de batismo trazem, quase sempre, o
nome da criança primeiramente, depois da mãe, do pai e dos padrinhos, caso os pais
sejam casados na igreja aparece no assento o termo ―filho legitimo‖, caso não seja
aparece ―filho natural‖, o local da cerimônia, a data e o nome do padre, como podemos
ver no primeiro registro de batismo feito em Ituiutaba, antiga freguesia de São José do
Rio Tijuco:
Aos vinte de março de mil oitocentos e quarenta e oito baptizei solenemente
ao inocente Porfírio filho legitimo de Vicente Quirino Alberto e Donancia
Felizarda da Conceição, foram padrinhos Antonio de Freitas Ribeiro e Ana
Joaquina de São José, Padre José Fortunato Alves Pedrosa de Resende. (I
Livro de assentos de Batismo da Igreja matriz de São José do Rio Tijuco,
1848 pag. 2).
Na seqüência dos registros durante o ano de 1848 constam sete batizados,
dezesseis no ano de 1849, vinte e seis no ano de 1850, sendo que destes dez eram
cativos, e vinte e dois batismos no ano de 1851, sendo que destes treze eram escravos.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
numero de detalhes, pois não eram prescritos sempre pelo mesmo clérigo e cada um
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Os registros de casamento geralmente apresentam mais dados do que os de
batismo, pois os mesmos informam se ambos são livres ou escravos, o nome dos pais,
dos noivos, local de batismo e residência, nome das testemunhas, data e hora da
cerimônia, nome do padre, sua qualificação e assinatura, como podemos observar em
um acento de casamento da paróquia de Nossa Senhora Mãe dos Homens do Campo
Belo, atual município de Campina Verde:
Aos nove de abril de mil oitocentos e cinqüenta o padre Antonio Valeriano
Gonçalves de Andrade da Congregação da Missão Brasileira, sob licença do
visitante ordinário deste bispado de Goiás, o padre Jerônimo Gonçalves de
Macedo, da mesma congregação, depois de proclamados canonicamente e
tomados os depoimentos verbais e sem impedimento algum, nesta capela do
Campo Belo, o recebe em face da Igreja em matrimonio, os contratantes
Joaquim Ourives de Nação e Benedita Criola, filha legitima de Manoel de
Nação e Maria de Nação, todos escravos da Congregação da Missão, sendo
testemunhas Joaquim Pereira e Maria Cunha, para constar fiz este acento no
qual assigno Pe Antonio Valeriano Gonçalves de Andrade, padre da missão.
(I Livro de Registros de Casamento da paróquia de Nossa Senhora Mãe dos
Homens do Campo Belo, 1850, pag. 13).
Vale observar que o maior ou menor detalhamento de informações observado
nos registros de casamentos se dava de acordo com o estado social dos noivos, bem
como das informações adicionais que estes dispunham.
Os registros de óbitos por sua vez informavam sobre as circunstancias da morte
do individuo, sua condição social, sua idade, a causa da morte, estado civil, se o corpo
recebeu ou não encomendação e em caso negativo é informado, também o porquê de
ver em um registro de óbito feito em Ituiutaba, antiga freguesia de São José do Rio
Tijuco: ―No dia 6 de julho de 1884 no cemitério publico desta igreja Matriz, foi
sepultado o cadáver de Joaquim Antonio de Moraes, com idade de 55 anos, morrendo
repentinamente, não recebeu encomendação por não se achar o vigário no lugar. Vigário
Ângelo Tardio Bruno‖. (II Livro de registros de óbitos da Igreja matriz de São José do
Rio Tijuco, 1884, pag. 1). Deve-se ainda acrescentar que o fato de o defunto ter deixado
testamento e recebido os três sacramentos do ritual católico da morte – confissão,
eucaristia e extrema-unção – também costumam, eventualmente, ser mencionados no
registro.
Histórico da Cidade de Ituiutaba visto através dos registros do livro tombo: do
surgimento do povoado a emancipação política em 1901.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
não tê-lo recebido, quase sempre por motivos de ausência do vigário, como podemos
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As informações contidas no Livro de Registro de Atas da Matriz, o livro tombo,
pela riqueza do seu documentário, traça um histórico do município e se revela ao
pesquisador como uma das mais importantes contribuições para o conhecimento da
história local, uma vez que quase todos os aspectos da vida religiosa e social da
comunidade eram registrados neste livro. Pode se conhecer assim a origem do território
destinado a construção da Igreja Matriz, que foi doado por José da Silva Ramos e
Joaquim Antonio de Moraes, por volta do ano de 1820. Este relato se encontra na
primeira ata do livro em sua primeira pagina escrita primeiramente pelo padre Francisco
de Sales e Souza Fleury, segundo capelão da região em 1831 e reescrita pelo padre
Ângelo Tardio Bruno em 1884, e dá conta do perímetro da doação sendo Duas léguas
do sul ao norte e Uma légua e meia do nascente ao poente. É relatado também que a
primeira capela, construída pelo primeiro capelão e vigário padre Antonio Dias de
Gouvêa, se encontrava nas proximidades do córrego sujo. Em 1842 é construída a
matriz onde hoje se encontra a atual Catedral Diocesana, pelos esforços do padre
Gouvêa e José Fortunato.
No período que antecede a 1882 os dados eram escritos na forma de
correspondência, deixadas aos novos vigários por seus predecessores, estas cartas quase
sempre eram guardadas dentro dos livros como forma de conhecimento sobre o
perímetro de terras pertencentes à paróquia, bem como seus doadores e vizinhos
paróquia em 1839, da criação da freguesia, e da suspensão deste ato em 1840, sendo que
neste período o vigário responsável era o padre Antonio Dias de Gouvêa, que após a
suspensão passou a ser vigário da povoação da atual cidade de Prata. Em 1845 chegou
ao povoado o terceiro capelão, Padre José Fortunato Alves Pedrosa de Resende, sendo
que durante o tempo em que esteve presente foram concluídas as obras da matriz e a
mesma foi elevada a paróquia em 1862, com a recriação da freguesia. Em 1869 o padre
Fortunato foi transferido para a vila de Monte Alegre, ficando a paróquia sobre os
cuidados do padre José Gomes de Lima, vigário da vila de Prata e em 1872 chegou à
freguesia o padre Manuel Esteves Balonçoela Lira, que embora tenha deixado a
povoação no mesmo ano, organizou toda a documentação da matriz, inclusive as cartas
deixadas por seus antecessores. Ainda em 1872 chegou o padre Tristão Carneiro de
Mendonça que organizou o cemitério publico, localizado atrás da igreja matriz. Consta,
em alguns registros avulsos encontrados dentro do livro tombo, que antes de sua
chegada os mortos eram sepultados dentro da igreja ou em suas proximidades. Padre
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
confrontantes. Além da construção da matriz, encontramos o registro de criação da
15
Tristão permaneceu no Arraial pouco mais de um ano e, novamente, o mesmo passou a
ser atendido pelo vigário de Prata.
No ano de 1882, por pedido e insistência de fazendeiros, a freguesia recebeu a
visita do Cônego Ângelo Tardio Bruno e durante a sua estada os habitantes do povoado
pedem para que ele fique responsável pela paróquia e pelos assuntos políticos da região.
Consta que alguns fazendeiros chegaram a propor-lhe uma considerável soma em
dinheiro em troca de sua permanência na freguesia, sendo que esta passagem foi
relatada pelo próprio Cônego nas primeiras folhas do livro tombo. Padre Ângelo aceitou
a proposta e se estabeleceu como pároco da freguesia recebendo provisão interina em
1884 e neste mesmo ano ele se tornou, também, vereador responsável pela freguesia que
até então era ligada à comarca da cidade de Prata. Pelo que podemos perceber nos
relatos feitos pelo Cônego, são muitas as ações por ele lideradas em beneficio da
povoação e de toda a região, sendo que aqui permaneceu até o ano de 1917, ocupando
por mais de três vezes o cargo de vereador. Todo o território onde se encontrava a
povoação pertencia à Igreja Católica e foi por iniciativa do Cônego Ângelo que os
terrenos e construções foram registrados através de cartas de aforamento no nome dos
respectivos proprietários.
Encontramos também registro de vários empréstimos provenientes do fundo
paroquial a pessoas que pretendiam construir, mas não possuía capital, consta que as
com telhas de barro, neste período a maioria das construções do arraial eram cobertas
com capim ou folhas de coqueiro, as de telha eram aproximadamente em numero de 16.
As primeiras ruas e avenidas da cidade, tal qual encontramos ainda hoje no centro,
foram planejadas por ele, que pagou esta empreitada com o dinheiro do próprio bolso.
No do ano de 1901, depois de muitos esforços por parte do Cônego e do povo,
conseguiram a emancipação da freguesia, desmembrada da cidade de Prata e que passou
a se chamar Vila Platina.
Consta nos registros do tombo que o Cônego Ângelo, durante o período que
atuou na região, liderou diversos atos como a construções de estradas, pontes, edifícios
públicos, construção de capelas nas vilas da região e que por muitas vezes assumiu as
paróquias de Monte Alegre de Minas e Campina Verde, alem de acumular vários cargos
políticos em toda a região.
Analisando esses registros podemos concluir que as ações lideradas por Cônego
Ângelo Tardio Bruno foram de fundamental importância para o desenvolvimento da
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
condições impostas pelo Cônego Ângelo era que fosse construído prédio em alvenaria e
16
região e para a sua emancipação como município, sendo que, segundo os registros
ocorre em 1901, sendo que em 1917 passou a ser denominada com o nome atual de
Ituyutaba, significando na língua tupi guarani Povoação do Rio Tijuco.
Os registros também dão a conhecer que algumas categorias eram excluídas da
participação social, um exemplo claro que podemos citar são os escravos que até a
chegada do Cônego realizavam festejos próprios de sua irmandade e possuíam uma
capela por eles construída no largo da matriz. Por ocasião da visita pastoral do senhor
bispo diocesano Dom Cláudio José Gonçalves Ponce de Leão em 1884, Cônego Ângelo
o convenceu de que fossem tomadas decisões a respeito das crenças africanas, ele
descreveu a Capela de Nossa Senhora do Rosário como estando em péssimo estado de
conservação e pediu ao Bispo autorização para demoli-la uma vez que já havia um altar
dedicado a Nossa Senhora do Rosário na Igreja Matriz.
Consta que o Bispo consentiu, ordenou que toda a quantia que a irmandade
possuísse fosse entregue ao padre e a capela foi demolida, a imagem confiscada e os
membros da irmandade, a maioria escravos e alguns libertos, manifestaram a sua revolta
não comparecendo à procissão e ao terço rezados por Cônego Ângelo por ocasião da
festa naquele ano. Era naquela capela que realizavam as festas do Rosário no mês de
outubro, as comemorações da Páscoa e a festa de São Benedito em oito de setembro.
Sendo assim não compareceram as festividades de Nossa senhora do Rosário naquele
As tramas sociais que vão sendo reveladas através da análise minuciosa desse
tipo de documento estão permeadas de casos como este. Cabe ao historiador desvelar
estas informações, cuja verdade encontra-se constantemente encoberta pelo véu do
silencio e da aparente regularidade formal da documentação eclesiástica. Durante os
trabalhos do Projeto Memória, História e Cidadania estivemos em constante contato
com vários tipos de documentos, procurando entender a lógica e o sentido destes
registros com o intuito de nos capacitarmos para a prática da pesquisa histórica que
pretendemos perseguir.
REFERENCIAS BIBLIORÁFICAS
CARVALHO, José Geraldo Vidigal, “A Igreja e a Escravidão. As Irmandades de Nossa
Senhora do Rosário dos Pretos”. Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, Rio de Janeiro,
1988.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
ano de 1884.
17
CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Tradução Maria de Lourdes Menezes. 2 ed. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2000.
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime da
economia patriarcal. 51 ed. São Paulo: Global, 2006.
LARA, Silvia H. (org). Ordenações Filipinas, Livro V. São Paulo: Companhia das Letras.
1999. p. 308. Coleção Retratos do Brasil, 16.
LOURENÇO, Luis Augusto Bustamante. A Oeste de Minas. Escravos, índios e homens livres
numa fronteira oitocentista. Triângulo Mineiro 1750-1861. Uberlândia, Edufu, 2005.
Fontes Primárias
Livro 1 de atas (Livro Tombo) da igreja matriz de São José do Tijuco, 1884 e 1912.
Livro 1 de registros de batismos da igreja matriz de São José do Tijuco 1848.
Livro 1 de registros de batismos da igreja matriz de Nossa Senhora das Graças do Campo
Belo,1835.
Livro 1 de registros de óbitos do cemitério publico da igreja matriz de São José do Tijuco, 1884.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Livro 1 de registros de casamento da paróquia de Nossa Senhora Mãe dos Homens do Campo
Belo, 1850.
18
CATALOGAÇÃO E DIGITALIZAÇÃO DE DOCUMENTAÇÃO DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Francelly Helena Santos
Acadêmica do Curso de História - FACIP-UFU
Dra. Dalva Maria de Oliveira Silva
Curso de História – FACIP-UFU
Introdução
O projeto Memória História e Cidadania visa a criação de um Centro de
Pesquisa, Documentação e Memória na Universidade Federal de Uberlândia – Campus
Pontal, onde futuramente alunos e pesquisadores possam realizar as suas pesquisas e
desenvolver sua investigação acerca do município de Ituiutaba e região do Pontal. Para
que este projeto se concretize, uma das frentes de trabalho do mesmo, em parceria com
a Prefeitura Municipal de Ituiutaba, é a catalogação e digitalização de documentos do
arquivo da Secretaria Municipal de Planejamento, Administração e Recursos Humanos
em cujo acervo encontramos uma vasta documentação sobre questões administrativas
do município tais como: Livros de lançamento de contribuintes da Vila Platina, Livros
de recenseamento da população, Livros de lançamento de imposto territorial, Livros de
empenho de despesas, Livro de cadastramento de cães e outros que datam da primeira
Estes documentos (livros), sendo que alguns se encontram em estado de
conservação delicada, estão sendo catalogados, digitalizados, organizados e guardados
de forma provisória até que possam ser transferidos para um local adequado e
submetidos a tratamento e restauração visando a sua melhor conservação. Estes
documentos contêm informações relevantes e de suma importância para a compreensão
da história regional2 e para a pesquisa histórica sobre uma variedade de temáticas.
Através deste trabalho poderemos preservar a memória documental e também trazer à
tona a contribuição de agentes cuja ação foi fundamental na construção da história
vivida e que estão sendo esquecidos pelo foco nos detentores do poder publico.
O projeto, assim que consolidado e que tiver uma sala própria, visa atender à
demanda de pesquisa, não somente da área da história, dado a riqueza e importância
2
Os livros datados da primeira metade do século XX referem-se a dados e apontamentos do município de
Ituiutaba, mas que nesse período compreendia uma área mais abrangente e que hoje corresponde a vários
dos municípios vizinhos como Capinópolis, Cachoeira Dourada, Ipiaçu, Santa Vitória e Gurinhatã.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
metade do século XIX.
19
desta documentação para todas as áreas do conhecimento. Os trabalhos caminham em
ritmo lento devido à má conservação dos documentos, que exige maior atenção dos
estagiários e também devido à falta de infra-estrutura, dado às condições inadequadas
do local onde estão guardados os livros, o que consequentemente tem submetido a
equipe a condições de trabalho igualmente inadequadas. Um galpão sem ventilação,
com muita poeira, sem mobiliário e com pouco espaço, já que os livros e demais
documentos não podem ser retirados do espaço de guarda dos mesmos.
Memórias fragmentadas: a cidade e suas memórias
Tendo como ponto de partida o acúmulo do conhecimento sobre a temática da
memória, originada por uma infinidade de pesquisas a partir de diferentes visões e
problemáticas, bem como a partir da sua utilização como fonte, nos permite afirmar
sobre o seu caráter tênue e seletivo, o que a torna também fragmentada3. Milhares de
informações são processadas por nossas mentes ao longo de uma vida e as mesmas vão
sendo depositadas nos mais variados campos, sitiadas conforme a sua maior ou menor
importância ou, quem sabe, conforme temáticas. Informações vão se sobrepondo e
algumas memórias vão ficando esquecidas em um canto qualquer. Um esforço quase
sobre-humano poderá trazê-las de volta em algum momento em que um fragmento se
tornar importante, imprescindível para desvendar um lapso, como uma peça ausente em
negando lucidez e clareza a acontecimentos que jamais serão conhecidos como de fato
se deram ou deles poderiam se lembrar. Esquecer e lembrar faz parte de um mesmo
movimento da memória, seja individual ou coletiva, entretanto à memória histórica é
reservado um papel fundamental à nossa existência como nos lembra o autor:
A memória histórica se nos apresenta idealmente como âncora e plataforma.
Enquanto âncora, possibilita que, diante do turbilhão da mudança e da
modernidade, não nos desmanchemos no ar. Enquanto plataforma, permite
que nos lancemos para o futuro com os pés solidamente plantados no passado
criado, recriado ou inventado como tradição. Esta por sua vez, toma o sentido
de resistência e transformação. (LOVISOLO, 1989, 16)
3
Para citar apenas alguns autores ver: LE GOFF, J. História e Memória. Campinas: Unicamp, 2003;
POLLACK, M. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: v. 2, n. 3, 1989, p.
3-15; GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: UNESP, 1991;
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Trad. Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2006.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
um quebra-cabeça. Mas também poderão permanecer para sempre na penumbra,
20
Nesse sentido se para cada ser humano de forma individual a memória
constitui um ―porto seguro‖ e um ponto de partida, também uma cidade que não conta
com um arquivo público ou qualquer instituição que se proponha a zelar pela
preservação da memória material, através da guarda, conservação e acessibilidade da
documentação que as suas instituições produzem ao longo da sua existência, não tem
âncora e nem plataforma, se transforma em uma cidade sem passado, sem memória.
Para não dizer sobre a importância e preponderância que a informação assumiu no
século XXI e que não se trata de qualquer informação, pois há que estar fundamentada e
muito bem estruturada por bases sólidas cuja memória constitui ingrediente principal.
Das (des) memórias que reportam aos primeiros habitantes desta região, os
Caiapós, aos primeiros forasteiros que vieram de outras regiões em busca de terra e
riqueza, muito pouco ou quase nada foi conservado. A documentação sobre a cidade e a
região encontra-se dispersa em várias repartições e não se tem um conhecimento do teor
desta documentação e muito menos sobre o estado de conservação em que se encontra.
Esta região começou a ser desbravada nos finais da primeira metade do século XIX e de
lá para cá muitos foram os que aqui se fixaram ou por aqui passaram deixando pequenos
ou grandes testemunhos, entretanto pouco se conhece sobre essa trajetória histórica que
somente enquanto município autônomo soma-se longos cento e nove anos de existência.
Dentre outros projetos o trabalho desempenhado pela equipe do Projeto
área de esquecimento e penumbra que cerca a memória e a história sobre esta região e o
seu povo. Uma dentre as ações desenvolvidas pelo projeto está sendo executada em um
arquivo da Prefeitura Municipal de Ituiutaba, que se encontra sobre a guarda da
Secretaria de Fazenda, Administração e Recursos Humanos e que reúne uma vasta
documentação, considerando-se tanto a quantidade quanto a espécie e tipo de
documentos reunidos nem sempre de forma organizada e em um espaço também
inadequado.
Apesar das condições em que os documentos se encontram, sendo que alguns
estão quase totalmente destruídos e, portanto sendo impossível promover a sua
recuperação através da técnica do restauro, causam-nos uma fagulha de conforto o fato
de ainda podermos contar com alguns vestígios de tempos mais recuados e de ter nos
sido dada a oportunidade, mediante parceria com aquela Secretaria, de contato com essa
documentação visando o seu inventário e catalogação.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Memória, História e Cidadania representa um pequeno esforço, frente a uma enorme
21
Relato de experiência do trabalho no arquivo
Iniciamos o trabalho do projeto em fins do mês de maio quando realizamos a
nossa primeira visita ao arquivo da Prefeitura Municipal ao qual se convencionou
chamar de ―arquivo morto‖. Constatamos que os documentos a partir do ano de 1960
estão organizados em caixas arquivo com identificação por setor e data, sendo que a
documentação anterior a esta década se encontra distribuída em grandes livros, nos
quais consta o registro manual das informações referentes às atividades e ao expediente
cotidiano da prefeitura. Estes livros não se encontravam organizados, estavam dispostos
em diversas pilhas e espalhados pelo chão do prédio, no qual foi improvisado um
arquivo, cobertos por grossas camadas de poeira, sendo que alguns em péssimo estado
de conservação.
Começamos realizando uma limpeza no local e nos livros visando remover a
poeira e em seguida iniciamos o inventário e a catalogação dos mesmos, utilizando uma
ficha contendo informações tais como: nome da instituição, setor, órgão, tipologia do
documento, conteúdo do documento, a data e estado de conservação em que se
encontra. Após a catalogação de cada livro segue a parte mais minuciosa do trabalho,
que consiste em digitalizar os livros, página por página. Este trabalho exige perícia e
paciência, pois há que se tomar cuidado com os livros que se encontram em situação de
conservação delicada, o que também dificulta o trabalho de digitalização. O fato de
trabalho o torna ainda mais criterioso4.
O material produzido a partir deste trabalho – as fichas e as imagens da
totalidade dos livros digitalizados após o término da ação – constituirão em acervo do
Centro de Documentação e futuramente será disponibilizado, em forma de arquivo
digital, para pesquisadores e comunidade, preservando desta forma essas informações e
tornando possível o acesso às mesmas pelas gerações futuras. Pois, caso contrário, em
função do estado de conservação dos livros essa documentação além de não estar
acessível, desapareceria mediante a ação do tempo, da poeira e das más condições do
local onde estão guardados.
4
Dado que a realização deste trabalho não altera
Sobre a legislação e produção referente a organização e conservação de arquivos ver: Arquivo Nacional;
CONARQ; FIOCRUZ; HERRERA, Antonia H. Arquivos, documentos e informação. In.: SÃO PAULO.
Secretaria Municipal de Cultura. Departamento do Patrimônio Histórico. O Direito à Memória:
patrimônio
histórico
e
cidadania.
São
Paulo,
DPH,
1992.
p.
113-120.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
ainda não contarmos com a técnica e equipamentos adequados para a realização deste
22
substancialmente, pelo menos por enquanto, as condições de guarda do material, que
depois de limpos e digitalizados estão sendo acondicionados em caixas de papelão que
continuam a ser mantidas no chão por falta de mobiliário e local adequado.
Durante o processo de inventário e catalogação dos livros nos deparamos com
diversas séries e tipologias de documentos referentes a atividades e ações públicas
empreendidas no expediente cotidiano do município, desde o período em que ainda era
denominado Vila Platina. Encontramos, por exemplo, um Livro de Lançamento de
Contribuintes e Impostos de Vila Platina, datado do ano de 1902, com o registro de
impostos e respectivos contribuintes. Em outro livro, datado de 1908, encontramos o
registro de receitas, despesas e balancetes da Prefeitura, sendo que estes são pequenos
exemplos das séries de livros referentes à cobrança de impostos municipais e
contabilidade do município, fontes imprescindíveis à pesquisa e produção do
conhecimento sobre diferentes temáticas, como a distribuição territorial e posse da terra,
por exemplo, mas que fornecem principalmente dados elucidativos sobre a história
econômica do município no inicio do século XX.
A riqueza e a diversidade deste acervo se apresentam a cada momento que
manuseamos um novo livro, quando outras possibilidades de pesquisa vão se
configurando, outros caminhos vão se abrindo através da existência de dados sobre
distritos, comunidades, novos sujeitos e agentes da história do município que vão se
historiador, que se vêem instigados à procura de novas descobertas, o que nos reporta a
Lucien Febvre na obra Combats pour l‘histoire quando nos afirma que a história se faz
com documentos escritos, quando os encontramos, mas também com toda a
engenhosidade do historiador, com palavras e sinais, na busca minuciosa nas fontes que
sinalizem sobre o não dito (1965, 428), o que nos estimula a dedicar à pesquisa histórica
e a desenvolver o trato intelectual necessário à investigação e análise das fontes.
Em um balanço parcial do trabalho no arquivo em questão, considerando cerca
de noventa livros já digitalizados e visando apresentar nesta comunicação uma mostra
da riqueza documental deste acervo, passamos a listar alguns exemplares do referido
acervo já catalogado:
1. Livros relativos a impostos receitas e despesas do município
Quantidade
Tipologia
Período
7
Livros de lançamento de Contribuintes
Dentre o material
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
descortinando aos olhos ainda inexperientes, mas curiosos dos aprendizes de
23
5
Livros de lançamento de Imposto Territorial
1
Livro de relação de Inadimplentes
3
Livros de Registro de Receitas, Despesas e Balancetes
2
Livros Caixa de Posto de Gasolina
1
Livro de Despesas Gerais
1
Livro de Contribuintes da Zona Rural
8
Livros de Registro da Dívida Ativa
1
Livro de Lançamentos de impostos, taxas e rendas
1
Livro Caixa da Prefeitura Municipal de Ituiutaba
1
Livro de Registro de Impostos
catalogado
encontramos
documentos
datados de 1901
a 1950.
Quantidade
Tipologia
Período
4
Livros de Cartas de Aforamento
6
Livros de Registro de Imóveis
3
Livros de Alvarás Diversos
1
Livro de Lançamento de Fazendas
Dentre o material
catalogado
encontramos
documentos
datados de 1901
a 1950.
2
Livros de Relação de Patrimônio das Fazendas
3
Livros Índice de Registro de Fazendas
1
Livro de Registro de Veículos
3. Livros relativos ao registro populacional
Quantidade
Tipologia
Período
4
Livros de Recenseamento de População
1901 a 1915
1
Livro de Registro de Cães
4. Livros Diversos
Quantidade
Tipologia
Período
1
Livro Índice com nomes diversos
Dentre o material
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
2. Livros relativos ao registro de propriedades e estabelecimentos comerciais
24
1
Livro de Editais
1
Livro de Registro de Profissões e Licenças
catalogado
encontramos
documentos datados
de 1901 a 1950.
Esta constitui apenas uma pequena mostra em relação ao acervo já digitalizado
e, principalmente, em relação à grande quantidade de livros que já foram separados para
serem catalogados e digitalizados. Trata-se de atividade delicada e minuciosa e que em
função da riqueza, também numérica da documentação ainda teremos vários meses de
trabalho até a conclusão da ação, que ainda engloba em torno de cem metros de
prateleiras de caixas arquivo para serem catalogadas.
A partir da catalogação deste e de outros arquivos que constitui frentes de
trabalho do Projeto Memória, História e Cidadania pretende-se organizar um guia
preliminar de fontes visando informar a comunidade quanto à existência desse
patrimônio público e instrumentalizar os pesquisadores sobre a tipologia e espécie da
documentação disponível para pesquisa, bem como a sua localização. Com esta ação e
outras que serão necessárias objetiva-se combater a fragmentação e principalmente a
perda da memória histórica regional.
ARQUIVO NACIONAL. Projeto Conservação Preventiva em Bibliotecas e Arquivos. CPBA.
Rio de Janeiro, 2001.
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade.
Trad. Carlos Felipe Moisés, Ana Maria L. Loriatti. São Paulo: Companhia de Bolso, 2007.
FEBVRE, Lucien. Combats pour l’histoire. Paris: Armand Colin, 1965.
FIOCRUZ. CICT. Noções Básicas de Conservação Preventiva de Documentos. Rio de Janeiro:
FIOCRUZ, 2003.
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: UNESP, 1991.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.
HERRERA, Antonia H. Arquivos, documentos e informação. In.: SÃO PAULO. Secretaria
Municipal de Cultura. Departamento do Patrimônio Histórico. O Direito à Memória:
patrimônio histórico e cidadania. São Paulo, DPH, 1992. p. 113-120.
LE GOFF, J. História e Memória. Campinas: Unicamp, 2003.
LEVISOLO, Hugo. A Memória e a Formação dos Homens. Estudos Históricos, Rio de Janeiro,
vol. 2, nº 3, 1989, p. 16-28.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
25
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
POLLACK, M. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: v. 2, n.
3, 1989, p. 3-15.
26
COMEMORAÇÃO DO PRIMEIRO CENTENÁRIO DE ITUIUTABA,
RELAÇÕES AFETIVAS OU QUIMÉRICAS?
Paula Marcele Ferreira Oliveira
Graduando do curso de História da
Universidade Federal de Uberlândia –
UFU/Campus Pontal
Iago de Paula Barbosa
Graduando do curso de História da
Universidade Federal de Uberlândia –
UFU/Campus Pontal
Introdução
Uma cidade de progresso, assim é vista Ituiutaba por seu crescimento
populacional e econômico, que tem vivido nos últimos dez anos. Houve de fato
avanços, mais devemos ter cuidado ao caracterizá-los, e não imbuir no contexto
histórico um caráter generalista. Porém, foi dessa forma que foi visto o aniversário de
cem anos de emancipação da cidade, com um cunho extravagantemente louvável, ou
seja, era a história embebida do néctar patriótico, que só se dá em datas estritamente
comemorativas. Para se entender essa relação supostamente afetiva entre centenário e
moradores, e consolidar tal relação ao patrimônio histórico da cidade que é usado como
conceitos que serão vistos mais a frente, pois há lugares tanto valorizados quanto não
valorizados, quando nos referimos a lugares, são aqueles de cunho histórico com valor
supostamente sentimental tais que se ligam a população local por um forte vínculo de
memória ou afetivo. São por vezes patrimônios históricos, tombados e preservados, ou
não.
Ituiutaba por não ser um centro histórico e possuir pouco mais de cem
anos, mais especificamente 109, não possui muitos patrimônios tombados. Apenas nove
foram tombados, e poucos deles são de fato preservados. Sendo que os primeiros
tombamentos possuem relativamente pouco tempo datando de meados de 1999, e sendo
a ponte Raul Soares e o MUSAI (Museu Antropológico de Ituiutaba). Podemos ver aí
certa valorização e preocupação com a história tijucana, pois a preservação de pontos
importantes na cidade é de fato proveitosa, porém o que não é tão proveitoso é o fato de
a população local não possuir um caráter afetivo com seus bens patrimoniais, e esse
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
merchandising ou propaganda em datas comemorativas, se faz necessários certos
27
caráter, aparecer imbuído apenas em épocas comemorativas. Se considerados os fatos
anteriores essa suposta relação sentimental seria então uma tradição inventada, levando
em consideração essa colocação, faremos aqui uma análise crítica das comemorações do
centenário da cidade, tentando desvendar os pormenores e intenções atrás dos fatos
citados, como o desinteresse da população local para com seus bens patrimoniais e com
as próprias efemérides.
Patrimônio e memória
Podemos afirmar com muita clareza, que a memória vem sendo um artigo
indispensável na construção de padrões de registros historiográficos regionais. Registrar
uma memória de determinada região (tarefa de memorialistas) requer um abrangente
conhecimento dos fenômenos de memória que cercam a mesma região. A história
regional é certamente um tipo de história onde a memória se encontra mais viva, mais
arraigada e extremamente presente nos meios onde ela algum dia fez parte do cotidiano.
A história regional por mais que busque se isentar de qualquer desvio com a história
padrão (dos estados e das grandes nações passadas) jamais poderá se considerar como
livre de ser uma história das proximidades, da relação mais próxima, uma história aonde
não se vê um abismo tão grande entre o sujeito social e a narrativa histórica. Isto se deve
a memória, pois aqui ela está no calçamento das ruas, nas paredes das catedrais, no virar
regionalistas, e talvez por isto a uma primeira vista a história regional se pareça tão
interessante, porque é a nossa memória.
A memória, no entanto não é algo indiferente, ou livre de qualquer tipo de
elemento tendencioso ou mau uso, a memória histórica não é tudo que lembramos, mas
tudo que legitima um tipo de passado que para aquele meio social (ou seus meios
dominantes) considera-se vantajoso. A memória para este tipo de escrita é seletiva e
factóide, isso em casos como o regionalista, ou até mesmo nacional. Veremos isso
claramente mais a frente, com a memória cuidadosamente recolhida, para a construção
de uma bela história como a de Ituiutaba, ressaltando apenas as belas passagens e
escondendo as negritudes, ou os conflitos que ali aconteceu.
5
SAMUEL, Raphael. História local e história oral. Revista Brasileira de História, São Paulo, ANPHU,
v. 9, n. 19, p. 219-243, set. 89/fev. 90.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
das esquinas5. Talvez por isto a memória esteja tão presente nas palavras dos
28
Este artifício de memória ―legitimista‖ não é utilizado somente no âmbito
regional, mas também em estratos culturais e espaciais muito mais amplos como nações
e estados.
No entanto é interessante vermos as diversas convergências da memória nos
núcleos sociais, pois se de um lado ela legitima a identidade, de outro ela cabe como
legitimadora do próprio esquecimento e do desuso de algo. Isso se fará constantemente
presente no estudo do caso de Ituiutaba e seu primeiro centenário, uma relação um tanto
quanto calorosa com a ―memória‖, numa data especifica, como se tivéssemos data e
hora marcadas para consultar nossa memória, tomando-a um arquivo pessoal.
O patrimônio também não pode ser desmerecido de seu mérito, já que entra
como numa co-relação com a memória. O patrimônio, diferente da memória, pode ser
visto, vivido e visitado, ele legitima a memória e o que merece ser lembrado, alem de
mostrar a sociedade seu passado ―tal qual ele foi‖. O patrimônio se torna um ―monólito‖
do passado estacionado no meio do presente, onde por mais que se busque seu
verdadeiro contexto, jamais poderá assumir as mesmas funções que originalmente
possuía.
O patrimônio cultural tombado em Ituiutaba que conta com nove itens, sendo
eles o MUSAI (Museu Antropológico de Ituiutaba), a ponte Raul Soares, a Selaria do
Capitão, o Parque do Goiabal, a Congada, a Praça Cônego Ângelo, panelas indígenas,
indígenas, datando de meados do século XIX á frente. Sendo que inventários e dossiês
de muitos outros estão sendo encaminhados para o tombamento. Apesar de possuir nove
bens tombados, algo considerável se levarmos em consideração que a cidade não possui
bens coloniais e é relativamente nova se comparada com outras cidades de Minas como
Mariana ou Ouro Preto, a maioria desses bens patrimoniais não estão devidamente
preservados, ainda que seja destinado a sua preservação e manutenção uma quantia pelo
ICMS cultural.
Bens como o Parque do Goiabal que é tombado e deveria servir de lazer e uso
dos moradores locais, está vetado a entrada dos cidadãos devido ao seu mal estado de
conservação, e falta de mão de obra. Outros como a Congada (bem imaterial), que tem
como função primeira legitimar e solidificar uma manifestação cultural para que não se
perca, é pouco difundida como patrimônio, mais ainda atrai muitos adeptos.
Ituiutaba
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
escola João Pinheiro e Teatro Vianinha, e todos eles com a exceção das panelas
29
Agora procuraremos focalizar a discussão em torno de sua principal temática,
que tem como plano de fundo o município de Ituiutaba, localizado no Pontal do
Triângulo Mineiro. No entanto antes de adentrarmos neste dialogo patrimonial, é
necessário que se mostre o contexto histórico da cidade Ituiutaba.
Ituiutaba, como dito antes, está localizada no Triângulo Mineiro, no Planalto
Central, tendo sua estimativa populacional em 96.759 mil habitantes6 e estando 685 km
da capital Belo Horizonte, e a 137 km de Uberlândia78.
Ituiutaba atualmente possui 109 anos, tendo sua fundação datada de 16 de
setembro de 1901. Atualmente seu cargo de prefeito vem sendo exercido por Luís
Pedro, do partido Democrata (DEM), tendo assumido o cargo após o prefeito eleito
Públio Chaves, de quem era vice, se ausentado do cargo por questões de saúde9.
Ituiutaba tem sua economia baseada principalmente na pecuária e no
agronegócio, com a exploração da cultura da cana de açúcar para produção de etanol. A
cidade não possui espaços turísticos e recebe uma demanda baixa de turistas, sendo que
a presença dos mesmos se torna mais intensa em festividade como a EXPOPEC
(Exposição Pecuária de Ituiutaba), onde se comemora o aniversário da cidade e no
carnaval, que atrai muitos turistas interessados na folia e nos shows, além de algumas
festas de cunho religioso como a Congada10. No entanto, Ituiutaba não conta com um
efetivo turismo histórico, já que conta com poucos patrimônios tombados. E em sua
construídos recentemente, quando comprado com Ouro Preto, ou Mariana. No entanto
mais adiante, iremos falar da construção de uma idéia de cidade histórica, criada em
meados de seu centenário que ocorreu em 2001.
Apesar de possuir 109 anos atualmente, a formação de Ituiutaba se remete ao
séc. XIX, onde dois sertanejos Joaquim Antônio de Morais e José da Silva Ramos,
6
IBGE,
senso
2009.
Disponível
em:
http://www.ibge.gov.br/municesportes/tabelas.php?codmun=3420&uf=31&descricao=Ituiutaba. Acesso
em: 10 de outubro de 2010
7
Divisão Territorial do Brasil e Limites Territoriais. Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística
(IBGE)
(1
de
julho
de
2008).
Disponível
em:
http://www.ibge.gov.br/municesportes/tabelas.php?codmun=3420&uf=31&descricao=Ituiutaba. Acesso
em: 10 de outubro de 2010.
8
Estimativas de População. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), (14 de agosto
de
2009).
Disponível
em:
http://www.ibge.gov.br/municesportes/tabelas.php?codmun=3420&uf=31&descricao=Ituiutaba. Acesso
em: 10 de outubro de 2010.
9
Prefeitura Municipal de Ituiutaba. Visitado em 13 de outubro de 2010.
10
Festa organizada pela irmandade de São Benedito, onde a comunidade negra local realiza
festividades ligada a religiosidade católica, negra e popular, contando com o desfile de ternos, que é
inclusive um dos bens patrimoniais tombados.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
maioria foram tombados em um período muito recente (a partir de 1999), e também
30
chegaram na região na época habitada por índios Caiapós, e realizaram uma série de
batalhas que culminou com a expulsão dos indígenas da região em 1820. Em 1830 o
padre Antônio Dias Gouveia chegou e adquiriu várias terras, e foi responsável pela
construção da primeira capela as margens do Córrego Sujo em 1832, o primeiro nome
do município foi Arraial do Rio Tijuco.
O primeiro capelão só chegou a cidade em 1833, sendo ele Francisco de Sales
Souza Fleury, fazendo o antigo padre Dias Gouveia regressar para Goiás. Em 1939 é
criada a freguesia de São José do tijuco, sendo que somente em 1882 é construído o
primeiro sobrado11, construído por José Esteves de Andrade, este prédio de dois
andares foi sede da primeira câmara dos vereadores, cadeia pública e fórum. Em 1883
chega a cidade, vindo de Nápoles, o Padre Ângelo Tardio Bruno, figura de grande
destaque na cidade, que planejou junto a outros, as primeiras ruas da cidade, e construiu
as primeiras casas e pontes, a praça Cônego Ângelo bem patrimonial tombado é em sua
homenagem nomeada, Padre Ângelo também financiou a formação da primeira banda
da cidade, tendo como maestro Francisco Gonçalves Moreira (guató) que doou os
primeiros instrumentos. No mesmo ano em 16 de setembro o então Governador de
Minas Gerais Salviano de Almeida Brandão, eleva Ituiutaba ao posto de Vila Platina,
concedendo-lhe sua emancipação político-administrativa. Em 1910, o padre Ângelo é
elevado a categoria de cônego pelo cabido diocesano de Uberaba, e em 21 de janeiro é
diretor, Benedito Chagas Leite. Em 1914 chega a cidade o primeiro automóvel, e o
primeiro cinema12. E em 1925 com a concordância do Governador do estado Delfim
Moreira a cidade passa a se chamar Ituiutaba13.
No entanto é preciso ressaltar que diferente de outras cidades de Minas como
Mariana, Ouro Preto ou Tiradentes, Ituiutaba não possui um patrimônio cultural que se
remeta ao Brasil colônia, mais sim meados e fim do século XIX, sendo algo mais
recente, e por tal motivo menos favorecido turisticamente.
Ituiutaba e o centenário:
Ituiutaba comemorou seu centenário no ano de 2001, tendo no momento o
prefeito Publio Chaves, que acabava de ser reeleito. Publio Chaves tem bastante
projeção política na região, tendo sido prefeito de Cachoeira Dourada de Minas, e
11
12
13
Localizado na Avenida 18, esquina com a 9,onde hoje fica a quadra do tiro de guerra.
Na Av. 11 entre as ruas 20 e 22.
Prefeitura Municipal de Ituiutaba. Visitado em 13 de outubro de 2010.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
instaurado o primeiro grupo escolar, nomeado de ―Vila Platina‖, tendo como primeiro
31
herdando um nome político de bastante força14. Chaves sempre contou com o apoio das
oligarquias regionais, onde famílias influentes como os Vilela, os Gouveia e os
Cancella, exercem grande influência política também, sendo que no momento do
centenário tais famílias contavam com representações na câmara de vereadores.
O centenário ocorreu em meio ao ano de eleições presidenciais, e do
tombamento de patrimônios em Ituiutaba15. Inicia-se uma tentativa de impor uma
identidade cultural a população, até aqui leiga no assunto, cuja história da cidade
passava a ser uma tradição inventada16, ou seja, a criação de um pseudo laço sentimental
dos cidadãos tijucanos para com sues bens patrimoniais junto a um senso histórico que é
forjado com o centenário.
As festividades acima citadas, como as de aniversário da cidade, são aclamadas
pela população, mas essa mesma relação calorosa não é expressa com os marcos da
cidade contidos em patrimônio, tombados ou não. Muitos moradores do município
quando questionados17 não saberiam dizer se a cidade possui algum patrimônio
histórico de fato tombado. Porém em 2001, mais especificamente entre os meses de
setembro e outubro, foi realizada uma apologia (principalmente entre os meios de
comunicação) absurda ao patrimônio, e a história que o antigo arraial de São José do
Tijuco veio a ter, era objeto de comemoração no centenário da cidade.
Podemos considerar esse centenário de 2001 como uma ―tradição inventada‖. As
determinados valores e normas. Para tanto, utiliza-se, sempre, de um passado histórico
devidamente recortado, capaz de criar a idéia de uma continuidade histórica e, assim,
legitimar a tradição. (HOBSBAWM, 2008)
A ―criação‖ quimérica de uma cidade que, desde tempos mais remotos, foi
sempre pacata e amena, sem o menor conflito, prevaleceu. Em meio às comemorações,
foi criada uma cartilha que remontava a história do lugar intitulada Ituiutaba Conta a
Sua História18, que foi distribuída nas escolas públicas, com o provável intuito de
imbuir nos jovens cidadãos uma idéia de civismo. Ali estaria contida toda a história da
cidade, a igreja que sofreu dois incêndios catastróficos para a sua arquitetura,
14
Filho de Camilo Chaves Jr, e neto de Camilo Chaves, político muito influente em Minas Gerais.
Selaria do Capitão.
16
HOBSBOWN, Eric; RANGER, Terence. A invenção das tradições. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra,
2008. 9-22 p.
17
Entrevista oral realizada com jovens a cima de 16 anos e idosos até 95 anos, em Ituiutaba no mês de
outubro de 2010.
18
CORTÊS, Carmem Dalva Cunha. Ituiutaba Conta a Sua História. 2. ed. Ituiutaba: EGIL, 2001. 157
p.
15
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
tradições inventadas são conjuntos de práticas rituais e simbólicas que visam transmitir
32
aparentemente causados por causas naturais, o padre Ângelo Tardio Bruno considerado
um dos mais importantes personagens19.
O ano de 1883 marcou um passo decisivo para o meu futuro com a
chegada do Padre Ângelo Tardio Bruno.
Foi o meu maior benfeitor (…) Padre Ângelo foi um homem
providencial.
Aqui chegando, simpatizou logo comigo e com o povo simples do
sertão (…)
Sempre alegre, começou a trabalhar com afinco a meu favor, que nesta
época, era um pequeno arraial. (CORTÊS, 2001, p. 42-43)
Foi citada com grande ênfase a participação das famílias tradicionais que
concederam sua grande ―contribuição‖ para o avanço da cidade20, porém muita coisa
não foi colocada nessa bela história de bons homens e paz latente, como a escravidão
negra, que foi pouco citada em qualquer meio de propagação do centenário de Ituiutaba,
tendo dedicada apenas meia lauda numa cartilha mais completa, e de pouca utilização
didática que também tinha como principio a celebração da festividade. De acordo com
Hobsbawm, esse caráter de invenção e de súbitas práticas sentimentais, está
estritamente ligado a funções sociais e políticas (Hobsbawm, 1984). No trecho que se
segue, há uma citação na cartilha do primeiro centenário tijucano, de um político
renomado que ―contribui‖ enormemente com a cidade, e por acaso é o avô do então
Devo a escolha de meu nome ao Senador Camilo Chaves, homem
culto e político prestigiado na vila (…)
A sua personalidade de homem público, cultor das letras e das
atividades espirituais, fez de Camilo Chaves uma figura de saudosa memória,
deixando marcos duradouros e inesquecíveis em todos os setores da vida
humana. (CORTÊS, 2001, p. 77-78)
A citação a cima se refere ao avô do atual prefeito, a família Chaves a qual
pertence possui longa carreira política sendo grande parte dela em Ituiutaba e região, a
família é de uma elite econômica que a muito prevalece, e está presente no cenário
político até mesmo nos dias atuais.
Jornais locais que quase todos os dias, durante dois meses dedicaram colunas
especiais para a difusão do centenário, relatavam história de figurões que ajudaram na
―construção‖ de nossa identidade cultural. Um breve resumo da história desse ou
daquele bem tombado era apresentada, ao lado da brilhante carreira de uma família de
19
Seu nome foi inclusive dado a praça principal da cidade, que também é um bem tombado, e um dos
mais ―requisitados‖.
20
Famílias essas que possuem participação maciça na política tijucana, e em outros meios públicos da
cidade em tempos atuais.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
prefeito em 2001, Públio Chaves.
33
políticos que estão no poder até hoje. Impôs-se ainda a falsa idéia de que tudo sempre
foi tão pacifico por ser uma cidade do interior de Minas, e que continuará assim por
muito tempo. A história como ―a reconstrução sempre problemática e incompleta do
que não existe mais‖
21
se fez muito presente, porém uma história bem conveniente a
políticos ou a famílias ilustres que tem por finalidade enaltecer sua participação na
construção de uma ―identidade‖ tijucana.
A tentativa de criar uma idéia de Ituiutaba como centro histórico foi colocada e
difundida pela mídia, como os jornais que, conforme citei anteriormente, foram os
grandes propulsores dessa idéia, embora outros meios também o foram, como as
cartilhas, folhetos de caráter histórico e educacional foram espalhados por toda a cidade,
foi criada inclusive uma série de cartões de telefones públicos com oito unidades e com
caráter de coleção, sobre pinturas feitas especialmente para o centenário.
Vemos aí uma intencionalidade maior do que difundir a ―nobre‖ história da
cidade, ou incentivar uma consciência histórica nos moradores locais. É latente a
intencionalidade de usar a história como propaganda política, pois a história é forma de
dominação e poder. Porém algo que não foi levado em consideração ao criar tal tradição
é o fato de que ―as idéias-imagens precisam ter um mínimo de verossimilhança com o
mundo vivido para que tenham aceitação social, para que sejam críveis‖ 22.
A criação da idéia de um centro histórico foi elaborada por razões econômicas e
município uma economia baseada principalmente no comércio e na produção agrária.
Existe até mesmo uma desvalorização da população local que não integra a elite
econômica, pois seus feitos não aparecem e sua contribuição física e cultural também
não é mencionada. Existe ainda uma imposição sutil dos valores da elite, principalmente
quando se colocam ―figurões‖ como representantes maiores da cidade. 23 Vemos tal
situação de forma clara num trecho de agradecimento presente em Ituiutaba Conta a Sua
História:
Aos meus poetas que aproveitando elementos concretos de minha
natureza, do viver cotidiano exaltam a sua terra,a pátria, as grandes
efemérides, os grandes vultos nacionais. Cada poeta é um mundo e cada
poesia, uma experiência criadora.
21
NORA, Pierre. Entre memória e história: A problemática dos lugares. In: Projeto História, São Paulo:
PUC-SP , n. 20, p. 9-27, abril de 2000.
22
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Em busca de uma outra história: Imaginando o imaginário. Revista
Brasileira de História, São Paulo, ANPUH, v. 15, n. 29. 1995.
23
Quando me refiro a figurões, digo participantes de uma elite econômica que participaram de algum
modo da politica ou história local.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
até mesmo turísticas, quando a realidade da cidade está bem distante disso, tendo o
34
Aos meus historiadores e pesquisadores de minha realidade histórica e
dos fatos reais da minha evolução. Lembro: Dr. Hélio Benício de Paiva, Dr.
Petrônio Rodrigues Chaves, Dr Edelweiss Teixeira, Aloísio da Silva Novais,
João Petráglia, José Benedito Zócoli e Senador Camilo Rodrigues Chaves.
(CORTÊS, 2001, p. 97)
Todos os homens acima citados são de uma elite econômica, que residem em
Ituiutaba, ou já residiram e participaram ativamente da política tijucana de alguma
forma e são enaltecidos no centenário, poetas populares se existiram não são lembrados
e se o são é com um caráter generalista que os inferioriza. Um trecho de
engrandecimento aos ―grandes homens‖ fica explicito, e uma tentativa de imbuir nas
jovens mentes uma identidade sólida municipal, ligada às elites, é o seguinte:
Na política, administração, comércio, indústria, agropecuária, assim
como na cultura, medicina, advocacia e filantropia surgiram valores
excepcionais.
Outras gerações continuam o meu progresso e fazendo minha história.
Crianças, se vocês seguirem o exemplo dos grandes homens que eu
acabei de nomear, se trabalharem, se estudarem, se cultivarem a inteligência,
eu amanhã poderei ser uma das mais belas e ricas cidades do Estado de
Minas Gerais.
Daqui para diante, confiando na geração de hoje, espero a de amanhã
que irá encontrar uma `ITUIUTABA` diferente, uma Cidade orgulhosa de
seus filhos.
Jovens vocês devem se orgulhar de terem nascido aqui.
Pensem no antigo São José do Tijuco, arraial de sete casas e vejam-me
agora progressista e bela, nos meus `CEM ANOS`.
A vocês, crianças e jovens hoje e adultos amanhã, eu confio a
continuação da minha história, pois a `HISTÓRIA DE UMA CIDADE NÃO
TEM FIM`... (CORTÊS, 2001, p. 100)
outras festividades relacionadas ao centenário de Ituiutaba, ainda que um esforço para a
criação de uma identidade sólida tenha se formado, ainda é mínima a relação de
afetividade entre os moradores tijucanos e seus bens patrimoniais. Uma política de
maciça de conscientização e preservação terá que ser realizada, para que surta um efeito
benéfico nos moradores, e que esses por sua vez tenham a consciência que a história é
tão somente deles, e não algo separado e excluído do tempo e da ação humana. É
evidente o uso dos ―grandes‖ nomes dos benfazejos da elite econômica, e seu exemplo a
ser seguido é notoriamente claro na citação a cima, para que a marcha do progresso
continue a prosperar.
O centenário de Ituiutaba teve a finalidade de criar uma identidade ao
município, se valendo dos patrimônios culturais para tal fim, e tentar vinculá-los
sentimentalmente aos tijucanos. Porém uma contradição aí se firma, quando se leva em
consideração que os órgãos municipais que são responsáveis por sua preservação e
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
As intenções presentes nesse breve recorte são claras, assim como o são todas as
35
manutenção, não estão preocupados com sua estrutura, e tentam fazer com que os
cidadãos se preocupem. É nesse contexto que o primeiro centenário de Ituiutaba se
concretiza como uma tradição inventada, que privilegia uma elite político-econômica e
religiosa e exclui o cidadão como sujeito social ativo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CORTÊS, Carmem Dalva Cunha. Ituiutaba Conta a Sua História. 2. ed. Ituiutaba:
EGIL, 2001. 157 p.
HOBSBOWN, Eric; RANGER, Terence. A invenção das tradições. 6. ed. São Paulo:
Paz e Terra, 2008. 9-22 p.
INSTITUTO Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), disponível em:
http://www.ibge.gov.br/municesportes/tabelas.php?codmun=3420&uf=31&descricao=Ituiutaba.
Consultado em: 10 de outubro de 2010.
LANGARO, Jiani Fernando. Histórias locais, projetos culturais: construindo
lembranças e esquecimentos. (Santa Helena – PR, 1987 – 2000). Revista Espaço
Plural, Santa Helena, v. 8, n. 17, p. 25-32 , 2° Semestre 2007.
NORRA, Pierre. Entre memória e História: A problemática dos lugares. In: Projeto
História, São Paulo: PUC-SP, n. 10, p. 7-28, dez. 1993.
NORA, Pierre. Entre memória e história: A problemática dos lugares. In: Projeto
História, São Paulo: PUC-SP , n. 20, p. 9-27, abril de 2000.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Em busca de uma outra história: Imaginando o
imaginário. Revista Brasileira de História, São Paulo, ANPUH, v. 15, n. 29. 1995.
PREFEITURA Municipal de Ituiutaba, visitada em 13 de outubro de 2010.
SAMUEL, Raphael. História local e história oral. Revista Brasileira de História, São
Paulo, ANPHU, v. 9, n. 19, p. 219-243, set. 89/fev. 90.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
PEREIRA, L. M.; OLIVEIRA, M. F. M. A invenção do 03 de Julho em Montes Claros.
UNIMONTES CIENTÍFICA, Montes Claros, v. 5, n.1, p. 1-10, jan./jun. 2003.
36
DESLOCAMENTO SOCIAL, TRABALHO E RESISTÊNCIAS: MIGRAÇÃO DE
ALAGOANOS PARA AS USINAS DE CANA-DE-AÇÚCAR. TRIÂNGULO
MINEIRO - MG 2005-2008.
Gláucia Silva Souza
Discente do curso de História da
Universidade Federal de Uberlândia/UFU/
Campus do Pontal.
Introdução
Este trabalho é fruto de uma pesquisa realizada para a conclusão da disciplina
Projeto Integrado de Práticas Educativas (PIPE IV) do curso de História / UFU/FACIP,
no 2° semestre de 2009, procurando atentar para um assunto que se encontrava em foco
naquele momento: o aumento do número de usinas na região do Triângulo Mineiro MG, o que proporcionou um grande fluxo de trabalhadores que passaram a migrar para
esta região em busca de trabalho nas usinas de cana-de-açúcar. Buscando entender o que
os faziam saírem de sua terra natal, como viviam aqui na região, se haviam alcançado o
que buscavam, e como se viam inseridos cultural e socialmente no novo contexto de
uma cidade tão diferente das quais migraram, cidades do estado de Alagoas.
Na região do Triângulo Mineiro o processo de deslocamento social para a região
pode ser observado a partir da década de 50, quando trabalhadores da região nordeste se
deslocaram para as lavouras de arroz. Jovens, adultos e famílias inteiras se aventuraram
migrações sempre ocorreram de forma a super-povoar regiões como o Sudeste e, ao
mesmo tempo, criar vazios demográficos como na região norte e algumas partes da
Amazônia.
Triângulo Mineiro: cana-de-açúcar, deslocamento social e desilusão.
Ao iniciar a pesquisa, constatei a grande dificuldade em encontrar material
produzido sobre o tema, pois este assunto na região era um pouco recente. Dificuldade
agravada ainda mais por percalços de acesso a arquivos de jornais e das próprias usinas,
aliada a resistência dos trabalhadores em se abrirem à pesquisa, por medo de represálias
por parte dos usineiros ou por sentirem se envergonhadas por terem suas vidas expostas.
Embora ao mesmo tempo tenha sido possível encontrar trabalhadores que se sentiam
felizes por serem lembradas e de poderem contar um pouco de suas experiências.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
a enfrentar uma longa viagem para um destino incerto. Já no Brasil como um todo, as
37
As usinas foram incentivadas a se instalarem na região do Triângulo MineiroMG a partir do ano de 2006 a fim de plantarem cana-de-açúcar para abastecer as
indústrias sucroalcooleiras que se encontravam em pleno vapor. Usinas estas que se
encontram ligadas a grupos importantes no setor canavieiro como, por exemplo, Grupo
João Lyra, de Alagoas, e Grupo Santa Elisa de São Paulo, entre outros.
O Triângulo Mineiro também conta com outras usinas entre elas:

Coruripe, filial de Limeira do Oeste (município de Limeira do Oeste)

Coruripe, filial de Iturama (município de Iturama)

Frutal (município de Frutal)

Samagro (município de Fronteira)

Santa Vitória (município de Santa Vitória.)
Estudo recente da Universidade de São Carlos (SP) mostrou que o Estado de São
Paulo que é o maior produtor de cana do país, revelou-se que a cada dia trabalhado o
trabalhador percorre 9 km a pé, defere 72 mil golpes de facão, se abaixa 36 mil vezes,
carregando 800 montes de 15 kg cada de cana. Ainda de acordo com o estudo, de cada
100 acidentes com trabalhadores que tem carteira assinada, cinco ocorrem no setor no
sucroalcooleiro. Destaca-se, portanto, que o trabalho no corte da cana é exaustivo e
penoso devido à grande jornada e péssimas condições de trabalho, à exposição
trabalhadores.
No tocante ao trabalho no corte de cana na cidade de Ituiutaba, o Jornal do
Pontal, em sua edição de 24 de novembro de 2006, trouxe a seguinte reportagem:
Em 2005, a área cultivada em Ituiutaba foi de 7,2 mil hectares. Em 2006
chegou a 8,1. A produção saltou de 502,5 mil toneladas para 720 mil
toneladas um crescimento 43,28% devido principalmente a investimentos na
preparação do solo. No ano passado, a previsão de colheita era de 75
toneladas por hectare por ano, a produção subiu para 100 toneladas por
hectare.
O grupo Santa Elisa investira 450 milhões de dólares em Ituiutaba "A usina
deve entrar em operação 2008. A capacidade inicial de moagem fica entre 1 e
1,2 milhões de toneladas e deve chegar à capacidade máxima em 2010, com
2,5 milhões de toneladas o que garantira empregos na indústria.
Contrataremos em torno de 1200 a 1500 pessoas, imediatamente, temos a
necessidade de contratar 700 pessoas entre tratoristas, motoristas, operadores
de máquinas e pessoas para trabalhar na lavoura. Isto proporcionará um
grande crescimento populacional pela vinda de pessoas o que
necessariamente requer um maior investimento no lazer, educação, saúde,
para atender essas pessoas. (Jornal do Pontal 23 e 24 de setembro de 2006).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
constante ao sol e às chuvas corriqueiras, desgastando mais ainda a saúde dos
38
A partir desses dados podemos notar que o trabalho no corte da cana-de-açúcar é
bem exaustivo, debilitando os trabalhadores, o que acarreta inúmeras doenças para
estes, condições que se agravam mais devido às péssimas condições de alimentação e
moradia em que estes se encontram, na maioria dos casos, na região.
Destas constatações surgiu meu grande interesse por este recorte temático. O
aumento da área destinada à produção de cana-de-açúcar e o aumento do número de
empregos na região tornou-se o motivo pelos qual o território do Triângulo Mineiro viu
aumentar consideravelmente o número de migrações e o constante fluxo de
deslocamento social de trabalhadores que buscavam preencher as novas vagas de
emprego geradas pelo setor sucroalcooleiro, que nos últimos anos se tornou um dos
ramos que mais empregam e crescem na região. Trabalhadores que todos os anos,
quando se inicia a safra, saem de suas cidades em Alagoas e vem para a região,
retornando às suas cidades de origem após a safra.
É importante ressaltar que a grande maioria desses trabalhadores se encontra em
uma faixa etária de 24 a 35 anos e se instalaram na região em busca de melhorarem suas
condições de vida, de melhores salários e na tentativa de oferecerem melhores
condições de vida para suas famílias.
A jornada de trabalho destes cortadores varia muito, alguns chegam a sair de
madrugada e só retornam ao entardecer, variando de 6 a 8 horas de trabalho por dia,
trabalhadores
que se instalaram na cidade de Ituiutaba, residem em bairros mais
periféricos da cidade de como Novo Tempo I, Novo Tempo II, Tupã, Santa Maria e
Pirapitinga, devido ao preço dos aluguéis serem mais acessíveis nestes bairros e por que
muitos de seus amigos, que migraram anteriormente, terem se instalado nesses locais
quando aqui chegaram.
Relatam que ao permanecerem perto uns dos outros estabelecem e/ou reforçam
laços culturais de sociabilidades e solidariedades que remontam às suas origens,
tornando o dia-a-dia menos difícil.
Constata-se que a partir do exercício da lembrança destes trabalhadores, somos
capazes de rememorar fatos que nos dizem muitos sobre o passado e permitem que a
partir deles possamos relacioná-los como nosso dia a dia como forma de entender o
presente e as transformações que desencadeiam esse processo que é individual e ao
mesmo tempo coletivo da construção da história dos sujeitos. "Quando evocamos o
tempo e o espaço que responde ao chamado" a arte de lembrar é um ato de recuperação
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
fazendo uma escala de 5 por 1, a cada 5 dias trabalhados folga-se 1. A maioria desses
39
do "eu" e a história de vida é uma interpretação atual da vivencia do passado.‖
(LUCENA, 1999 p.79)
No tocante ao cotidiano na labuta com a cana, é possível observar que as
maiores dificuldades diz respeito às precárias condições de trabalho: exposição
excessiva ao sol, às chuvas, a comida que já se encontra fria na hora do almoço e a
longa jornada agachando e levantando, debilitando assim bastante o corpo. Como forma
de resistência diária a esta realidade, nas horas vagas e como formas de distração,
costumam se reunir para conversarem, freqüentarem alguns bares perto de casa e às
vezes, aos sábados, irem ao Palmeira Clube para dançarem. Apesar disso é possível
notar que esses trabalhadores demonstram certa tristeza ao lembrarem de seus familiares
que deixaram em suas terras de origem, e, principalmente, uma profunda decepção por a
vida não ser como imaginaram que seria na nova cidade.
Alguns dos trabalhadores entrevistados relatam que saíram de suas cidades de
origem em Alagoas primeiramente para a região Centro-Oeste (Brasília), Sudeste (São
Paulo) e por último vieram para o Triângulo, pois as usinas da região, a partir daquele
ano, precisavam de mão-de-obra, e eles já estavam acostumados ao trabalho exaustivo
do corte de cana.
Mas o ―sucesso‖ sucroalcooleiro na região que tanto os atraiu trouxe também a
decepção e a desilusão, decepção marcada por manifestações pelo atraso de pagamentos
existente preconceito que estes trabalhadores sofrem por parte da população da região,
uma vez que em suas manifestações, fecham a estrada que dá acesso à outras cidades, a
BR 365, deixando-as isoladas, fazendo com esses trabalhadores sejam vistos como um
perigo para a ordem, dificultando a sua relação com a cidade.
Deslocamento social e trabalho feminino
A mulher também trabalha no corte da cana, em um número bem menor, mas é
possível ver sua grande presença pelos canaviais. A mulher se vê obrigada a sair para o
corte da cana, que antes era dominado pelos homens, devido às dificuldades
econômicas, levando-as a exercerem, em alguns casos, um papel masculino, embora não
perdendo sua condição feminina e apesar de vestirem calças compridas como homens,
cobrem-nas com saias, conservando assim um símbolo de feminilidade.
A partir da inserção da mulher no corte da cana esta passa a contribuir no
orçamento doméstico, e além de trabalhar para fora ainda consegue tempo para os
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
entre outros fatores. Manifestações estas que só contribuíram para aumentassem o já
40
afazeres domésticos, e cuidar da educação dos filhos. Ou seja, se vê numa dupla jornada
de trabalho exaustiva, mas necessária, às vezes exerce dupla função, de pai-mãe dos
filhos em casa e trabalhadora nos canaviais. Na região do Triângulo as mulheres
costumam trabalhar como bituqueiras nos canaviais.
1.
Conclusão
Enfim, se as usinas proporcionaram algum desenvolvimento econômico para a
região, também proporcionaram grandes impactos ambientais, sociais e demográficos,
pois toda a estrutura da região foi radicalmente modificada, as estradas que cortam a
região tornaram-se um emaranhado de cana por todos os lados, o movimento e os
acidentes nas estradas aumentaram consideravelmente, passaram a ser vistos grandes
caminhões transportando máquinas para as usinas e ocorreu um crescimento
populacional enorme graças às migrações que se tornaram constante.
São vários os problemas enfrentados por esses trabalhadores, é muito triste
constatar que governos e usineiros com seus discursos demagógicos, apontarem apenas
―benefícios‖ do plantio de cana e da exportação do álcool, enquanto a realidade é outra,
uma vez que já somam milhares de caso de mortes de cortadores de cana por exaustão
física, péssimas condições de trabalho e baixos salários. Greves e manifestações
estouram em todo pais por parte dos trabalhadores rurais contra esta situação, mas essa
o lado do ―progresso‖ do setor sucroalcooleiro.
São vários os casos de falecimento de trabalhadores que morrem por estafa
física, ou por doenças geradas pela exposição excessiva ao sol, problemas respiratórios
agravados pela foligem da cana que são encobertos a fim de passarem apenas a idéia de
que o setor sucroalcooleiro se encontra em pleno desenvolvimento e que não existem
problemas. Mas no final a realidade não é bem esta, e podemos vivenciar todos os anos
o grande número de trabalhadores que começam a chegar à região por volta de março
para ao início da safra e retornam para suas cidades de origem no mês de novembro quando a safra se encerra - bastante vulneráveis e debilitados, em geral, com pouco ou
sem nenhum dinheiro no bolso.
Cada grupo social que se propõe a se deslocar carrega consigo
esperanças, sonhos e objetivos que acreditam se realizar nesse novo destino, mas
quando isso não é alcançado resta apena o sofrimento da frustração, que, em na grande
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
situação, na maioria dos casos, não vem à tona, pois se torna necessário mostrar apenas
41
maioria dos casos, os levam novamente para suas origens, já em outros os impulsionam
a seguir migrando em busca de sua realização pessoal.
A contribuição desses migrantes é muito importante, pois eles ajudaram a
produzir grande parte da ―riqueza do país‖, mas infelizmente continuam a viver na
miséria, impossibilitados de usufruírem delas como mereciam. Queremos através deste
trabalho chamar a atenção para a importância desses sujeitos sociais que constroem e
reconstroem suas histórias todos os dias para que possam ser valorizados em situações
em que o diferente torna-se alvo de perseguições, marginalização e exclusão.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
LUCENA, Célia Toledo. Artes de lembrar e de inventar (re) lembranças de
migrantes. São Paulo: Arte e Ciência, 1999.
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Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
FONTES
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HISTÓRIA, MEMÓRIA, CULTURA E SOCIEDADE:UM OLHAR SOBRE O
PATRIMÔNIO CULTURAL DA CIDADE DE ITUIUTABA/MG
Renato Mateus
Acadêmico do curso de História
Universidade Federal de Uberlândia/Faculdade de
Ciências Integradas do Pontal
[email protected]
Sidney Leopoldino da Mata
Acadêmico do curso de História
Universidade Federal de Uberlândia/Faculdade de
Ciências Integradas do Pontal
[email protected]
[...] A destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que
vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas – é um dos
fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase
todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo sem
qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem.
Por isso, a função dos historiadores é lembrar do que os outros esquecem.
(HOBSBAWM, 1994, p. 13).
Introdução:
A relação entre passado e presente é marcada por inúmeras discussões
historiográficas que confluem sempre na importância das transformações e seus
significados sociais, que se manifestam como o motor da História. Um importante
elemento cultural que articula dimensões materiais e simbólicas, envolvendo passado e
presente, é o ―patrimônio‖ que em sua representação material e imaterial se posiciona
como mediador de produções do conhecimento histórico, podendo ser uma possível
ferramenta para produção de significados artísticos, históricos, identitários, políticos e,
sobretudo sociais, possui todo um envoltório que possibilita o acesso à memória unindo
o real ao simbólico para diversos grupos sociais.
Em seu sentido etimológico ―Patrimônio‖ evidencia o legado de uma geração ou
de um grupo social segundo Chauí (1992), portanto, o reconhecimento e trabalho com o
patrimônio se tornam essenciais para uma melhor compreensão das dimensões
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
O passado conta ao presente como as obras foram produzidas,
individualizadas, e como passaram a fazer parte de um organismo vivo em
contínuo processo de evolução. Por isso é inerente, à história da cidade, a sua
percepção como um organismo vivo e como tal em permanente mutação.
(TOLEDO, 1994, p.82).
43
históricas que vão do individual ao coletivo, englobando áreas das sensibilidades,
crenças, ideologias e vivências sociais que transitam entre a memória e a História.
Quando se menciona ―patrimônio‖ o termo não se limita somente a patrimônio
arquitetônico ou edificações históricas que foi denominado com ―Patrimônio Histórico‖,
trata-se também de um conjunto de bens materiais e imateriais que atestam ou denotam
a trajetória histórica de uma sociedade de acordo com Oriá (2004), por isso o conceito
de patrimônio se expande a diversos bens culturais sendo definido como patrimônio
cultural.
Desenvolvimento:
O Patrimônio no Brasil tem seu histórico marcado pelo projeto de instituir uma
identidade coletiva que incorporasse um ideal único nacional na população brasileira,
através de monumentalizações, criada a proposta indicativa de uma tradição que seria
concebida pela memória ou pelo ―esquecimento‖, ou ainda por uma (re) construção da
memória. Nesse sentido é importante notar o exercício interpretativo que é oferecido
pela análise do patrimônio em suas múltiplas representações, numa trajetória que vai
desde sua construção até o momento atual, pois a tentativa de se concretizar memórias
sugere intenções que possibilitam análises ideológicas que envolveram determinado
período.
manifesta como instrumento, para a construção da cidadania sendo que, contribui para o
incentivo à preservação e valorização do patrimônio público e exercendo também, apoio
no trabalho com a diversidade e pluralidade cultural, abrindo caminhos para a
exploração de patrimônios culturais multifacetados. A construção da consciência
patrimonial em conjunto com a História local pode efetivar práticas direcionadas ao
conhecimento físico de patrimônio complementando tanto a compreensão como a
aplicação de conceitos referentes ao tema. A questão da cidadania ampliada possibilita a
melhoria da educação patrimonial e em conjunto com a História local apresenta novas
possibilidades para um melhor aproveitamento dos locais de memória de forma a
contribuir para a construção de possíveis acervos históricos da própria cidade ainda que
não seja representada como um local turístico ou tombado pelo patrimônio como é o
caso da cidade de ITUIUTABA-MG – parte do objeto de estudo do trabalho – uma
cidade, que carrega poucos registros históricos reconhecidos e conhecidos pela
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Partindo de pressupostos que definem o papel do patrimônio cultural, este se
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população, apesar de apresentar ―locais da memória‖ não valorizados ou ―esquecidos‖
pela memória coletiva, mas que contemplam valores múltiplos na memória individual
de pessoas da cidade.
Para o desenvolvimento da pesquisa foram utilizados instrumental teórico que
tecem discussões fundamentadas por meio da História Cultural e da Memória, reunindo
em geral nomes como: Pesavento (2002), Halbwachs (1990), Oriá (2004), Bittencourt
(2005) e ainda reflexões acerca do tema por Chauí (1992), Paoli (1992), entre outros
que nos fornecem subsídios para argumentação do tema.
O patrimônio como incentivo à pluralidade cultural se dá pelo conceito ampliado
da legislação, atualmente, englobando bens materiais e imateriais que contenham
valores culturais: da memória ou de identidades em referência a diversos grupos sociais
brasileiros, envolvendo, em geral, ―bens culturais históricos, ecológicos, artísticos e
científicos‖ (BITTENCOURT, 2005, p. 278). Estes novos conceitos contribuem para
que setores ―não privilegiados‖ possam ser também preservados e rememorados, e a
expansão dessa valorização cria novas oportunidades para ampliar a consciência
patrimonial em âmbito local, tendo como referência também os bens culturais contidos
na própria cidade contribuindo para uma maior difusão cultural à comunidade em geral.
Um bom exemplo a citar é o projeto ―Conhecer para Preservar‖ de Ricardo Oriá, em sua
aplicação em Fortaleza-CE, que assim como cultivam princípios de preservação do
outras memórias, estas que nem sempre são lembradas, consagradas ou reconhecidas
pela História oficial, espaços que carregam significados e que correm o risco de serem
esquecidos.
A importância em desvendar esses diversos ―locais da memória‖ cria
possibilidades para o reconhecimento, destas, frente a toda a população de uma
localidade, e marca a valorização não só dos monumentos relacionados aos domínios
políticos ou de poder como também a outros bens que guardam significados sociais,
desmistificando a imagem, por muitas vezes equivocada da História como o estudo
somente dos ―grandes acontecimentos políticos‖. Essa valorização é essencial para a
preservação de bens patrimoniais enquanto a modernidade aflora e antecipa as ações de
mudança.
O projeto citado acima de Ricardo Oriá ilustra nossa intenção de buscar o
reconhecimento da comunidade local, no que se refere aos pontos não consagrados pela
elite política ou econômica da cidade, o nosso propósito é também despertar um olhar
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
patrimônio, atenta-se também para a intenção de abrir caminhos para o conhecimento de
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para integrar estes locais de memória ao complexo arquitetônico da cidade de ItuiutabaMG, que a muito tem sido ―esquecidos‖ ou desvalorizados, uma vez que acreditamos
ser a conscientização uma forma importante de alcançar a preservação de modo a evitar
a destruição de lugares significativos da memória e da identidade cultural da cidade.
A busca pela preservação de nossa identidade cultural é o objetivo primeiro
de toda política de proteção dos bens culturais. Essa política nasce de um
comprometimento com a vida social. O acervo a ser preservado, recebido de
gerações anteriores ou produto do nosso tempo, será referido como
‗histórico‘ por sua significância, por sua maior representatividade social
(TOLEDO, 1994, p. 81).
Assim como fica explícito na citação acima, pretende-se sugerir métodos para a
tentativa de preservação do patrimônio local, visto que este representa significado para a
população e ainda maior para a História que se sustenta nas investigações ao passado e
ao que este representa ao presente, por meio de ações que levem a uma maior
compreensão sobre a importância do patrimônio como objeto de conhecimento e que
tende a se expandir podendo alcançar toda a comunidade.
Pretendemos aqui delinear alguns objetivos específicos de forma a contribuir
para os campos de pesquisa em âmbito local; produzindo propostas de incentivo ao
trabalho com a História local num contexto mais abrangente, sugerindo atividades que
remetam o cidadão à percepção mais efetiva dos significados culturais da cidade em que
vive; uma vez que estas práticas tendem a integrá-los ao acervo disponível,
que ao se construir nova concepção de patrimônio e sentidos de preservação deste, se
pode elevar a compreensão do conceito de cidadania ampliando as reflexões e o senso
crítico sobre as questões sociais, econômicas e políticas da região e do país.
Para a realização da pesquisa foram feitas investigações arquivísticas, consultas
nos acervos documentais contidos nos domínios municipais, especificamente nos órgãos
de cultura para conhecer os bens patrimoniais e pontos históricos importantes para a
cidade. Após a consulta dos bens arquitetônicos já elencados, acrescidos de outros
pontos levantados como possíveis locais de memória, e ainda não listados, e que
consideramos importantes para a formação da cidade de Ituiutaba-MG, foram feitas
visitas aos mesmos para verificar os seus reais estados de conservação a fim de serem
elencados como sugestão a Comissão de Patrimônio do município para um possível
tombamento.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
possibilitando uma maior familiarização com a questão patrimonial em geral, uma vez
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A partir de alguns achados importantes, foram elencadas algumas possíveis
medidas que pudessem auxiliar nas práticas de conscientização da sociedade. Dentre
estas foi sugerido um planejamento de roteiro de visitas a alguns locais importantes da
memória local, como se fossem estes, componentes de um museu a céu aberto. Este
roteiro teria a composição de alguns pontos da cidade que acrescentasse informações
que a historiografia regional não contempla.
Deparamo-nos com algumas dificuldades, constatamos, por exemplo, que o
acervo historiográfico local, disponível para consulta é bastante escasso e que os itens
tombados ou protegidos e catalogados, que fazem parte do acervo oficial do município,
sobre a gestão da Fundação Cultural, é bastante reduzido. Estas adversidades nos
chamaram a atenção para o fato de que, uma cidade com 188 anos de história produziu,
seguramente, um acervo cultural muito mais amplo e que este como já dissemos na sua
maioria não foram catalogados, por mero descaso ou desconhecimento dos órgãos
competentes. Mas uma afirmativa é possível ser feita: eles existem em parte ou na
íntegra e estão guardados em diferentes lugares da memória da cidade e da sociedade
tijucana e devem ser resgatados, tornando-os conhecidos e disponibilizando-os como
forma pública de produção de conhecimento. Há de se ressaltar que ações inovadoras
têm sido desenvolvidas pelo departamento de História da UFU/FACIP no intuito de
resgatar registros históricos nos diversos acervos públicos da cidade que se encontram
nosso maior desafio, buscar representações e apropriações que revelem mudanças
físicas, sociais e identitárias a partir de um olhar interior no sentido de comparar os
significados do hoje com o ontem, buscando uma interação na vida dos que habitam
esta cidade e os diversos momentos históricos transcorridos até aqui.
Quando observamos a cronologia histórica local, no seu eixo evolutivo,
podemos claramente perceber, através do processo de transformação, pelo qual passou a
cidade de Ituiutaba, houve momentos distintos como: mineração, e o período agrícola
que tanto a marcou positivamente, além da fase de industrialização. Podemos hoje ainda
percebê-los sem que, no entanto estas vertentes estejam devidamente representadas no
seio cultural da população local, e se assim persistir, as pessoas que vivenciaram parte
dessa realidade ainda se lembrarão dos fatos, alguns jovens terão ouvido falar sobre
eles, e os seus sucessores simplesmente desconhecerão completamente a trajetória de
seus antepassados, tirando-lhes a possibilidade de pertencimento da cidade diante da
modernidade que se apresenta em curso. No sentido de tornar conexa a temporalidade
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
inapropriados para a prática da boa pesquisa acadêmica. Neste momento continua sendo
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buscamos trabalhar com as hipóteses apresentadas e procuramos reconstruir o histórico
da cidade mais atenciosamente reunindo fontes quantitativas tais como o IBGE (2005) e
qualitativas como RODRIGUES (1988).
De acordo com a historiografia consultada os primeiros habitantes da região
foram ameríndios pertencentes ao grupo ―Gê‖, também conhecidos como Caiapós. Seus
vestígios, ainda são encontrados através de estudos arqueológicos realizados as margens
dos rios Prata e Tijuco. Os Ameríndios diante da chegada dos exploradores brancos,
inicialmente resistiram, mas optaram por migrar para os Estados de Goiás e Mato
Grosso.
Segundo narrativa do memorialista regional Edelweis Teixeira, várias
expedições foram feitas para explorar esta região central das Minas Gerais, situada entre
os rios Grande e Paranaíba. Como resultados destas incursões surgiram vários
povoados, dentre os quais o de Ituiutaba, este emergiu a partir da sesmaria doada ao pai
de José da Silva Ramos em carta datada de 1753, cujo propósito inicial era o de
construir uma capela que atendesse a fazendeiros da região. Esta capela só foi de fato
edificada no ano de 1832, ao entorno da qual se ergueram as primeiras moradias, dando
origem ao povoado. Após sua consolidação político-administrativa chamou-se num
primeiro momento: Arraial de São José do Tijuco (1839), Vila Platina (1901) e
finalmente em 1915 foi elevada à condição de cidade, recebendo o nome de
Desde a sua fase mais primitiva de organização social, é óbvio que este
município já produziu um considerável patrimônio histórico cultural, uma vez que o
decurso do tempo, forma ou delimita aquilo que se torna histórico, em razão de sua
representatividade simbólica, para as gerações vindouras, como bem salientou Telles,
falando sobre as edificações da cidade: ―Uma cidade sem os seus velhos edifícios, é
como um homem sem memória‖. (TELLES, 1977. P.12).
Portanto não é incorreto afirmar que o patrimônio arquitetônico de uma cidade
contempla grande significado histórico, mas não como sendo o único, ou, o mais
importante, mas sim como sendo parte integrante do amplo e variado universo que
compõe o patrimônio cultural de um povo, ou de uma nação, pois serve como elo entre
o passado e o presente, dando-lhe o sentido de continuidade e atribuindo valores que
compõe a memória coletiva, demonstrando por meio desta uma determinada tradição.
Por isso entendemos a relevância de sua preservação, na medida em que estando ele
―vivo‖, as pessoas que o cercam possam usufruir dele, como se estivesse neste contexto,
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
―ITUIUTABA‖ que tem origem e significado indígena: ―cidade do rio Tijuco‖.
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unindo o corpo e a alma da cidade, onde o prédio, o monumento ou a praça faça sentido
aos olhos, hoje tão voltado para o moderno.
No entanto, determinar o que uma sociedade deve ou não manter preservado
para o seu futuro requer um ato de decisão pública, e de interesse de toda a população,
pois representa suas culturas históricas, sendo isto, algo essencial para a determinação
de como a sociedade tratará o seu passado e fará a ligação deste com as memórias
locais. Com base no trabalho de campo realizado nos deparamos com uma realidade,
bastante distante das pretensões ou metas que demonstrem a presença de valorização ou
reconhecimento da pluralidade cultural no município de Ituiutaba, o diagnóstico feito,
constatou em curto período de pesquisas uma situação de descaso e destruição do rico
patrimônio cultural da cidade e esta realidade nos levou a considerar algumas hipóteses,
que justifiquem este quadro que coloca Ituiutaba em nosso entendimento, na contramão
da valorização Histórica Cultural que é defendida mundialmente por correntes de
pesquisadores, cientistas, historiadores e que é amplamente difundida nos meios
acadêmicos. Esta realidade local nos levou ao seguinte questionamento: Porque
preservar?
De acordo com o dicionário Aurélio, preservar é livrar de algum mal, manter
livre de corrupção, perigo ou dano, conservar, livrar, defender e resguardar. Todas essas
providências deveriam estar incidindo sobre uma amostragem representativa da
sobre todos; porque havendo tal entrelaçamento entre eles, se um deles não é guardado
o conjunto se desarmoniza e se desequilibra o que no fundo não é desejável, pois o
resultado demonstraria um retrato da realidade cultural local desarticulado. Se
pretendemos preservar as características de uma sociedade, teremos forçosamente que
conservar as suas condições mínimas de sobrevivência, todas elas sem exceção. Assim,
deveriam ter prioridade de atenção os elementos componentes dos recursos tanto
materiais quanto os imateriais, representados no saber social. Pois, preservar não é só
guardar alguma coisa, um objeto ou uma construção. É também gravar depoimentos,
sons, manter vivos, mesmo que alterados usos e costumes populares. Devemos então,
garantir a compreensão de nossa memória social preservando o que for significativo
dentro de nosso vasto repertório de elementos componentes do Patrimônio Cultural.
Não seria também a modernidade sempre presente, por desejo de seus habitantes um
possível causador deste fenômeno? Grammont descreve esta situação com palavras
fortes:
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
totalidade dos elementos que compõem o amplo Patrimônio Cultural da cidade tijucana;
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A distância entre as autoridades e o povo é a mesma daquela entre a
sociedade civil e o passado, devido à falta de informação, ainda que os
habitantes das cidades coloniais dependam do turismo para sua própria
sobrevivência. (GRAMMONT, 1988, p.3).
Ainda dentro do contexto, de priorizar a modernidade desenfreada, os governos
municipais têm realizado demolições de monumentos isolados ou mesmo de um
conjunto deles, para permitir a abertura de vias públicas ou para possíveis construções
futuras, isso nos recorda a chamada ―Regeneração‖ de Pereira Passos em 1898, que
ocorreu no Rio de Janeiro para a modernização da capital do Brasil na tentativa de uma
(re) construção da memória. ―Conjuntos‖ característicos de épocas desaparecem ou já
desapareceram nesse culto à modernidade. Igualmente, esses mesmos governos locais,
sonhando com uma atualização das suas respectivas cidades, permitem a construção de
edifícios com a anterior demolição de exemplares preciosos do acervo arquitetônico. A
ausência de um assessoramento adequado por parte de técnicos e arquitetos
preservacionistas tem permitido ser reduzida a pó boa parte do patrimônio cultural.
Outra possibilidade que consideramos foi o interesse econômico local através de
análises. A especulação imobiliária nas áreas urbanas tem sido a principal fonte de
destruição do patrimônio histórico, isso tem acontecido também na cidade de Ituiutaba.
A valorização espacial urbana tem gerado a demolição dos antigos casarões para em seu
lugar serem construídos prédios ou às vezes simplesmente para livrar-se da possível
município tijucano, a exemplo podemos citar práticas recentes de desrespeito ao acervo
local quando se demoliu sem o menor constrangimento o prédio mais antigo do
município situado na esquina da Avenida 9 (nove) com a rua 18 (dezoito), centro da
cidade, para abrigar uma quadra esportiva da corporação militar (Tiro de guerra) que
passou a habitar as dependência anexas.
Condutas desta natureza nos deixam perplexos uma vez que, na Europa existem
prédios de 300, 500, 600 anos, no Brasil, imóveis de 80, 100, 150 anos estão
maltratados, com os belos trabalhos artesanais de ferro tomados pela ferrugem, o cupim
consumindo o madeirame, a ação do tempo se fazendo sentir nas paredes,
predominando, igualmente, a falta de pintura das fachadas. Tais prédios, cuja falta de
conservação se deve em sua maioria à inércia dos proprietários, são presas fáceis para as
grandes imobiliárias, que se acercam dos relapsos detentores dos mesmos com
propostas tentadoras, e sem qualquer hesitação são os mesmos vendidos ou até trocados
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
ameaça do tombamento. Constatamos alguns fatos ocorridos nestas circunstâncias no
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por área construída, e no lugar do monumento importante, surge o novo prédio
moderno.
Tendo em vista a análise conjuntural do quadro apresentado, sugerimos a adoção
de práticas conscientizadoras. Uma delas seria a criação de um roteiro de visitas a locais
de ―guarda da memória‖ da cidade, onde não apenas os bens patrimoniais tombados
seriam contemplados nesta visita, mas também lugares e manifestações culturais não
consagrados pela história oficial poderiam ser incluídos. Na cidade de Ituiutaba-MG
tem-se o tombamento oficializado de seis bens culturais: a Praça Cônego Ângelo
(decreto nº 5.778 de 10/04/2006), a Escola Estadual João Pinheiro (decreto nº 5.780 de
10/04/2006), a Ponte Raul Soares (decreto nº 5.777 de 10/04/2006), o Parque do
Goiabal (decreto nº 5781 de 10/04/2006), o MUSAI (Museu Antropológico de
Ituiutaba), (decreto n º4.519 de 16/04/1999) e finalmente as Panelas Indígenas (decreto
nº 5.242 de 03/04/2003), estas últimas, resultado das inúmeras escavações
arqueológicas existentes neste município.
Como opção de ampliação da listagem oficial, sugerimos à inclusão da Ponte
Velha construída em 1880, exemplo do esquecimento de fase histórica vivida pela
cidade uma vez que foi o único meio de transposição das águas do Rio Tejuco e que
passou despercebido após a sua derrubada pela enchente em meados de 1958. Outros
pontos que devemos considerar e que dão sinais do processo de beneficiamento e
abrigo às máquinas que processavam o produto na época e que hoje são usados para
outros fins, como comércio varejista, templos religiosos ou quando não, são
abandonados ou derrubados para fins especulatórios, fazendo com que se perca
importante parcela do acervo arquitetônico.
Sugerimos ainda acrescentar no roteiro visita à Praça 13 de Maio considerada
um marco da cultura afro-brasileira, construída na década de 1970, tendo sido projetada
pelo engenheiro Costa Melo, esta se apresenta como relevante no contexto sóciocultural da cidade de Ituiutaba, sendo que além de sua arquitetura ser um marco de
referência moderna para a comunidade local, seu valor se acentua ainda mais se
elencarmos as manifestações culturais e religiosas que ali se encerram, construindo um
quadro de heterogeneidades pouco observado em outro local público desta cidade.
Percebe-se logo, que a praça abriga uma infinidade de movimentos religiosos, culturais
e até mesmo políticos. Daí, sua importância dentro do contexto histórico, o que nos
incita em sugerir sua inclusão na lista de tombamento tornando-a definitivamente
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
comercialização do arroz produzido no município, são os vários imóveis que davam
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patrimônio cultural da cidade, onde as comunidades que ali freqüentam a exemplo da
Irmandade de São Benedito e comunidade evangélica Sal da Terra, além de outras
entidades que a circundam, tais como, a Fundação Zumbi dos Palmares, que representa
a cultura afro-descendente. Estas prerrogativas justificam por si só ação pró-ativa no
sentido de preservá-la.
Para completar o roteiro sugerimos a visitação ao prédio de valiosa historicidade
para a comunidade, este se encontra localizado à Avenida 5 (cinco) entre as rua 20
(vinte) e 24 (vinte e quatro), que representa incontável importância dentro do quadro
educacional ituiutabano, uma vez que por diversos anos abrigou o Colégio São José e
ainda é palco de escola privada. Sua importância arquitetônica é visível, além de que
área que o circunda abriga o já desativado primeiro cemitério da cidade. Têm-se
registros de que o Colégio São José iniciou as suas atividades por volta do ano de 1940
através de uma Instituição ligada à Congregação Estigmatina que propugnava os valores
difundidos pela Igreja Católica. O reconhecimento da edificação como instrumento
cultural, educacional e patrimonial que permeou a vida dos contemporâneos tijucanos é
notório e carece ter seu valor histórico regatado visto que o prédio foi palco durante
décadas de práticas educacionais importantes para a formação do pensamento da
sociedade local.
Pensamos que estas visitas direcionadas poderiam ser incluídas e administradas
do acervo municipal, possibilitaria a comunidade interessada, ter uma opção mais
ampliada que fomente as discussões sobre o patrimônio cultural da cidade. Ressaltamos
que já tendo sido objeto de pesquisa desenvolvida pelo próprio órgão municipal
constatou-se que há um déficit de conhecimento por parte da população sobre a
existência do museu, suas funções, e os eventos por ele promovidos; sendo que em
nosso entendimento a ampliação de suas funções estendidas às atividades externas,
poderiam reverter este quadro em curto período de tempo.
Acreditamos que a baixa frequência indicada pela referida pesquisa que aponta
para baixos índices de uso do museu seriam melhorados com a ampliação das visitações
periódicas das escolas e da comunidade em geral. Entendemos que um maior
envolvimento por parte do órgão de cultura através do departamento de ação educativa
melhoraria sensivelmente a sua divulgação perante a comunidade, exercendo a partir daí
uma maior significação para a população e conseqüentemente, propiciando uma maior
freqüência deste público aos eventos e exposições realizadas em suas dependências.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
pelo MUSAI (Museu Antropológico de Ituiutaba), que além de guardar parte importante
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Conclusão:
As questões levantadas neste trabalho refletem em parte o descaso com que é tratada a
realidade histórica da cidade de Ituiutaba, no âmbito sociocultural, fazendo-se necessário
enfatizar em caráter de urgência o uso da educação patrimonial como possível solução
na valorização tanto da arquitetura urbana, como também lugares, que até então não são
considerados como ponto de valor para a memória da sociedade local, mas que
indubitavelmente estão carregados de significados que lhe atribuem tal importância.
Consideramos que os elementos expostos aqui sirvam para dar um impulso
inicial, nas práticas conservacionistas na cidade de Ituiutaba, a fim de que os locais de
memória nela existentes possam ser mais bem aproveitados, dando ênfase à história
local, e possibilitando as gerações futuras conhecer os estágios pregressos que a
conduziram até os dias de hoje, criando assim uma amálgama de ligação entre passado e
presente que lhes crie a noção de pertencimento, imprescindível ao desenvolvimento de
uma consciência histórica que lhe proporcione melhor uso da cidadania na sua práxis
cotidiana.
Dessa forma nossa pesquisa procurou dar ênfase ao patrimônio cultural como
forma de renovação da consciência histórica, propondo, a revalorização dos bens
tombados, a eleição de novos componentes para o acervo com a participação efetiva da
do reconhecimento dos referenciais culturais, onde os habitantes da cidade possam neles
se reconhecer como referencial histórico que lhes permitiu chegar até aqui.
Apesar de não estar concluída, disponibilizamos esta pesquisa como sendo uma
forma de contribuição e a colocamos como fonte de informações, por traçar uma
diagnose histórico-cultural do município sobre uma nova ótica, ensejando elementos
estimuladores à sua continuidade e aprimoramento como colaboração científica na
produção de conhecimento.
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IMIGRAÇÃO ÁRABE PARA ITUIUTABA - PRIMEIRA METADE DO
SÉCULO XX
Lara Denise Muntaser
Acadêmica do Curso de História - FACIP-UFU
Dra. Dalva Maria de Oliveira Silva
Orientadora – Curso de História - FACIP-UFU
O presente projeto de pesquisa está sendo desenvolvido no âmbito da disciplina
trabalho de conclusão de curso, visa a redação de uma monografia que se propõe a
responder algumas questões referentes à imigração e aos imigrantes árabes, libaneses e
turcos presentes na cidade de Ituiutaba. A imigração de sujeitos dessas etnias para esta
região ocorreu principalmente na primeira metade do século XX e a participação dos
mesmos na história da cidade é visivelmente significativa, tanto no aspecto cultural
como no aspecto econômico, tendo em vista a quantidade de estabelecimentos
comerciais que foram abertos na cidade, principalmente a partir da década de 1950,
sendo que alguns deles ainda se encontram em pleno funcionamento.
Segundo um artigo publicado na revista Acaiaca, por ocasião do cinqüentenário
de Ituiutaba no ano de 1951. a cidade recebeu o primeiro representante da colônia síriolibanesa em 1888 sendo ele o senhor Miguel Zackarias, que aqui constituiu família e se
juntamente com sua família, porém depois de alguns regressou à sua terra natal para
anos mais tarde retornar para Ituiutaba onde fixou morada definitiva. A partir de 1900,
mais especificamente em 1901, as irmãs Maria e Nacibe Noyanne aumentavam o grupo,
tendo, de maneira direta, contribuído grandemente para o desenvolvimento da cidade,
edificado o prédio comercial localizado à Rua 22, esquina com Avenida 13, no Centro
da cidade (GOMES, 1953,83).
Ainda de acordo com Teodoro Gomes entre os anos de 1910 e 1920 várias
outras famílias chegaram à cidade e ele cita como exemplo as famílias Dib, Faissol,
Jacob e Feres. Nos anos que se seguiram e no rastro das famílias que já haviam fixado
residência na região, vieram muitas outras pessoas, incentivados por parentes e amigos
aumentando o fluxo migratório para Ituiutaba e região.
Segundo contam alguns relatos a viagem era feita por navio e chegavam
geralmente no Porto de Santos ou no Rio de Janeiro e dali muitos viajavam por grandes
cidades em busca de trabalho ou de oportunidade para fixarem um pequeno comércio e
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
fixou. Mais tarde, em 1894, seguindo seus passos chegou à cidade o senhor Abrão Calil,
56
acabavam vindo para o interior dos Estados. Em outros casos como eles já tinham
familiares ou conhecidos em alguma localidade, quando chegavam ao Brasil já tinham
um destino certo e então procuravam logo encontrar a direção a seguir. Quando
chegavam ao destino logo buscavam uma ocupação que, geralmente estava ligada ao
ramo comercial e dessa forma, como podemos constatar no caso de Ituiutaba,
contribuíram para o desenvolvimento comercial e econômico da região, além de
trazerem a sua cultura que se mesclou com a maneira tijucana de viver.
Tendo em vista essa realidade, constatada devido ao grande número de famílias
libanesas, árabes e turcas existentes nesta região, sendo que em algumas ainda se
encontram vivos os seus patriarcas, é que surgiu a problemática desta pesquisa que visa
investigar as razões que levaram esses sujeitos a abandonarem os seus países de origem
e o contexto que os levaram a decidir pela fixação em uma pequena cidade e numa
região distante dos grandes centros comerciais brasileiros.
Conforme leituras já realizadas constata-se que a partir de 1900 a imigração para
o Brasil cresceu muito, devido à fama de grande capacidade comercial e
desenvolvimento existente aqui e que corria por todo o mundo. Eram as terras férteis, a
suposta grande oferta de trabalho e emprego e as grandes proporções do país os maiores
atrativos aos estrangeiros. Além disso, o fato de ter uma política relativamente neutra,
sem perseguições ideológicas e religiosas, nesta época, sugeria refúgio para aqueles em
De acordo com algumas entrevistas já realizadas, a maioria dos migrantes
provenientes de países árabes chegou à cidade na primeira metade do século XX. Podese inferir que, além dos fatores acima citados e que podem ter acasionado o processo
migratório, há que considerar também a crise do Oriente Médio (conflito Israel Palestina), que teve origem devido ao movimento zionista (fim do século XIX), que
tinha como objetivo a volta dos judeus à terra natal. No entanto, Israel estava povoada
pelos árabes devido ao aumento da população e à migração para o país.
Em 1947 a ONU aprovou um plano de partilha da Palestina entre um estado
judeu e outro palestino, sendo que todo o território tinha a extensão aproximada de
27.000 km² e um terço correspondia ao deserto de Neguev. Irrompe, então, a guerra da
independência, na qual a nova metade do Estado de Israel enfrentou o Egito, Síria,
Transjordânia, Líbano, Iraque e os próprios palestinos, muitos dos quais se viram
forçados a abandonar suas terras na esperança de retornar quando uma futura vitória dos
exércitos árabes acontecesse. Acredita-se que este conflito foi responsável não somente
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
cujos países sofriam com a perseguição e dificuldades econômicas.
57
pela migração árabe, mas de todos os países citados, principalmente dos homens, terem
saído de suas terras em busca de lugares onde não correriam constantes riscos de guerra.
No que se refere à Crise do Oriente Médio encontrei um dos entrevistados que
residia em Jerusalém. Muçulmano, se diz palestino e tem uma evidente aversão por
Judeus e norte americanos. Comecei a colocar as questões perguntando quais foram os
motivos de ter deixado sua terra natal e sua família, ao que ele respondeu: "Eu tinha
vinte e poucos anos. Tinha meu esposa, meus filhas, mãe, irmãos. Meu pai já tinha
morrido muitos anos. Eu sai de lá porque mãe fala assim: você vai embora, ou você
morre nesse guerra. Não quis ficar. Pega navio, vem vindo embora."24
A pesquisa pretende questionar sobre os fatores que motivaram estas pessoas à
migração, buscando conhecer sobre a trajetória de sua vinda para o Brasil, investigando
sobre a sua contribuição para nossa economia, para o comércio da cidade e, também,
sobre a relação entre a cultura árabe e tijucana.
Mas pretende principalmente se
enveredar pelo caminho das experiências adquiridas e pelas histórias vividas. Conhecer
as razões a respeito da escolha das cidades e regiões em que decidiram morar e sobre as
atividades que decidiram realizar; além de todas as peculiaridades deste povo.
Ao se falar sobre migração é bastante comum simplesmente se pensar nas
pessoas de um modo geral e esquecer os casos particulares. Nestes, porém, é que se
pode perceber o que significa ser um migrante, a coragem de se mudar para lugares
uma nova família, apesar daquela que muitas vezes foi deixada para trás. Adquirir
novos hábitos em choque com aqueles que já, há muito, se possuía. Conviver com novas
crenças e religiões sem muitas vezes poder cultuar a que lhe foi ensinada. É de suma
importância considerar o que estas pessoas viveram em sua transição, pelo que
passaram e quais são as lembranças que trazem consigo de todas essas experiências.
Dois imigrantes que já foram entrevistados um deles mostrou imenso orgulho e
disposição de contar a sua história, enquanto o outro deu apenas informações que julgou
ser necessárias para a pesquisa, podendo-se entender, nestes casos, que certas
lembranças desenterram sentimentos dolorosos ou desconfortáveis. Ambos afirmam ter
sido uma experiência difícil, porém necessária. Carregam o sotaque típico de imigrantes
árabes e ambos foram comerciantes. Um deles ainda possui sua loja e dá aulas de língua
árabe. O outro ainda participa ativamente no comércio de veículos, mas não possui seu
24
Muhammad Khalil Muntaser, imigrante árabe, de Jerusalém, hoje residente em Ituiutaba.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
desconhecidos e passar neles toda uma vida sem se quer retornar à terra natal. Construir
58
próprio negócio. Vieram praticamente pelo mesmo motivo: busca de melhores
condições de trabalho e fuga de conflitos políticos e religiosos em seus países de
origem, nos quais corria risco de morte. Mostraram muita simpatia com o nosso país e
preferiram se estabelecer definitivamente aqui. Não deixam de ressaltar, porém, em
quase todas as falas, sobre as dificuldades que aqui encontraram não pelo país em si,
mas pelo fato de ser migrante.
O migrante é quase sempre uma pessoa de coragem. Lança-se ao desconhecido
e chega muitas vezes ao seu limite, pois as circunstâncias quase sempre o exigem. É
necessário reconstruir sua cultura, seus hábitos, ao mesmo tempo em que se necessita
lidar com a ausência daqueles que ficaram para trás. Sabe que o que vai ocorrer em sua
nova morada é diferente de tudo o que já presenciou. Há o conflito de seu passado com
seu presente, pois ao mesmo tempo em que as memórias perduram é necessário deixar
grande parte de lado, por questão de sobrevivência. Além disso, conta com um futuro
inimaginável, do qual pode não fazer idéia. Impossível apagar tudo o que viveu e que
constitui a sua pessoa, como também não se vive em um lugar sem se deixar influenciar
pelo meio. É quando acontece a mescla entre o presente e o passado, o desconhecido e o
conhecido; a mistura de línguas e hábitos religiosos. É onde surge o personagem
característico, único, misturado. Aquele que depois que vive em seu novo país por
muito tempo já não define mais onde é sua verdadeira casa, onde realmente pertence,
migrante que se estabelece em um determinado lugar é o choque cultural personificado.
Ainda que ame o presente, jamais deixará de lado seu passado e vice versa. A história
de um migrante é marcada para sempre, reafirmando as palavras de Rusen:
Todo aquele que migra, sabe de onde parte, mas não sabe aonde chega; sabe
o caminho que deixa, mas não sabe o que encontra. Lança-se em uma
travessia sem fim, acreditando-se sempre o mesmo, mas poucas vezes dandose conta de que se preserva e transforma, reafirma e transfigura, afina e
desafina. Lá longe, em outro lugar, país ou continente, continua a rememorar
a partida e o caminho percorrido, recriando situações, pessoas, vivências,
imagens, diálogos, sentimentos, memórias, fragmentos, esquecimentos. É
assim, com recordações e esquecimentos, que o migrante nutre a nova
situação, seja ela de êxito ou frustração. (2007)
Desta forma a metodologia de pesquisa, além de lançar mão de documentação
escrita como jornais, atas da Câmara Municipal e documentação pessoal dos migrantes,
está sendo desenvolvida, também e principalmente, através de entrevistas orais semi
dirigidas, com roteiro pré-definido. Conforme autores nos quais tenho buscado
embasamento para o desenvolvimento da pesquisa, a utilização de roteiro semi dirigido
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
pois será sempre dos dois lugares, pertencerá às duas culturas, aos dois povos. O
59
facilita a localização dos fatos mais importantes e significativos, já que a parte principal
da pesquisa se desenrola no decorrer da vida dos imigrantes cobrindo um período de
vários anos25.
No decorrer das entrevistas há que se ter muito cuidado e desenvolver uma
relação de respeito e ética inerentes à fonte oral (PORTELLI, 1997,13), pois lidamos
com sentimento e neste caso procurarei interpretar o tipo de sentimento que resta hoje
sobre estes fatos passados na vida destas pessoas e em relação à terra natal. Além das
entrevistas e durante a realização das mesmas, pretendo também procurar fotografias,
documentos pessoais, cartas ou qualquer outro tipo de documento que essas pessoas
ainda tenham consigo e que possam contribuir de alguma forma para melhorar
compreender e interpretar o contexto estudado, seja contribuindo para trazer à tona
memórias que estejam esquecidas (THOMSON, 1997, 51) seja para localizar ou ilustrar
um fato histórico referente ao tema abordado.
Tenho também como objetivo apreender e analisar, um dos pontos que
considero importante neste trabalho, a experiência pessoal dos imigrantes no processo
que consiste desde a decisão por migrar até ao estabelecimento em Ituiutaba. Através da
fala dos mesmos, procurarei extrair o que consideraram mais e menos importante,
difícil, penoso, gratificante, bom e prazeroso, e ao mesmo tempo localizar, também
através dos depoimentos, fatos históricos que coincidem como motivação específica e
Pretendo também traçar o panorama político e econômico brasileiro da época,
pois com o fluxo crescente de imigrantes foram criadas leis e condições de infraestrutura para abrigá-los, assim como programas de apoio ao imigrante e transporte que
atendesse pelo menos à maioria deles. Pelo fato de o Brasil carecer de mão de obra,
tornou-se objetivo de muitos estrangeiros por todo o mundo, que vir em busca de
trabalho ou mesmo de segurança, no caso daqueles que veio de países conflituosos,
principal foco desta pesquisa.
Além desse panorama político e econômico buscarei nos casos individuais de
migrantes locais apreender suas experiências e extrair destes casos a parte humana
destas experiências. Os conflitos internos, o sofrimento, a coragem de se lançar no novo
e desconhecido, especialmente os que vieram sozinhos. A adaptação difícil e repentina
em um lugar diferente, o que parece ser uma realidade em relação a quase todos aqueles
25
Sobre a utilização de fontes orais na pesquisa ver: PORTELLI, 1997,13-49; 25-39; THOMSON, 1997,
51; FERREIRA, 1996.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
comum entre patrícios para a imigração.
60
que vieram. A busca incessante por sobrevivência e bem estar. Os motivos de terem ou
não voltado às suas terras para rever as suas famílias ou a impossibilidade de voltar, no
caso de terem constituído nova família no Brasil. Como este relato de um dos
entrevistados que deixou para traz a mãe e outros familiares: "Eu gosta daqui. Eu passa
por todo lugar, por muito país. Eu fui em Estados Unidos e não gosta. Não gosta
Estados Unidos, lugar ruim de gente que não presta, malandro, vagabundo sô. Estados
Unidos ruim, triste. Eu vem porque gosta. De tudo que conheci, acha esse melhor,
bonito, grande." 26
Outro objetivo da pesquisa será inventariar os estabelecimentos comerciais de
propriedade de imigrantes árabes, levantando a sua história, o modo como trabalhavam
ou trabalham, os métodos que trouxeram de sua terra e incorporaram aos nossos. Neste
contexto, tenho como objetivo também traçar a trajetória daqueles tão comuns
imigrantes que optaram por trabalhar como viajantes para vender sua mercadoria na
zona rural e nas cidades vizinhas da região, os chamados ―mascates‖. Estes angariaram
conhecimentos interessantes sobre toda a região e, principalmente estabeleceram
contatos que podem ser importantes para compreender aspectos outros da relação com
as pessoas do lugar.
É importante para este trabalho, no meu ponto de vista, entender o que os
estrangeiros conhecem da região, quais suas primeiras impressões, como eram efetuadas
sendo um complemento do foco principal desta pesquisa, é conhecer também a visão
daqueles que os recebiam em suas casas e fazendas. Como viam os estrangeiros,
primeiras impressões, como se formaram relações amistosas ou não, profissionais e
pessoais.
Segundo o artigo ―As influências das interações étnicas na formação da cidade
de Ilhéus/Bahia‖, de Maria Luiza Silva Santos, não há relatos satisfatórios de repulsa,
preconceito ou rejeição contra os árabes no Brasil. O que se percebe na sociedade em
que estes imigrantes adentraram, é simplesmente uma espécie de caracterização do
árabe, de seu idioma, de seus hábitos cotidianos e principalmente alimentares, sua
vestimenta e seu famoso tino comercial. Como afirma SANTOS, seus estereótipos ―são
mais engraçados do que ofensivos‖ talvez pelo fato de estas pessoas não representarem
nenhum tipo de ameaça, sendo muitas vezes vítimas das circunstâncias que os levaram a
26
Muhammad Khalil Muntaser.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
as vendas e como se dava todo o trabalho de negociação. Não menos importante, mas
61
se deslocar por tantos lugares longínquos e desconhecidos. Quando chegaram, não
tinham outro objetivo, senão o de se estabelecerem, temporariamente ou não.
Precisavam, antes de tudo, sobreviver. Proteger suas famílias, quando as traziam, ou
garantir o sustento das que ficou em suas terras de origem. Como relata um dos
entrevistados: ―Não penso. Quando resolvi largar tudo não pensa, a gente não pensa em
tudo que vai mudar. Você pensa em dinheiro. Você pensa em colocar família em
segurança, melhorar a vida. Só pensei nisso (...)‖27
A maioria dos árabes e sírio-libaneses encontrou sustento no comércio. Por já ser
uma atividade comumente desenvolvida há muito em seus países, cujos mercados são
famosos mundialmente, vieram com o ofício de vendedor fixo ou viajante. Compravam
mercadoria e vendiam nas praças, em lojas (quando, mais afortunados, conseguiam ter
um estabelecimento próprio), ou viajando pela região, tanto em cidades vizinhas quanto
na zona rural, criando, além de clientes, novos amigos e conhecidos. Eram encarados
com estranhamento, mas com simpatia pelos habitantes locais. Apesar de serem
mundialmente taxados e, atualmente, terem sua figura associada ao terrorismo, aqui no
Essa necessidade é ainda mais evidenciada porque estamos tomando como
objeto um grupo étnico que sempre foi e continua sendo, mais do que nunca,
alvo de preconceitos e discriminações em grande parte do globo. Mas essa
perspectiva é minorada em termos de nação brasileira, pois é comum nos
depoimentos os imigrantes afirmarem que no Brasil não tenham passado por
nenhum tipo de preconceito ou discriminação. É evidente, porém, que em
termos de mundo esse preconceito seja latente. Se antes o árabe era rotulado
de turco, em função da dominação turco otomana, hoje são tachados de
inimigos terroristas.
Entende-se que os brasileiros encontraram nestas pessoas aliados,
amigos, parceiros profissionais e os aceitaram cordialmente em seu território.
Adquiriram hábitos seus, principalmente no tocante à culinária árabe, que foi não só
bem recebida, mas incorporada ao cardápio brasileiro. Este, também deixou que se
mesclasse sua cultura, ainda que em dimensões bem menores, ao aceitar o estrangeiro
árabe, ao observá-lo, ao imitá-lo, ao aprender com ele. Comumente há exceções, mas
pode-se crer que a maioria foi bem aceita simplesmente pelo fato de um grande número
de imigrantes árabes, turcos, sírio-libaneses ter se estabelecido no Brasil até a sua morte,
deixando aqui seus descendentes e seus negócios.
Por tudo o que foi exposto esta pesquisa trata-se de uma temática extremamente
importante para o melhor conhecimento da história regional e, também, muito
27
Schmuller Charlin, 80 anos, comerciante aposentado, residente em Ituiutaba-MG, imigrante libanês.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Brasil isso parece não ter ocorrido, como diz SANTOS:
62
interessante e instigante para o pesquisador que se propõe a desvendar as relações e
diferentes nuances do estabelecimento dos migrantes árabes nessas terras.
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Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
THOMSON, Alistair. Recompondo a memória: questões sobre a relação entre História Oral e as
memórias. Projeto História, São Paulo, n. 15, pp. 51-71, abr/1997.
63
IMPRENSA E MEMÓRIA: REFLEXÕES SOBRE A CONSTRUÇÃO DE
MEMÓRIAS PÚBLICAS EM TOLEDO/PR A PARTIR DE UMA NOTÍCIA
POLICIAL DE 195428
Jiani Fernando Langaro
Mestre, UFU, Doutorando /PUC-SP, bolsista
CAPES, UFU/FACIP)
[email protected].
Imprensa e memória: Reflexões metodológicas
Inicialmente, gostaríamos de discutir os referenciais que nos orientam no
trabalho que desenvolvemos. A noção de memória pública é muito importante para
nossas análises e adquirem centralidade em nossas análises. Utilizamos esse conceito
para discutir as memórias que são difundidas no espaço público, através de meios de
comunicação (entre eles, jornais e revistas), projetos culturais, impressos produzidos
pelos poderes púbicos, esculturas, monumentos e a arquitetura de espaços que se
relacionem a elementos do passado.
Para nós, são muito caros os argumentos elencados pelo Grupo Memória
Popular, principalmente no que tange à sua proposta de realização de ―estudos
...gostaríamos de enfatizar que o estudo da memória popular não pode se
restringir somente a este nível. Este é necessariamente um estudo relacional.
Deve-se incluir tanto a representação histórica dominante no âmbito público
quanto procurar ampliar ou generalizar experiências subordinadas ou
privadas. Como todas as disputas, deve ter dois lados. Nos estudos concretos,
memórias privadas não podem ser facilmente desvinculadas dos efeitos dos
discursos históricos dominantes. Muitas vezes são estes que suprem os
próprios termos por meio dos quais uma história privada é pensada. (GRUPO
MEMÓRIA POPULAR, 2004, p. 286).
Conforme apontam os autores, um estudo que pense as memórias dos grupos
populares não pode se furtar de considerar os processos que engendram as memórias
hegemônicas no espaço público. Do contrário, poderíamos pressupor uma divisão ou até
mesmo embate entre ambas, o que nem sempre ocorre efetivamente na realidade social
e quando ocorrem, não se dão por motivos naturais ou a-históricos. Sendo assim, não
pensamos o público e o privado como espaços onde se produzem memórias diversas,
28
Notas de pesquisa de doutorado em desenvolvimento junto ao Programa de Estudos Pós-Graduados em
História, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), projeto intitulado Cultura e
Memória, Região e Mobilidade: O Oeste do Paraná em noções e vivências. (1940-2007), sob
orientação da Profa. Dra. Olga Brites, financiado com bolsa CAPES – Modalidade II.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
relacionais‖:
64
mas onde diferentes versões circulam e conquistam status diferenciados, sendo o espaço
público geralmente o das cristalizações hegemônicas do passado.
Portanto, as notas de pesquisa que apresentamos neste texto apresentam parte
dos esforços que realizamos em buscar as memórias que se tornaram hegemônicas no
espaço público de Toledo, que cristalizaram determinadas versões do passado local e
regional, as quais entendemos como formas de construção e exercício de poder. Em um
segundo momento, na pesquisa maior que desenvolvemos, analisaremos então as
memórias populares sobre esse mesmo passado da cidade. Infelizmente, sobre essa parte
da pesquisa não será possível tratar aqui, pois extrapolaria os limites deste texto.
Neste trabalho, nosso foco ficará restrito às memórias públicas e à imprensa.
Sobre as relações entre memória e imprensa, cabe ressaltar que a historiografia que trata
desse tema é muito vasta, pois existem diferentes perspectivas teórico-metodológicas.
Optamos por dialogar com trabalhos de História Social, que pensam a imprensa como
produto de relações sociais, que se articulam no espaço da cidade, construindo noções e
versões que se produzem como memórias.
O espaço da cidade, em tais trabalhos, aparece como o espaço do conflito, das
tensões que se produzem na sociedade.29 A cultura letrada e, consequentemente, o
periodismo, são dimensões em que se estabelecem essas tensões, sendo elementos de
luta social, articuladores de grupos, classes, valores e memórias. Esses trabalhos adotam
em disputa no social. O passado, e o seu recordar se constituem como dimensões de um
campo de disputas, que possui sua base nas relações sociais.30
Um dos trabalhos que adota essa perspectiva é de Heloisa de Faria Cruz, São
Paulo em papel e tinta: Periodismo e vida urbana – 1890-1915 (2000). A autora realiza
um estudo sobre a imprensa de variedades na cidade de São Paulo, na virada do século
XIX para o XX. Nele, rejeita a perspectiva de trabalho na área da ―História da
Imprensa‖, sem desmerecer sua contribuição intelectual e efetua seu diálogo com a
imprensa a partir da história social. Considera que o periodismo se configura em meio
instituinte de formas de viver e pensar, em articulação com a vida urbana.
29
Essa concepção de cidade é discutida por Déa Ribeiro Fenelon na introdução ao livro Cidades.
(FENELON, 2000).
30
A esse respeito ver: FENELON, Déa Ribeiro; MACIEL, Laura Antunes; ALMEIDA, Paulo Roberto
de; KHOURY, Yara Aun. (orgs.). Muitas memórias, outras histórias. São Paulo: Olho d‘Água, 2004 e
MACIEL, Laura Antunes; ALMEIDA, Paulo Roberto de; KHOURY, Yara Aun. (orgs.). Outras
histórias: memórias e linguagens. São Paulo: Olho d‘Água, 2006.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
a concepção de que a memória é plural, portanto adotam o termo memórias, que estão
65
Cruz confere visibilidade à formação de uma cultura letrada na cidade de São
Paulo, a qual adentrou o campo da imprensa como espaço de disputa. Os viveres
urbanos e as novas formas de se viver a cidade, apresentados na imprensa de variedades,
ganham visibilidade no trabalho da autora, assim como as tensões e relações de trabalho
que envolveram os gráficos e trabalhadores da imprensa.
Outros trabalhos significativos que discutem as relações entre historiografia e
imprensa são de Laura Antunes Maciel, que problematiza a imprensa em sua dimensão
instituinte de memórias e chama a atenção para a complexidade dos processos sociais
que a envolvem. Conforme aponta em ―Produzindo notícias e histórias: algumas
questões em torno da relação telégrafo e imprensa – 1880/1920‖:
Entre nós, historiadores, há algum tempo superamos a rejeição à imprensa ou
sua incorporação a-crítica como um documento histórico cuja validade
estaria exatamente no caráter objetivo e isento reivindicado pelo texto
jornalístico, desde o início do século XX. No entanto, ainda é preciso refletir
sobre procedimentos e os modos como lidamos com a imprensa em nossa
prática de pesquisa para não tomá-la como um espelho ou expressão de
realidades passadas e presentes, mas como uma prática social constituinte da
realidade social, que modela formas de pensar e agir, define papéis sociais,
generaliza posições e interpretações que se pretendem compartilhadas e
universais. Como expressão de relações sociais que se opõem em uma dada
sociedade e conjuntura, mas os articula segundo a ótica e a lógica dos
interesses de seus proprietários, financiadores, leitores e grupos sociais que
representa. (MACIEL, 2004, p. 15).
destacando correlações de forças sociais e políticas que envolvem a cultura letrada.
Propõe uma reflexão sobre a imprensa que não se paute apenas na análise textual dos
periódicos, mas que avance na análise de aspectos que são extratextuais, como as
relações entre o telégrafo e a imprensa.
Em outro artigo, ―‗Imprensa de Trabalhadores, feita por trabalhadores, para
trabalhadores‘?‖, Maciel realiza um levantamento, analisando os diferentes materiais de
imprensa produzidos por trabalhadores e suas associações, para ―instruir‖ seus colegas
de ofício. Destaca os esforços dos trabalhadores do Rio de Janeiro, no final do século
XIX, para ter acesso ao letramento e para utilizar a linguagem escrita como forma de
luta política. A autora situa a imprensa operária em um contexto amplo, que discute o
próprio letramento, entendido como historicamente construído, em um momento
histórico preciso em que os trabalhadores assumem a linguagem escrita como
instrumento de luta social e de construção da sua coesão de classe.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
A autora destaca todo um conjunto de relações que envolvem a imprensa,
66
Outra grande contribuição da autora é ―De ‗o povo não sabe ler‘ a uma história
dos trabalhadores da palavra‖ (2006) em que discute a visão depreciativa criada sobre a
cultura popular no Brasil, tomada como ―iletrada‖ e ―ignorante‖. Revela como tais
imagens são perpetuadas pela historiografia, quando as fontes são tomadas sem se
realizar indagações que de fato estejam preocupadas em pensar as relações de poder que
engendraram aqueles enunciados. Aponta como essas noções foram construídas pelos
grupos letrados e dominantes da sociedade, que assim construíam instrumentos de
controle sobre os grupos subalternos.
A autora discute não apenas os textos veiculados pela imprensa, mas as relações
que a classe trabalhadora estabelecia com o letramento e a cultura letrada. Aponta a
crescente alfabetização da população da cidade do Rio de Janeiro na virada do século
XIX para o XX, as leituras e publicações de livros voltados às camadas populares, além
das escolas voltadas à alfabetização de trabalhadores. Salienta, então, o silenciamento
construído em torno das relações da cultura popular com o letramento, com cujo
esquecimento a historiografia colabora, ao não reconhecer a classe trabalhadora daquele
período como um grupo letrado em potencial.
Entendemos que esses trabalhos nos oferecem como grande contribuição não um
modelo para ser aplicado em qualquer lugar e tempo, no que tange as relações existentes
entre história, memória e imprensa. Ao contrário, chamam a atenção para a necessidade
disputas e lutas políticas e sociais em que existiam em sua produção.
Assim, é de extrema importância pensar nas particularidades da documentação
periódica que analisamos e efetuar um contraponto com a bibliografia com que
dialogamos. Isso porque o jornal que analisamos neste texto não foi produzido por uma
imprensa operária ou mesmo popular e nem pela grande imprensa de abrangência
nacional da década de 1950, produzida em uma das grandes cidades do país (que tinha
entre seus expoentes a revista O Cruzeiro e o jornal O Estado de São Paulo, por
exemplo).
A contribuição das autoras citadas reside no pensar o campo de possibilidades e
de questões que podem ser realizadas quando pesquisamos a imprensa, pondo em foco
sua historicidade. Portanto, longe de trazer respostas prontas, seus trabalhos abrem
espaços para reflexões que entendam os periódicos em sua complexidade.
O jornal e o arquivo: Itinerários de pesquisa
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
de se situar as publicações periódicas em sua historicidade, e recuperar o campo de
67
O jornal do qual extraímos a matéria que analisamos neste trabalho denominavase O Oéste e foi produzido em Toledo-PR, 31 na década de 1950. Seu primeiro número
foi veiculado em 6 de setembro de 1953 e o último número disponível no acervo
pesquisado é de 25 de dezembro de 1955. Sua circulação era semanal e o jornal se
outorgava ―órgão independente‖, impresso na ―Impressora Toledo Ltda.‖, tendo como
diretor-gerente Clécio Zenni (O OÉSTE, 1955, capa), então vereador e comerciante,
cuja família ainda hoje se destaca como tradicional na cidade e é atuante no ramo
comercial.
Trata-se do primeiro jornal impresso de Toledo, com circulação comercial,
contando com vendas de assinaturas e exemplares avulsos. Apesar de ter sido editado
após a emancipação de Toledo, O Oéste mantinha fortes relações com a MARIPÁ, de
onde eram oriundos diversos de seus colaboradores. Essa relação muito próxima com a
colonizadora era muito comum no período, pois o próprio poder público tinha em seus
principais quadros nomes que emergiram do trabalho na MARIPÁ.
A pauta do jornal concentrava-se nas notícias locais, sendo poucas as matérias e
informações veiculadas sobre o restante do Brasil e do mundo. Possivelmente essas
últimas eram mais comuns no rádio, não havendo necessidade de serem reproduzidas
em um jornal semanal. Essas notícias locais também se referem principalmente às ações
município. Assim, eram anunciadas inaugurações de órgãos públicos, novas obras e
investimentos estatais no município, além de ações desenvolvidas pela prefeitura
municipal e câmara de vereadores. Diversas as matérias têm como eixo central efetuar
elogios a Toledo, repletos de exaltações a ―harmonia‖ e o ―progresso‖ reinantes no
31
Atualmente, Toledo é um dos municípios que compõem a mesorregião do Oeste Paranaense e possui
uma população de aproximadamente 116 mil habitantes. É a terceira maior cidade da região e seu maior
pólo industrial, com destaque para o setor agroindustrial e de alimentos. A economia da região é agrícola
e agroindustrial, com destaque para a produção de milho e soja, e criação de aves e suínos em pequenas e
médias propriedades. Os latifúndios existem, porém, não conferem a tônica da dinâmica agrícola regional.
A ―Colonização do Oeste do Paraná‖ é considerada o marco fundador dessa cidade e da sociedade
regional. Por meio desse processo costuma-se caracterizar as décadas de 1940 e 1950 como sendo o
período em que diversas fazendas da região foram compradas por empresas colonizadoras privadas,
loteadas e vendidas para pequenos proprietários rurais, geralmente vindos do Rio Grande do Sul e Santa
Catarina, descendentes de imigrantes italianos e alemães. Em Toledo diversas obras de memorialistas
destacam a atuação da Industrial Madeireira Colonizadora Rio Paraná S. A. – MARIPÁ, nesse período, na
compra da fazenda Britânia e posterior loteamento em áreas rurais e urbanas, com a formação do que
viria a ser a sede municipal de Toledo e de diversas outras cidades e vilas da região. Tradicionalmente,
considera-se que esse período se estende, em Toledo, de 1946 – com a chegada na região dos primeiros
trabalhadores a serviço da empresa colonizadora – até a emancipação, em 1952 ou mesmo fins da década
de 1960, quando a venda de lotes rurais pelas empresas colonizadoras já havia praticamente cessado.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
do poder público municipal, uma vez que, quando esse jornal foi criado, Toledo já era
68
local, além do papel dos ―pioneiros‖ e das pessoas em geral, entendidas como elementos
importantes para a construção de tal obra, graças ao seu trabalho de ―desbravador‖.
O acesso e consulta a esses material, por sua vez, foram possíveis graças ao
acervo mantido pelo Museu Histórico ―Willy Barth‖ de Toledo, mantido pela Prefeitura
Municipal de Toledo e submetido a Secretaria Municipal de Cultura. O museu foi
criado por meio da Lei n. 834/76 de 23 de agosto de 1976 (PREFEITURA
MUNICIPAL DE TOLEDO) e chamava-se ―Museu Histórico de Toledo‖. Sua
denominação mudou ainda nesse ano, através da Lei n. 844/76, (PREFEITURA
MUNICIPAL DE TOLEDO, 1976) quando passou a ter a sua denominação atual, cujo
homenageado, Willy Barth, foi diretor da empresa colonizadora MARIPÁ. Como se
pode notar pela própria denominação do museu, existe entre seus propósitos a intenção
de cristalizar e manter viva a memória da ―colonização‖.
Esse museu possui características que lhe são peculiares, pois além dos objetos e
espaços para exposição e visitação pública, funciona como centro de referência e apoio
a projetos culturais e de pesquisa histórica em Toledo. Como parte dessas funções,
existe no museu um centro de documentação, em cujo acervo encontra-se O Oéste e
diversos outros conjuntos de jornais e revistas.
O acervo do museu possui diferentes características e funções, que explicam sua
preservação. Parte dos materiais está arquivada por colaborar, de alguma forma, com as
caso de O Oéste. Outra dimensão desse acervo é sua função de arquivo público. Os
jornais e revistas mais atuais são geralmente consultados também por cidadãos, que os
procuram constantemente.
O Oéste, portanto, não chegou até nossas mãos por acaso, mas como resultado
de uma seleção que o escolheu para compor o acervo de um órgão voltado à
preservação de determinadas memórias. A formação desse acervo, por sua vez, não se
deu por meio de critérios muito fixos, como pudemos notar em conversas com a equipe
do museu. Em certos casos, a inclusão de um jornal ou revista no acervo dependia da
disponibilidade do periódico em fornecer exemplares de cortesia para o órgão. Outros
jornais e revistas foram doados por memorialistas e/ou levantados pelo ―Projeto
História‖, realizado em 1988.32 Alguns dos memorialistas da cidade, vale frisar, atuaram
32
O ―Projeto História‖ foi viabilizado a partir da Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura Municipal
de Toledo e efetuou a publicação de diversas obras sobre ―a‖ história do município. Algumas dessas obras
compilam dados sobre o município e seus distritos, a fim de fornecer subsídios a professores para o
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
memórias da colonização de Toledo, sendo consultado mais por pesquisadores, como no
69
de forma muito vivaz na imprensa local, por isso mantinham certos materiais desse
gênero em seu arquivo pessoal.
Portanto, ao se pensar uma matéria jornalística na construção de uma memória
pública, é preciso levar em consideração não apenas o jornal em si, mas a trajetória que
o levou a se tornar fonte histórica,33 com os processos de seleção e de formação de um
conjunto documental. É preciso considerar também o papel do museu, como instituição
voltada a preservação de certas memórias e as funções que essa documentação assume
em seu acervo.
A Matéria policial e as pistas sobre a construção de uma memória pública
Conforme apontamos em nota anterior, as memórias públicas de Toledo
costumam remeter-se à ―colonização‖, processo entendido como o momento fundante
da cidade e região. Tais versões ressaltam em maior proporção a presença dos
agricultores gaúchos e catarinenses, descendentes de alemães e italianos que migraram
para Toledo para trabalhar no campo, na condição de pequenos e médios proprietários
rurais. O processo de ―colonização‖ também é apresentado como algo que se procedeu
de forma racional e pacífica, graças a atuação eficiente da MARIPÁ.
O Oéste, ainda na década de 1950, colaborava com a construção dessas imagens
populacional existente no município e na região, já naquele período. O jornal apresenta,
mesmo que topicamente, trabalhadores que não atuavam no campo e nem eram
proprietários, de nacionalidade argentina ou paraguaia, além de indígenas.
A notícia policial que escolhemos como elemento central desta análise, permite
observar um pouco da complexidade dessa sociedade que existia em Toledo na década
de 1950. A matéria apresentava um crime cometido contra uma família indígena, em
que uma ―menor‖ também foi estuprada:
Écos de um crime bestial
O municipio de Toledo, nos poucos anos de sua existência com núcleo
populoso, surgido miraculosamente em plena selva e, vivendo uma vida
trabalho no ensino fundamental, enquanto que Toledo e sua história (SILVA; BRAGNOLLO; MACIEL,
1988), seguramente a obra de maior importância publicada pelo projeto, se constitui ainda hoje em uma
referência básica adotada na cidade, em termos de história local. Nele atuaram memorialistas conhecidos
na cidade, como Oscar Silva, que assinou alguns dos livros e Ondy Hélio Niederauer, que acompanhou o
projeto.
33
Uma discussão sobre o documento histórico e as relações de poder que o cercam podem ser observadas
em Jacques Le Goff, ―Documento/Monumento‖ (LE GOFF, 1994).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
e versões do passado. Todavia, em diversos momentos fica patente a diversidade
70
trepidante de trabalho e progresso, pouco assunto tem fornecido até hoje à
cronica policial.
Pequenas rusgas, de vez em quando, ou mesmo, de tempos em
tempos, algum conflito mais grave, provocado pelo [sic] excitação alcoólica,
geralmente nos dias de pagamento, entre os elementos vindos de alémfronteira que aqui chegam em busca de trabalho assalariado, são ocorrências
banais que em nada afetam a sociedade toledana.
Há alguns dias porém, ou precisamente, no dia 2 do corrente a opinião
pública de Toledo foi abalada por um bestial e monstruoso crime cujos
protagonistas foram Tomaz Salina, Roberto Espindola, José Rodrigues,
Marcelino Alegre, Miguel Benitez e João Tomaz, todos operários vindos de
além do Paraná, e a vítima uma infeliz menor, de família indígena, residente
no interior do Município.
Os criminosos, depois de terem libado nas tabernas e, tendo os seus
instintos bestiais e exacerbados pelos vapores do alcool, assaltaram a humilde
residencia dos pais da infeliz menina e, depois de espancarem os seus
familiares, raptaram-na, levando-a para o mato, satisfazendo a sua sanha de
bestas desclassificadas.
O fato alarmou, justamente, a população do interior [do município]
que, vendo-se ameaçada pelas possiveis repetições, exige ação enérgica das
autoridades policiais.
Os monstros foram presos, graças a ação pronta e decidida do
delegado sr. Arthur Mazzaferro e sargento Aparício Lara, comandante do
Destacamento Policial, e remetidos para a cadeia em Fóz do Iguaçú, onde
permanecerão aguardando julgamento. (O OÉSTE, 1954, p. 2).
Importante observar como a matéria fornece indícios para se entender as
memórias que se cristalizaram sobre Toledo, nas décadas seguintes. Logo no início do
texto pode-se observar o enredo ufanista, que aponta para a formação do núcleo
populacional que surge em meio a ―selva‖, obra edificada com ―trabalho‖, do qual
resulta um lugar de ―progresso‖. Esses temas foram insistentemente repetidos nas
1950.
Na notícia, essas imagens são evocadas justamente para destacar o clima de
tranqüilidade que reinaria no lugar. Os crimes seriam pontuais, praticados por
estrangeiros, considerados como elementos externos à sociedade local cujos atos não
afetariam o conjunto social. Porém, o espancamento da família indígena seguido do
estupro da jovem rompe com tal clima, espalhando temor entre as populações rurais do
município de que suas filhas também pudessem ser vítimas de brutal violência.
Dialogando com a situação, a matéria tenta tranqüilizar a população, destacando
que os criminosos são ―desqualificados‖, que cometeram o crime sob efeito do ―álcool‖
e são vindos de ―além Paraná‖. Portanto, são elementos exógenos e não fazem parte da
―gente ordeira‖ que construía Toledo ―miraculosamente‖ em meio a ―selva‖, na década
de 1950. Frisa ainda que os responsáveis pelo crime já haviam sido presos, elogiando a
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
décadas seguintes, principalmente quando se apresenta o local nas décadas de 1940 e
71
rápida ação da polícia. Portanto, sugere que não existiam mais motivos para
preocupação, uma vez que não haveria impunidade para o crime.
Esse esforço em tranqüilizar os moradores de Toledo, possivelmente estava
relacionado ao próprio processo de comercialização de terras e de expansão
populacional do lugar, que ocorria fortemente naquele momento. Vale a pena lembrar
que a venda de terras em Toledo era o grande negócio empreendido pela MARIPÁ que,
depois de um período de crise,34 conseguiu reaquecer as vendas de lotes rurais. Como
frisamos anteriormente, essa mesma colonizadora mantinha relações íntimas com o
jornal, fornecendo colaboradores para o O Oéste, entre eles Ondy Hélio Niederauer, que
se tornou memorialista, fato que fornece novas pistas para entender a repetição de
determinadas imagens, no espaço público, sobre a formação de Toledo.
A matéria, por sua vez, noticia o crime, pois o fato abalou os moradores e não
podia ser ignorado mesmo que se quisesse fazê-lo. Porém, o texto é construído de forma
a destacar o acontecido como um fato isolado e que já fora solucionado. Ou seja, evitase construir a idéia de que a violência compunha o cotidiano de Toledo, o que poderia
afastar possíveis compradores de terras e investidores.
A violência, portanto, ao ser admitida, é tratada como algo extraordinário –
como no caso do estupro – ou como atitudes corriqueiras, mas sem grande gravidade,
que não afetariam a sociedade como um todo, pois estaria restrita aos trabalhadores
na época por pessoas que produziam o jornal, constroem a noção de que atitudes
violentas não seriam comuns entre proprietários de terras, que poderiam ser vizinhos
dos possíveis novos compradores, mas de pessoas com residência não muito fixa no
local.
A necessidade de se construir uma imagem positiva do município, a fim de não
prejudicar a negociação de terras se torna ainda mais significativa quando percebemos
que o principal veículo de comunicação desse período era o rádio. Eventualmente, o
jornal poderia não ser tanto um veículo de informação de central importância para a
população local, mas um instrumento que servia para comunicar os acontecimentos do
lugar em outros espaços, como naqueles onde viviam os possíveis compradores de
terras, principalmente no restante do Sul do Brasil, nos quais as notícias de Toledo
raramente chegariam de outra forma. Tal fator pode ser reforçado ao observarmos no
34
A idéia de crise nos negócios da MARIPÁ é discutida por Marcelo Grondin, em sua obra sobre a
―colonização‖ de Toledo (GRONDIN, 2007, pp. 216-220).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
estrangeiros assalariados. Tais elementos, além de indicar uma série de valores nutridos
72
acervo do museu que outro periódico só viria a ser produzido em Toledo em 1967,
portanto, doze anos após o fechamento de O Oéste.
Portanto, as relações entre as imagens positivadas do lugar com as vendas de
terras são importantes para se perceber como foram sendo construídos certos silêncios
em torno das tensões e conflitos que pontuaram a história local e seu processo de
―colonização‖.35 Também auxiliam a pensar sobre os silêncios em torno da presença
indígena na região e no município, nas memórias públicas existentes sobre o lugar.
Apesar de não ser seu propósito, a matéria reproduzida anteriormente, com seu caráter
trágico, confere visibilidade a esses sujeitos históricos, demonstrando inclusive o espaço
que eles ocupavam nessa sociedade.
Ao nosso ver, não é obra do acaso uma família indígena ter sido alvo de crime
tão violento e de uma jovem indígena ter sido estuprada de tal forma. Apesar dos
criminosos estarem sob ―efeitos do álcool‖, supostamente não tendo planejado muito o
crime, é possível conjecturar que o reconhecimento do indígena como ser ―inferior‖ – e
não como um ―igual‖ – possa estar na base de tamanha violência. Portanto, o lugar
social ocupado por essas populações indígenas, nessa sociedade em transformação, na
década de 1950, certamente era de marginalidade.
Quanto a notícia, cabe frisar que ela reforça a noção de que pertenciam à
―sociedade toledana‖ apenas pessoas brancas, nacionais, de boa índole, pois seriam
valores e preconceitos que povoaram a construção dessa memória. Os demais sujeitos
que sinalizavam para a diversidade social e cultural existente no lugar são silenciados
ou quando isso não é possível, como no momento retratado pela matéria citada, são
tratados como elementos menores, exteriores a sociedade local.
Muitas dessas imagens continuaram sendo repetidas nas memórias públicas que
se produziram sobre Toledo e sua ―colonização‖. Outras, que se remetiam às tensões,
conflitos, e a diversidade social e populacional existentes no lugar, indicadas mesmo
que topicamente por matérias como aquela de 1954, foram minimizadas ou esquecidas,
pois atrapalhariam a construção da imagem romantizada da fundação do lugar.
Tal tendência já estava presente em 1954, pois como se pode observar, a matéria
construía toda uma denúncia da violência sofrida pela família indígena, porém, seu texto
35
Uma das poucas referências sobre conflitos de terra no processo de formação de Toledo foi escrita por
Pitágoras da Silva Barros e publicada na coluna ―Opinião!‖ do jornal Tribuna D’Oeste. (BARROS,
1977. p. 2).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
honestos, trabalhadores e proprietários de algum bem, o que demonstra uma série de
73
buscava aliviar a população que era entendida como integrante da sociedade local
(pequenos proprietários), indicando que fatos como aqueles não se repetiriam.
Elementos ufanistas, que operavam a romantização da ―colonização‖ e do lugar também
são observados na matéria, apesar de seu conteúdo, o que permite observar que tais
elementos já se faziam presentes naquele momento, possivelmente com o objetivo de
facilitar o comércio de terras.
As memórias públicas que foram construídas sobre Toledo, operaram a seleção
dessas visões mais positivas sobre o local, e trataram de repeti-las constantemente no
espaço público. Certamente, entre os critérios que selecionaram O Oéste para integrar o
acervo do museu, estava o ufanismo com que se caracterizava o município e a região em
suas páginas, até mesmo em situações que colocavam em cheque o caráter pacífico do
processo de formação do lugar. Portanto, o jornal oferece elementos para a continuidade
das memórias que se cristalizaram no espaço público, embora ofereça outras
possibilidades de leitura desse passado, caso o pesquisador queira explorá-las.
Dessa forma, essas memórias sustentam determinadas relações de poder que
foram construídas historicamente na cidade. Na atualidade, são evocadas para ancorar
os projetos dos grupos dominantes locais, que na sua busca por coesão interna ou
adesão a seus projetos, remetem-se a um passado idealizado para se apresentar como
portadores dos nobres ideais construídos outrora e como continuadores, no presente, da
aspectos inglórios daqueles tempos e realimentar sua romantização.
Constatamos, portanto, que o uso de memórias e imagens sobre a formação de
Toledo, como forma de referenciar e viabilizar projetos (entre eles a ―colonização‖),
iniciou-se ainda na década de 1950, sendo realimentado no período seguinte. Esse
investimento na construção de elementos simbólicos sobre a formação do lugar, ainda
naquela década, pode explicar a centralidade da memória como elemento de referência e
disputa por projetos de cidade e região que existe em Toledo, mesmo na atualidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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dezembro de de 1977.
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FENELON, Déa Ribeiro; MACIEL, Laura Antunes; ALMEIDA, Paulo Roberto de; KHOURY,
Yara Aun. (orgs.). Muitas memórias, outras histórias. São Paulo: Olho d‘Água, 2004.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
obra de ―progresso‖, iniciada no passado. Nesse caso, é importante silenciar sobre os
74
MACIEL, Laura Antunes; ALMEIDA, Paulo Roberto de; KHOURY, Yara Aun. (orgs.).
Outras histórias: memórias e linguagens. São Paulo: Olho d‘Água, 2006.
LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. In: História e Memória. São Paulo: Ed.
UNICAMP, 1994. pp. 535-549.
CRUZ, Heloisa de Faria. São Paulo em papel e tinta: periodismo e vida urbana – 1890-1915.
São Paulo: Educ; FAPESP; Arquivo do Estado de São Paulo; Imprensa Oficial SP, 2000.
GRONDIN, Marcelo. O alvorecer de Toledo: Na colonização do Oeste do Paraná (19461949). Marechal Cândido Rondon: Germânica, 2007. pp. 216-220.
GRUPO MEMÓRIA POPULAR. ―Memória popular: teoria, política, método‖. In: FENELON,
Déa Ribeiro; MACIEL, Laura Antunes; ALMEIDA, Paulo Roberto de; KHOURY, Yara Aun.
(orgs.). Muitas memórias, outras histórias. São Paulo: Olho d‘Água, 2004. pp. 282-295.
MACIEL, Laura Antunes. ―Produzindo notícias e histórias: algumas questões em torno da
relação telégrafo e imprensa – 1880/1920. In: FENELON, Déa Ribeiro; MACIEL, Laura
Antunes; ALMEIDA, Paulo Roberto de; KHOURY, Yara Aun. (orgs.). Muitas memórias,
outras histórias. São Paulo: Olho d‘Água, 2004. pp. 14-40.
MACIEL, Laura Antunes. De ―o povo não sabe ler‖ a uma história dos trabalhadores da palavra.
In: MACIEL, Laura Antunes; ALMEIDA, Paulo Roberto de; KHOURY, Yara Aun. (orgs.).
Outras histórias: memórias e linguagens. São Paulo: Olho d‘Água, 2006. pp. 273-298.
O Oéste, Toledo, n. 1, ano I, 6 de janeiro de 1953.
O Oéste, Toledo, n. 16, ano I, 24 de janeiro de 1954.
O Oéste, Toledo, n. 48, ano II, 6 de março de 1955.
O Oéste, Toledo, n. 73, ano III, 25 de dezembro de 1955.
PREFEITURA MUNICIPAL DE TOLEDO. Lei n. 844/76 de 29 de setembro de 1976.
Toledo, 1976.
SILVA, Oscar; BRAGAGNOLLO, Rubens; MACIEL, Clori Fernandes. Toledo e sua história.
Toledo: Prefeitura Municipal de Toledo, 1988.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
PREFEITURA MUNICIPAL DE TOLEDO. Lei n. 834/76 de 23 de agosto de 1976. Toledo,
1976.
75
INVENTÁRIO E CATALOGAÇÃO DE ACERVO PAROQUIAL E FORENSE
NA CIDADE DE MONTE ALEGRE DE MINAS
Fabiana Conceição de Moura Gonçalves Rodrigues
Acadêmica do Curso de História - FACIP-UFU
Dra. Dalva Maria de Oliveira Silva
Orientadora – FACIP-UFU
Introdução
O historiador Marc Bloch, em seu precioso ―manual‖ sobre o ofício de
historiador, expõe sobre as dificuldades encontradas para se reunir os documentos
necessários à execução de um projeto de pesquisa:
A despeito do que às vezes parecem imaginar os iniciantes, os documentos
não surgem, aqui ou ali, por efeito [de não se sabe] qual misterioso decreto
dos deuses. Sua presença ou ausência em tais arquivos, em tal biblioteca, em
tal solo deriva de causas humanas que não escapam de modo algum à análise,
e os problemas que sua transmissão coloca, longe de terem apenas o alcance
de exercícios de técnicos, tocam eles mesmos no mais íntimo da vida do
passado, pois o que se encontra assim posto em jogo é nada menos do que a
passagem da lembrança através das gerações. (BLOCH, 2001: 83)
Inventariar, catalogar e reunir documentos constitui em um dos objetivos do
Projeto ―Memória, História e Cidadania: os sujeitos sociais e históricos e as suas
relações nas e com as cidades no Pontal do Triângulo Mineiro‖ em execução desde o
autorização para o acesso aos seus arquivos visando inventariar e catalogar os acervos
ali reunidos. Esta ação pode se apresentar longa e difícil dependendo das condições de
conservação e organização em que se encontram os documentos. Trata-se de trabalho
minucioso que exige paciência e dedicação de infindáveis horas, dependendo da
vastidão do acesso. Cada documento ou série deve ser fichado com as informações
necessárias à sua identificação e conteúdo.
Após a realização do inventário dos acervos das instituições, constitui também,
objetivo do referido Projeto a confecção de um guia com a relação de documentos
existentes nesses arquivos, visando orientar os pesquisadores e a comunidade em geral
sobre a existência, localização e estado de conservação de documentos, importantes
para a preservação da memória e imprescindíveis à produção do conhecimento histórico
sobre a história regional e local.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
ano de 2009. A tarefa se inicia com o contato com as instituições e a busca de
76
Memória, patrimônio e cidadania: reflexões e experiências
O trabalho realizado na cidade de Monte Alegre de Minas conseguiu, nesta
primeira etapa, inventariar o acervo da Paróquia São Francisco das Chagas, composto
inicialmente de livros de registro de batismos, de casamentos, de crismas, de missas e
livro de atas de reuniões da referida paróquia, bem como das Capelas da Prata e dos
Garcias. Constam ainda deste acervo os Livros caixa e Livro de Termo de posse da sede
da paróquia, sendo este último datado do ano de 1918.
Inventariou-se, também o acervo do Fórum de Monte Alegre de Minas composto
de Livros de audiências, Livros de carga e descarga de juizes e advogados, Livros dos
cartórios de 1º e 2º ofício, Livros de Registro de sentenças cíveis e criminais e Livro do
Tombo e Feitos, documentos que datam dos séculos XIX e XX.
A importância de tais inventários e identificação dos acervos presentes nessas
instituições está em consonância com um dos objetivos a serem alcançados pelo Projeto,
que é contribuir com a preservação da memória e patrimônio histórico documental da
região, suscitando a discussão sobre a importância da preservação da documentação
produzida pelo expediente das instituições públicas, privadas e religiosas que prestam
serviço à comunidade, bem como da documentação que é acumulada pelas famílias ao
longo de suas existências. Promover a difusão de uma mentalidade preservacionista em
desenvolvimento tecnológico capitalista, significa despertar a sociedade para a
importância da memória para a conquista da cidadania plena e ativa dos sujeitos
históricos. Esta tarefa apresenta-se imprescindível, principalmente na região do Pontal
do Triângulo Mineiro, onde a comunidade, carente desta discussão e, portanto não
consciente de sua importância, ainda não se mobilizou para reivindicar do poder público
a criação de arquivos para guarda e disponibilização de documentos de domínio
público.
É diante desta realidade que o Curso de História do Campus Pontal da
Universidade Federal de Uberlândia, com sede em Ituiutaba, se mobilizou para projetar
e colocar em prática a criação do Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do
Pontal, a ser instalado no Campus Tupã, visando atender à demanda de reunir a
documentação que se encontra dispersa e, portanto muitas vezes inacessível ao público,
para promover a sua preservação e disponibilização aos alunos da Universidade,
pesquisadores e comunidade.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
uma sociedade envolta pelo efêmero e conduzida pela aceleração imposta pelo
77
Situando esta ação dentro do contexto dos objetivos do referido projeto, faz-se
necessário refletir sobre alguns conceitos referentes à guarda da memória e ao direito ao
passado a partir da contribuição de Maria Célia Paoli e Almeida, M. A:
A memória como um direito não se esboçou em claro discurso sobre a
exclusão e a identidade, mas numa reflexão conjunta de sujeitos históricos
envolvidos com o trabalho reflexivo com a memória. Para estes, o sentido
cultural e político de seu trabalho reconduz ambas, a memória e a história,
para além dos limites já conhecidos e já esperados. Isto abriu um desafio
absolutamente novo para o historiador, cientista social ou agente cultural,
pois seu trabalho passou a ser realizado numa condição dialógica e não mais
puramente informativa e interpretante. (p.186)
A preocupação em preservar não somente a memória oficial36, mas também as
várias memórias históricas dos sujeitos ―comuns‖ se faz urgente, pois se considera que
não somente a falta de fontes documentais escritas, impressas e iconográficas, mas
também orais, tem se colocado como um importante desafio a ser enfrentado para a
construção e preservação da memória popular. Tendo em vista tais faltas, a preservação,
organização, catalogação e inventário se faz necessária e urgente.
No intuito de melhor alcançar esses objetivos faz-se necessário recuperar outras
tradições e memórias, a escrita de outras histórias a partir de novas temáticas e
perspectivas de pesquisa, construindo assim, novos olhares e contribuindo para o debate
sobre novas formas de relações sociais em todas as instancias.
A produção de entrevistas com pessoas da cidade de Monte Alegre de Minas faz
o registro de memórias individuais e coletivas sobre o viver na cidade, visando a sua
guarda e a preservação de memórias da cidade segundo diferentes pontos de vista. As
gravações e transcrições dessas entrevistas constituirão acervo do futuro Centro de
Pesquisa, Documentação e Memória e serão disponibilizadas, futuramente, a
pesquisadores, memorialistas e estudantes que delas necessitarem para a realização de
suas atividades de pesquisa.
Há que se pontuar, sem a pretensão de reproduzi-la na totalidade, a existência de
ampla discussão e sobre o necessário diálogo, no âmbito da pesquisa histórica, entre a
Memória e a História:
36
Entende-se aqui como memória oficial, uma política de preservação que, via de regra, propõe-se a
preservar apenas documentos/testemunhos de grupos em torno do poder, seja no campo político ou
econômico. Como destaca PAOLI, pouco importando que nesses não tenha restado nem um traço das
servidões e dos conflitos neles inscritos. Afastando-se, assim, o sentido da história como memória social,
apostando-se que não há memória popular e/ou alternativa à do poder que seja suficientemente valiosa
(ou documentada) para merecer ser recriada. PAOLI, Maria Célia. Memória, História e cidadania: direito
ao passado. In: SÃO PAULO. Secretaria Municipal de Cultura. DPH. O Direito à Memória: patrimônio
histórico e cidadania. São Paulo: Departamento do Patrimônio Histórico, 1992. p.25-28
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
parte de uma das etapas do projeto Memória, História e Cidadania, e têm como intuito a
78
A primeira é essencialmente mítica, deformada, anacrônica, mas constitui o
vivido desta relação nunca acabada entre o presente e o passado. É desejável
que a informação histórica, fornecida pelos historiadores de ofício,
vulgarizada pela escola (ou pelo menos deveria sê-lo) e os mass media,
corrija esta história tradicional falseada. A história deve esclarecer a memória
e ajudá-la a retificar os seus erros. (LE GOFF, 1992, p. 29).
Para o autor, portanto, há dois tipos de histórias: ―a da memória coletiva e a dos
historiadores‖. Considerando a vulnerabilidade da memória, cabe ao historiador,
comprometido com a verdade histórica, estar atento às informações dadas pela
memória, a fim de esclarecê-la e corrigi-la de seus possíveis erros.
Tendo em vista que o tempo transforma a memória coletiva, na sua essência
seletiva, alguns acontecimentos são esquecidos e suprimidos por não serem
considerados importantes para aqueles que os vivenciaram ou, ainda, manipulados e
sujeitos a interpretações várias:
A memória é a vida, sempre guardada pelos grupos vivos e em seu nome, ela
está em evolução permanente, aberta à dialética da lembrança e do
esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a
todas as utilizações e manipulações, suscetível de longas latências e de
súbitas revitalizações. (NORA apud DE DECCA, 1992, p. 130).
Os arquivos inventariados por este projeto constituem-se em registros
produzidos no fazer cotidiano de personagens da história vivida, durante o processo de
ocupação desta região ao longo do século XIX e da consolidação da cidade no início e
decorrer do século XX. Portanto, é inegável a sua importância posto que detentores de
viver nesta região. Levando em conta que a mesma, devido à inexistência de políticas de
preservação, incorre em risco de deterioração e desaparecimento total e parcial, torna-se
urgente a implementação da Lei nº 8.159, de janeiro de 1991, que rege sobre a
preservação e guarda de arquivos públicos ou privados e que em seu Artigo 1º
determina que ―É dever do Poder Público a gestão documental e a de proteção especial
a documentos de arquivos, como instrumento de apoio à administração, à cultura, ao
desenvolvimento científico e como elementos de prova e informação‖. (Diário Oficial
da União, de 09 janeiro de 1991).
Além da questão exposta acima é, também, fundamental reconhecer que a
documentação existente nos arquivo das instituições, como atualmente pode-se
encontrá-los, via de regra são o resultado de opções de guarda que testemunham a
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
uma documentação imprescindível ao conhecimento e à compreensão da dinâmica do
79
trajetória da própria instituição no processo de organização e arquivamento37 desse
acervo:
A constituição de conjuntos documentais implica, necessariamente, processos
seletivos: não se guarda ―tudo‖. (...) O que ―resta‖ em um arquivo, resulta
diretamente de pessoas que definem, em diferentes momentos, certos
materiais – e não outros – como coisas ―que vale a pena guardar‖. Isso
obedece a uma lógica de acumulação, nem sempre consensual entre os
responsáveis pelo arquivo: por que guardar isso e não aquilo? E mais: onde
guardar? E em que ordem? (CASTRO, 2005, 36)
O acesso aos arquivos, às informações, considerando-se as questões da
proteção, da privacidade e do grau de generalidade da lei, tem permitido que o trabalho
venha sendo realizado em Monte Alegre de Minas e demais cidades do Pontal do
Triângulo Mineiro. A Lei de Arquivos representou um enorme avanço no
preenchimento a lacunas existentes neste setor no país a partir de 1990, particularmente,
à constituição de um corpo de leis regulamentando a gestão, preservação e o acesso aos
arquivos públicos e privados. Cabe aqui ressaltar que, por mais abertura que tais leis e
decretos viabilizam, muito ainda tem que se avançar, pois, talvez por desconhecimento,
descaso ou ainda propositalmente o acesso a documentos considerados de domínio
público fica restrito à livre vontade dos dirigentes e, no caso de arquivos privados,
continua dependendo da vontade de seus proprietários.
É importante salientar que ao pesquisador cabe compreender e respeitar as leis e
decretos que regem sobre o legitimo sigilo e proteção em relação às informações
que o acesso se amplie, possibilitando e viabilizando que a guarda e o direito a memória
seja realmente efetivado. No que se refere ao acervo da Paróquia foram catalogados 56
livros e uma pasta contendo assentamentos de batismos de um acervo declarado como
desaparecido, que foram transcritos pelo Pároco José Magalhães. Entretanto é
importante registrar que o trabalho realizado na Paróquia São Francisco das Chagas, de
certa forma, deixa lacunas, pois segundo informações levantadas não se sabe a
localização de uma documentação que data de 1815, que versa sobre a fundação da
Matriz. Não tivemos acesso a Livros Tombo e a um livro de Crônicas, cuja existência é
declarada, mas que não foram disponibilizados para inventário e catalogação, pois não
37
Entende-se por arquivamento a guarda documentos no local estabelecido, de acordo com a
classificação dada. Manual de gestão de documentos do Estado do Paraná. / Departamento Estadual de
Arquivo Público. – 2. ed. rev. e ampl. – Curitiba : O Arquivo, 1998. vii, 72 p.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
constantes dos documentos, mas também ressaltar que muito se precisa avançar para
80
se sabe a localização dos mesmos. Em prol da efetiva catalogação38 e considerando a
importância social e histórica desses documentos, continuaremos insistindo junto aos
dirigentes da paróquia na localização dos mesmos.
Em relação às experiências adquiridas no trabalho realizado junto ao arquivo do
Fórum é importante salientar as dificuldades encontradas durante a catalogação dos
documentos em função do desconhecimento de termos jurídicos, necessários à efetiva
compreensão do significado e valor dos mesmos. Entretanto o encarregado do arquivo
se disponibilizou a orientar, tornando o trabalho possível e ainda mais prazeroso devido
ao conhecimento adquirido. Outra dificuldade se deu devido ao fato de o arquivo ter
mudado de endereço recentemente e ainda estar em fase de organização no novo prédio.
Os livros encontravam-se empilhados no chão e o trabalho foi para além da simples
catalogação, mas também de limpeza e organização provisória em armários de aço.
Foram catalogados 154 Livros contendo documentos dos cartórios de 1º e 2º ofício até o
ano de 1990 quando os cartórios foram desmembrados da Comarca. Temos ainda a
descrição de 349 caixas arquivo contendo documentos de inventário e ações cíveis dos
respectivos cartórios que ainda não foram catalogados.
É importante salientar que mesmo estando em fase de organização e adaptação
ao novo prédio, os documentos estão acondicionados em caixas arquivo devidamente
organizadas e numeradas. A digitalização do acervo, em ambas as instituições, não foi
Centro de Documentação. Sendo que os mesmos serão apenas listados em guia de
fontes parcial, a ser confeccionado pelo Projeto, a fim de informar aos pesquisadores e à
comunidade sobre os tipos de documentação existente nestas instituições.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
BRASIL. Lei nº 8.159, de 08 de janeiro de 1991. Dispõe sobre a política nacional de
arquivos públicos e privados e dá outras providências. Diário Oficial da União. 28 de
janeiro de 1991.
38
Entende-se por catalogação: catalogar um objeto significa descrevê-lo por meio de seus diferentes
aspectos e características. O objetivo da catalogação é fornecer uma representação do objeto, permitindo
identificá-lo, representá-lo e localizá-lo.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
autorizada o que inviabiliza a futura disponibilização desses acervos para pesquisas no
81
CASTRO, Celso. A trajetória de um arquivo histórico: reflexões a partir da documentação do
Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil. Estudos Históricos,
Rio de Janeiro, n.36, jul-dez de 2005, p.33-42.
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cidadania. São Paulo: DPH, 1992. p. 129-136.
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Secretaria Municipal de Cultura. DPH. O Direito à Memória: patrimônio histórico e
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Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
PARANÁ. Manual de gestão de documentos do Estado do Paraná. Departamento Estadual
de Arquivo Público. 2. ed. rev. e ampl. Curitiba: O Arquivo, 1998.
82
LEVANTAMENTO DOS BENS CULTURAIS DE ITUIUTABA- MG
Filipi Silva Limonta
Universidade Federal de Uberlândia – FACIP, Curso
de História
[email protected]
Dr. Cairo Mohamad Ibrahim Katrib
Universidade Federal de Uberlândia – FACIP, Curso
de História
[email protected]
O município de Ituiutaba encontra-se localizado no estado de Minas Gerais, na
região do Triângulo Mineiro e limita-se com os municípios de Gurinhatã, Ipiaçú,
Capinópolis, Canápolis, Santa Vitória, Monte Alegre de Minas, Prata, Campina Verde e
com o estado de Goiás. Sua economia esta baseada na indústria, comércio e agricultura.
Entre as décadas de 1950 a 1960 foi a região do Pontal do Triângulo que mais se
desenvolveu economicamente, pelo seu vigor agrícola, e, com isso, sua vida cultural
tornou-se expressiva nessa época. Mesmo diante do processo de estagnação econômica
vivenciada, Ituiutaba nos anos de 1980 e 1990 continuou sendo importante cidade
produtora de cultura, entretanto, elegeu como patrimônio cultural alguns bens materiais
representativos de uma sociedade da época, enquanto muito das suas riquezas culturais
esquecidas ou pouco valorizadas pelos setores culturais.
Ressalto que o Patrimônio Cultural de Ituiutaba mesmo sendo protegido pela Lei
Orgânica Municipal nos seus artigos 112, 113, 114 e 123 e pela Lei Municipal nº 3806
de 27 de junho de 2006, e tendo como gestora, na cidade, a Fundação Cultural de
Ituiutaba auxiliada pelo Conselho Municipal do Patrimônio Cultural, pouco se tem feito
em termos de políticas públicas para manutenção e conservação dos bens culturais do
município. Ela reconhece apenas os seguintes bens culturais já tombados e protegidos
no município de Ituiutaba: Panelas Indígenas; Selaria do Capitão; Parque do Goiabal;
Ponte Raul Soares; Praça Cônego Ângelo; Escola Estadual João Pinheiro; MUSAI
(Museu Antropológico de Ituiutaba). A maioria desses bens encontram-se em estado de
abandono, salvo algumas exceções como é o caso do Colégio Estadual João Pinheiro e a
Praça Cônego Ângelo.
Portanto, esse resumo baseia-se no projeto que desenvolvo, o qual tem por
finalidade o levantamento, o mapeamento, a catalogação e o estudo do significado dos
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
rurais e urbanas não foram privilegiadas pelo poder público local, tornando-se
83
bens culturais de Ituiutaba sejam eles os que compõem a memória oficial da cidade,
como também àqueles que ainda se encontram restritos a determinados grupos sociais
ancorados as práticas populares recriados através das manifestações da cultura popular
como o Congado, a Folia de Reis, a Catira, as manifestações festivo-devocionais; os
saberes na forma de benzeções, uso das plantas na medicina popular, causos e muitas
outras expressões que povoam o imaginário local.
Esse contexto de bens faz parte do patrimônio municipal. Entendo Patrimônio
como sendo o conjunto de valores ou objetos, seja ele material ou imaterial, com pleno
significado e importância para um grupo de pessoas. Nesse contexto, o patrimônio
cultural de certa sociedade, está atribuído a sua cultura, o qual é um produto coletivo
formado pelo conjunto das realizações de uma sociedade. Os bens materiais e imateriais
que compreendem o patrimônio cultural são considerados "manifestações ou
testemunho significativo da cultura humana", reputados como imprescindíveis para a
conformação da identidade cultural de um povo (ZARINATO & RIBEIRO, 2006).
Valorizá-los torna-se necessário, visto que significa a possibilidade de
mantermos a cultura de um dado lugar ou grupo entrelaçada ao social, fazendo dos
sujeitos que compõem esses espaços, cidadãos participativos, e dinâmicos. Nesse
sentido, recriadores da sua própria identidade. Conservar os bens culturais é conservar
nossa identidade e valores com os quais nos reconhecemos (MOLINARI et al. 2001).
cultura do grosso da população, quer isto dizer que é aquela que diz respeito à imensa
maioria numérica da coletividade estudada;
Podem, evidentemente, fazer subdivisões dentro de tal maioria e distinguir,
por exemplo, classes sociais, grupos rurais e urbanos, etc., mas não é isto o
essencial: a cultura material, cultura do coletivo, contrapõe-se, sobretudo a
individualidade (BUCAILLE; PESEZ, 1989, p. 13).
Segundo as normatizações do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional -, são considerados patrimônio os bens pertencentes a uma pessoa, a
uma família ou a uma comunidade. Patrimônio é sinônimo de riqueza desde que
entendida como expressão de uma tradição, de uma identidade cultural, das crenças e
valores cultivados coletivamente.
Nessa lógica, a Cultura se faz e se refaz na ação interação dos sujeitos sociais
com seus costumes, com sua tradição. Está relacionado às artes de fazer de uma dada
comunidade. A cultura se reinventa constantemente e se insere num processo histórico
em transformação.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
No que tange a cultura material, ela pode ser definida antes de mais como a
84
Por outro lado, a Cultura se delineia, no universo das pessoas comuns, expressa
suas maneiras de crer, fazer e saber, muitas vezes não valorizadas dentro do conjunto
dos bens culturais de uma dada sociedade. Ela manifesta-se quase sempre de forma oral,
é transmitida com a tradição ou como herança numa comunidade na qual tal ação faz
sentido. Dessa forma, a memória acaba sendo uma das formas de guarda das práticas e
saberes de muitas manifestações que compõem a cultura de um determinado grupo
social.
A história cultural das cidades se (re) fazem, então, no ir e vir das muitas
memórias, principalmente daqueles que revivem a cidade, que dão novos contornos a
ela, pois:
A cidade vive sem a lembrança de informações históricas, mas com a
memória que tem a força do mito como chave de leitura do passado. Entre
memória e história é que o acontecimento é verdadeiramente constituídoentre o discurso afetivo da memória e o discurso crítico da história
(KNAUSS, 2007, p.47).
Entretanto, o município de Ituiutaba e sua cidade, têm diversos patrimônios para
serem levantados, principalmente pela sua riqueza cultural de saberes, sabores e fazeres
pouco reconhecidos e valorizados pela população local.
Essa proposta de pesquisa centra-se no fato de como compreendemos a
preservação cultural. Conforme indicativos do IPHAN – Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, toda ação empreendida no sentido de proteger e,
ações planejadas; deve incluir alguns métodos, tais como: classificação, identificação,
conservação, proteção, restauração, renovação, manutenção e revitalização. A falta de
conhecimento sobre o que é patrimônio, como preservá-lo é, talvez, uma das maiores
dificuldades encontradas no processo de proteção ao patrimônio cultural, porque não
basta apenas tombar um bem; é preciso mantê-lo e conservá-lo.
A valorização do que é constitutivo da bagagem cultural local, seja por meio dos
bens edificados ou dos saberes e práticas herdados, vão além do simples estimular e
despertar o sentimento de pertencimento cultural nos grupos sociais. Portanto, o
levantamento de bens culturais como objetos significativos da cultura material, dos
saberes e práticas da cultura imaterial, torna-se essenciais para se pensar a dinâmica
cultural de uma cidade como Ituiutaba, uma vez que o levantamento e o mapeamento
funcionarão como mecanismos importantes para se reivindicar ações contínuas de
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
portanto, impedir a degradação do bem cultural de uma comunidade deve se pautar em
85
preservação, de manutenção e socialização da cultura e da memória coletiva da cidade
de Ituiutaba.
Pensamos o Patrimônio cultural em Ituiutaba como um conjunto de todas as
demonstrações e manifestações culturais. Assim, o mapear, o analisar e o difundir a
importância dos bens culturais no contexto dessa pesquisa, ajuda-nos a repensar as
possibilidades que a guarda da memória exerce nesse contexto, principalmente através
do mapeamento e/ou catalogação de documentos ainda não conservados nos arquivos
locais, de bens antigos, casas, prédios, monumentos, objetos, hábitos alimentares,
vestimentas, modos de vida, fazeres e saberes manuais, artesanias, crenças, dentre
outras tradições que constituem e constroem a identidade cultural local. O patrimônio é
considerado um dos campos instituidores da memória (RODRIGUES, 1996, p.175).
Essa proposta de pesquisa centra-se no fato de como compreendemos a
preservação cultural. Preservar é toda ação empreendida no sentido de proteger e,
portanto, impedir a degradação do bem cultural de uma comunidade. Esse processo
deve incluir alguns métodos, tais como: classificação, identificação, conservação,
proteção, restauração, renovação, manutenção e revitalização. A falta de conhecimento
sobre o que é patrimônio, como preservá-lo é, talvez, uma das maiores dificuldades
encontradas no processo que busca resgatar e proteger o patrimônio cultural.
Buscamos nessa pesquisa levantar e identificar os bens culturais de Ituiutaba,
para os diferentes grupos sociais.
Procuraremos desenvolver nossas reflexões pautadas no que reza as diretrizes do
IPHAN- Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional nos respaldando na
dinâmica da História Oral por compreender que ela propicia ao pesquisador, enquanto
procedimento metodológico, a possibilidade de buscar nas fontes e documentos
alternativos possibilidades de reflexão e caminhos de análise diferentes daqueles que,
muitas vezes incorporamos como únicos e insubstituíveis como é o caso dos registros
oficiais vistos como fonte única de manutenção de uma história tida como verdade ou
no caso do patrimônio tratá-lo como tal apenas se referendado pelos grupos sociais de
maior expressão cultural na sociedade.
Desse ponto de vista:
Registrar, através de narrativas induzidas e estimuladas, testemunhos,
versões, interpretações sobre a História em suas múltiplas dimensões, sejam
elas factuais, temporais, espaciais, conflituosas, consensuais‖ estamos
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
além de mapear os bens da cultura material e imaterial da cidade mais significativos
86
redimensionando o nosso olhar sobre o Patrimônio Cultural, procurando
entender cada uma dessas formas de registro das histórias de vida, sejam elas
individuais ou coletivas como mediadores da sustentabilidade do trabalho do
historiador, rumo ao entendimento da história pelo viés da verossimilhança e
não da verdade sedimentada em registros tidos como inquestionáveis.
(DELGADO, 2006, p.15).
E, com isso, sustentamos nossa metodologia ainda na identificação dos saberes e
fazeres constitutivos da cultura dos diversos grupos sociais na área da pesquisa
Segundo Michael Pollack, ―ao privilegiar a analise dos excluídos, dos
marginalizados e das minorias, a história oral ressaltou a importância de memórias
subterrâneas que, como parte integrante das culturas minoritárias e dominadas, se
opõem à "Memória oficial", no caso a memória nacional‖39. Então, seguindo a esta
abordagem podemos compreender que trabalhar com a história oral nos permitem e nos
levam a ouvirmos ―memórias silenciadas‖, onde na maioria das vezes estão escondidos
pela memória oficial, nesse sentido vamos ter uma base do que é realmente significativo
para a população. Enfim, ―a história oral é uma metodologia de pesquisa que consiste
em realizar entrevistas induzidas, estimuladas e gravadas, com pessoas que podem
testemunhar sobre acontecimentos, conjunturas, instituições, modo de vida ou outros
aspectos da história contemporânea.‖ 40
DELGADO, Lucila de Almeida Neves. História oral: memória, tempo, identidades. Belo
Horizonte: autêntica, 2006. 136p.
DIRETORIA de Promoção Gerência de Cooperação Municipal. Pontuação definitiva ICMS
Patrimônio
Cultural
Exercício
2009.
IEPHAN.
2009.
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http://www.iepha.mg.gov.br/component/docman/cat_view/23-legislacao/40-pontuacaofinalicms. Acesso em: 20 de fevereiro de 2010.
INSTITUTO do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Disponível em:<
http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaInicial. do>. Acesso em: 8 outubro. 2009
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.
KNAUSS, Paulo: a cidade como sentimento: história e memória de um acontecimento na
sociedade contemporânea – o incêndio do Gran Circus Norte-Americano em Niterói, 1961.
In: REVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA, n° 53. São Paulo: ANPHU, 2007.
39
POLLACK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.2, n. 3,
1989, p. 3-15.
40
Ibdem 3.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
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87
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In: ARTCULTURA. Uberlândia - MG. Vol. 4, n°4. P. 23-25, jun/2002
POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. In: ESTUDOS HISTÓRICOS,
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SAGE Publications, 2003. 400p. apud MORPHEUS. Ano 3, n° 07, 2005 . Disponível em
<http://www.unirio.br/morpheusonline/numero07-2005/apresentacao.htm> Acesso em: 28 de
agosto de 2007).
88
POLÍTICAS PÚBLICAS E RELAÇÕES PRIVADAS COM O TOMBAMENTO
EM ITUIUTABA
Leonardo Silva Oliveira
Aluno de graduação da UFU/FACIP – Campus Pontal
Luana Regina Mendes
Aluna de graduação da UFU/FACIP – Campus
Pontal
Quando a mudança social altera ou transforma a sociedade para além de um
certo ponto, o passado deve cessar de ser o padrão do presente, e pode no
máximo, tornar-se modelo para o mesmo. (HOBSBAWM, p. 25, 1998)
A memória, seja como história da sociedade, seja como crônica das classes
sociais e de seus homens ilustres, tem o papel de nos liberar do passado como
fantasma, como fardo, como assombração e como repetição. (CHAUÍ, p. 43,
1992)
Introdução
A nossa pesquisa parte de uma inquietação que se deu no ingresso à
universidade, a partir do momento que passamos a discutir sobre tombamento, através
de dois trabalhos sobre Patrimônio histórico em Ituiutaba na disciplina ―Patrimônios,
memórias e histórias‖, utilizamos informações retiradas do trabalho e aprofundamos
O nosso objetivo é mostrar as leis que regem o Patrimônio Histórico na cidade
de Ituiutaba, a sua aplicação na prática e o conflito que isso gera entre os moradores.
Daí analisaremos brevemente à primeira década onde foi decretada a lei estadual do
ICSM cultural que incentivou Ituiutaba a ter uma política de preservação do patrimônio
histórico e, consequentemente, tombar alguns bens materiais e registrar outros
imateriais, como a congada.
Para discutirmos patrimônio, devemos definir este conceito. De um modo geral
são conjuntos de objetos de uma relevância histórica para um determinado grupo como
uma forma de pluralidade. Ele mostra o passado como dimensões múltiplas da cultura,
como uma forma de manter o passado vivo através de objetos que merecem ser
preservados, isso pelo grande número de pessoas que se identificam com determinado
bem41
41
PAOLI, Maria Célia. Memória, história e cidadania: o direito ao passado. In. O direito à memória:
patrimônio histórico e cidadania. São Paulo: DPH, 1992, p. 25-28.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
mais um pouco.
89
Para o desenvolvimento dessa pesquisa iremos utilizar bibliografias que de
alguma forma discuta essa relação com o patrimônio histórico e sua preservação, como
Paoli (1992), Chauí (1992), e com o conceito de ―lugar de memória‖ de Pierre Nora
(1981).
Através destes conceitos, vamos analisar neste ensaio o Patrimônio histórico em
Ituiutaba, através do âmbito social em que convivemos e de nossas análises pessoais,
junto com as informações que nos foram dadas quando visitamos a fundação cultural no
início do ano para a realização do trabalho da disciplina ―Patrimônios, memórias e
histórias‖. usando o conceito de Nora acerca dos bens tombados como ―Lugares de
memória‖, como sendo uma forma de materializar o passado através de objetos, mesmo
que em sua obra ele trate da França.
Se partirmos para uma caminhada no centro da cidade de Ituiutaba, vamos nos
deparar com uma ausência do passado, encontraremos lojas que escondem suas
fachadas antigas e casas antigas em ruínas ou sendo modernizadas. Este problema, em
partes, se dá pela questão imobiliária. Todavia, isso não impede a existência de bens
tombados como Patrimônio Histórico da cidade, como a Ponte Raul Soares, Praça
Cônego Ângelo, Parque do Goiabal, Selaria do capitão, Escola Estadual João Pinheiro e
MUSAI (Museu Antropológico de Ituiutaba).
O patrimônio tem como principal função a valorização da pluralidade cultural da
cidade, mas o que se pode notar é uma perda, uma desvalorização da cultura histórica de
Ituiutaba. Pode-se dizer até um esquecimento por parte da população e do poder
público, mesmo que quatro artigos da lei orgânica municipal estabeleçam normas de
preservação e difusão do patrimônio histórico-cultural no município. São estes os
artigos:
Art. 112 - O Município garantirá a todos pleno exercício dos direitos
culturais e acesso às fontes da cultura municipal a apoiará e incentivará a
valorização e a difusão das manifestações culturais (CF-215). Parágrafo
único - O Município protegerá as manifestações das culturas populares.
Art. 113: Constituem patrimônio cultural brasileiro, para o qual o Município,
em sua área de competência, dirigirá ação de incentivo, apoio e assistência,
os bens de natureza natural e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade nacional. nos quais se incluem
(CF-216):
(...)
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, rqueológico,
paleontológico, ecológico e científico.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
O patrimônio visto a partir da lei
90
§ 1° - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e
protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros,
vigilância, tombamento e desapropriação, além de outras formas de
acautelamento e preservação.
§ 2° - Cabem à Administração Pública, na forma da lei, a gestão da
documentação governamental e as providências para franquear sua consulta e
a quantos dela necessitem.
§ 3° - A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens
e valores culturais.
§ 4° - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da
lei.
Art. 114 - O Município desenvolverá sua ação de apoio, assistência, estímulo
e orientação, no setor da cultura, através da Fundação Cultural do Município,
à qual serão destinados recursos compatíveis com os projetos, programas e
iniciativas que o Conselho Curador da referida fundação entender
conveniente e necessários.
Art. 123 - Os bens do patrimônio natural e cultural, uma vez tombados pelo
Poder Público Municipal, Estadual ou Federal, gozam de isenção de impostos
e contribuição de melhorias municipais, desde que preservados por seu
titular. (2006) 42
Além da lei orgânica, existe a lei do ICMS cultural, que só existe no estado de
Minas Gerais. Esta lei incentivou a criação de leis municipais que preservassem o
Patrimônio histórico local.
A lei estadual nº. 12.040, foi sancionada em 28 de dezembro de 1995 e
modificada em 27 de dezembro de 2000, e atualmente se trata da lei 13.803. Esta lei
repassa uma porcentagem da arrecadação de impostos aos municípios, tendo em vista
tais aspectos: A área territorial, população e a receita própria de cada município, além
de investimentos em agricultura, educação, preservação do meio ambiente e do
patrimônio cultural. 44
No caso da variável Patrimônio Cultural, coube ao Instituto Estadual do
Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais - IEPHA/MG a elaboração
e implementação dos critérios para o repasse de recursos do ICMS aos
municípios. No anexo III da Lei n.º 12. 040/95, foi publicada a tabela de
42
ITUIUTABA. lei nº 3806, de 27 de Junho de 2006. Lei orgânica do município de Ituiutaba. Artigos:
113, 114, 115 e 123. Disponível em: http://www.ldi.kit.net/municipal.pdf Acesso em: 12 de outubro de
2010.
43
Disponível em: http://www.iepha.mg.gov.br/component/docman/cat_view/23-legislacao/37-icmspatrimonio-cultural-o-que-e. Acesso em 12 de outubro de 2010.
44
Idem.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
A Constituição Federal determina que 75% do Imposto sobre a Circulação de
Mercadoria e Serviços - ICMS dos Estados devem ser repassados aos
municípios de acordo com o volume de arrecadação e que 25% devem ser
repassados conforme a regulamentação dada por Lei Estadual. Em 28 de
dezembro de 1995, o governo mineiro criou a Lei N.º 40/95 que estabeleceu a
redistribuição do ICMS através de novos critério.43
91
pontuação que define como critério básico as ações e políticas culturais e,
principalmente, o tombamento dos bens culturais nas categorias: Núcleos
Históricos (NH), Conjuntos Paisagísticos (CP), Bens Imóveis (BI) e Bens
Móveis (BM), nos três níveis: federal, estadual e municipal, sendo que os
bens tombados pelo IPHAN e pelo IEPHA/MG recebem uma pontuação
maior de acordo com sua categoria.45
Por esta lei, a cidade recebe um incentivo financeiro para a preservação da
cultura. Este é o único meio que a cidade tem para preservar os seus bens culturais, pois
esta verba vai diretamente para a Fundação Cultural de Ituiutaba, que é o órgão
responsável por isso.46
O estado do patrimônio na cidade de ituiutaba
A realidade parece ser outra. Não que a prefeitura, junto com a Fundação
Cultural, não incentivem a cultura, a população em geral não possui muito interesse
nisso. A cultura em geral, é incentivada. Mas não percebemos muito isso através da
perspectiva histórica, apenas na época de aniversário da cidade. No caso do
tombamento, muitas pessoas não queremm ver o seu imóvel tombado como Patrimônio
Histórico pelo fato do imóvel ser simplesmente tombado oficialmente, sem receber
ações que de fato o preservem e restaurem.
Esse é o caso da selaria do capitão, localizada na rua 16 com avenida 7, no
públicos municipais para sua preservação. Portanto, além de não existir uma
consciência entre as pessoas sobre a importância de se conservar o patrimônio
arquitetônico, por não receberem vantagens econômicas, vários são os proprietários que
não permitem que se tombe o seu imóvel. É o caso de uma casa velha que se localizava
na rua 22, entre avenidas 7 e 9, a casa entrou em processo de tombamento e o dono a
demoliu antes que fosse tombada, pois não queria perder o terreno.47
Outro problema é a falta de conhecimento das leis que se aplicam após ao
tombamento, se o dono não possuí meios de preservar ou restaurar seu imóvel, deve
recorrer ao órgão responsável pelo tombamento para que faça a obra e se o mesmo não
45
Idem.
Informação que tivemos quando visitamos a Fundação Cultural de Ituiutaba, na realização do trabalho
em Abril de 2010.
47
Informação que também nos foi dada quando fomos a Fundação Cultural no início do ano.
46
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
centro da cidade. Hoje ela está em estado de ruínas e não tem nenhum apoio dos órgãos
92
resolver a situação dentro de seis meses, o dono do imóvel pode pedir que se cancele o
tombamento.48
Bens de relevância histórica que não são tombados
Existem alguns bens que possuem uma relevância histórica para a cidade e não
estão tombados como Patrimônio Histórico. Um dos exemplos é a indústria de laticínios
Baduy, que mostra o desenvolvimento da indústria, resultado de um aumento industrial
no Brasil que refletiu na cidade de Ituiutaba que chegou a conter 100 mil maquinas de
beneficiar arroz. As Indústrias Baduy estão entre as mais significantes indústrias de
Ituiutaba. No ano de 1938, as indústrias passaram a ter máquinas de beneficiar algodão,
motivo de orgulho dos moradores de Ituiutaba49, e também possuía o apito, o qual se
pode ouvir por praticamente toda a cidade às 8:00 e 11:00 horas, 12:30 e às 17:30. O
apito fazia e ainda faz parte da rotina da cidade, ele é mantido em funcionamento,
mesmo a fábrica não estando mais em atividade, no entanto não faz parte da lista de
bens tombados.
Em certo ponto, não é difícil compreender porque a indústria não teria o
interesse no seu tombamento, seja do apito ou do prédio todo, pois quando se tomba à
propriedade, ela deixa de ser privada e passa a ser pública e, conseqüentemente, não se
poderia mais vendê-la, alterá-la ou etc. Isto se tornaria um grande empecilho para a
privilegiada.
Considerações finais
Devemos entender que o tombamento é o único incentivo financeiro que a
cidade tem para promover a cultura, é o único dinheiro que vem especificamente para
isto. Porém, o tombamento gera controvérsias. A maioria população não possui
sentimentos de indentificação com os bens tombados, então a criação de ―Lugares de
memória‖50, acaba gerando lugares de esquecimento. O patrimônio não se relaciona
48
BRASIL, Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Art: 19, Parágrafo 1. Código civil.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del0025.htm. Acesso em 16 de outubro de
2010
49
50
NOVAES, Aloísio Silva. Industrilização. In: História Antiga de Ituiutaba. s/, s/ed), 1974.
Conceito de Pierre Nora.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
especulação imobiliária, afinal tal terreno se encontra no centro, em uma área
93
com a vontade que a cidade possui de se modernizar. É uma constante busca pelo novo,
o moderno, enquanto o passado e a preservação criam a nostalgia51 ou se tornam
empecilho ao ―desenvolvimento‖ de certos projetos imobiliários.
O patrimônio perde a sua importância, assim entra a especulação imobiliária que
encontra espaço com o mau estado de conservação do patrimônio e a perda de seu
significado entre as pessoas. O patrimônio deixa de ser a materialização da memória
coletiva e passa a ser um lugar de esquecimento, um local em ruínas, desconexo com a
vida da cidade. Se o patrimônio perde o seu significado de pluralidade cultural, passa a
ser um problema para a cidade. No entanto, devemos deixar claro que não estamos
pretendendo tomar parte de nenhum lado. Nossa intenção é apenas mostrar as
controvérsias que existem, mostrando as diversas visões sobre o tema.
As políticas públicas e o interesse privado entram em conflito devido às opiniões
diversas sobre o assunto. Percebemos que muitos habitantes desejam uma modernização
da cidade. Para eles, deve-se demolir o que é ―velho‖ e trazer o ―moderno‖. Esta
―modernização‖ se trata de grandes empresas, lojas, e outros que, com seus projetos e
fachadas inspirados em novos estilos arquitetônicos fazem com que a cidade cresça e
abandone seu passado. Temos como uma das causas disso, o fato de a história ―oficial‖
de Ituiutaba tratar apenas de figuras importantes, a ―elite‖, então muitos dos cidadãos
contemporâneos, geralmente migrados para a cidade em períodos recentes, não
sentimentais com ela e com o patrimônio existente.
Dessa forma concluímos que o problema é cultural, e não devemos apenas
questionar ou culpar o poder público ou os cidadãos. Poucos são os que possuem uma
visão abrangente da questão, como conhecimentos sobre as políticas de preservação e as
leis que envolvem o tombamento. Então não cabe a nós criticar tais pessoas e sim tentar,
como for possível, colocar o assunto em debate.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL, Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Art: 19, Parágrafo 1. Código
civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del0025.htm.
Acesso em 16 de outubro de 2010
51
PAOLI, Maria Célia. Memória, história e cidadania: o direito ao passado. In. O direito à memória:
patrimônio histórico e cidadania. São Paulo: DPH, 1992, p. 25-28.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
conseguem se enxergar nesta história, consequentemente não possuem relações
94
CHAUI, Marilena de Souza. Política cultural, cultura política e patrimônio histórico. In.
O direito à memória: patrimônio histórico e cidadania. São Paulo: DPH, 1992, pp. 3746.
CORTÊS, Carmem Dalva Cunha. Ituiutaba Conta a Sua História. 2ª. ed., Ituiutaba.
EGIL, 2001.
COSTA, Marli Lopes da; CASTRO, Ricardo Alves de. Patrimônio Imaterial
Nacional: preservando memórias ou construindo histórias? Esutd. Psicol. v.13 n.2
Natal, maio/ago, 2008.
HOBSBAWM, Eric. Sobre história. São Paulo: Companhia das letras, 1998. 2ª ed.
IEPHA.http://www.iepha.mg.gov.br/component/docman/cat_view/23-legislacao/37icms-patrimonio-cultural-o-que-e. Acesso em 12 de outubro de 2010.
ITUIUTABA. lei nº 3.806, de 27 de Junho de 2006. Lei orgânica do município de
Ituiutaba.
Artigos:
113,
114,
115
e
123.
Disponível
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NORA, Pierre. Entre memória e História: A problemática dos lugares. In: Projeto
História, São Paulo, PUC-SP, n. 10, pp. 7-28, dez. 1993.
NOVAES, Aloísio Silva. História Antiga de Ituiutaba. s/, s/ed, 1974.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
PAOLI, Maria Célia. Memória, história e cidadania: o direito ao passado. In. O direito
à memória: patrimônio histórico e cidadania. São Paulo: DPH, 1992, pp. 25-28.
95
SIMPÓSIO TEMÁTICO 2 – NATUREZA, ESPAÇO E TÉCNICA
Coordenação: Prof. Dr. Eduardo Giavara e Prof. Dr. Marco A. C. Sávio.
A AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO AMBIENTAL .............. 97
Hailton Antonio Nunes
ANÁLISE DO CONTROLE SOCIAL EXERCIDO DURANTE AS REFORMAS URBANAS
E SANITÁRIAS NO RIO DE JANEIRO NO INÍCIO DO SÉCULO XX ............................... 107
Renato Mateus
COOPERATIVISMO : UMA POSSIBILIDADE DE EMANCIPAÇÃO: O CASO DA
COOPERATIVA DE RECICLADORES DE UBERLÂNDIA (CORU) ................................. 114
Leandra Ramim
EDUCAÇÃO AMBIENTAL: PRINCÍPIOS E PRÁTICAS (1987-1999) ................................ 123
Cristiele Maria de Souza Nascimento
MUDANÇA CLIMÁTICA, POLÍTICAS DE MITIGAÇÃO E A TEORIA DO ATOR-REDE
................................................................................................................................................... 134
Jéssica Garcia da Silveira
RIO GRANDE, A CIDADE DO FUTURO? NATUREZA, DESENVOLVIMENTO E
DISCURSOS HEGEMÔNICOS ONTEM E HOJE ................................................................. 145
TRABALHO DE CAMPO PARA AS REGIÕES AMAZÔNIA E NORDESTE ROTEIRO:
ITUIUTABA-MG – XAMBIOÁ- TO – MARABÁ-PA – SÃO LUÍS-MA – BARREIRINHASMA – ARAGUAÍNA-TO.......................................................................................................... 156
Carolina dos Santos Camargos e Elaine Aparecida Ramos
UM BREVE OLHAR SOBRE O CRIACIONISMO................................................................ 160
Leonardo Flausino Araujo Silva e Marília Christina Arantes Melo
VIAGEM PITORESCA POR GOYAZ: O OLHAR DOS VIAJANTES SOBRE GOYAZ .... 166
Adriano Freitas Silva
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Diego Mendes Cipriano
96
A AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO
AMBIENTAL
Hailton Antonio Nunes
Advogado, Bacharel em Direito,
Graduando em História e Pós-Graduando em Meio
Ambiente: Educação e Gestão Ambiental, UFG/Jataí
[email protected]
Um provérbio indígena questiona se somente quando for cortada a última
árvore, pescado o último peixe, poluído o último rio, é que as pessoas vão
perceber que não podem comer dinheiro.52
Desde tempos pretéritos, a humanidade sempre buscou melhorias no modo de
vida, estando o uso dos recursos naturais sempre presente no cotidiano das
concentrações humanas. É oportuna a seguinte exposição acerca do tema:
Nos primórdios da humanidade, o homem utilizou-se de diversos
instrumentos como auxílio na caça e coleta de alimentos, além de ter
aprendido a construir suas próprias habitações ao invés de competir por tocas
e cavernas com os demais animais selvagens. Do uso de peles mal cheirosas,
o homem passou a tecer suas vestimentos utilizando-se de fibras vegetais e
desenvolveu a técnica do cortume. De uma ou de outra maneira, contudo, o
ser humano sempre teve nos recursos naturais do meio que o cerca sua fonte
de subsistência. Dos recursos minerais, o homem passou a fabricar seus
utensílios; espécies "comestíveis" passaram a ser criadas e/ou cultivadas, e
assim por diante. (Morato, 2010, p.2)
Em virtude das modificações nos processos de industrialização, bem como o
transformações nos meios natural e antrópico. (SILVA, 2000).
A crise ambiental mundial, como toda e qualquer situação de grande amplitude e
conseqüências danosas, teve sua origem com as atividades humanas no planeta, através
da busca desenfreada da humanidade pela industrialização e desenvolvimento
econômico.
Nesta linha de raciocínio, se torna primordial tecer algumas considerações
acerca do surgimento dos direitos transindividuais53, preliminarmente ao estudo da
Ação Civil Pública como instrumento de gestão ambiental.
Na Idade Média, o poder era concentrado nas mãos de monarcas e da nobreza,
isto através da sociedade feudal, com divisão das terras em feudos, mantidos pela
relação existente, entre reis, senhores feudais e seus vassalos, estes últimos parte da
52
http://www.coljoaoxxiii.com.br/?secao=42941&id_noticia=183310&categoria=44238
De natureza indivisível, de que sejam titulares uma pluralidade de sujeitos vinculados por um objetivo
comum, de uma circunstância de fato, que não resulta da soma dos interesses individuais, mas sim de toda
uma coletividade estruturada. inúmeras
53
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
modo de consumo de bens, o que tornou o supérfluo em essencial, constatam-se
97
classe inferior, juntamente com os escravos, serviam aos primeiros em permuta à
proteção, inexistindo direitos civis garantidos.
Em evolução ao modelo feudal, houve o surgimento da sociedade de castas ou
classes ligadas a um modelo político-jurídico fulcrado na produção de forma artesanal,
com eliminação gradativa da propriedade individual e instituição da enfiteuse como
regra dominial, o que redundava em impossibilidade de disposição dos bens por seus
possuidores, o que de certa forma obstava a negociação mediante celebração de
contratos bilaterais, com obstáculo à livre circulação de bens, serviços e de moeda.
Através da linha temporal dos séculos iniciais da Era Medieval, a Igreja Católica
consolida-se como a instituição mais poderosa do período. O alcance de sua influência
consegue alcançar toda a Europa, atingindo várias áreas tais como: religião, política,
economia, conflitos estatais e familiares, detendo imenso poder decisório acerca destes
mais diversos assuntos.
O autoritarismo por parte da instituição religiosa católica romana era tamanho,
que tornava sua aceitabilidade, praticamente insustentável, pois o catolicismo não
satisfazia os anseios espirituais da sociedade, a qual almejava uma religião, que
respondesse a seus anseios, pautada nos ensinamentos de Cristo e de seus apóstolos.
Pode-se afirmar que as mudanças no espírito humano decorrentes da evolução
do pensamento da época, bem como de novas práticas de comércio, aliadas aos abusos
incontroverso do Clero Católico.
As práticas Renascentistas amoldavam-se na forma de uma oposição a
determinados preceitos católicos, incentivando a busca do conhecimento, à razão,
verdadeiramente a uma racionalização das justificativas mediante a experimentação.
O conhecimento até então monopólio do clero católico, encravado nos porões
das Bibliotecas, Igrejas e monastérios, torna-se mais acessível ao povo, em total
demérito das explicações transcendentais pregadas pela cúpula católica, havendo uma
democratização do conhecimento.
O catolicismo na Idade Média pode ser definido como um abominável comércio
da salvação e até mesmo do céu, o qual favorecia diretamente o enriquecimento da
Igreja Católica, levando a nobreza e burguesia, a se oporem ao poder absoluto papal.
Com a concentração do poder em mãos dos monarcas e do Clero Católico, os
privilégios e recursos econômicos permaneciam em poder destes, sendo oportuno
salientar que a Igreja contava com os grilhões da Inquisição para fazer valer suas regras,
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
por parte da Igreja Católica, abrem espaço para contestações ao poderio, até então
98
assim como os Imperadores mantinham seu domínio mediante a utilização da força
bruta, tudo com vistas a permanecer na boemia e luxúria nos palácios.
Todo este contexto serviu de estopim para o declínio deste sistema baseado na
exploração das classes menos favorecidas e maioria da sociedade feudal,
o que
conjugado com adversidades climáticas, que impunham crises de alimentos e constante
miséria, desencadearam movimentos de reformas do sistema.
Nascia então a idéia de Reforma da Igreja, que consistia no conjunto de
movimentos com caráter religioso, político e econômico, que contestavam os dogmas
católicos, que sucumbem ao movimento de reforma, e as monarquias absolutistas que
chegam ao fim, com a deposição de monarcas, mediante violência e decapitações,
ocorridas no período da Revolução Francesa de 1.789.
Com a passagem do período medieval para a Idade Moderna, houve uma maior
centralização do poder político nas mãos dos monarcas, mediante o surgimento das
monarquias nacionais, com enfraquecimento dos vassalos do modelo feudal e
instituição de fato do Estado Moderno.
Este Estado moderno surge alicerçado no contrato social e nos valores que
servirão de sustentação à Revolução Francesa54: liberdade de ir e vir, igualdade através
dos mesmo direitos e deveres, e fraternidade mediante a solidariedade entre todos na
coletividade.
sendo observada a nível de continente europeu, quanto a nível mundial, ou até mesmo
sua importância à nível de lapso temporal, ou seja histórica, há de se trazer a baila os
dizeres de Hobsbawm:
A França forneceu o vocabulário e os temas da política liberal e radicaldemocrática para a maior parte do mundo. A França deu o primeiro grande
exemplo, o conceito e o vocabulário do nacionalismo. A França forneceu os
códigos legais, o modelo de organização técnica e científica e o sistema
métrico de medidas para a maioria dos países. (HOBSBAWM, 1998, p.71).
Este movimento ideológico e eminentemente de cunhos sociais, certamente teve
suas raízes provavelmente na crise do antigo regime, a qual assolou os regimes
absolutistas de toda a Europa, atingindo até mesmo as colônias do velho mundo,
principalmente nas Américas, face o grande índice de insatisfação dos dominados, em
aversão aos costumes aristocráticos, totalmente voltados para o privilégio desta classe
em detrimento dos demais, em suma a França:
54
Marco histórico do início da Idade Contemporânea.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Para se ter uma noção da dimensão e relevância da Revolução Francesa, quer
99
Ela era a mais poderosa, e sob vários aspectos a mais típica, das velhas e
aristocráticas monarquias absolutas da Europa. Em outras palavras, o conflito
entre a estrutura oficial e os interesses estabelecidos do velho regime e as
novas forças sociais ascendentes era mais agudo na França do que em outras
partes. (HOBSBAWM, 1998, p.73).
Conclui-se que com a Revolução desencadeada em 1.789, a França passou por
um longo período de instabilidade política, em dado momento uma determinada classe
no poder em detrimento da outra e vice-versa, sendo a guilhotina o instrumento símbolo
de todo este período, a qual foi amplamente utilizada como meio de cortar literalmente
as ―cabeças‖ da oposição.
Mediante a instituição do Contrato Social, a garantia de ordem e segurança
nacional passam a serem tuteladas pelo Estado, o qual assume o dever-poder de julgar,
através do monopólio da força, aplicando-se as normas jurídicas aos casos concretos,
coibindo a lei do mais forte, pois não mais a sociedade poderia ser regida pelo modelo
do homem primitivo, imperada pelo vigor físico e violência, definidores do certo e do
errado, vencedor e perdedor, a força bruta dava espaço para o monopólio estatal, das
decisões entre particulares.
A liberdade de contratar, o liberalismo e o conceito de propriedade privada,
ganham relevância, principalmente com a edição do Código Civil Francês de 1.804, um
marco do Direito moderno, tendo inspirado até mesmo o Código Civil Brasileiro de
1.916.
inauguram o movimento sindical na história mundial, que pode ser considerado como
marco da hodierna tutela jurisdicional dos interesses transindividuais, protegidos
juridicamente.
Volvendo a questão ambiental propriamente dita, podemos afirmar que durante
vários anos, o desenvolvimento econômico decorrente da revolução industrial impediu
que os problemas ambientais fossem considerados. A poluição e os impactos ambientais
do desenvolvimento desordenado eram visíveis, mas os benefícios proporcionados pelo
progresso eram justificados com um ―mal necessário‖, algo com qual todos deveriam se
resignar.
Os impactos ambientais foram intensificando-se de molde que tornaram-se mais
visíveis a toda humanidade, em razão de seus efeitos negativos impostos sobre o
homem, tais como: A poluição da água, do ar e ambiente, o efeito estufa, a chuva ácida,
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
É inegável também que, após a Revolução Industrial na Inglaterra, os operários
100
as enchentes, o desmatamento com consequente extinção da biodiversidade, o aumento
do buraco na camada de ozônio, o derretimento acelerado das geleiras, entre outros.
Somente na década de 1.960 que o termo meio ambiente foi utilizado pela
primeira vez, isto em uma reunião do Clube de Roma55, cujo objetivo era a reconstrução
dos países devastados pela 2ª Guerra Mundial, estabelecendo-se então a discussão da
problemática das questões ambientais.
Neste sentido ocorre a Convenção sobre Meio Ambiente, ocorrida em
Estocolmo, em 1.972, ocasião do surgimento do Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente. O Brasil enfrentava neste mesmo período, uma forte Ditadura Política,
embalada pela idéia incondicional de crescimento econômico nacional, pouco
importando os meios utilizados para alcançar este desiderato, entre este, a degradação
ambiental.
Não é demasia afirmar que o Brasil recebeu grande influência internacional no
que tange ao desenvolvimento de uma consciência ambiental, com crescimento da
preocupação com o destino do planeta, uma vez que a industrialização acelerada, o
rápido crescimento demográfico, a escassez de alimentos, o esgotamento de recursos
não-renováveis, e a deterioração do meio ambiente, eram o tema das principais reuniões
da agenda de governantes à nível mundial.
Os movimentos ambientalistas ganhavam força no âmbito internacional, ainda
mesmo período em que o Brasil enfrentava problemas ambientais, tais como a poluição
oriunda das indústrias localizadas no litoral de São Paulo, principalmente em Cubatão,
gerando incontáveis infortúnios aos trabalhadores daquelas empresas de altíssimo
potencial poluidor.
No início da década de 1.980, houve um gradual caminhar pela
redemocratização do Brasil, criando campo fértil para a propagação dos novos ideais
ambientalistas, juntamente com outros anseios da sociedade brasileira.
A semente do ―desenvolvimento sustentável‖56 estava germinada, de forma que
um novel modelo de desenvolvimento era pregado por estudiosos, baseado na proteção
da biodiversidade nacional, principalmente da Floresta Amazônica, com uso racional
55
Instituído em 1.968, composto por cientistas, industriais e políticos, com o objetivo de discussão e
análise do crescimento econômico levando em conta o uso crescente e contínuo dos recursos naturais.
56
Desenvolvimento apto a suprir as necessidades da geração presente, sem comprometimento da
capacidade de atender as necessidades das gerações futuras, de forma que não haja um esgotamento dos
recursos naturais.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
mais que contavam com a adesão da Organização das Nações Unidas (ONU), isto no
101
dos recursos naturais, respeitados os valores sociais, um verdadeiro ―desenvolvimento
socioambiental‖57.
No ano de 1.981, diante da constante pressão social, bem como pela mobilização
de juristas adeptos das teorias protecionistas ambientais pregadas em todo o mundo,
surgiu a Lei 6.938/81, a qual instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente. Vale
salientar que com o surgimento deste novel diploma legal, houve uma legitimação do
Ministério Público, para a responsabilização penal e civil dos agentes infratores e
criminosos ambientais.
Embora a instituição de uma Política Nacional de Meio Ambiente, através da
edição da Lei 6.938/81, representasse um marco nacional em termos de proteção
ambiental, havia uma brecha na lei, pois embora o Ministério Público detivesse anterior
legitimidade para intentar com a Ação Penal para responsabilização de ilícitos
ambientais, não havia previsão de um instrumento adequado para atuação do Parquet na
esfera civil, na busca da reparação de danos ambientais, não existindo ainda previsão
para ajuizamento de ações individuais com este escopo.
O desenvolvimento desenfreado, continuava a todo vapor, atingindo as regiões
urbanas, impondo sofrimento a populações inteiras, as quais somente contavam com as
previsões contidas no Código Civil, e caso objetivassem uma providência judicial,
deveriam ajuizar ações individuais para cessar a atividade poluidora, as quais deveriam
saúde, em suma, somente os vizinhos que detinham legitimidade para solicitar
providências judiciais.
Como o máximo que se podia obter em termos de ação civil ambiental, era um
litígio entre vizinhos, aliada a dificuldade da imensa maioria da população em obter um
serviço de assistência jurídica gratuita, altas tabelas de custas judiciais, e ainda ao
desconforto causado com o vizinho que morava ao lado causador do dano, este conjunto
de fatores favorecia a atuação das empresas poluidoras.
Os dirigentes de empreendimentos potencialmente poluidores, conhecedores de
todos estes fatores impeditivos por parte da sociedade, no que tange a busca pelo direito
de proteção ambiental, criaram uma eficiente e simples mecanismo de estratégia.
Esta estratégia consistia em comprar ou alugar áreas circunvizinhas a seus
empreendimentos, destinando tais locais para a construção e oferecimento de moradias
57
Desenvolvimento que leva em consideração a sociedade e o meio ambiente, ou seja, busca-se a
proteção ambiental, porém atenta aos problemas sociais.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
ser pautadas em temas genéricos, tais como: perturbação do sossego, da segurança ou da
102
para seus trabalhadores, eliminando quase que integralmente o risco de pendengas
judiciais, em função de reclamações ambientais.
Até então somente se podiam contar com instrumentos de gestão ambiental
reguladores58, os quais ―correspondem ao sistema onde o poder público estabelece os
padrões e monitora a qualidade ambiental, regulando as atividades e aplicando sanções
e penalidades, via legislação e normas (LEAL, 1997), e intrumentos de mercado ou
também chamados de instrumentos econômicos59:
Em 1972, a OCDE, (Organização de Cooperação e Desenvolvimento
Econômico), adotou o princípio poluidorpagador como base para o
estabelecimento de políticas ambientais nos países membros. Este princípio é
a base para o enfoque econômico da política ambiental (BURSZTYN e
OLIVEIRA, 1982).
Neste momento, durante este contexto social, surge o instrumento judicial,
denominado Ação Civil Pública, pela edição da Lei nº. 7347, de 24 de julho de 1985,
outorgando à sociedade legitimidade para ingresso em juízo, através de atores sociais,
tais como as associações originadas com o fito de proteção de direitos sociais, bem
como por intermédio de representante do Ministério Público, em busca da satisfação de
interesses e direitos difusos e coletivos, e entre estes, o meio ambiente, nosso objeto de
estudo.
O art. 1º da epigrafa lei, elencou no rol de atos que causem danos morais e
patrimoniais, a serem objeto de tutela mediante Ação Civil Pública, e entre estes
Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e
patrimoniais causados: l - ao meio-ambiente; (Redação dada pela Lei nº 8.884, de
11.6.1994)‖
Já no que tange a legitimidade ativa, para ajuizar este intrumento processual,
esta por sua vez é elencada no art.5º, a saber:
Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
(Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).
I - o Ministério Público; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).
II - a Defensoria Pública; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).
III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (Incluído pela
Lei nº 11.448, de 2007).
IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;
(Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
V - a associação que, concomitantemente: (Incluído pela Lei nº 11.448, de
2007).
58
Proibição total ou parcial de exercício de determinadas atividades, controle do uso dos recursos
naturais.
59
Aplicação de taxas ambientais.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
encontra-se o meio ambiente, senão vejamos: ―Art. 1º Regem-se pelas disposições desta
103
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
(Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente,
ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (Incluído pela Lei nº
11.448, de 2007). (g;n).
A resposta aos anseios da sociedade, sedenta por mecanismos de proteção de
interesses transindividuais, era concebida mediante a condição da sociedade como
autora de ação e requerente da tutela jurisdicional do Estado, como meio de
concretização de direitos e garantias fundamentais constitucionalmente previstos.
Oportuna as considerações da organização não-governamental Human Rights
Watch, em seu relatório do ano de 1994:
(...) Para nós, um governo não pode chamar a si próprio democrático ao
menos que seus agentes sejam responsáveis por suas ações; suas Cortes e
Promotores sejam protetores dos direitos dos cidadãos e ofereçam respostas
para as injustiças; seu Governo permita e encoraje o desenvolvimento de
independentes organizações da sociedade civil; e os conflitos políticos e
sociais sejam geralmente resolvidos de forma pacífica.‖ (Apud Flávia
Piovesan, in Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, São
Paulo: Max Limonad, 1996, p. 288.)
Entre as principais vantagens que foram conquistadas mediante a edição da Ação
Civil Pública em matéria ambiental pode-se explicitar-se as seguintes: fixação do foro
do local do risco ou do dano como competente para conhecimento e julgamentos da
mesma, facilitando o acesso ao Poder Judiciário pela parcela menos favorecida da
coletividade; inexigibilidade de antecipação de custas ou depósito inicial, bem como de
honorários de perito e outros profissionais que venham a atuar no feito, que só podem
ser exigidos ao término do processo, a serem arcados pela parte sucumbente, estando o
Ministério Público, bem como as Associações imunes ao pagamento de custas e
honorários advocatícios, salvo se comprovada má-fé destes; e finalmente a economia
processual, tendo em vista que mediante um único litígio coletivo, pode trazer uma
resolução para inúmeras pessoas que casos fossem ajuizar demandas individuais,
abarrotariam os Tribunais com milhares de ações sobre o mesmo fundamento.
Porém nem tudo são flores, como toda e qualquer atividade estatal, existem
alguns fatores de desestímulos ao manejamento da Ação Civil Pública como
instrumento de gestão ambiental, tais como o ônus probandi, que não raras vezes
dificultam os co-legitimados, em razão das extremas dificuldades de produzir provas
técnicas, uma vez que peritos experientes, provavelmente não aceitarão prestar seus
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
sociedade; a responsabilização solidária de todos os envolvidos no dano ambiental à
104
serviços de forma graciosa60, ou para recebimento a posteriori; a morosidade da
máquina judiciária é outro entrave à eficiência da Ação Civil Pública; a ausência de
Varas e Juizados especializados para julgamento de Ações Civis Públicas, o que resulta
que estas se aglomeram em meios aos milhares de processos que preenchem os armários
e mesas do Poder Judiciário.
Não menos importante, existe ainda o entrave da cassação de liminares e
sentenças pelos Tribunais Superiores e em Segunda Instância, o que gera descrédito ao
trabalho desenvolvidos pelo Ministério Público, Associações autoras e Juiz
Monocrático de 1º grau, gerando um clima de impunidade e favorecimento dos interesse
econômicos em detrimento dos valores sociais.
Mesmo ante todas estas considerações, pode-se concluir que a Ação Civil
Pública Ambiental não pode ser considerada apenas como um novel procedimento
judicial destinado a invocar a tutela jurisdicional do Estado para prevenir ou dirimir
conflitos envolvendo interesses transindividuais, mas sim um verdadeiro instrumento
político de exercício da cidadania, da democracia pelo titular do poder, o povo, e que
embora possua alguns entraves a seu manejamento, mesmo assim mostra-se como um
eficiente mecanismo de gestão ambiental a disposição de toda a sociedade, que pode
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei 6.938 - 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.
BRASIL. Lei 7.347 - 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade
por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO) e dá outras providências.
BURSZTYN, M. A. A., OLIVEIRA, S. L. 1982. Análise da experiência estrangeira no
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__________. Novas Funções Judiciais no Estado Moderno. In:_________.Para Viver a
Democracia. São Paulo: Brasiliense. 1989.
60
Sem remuneração.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
ver-se salvaguardada dos abusos cometidos em prejuízo do meio ambiente
105
HOBSBAWM, Eric J. A Era das revoluções: Europa 1789 – 1848, tradução de Maria Tereza
Lopes Teixeira e Marcos Penchel. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1998.
LEAL, M. S. Gestão Ambiental de Recursos Hídricos por Bacias Hidrográficas: Sugestões
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1997. 230f. Diss. Mestr. Engenharia Civil.
MORATO, Sérgio Augusto Abrahão. Introdução: Aspectos históricos e filosóficos do uso dos
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DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, 2000, Porto Seguro (BA). Anais... Porto
Seguro: ABES, 2000.
106
ANÁLISE DO CONTROLE SOCIAL EXERCIDO DURANTE AS REFORMAS
URBANAS E SANITÁRIAS NO RIO DE JANEIRO NO INÍCIO DO SÉCULO
XX
Renato Mateus
Acadêmico do curso de História da
FACIP/UFU
[email protected]
Introdução
A linguagem é pública e dependente de interações sociais e ela é lugar
comum para movimentos estratégicos e táticos. Michel de Certeau
As camadas populares brasileiras desde os primórdios de sua formação vêm
sofrendo com as inquietações de pertencer a um país cuja desigualdade é evidente no
seio de sua sociedade e que as classes dominantes coloniais portuguesas, a elite imperial
e depois surpreendentemente até as republicanas, não se preocuparam nenhum pouco
com a realidade social enfrentadas por esta já tão desfavorecida fatia de população e
mesmo com a República e seus comandantes que se diziam detentores dos ideais
iluministas franceses de igualdade, não conseguiram ou não se interessaram em
promover um melhor ajuste desta questão tão proeminente ou ao menos tentar amenizar
Desde meados do século XIX, começam surgir propostas para modernizar o país
e colocá-lo nos trilhos do desenvolvimento. Para (IANNI 2004:15): ―já neste período,
quiseram realizar reformas institucionais e sociais, de modo a jogar o país mais perto do
seu presente, interpretando as sugestões e os interesses do capitalismo mundial,
principalmente o inglês, que preconizavam a modernização e o progresso.‖
Suas idéias liberais, positivistas e evolucionistas propunham uma
mudança nos paradigmas da sociedade, uma reorganização do ambiente social e
institucional e estava mesclada de pensamentos e correntes, cujos objetivos finais eram
nada mais que o lucro econômico burguês. As campanhas abolicionistas e republicanas
foram conseqüências destes pensamentos e o liberalismo prevaleceu. Ianni (2004)
complementa que continua a diferenciação das relações sociais, sendo privilegiadas no
âmbito das elites, que saiu da casa-grande para os sobrados, se contrapondo com os
conflituosos movimentos populares do final de século XIX e início de XX.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
os problemas sociais que desde então eram bem visíveis.
107
Um estudo mais aprofundado de um destes relevantes movimentos, a
Revolta da Vacina (1904) pode nos fornecer elementos esclarecedores que permeiam e
repercutem as discussões sobre o tema até mesmo no dias atuais, como a implantação
gradativa proporcionada pelo poder público, das Unidades de Polícias Pacificadoras, as
UPPs, nos morros cariocas. Em ambos os casos a conseqüência é a mesma: o sacrifício
das camadas urbanas populares, que tanto no período republicano com Rodrigues Alves
comandando um processo de urbanização, limpeza sanitária e até mesmo étnica da
população, usando contraditoriamente na fase dita democrática e liberal pósmonárquica, de ações autoritárias, arbitrárias e impositivas para com a população
desprovida de meios mais justos de se defender. Já estas mesmas atitudes enérgicas e
repressivas, encontramos na tentativa de substituição do comando paralelo civil, até
então estabelecido em alguns morros da cidade do Rio de Janeiro pela implantação de
tais unidades de polícia, que na sua essência, apesar do válido intuito de combate ao
crime organizado, visa ao seu final, o controle social e a regulação da conduta, posturas
e manifestações destas camadas desprivilegiadas.
Estas reflexões de cunho social e humano é que permeia minhas
reflexões e que procuro entender o porquê da persistência das mesmas. Os projetos
político-econômicos que realizam as transformações sociais, quase na sua totalidade não
consideram as reivindicações de seus membros menos notórios. Tomemos por base a
tanta relevância, mas que certamente está entre os mais intensos momentos de
manifestação de descontentamento destas classes sociais menos ouvidas. Uma revolta
pelos desmandos e imposições de regras e leis e reprimendas de um governo dito
democrático e que o vislumbre de melhorias nas condições de vida não eram visível e
nem sonhado. Neste momento, o país precisava mostrar ao mundo sua intenção de
alcançar linearmente o progresso e modernização. Já se livrara das ditas agitações
sociais como a de Canudos (1896/97) e até mesmo de militares, a da Armada (1893), a
economia pretendia se voltar para os interesses paulistas e sua lavoura cafeeira, mas
havia empecilhos urbanos a serem resolvidos, Para (SEVCENKO 2010:59)
não bastava que a nação estivesse pacificada sob o poder civil, como
conseguiu Prudente de Morais, ou que estivesse com as finanças controladas,
conforme o esforço de Campos Sales, para que os capitais estrangeiros
afluíssem ao Brasil, havia ainda outros obstáculos, o primeiro era o do Porto
do Rio de Janeiro e, além disso, a cidade vivia sucessivos surtos endêmicos
de uma infinidade de moléstias.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Revolta da Vacina (1904), um movimento que talvez a historiografia brasileira não dê
108
A febre amarela era apenas um dos exemplos que assustava visitantes e fez
apressar o projeto de reformas urbanas e sanitárias na capital federal.
Tanto na questão das reformas urbanas como sanitárias o que predominou
foram imposições de leis aprovadas através de apoio parlamentar já previamente sabido
que conjugavam dos mesmos interesses e que incluíam ditames muitas vezes
inconstitucionais e para tanto, Pereira Passos, reformador urbano e o médico Osvaldo
Cruz conseguiram poderes ilimitados e em nome do progresso a cidade do Rio de
Janeiro não poderia se mostrar ao mundo com uma população doente, ociosa, mestiça
ou negra em sua grande maioria, pobres e sem emprego e destino certo. Para (COSTA
MATTOS 2007):
Assim como os cortiços, as favelas do início de século XX eram vistas como
um problema de saúde pública e segurança. Mas o contexto no qual elas
ganhavam notoriedade era outro. O Rio de Janeiro estava sendo construído
como uma nova cidade, moderna, europeizada, capaz de ser o cartão-postal
da nova República. Contrariando esse ideal, as favelas passaram a ser vistas
como outras cidades, corpos estranho dentro da urbe formal.
Sendo assim a reação popular se deu, pois se via acuada, reprimida e sem
perspectivas. Para (SEVECENKO 2010:81), ―O objetivo era deslocar aquela massa
temível do centro da cidade, eliminar os becos e vielas, abrir amplas avenidas e asfaltar
ruas‖. A determinação obrigatória da vacina contra varíola foi o estopim desta relação.
Não cabe aqui, a descrição pormenorizada dos acontecimentos deste movimento
dias 9 e 16 de novembro de 1904 deixaram profundas cicatrizes na sociedade carioca.
As violentas reações das autoridades competentes achavam respostas no mesmo nível
por parte dos revoltosos, e o que se viu foi uma batalha sangrenta e com baixas
numerosas de ambos os lados. Para (JOSÉ MURILO DE CARVALHO 2006: 130), a
Revolta da Vacina teve na sua gênese essencialmente a invasão autoritária ao valor
moral desta população tão sofrida. Ele discorda de autores que apontam causas
econômicas como a falta de emprego, pois segundo ele, a essa altura as reformas
urbanas já proporcionavam ofertas trabalhistas de razoável quantidade. Esse mesmo
autor escreve nesta mesma obra que:
a explicação mais óbvia é que o motivo da revolta foi a obrigatoriedade da
vacina. Há evidências da irritação popular com a atuação do governo na área
de saúde pública, de modo especial no que se refere à vistoria e desinfecção
das casas‖.
Compartilho da opinião de que um movimento de tal invergadura não se
determina apenas uma explicação para sua gênese, pois vejo que o momento de
fragilidade das instituições políticas era evidente, onde a República e seus conceitos
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
de indignação popular urbano, mas o caos e o terror vivido na capital federal entre os
109
ainda não estavam assimilados pela elite mandatária e muito menos pelos seus
comandados. Até mesmo o próprio (JOSÉ MURILO DE CARVALHO 2006: 136),
afirma que: ―Os princípios liberais da liberdade individual e de um governo nãointervencionista, a retórica liberal difundida pelos positivistas, chegou mesmo atingir a
classe operária.
Portanto fica evidente que estes valores republicanos passaram a ser
questionados diante do quadro prático proporcionado por atitudes não condizentes com
os ideais republicanos. A economia estava sim muito aquém do aceitável e mesmo com
as reformas urbanas, o contingente de desocupados era grande, ao passo que a invasão
pelo poder público nas entranhas sócio-culturais desta gente, com a tentativa de
promover uma mudança de costumes e tradições no seio do elemento mais importante
que era a família, foi sim um fator preponderante. É o que nos confirma SEVECENKO
(1998:143):
Agindo tanto no controle dos espaços privados como no dos logradouros
públicos, as reformas urbanas cariocas expulsariam grande parte da pobreza e
da miséria, das manifestações populares e das atividades tradicionais visíveis
nas ruas e casas modestas da cidade.
Também
a
inspeção
sanitária
nos
lares
e
a
vacinação
obrigatória
desestabilizaram as relações entre estranhos e agentes componentes da estrutura
familiar, onde se colocou à prova até mesmo a procedência dos instrumentos e a índole
de quem os manipulava, dão uma visão de como estes fatores externos formaram
Como estamos observando, um levante como este traz à tona elementos que nos
ajudam a perceber um universo destas relações entre o poder estatal e seus calejados
membros pertencentes às camadas menos abastadas e que sempre se inserem nestas
disputas: a obrigação, a determinação, a imposição de regras e mandos no qual apenas
um lado sente as suas conseqüências e onde a fragilidade ou as incompetentes das
políticas públicas fazem com que estas populações sempre se deparem com
insatisfações em seu seio. Tomando por base a atual política governamental
implementada nesta mesma cidade do Rio de Janeiro, onde as Unidades de Polícia
Pacificadoras que estão funcionando em algumas comunidades carentes estratégicas,
que trazem o conceito de alta criminalidade, proporciona a reflexão de que estas ações
nada mais são que o Estado tomando para si o comando social daquela localidade. A
partir daí passa a regular as condutas, os hábitos e costumes, proibindo manifestações
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
condições para um levante de tal magnitude.
110
culturais daquele ambiente em nome da ordem. Esta opressão é analisada pelo sociólogo
Luís Antônio da Silva que escreveu em seu artigo intitulado ―Qual é a das UPPs:
que a violência interpessoal e cotidiana tem convivido com o fortalecimento
do monopólio da violência legitimada pelo Estado. (...) No caso da atividade
policial, estou convencido de que não é a truculência extralegal que é
questionada, mas sim seu caráter arbitrário e indiscriminado‖.(MACHADO
DA SILVA 2010).
Penso que esta política de maior presença do Estado no ambiente comunitário
seria dispensável se este cumprisse com os quesitos básicos de atendimentos das
reivindicações sociais, lhes proporcionando uma melhoria nos atendimentos de saúde,
moradia, empregos dignos e educação de qualidade. Não há sentido em tentar resolver
situações isoladas ou apenas fazer com que o problema se desloque de lugar, aliás, este
fato se repete quando observamos a migração de indivíduos indesejados para áreas
distantes, tanto no caso da urbanização e sanitarização de Pereira Passos e Osvaldo
Cruz, como no da ressocialização das favelas cariocas do século XXI.
Considerações finais
O foco deste trabalho voltado para a História Social busca entender outras
vertentes além daquela vista pelas elites, dando possibilidades de compreensão dos
reclames destas classes inferiores e como foram realocadas do seu ambiente social
cultura local. Estas ações possibilitaram até mesmo o enfraquecimento das relações com
culturas que poderiam ter sobressaído com maior impulso perante outras que por
imposição, acabaram prevalecendo. Este pensamento vale para as questões de hábitos e
costumes, influências lingüísticas, artes em geral e posturas que deixaram de
perpetuarem.
As concepções positivistas inseridas nas reformas urbanas vêm desde as
modificações urbanísticas promovidas por Hausmann em Paris no fim do século XIX,
onde depois de revoltas populares, colocou em prática um plano ousado de limpeza
sanitária e uma revitalização urbana, expulsando os indesejáveis para longe do centro de
Paris. Para (COUTINHO 2007): ―A principais críticas a essa reformas recaíam sobre o
excesso de gastos financeiros, a falta de habitações populares para os desalojados e a
denúncia de estratégias militares, como a de dificultar revoltas com as grandes
avenidas.‖
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
original sem dar razão quando estas reclamavam de seus direitos em viver sob sua
111
Podemos observar o mesmo processo no Rio de Janeiro, com a Regeneração
urbana, acompanhada do saneamento e a realocação dos grupos sociais menos
privilegiados marcam drasticamente as ações discriminatórias e de controle social. A
reação que vimos quando da Revolta da Vacina mostra que a insatisfação era
generalizada e mesmo sendo usados como massa de manobra, era certo que o queriam
era mais inserção de suas necessidades pelo poder governante. (SEVECENKO
2006:150) explica que esta massa vivia na instabilidade social e que isso já era como
uma identidade, A ―desordem‖ e o ―tumulto‖ eram dimensões eficientes e que lhes
garantiam a sobrevivência. A Regeneração e o sanitarismo vieram quebrar esta ordem.
Temos que ter em mente também que a aurora do regime Republicano trouxe
com ele, além do fim da escravidão e da acentuação do processo de estímulo à
imigração, um elemento até então novo - o crescimento populacional das cidades como o caso da então Capital Federal. (SEVECENKO2010:119) sustenta a tese de que:
―fatores como os conceitos de capitalização, aburguesamento e cosmopolização sejam
aqueles que identificam as raízes mais profundas destes acontecimentos do início do
século XX‖.
Vejo que o ponto crucial do debate está sobre a inquietação deste movimento
social no qual gira em torno do descaso e da falta de interesse por parte das elites em
enxergarem uma solução para seus problemas cotidianos. Acharam melhor reprimi-los e
direitos individuais da Revolução Liberal ficaram para trás e a repressão estatal e a
truculência de seus agentes, ecoa até os dias atuais, não dando voz a essas classes, nem
possibilitando lhes escolher seus dominantes. Concordo com (JOSÉ MURILO DE
CARVALHO 2007) quando este fala que ―a ausência de povo, foi o pecado original da
República‖. Quando nos deparamos com trabalhadores cada vez mais sendo deslocados
para áreas distantes das grandes cidades brasileiras, fazendo com que a rotina de
deslocamentos até os pontos de vazão trabalhistas, podemos concluir que não é uma
escolhas destas pessoas em viver nestas áreas, muitas vezes de risco, mais sim uma
necessidade e uma realidade imposta pelas ações do Estado.
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anos 20. In: ANAIS das jornadas de 2007 do programa de pós graduação em História social da
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13/10/2010 ás 16:45 hs.
113
COOPERATIVISMO : UMA POSSIBILIDADE DE EMANCIPAÇÃO: O CASO
DA COOPERATIVA DE RECICLADORES DE UBERLÂNDIA (CORU)
Leandra Ramim
Graduando em História
Universidade Federal de Uberlândia
No limiar do século XXI o lixo é tido como algo, pela grande população
brasileira, que deve ser retirado o mais rápido possível e com o menor desprendimento
de gasto e trabalho presumível.
―Uma primeira característica econômica peculiar do lixo é seu preço negativo. É
negativo porque proprietário ou detentor – ao contrário do que ocorre usualmente com
os demais bens da economia – está disposto a pagar para dele se descartar.‖
(CALDERONI, 2003, p.65)
Esta mesma população que em seu cotidiano o produz. Paga impostos para que
entre outros serviços urbanos tenhamos a coleta de lixo constante e regular, que retira
das calçadas e forja um cumprimento de responsabilidade com seu lixo. Transferimos a
responsabilidade pelo lixo produzido para o setor público que é incapaz de encaminhar
os resíduos para um desfeche seguro e econômico.
―O preço é negativo porque há sempre um custo de disposição final. Trata-se de
positivo esse preço negativo ao transformar o lixo em insumo produtivo.‖
(CALDERONI, 2003, p.108)
Outro fator que amplia a dimensão do dilema do lixo é o continuo aumento do
consumo dos bens de produção, que é um fermento necessário para o sistema
econômico de produção capitalista. E nisso o avanço exacerbado tecnológico ocorrido
no século passado e continuado no atual, transformador de ferramentas, meio ambiente,
culturas, e o próprio homem.
A produção de lixo é inevitável, e se dá em dois momentos, em primeiro, como
conseqüência do próprio ato de produzir e no segundo momento após a utilização ou
tempo de vida útil dos produtos. O que nos mostra que tudo que esta sendo produzido
hoje será lixo amanhã.
Daí a necessidade e importância da reciclagem. E algumas condicionantes
fundamentais para tanto são: a exaustão das Matérias-Primas que são finitas não apenas
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
uma externalidade negativa. A reciclagem vem a ser uma alternativa para tornar
114
no mundo como um todo, mas, de maneira diferenciada em cada um dos países
consumidores.
A acessibilidade diferenciada às fontes de suprimento de matérias-primas, ao
longo do tempo, constitui a base geográfico-econômica deste problema.
Mesmo em situação em que as matérias-primas se acham disponíveis, tendem
a ser crescentes seus custos de extração e transporte. No caso da extração,
isto se dá porque são normalmente exploradas primeiramente as áreas mais
próximas, e assim sucessivamente, até atingirem-se as mais distantes, que
podem situar-se no exterior. (Calderoni, 2006, p.25)
A economia de energia representa um outro forte condicionante para reciclagem,
no Brasil a forma mais usual e econômica de se produzir energia elétrica é através de
usinas hidrelétricas, mas devido a irregular distribuição regional de recursos hídricos e o
ineficiente investimento, vivemos a eminência em períodos de estiagem de novos
apagões. 61
O dilema dos aterros sanitários, indisponibilidade e custo crescente, vivenciado
por diversos municípios, inclusive pelo município de Uberlândia
62
, pois, segundo o
Jornal Correio de Uberlândia na repórter Andréia Candido apresenta que até o fim de
setembro de 2010 um novo aterro sanitário localizado no Distrito Industrial, na zona
norte da cidade, passará a ser utilizado em substituição do anterior que teve sua lotação
antecipada em três anos.
A professora Marlene Colesani do Instituto de geografia da Universidade
A preocupação deve girar em torno da vida do aterro sanitário, cujo o tempo
pode ser menor que o projetado, uma vez que o consumo da população cresce
a cada ano. Destinar uma área ao aterro sanitário é abrir mão de um espaço
que poderia abrigar um parque ou moradia habitacional, por exemplo. (Jornal
Correio de Uberlândia, 20/07/2010)
O atual aterro tem área equivalente a trinta campos de futebol, com o custo de
R$25 milhões, que se localiza ao lado do anterior, em projeto, sua vida útil é de 21 anos.
E está de acordo com os critérios da Superintendência Regional de Meio Ambiente
(Supram). Critérios estes, por exemplo: como possuir a impermeabilização de argila,
61
A reciclagem de resíduos significa considerável economia de energia. Por exemplo, o papel produzido
através de reciclagem permite redução de 71% da energia total necessária; o plástico 78,7%; o alumínio
95%; o aço 74%; o vidro 13%. Dados retirados do livro: CALDERONI, Sabetai. Os Bilhões Perdidos no
Lixo. 4ª ED., São Paulo: Humanitas Editora / FFLCH/USP, 2003
62
Apesar de em 25 de setembro de 2007 Uberlândia ter ganho durante o encontro “ICMS Ecológico:
Saneamento á mais de 100”, com destaque de Ouro na classificação aterro sanitário. Demonstrando assim
ser a cidade mineira que melhor se adequou as normas ambientais de acordo com a Fundação Estadual do
Meio Ambiente (Feam)
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Federal de Uberlândia (UFU) aponta que:
115
que tem como função proteger o solo e os lençóis freáticos do chorume
63
, e conter
distância do meio urbano e do rio Uberabinha que no caso deu origem a cidade.
Acrescentando outra condicionante que é o aumento do custo do transporte, a
empreitada de coleta de lixo tradicional já requer por natureza grande demanda de
transporte e ao ponto em que os aterros se situam ainda mais longe a demanda de
transporte aumenta.
A má destinação do lixo gera poluição e prejuízos a saúde pública, os resíduos
orgânicos ou inorgânicos jogados em lugares indevidos como estradas, a rios e mares,
próximos a áreas residenciais, ou mesmo em aterros irregulares contaminam o solo e
conseqüentemente aqüíferos e lençóis freáticos. E também se torna um vetor de moscas
e animais peçonhentos, agentes de transmissão de doenças.
Estas são as principais condicionante que estão presentes nos debates e
norteadores da legislação ambiental presentes nesta primeira década do século XXI, mas
a prática da reciclagem ainda não é efetiva, por exemplo a separação do lixo domiciliar
em orgânico e inorgânico junto a população do município de Uberlândia iniciou-se a
poucos anos e ainda é uma prática pouco usual pela maioria dos habitantes, e é
perceptível na fala dos catadores, quando questionei a catadora Luciene se já deu para
perceber se modificou o hábito da população no aspecto da divisão do lixo na fonte, ou
seja se a população esta separando o lixo proveniente dos lares antes de entregá-lo a
Algumas pessoas mudaram. Quando agente esta catando lá de fora na rua,
algumas pessoas a gente passa e já tem aquele material todo separadinho nas
lixeiras, ou tem uns que já abrem a porta e já te entregam, mas nas empresas
não, as empresas continuam mandando comida, põem lixo orgânico mesmo
põem fraldas, folhas, pacotes de folhas para aqui dentro, são coisas assim,
tem vez que até bicho morto, abre o saco e aquele cheiro insuportável, como
você vai reciclar um passarinho morto, como você vai reciclar uma comida
que você já jogou fora, todo mundo sabe disso. No caso das empresas a gente
ta procurando saber o que vai fazer, colocar um de nós lá dentro ou tentar de
novo fazer uma palestra com eles. (entrevista, 2010, coletora Luciene)
E a resposta do senhor Vagner catador de outra região da cidade sobre se a
população esta separando o lixo, dividindo em casa. ―Tem muita gente que sim... e
muita gente que não tá separando o lixo...entrega tudo misturado.‖ (entrevista, 2010,
coletor Vagner)
63
chorume: liquido escuro proveniente do processo físico químico da decomposição de materiais
orgânicos, somados a ação das chuvas ocasionam a lixiviação.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
coleta.
116
E quando foi perguntado se ele acha que está aumentando nestes onze anos que
ele coleta, o número de pessoas que separam, que dividem o lixo. ―Muita gente tá e
muita gente não tá ainda dividindo o lixo, continua a mesma coisa, não mudou nada, as
pessoas continuam colocando o lixo da mesma forma.‖ (entrevista, 2010, coletor
Vagner)
É certo que estamos vivenciando uma mudança de consciência e atitude em
relação ao meio ambiente, mas existe um longo caminho a ser percorrido, pois tal
mudança de atitude a nível global, ou seja até que todos se tornem responsáveis pelo
lixo, desde a extração da matéria prima até o descartamento por termino de tempo útil,
que vai do consumo consciente ou mesmo da prática da tão propagandeada atitude dos
―3R‖, que consistue em Reduzir, Reutilizar e Reciclar, também controle do destino dos
resíduos e até a reciclagem.
Assim pressupondo a prática da Teoria do Desenvolvimento Sustentável.64 Pois
o reaproveitamento de matérias primas (ou seja economia de capital natural)
proporcionado pela reciclagem expõem um contribuinte para o desenvolvimento
sustentável.
A forte referência do século XXI é que as ações humanas devem estar focadas
na preservação e na sustentabilidade do planeta. Prova disto é a busca da estruturação e
implementação da Agenda 2165, em todos os municípios brasileiros, inclusive
Uberlândia que ainda em prática se distancia dos preceitos da agenda, tal atitude é
64
Sobre sustentabilidade: (pode ou não ser rodapé) A Teoria do Desenvolvimento Sustentável segundo o
economista Sabetai Calderoni (Calderoni, 2003) pode ser resumida em sua principais contribuições que
são: Os limites da capacidade de suporte do planeta; A questão da irreversibilidade das ações; A ética da
solidariedade diacrônica; A necessidade de mudança no estilo de desenvolvimento; E a importância da
Contabilidade Ambiental como instrumento para introduzir o valor do ambiente e o consumo do capital
natural como fator integrante das medidas do produto das nações. Não considerando a riqueza presente na
nação como um triunfo sobre as outras, mas considerando a iminência de escassez de algumas matérias
primas a médio prazo.
65
Agenda 21: Principal documento formulado na RIO-92, é um programa de ação que viabiliza o novo
padrão de desenvolvimento ambientalmente racional. Ele concilia métodos de proteção ambiental, justiça
social e eficiência econômica. Este material está estruturado em quatro seções subdivididas num total de
40 capítulos temáticos. Eles tratam dos temas como: Dimensões econômicas e sociais, conservação e
questão dos recursos para o desenvolvimento, revisão dos instrumentos necessários para a execução das
ações propostas e a aceitação do formato e conteúdo da Agenda.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Essa conceituação ressalta a questão da solidariedade diacrônica, imperativo
ético segundo o qual as gerações presentes devem assumir a responsabilidade
pelo ambiente que legarão as gerações futuras. Contudo, a tradição e as
práticas vigentes de mensuração de renda nacional não incorporam
considerações a cerca das conseqüências ambientais do desenvolvimento
econômico, não levando em conta, portanto, as relações do presente com o
futuro.‖(Calderoni, 2003, p. 56)
117
facilmente observada em relação da reciclagem no município, pois em exemplo em
órgãos públicos como a própria prefeitura ainda não há separação de lixo.
É certo afirmar que chegamos ao inicio do século XXI, com uma consciência
maior do que é sustentabilidade ambiental. A prática da sustentabilidade começou-se a
se fazer presente em alguns aspectos do cotidiano tanto dos cidadãos comuns que
iniciam um consumo mais consciente e encetam a responsabilidade com seu lixo,
quanto de empresas que produzem, vendem ou prestam serviços de forma a atender a
demanda do desenvolvimento sustentável, tanto para obterem incentivo junto ao
município e conseqüentemente do Estado, quanto a atender as novas exigências de
consumo consciente nascente. Mas como foi dito antes ainda há um longo caminho a ser
percorrido.
Os agentes da reciclagem estão divididos na atualidade brasileira em: sucateiro
ou atravessador, catador, empresas de reciclagem e consumidor.
Sucateiros:
Na cidade de Uberlândia existem inúmeros tipos de sucateiros, por ser dotada de
um extenso perímetro urbano e grande densidade demográfica, facilmente encontramos
estes agentes que exercem como função remunerada, a compra e venda de materiais
recicláveis, encaram como primeiro e ou segundo emprego esta atividade. O sucateiro
O oficio a grosso modo, é comprar e vender material reciclável. O que os
diferencia um do outro dentro desta ação autônoma sem registro ou legalidades, são
diversos fatores relacionados a estrutura física que dispõem o sucateiro, como por
exemplo: qual tipo de balança, se ele tem prensa ou não, o tamanho do espaço de
armazenagem do material, meio de transporte, qual material prefere comprar, como faz
pagamentos e recebe.
A balança é a ferramenta principal de seu trabalho, pois é nela que se visualiza o
que entrou e o que saiu em peso de seu depósito, ou seja, o que foi comprado do catador
e o que foi vendido para as indústrias de reciclagem ou até mesmo para outro
atravessador de maior porte.
O espaço que é disponibilizado pelo sucateiro também agrega valor ao produto,
pois as indústrias de recicláveis só compram em peso e, a cima de uma tonelada, e
quanto mais limpo e bem dividido e organizado o material menos desvalorizado será.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
também é conhecida como atravessador.
118
Os caminhões ou peruas são necessários para os atravessadores de pequeno a
médio porte, pois podem transportar e vender aos lugares possíveis que mais lhe
interessam, e como disse a pouco as indústrias de reciclagem só vão buscar e compram
em quantidades acima de uma tonelada. O atravessador pode escolher vender cada tipo
de material para qual comprador que preferir.
Catadores:
No caso de Uberlândia a realidade dos catadores se assemelha e se distancia em
alguns pontos em comparação a outras cidades que existe maior literatura sobre o
assunto reciclagem, como as cidades de Rio de Janeiro RJ e São Paulo SP. Onde é
apontado que os catadores têm como primeiro oficio e subsistência a atividade de
coleta. Aqui em Uberlândia foi percebido através de uma pesquisa quantitativa
realizada, mas ainda não divulgada, pela Secretária do Meio Ambiente de Uberlândia e
idealizada por José Raul Peres responsável anterior pelo Núcleo de Coleta Seletiva de
Uberlândia. Responsável anterior, pois, hoje o cargo esta de posse de Donisete Tavares.
Percebido que no Município de Uberlândia que um número expressivo, pouco mais de
cinqüenta e dois por cento dos indivíduos, que praticam a catação tem esta atividade
como um complemento da renda, e que também contrariando as estatísticas desta outras
regiões em Uberlândia a maioria dos catadores tem casa própria de alvenaria ou moram
Mas como em todas as cidades brasileiras várias modalidades de catadores se
fazem presentes. Tais como: os catadores moradores de rua, os coletores que encaram a
atividade como profissão autônoma, os coletores que trabalham em outras profissões e
captam alguns materiais apenas para a melhora da renda mensal ou também
visualizamos os recicladores cooperados que é o foco que nesta pesquisa que se
subscreve.
Descrevendo a grosso modo estas principais modalidades que se apresentam no
cotidiano urbano brasileiro e no caso Uberlândia, inicío com os moradores de rua que
tem como fonte de subsistência, além da mendicância e o assistencialismo social, a
coleta de materiais recicláveis.
Estes indivíduos em sua maioria do sexo masculino que existem no dilema de
não ter um lar para retornar ao final de cada jornada diária. São os que se encontram
mais à margem do mercado de trabalho e subinseridos no sistema de reciclagem
brasileiro, pois de um lado não encontram um trabalho regular e na atividade de catação
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
com familiares em tais.
119
encontram uma forma de arrecadação de capital. Subinseridos, pois são os mais
explorados pelos atravessadores, facilmente substituídos por outro indivíduo e são os
que trabalham em piores condições, sem equipamento algum de proteção, parda
alimentação e, muitos são alcoólatras e ou adictos e ou também praticam pequenos
crimes.
Alguns destes portam carrinhos de coleta que em muitos momentos servem de
moradia, pois utilizam seus carrinhos como dormitório ou proteção para dormirem nas
calçadas, praças, a sombra de pontes e fachadas, entre outros espaços públicos. O mais
habitual é estarem sempre juntos de seus carrinhos, pois no albergue de Uberlândia
66
não é permitido guardá-los, também ocorre de deixá-los com o sucateiro ou até mesmo
trabalham para ele sem vínculo formal empregatício. Também existe a situação em que
o sucateiro/atravessador empresta o carrinho para o coletor morador de rua.
Estes indivíduos não tem lugar para acumular suas coletas então as vende
diariamente o que gera sempre baixas remunerações.
Outra modalidade de catadores presente na cidade de Uberlândia são os que
agem de forma autônoma ou como um negócio familiar. Eles têm carrinhos, espaço para
o armazenamento (junto à própria residência, sendo casa própria ou não) em muitos
casos possui balança, vendem seus materiais para diversos sucateiros, para um os
plásticos, para outro os metais e assim sucessivamente, podem levar até o sucateiro ou
do coletor e separador senhor Vladimir que coleta diariamente, salvo os domingos, e
acumula em seu quintal, em média no prazo de um mês uma tonelada e duzentas gramas
em média só de papelão.
Alguns coletores autônomos não se associam a outros coletores, pois acreditam
em seu potencial e temem trabalhar mais que os seus parceiros e ganharem o mesmo.
Já a modalidade de coletores como segunda renda em geral prezam mais ainda
pela independência, já que conciliam seu horário com outro oficio e, na atividade de
reciclagem experimentam serem seus próprios patrões.
Sendo visto como uma atividade remunerada familiar, ocorre que a primeira
experiência de trabalho para muitos adolescentes seja a coleta seletiva.
66
Grupo Ramatisiano Albergue Noturno Ramatis, localizado na Av. João Pinheiro, 3150 - Bairro Brasil.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
dependendo a quantidade em peso acumulada o atravessador vai buscar. Como no caso
120
Agora em foco nesta pesquisa estão os catadores de recicláveis cooperados que
durante o convívio e entrevistas pude perceber claramente que estão mais conscientes
do sistema de reciclagem brasileiro.
Todos experimentaram outros ofícios e outras formas de contratos de trabalho e
nesta de cooperativa encontram várias vantagens como serem tratados com mais
respeito e confiança.
Quando eu entrei eu entrei sem ser uma cooperada, sem registro nenhum. Foi
mais pela união que a gente sentiu, mais pelo tratamento, que é bem melhor
que um empregada doméstica, por exemplo, patrão não tem aquela
convivência com a gente, né. Pela amizade se você estiver com algum
problema eles tentam te ajudar e no que puder te ajudam, é por tudo. Ás
vezes o que tenho aqui dentro eu não tenho nem com minha família. Bem
melhor o tratamento mesmo. (entrevista, 2010, coletora Luciene)
Observado na fala da coletora Luciene uma das principais vantagens que gerou a
associação foi o aumento da dignidade no âmbito do trabalho e a luta contra a
exploração cometida por parte dos atravessadores e sucateiros. Este foi o grande motivo
de união destes homens e mulheres.
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Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
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122
EDUCAÇÃO AMBIENTAL: PRINCÍPIOS E PRÁTICAS (1987-1999)
Cristiele Maria de Souza Nascimento
Acadêmica do curso de História da Universidade
Federal de Uberlândia - Faculdade de Ciências
Integradas do Pontal (UFU – FACIP). E-mail:
[email protected]
Eduardo Giavara
Doutor em Historia pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho, atualmente leciona
na Universidade Federal de Uberlândia - Faculdade
de Ciências Integradas do Pontal (orientador) (UFU
– FACIP). E-mail: [email protected]
Introdução
As discussões sobre os usos e abusos da população em relação ao meio ambiente
se tornam cada vez mais presente em nosso cotidiano, é evidente a preocupação em
alguns setores sociais relativo aos rumos de nossa sociedade.
Após o primeiro desastre ambiental em grande escala, ocorrido em Londres, no
ano de 1952 provocando a morte de 1.600 pessoas, desencadeia-se um processo de
discussão sobre a qualidade ambiental, resultando na Lei do Ar Puro67 pelo parlamento,
em 1956. Este fato dá início a diversos debates em outros países, principalmente nos
A década de 60 começava, exibindo ao mundo as conseqüências do modelo
de desenvolvimento econômico adotado pelos países ricos, traduzidos em
níveis crescentes de poluição atmosférica nos grandes centros urbanos [...];
em rios envenenados por despejos industriais; [...] em perda da cobertura
vegetal da Terra, ocasionando erosão, perda de fertilidade do solo,
assoreamento dos rios, inundações e pressões crescentes sobre a
biodiversidade. Os recursos hídricos, sustentáculo e derrocada de muitas
civilizações, estavam sendo comprometidos a uma velocidade sem
precedentes na história humana. (DIAS, 2004. p. 77)
67
A chamada ―Lei do Ar Puro‖, aprovada em 1956 pelo Parlamento Inglês, estabeleceu limites para a
emissão de poluentes e os níveis aceitáveis da qualidade do ar, visando controlar a poluição urbana. Em
Londres, a lei sugiu em decorrência de sérios episódios causados por emissão de fumaça da queima do
carvão, a qual era a responsável pelo famoso ―fog‖. Um dos mais graves episódios aconteceu em 1952,
quando um nevoeiro muito intenso foi responsável por 4 mil mortes e mais de 20 mil casos de doença.
Outras leis se seguiram no Reino Unido, na América do Norte, em muitos outros países da Europa
Ocidental e no Japão. Nos Estados Unidos foi criada a lei do ar puro cuja sigla é CAA (Clean Air Act),
também em 1956, que estabelece padrões de emissão para poluentes atmosféricos perigosos, fixando
limites quanto à queima de resíduos de risco, limitando-a apenas àqueles que são combustíveis ou que
possam sofrer decomposição térmica. Ela inclui indústrias, veículos e quaisquer outros meios emitentes
de fumaça, como as queimadas agrícolas. É uma lei federal muito extensa e complexa, cujo texto e
regulamento abrangem mais de 800 páginas (1007 artigos). Possui tipos penais abertos e fechados,
dolosos e culposos, possibilitando ainda a responsabilização penal da pessoa jurídica.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Estados Unidos, a partir de 1960. Dias relata que:
123
Neste mesmo período ocorrem reformas no currículo escolar estadunidense,
onde a temática ambiental começa a ser abordada, mesmo que de forma superficial. Ao
mesmo tempo os movimentos sociais, principalmente na Europa, ganhavam espaço. Em
março de 1965 na Grã-Bretanha, durante a Conferencia em Educação realizada na
universidade de Keele, surge o termo Educação Ambiental, onde esta ―deveria se tornar
uma parte essencial da educação de todos os cidadãos e seria vista como sendo
essencialmente conservação ou ecologia aplicada‖ (Dias, 2004. p. 78).
Com o debate cada vez mais presente nas discussões mundiais, ocorrem diversas
conferências com o intuito de solucionar os problemas ambientais. Devemos destacar
alguns, como a Primeira Conferência Mundial de Meio Ambiente, promovida pela ONU
em Estocolmo, no ano de 1972. Esta conferência desejava ―[...] discutir os problemas de
poluição ambiental, acúmulo de dejetos industriais, explosão demográfica e diminuição
dos recursos naturais, não renováveis do planeta‖ (CATALÃO 2009. p. 250). Fizeram
parte desta conferência empresários e estudiosos que constituíam o chamado ―Clube de
Roma‖, estes que produziram o relatório conhecido como ―Limites ao crescimento‖.
Além da Conferência de Brundtland que resulta no livro conhecido como ―Nosso
Futuro Comum‖.
No Brasil um dos maiores eventos já realizado é a Rio-92, e entre os mais
importantes acordos gerados a partir desta, encontramos a Agenda-21, e mais
Clube de Roma
Em abril de 1968, Aurélio Peccei68 e Alexander King69 convidam profissionais
de diversas áreas a fim de discutir e realizar uma análise sobre os limites do crescimento
econômico em relação ao uso crescente dos recursos naturais. Eles buscam dar uma
nova abordagem ao tema, pois se concentram nas possíveis conseqüências em longo
prazo ao meio ambiente.
68
Aurélio Peccei (04/07/1908 – 14/03/1984) nasceu em Turin, região Italiana de Peimonte. Formou-se no
ano de 1930 em economia. Durante a Segunda Guerra Mundial, se envolveu no movimento anti-fascista e
da resistência, onde era um membro da "Giustizia e Libertà".
69
Alexander King (26/01/1909 – 28/02/2007) era cientista e pioneiro do movimento sustentável do
desenvolvimento.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
recentemente o Programa Nacional de Educação Ambiental.
124
No ano de 1972 publicam o ―Os limites do crescimento‖70, resultado de
pesquisas que foram lideradas por Dennis L. Meadows71, realizando uma projeção para
os próximos cem anos, afirmando que o devido o ritmo contínuo de crescimento da
população e utilização dos bens naturais, a humanidade poderia não sobreviver pós
século XXI. E importante relatar que o mesmo não considerou possíveis avanços
tecnológicos e novas descobertas. Para eles, só era possível uma estabilidade econômica
e duração dos recursos naturais, se existisse uma forma de congelar o crescimento
populacional e efetivar uma ‗economia de estado estacionária‘.
Podemos caracterizar esta obra como uma das iniciativas que obteve maior
repercussão se comparada com tantas outras manifestações do período.
Esta publicação em nível internacional reflete tanto no campo político quanto no
econômico mundial, o próprio ―Clube de Roma‖ se intitula influenciador da criação de
Ministérios do Meio Ambiente em vários países, como conseqüência fomentou os
debates nas áreas educacionais.
Nosso Futuro Comum
Em abril de 1987, é divulgado ―O Relatório de Brundtland‖, produzido
pela Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento. Ele apresenta pela
primeira vez a discussão acerca de um desenvolvimento sustentável que seria atender às
gerações atenderem suas próprias necessidades.
Este relatório, que resulta de pesquisas realizadas entre os anos de 1983 e 1987,
e desejava propor várias estratégias ambientais a fim de obter um desenvolvimento
70
“Os Limites do Crescimento‖ é um estudo sobre o futuro do nosso planeta. Em nome do Clube de
Roma, Donnella Meadows, Dennis Meadows, Jorgen Randers e sua equipe trabalhou em sistemas de
análise no instituto Jay W. Forrester's no MIT. Eles criaram um modelo de computação que levou em
conta as relações entre os vários índices de desenvolvimento global, além de utilizar simulações de
computador produzido para cenários alternativos. Parte da modelagem utilizou diferentes quantidades de
recursos disponíveis, possivelmente, diferentes níveis de produtividade agrícola, controle de natalidade ou
de proteção ambiental. A maioria dos cenários resultou em um crescimento contínuo da população e da
economia até a um ponto de viragem em torno de 2030. Somente medidas drásticas para a proteção
ambiental mostraram-se adequadas para alterar esse comportamento de sistemas.
71
Dennis Meadows é Professor Emérito da Política de Sistemas da Universidade de New Hampshire. É
Doutor em Gestão, pelo Massachusetts Institute of Technology, Cambridge, MA, EUA. Autor, co-autor
ou
editor
de
dez
livros,
coletivamente
traduzido
em
35
idiomas.
Entre eles ―Os limites do Crescimento‖, foi agraciado com o Prêmio da Paz 1974 alemão e selecionado
por uma associação de escritores ambiental como um dos dez mais influentes livros ambientais do século
20.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
necessidades das gerações atuais, não comprometendo a capacidade das futuras
125
sustentável72 a partir do ano 2000. Além indicar caminhos que fomentem a colaboração
entre vários países, mesmo aqueles que se encontrava em diferentes estágios de
desenvolvimento econômico e social.
Ele também propõe maneiras e meios para que a sociedade se relacione
intrinsecamente com os debates de cunho ambiental. Outra característica do Relatório
de Brundtland é a preocupação em ajudar a definir ―noções comuns relativas a questões
ambientais de longo prazo e os esforços necessários para tratar com êxito os problemas
da proteção e da melhoria do meio ambiente‖ (Nosso Futuro Comum, 1991).
Para o Relatório de Brundtland a principal preocupação é que o consumo, o
crescimento populacional e o crescimento econômico não retirem os direitos de
gerações futuras poderem utilizar os recursos naturais.
Inicialmente ele discute uma possível garantia da manutenção de crescimento
para todos os seres vivos, garantia esta que é buscada através de uma reorientação
tecnológica, além da ajuda financeira aos países pobres, uma vez que a pobreza se torna
uma das principais causas da deterioração ambiental. Consequentemente é sugerido um
sistema de correções onde todos os países participam principalmente os mais ricos, pois
as empresas multinacionais têm papel relevante a desempenhar. A fiscalização ocorreria
através da conscientização de cada grupo social.
Portanto, o desenvolvimento sustentável estaria diretamente ligado ao sistema
Agenda 21
No ano de 1992, na cidade do Rio de Janeiro, 179 países se reuniram no evento
que ficou conhecido como Rio-92, estes que se comprometeram em pautar suas
políticas ambientais, econômicas e sociais de acordo com o conceito de
desenvolvimento sustentável, para tanto formularam uma agenda contento quarenta
capítulos e aproximadamente 2.500 recomendações. Essas recomendações ficaram
conhecidas como Agenda21, e hoje muitos estados e cidades possuem suas próprias
Agendas 21.
72
A definição mais aceita para desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento capaz de suprir as
necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras
gerações. É o desenvolvimento que não esgota os recursos para o futuro.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
capitalista, este que sistema que é considerado umas das causas dos danos ambientais.
126
Podemos caracterizar a Agenda-21 como o programa mais avançado de
preservação ambiental, pois o mesmo ―Reflete um consenso mundial e um
compromisso político no nível mais alto no que diz respeito a desenvolvimento e
cooperação ambiental. O êxito de sua execução é responsabilidade, antes de mais nada,
dos Governos‖. (Agenda-21. Cap. 1, Parágrafo 1.3). A Agenda-21 possui entre suas
principais finalidades, incentivar os países a construírem suas próprias agendas,
inserindo-as em seu contexto.
Particularmente no capítulo trinta e seis, encontramos discussões de âmbito
educacional. A Agenda-21 acredita que:
O ensino, o aumento da consciência pública e o treinamento estão vinculados
virtualmente a todas as áreas de programa da Agenda 21 e ainda mais
próximas das que se referem à satisfação das necessidades básicas,
fortalecimento institucional e técnica, dados e informação, ciência e papel
dos principais grupos. (Agenda-21. Cap. 36, Parágrafo 1)
Neste sentido a Agenda-21 alguns principais objetivos seriam: (1) incentivar a
escolarização de pelo menos 80% das crianças e reduzir o analfabetismo entre os
adultos; (2) desenvolver a consciência ambiental o mais breve possível; (3) facilitar o
acesso à educação ambiental nos diferentes níveis educacionais; (4) possibilitar a
análise das principais causas de problemas ambientais e de desenvolvimento, recorrendo
à provas cientificas de qualidade.
O Protocolo de Kyoto é um acordo internacional assinado por 80 países, que
fora aprovado em 1997, este se desdobra da Convenção-Quadro sobre Mudanças
Climáticas. Ele estabelece que todos os países envolvidos precisariam diminuir sua
emissão de gases causadores do efeito estufa73, em torno de 5,2% relativo aos dados
apresentados no ano de 1990. Meta que deveria ser atingida entre os anos de 2008 a
2012, para tanto os países buscariam formas alternativas de energia. Ao fim do prazo
inicial, estas metas não foram alcançadas.
73
O Efeito Estufa é a forma que a Terra tem para manter sua temperatura constante. A atmosfera é
altamente transparente à luz solar, porém cerca de 35% da radiação que recebemos vai ser refletida de
novo para o espaço, ficando os outros 65% retidos na Terra. Isto deve-se principalmente ao efeito sobre
os raios infravermelhos de gases como o Dióxido de Carbono, Metano, Óxidos de Azoto e Ozônio
presentes na atmosfera (totalizando menos de 1% desta), que vão reter esta radiação na Terra, permitindonos assistir ao efeito calorífico dos mesmos. Nos últimos anos, a concentração de dióxido de carbono na
atmosfera tem aumentado cerca de 0,4% por ano; este aumento se deve à utilização de petróleo, gás e
carvão e à destruição das florestas tropicais. A concentração de outros gases que contribuem para o Efeito
de Estufa, tais como o metano e os clorofluorcarbonetos também aumentaram rapidamente.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Protocolo de Kyoto
127
Alguns países em desenvolvimento, não possuem compromissos firmados com a
redução de gases, como o Brasil. Atualmente é os Estados Unidos da América que
emite cerca de 25% das emissões de gases-estufa, e por decisão do antigo presidente
Bush, o acordo foi rompido em 2001.
Atualmente um dos objetivos indicados pelo Protocolo encontra-se em efetivo
debate, a definição de regras para emissão de créditos de carbono74. Outra discussão
atual é a possível sucessão do Protocolo, prevista para o ano de 2013.
ProNEA
Em dezembro de 1994, é fundado o Programa Nacional de Educação Ambiental,
no Brasil. O ProNEA surge em função dos vários compromissos que foram assumidos
na Conferência do Rio de Janeiro, a Rio-92. Possuí parcerias com o Ministério da
Cultura e com o Ministério da Ciência e Tecnologia. Entre seus principais objetivos
encontramos: (1) capacitação de gestores e educadores; (2) desenvolvimento de ações
educativas; (3) desenvolvimento de instrumentos e metodologias que contemplam as
sete linhas de ação:
I.
Educação ambiental através do ensino formal;
Educação no processo de gestão ambiental;
III.
Campanhas de educação ambiental para usuários de recursos naturais;
IV.
Cooperação com meios de comunicação e comunicadores sociais;
V.
Articulação e integração comunitária;
VI.
Articulação intra e interinstitucional;
VII.
Redes de centros especializados em educação ambiental em todos os
Estados.
É importante demonstrar que o ProNEA tem como missão ―estimular a
ampliação e o aprofundamento da educação ambiental em todos os municípios [...]
contribuindo para a construção de territórios sustentáveis e pessoas atuantes‖. Apesar de
ser um programa de âmbito nacional, suas competências não dizem respeito somente ao
poder público federal.
74
Os créditos de carbono são uma espécie de moeda que se pode obter em negociações internacionais por
países que ainda desconsideram o efeito estufa e o aquecimento global. Esses são adquiridos por países
que tem um índice de emissão de CO2 reduzidos, através desses fecham negociações com países
poluidores. A quantidade de créditos de carbono recebida varia de acordo com a quantidade de emissão
de carbono reduzida. Para cada tonelada reduzida de carbono o país recebe um crédito, o que também
vale para a redução do metano, só que neste caso o país recebe cerca de vinte e um créditos.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
II.
128
Segundo o IBAMA - a preocupação central da proposta está em promover
condições para que os diferentes segmentos sociais disponham de instrumental,
inclusive na esfera cognitiva, para participarem na formulação de políticas para o meio
ambiente, bem como na concepção e aplicação de decisões que afetam a qualidade do
meio natural e sócio-cultural. Neste sentido, a Educação Ambiental enquanto prática
dialógica que objetiva o desenvolvimento da consciência crítica pela sociedade
brasileira, deve estar comprometida com uma abordagem da problemática ambiental
que interrelacione os aspectos sociais, ecológicos, econômicos, políticos, culturais,
científicos, tecnológicos e éticos.
Baseada nos princípios de Participação, Descentralização, Interdisciplinaridade e
Reconhecimento da Pluralidade e Diversidade Cultural, as Diretrizes tem como
estratégia básica a articulação das ações de Educação Ambiental, desenvolvidas pelos
três níveis de governo e pela sociedade civil organizada, através do estímulo a
implantação e/ou implementação de um Programa Estadual de Educação Ambiental em
cada Unidade da Federação75.
Em 2003 o governo Lula elabora uma nova versão Programa Nacional de
Educação Ambiental a fim de ―internalizar, por meio de espaços de interlocução
bilateral e múltipla, a educação ambiental no conjunto do governo, nas entidades
Educação Ambiental no Brasil
No Brasil, segundo o ProNEA, o processo de institucionalização da educação
ambiental no governo federal brasileiro teve início em 1973, com a criação, no poder
executivo, da Secretaria Especial do Meio Ambiente, vinculada ao Ministério do
Interior. A SEMA estabeleceu como parte de suas atribuições, ―o esclarecimento e a
educação do povo brasileiro para o uso adequado dos recursos naturais, tendo em vista a
conservação do meio ambiente‖, e foi responsável pela capacitação de recursos
humanos e sensibilização inicial da sociedade para as questões ambientais.
Mas somente no final da década 1980 a discussão sobre Educação Ambiental
ganha visibilidade por ser inserida na Constituição Federal. Apesar do parecer 226/87 76,
que relata a importância da inclusão da E.A. no currículo escolar e indica a
75
Informações retiradas do site: < http://www.ibama.gov.br/educacaoambiental/pronea.htm> Último
acesso em: 8 nov. 2010
76
Este decreto lei é revogado pelo artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 135/2004
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
privadas, e no terceiro setor‖ (ProNEA, 2004. p. 33).
129
interdisciplinaridade da Educação Ambiental, a Educação Ambiental não se encontra
consolidada. É importante ressaltar que o debate ambiental se insere no país no
momento em que ele vive sob o regime militar:
Num breve olhar para o passado, constatamos que o debate ambiental se
instaurou no país sob a égide do regime militar nos anos setenta, muito mais
por força de pressões internacionais do que por movimentos sociais de cunho
ambiental, nacionalmente consolidados.(LOUREIRO, 2006. p.79-80)
Período este que o movimento ambientalista não se encontra organizado de
forma efetiva. De acordo com LOUREIRO (2006) discutir o movimento ambientalista
ou propriamente falar em ambiente, dirigia-se ao ‗pensar‘ patrimônio natural e buscar
formas de preservá-lo, efetivando-se em um viés mais técnico, ou seja, buscar soluções
para os problemas que impediam o desenvolvimento do país. Para ele:
[...] a Educação Ambiental se inseriu nos setores governamentais e científicos
vinculados à conservação dos bens naturais, com forte sentido
comportamentalista, tecnicista e voltada para o ensino da ecologia e para a
resolução de problemas. (LOUREIRO, 2006. p. 80)
Neste mesmo contexto, mais exatamente no ano de 1989, através da Lei n.º
7335, cria-se o IBAMA, a fim de formular, coordenar e executar a política nacional do
meio ambiente, competindo-lhe ―a preservação, conservação, fomento e controle dos
recursos naturais renováveis em todo o território federal [...] e estímulo à Educação
Ambiental‖. (DIAS, 2004. p. 46-47). O IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis) é resultado da fusão entre o Sema (Secretaria de
Sudhevea (Superintendência de Desenvolvimento da Borracha) e IBDF (Instituto
Brasileiro de Desenvolvimento Florestal).
Apesar de certo ―empenho‖ governamental, a Educação Ambiental ―não era
devidamente reconhecida pelas instituições oficiais‖ (LOUREIRO, 2006. p. 80). Em
consequência a E.A. se constitui de forma precária como política pública educacional.
Para LOUREIRO (2006) isso resulta em:
Algo que se manifesta até hoje na ausência de programas e recursos
financeiros que possam implementa-la como parte constitutiva das políticas
sociais, particularmente a educacional, como uma política de Estado
universal e inserida de forma orgânica e transversal no conjunto de ações de
caráter público que podem garantir a justiça social e a sustentabilidade.
(LOUREIRO, 2006. p. 82)
Lei n.º 9.795
No fim da década de noventa é sancionada a Lei N.º 9.795, de 27 de Abril de
1999 que consiste na implantação oficial do Ensino de Educação Ambiental nas escolas
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Estado do Meio Ambiente), Sudepe (Superintendência do Desenvolvimento Pesca),
130
através de um caráter formal e não formal. Com o intuito de definir políticas públicas
que incorporem a dimensão ambiental e promover a educação ambiental em todos os
níveis de ensino e o engajamento da sociedade na conservação, recuperação e melhoria
do meio ambiente. Segundo a Lei:
Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o
indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos,
habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio
ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e
sua sustentabilidade.(Lei nº 9.795, Artigo 1º)
Algo evidente na lei é a preocupação na formação de condutas que sejam
compatíveis com a questão ambiental. Segundo Loureiro existe também certa
―preocupação em fazer com que os cursos de formação profissional insiram de modo
transversal conceitos que os levem a padrões de atuação profissional minimamente
impactantes sobre os bens naturais e aceitos como ecológicos‖. (LOUREIRO, 2006. p.
85)
Podemos considerar a inserção da mesma, como um marco histórico nas
discussões ambientais mundiais, principalmente para o Brasil, por ser o único país da
América Latina a possuir uma política pública de nível nacional voltada diretamente
para a Educação Ambiental.
Comentários finais
sustentável‘, este que reflete nas criações de medidas governamentais a fim de preservar
o meio ambiente, e alertar a sociedade sobre eventuais consequências perante a
existência de uma não conservação.
Particularmente acredito que esse discurso ambiental está ligado
intrinsecamente ao debate capitalista do mundo moderno, podemos falar que a
preocupação real sobre a preservação do meio-ambiente fica em segunda ou até terceira
instância. Notamos isso claramente no momento em que as indústrias chegam a faturar
milhões por ano, com o discurso ecológico e mais recentemente com a política de
crédito de carbono que rende milhões aos cofres particulares.
Esta temática encontra-se também com os debates escolares, a partir das
efetivações de leis, criadas com o intuito de preservar e salientar a importância do
discurso ambiental nos currículos, de caráter formal e não formal, a fim de inculcar nos
jovens conceitos morais e éticos, já que é evidente o distanciamento entre o que está
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Atualmente se discute muito o conceito de ‗desenvolvimento
131
explícito nos documentos e o que está sendo praticado. Existem muitas falhas e
ausências de explicações políticas, sociais e econômicas.
No Brasil, podemos considerar que o processo de discussão ambiental
chega tardiamente em relação aos outros países, um dos motivos elencados por alguns
autores seria a Ditadura Militar que era vigente no país, no mesmo momento em que
outras nações avançavam em seus debates. É evidente que o processo de consolidação
no Brasil foi efetuado de forma plural e conturbado, onde os interesses de diversos
núcleos estavam presentes, e até mesmo a existência de pressões internacionais.
Porém, não podemos subjugar essas políticas públicas apenas como
formas de ‗esconder‘ o debate capitalista e destrutivo
que está presente em nossa
sociedade, pois as mesmas são também resultados de mobilizações sociais.
Portanto devemos compreender a complexidade desta temática, e ir além,
buscando maneiras reais de se preservar os recursos naturais.
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Gaia, 2004.
LEFF, Enrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade e poder.
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História. São Paulo. UNESP – Pró-Reitoria de Graduação, 2004.
NOSSO FUTURO COMUM, Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. 2ª
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PÁDUA, José Augusto (org.). Desenvolvimento, Justiça e Meio Ambiente. Belo Horizonte:
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HERCULANO, Selene. Desenvolvimento Sustentável: como passar do insuportável ao
sofrível. Revista Tempo e Presença. Rio de Janeiro: CEDI, nº 261, ano 14, jan./fev1992, pp. 12
– 15.
132
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08 nov. 2010
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
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9.795/99
on-line:
Disponível
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http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=20&idConteudo=96
7 Último acesso em: 8 nov. 2010.
133
MUDANÇA CLIMÁTICA, POLÍTICAS DE MITIGAÇÃO E A TEORIA DO
ATOR-REDE
Jéssica Garcia da Silveira
Graduação em História
Faculdade de Ciências Integradas do Pontal
(UFU)
Introdução: Contexto Histórico
Em passagem do último século para o presente século XXI é perceptível a
emersão de novos temas em debate a nível mundial. Desde a década de 1960 discussões
tocantes à questão ambiental já mobilizaram alguns grupos, dois acontecimentos que
marcaram a iniciativa de inclusão da questão ambiental na agenda política internacional
ocorreram em fins da década de 1960: a publicação do relatório Limites do crescimento
pelo Clube de Roma e a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente Humano, em
Estocolmo, na Suécia. A partir daí são demonstrados alguns questionamentos surgidos
em volta das políticas de desenvolvimento, nos seus diversos setores, segundo Flávio
Lúcio R. Vieira (2004).
Durante a década de 1970 acaloraram-se as discussões sobre a temática entre os
ecologistas. O contexto das chuvas ácidas e da crise do buraco na camada de ozônio, já
não se fizera presente neste momento. As preocupações científicas consistiam em
buscar o que fosse economicamente lucrativo (HOBSBAWM, 2008, p. 535), e como
possíveis restrições à pesquisa ou críticas à ciência por parte do clero se dissolveram
com a conquista da ―hegemonia do laboratório‖77, esta se via como ferramenta
fundamental ao avanço social. Ainda que uma mobilização pela causa ambiental em
oposição aos requisitos desenvolvimentistas industriais, inclusive ao rumo do
desenvolvimento da ciência, tenha surgido por volta das décadas de 1960 e 1970,
segundo Regina Horta Duarte (2005) em razão, por exemplo, de acontecimentos como
as chuvas ácidas no Canadá, e alguns países já cogitassem medidas para seu controle
(EUA e Canadá), oficialmente ainda não se apresentaram como preocupação mundial, e
assim acordos internacionais só foram efetivados, em amplitude, da década de 1980 em
diante.
77
Utilizo aspas para demarcar o termo utilizado por Eric Hobsbawm. Cf. Eric J. HOBSBAWM. A era dos
extremos. O breve século XX. 1914-1991. São Paulo: Cia das Letras. 2008. p. 534.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
eram temas discutíveis, porém a introdução da questão na agenda política mundial ainda
134
A partir daí a questão ambiental passou a ganhar outros contornos perante a
política e a ciência, trazendo também implicações à economia. Fenômenos climáticos,
vinculados ao discurso que afirmam serem estes conseqüências da atividade humana,
passaram a estimular pesquisas científicas e medidas governamentais para tentativa de
controle do problema, tomando um espaço de discussão cada vez maior na opinião
política e pública mundial. A estes fenômenos denominaram-se genericamente
mudanças climáticas, e ao redor de toda essa movimentação relacionada ao meioambiente se definiu uma nomenclatura própria ao tratamento social da questão: políticas
ambientais.
Estas políticas ambientais trazem, portanto, à tona as chamadas políticas de
mitigação78. Estas, por sua vez, entram como medidas de ajustamento às atividades
humanas já existentes por meio de alternativas, que se por um lado causem prejuízos ou
riscos ao ambiente, por outro tornam estes menos intensos, segundo um consenso
adquirido. Este consenso é algo obtido primeiro por cientistas, que por meio de
pesquisas chegam a um resultado que se torna comum pela sua capacidade de
convencimento, e chegam até o meio político que o torna exeqüível. Apesar das etapas,
o campo científico também engloba o meio político e institucional como aliado. Tendo
este último, participação fundamental no desenvolvimento destas pesquisas, talvez até
mesmo tornando-as possíveis, o que deverá ser desenvolvido ao longo da reflexão aqui
Essa relação entre as políticas de mitigação e o fenômeno ambiental da mudança
climática se enquadra na transformação da tecnociência em ciência e tecnologia, que
como sugere Bruno Latour (2000) a respeito: esta última é o resultado ilusório de ações
promovidas pelo trabalho da primeira, a tecnociência, que por sua vez é possível pelo
desempenho de uma rede composta por múltiplos atores. Essa relação é a que move esse
trabalho.
Pretende-se
através
desta
teoria
denominada
Ator-Rede,
definida
originalmente por Bruno Latour na segunda metade do século anterior, refletir acerca de
como se desenvolvem os elos que ligam ciência, tecnologia, política e economia à
sociedade em geral neste século XXI, tratando especificamente das mudanças climáticas
como um ponto central da discussão. Tendo em vista a grande expressividade das
políticas de mitigação no Brasil e sua posição de destaque em acordos internacionais é
que me restrinjo a este para conduzir a reflexão proposta.
78
Lembrando que termo utilizado já se via em uso antes das políticas de caráter ambiental, abarcando em
seu sentido originário a intenção de amenizar algo, uma proposta alternativa ou um desvio.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
proposta.
135
As mudanças climáticas como fato
O conceito de mudança climática, difundido amplamente para considerar as
alterações ambientais do clima no mundo, foi construído por meio de bases científicas
que, em conjunto com aliados, por meio de pesquisas e investimentos, chegaram a
adotá-lo. Passando a realizar mais pesquisas e discussões, generalizadas pelo mundo,
para chegar a alternativas que reduzam ou amenizem os impactos ambientais gerados
pelo desenvolvimento industrial massivo mundial, eclodiu um outro discurso construído
para suavizar discussões mais ferrenhas entre economia e ecologia, o de
desenvolvimento sustentável, a partir daí se demarcam aparentes limites para o
desenvolvimento ou a obrigação de garantir condições futuras para próximas gerações.
Estas medidas que carregam o discurso de amenizar os impactos ambientais são as
políticas de mitigação.
Latour, quando se debruça sobre o método científico, aponta que a ciência não
sobrevive sozinha no laboratório, mas que sua existência só é possível com a construção
de alianças que se estabelecem entre grupos interessados, que por sua vez são
convencidos e conduzidos para seu interesse. Juntos formam a força que move a
tecnociência. Considerando esse pressuposto teórico podemos pensar as políticas de
mitigação como exemplo claro desta aliança estabelecida entre cientistas de laboratório
e instituições políticas, que em conjunto com economistas discutem os argumentos
entre estes grupos que atendam ou são conduzidos a atender interesses mútuos.
Os interesses econômicos, políticos e científicos se reúnem no que se
denomina ciência, pois estão todos empenhados na construção de fatos que mobilizem
seus interesses comuns e se difundam consensualmente. Conforme o que considera
Latour79 a construção de máquinas e fatos é um processo coletivo, seu destino depende
de como as pessoas encaram estes. Segundo Latour a ciência é feita por pessoas que
estão dentro do laboratório e também por pessoas que estão de fora.
Estas pessoas que estão do lado de fora garantem as condições para que haja alguém
trabalhando dentro do laboratório, pois exercem, em parte, uma função importante: a de
negociadores. Estes últimos serão determinantes para o desenvolvimento do lado de dentro,
devido às alianças conquistadas, recursos adquiridos e suas potencialidades. Estas alianças, de
acordo com o que explica Latour, acontecem por meio de recrutamentos, que podem ser feitos
79
Cf. Latour (2000).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
científicos lançados sobre o problema e suas possíveis respostas, construindo alianças
136
com os que vão para dentro dos laboratórios e para os que ainda estão de fora, grupos
interessados externos que poderão se tornar ―aliados‖80.
Feitas as alianças todos estarão fazendo ciência segundo Latour, pois o funcionamento
do lado de dentro só é possível com um bom desempenho do lado de fora, e a partir daí, se sua
difusão for bem realizada, a passagem pelo laboratório se tornará uma necessidade, obrigação.
Porém os objetivos necessitarão alcance para que esta ciência se transforme em técnica e
absorva as possíveis controvérsias que surgirem. E para que isso aconteça é preciso que tudo
seja minuciosamente executado em perfeita harmonia. Esta, portanto dependerá de todos os
elementos que estão envolvidos, até mesmo os não-humanos.
Ator-Rede: a teoria
Para refletir acerca de como se dá essa construção científica e política, e suas
relações, em torno do conceito de mudança climática, propomos a utilização de uma
teoria criada por Bruno Latour, denominada Ator-Rede. Nesta teoria Latour considera
que todos os elementos que estão presentes no ato de se fazer ciência, seja ela na
construção de um fato, tanto elementos humanos como também não-humanos, são
considerados atores que estão envolvidos em uma rede. A metáfora da rede traz um
sentido bem próximo ao material, onde há pontos de interseção (nós) que ligam fibras
ou fios e chegam a determinado ponto se transformando em uma teia. A gradual
confecção desta rede implica na definição da tecnociência como um empreendimento
Se aplicarmos tal teoria, neste nosso caso específico, teremos inicialmente um
grupo de aliados que executam funções associando interesses com um mesmo objetivo:
um grupo de cientistas que desenvolvem pesquisas de dentro do laboratório; o IPCC
(Intergovernmental Panel on Climate Change, ou Painel Intergovernamental de
Mudanças Climáticas) como porta-vozes que investigam estas e produzem relatórios
para demais órgãos institucionais; estes órgãos que recebem esses relatórios; e as ações
desenvolvidas por líderes políticos que juntamente com economistas se concentram no
objetivo de buscar alternativas para o problema ambiental a nível mundial. Essas
pesquisas dependem da consolidação de uma alegação: a mudança climática é um
problema que se agrava mediante as ações humanas. Depois de convencidos os grupos
desta alegação, estes se tornam aliados para o desenvolvimento de medidas que tratem
do problema, que é de seu interesse, mas que também sejam garantidos outros de seus
80
Termo utilizado por Bruno Latour. Cf. LATOUR (2000).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
que multiplica o número de aliados e se expande.
137
interesses (econômicos e políticos), investindo em pesquisas científicas que tragam
respostas capazes de resistirem a provas de força que lhes são lançadas. Como exemplo
do desenvolvimento de possíveis respostas estão as políticas de mitigação.
Com bases científicas as políticas ambientais de mitigação se apresentam sob o
discurso, como o próprio nome diz, de medidas alternativas, amenizatórias, para o
impacto ambiental causado pelas ações humanas. Um exemplo de causas do problema
ambiental são as emissões de gases que provocam o efeito estufa, onde é incentivada
sua redução por meio de alternativas energéticas (seu principal meio de emissões) que
substituam a queima de combustíveis fósseis. Considerando esta premissa, cientistas de
dentro do laboratório realizam pesquisas sobre as taxas de emissão e suas causas, na
busca de alternativas que possam substituir os meios já existentes. A causa ambiental
promove um discurso sem fronteiras, assim como a indefinição de onde acontecerá a
próxima catástrofe natural, o que contribui para universalizar as propostas difundidas a
cada Conferência das nações, divulgando os relatórios como mostradores resultantes de
pesquisas científicas.
O investimento mediante alianças entre grupos interessados em cada nação
participante mobiliza também pesquisas locais que apresentam propostas alternativas.
Os recursos energéticos são o alvo destas pesquisas, que com o apoio de órgãos estatais,
propõem outras matrizes energéticas que supram o efeito das tradicionais como é o caso
renovável), substituído pelo álcool (derivado de recursos renováveis).
Os investimentos no desenvolvimento de biocombustíveis pelo mundo e a maior
implantação de usinas hidroelétricas, assim como as expansões da energia eólica,
demarcam iniciativas para alternativas energéticas ―limpas‖, ou que apresentam índice
menor de poluição. Estes índices são inscrições, que são possíveis pela visualização em
determinados mostradores, que dependem de instrumentos contidos nos laboratórios como aponta Latour - e por meio destes é que são feitas as mobilizações pelo mundo,
garantida a estabilidade e permutando quando preciso. Deste modo acelera-se sua
acumulação sob uma retórica forte. Apesar de ser questionável a contabilização, nos
laboratórios, exata dos níveis de poluição por gases que provocam o efeito estufa, são
feitos cálculos com base na taxa de poluição de diversos agentes e daí lançados os dados
que exercem função de inscrições. Enfim todos os elementos envolvidos nas pesquisas
que tem como objetivo a mitigação das alterações climáticas no mundo são como atores
e depende-se das ações de todos estes para que o objetivo central seja alcançado.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
do combustível automobilístico derivado do petróleo, combustível fóssil (recurso não-
138
No caso das políticas ambientais de mitigação como o programa nacional do
álcool, o de produção e uso de biodiesel, o programa proinfra, promoção do uso de
veículos flex-fuel, todos os elementos envolvidos em rede como atores precisam se
alinhar de tal sorte que a pesquisa se torne uma medida passível de ser desenvolvida e
aplicada pela política estatal: os cientistas do clima, o IPCC, os relatórios do IPCC, os
órgãos e ministérios ambientais, o clima, a pressão atmosférica, os gases que provocam
efeito estufa, as empresas que financiam as pesquisas, a biomassa existente, as
plantações de vegetais que servem como fonte de energia alternativa, os próprios
vegetais, quem cultivaria estes vegetais, as áreas onde se cultivaria estes vegetais, ou as
usinas hidroelétricas ou de energia eólica que serão implantadas como fonte de energia
alternativa para o uso de recursos não renováveis, o potencial hídrico dos rios, etc.
Os biocombustíveis como política de mitigação no Brasil
Um claro exemplo que se tornou política de mitigação no Brasil são os
biocombustíveis derivados da cana-de-açúcar: o álcool. Ainda que este tenha sido
desenvolvido durante a década de 1970 em razão da dependência do petróleo, como
alternativa à crise, sob o nome de Proálcool, isso não o coloca fora do que Bruno Latour
considera como Ator-Rede, a única mudança são os objetivos que ligaram os grupos
interessados para o desenvolvimento deste. Porém com o surgimento das alterações
biocombustíveis voltam à cena sob a forma de Programa Nacional do Álcool, como é
descrito atualmente no Ministério do Meio Ambiente, com o reforço de um novo apelo:
o próprio meio ambiente.
O desenvolvimento do biocombustível no Brasil esteve intimamente ligado a
problemas advindos da economia no país na década de 1970. A intensificação da
proposta de inserção do álcool como combustível pela causa ambiental não se
desvincula por isso do plano econômico, e mobilizam diversos setores. As propostas de
desenvolvimento limpo no Brasil apresentam um fundo econômico de apelo ecológico,
tendo em vista o mercado de carbono, que investe créditos compensatórios por nível de
emissão. O histórico do Brasil frente às discussões emergidas em razão dos processos
naturais de transformação do ambiente é pontual.
A participação brasileira nos debates acerca das preocupações com o meio
ambiente é marcada incisivamente desde a II Conferência em função do
desenvolvimento sustentável em 1992. Salientando a importância da reversão do
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
globais no clima, denominadas mudanças climáticas, e sua expressividade, os
139
processo de degradação ambiental, esta ocorre na cidade do Rio de Janeiro, ficando
conhecida no Brasil como Rio-92 por ser realizada neste mesmo ano (Conferência das
Nações Unidas sobre Meio-Ambiente e Desenvolvimento – UNCED). Este episódio
contou com a presença de diversas ONGs e contribuiu para a difusão de conceitos mais
emergentes para as discussões do Protocolo de Kyoto, alcançando dimensões mais
amplas.
Além disso, o Brasil conta com um elemento importante para as negociações
para o ―futuro ambiental‖ mundial: A Amazônia. Esta atua seqüestrando carbono, e se
torna outro ator na rede. A criação de órgãos institucionais que se ligam à temática
ambiental é crescente desde final do século XX, no Brasil a criação do MMA
(Ministério do Meio Ambiente) é um exemplo, criado durante a década de 1980 que
hoje apresentam secretarias para áreas ambientais. Há hoje a secretaria de Mudanças
climáticas e qualidade ambiental, onde há uma divisão por departamentos como o de
Licenciamento e Avaliação ambiental; de Mudanças climáticas; e Qualidade Ambiental.
Isso demonstra a abrangência que ganhou o tema até o momento atual. Contemporâneo
ao MMA é o MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia), que se ocupa das políticas
tecnológicas e de pesquisas científicas brasileiras, onde a temática também se vê
envolvida por meio das divulgações de medidas que respondam à necessidade, como é o
Biocombustíveis como política de mitigação e a Teoria do Ator-Rede
Os biocombustíveis no Brasil desempenham um papel importante na diminuição
das emissões de dióxido de carbono (CO2), também conhecido como gás carbônico,
que é um dos gases que provocam o efeito estufa. Com o aumento do número de
veículos movidos a combustíveis fósseis, são lançados à atmosfera cada vez mais CO2,
e este passa a ser o alvo central de combate. Os investimentos em meios para a
substituição dos combustíveis tradicionais pelos chamados biocombustíveis consistem
em uma das mais conhecidas políticas de mitigação desenvolvidas no Brasil para
redução das emissões de gás carbônico. A preservação da Amazônia se torna também
fator fundamental quando o assunto é seqüestrar carbono. As pressões internacionais
para o fim das queimadas e do desmatamento na Amazônia representam as forças dos
fatos. Tudo isso só foi possível com o desenvolvimento de pesquisas científicas em
laboratórios financiadas por grupos interessados nos objetivos destes.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
caso dos biocombustíveis e do desenvolvimento do biodiesel.
140
Todos estão envolvidos em uma rede, para que seja possível o desenvolvimento
do biocombustível: o cientista que desenvolveu o experimento, a cana-de-açúcar que foi
a planta utilizada para extrair etanol, as inscrições mostradas pelas pesquisas
desenvolvidas sobre o clima, o próprio clima, as empresas aliadas no empreendimento,
os órgãos institucionais estatais em aprovarem e financiarem o empreendimento, as
condições agrícolas para o plantio da cana-de-açúcar, o empreendimento de usinas
sucroalcooleiras, a adesão por meio das fábricas de veículos na produção de carros
movidos a etanol, os próprios automóveis, os consumidores que aderirem a estes. Tudo
depende de como estes atores vão reagir à tentativa de inserção do biocombustível como
medida de mitigação no Brasil para que se alcance os objetivos dos grupos aliados. A
ação de todos estes elementos é fundamental para que o empreendimento seja
executado. Sem que todos os atores executassem suas vontades e mobilizassem as
vontades dos demais como uma máquina, nada disso seria possível. E assim também
como as demais medidas implantadas com este objetivo.
Os mecanismos para transformar os biocombustíveis em uma estrutura pronta
perpassam pela sua mobilização, que gera a acumulação e combinação de vários
elementos de distintas áreas do conhecimento com o objetivo de ampliar ainda mais seu
alcance, assim como aponta Latour quando teoriza sobre as etapas, de construção à
aplicação prática da tecnociência. As políticas de mitigação se tornaram estruturas
reúne elementos que se amarram a uma afirmação: a mudança climática é um problema
que se agrava mediante as ações humanas. E consigo estão as ciências acumuladas para
tornar possível alguma resposta para o problema.
Conclusão
Concluindo o que foi apresentado, a teoria de Bruno Latour nos auxilia na
compreensão de como se desenvolve a noção que temos de ciência e tecnologia como o
todo do processo que envolve invenções e inovações restringindo seus atores ao lado de
dentro do laboratório, sendo esta apenas uma ponta abstrata, como ele mesmo coloca, de
um processo que se mostra muito mais amplo, como é possível ser observado com os
atores participantes, formadores de uma rede, que se insere no que Latour denomina de
tecnociência. A ciência e tecnologia se impõem como constante meio para se conhecer o
mundo, porém Latour demonstra que isso faz parte do próprio discurso científico e o
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
prontas, assim como chegam até nós, no entanto se mostram como um processo, que
141
seu conhecimento só se torna possível após suas conseqüências. A causa da pesquisa
científica não está associada à natureza, esta entra como causa depois de completado o
empreendimento como adverte Latour.
No caso das políticas de mitigação, tanto os conhecimentos acumulados, como a
sociedade, estão juntos na criação desta rede. Não há ciência sem sociedade e não há
determinismos por parte de algum destes, conforme aponta Latour. A universalização
das políticas de mitigação pelo mundo, segundo as reflexões obtidas, se deu pelo
processo de mobilização e difusão, a sua alegação se tornou estável e os Mecanismos de
Desenvolvimento Limpo (MDL) implantados por alguns países, são resultantes da
permutabilidade, assim como o mercado de carbono que se criou devido ao fato que se
tornou as mudanças climáticas.
Por fim, olhamos para as alterações climática, o buraco da camada de ozônio, as
pesquisas científicas em busca de identificar os gases emitidos na atmosfera, as ciências
que trazem o conhecimento da atmosfera, as pesquisas para o uso dos biocombustíveis,
os automóveis que foram projetados para atender a demanda pela utilização dos
biocombustíveis, a contenção das queimadas e do desmatamento da Amazônia, o
mercado de carbono, o apelo político pelo desenvolvimento limpo, o discurso
informativo sobre as políticas de mitigação, as políticas de mitigação, os relatórios
institucionais estatais sobre as medidas adotadas. Enfim, se tornam todos elementos que
Deste modo é possível compreender que sociedade, política, ciência, técnica e
economia estão todos interligados em uma rede formada mediante atores que aglutinam
elementos que expandem esta. A composição desta rede implica numa noção, criada por
Latour, de tradução, aonde para se chegar a um mesmo objetivo, sendo que todos os
atores envolvidos realizem a mesma vontade, é preciso que haja traduções de interesses
para reunir diversos grupos.
As políticas de mitigação representam, de certa forma, também os resultados
desta tradução, do laboratório ao cotidiano: quando as pessoas vão aos postos de
combustível e abastecem seus carros com etanol ou quando são impostos limites ao que
se faz na Amazônia. O processo até chegar a estas situações é longo e passa por muitos
caminhos. A pesquisa científica de laboratório; a transposição de relatórios científicos a
institucionais; a adesão política às medidas propostas e, por outro lado, as pressões para
81
Cf. Latour (1994).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
estão em uma rede tecida socialmente, ou que compõem a sociotécnica81.
142
o desenvolvimento científico de medidas que conciliem interesses mútuos; a produção
de instrumentos que tornem possíveis a aplicação dessas medidas; a difusão e adesão
social a estas; etc. A ciência pura não realiza isso sozinha, pois vários sujeitos ou atores
estão envolvidos para que isso se torne uma realidade.
Portanto para que se possa refletir acerca do desmembramento das políticas
ambientais de mitigação nesta nossa sociedade não se podem afastar estudos que se
restrinjam à sociedade ou à ciência. Assim como defende Latour, tendo como
argumento esta complexa e híbrida82 rede onde se tece a sociedade moderna, a divisão
destes dois campos, ou da política, ou economia, impossibilita a compreensão destes
fenômenos contemporâneos que nos cercam. Sendo assim, enfatizamos a contribuição
das reflexões desenvolvidas por Latour para se pensar estes novos fenômenos sociais,
que se evidenciam a cada dia, permitindo a ampliação das discussões possíveis e
reflexões a este respeito, como é o objetivo deste artigo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
DUARTE, Regina Horta. História & Natureza. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
HOBSBAWN, Eric J. A era dos extremos. O breve século XX, 1914-1992. São Paulo: Cia. das
Letras, 2008.
______________. Jamais fomos modernos: ensaios de antropologia simétrica. Rio de Janeiro:
Ed. 34, 1994.
RIBEIRO, Wagner Costa. Políticas públicas ambientais no Brasil: mitigação das mudanças
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Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2008, vol. XII, núm. 270 (25). Disponível em:
<http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-270/sn-270-25.htm>. Acesso em: 03 de maio 2010.
SUAREZ, Miriam Liliana Hinostroza. Política energética e desenvolvimento sustentável: taxa
sobre o carbono para mitigação de gases de efeito estufa no Brasil. Campinas: UNICAMP,
2000.
VIEIRA, Flávio Lúcio R. Desenvolvimento sustentável: a história de um conceito. Revista
Saeculum, João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, n. 10 jan/jul 2004, pp. 79-112.
Sítios na rede mundial de computadores:
Ministério do Meio Ambiente: http://www.mma.gov.br/sitio/
82
Idem.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
LATOUR, Bruno. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São
Paulo: Editora Unesp, 2000.
143
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Ministério da Ciência e Tecnologia: http://www.mct.gov.br/
144
RIO GRANDE, A CIDADE DO FUTURO? NATUREZA, DESENVOLVIMENTO
E DISCURSOS HEGEMÔNICOS ONTEM E HOJE
Diego Mendes Cipriano
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em
Educação Ambiental da Universidade Federal do
Rio Grande – FURG. Bolsista CAPES-DS.
Introdução
A expansão portuário-industrial em Rio Grande/RS, no atual contexto
competitivo do MERCOSUL – se configura na concorrência entre portos brasileiros
(como o de Santa Catarina) e de outros países latino-americanos (sobretudo
Montevidéu), em propiciar condições de navegabilidade às embarcações comerciais
nesta cidade. Todavia, mais do que isso, pretende-se no atual contexto de
desenvolvimento econômico, ampliar a capacidade portuária para que Rio Grande tenha
condições de receber, cada vez mais navios de maior calado. É neste sentido que, no
contexto desta cidade, estão em andamento obras de infra-estrutura que procuram
assegurar as ditas condições.
Neste contexto, o Porto do Rio Grande recebe investimentos paralelamente à
expansão dos molhes da barra, situados na Laguna dos Patos, e o ―aprofundamento do
calado dos canais de acesso do porto‖; empreendimento liderado pelo governo federal.
Wilen Manteli, considera que este aprofundamento dos canais irá "... trazer vantagens
competitivas enormes ao porto do Rio Grande"83. Desta forma, conforme noticiado: ―os
navios de grande porte poderão operar com capacidade máxima no terminal gaúcho‖, o
que traz enormes vantagens para grupos econômicos interessados em otimizar o
escoamento de suas produções, pois ―...os ganhos de escala devem reduzir os custos das
empresas com frete...‖, conforme relatou a imprensa paulista84.
Conforme o então superintendente do Porto do Rio Grande, Jayme Ramis,
afirmou que ―... o calado deverá ter um aumento gradual para que ainda durante o
escoamento da safra de grão os terminais sejam beneficiados...‖85. Assim,
compreendemos que as ações destes empreendimentos na domesticação da natureza na
cidade têm servido ao único interesse de grupos econômicos, à classe dos proprietários
83
O Estado de S. Paulo. São Paulo, 5 de Abril de 2010.
O Estado de S. Paulo. São Paulo, 5 de Abril de 2010.
85
O Estado de S. Paulo. São Paulo, 5 de Abril de 2010.
84
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Desse modo, o presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP),
145
dos meios de produção, em expandir os seus negócios e potencializar os seus ganhos, à
revelia das condições naturais existentes86.
Estas obras de infra-estrutura fazem parte do Plano Nacional de Dragagem,
sendo realizadas com recursos oriundos do PAC – Programa de Aceleração do
Crescimento, do Governo Federal, cujos investimentos são orçados em R$ 196 milhões.
De acordo com as informações veiculadas em um periódico local, Dilma Rousseff
quando candidata à Presidência da República, colocou em destaque os ―empregos
gerados‖ pela indústria naval no Brasil e na Região Sul, o que implica na modernização
do cais do Porto rio-grandino, na dragagem para o aprofundamento do canal de acesso,
na ampliação dos ―braços‖ dos Molhes da Barra e na duplicação da rodovia BR-392.87
Sabemos que desde o início do século XX, o planejamento e a implementação
das obras de infra-estrutura relativas à construção dos molhes já faziam parte dos
anseios das elites locais e nacionais, num contexto em que se podiam entrever impactos
ambientais resultantes destas iniciativas. Assim, no alvorecer daquela centúria,
Vale acrescentar, em nível introdutório, que a interferência promovida pela
deposição natural de sedimentos no estuário inferior pode ser datada a partir do ano de
1833, por ocasião das atividades de dragagens ali realizadas à época. (Seeliger; Costa, ,
1998). Este fato demonstra que, desde a primeira metade do século XIX, as
elites/gestores locais e nacionais já promoviam significativas alterações neste ambiente
natural, o que nos faz interrogar sobre as possíveis conseqüências desta relação dos
humanos com a natureza ao longo do tempo ininterrupto:
...Devido à construção dos Molhes de estabilização do Canal de Acesso, a
sedimentação natural sobre as áreas intermareais provavelmente intensificouse após 1917 no lado norte deste mesmo Canal. A expansão do Porto de Rio
Grande entre 1909-1914 gerou... material dragado, que foi utilizado na
construção de ilhas, e também depositado ao longo das margens do estuário
inferior. ... Os navios modernos com grandes calados requerem águas
profundas e, entre 1980 e 1996... materiais foram dragados do fundo do
estuário para a manutenção da navegação... (SEELIGER; COSTA, 1998:
223-224).
É neste sentido que nossa investigação buscará articular o processo de
transformação da natureza às práticas discursivas dos agentes mais representativos na
efetivação de ―melhores‖ condições de navegabilidade como necessidade de uma cada
86
87
Jornal Agora. Rio Grande, 29 de Abril de 2010.
Jornal Agora. Rio Grande, 23 de Maio de 2010.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
.... o estreitamento da barra para cerca de 500 metros e o aprofundamento do
canal de acesso de 3 para 12 metros após a construção do molhes
provavelmente acarretou em mudanças ambientais desde que a maioria das
funções ecológicas do estuário dependem das trocas de água através desta
barra. (SEELIGER; COSTA, 1998: 240)
146
vez maior acumulação de capital nas mãos de poucos. E, do mesmo modo, perquirir
sobre o conteúdo destes discursos desenvolvimentistas tendo em vista desmistificar o
ideal de progresso que eles contém, de forma a interrogar se o concebido ao nível
discursivo é efetivamente concretizado em termos de benefícios sociais e com a
natureza na materialidade dos processos, enquanto qualidade de vida para todos.
Objetivos da investigação

Conhecer e interpretar nos discursos hegemônicos publicados na
imprensa, as contradições referentes às representações sociais que os políticos locais
têm sobre Natureza/Ambiente – Humanos/Sociedade – Cidade/Progresso, que podem
ser considerados como problemas socioambientais contemporâneos trazidos pelas
transformações efetivadas no Canal da Barra e expansão dos Molhes da cidade do Rio
Grande;

Conhecer, interpretar, explicar e descrever as influências dos discursos
dos políticos locais em relação às perspectivas de futuro para a Cidade do Rio Grande,
considerando seu complexo portuário-industrial;

Propor sugestões, à luz dos resultados da investigação, de saberes e
conhecimentos adequados para a realização de uma intervenção sustentável na
realidade/meio ambiente, considerando a dragagem do canal de acesso ao Porto e a
vivem na cidade do Rio Grande.
Referencial teórico
Para Borges, ao nos configurarmos como ―um país de jovens‖, marcado por
altos índices de analfabetismo, em que ocorre um ―notável desprestígio das ciências
humanas e da cultura e a um ensino antiquado e desmotivador‖, temos como resultante
um desinteresse pela história de nosso país. (BORGES, 1980)
Assim, torna-se necessário explicar o passado que nos constituiu no presente em
que vivemos, no sentido de apreendermos conscientemente os fatos, processos e
fenômenos do mundo atual que nos atravessa, mormente em nosso país. Este
conhecimento, assim, necessita extrapolar o âmbito das instituições de ensino e
pesquisa, à socialização de um conhecimento histórico consciente e politizado da
sociedade brasileira para instrumentalizar uma fundamentada e esperançosa luta por um
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
ampliação dos braços dos molhes como ações importantes para todos, além dos que
147
modelo de sociedade justa, fraterna e igualitária em âmbito nacional. E na tentativa de
reforçar e fundamentar estes argumentos recorreremos à mesma autora que defende o
interesse no tempo em ―perspectiva tripla‖, relacionando passado, presente e futuro:
... O que é preciso fazer é uma história que, mesmo estudando o passado
mais remoto, faça-o para explicar a realidade presente. Fazer uma história
do presente não é, portanto, escrever sobre o presente, mas sobre indagações
e problemas contemporâneos ao historiador... É preciso conhecer o presente
e, em história, nós o fazemos sobretudo através do passado, remoto ou bem
próximo... Conforme o presente que vivem os historiadores, são diferentes as
perguntas que eles fazem ao passado e diferentes são as projeções de
interesses, perspectivas e valores que eles lançam no passado... Mesmo
quando se analisa um passado que nos parece remoto, portanto, seu
estudo é feito com indagações, com perguntas que nos interessam hoje,
para avaliar a significação desse passado e sua relação conosco. O
passado nos interessa, hoje, pela sua permanência no mundo atual.
(BORGES, 1980: 52).
Para tanto, necessitamos de clareza quanto aos referenciais teórico-filosóficos
empregados na problematização de nosso passado histórico brasileiro à interpretação do
presente em que vivemos e interagimos. É neste sentido que o materialismo histórico,
enquanto método e compreensão do mundo e das coisas, pode nos amparar na busca e
O materialismo histórico mostra que os homens, para sobreviverem, precisam
transformar a natureza, o mundo em que vivem. Fazem-no não isoladamente,
mas em conjunto, agindo em sociedade; estabelecem, para tal, relações que
não dependem diretamente de sua vontade, mas dependem do mundo que
precisam transformar e dos meios que vão utilizar para isso. Todas as outras
relações que os homens estabelecem entre si dependem dessas relações para a
produção da vida, não sob uma forma de dependência mecânica, direta e
determinante, mas sob forma de um condicionamento. O ponto de partida do
conhecimento da realidade são as relações que os homens mantêm com a
natureza e com os outros homens; não são as idéias que vão provocar as
transformações, mas as condições materiais e as relações entre os homens,
que estas condicionam. (BORGES, 1980: 35)
Assim, os humanos estão constantemente transformando o mundo ao seu redor,
nas relações que estabelecem com os seus pares e com a natureza de que dependem para
sobreviver. Esta produção das condições de existência, em amplo sentido, não depende
necessariamente de sua vontade, mas servem ao propósito e mecanismo da produção e
reprodução da materialidade da vida. É neste sentido que, ao produzir o mundo, a
exterioridade, os humanos produzem simultaneamente a si mesmos enquanto idéias,
valores, representações e compreensões da sociedade em que vivem e interagem. Em
outras palavras,
Desde que existem sobre a terra, os homens estão em relação com a
natureza (para produzirem sua vida) e com os outros homens. Dessa
interação é que resultam os fatos, os acontecimentos, os fenômenos que
constituem o processo histórico. (BORGES, 1980: 48).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
efetivação destes anseios. Conforme Borges,
148
Para nós, um dos grandes desafios ao historiador brasileiro é no sentido de que
este inevitável processo de transformação do humano e de seu mundo seja realizado
conscientemente pelos seus agentes, pois só assim poderão eles adquirir uma profunda
compreensão do que fazem, como fazem, porque fazem e para quem fazem. Aqui,
recorremos novamente a Vavy Pacheco Borges para problematizar nossas premissas:
O homem é um ser finito, temporal e histórico. Ele tem consciência de sua
historicidade, isto é, de seu caráter eminentemente histórico. O homem vive
em um determinado período de tempo, em um espaço físico concreto; nesse
tempo e nesse lugar ele age sempre, em relação à natureza, aos outros
homens... É esse o seu caráter histórico. Tudo o que se relaciona com o
homem tem sua história; para descobri-la, o historiador vai perguntando: o
quê? quando? onde? como? por quê? para quê?... (BORGES, 1980: 51)
Assim, Borges (1980), afirma que os seres humanos revelam seu ―caráter
eminentemente histórico‖ pelo fato de possuírem uma ―historicidade‖, o que nos
significa, em termos gerais, nascer-viver-morrer fisicamente em determinado tempo e
espaço na produção da vida, e ter algum nível de consciência deste ciclo da vida e de
sua finitude, inscritos em referenciais próprios de cultura. Este seria o ―caráter
histórico‖ apresentado pelos humanos, em nosso entendimento. Mas para nós, a
consciência da historicidade por parte dos humanos não contempla apenas a
compreensão superficial dos mesmos, – apreensível pelos seus sentidos –, do tempo e
do espaço que ocupam na produção de sua existência, inscrita em determinado
A própria consciência da historicidade de si, e mais do que isso, do mundo
construído e reconstruído pelo que é humano, necessita ser compreendida dentro da
perspectiva da (re) construção de um conhecimento histórico necessário à subversão
consciente, práxica, utópica e transformadora do ―mundo da pseudo-concreticidade‖, da
mera aparência que oculta a essência dos fenômenos. Pois a historicidade, em si mesma,
nos aponta que nada é para sempre, tudo se transforma por encontrar-se em eterno
movimento. Desse modo, pensar e lutar por outro mundo e outra sociedade não consiste
apenas num sonho, mas sim numa utopia concreta do possível! Somente desse modo,
visualizamos a possibilidade da construção coletiva de uma ―consciência histórica e de
classe‖ necessária à transformação da sociedade brasileira. Agora concordando em
essência com o que diz Borges,
Uma sociedade sempre se estrutura em diferentes grupos ou classes, uma das
quais detém o poder político, o poder econômico e o prestígio social. De uma
forma sutil e muito bem articulada, não visível pelos incautos, e só é
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
horizonte cultural, e, portanto, histórico: dotado de historicidade.
149
perceptível numa análise muito acurada, o grupo social dominante acaba, por
mecanismos complexos, impondo aos outros grupos seu modo de ver a
realidade, o que vai reforçar os seus interesses, pois lhe permite manter sua
situação de privilégio. Nessa visão de mundo que é imposta estão
implícitos seus valores, seus preconceitos ... (BORGES, 1980: 41-42).
Pensamos que a construção de um conhecimento e/ou consciência histórica
necessita considerar a necessidade de nomear e conceituar o mundo em que vivemos, a
partir da perspectiva do materialismo histórico, deixando transparecer as injustiças e
desigualdades que marcam a nossa sociedade brasileira. Para que tenhamos consciência
de que o nosso país, de forma geral, está em constante disputa em torno de projetos de
futuro e de nação pelos seus diferentes e até antagônicos grupos e/ou classes.
Esta perspectiva crítica da História, proposta por BORGES (1980), torna-se
muito interessante para se pensar o próprio campo da História Ambiental no universo de
nossa investigação. No caso mais específico do Brasil, contamos com os apontamentos
do historiador Paulo Henrique Martinez, quando afirma que a História Ambiental em
nosso país permitiria revisar a história do capitalismo em seu desenvolvimento,
deixando transparecer as formas de exploração da natureza no tempo e no espaço.
(MARTINEZ, 2006: 28).
Em primeiro lugar, seria possível desmistificar a idéia de ―progresso‖ presente
na conquista da natureza, assim como os benefícios e os prejuízos da ciência e da
tecnologia utilizados nesta conquista. Em segundo, estudar o(s) uso(s) dos recursos(s)
colocando em perspectiva ―desenvolvimento econômico‖ e ―desenvolvimento social‖.
(cf. MARTINEZ, 2006).
Concretamente
em
termos
de
realidade
local,
como
já
anunciado,
problematizamos o incremento dos processos de dragagem do canal de acesso à Barra
do Rio Grande e a extensão de seus dois ―braços‖, os Molhes. Este esforço de
domesticação e adaptação da natureza à necessidade dos humanos – ou de uma pequena
parte deles –, vai de encontro, como analisamos na imprensa local sobre o atual
contexto, aos interesses de grupos econômicos em reduzir seus custos com
transporte/frete, armazenando um maior número de mercadorias numa mesma
embarcação de grande magnitude, como já referido anteriormente. Isto porque, com
estas obras de infra-estrutura, o Porto do Rio Grande será capaz de receber os maiores
navios do mundo em termos de calado e capacidade de armazenamento. Tudo em nome
da acumulação de capital nas mãos de poucos em prejuízo das maiorias.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
naturais no Brasil, visando verificar quem se beneficiou/prejudicou neste processo,
150
Desse modo, para realizarmos uma análise aprofundada sobre os discursos do
desenvolvimento na cidade do Rio Grande, é necessário historicizarmos os dois
momentos no tempo que referimos, evidenciando que nestes contextos os discursos
estão articulados à materialidade dos processos, à luta de classes em cada um destes
recortes, com suas especificidades econômicas, políticas sociais e culturais.
Metodologia
1. Os discursos sobre a natureza como ponto de partida
Em termos gerais, buscaremos nestes discursos, os valores que estes agentes
hegemônicos atribuem à natureza (DRUMMOND, 1991) nos dois recortes da história
desta cidade. Em outras palavras, visamos perquirir sobre as representações enquanto
―diálogos‖ destas elites políticas com a natureza, isto é, como as suas relações com o
mundo natural (WORSTER, 1991; 2003), – nos quadros do ecossistema de Rio Grande
–, são concebidas a partir de seus discursos sobre estas obras de infra-estrutura
Para os discursos pretéritos e atuais nos utilizaremos fundamentalmente de
fontes jornalísticas, promovendo uma imersão nos periódicos O Tempo e Echo do Sul
(1915) e Agora e Rio Grande (1970). Eventualmente, de relatórios da Intendência e da
Câmara Municipal do Rio Grande ou mesmo documentos disponíveis na Prefeitura
desta cidade.
ou implícitas das fontes jornalísticas, a partir do escopo da História Ambiental,
adotamos a metodologia da análise de conteúdo. Ela nos possibilitará uma identificação,
organização e orientação na interpretação de mensagens existentes no texto rumo a uma
maior e melhor compreensão dos significados para além de uma leitura mais apressada.
(MORAES, 1999)
Desse modo, visando interpretar estas fontes jornalísticas, procuraremos
organizar os discursos em foco, vinculando o estudo ao seu contexto de produção,
deixando entrever os elementos implícitos e explícitos, dados de autoria, e como todos
estes elementos articulados determinam e/ou condicionam a transmissão/comunicação
das mensagens (idem, 1999)
Todavia, à medida que estes discursos jornalísticos são ―filhos do seu tempo‖,
tentaremos compreendê-los com cautela sobre a realidade que pretendem descrever, à
medida que os mesmos não são ―a própria e única realidade‖. Eles configuram
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Neste sentido, ao buscarmos ―apreender‖ as informações e mensagens explícitas
151
representações, isto é, ―reinvenções de realidades‖ produzidas conforme ―componentes
ideológicos‖ e ―equipamentos culturais‖ que condicionam a leitura de mundo destes
agentes hegemônicos. É neste sentido que necessitamos adotar ―explicações e aparato
crítico adequado‖ para um melhor entendimento dos conteúdos expressos nestes relatos
conforme, o contexto histórico em que foram produzidos, para evidenciar os seus
múltiplos condicionamentos socioeconômicos, políticos e culturais. (REICHEL,
2002:3).
Por fim, ao buscarmos apreender os valores, as concepções e os juízos atribuídos
à natureza nestas fontes jornalísticas, por sujeitos históricos situados em diferentes
contextos, pretendemos uma melhor compreensão de como estes agentes hegemônicos
pensavam as relações dos humanos com o ambiente de Rio Grande nos dois recortes já
anunciados – os anos de 1915 e 1970.
2.
As práticas sociais em relação à natureza como ponto de chegada
Partimos dos discursos jornalísticos dos agentes hegemônicos situados em dois
contextos distintos, relacionados ao tema das condições de navegabilidade do Porto do
Rio Grande. Isto é, pretendemos descortinar representações/concepções ou valores
sobre as formas pelas quais estes agentes hegemônicos - em diferentes contextos -,
concebem as relações dos humanos com a natureza, justificando suas proposições.
sociais concretas no meio e, inversamente, de que forma estas mesmas práticas,
influenciam e modificam a própria forma de pensar/agir dos mesmos agentes
hegemônicos. Isto por que sabemos que os discursos e/ou representações de uma época
são capazes de moldar o pensamento de gerações, e assim, suas práticas sociais em
relação à natureza.
Do ponto de vista da História Ambiental, adotamos uma das categorias
metodológicas mencionadas por José Augusto Drummond, focalizando ―uma região
com alguma homogeneidade ou identidade natural‖ – que se concretiza no ecossistema
costeiro e o estuário da Lagoa dos Patos de que faz parte à cidade do Rio Grande e seu
complexo portuário-industrial. Mas como nos alerta Drummond, mesmo com esta
delimitação ou recorte da região a ser estudada, torna-se necessário que não se esqueça
as suas peculiaridades físico-ecológicas. É necessário acrescentar que, por enfatizar
áreas delimitadas/específicas, a História Ambiental portuária de Rio Grande necessitará
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Assim, deixaremos entrever como representações sobre a natureza configuram práticas
152
vincular-se com a História Regional, na medida em que visualiza processos sociais e
naturais circunscritos do ponto de vista físico-geográfico. (cf. DRUMMOND, 1991: 5).
Utilizaremos-nos fundamentalmente de estudos históricos, geográficos e
oceanográficos desenvolvidos na FURG, relativamente aos impactos socioambientais
decorrentes das obras de infra-estrutura do canal da Barra do Rio Grande, como
ampliação das condições de navegabilidade no estuário.
Neste cenário, adotamos uma perspectiva de longa duração histórica, na qual é
necessária ―atentar para as mudanças e permanências‖ MARTINEZ (2006: 39) nas
formas com que os seres humanos, em sociedade, relacionam-se com a natureza – em
nossas palavras –, no tempo ininterrupto, e como concebem estas mesmas relações ao
nível de suas práticas discursivas hegemônicas (cf. MARTINEZ, 2006: 40)
Assim, ao tentarmos visualizar como as relações sociedade/natureza são
pensadas e efetivadas na concretude do ―tempo longo‖, pretendemos do mesmo modo
identificar e problematizar possíveis impactos destas ações sobre o meio em virtude dos
projetos referidos, pensados e/ou implantados na realidade concreta, no quadro
ecossistêmico costeiro em que as mencionadas obras de infra-estrutura ocorreram e
ainda estão em andamento. Nesse sentido, adotamos a perspectiva de ―impacto
... Os estudos apoiados na visão acrítica deste conceito, com raras exceções,
primam pela análise de causa e efeito de natureza linear, unicausal e
determinista. Diversamente, trabalhamos com a visão de que, associados às
condições de origem e de expansão dos fenômenos locais – físicos, químicos
e topográficos, os novos objetos espaciais acarretam redirecionamentos de
processos históricos, sociais e ambientais, dos quais resultam novos efeitos
que afetam de forma sistêmica e diversificada as condições de
reprodução da vida nos ecossistemas e das classes ou grupos sociais, que
ocupam territórios diferenciados. (COELHO, 2006: 406)
Desta forma, o estudo dos ―impactos ambientais‖ requer uma análise
interdisciplinar própria aos esforços metodológicos da História Ambiental, à medida
que busca perquirir sobre as ―interações entre os processos ecológicos ou bio-físicoquímicos, político-econômico-espaciais e socioculturais‖. Trata-se de investigar as
relações dinâmicas entre ―natureza originária e sociedade‖, considerando as ―estruturas
socioespacias‖ determinas sob o ponto de vista temporal. Do mesmo modo,
.... a compreensão dos processos ambientais requer um esforço permanente
de articulação da micro, meso e macroescala de análise. O mais importante,
todavia, é que quando nos preocupamos com os impactos acarretados
pela introdução de um objeto novo, associado a fenômenos globalizantes
num dado espaço, encontramos, na análise do passado e do presente,
elementos essenciais para explicar processos de desestruturação e
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
ambiental‖ de Maria Cecília Nunes Coelho, para quem:
153
reestruturação, ou seja, a natureza e espacialização (ou geografia) das
transformações ou mudanças sociais. (COELHO, 2006: 408)
Assim, pensamos que a definição metodológica de ―impactos ambientais‖
proposta por COELHO (2006) esteja coerente com um dos propósitos da História
Ambiental no Brasil, o de perquirir sobre a relação entre os humanos e a natureza em
perspectiva histórica, e como já referido, as conseqüências das mesmas para a sociedade
e seu ambiente; deixando transparecer as classes sociais beneficiadas e as que são
desfavorecidas em projetos de desenvolvimento e infra-estrutura (MARTINEZ, 2006).
Em outras palavras, como as obras de dragagem e expansão dos Molhes da Barra do
Porto do Rio Grande, efetivadas desde o século XIX, e ainda em curso e intensificada
nos dias atuais, são justificados e referidas no nível dos discursos dos agentes
hegemônicos já aludidos.
Para nós, a História Ambiental também pretende estabelecer a relação entre as
racionalidades culturais e as estruturas sociais, já que as concepções de mundo se
traduzem em condutas que influenciam na produção da vida material, sendo que
processos da materialidade também configuram a dimensão mental/cultural, isto é, as
diversas ―racionalidades‖ sócio-culturais e/ou ambientais (LEFF, 2005).
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155
TRABALHO DE CAMPO PARA AS REGIÕES AMAZÔNIA E NORDESTE
ROTEIRO: ITUIUTABA-MG – XAMBIOÁ- TO – MARABÁ-PA – SÃO LUÍSMA – BARREIRINHAS-MA – ARAGUAÍNA-TO
Carolina dos Santos Camargos
Elaine Aparecida Ramos
Alunas do Curso de Graduação de Geografia
pela FACIP/UFU
[email protected]
[email protected]
Introdução
O trabalho de campo realizado teve como destino as cidades de Xambioá-TO,
Marabá-PA, São Luís-MA, Barreirinhas-MA e Araguaína – TO, em que cada um desses
municípios foram observados diferentes aspectos do meio físico e sócio-espacial.
O presente relato de campo demonstra como os sujeitos se relacionam com
espaço, a identificação dos usos dos recursos naturais, como o homem atua e interfere
nesse meio, seja ele histórico ou natural, e também a caracterização dos diferentes
biomas que pudemos observar ao longo do trajeto.
Observações e impressões
Norte, o que marcou para nós, foi a tamanha diferença cultural existente. Tudo era
muito diferente do que estávamos acostumados, seja até mesmo de um simples tempero
na comida, como o coentro. È outra realidade sócio-cultural. O tom de pele também é
diferente, alguns do sol e outros vindos da mistura forte do caboclo nessa região. Em
termos econômicos, o rio movimenta a maioria das cidades, como é o caso de XambioáTo e Marabá-Pa. Lá visitamos a Praia do Tucunaré, em que observamos o tipo de lazer
que o rio Tocantins proporciona os paraenses e turistas. Consideramos uma praia de
água doce com um cenário muito belo, no qual é caracterizado como um lugar de lazer
para a população local, em que há música de vários estilos (forró, tecno-brega e axé),
comida e muita dança. Contudo, não possui condições mínimas de segurança aos
banhistas. Pois barcos, avoadeiras, jet-skis, dividem o mesmo espaço junto às pessoas.
Em relação à alimentação, não existe higiene. Não há banheiros químicos, notamos
grande quantidade de lixo na praia, não há salva-vidas.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Durante os nove dias desse trabalho de campo, rumo primeiramente à região
156
Visitamos a Serra das Andorinhas, ainda em Marabá, em que observamos uma
faixa de transição da vegetação, não era propriamente caracterizada como vegetação da
Amazônia.
Em São Luís ficamos impressionadas com a cidade, ela ―respira história‖. São
quase 400 anos. A arquitetura é muito bonita na parte tombada pela UNESCO, algo
interessante que foi possível observar foi a utilização em massa de azulejos para com a
decoração das casas e até mesmo de alguns semáforos, o centro histórico é grande e
com isso possui também problemas proporcionais. Existem vários casarões condenados,
o que gerou outro grande problema: ocupações ilegais. Lá é um ponto forte de drogas,
locais de prostituição, evidencia-se alto grau de violência nessa região onde localiza-se
o centro histórico de São Luís. É um local que não deveria passar automóveis, pois são
ruas estreitas, a calçada também e pelo fato de passar automóveis na área influencia na
manutenção das estruturas das casas históricas. Percebemos também que São Luís é
―coordenada pela Família Sarney‖, inclusive a Fundação que leva o seu nome se
encontra em uma parte importante da cidade que é o Centro Histórico.
No espaço urbano de São Luís foi possível perceber uma diferença sócioespacial muito grande, tal constatação foi observada ao irmos à orla da cidade, onde
localiza-se casas bem estruturadas, hotéis de luxo, ―barzinhos‖ que atendem a demanda
de uma classe média.
Carajás.Esse controle é feito por modernos equipamentos de monitoramento das
estradas de ferro, da velocidade em que o condutor do maquinário o conduz. Para que a
parte operacional funcione em completa sintonia a empresa oferece cursos de
capacitação para seus empregados, afim de qualificar a mão-de-obra, favorecendo assim
a produtividade dessa. O trem que transporta os minérios possui cerca de trezentos
vagões.
É uma capital com todos os problemas evidenciados em uma grande cidade,
evidencia-se segregação social (a elite está concentrada à beira-mar), em algumas
regiões da cidade falta de saneamento básico, no qual é possível perceber o mau cheiro,
além dos índices de violência. Não há planejamento urbano e nenhum sistema de gestão
ambiental.
A diversidade cultural de São Luís é muito grande, no período que estávamos no
município, estava acontecendo a Festa de São João, festa evento em que cada praça do
centro histórico possuía um palco, e cada palco um estilo musical, variando entre forró,
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
A empresa Vale que visitamos, tem todo o controle da Estrada de Ferro
157
música local e reggae. Observa-se que o artesanato é algo que se faz presente na cidade
e o que foi possível perceber que a maioria dos ―hippies‖ (artesãos de rua) são
migrantes e há muitos na cidade.
Barreirinhas é o município de entrada nos Lençóis Maranhenses, possui
aproximadamente 47.850 habitantes, sendo que parte desta população vive na zona
rural, nesta vive cerca de 29.826 habitantes e na zona urbana apenas 18.024, e de acordo
com o IBGE de 1991 a 2000, a renda per capita média cresceu 59,98%, passando de R$
37,98 em 1991 para R$ 60,76 em 2000. A cidade está entre os municípios menos
desenvolvidos do país, com o índice de desigualdade bem elevado, onde o que se
destaca mais como atividade produtiva é o setor de serviços e é o que mais tem
mostrado crescimento. em que notamos que o Turismo movimenta toda a cidade.
Entretanto, não gerou ainda benefícios suficiente para toda sua população. Em
Barreirinhas não evidencia-se condições de conservação das edificações, observa-se um
lugar com residências simples/humildes, ruas não pavimentadas, produtos com alto
valor agregado, dificultando assim a qualidade de vida da população, já que a renda per
capita não dá subsídios para essa manutenção do sujeito. Não foi observado edificações
de interesse histórico, mas foi possível notar, próximo a área/rua central da cidade uma
área dotada de restaurantes, restaurantes com comidas típicas (a base do pescado), bares
com música ao vivo e em seu entorno lojas de artesanato.
renda de Barreirinhas gira em torno do comércio, do artesanato e do turismo, há
presença de migrantes vindos da região Sudeste e de São Luís, que viram no turismo
uma nova fonte de renda, montando pousadas, restaurantes e ficando para a população
local somente aqueles empregos de nível baixo. O custo de vida elevou-se e a renda
deles não.
O trânsito interno da cidade é bastante critico, com ruas mal conservadas, em sua
maioria de pedras, poucas das ruas são asfaltadas, possuindo difícil acessibilidade. A
cidade possui baixo índice de violência, e como toda cidade pequena, o número de
policiais é bastante pequeno, necessariamente nos dias em que estivemos lá, andando
pela cidade não foi possível observar a presença de nenhuma viatura nas ruas.
Há uma preocupação por parte do município de Barreirinhas -MA onde localizase o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, com a conservação do meio físico, já
que é obrigação do poder público conservar/proteger esse patrimônio natural que a
cidade possui. Observa-se que nessa região há uma preocupação em oferecer aos
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Conversando com moradores, identificamos que o custo de vida é alto, já que a
158
turistas a beleza natural que o lugar possui, cabe destacar que essa atividade esta
diretamente ligada a dinâmica econômica do município, é a base para a subsistência da
população local.
Em Araguaína -TO, notamos que é uma cidade desenvolvida com a presença de
frigoríficos, a agroindústria também é forte, além do comércio.
Considerações Finais
Foi uma experiência única esse trabalho de campo, tanto em termos acadêmicos
quanto pessoais, crescemos muito ao ver tantas diferenças em um só país. Considerando
que a diversidade que encontramos nessas regiões muito contribuiu para um
pensamento critico sobre as políticas públicas, as zonas de interesse por causa dos
recursos naturais que geram muita riqueza para aqueles que os exploram e a cultura que
é simplesmente encantadora e gratificante vivenciar essas experiências.
Em relação a baixa escolaridade da população vê-se que essa população local
dedica-se em trabalhar no setor operacional/primário e o trabalho especializado é
importado de outras regiões, com isso as condições econômicas dessa população local é
precário.
CICOUREL, A. Teoria e Método em pesquisa de campo. In: ZALUAR, A. (Org.) Desvelando
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Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
159
UM BREVE OLHAR SOBRE O CRIACIONISMO
Leonardo Flausino Araujo Silva
Graduando em Ciências Biológicas (UFU/FACIP)
[email protected]
Marília Christina Arantes Melo
Geógrafa (UFU) e Téc. Meio Ambiente (EAF-UDI);
Téc. Lab. de Geografia (UFU/FACIP)
[email protected]
Cosmologia: breve histórico
No inicio do pensamento filosófico expressado pelos folósofos se destaca a
preocupação do primórdio cosmológico.
Os filósofos pré-socráticos da escola Jônica Tales de Mileto, Anaximes e
Anaximandro desenvolvem uma teoria dos quatro elementos cosmológicos: terra, ar,
água e fogo usando a lógica de que os mesmos são elementos essenciais para a
manutenção da vida biológica e mineral. Depois, outros filósofos tentam explicar a
criação por outros elementos como o átomo, números e devir que significa ―vir a ser‖.
Tais teorias mesmo sistematizadas no pensamento grego não se chega a um final
definitivo, ficando apenas na lógica do pensamento.
Teilhard de Chadim, teólogo e filósofo francês da era moderna desenvolve uma
procedência na água, confirmando que a água causou evoluções inclusive na criação da
humanidade, dos animais, dos vegetais e dos minerais; pensamento este concreto: se
olharmos as grandes grutas conservadas para visitações existem indícios precisos de que
todas elas foram submersas, muitas conservam fósseis e animais que viveram na água.
O filósofo e teólogo Agostinho de Hipona na África branca no período da
filosofia moderna desenvolve tratados de que o mundo não se evolui, apenas se
transforma com as ações naturais ou humanas. Este tratado é chamado de ―Razões
Seminais‖.
O sêmen ou ―semente‖ guarda no seu íntimo o progresso do ser. Desta forma, o
que já foi criado continua estacionado , parado num cerne da sua criação sem nenhuma
evolução sofrendo apenas transformações naturais.
Os mitos cosmogônicos do antigo oriente médio sobretudo na Babilônia teoriza
uma criação apartir da terra. Do barro saiu todo desenvolvimento cosmológico e
cosmogônico, inclusive a criação da humanidade simbolizada por sua divindade
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
teoria do criacionismo apartir de que a vida juntamente com o cosmo tem a sua
160
chamada ―deusa Arurú‖ estátua de barro, juntamente com ―deus Arú‖ esposo da deusa
que juntamente criaram o mundo, expressão esta que didaticamente com o passar do
tempo os judeus escrevem o livro do Gênesis usando o barro para formar a humanidade,
em hebraico a palavra ―Adamar‖ que gera a palavra ―Adão‖, simboliza a terra. Este
pensamento os judeus aprenderam durante a escravidão no Egito pela tradição oral.
Com isto, formularam o livro do Gênesis, expressão da criação do universo
usando inicialmente a água como mãe da criação e o barro como o início da
humanidade. Portanto, os mitos cosmogônicos do antigo oriente médio inspira o
judaismo dentro de um pensamento religioso na criação.
No século XV diante das controvérsias religiosas do cristianismo e de outras
religiões sobretudo no ocidente surgindo o ateísmo e a exclusão de qualquer
pensamento divino, Karl Marx e Nietz, percursores do ateísmo agiram conscientizando
a sociedade para a política invés da religião. Achando que esta aliena a consciência ,
vários pensadores desenvolveram teorias do criacionismo apelando para a evolução.
Surgem expedições espaciais e tratados de como o mundo foi criado sobretudo o
homem, porém chega-se a uma conclusão: ―se os primatas, dos quais muitos acreditam
que deles vieram a humanidade, não se evoluíram na atualidade, os mesmos continuam
parados sem nenhuma evolução na sua estrutura biológica e estética derrubando a tese
da evolução humana caracterizada pelos primatas‖.
matemáticos sobre a proveniência da ciação pelos números, pela geometria e pelas
figuras fica parado e descartado este princípio em detrimento que estes elementos fazem
parte apenas da estética do universo. Muito apreciado pelos filósofos epicuristas, a
escola de Epicuro valorizava o prazer de encontros, comidas, bebidas, diversões e
contemplação de um mundo criado esteticamente perfeito.
Sobre o atomismo de Demétrio também contemporâneo de Pitágoras, o átomo
seria apenas um elemento natural encontrado nas massas sem nenhumas condições de
criar outros elementos procedentes da criação. Ele é visto pela crítica filósófica como
um mero ser. Quanto à teoria do Devir de Heráclito, os elementos sofrem apenas
transformações e não evoluções.
Uma criança em um certo período da história da humanidade onde há
preocupações constantes sobre a criação, foi criada em uma ilha sem receber nenhuma
idéia procedente de criação.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Na história da filosofia antiga quando Pitágoras desenvolve tratados
161
Constata-se que esta mesma criança começou questionamentos precisos sobre
movimentos da água, do ar, dos ventos, dos barulhos, das nuvens, do sol, das estrelas, e
da lua. Apoiando-se nestes questionamentos temos um tratado de São Tomaz de Aquino
da idade média, filósofo e teólogo, sobre um motor: ―se algo move é porque algum
elemento produz uma força, como por exemplo veículos e eletrodomésticos
funcionando com algo por trás.
Este motor que São Tomaz de Aquino desenvolve em seu pensamento é o motor
das causas primárias para se chegar às causas secundárias. Este mesmo motor que pelo
pensamento judaico é o motor invisível, algo superior não visto pela ciência nem por
formas visíveis desembarca na infinidade e no vazio.
No início do nosso calendário, o conquistador Pompeu ao chegar com seu
exército na cidade de Jerusalém para saquear a mesma, profana o templo construído
pelo rei Salomão para marcar a vida religiosa, política e social de Israel se depara com o
Sanctum Sanctorum, compartimento sagrado, morada de Deus.
Muitos contemporâneos acreditavam que este compartimento visitado apenas
uma vez por ano pelo sumo sacerdote responsável pelo santuário abrigava em seu
interiorum homem amarrado para ser sacrificado na páscoa, outros acreditavam que
haviam objetos de elevados valores comerciais tais como pedras preciosas.
Quando o Sanctum Sanctorum fio arrombado e profanado tinha apenas o vazio e
representação de formas, figuras e visibilidade. Nenhuma teoria humana se chega ao
primórdio da criação.
Criacionismo
Várias são as teorias para justificar a existência de vida na Terra. Dentre elas
destacam-se a Teoria do Evolucionismo proposta por Charles Darwin, que propõe um
ancestral comum a todas as espécies, na qual afirma que há a seleção natural e a
mutação aleatória das mesmas (ÁVILA, 2008); que contrapõe a Teoria Criacionista.
O criacionismo, em termos gerais, refere-se a criação do universo a DEUS
(Figura 1), para os monoteistas, na qual os cristãos utilizam o livro de Gênesis da Bíblia
para explicar história do universo e da vida na Terra. Mas, há criacionistas que possuem
a concepção mais ampla dos agentes sobrenaturais dos quais não utilizam o termo Deus
para explicar a criação (ENGLER, S.; 2007).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
o invisível demonstrando que o criador do universo no seu mistério não tem nehuma
162
Figura 1: Teoria da criação de Grosseteste pela ação da luz e com Deus
movimentando a última esfera celeste para dar movimento ao cosmos.
Fonte: OLIVEIRA (2006, p.165).
Engler (2007) fala que não há apenas um tipo de criacionismo, mas sim
védico‖, ―criacionismo islâmico‖, ―criacionistas turcos‖, ―criacionistas sulafricanos‖, e
―anti-evolucionistas judeus‖ colocados em oposição a outros como ―criacionismo
cristão‖, ―criacionismo adventista‖ e ―criacionistas americanos‖.
Há criacionistas que adotam uma interpretação literal da Bíblia, assumindo
que a Terra foi criada em seis dias, há aproximadamente 6.000 anos (os
chamados young Earth creationists); e há criacionistas que defendem uma
interpretação menos literal, que busca acomodar a leitura bíblica às
descobertas científicas. De acordo com a interpretação deste último grupo,
Deus criou o mundo em seis grandes eras, cada qual descrita na Bíblia como
um dia (os chamados day-age creationists). Há, também, outros grupos de
criacionistas que, com vistas a evitar uma caracterização religiosa, não
discutem a natureza do criador, defendendo, apenas, a tese mais formal de
que a vida foi criada. É o caso do movimento do design inteligente
(intelligent design), que tem desenvolvido a tese, à primeira vista menos
comprometedora, de que, ante à complexidade supostamente irredutível dos
seres vivos, foi necessária a intervenção de um projetista, de um designer
(ABRANTES, P.; ALMEIDA, F. P. L.; 2006).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
criacionismos, como ―criacionismo hindu‖, ―criacionismo de Krishna‖, ―criacionismo
163
É importante ressaltar que os principais pontos do Criacionismo são pautados em
evidências científicas a favor da criação. Dentre as evidências cinentíficas estão os
seguintes argumentos: 1) A criação súbita do Universo, da energia e da vida a partir do
nada; 2) A insuficiência da mutação e da seleção natural para produzirem o
desenvolvimento de todas as espécies vivas a partir de um único organismo; 3)
Mudanças das espécies de plantas e de animais originalmente criados, somente dentro
de limites fixos; 4) A ancestralidade separada do homem e dos macacos; 5) A
explicação da geologia da Terra através do catastrofismo, incluindo a ocorrência de um
dilúvio de dimensões planetárias e; 6) o surgimento relativamente recente da Terra e das
espécies vivas (ABRANTES, P.; ALMEIDA, F. P. L.; 2006).
Outro argumento do qual os evolucionistas não sabem discorrer e quando
discorrem não possuem um argumento forte é com relação a entropia, conhecida
também como a Segunda Lei da Termodinâmica.
A entropia, em resumo, é a medida da desordem molecular. A lei do
irreversível aumento na entropia é uma lei de desorganização progressiva, do
desaparecimento completo das leis iniciais. Dificilmente se pode afirmar que
a evolução pelo menos fica superficialmente contrariada pela entropia. A
predição óbvia do modelo evolucionista do princípio universal que aumentará
a ordem é contrariada pelo fato científico de um princípio universal que
diminui a ordem. Não obstante, os evolucionistas mantém a fé de que, de
alguma forma, a evolução e a entropia podem coexistir, embora não saibam
como (MORRIS, Henry M.; 2005).
A teoria criacionista foi sendo introduzida nas escolas em face a teoria da
América (EUA). Já no Brasil, no estado do Rio de Janeiro, a Lei Estadual Nº 3.459, de
2000, determinou o ensino confessional religioso nas escolas públicas (ABRANTES, P.;
ALMEIDA, F. P. L.; 2006).
Considerações finais
O sistema de ensino, desde o fundamental ao superior, deveria abordar mais a
Teoria Criacionista e não apenas a Teoria Evolucionista. Deve-se ter claro que não há
apenas uma visão de criação do universo, sobretudo da vida na Terra, na teoria
criacionista.
Vale ressaltar que é de fundamental importância que tal teoria seja debatida e
ensinada como sendo uma teoria para o surgimento do universo, pois caso contrário a
evolução de pensamentos e entendimento dos seres humanos fica estagnado a uma
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
evolução, a curtos passos, nas escolas na década de 1960 nos Estados Unidos da
164
teoria, como é o caso da teoria evolucionista, e esta passa a ser uma verdade
inquestionada no meio acadêmico.
Assim, é de fundamental importância que a teoria criacionista não seja apenas
vinculada a religião, mas seja vista também como uma ciência, pois para entender os
criacionismos e seus estudos são utilizados os métodos descritivo e/ou tipológico. Em
outras palavras, seja qual tipo de criacionismo seja seguido, além da utilização do livro
de gênesis, do qual grande parte dos criacionistas utilizam, são utilizadas evidências das
quias são confirmadas cientificamente para contestar a teoria evolucionista.
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Acesso
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SILVA, A. M.; Pinheiro, M. S. F.; França, M. N. Guia Para Normalização de Trabalhos
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Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
ÁVILA, Gabriel da Costa. Michael Behe. The edge of evolution: the search for the limits of
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165
VIAGEM PITORESCA POR GOYAZ: O OLHAR DOS VIAJANTES SOBRE
GOYAZ
Adriano Freitas Silva
Graduando de História na Universidade
Federal de Goiás/Campus de Jataí
Goyaz: no relato dos viajantes oitocentistas.
No início do século XIX, o Brasil era a última grande extensão territorial ainda
inexplorada pelos europeus não portugueses. Essa falta de conhecimento se dava
principalmente pelos entraves colocados pela Coroa Portuguesa, que não davam acesso
aos pesquisadores não portugueses. A intenção da Corte Portuguesa era resguardar as
informações sobre as potencialidades econômicas e os recursos exploráveis.
A proibição de entrada imposta pela Coroa Portuguesa fazia da colônia um lugar
misterioso aos olhos dos estrangeiros, graças aos rumores sobre as imensas riquezas
minerais escondidas no subsolo e as infindáveis florestas tropicais repletas de plantas e
animais exóticos e índios que ainda viviam na Idade da Pedra.
Todo esse cenário mudou com a chegada da corte e a abertura dos portos para a
nações amigas. O resultado foi uma invasão estrangeira sem precedentes. Essas pessoas
que percorreram este vasto território no século XIX encontraram aqui um mundo
totalmente desconhecido.
conhecimento sobre o Brasil, sobretudo no campo das ciências. Os homens do século
XIX, herdeiros do Iluminismo, colocam-se em movimento, pesquisando, coletando e
relatando. Ainda para Vainfas (2002), sempre nítidos e muitas vezes preconceituosos
sobre as sociedades e regiões visitadas.
Os viajantes deste século eram também influenciados pelo espírito do
romantismo, que a valorização na subjetividade, até mesmo no olhar sobre a natureza.
Segundo Márcia Regina Capelari Naxara:
O olhar cientifico – do cientista que observa de fora, tanto a natureza quanto
os homens – aparecendo como que impregnado, de forma ambivalente, por
uma sensibilidade romântica, mesmo que ela não se manifeste consciente e
claramente. Junto ao olhar que se pretende neutro, que visa analisar algo que
lhe é exterior (tanto a natureza inanimada, como o mundo vegetal, animal e
humano) aparece a reverencia diante da criação, a instantânea perda da
objetividade e da neutralidade. Sentimentos e sensações que escapam ao
domínio da explicação racional (...) na tentativa de assimilar tal espetáculo,
os homens lançaram mão da palavra, do desenho e da pintura, como formas
de alcançar o conhecimento e garantir a memória (NAXARA, 2004: p. 148).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Para Vainfas (2002), os viajantes do século XIX viabilizaram a difusão do
166
Transformações econômicas e filosóficas marcaram toda a Europa durante a
segunda metade do século XIX. Karylleila dos Santos Andrade salienta que ―a segunda
metade do século XIX, é o momento em que a ciência se impõe como única explicação
para todos os problemas da humanidade – material e científico‖ (ANDRADE, 2010: p.
46).
Estes viajantes que aqui estiveram, vieram com seus olhares repletos progressos
europeus, e cada um, com o seu modo de ver, relatou a flora, a fauna, rios, montanhas,
cidades e suas populações.
Para Karylleila dos Santos Andrade (2010) a visão de mundo européia por parte
dos viajantes, dificultava vivenciar a diferença, se consideravam o centro de tudo e de
todos e os ―outros‖ eram aprendidos e sentidos pelos valores e modelos da cultura
européia.
Para estarem no Brasil, estas viagens exigiam meses de preparo, visto que
definições de itinerário, organização do material científico, ajudantes e cartas de
recomendação do governo brasileiro, eram quesitos necessários para a realização destas.
Geralmente quem pagava essas expedições eram os governos europeus, quem não
conseguia por partes dos governos, procurava vender os materiais coletados aos museus.
Esse incentivo dos governos europeus objetivava não apenas o desenvolvimento
científico e cultural, mas também o conhecimento sobre as potencialidades exploráveis
Esses viajantes estrangeiros que vieram para o Brasil se consideravam
superiores até mesmo diante de um branco que residia no país, pois continham
conceitos e pré-conceitos na procura do entendimento das diferenças. Em Goyaz não foi
diferente do restante do país, com o mesmo olhar etnocêntrico, não compreendiam a
realidade do local, e consequentemente, emitiam julgamentos e opiniões com bases em
seus olhares.
De acordo com Andrade (2010), os viajantes europeus olhavam para Goyaz,
com base no olhar civilizador eurocêntrico, para eles, a pobreza, os mestiços, o
abandono e o negro eram empecilhos no processo civilizatório da região, ignorando por
completo o outro lado da história.
Por Goyaz passaram viajantes como Pohl, D‘ Alincourt, Saint-Hilaire, Gardner,
Castelnau, mas também Taunay e Oscar Leal - estes últimos não europeus -, que através
de seus relatos contribuíram para a historiografia goiana.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
dos países visitados.
167
Os viajantes europeus que passaram pela província, todos tinham formação
superior e vinham de uma Europa transformada pela Revolução Industrial, urbanizada,
ansiosa por conhecer o que ainda restava a se conhecer do Novo Mundo: o Brasil.
Ao chegarem a Goiás, notaram certa decadência, visto que diferentemente da
Europa, encontraram ausência de estradas, casas miseráveis, população preguiçosa e
carente. Todas essas características apontadas pelos viajantes eram opostas a Europa,
que no período estava preste a gestar a Segunda Revolução Industrial.
Raimundo José da Cunha Matos (1776-1839)88 em sua passagem pelo Arraial do
Cocal observava que,
este arraial, assentado na baixa de um monte, é um todo de ruínas em que
apenas se conservam 48 miserabilíssimas casas dispostas em três ruas; a
grande Igreja de São Joaquim, com cinco altares, uma rica custódia, e várias
outras peças de prata e bons ornamento: está a cair (...) os habitantes deste
distrito são pobríssimos, pretos e pardos, e vi um único homem branco. Eis o
resultado da mineração (MATOS: 2004, p. 137).
Auguste François César Provençal Saint-Hilaire (1779-1853)89 também
acreditava na ―decadência dos arraias goianos ‖ e, ao descrever o Arraial de Rio Claro
afirmou que,
Os escassos arraiais de Goiás somavam-se aos reclames dos viajantes contra o
ócio de sua população, refletido na preguiça da gente do sertão de Goiás, e a carência de
capital e mão-de-obra. Para os viajantes era incompreensível terras com tamanho
potencial ser envolvidas pelo marasmo e ócio de seu povo.
Para Johann Emanuel Pohl (1782-1834)90, a preguiça não era uma característica
só dos goianos, mas de todos os brasileiros. Ao descrever sobre Vila Boa afirma que,
os brancos são na maioria de origem portuguesa, em parte fugitivos e
aventureiros e, no entanto, formam a primeira classe, o que se deve apenas à
cor. Na maior parte são intoleravelmente altivos e soberbos, crentes dessa sua
superioridade em relação às outras raças. Poucos melhoraram o caráter, antes
exibem a vulgaridade de sua existência anterior. O ócio é a máxima
felicidade dessa gente... Com essa inatividade e preguiça, os brancos
88
Militar e político, Cunha Matos justificava os seus trabalhos como fruto de uma necessidade urgente de
registrar os materiais coletados durante a incumbência das missões militares, que o levaram a percorrer
um vasto sertão até o extremo norte da província de Goiás.
89
Naturalista francês, chegou ao Brasil em 1816 e percorreu boa parte do Brasil até 1822.
90
Johann Emmanuel Pohl (1782-1834), médico e naturalista austríaco. Viajou por Goiás entre dezembro
de 1818 e junho de 1820. Autor de Reise im Innern von Brasilien.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
o referido Arraial encontrava-se em grande decadência e as tropas que ali
passavam não encontravam víveres para se reabastecerem, o cultivo da terra
não interessava a esses homens, tão imprevidentes quanto aos próprios índios
(...) em meio a tanta riqueza permanecem sempre na miséria (SAINTHILAIRE, 1975, p. 81).
168
decaíram tanto que a maioria deles falta até o necessário para comparecerem
a igreja aos domingos (POHL, 1976: p.141).
Cunha Matos (2004, p. 15) declarou ―que a miséria sofrem os moradores da
província de Goyaz, no meio de terras as mais ricas e fecundas de todo o universo! A
preguiça, a infernal preguiça é quem os mata‖.
Alfredo d‘ Escragnolle Taunay (1843-1899)91 acrescenta que:
Goyaz não tem população para bem povoar uma zona sequer de seu imenso
território; não tem hábitos de trabalho constante, pois não vê a retribuição
imediata do labor, não sente em si a evolução do progresso;vive vida
lânguida e desanimada e, prostrado sobre minas riquíssimas de ouro, não
possui real de seu (TAUNAY, 2004: p.31).
Conforme Andrade (2010) estes viajantes europeus viam em Goyaz apenas um
deserto de homens, com carência de estrutura e sem perspectivas de vida, sem meios de
comunicação e estradas, inertes, parados diante do ócio, muito diferente dos valores e
atitudes da vida européia. Diante dessa realidade que os ofuscavam, não conseguiam
perceber as razões econômicas que levaram a província àquela situação.
É interessante notar, que conforme os relatos de Saint-Hilaire, Pohl, Cunha
Matos e outros, Goyaz era uma província que era sustentada pela a ambição da
mineração. Com o seu declínio, não havia outra atividade para impulsionar o
desenvolvimento da região. Se caso essa incapacidade é verdade, como a província de
Goyaz sobreviveu ao declínio aurífero?
os filhos daqueles inquietos exploradores compreenderam que era impossível
continuar a ingrata mineração que exaure o solo e só enriquece o forasteiro, e
então puseram-se a cavar a terra, mas a cultivá-la, e de pronto de colheitas
feracíssimas, uma após outras, cada qual mais copiosa, recompensaram o
abençoado trabalho (TAUNAY, 2004, p. 35)
E acrescenta que,
tanta fartura, excedente de muito às necessidades do limitado consumo foi
aos poucos, mas seguidamente, atraindo nova imigração de gente, e esta
moralizada e afeita às lidas da agricultura. Foi assim que milhares de
mineiros, paulistas e cearenses vieram e vêm sucessivamente vindo povoar e
fertilizar os sertões de Goyaz, trazendo para essa nova terra de promissão
todos os benefícios da confiança no futuro (TAUNAY, 2004, p. 35).
Nesse sentido, à medida que Pohl, Saint-Hilaire, Cunha Matos defendiam o
caráter de paralisação econômica e ócio da população goiana. A ausência de
comunicações, de estradas e a falta de ação da população criaram, no imaginário dos
91
Engenheiro Militar lutou na Guerra do Paraguai. Durante este período da Guerra, fez relatos sobre as
regiões que passou, sendo uma delas Goyaz. Seis anos mais tarde, em 1876, foi eleito para a Câmara dos
Deputados pela Província de Goyaz.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Conforme Taunay, após o período de mineração,
169
viajantes, um confronto com suas visões de mundo, de progredimento, de civilização.
Nas palavras de Andrade,
não é possível a imposição do tempo do capitalismo aos homens da província
de Goiás, pois suas necessidades eram ligadas, praticamente, à caça, à pesca
e à coleta de frutos silvestres e mel: a satisfação não dependia de um esforço
continuado e intenso, marcado pelo ―tempo-relógio‖ capitalista. Era sazonal,
depende do ciclo irregular da natureza. Como exemplificação do olhar
etnocêntrico dos viajantes, na perspectiva da noção de tempo, o trabalho
assistemático, correspondente ao artesanato e a subsistência, era visto como
ócio, escassez e pobreza (ANDRADE, 2010, p.41)
Taunay também contradizia os relatos dos viajantes europeus, uma vez que
apresentava-se otimista e em cada relato seu, reiterava a confiança no crescimento
futuro da região. No modo de ver de Taunay,
penetre-se cada goiano da necessidade de trabalhar com vigor e constância,
sem desânimos e nem ambições repentinamente exageradas, melhore os
produtos que já tem; cultive os outros; procure para eles escoadouros; resista
com valor ao desalento e, dentro dos limites do restrito dever, com um
contingente relativamente mínimo, concorrerá para grande e auspicioso
resultado (TAUNAY, 2004, p. 10).
O viajante Oscar Leal92, em sua passagem por Goyaz, também notou o potencial
da região, e em Jataí, última cidade que esteve pela província relatou que,
Goyaz: o olhar dos artistas viajantes do século XIX
No século XIX com a transferência da corte, outro grupo de viajantes vieram
para o Brasil, os denominados paisagistas ou pintores, entre eles estavam o pintor
austríaco Thomas Ender e também o francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848), que
com a vinda da família real, tornou-se um dos principais pintores do período.
Estes viajantes paisagistas produziram pinturas de expedições realizadas pelo
interior, grandes capitais e principalmente da cidade de residência. Ao chegar ao
chamado ―Novo Mundo‖, estes artistas vindos com as popularmente chamadas missões
artísticas vão residir na sede temporária do reino português, o Rio de Janeiro.
92
Oscar Leal foi um viajante de descendência portuguesa que fez sua primeira viagem às terras goianas
em 1882, ano em que estava com vinte anos.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
O Jatahy conquanto seja uma povoação tão recente que ainda tem a ventura
de abrigar vivos os seus fundadores, é hoje uma villa notável pelos seus
edificios públicos e particulares, construídos por mãos hábeis, e pelo
magnífico local em que se acha situada. É a ultima povoação que existe
n‘esta banda de Goyaz (...) conquanto menor que o Rio Verde, é superior por
vários motivos, pois os homens ricos do Jatahy são mais patriotas e
compehendem melhor o alcance das cousas (LEAL, 1892, p. 193).
170
Segundo Fred Trivellato (2009) esses viajantes, ao registrar uma imagem,
realizam um recorte na paisagem, ou seja, optam em mostrar aquilo que lhe chama
atenção. As imagens dos viajantes contribuíram para o imaginário acerca do é o Brasil.
Em 1816 chega ao Rio de Janeiro a primeira missão artística, a Francesa. Esse
grupo de artistas contribuiu para a solidificação da produção nacional e transformação
da imagem da cidade para algo condizente ao olhar do mundo civilizado.
Com a vinda incentivada pelo casamento da Princesa Leopoldina da Áustria com
o Imperador Dom Pedro I, a missão artística austríaca chegou ao Brasil em 1817. Um
dos integrantes desta missão foi o artista Thomas Ender, que percorreu terras goianas
durante este período.
Na imagem acima de Ender, mostra em primeiro plano um grupo de pessoas ao
lado de uma vegetação e em segundo plano, ao fundo a esquerda, a Cidade de Goyaz. O
artista ao retratar a vegetação destaca algumas plantas do cerrado goiano, como também
as espécies plantadas pelo homem como a bananeira. Através deste detalhamento da
flora goiana, Ender explicita sua formação como naturalista.
Todas essas icnografias produzidas andavam junto com os relatos e tinham o
intuito de descrever o modo como os diversos elementos compunham cada lugar. Os
pintores e desenhistas aproveitavam seu trabalho para difundir o nosso país para o
exterior. Pablo Diener (1999) mostra qual seria a finalidade dessas obras na Europa,
Assim seus lápis e pincéis deveriam transformar-se no veículo documentador
que levaria à Europa, através dos resultados da expedição russa, imagens
reveladoras de recônditos deste espaço tropical, então bem pouco conhecido
pela ciência ilustrada. (DIENER, 1999, p. 83).
Outra expedição que percorreu as terras goianas foi a Langsdorff, esta de origem
russa. Comandada por Gregory Ivanovitch Langsdorff, esta percorreu durante os anos
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Vista da Cidade de Goyaz por Thomas Ender em 1819
Fonte: http://ovilaboense.blogspot.com/2009/04/thomas-ender-em-goyaz-1819.html
171
1822 a 1829 o interior do Brasil, passando pelas regiões de Minas Gerais, Mato Grosso,
Goiás, Rio de Janeiro e São Paulo. Esta expedição fazia parte dos esforços do Czar
Alexandre I em reavivar as relações comerciais com o Brasil, que haviam sido
prejudicadas no governo de Dom João VI. Como integrantes dessa expedição estavam
Johann Moritz Rugendas, Aimé-Adrien Taunay e Hercules Florence.
A seguir destacamos uma imagem de Johann Moritz Rugendas, Habitantes de
Goyaz. Nesta imagem, o artista representa os habitantes de Goyaz com outras
características, ou seja, evidencia traços semelhantes aos dos vaqueiros dos pampas
gaúchos e animais diferenciados da região em foco. Conforme Nasr Chaul (2001) ao se
referir desta obra, aborda que Rugendas era um exemplo típico de artistas que
Habitantes de Goyaz de Johann Moritz Rugendas
Fonte: CHAUL, Nasr e RIBEIRO, Paulo. Goiás: identidade, paisagem e tradição. p. 104.
Panorama of Goyas on Three Sheets de William John Burchell
Fonte: CHAUL, Nasr e RIBEIRO, Paulo. Goiás: identidade, paisagem e tradição. p. 97.
Na imagem acima, William John Burchell, que se situava entre os naturalistas
europeus ligados à especulação científica e dotados de recursos de desenho, representa
com uma riqueza de detalhes, a Cidade de Goyaz nos anos vinte do século XIX.
Miguel Luiz Ambrizzi afirma que,
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
retratavam lugares onde nunca havia estado.
172
Durante anos esses olhares estrangeiros permaneceram em acervos de
museus e, nos fins do século XX, um grande número de estudiosos,
historiadores, artistas, entre outros profissionais e instituições, foram
impulsionados por uma necessidade de resgatar esses registros que fazem
parte do patrimônio histórico, artístico e cultural do nosso país. Através de
exposições e de projetos institucionais (museus, curadorias) o conhecimento
dessas obras se deu não somente pela re-apresentação das mesmas, mas pela
sua atualização, relacionando-as com o presente mediante projetos de revisitas a estes caminhos trilhados por cientistas e artistas-viajantes.
(AMBRIZZI,
http://www.dezenovevinte.net/artistas/viajantes_mla.htm
acesso em 10 de novembro de 2010 às 9:00)
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Disponível
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<http://www.dezenovevinte.net/artistas/viajantes_mla.htm>. acesso em 08 de novembro de
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MATOS, J. R. da C.. Itinerário do Rio de Janeiro ao Pará e Maranhão, pelas províncias de
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Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
http://ovilaboense.blogspot.com/2009/04/thomas-ender-em-goyaz-1819.html acesso em 09 de
novembro de 2010 às 13:00.
173
SAINT-HILAIRE, A. de. Viagem a província de Goiás. Tradução de Regina Regis Junqueira;
apresentação de Mário Guimarães Ferri. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Editora da
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TRIVELLATO, F. T. O Brasil das pinturas e fotografia de viajantes: geografias, narrativas e
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VAINFAS, R. Dicionário do Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
LISTA DAS IMAGENS:
01-Vista da Cidade de Goyaz por Thomas Ender em
http://ovilaboense.blogspot.com/2009/04/thomas-ender-em-goyaz-1819.html
1819.
Fonte:
02-Habitantes de Goyaz de Johann Moritz Rugendas. Fonte: CHAUL, Nasr e RIBEIRO, Paulo.
Goiás: identidade, paisagem e tradição. p. 104.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
03-Panorama of Goyas on Three Sheets de William John Burchell. Fonte: CHAUL, Nasr e
RIBEIRO, Paulo. Goiás: identidade, paisagem e tradição. p. 97.
174
SIMPÓSIO TEMÁTICO 3 – CULTURA POPULAR, ORALIDADES E
LINGUAGENS AUDIOVISUAIS
Coordenação: Professor Dr. Cairo Mohamad Ibrahim Katrib e Profa. Dra.
Ângela Aparecida Teles
A FORMAÇÃO DA INDÚSTRIA DE CALÇADOS EM FRANCA (SP) .............................. 176
Soraia Veloso Cintra
A INCLUSÃO DE ALUNOS SURDOS EM ESCOLAS DA REDE PÚBLICA DE
ITUIUTABA – MG................................................................................................................... 184
Rogério da Silva Marques
AS MULHERES NO SERVIÇO SOCIAL ............................................................................... 191
Soraia Veloso Cintra
CONGADA, EDUCAÇÃO E RELIGIOSIDADE: PERPETUAÇÃO DE NOSSAS RAÍZES
AFRICANAS ............................................................................................................................ 202
Fábio Almeida Silva
COSTUMES E TRADIÇÕES DA VIDA RURAL E SUAS REELABORAÇÕES, NO
PONTAL DO TRIÂNGULO MINEIRO - 1950 A 2010 .......................................................... 209
Ana Flávia Ferreira
Lígia Gomes Perini
"SÃO MARCOS" EM FESTA: FESTAS COMO VEÍCULOS DE SOCIABILIDADE E FÉ
NAS COMUNIDADES AFEDADAS PELA U.H.E. SERRA DO FACÃO ............................ 232
Anderson Aparecido Gonçalves de Oliveira e Cairo Mohamad Ibrahim Katrib
VOZES EM FESTA: MEMÓRIA, HISTÓRIA E ANCESTRALIDADE NOS FESTEJOS DE
SÃO BENEDITO. ..................................................................................................................... 239
Fernanda Domingos Naves
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
DAR NÃO DÓI, O QUE DÓI É RESISTIR DO GRUPO TEATRAL TÁ NA RUA:
TRAJETÓRIAS E DISCURSOS NA CONSTRUÇÃO DE UM TEATRO POPULAR.......... 220
175
A FORMAÇÃO DA INDÚSTRIA DE CALÇADOS EM FRANCA (SP)
Soraia Veloso Cintra
Docente do curso de Serviço Social da FACIP/UFU;
pós-graduanda, nível doutorado, no programa de
pós-graduação em Serviço Social da Faculdade de
Ciências Humanas e Sociais da Universidade
Estadual Paulista – Unesp – campus de Franca (SP),
sob a orientação da professora doutora Claudia
Maria Daher Cosac.
A INDÚSTRIA DE CALÇADOS EM FRANCA
Historicamente, a formação da indústria de calçados é masculina.
O processo de desenvolvimento econômico da indústria calçadista brasileira
iniciou no Rio Grande do Sul, com a chegada dos primeiros imigrantes
alemães, em junho de 1824. Instalados no Vale do Rio dos Sinos, além de
atuarem na agricultura e na criação de animais, eles também trouxeram
consigo a cultura do artesanato, principalmente nos artigos de couro. [...] Em
1888 surgiu, no Vale dos Sinos, a primeira fábrica de calçados na região,
formada por Pedro Adams, filho de imigrantes, que também possuía um
curtume e uma fábrica de arreios. O estado gaúcho aumentava a demanda por
calçados, fazendo com que a produção se expandisse a cada ano formando,
ao longo do tempo, um dos maiores clusters calçadistas mundiais da
atualidade. (ABICALÇADOS..., 2009).
Em Franca não foi diferente. Carlos Pacheco, mineiro de Formiga (MG),
instalado na cidade desde os primeiros anos do século XX, sócio de uma fábrica de
município pelo uso das máquinas, a Jaguar. Fundada em 1920 foi transferida a seus dois
genros posteriormente e, seis anos depois, entrou em falência, sendo que maquinários e
demais equipamentos foram divididos entre os credores.
Entre 1920 e 1926, foram registradas em Franca sete empresas com
características similares à Jaguar com algo mais em comum – todas possuíam sócios em
seus quadros e se intitulavam sapatarias e selarias, também, como a primeira, fecharam
suas portas, e apenas uma sobreviveu até 1930. A mão-de-obra especializada formada
pela Jaguar seria absorvida nos anos seguintes pelas novas empresas que se formavam –
funcionário ou sócio.
De acordo com Coutinho (2008, p. 173), um ex-funcionário da Jaguar abriu seu
negócio. ―Mário Justino Ferreira, ex-funcionário da Jaguar, em novembro de 1925
inaugura sapataria e selaria, associado a Jerônimo Castro Oliveira. Em apenas 40 dias,
porém, Justino deixa a empresa, iniciada com 30 contos de réis‖. Em 1927, três
negociantes compraram as máquinas que sobraram da falida Jaguar e montaram a
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
fósforos, montou aquela que é considerada a primeira indústria de calçados do
176
Calçados Peixe – Clodomiro Honório da Silveira, Adalgiso de Lima e José Rodrigues
da Silveira Júnior. (Coutinho, 2008, p. 174). Outros ex-funcionários da Jaguar também
montaram seus negócios nos anos vindouros.
O autor destaca que no início do século XX os artesãos e as fábricas enfrentam a
concorrência dos calçados importados, realidade que mudará um pouco o cenário com a
instalação das estrangeiras: Calçados Clark, Bordallo, Calçados Villaça e Fábrica
Brasileira de Alpargatas e Calçados (mais tarde São Paulo Alpargatas). Calçados Clark
tinha em 1910, 450 operários em cada uma das quatro unidades, e o mais curioso é que
essa empresa que abriu suas portas no Rio de Janeiro em 1822 apenas como comércio,
chegou ao século XXI com negócios pelo e-commerce. Foi a maior indústria de
calçados do Brasil.
Essa realidade mudará nos anos seguintes em São Paulo e Rio de Janeiro. Mas,
até lá, a incipiente indústria francana ainda engatinha em busca de consolidação. Isto
porque, de acordo com Barbosa (2006, p. 66), ―[...] a indústria calçadista local teve
como característica fundamental a evolução gradativa da fase artesanal, passando a
manufatureira para, depois de quase meio século, alcançar o estágio de grande
indústria.‖ Na década de 1930, são registradas oito novas empresas que seguem o
movimento das anteriores: abrem e fecham em poucos anos ou meses. Neste período
surgem dois homens importantes para a constituição do pólo calçadista francano: os
Coutinho (2008) relata que foram abertas 69 empresas na década seguinte, entre
elas, Agabê e Medieval, que sobreviveram à primeira década do século XXI; e Calçados
Terra, cujo complexo construído no Distrito Industrial prima pela inovação –
escritórios, refeitório, chão de fábrica. Complexo este vendido posteriormente a São
Paulo Alpargatas e que abriga, na atualidade, a indústria de calçados Democrata. ―Em
1945, as cinco maiores empresas locais eram, por ordem de volume de capital, Calçados
Palermo, Calçados Peixe, Calçados Mello, Calçados Spessoto e Calçados Samello.‖
(BARBOSA, 2006, p. 77). No mesmo ano, Hugo Bettarello e seu sogro Miguel
Bagueira Leal fundaram a Calçados Agabê; em 1963, três sócios de origem síriolibanesa (José Abbud Sobrinho, Fause Abbud e Jorge Abbud) fundam a Calçados
Abbud. Chega-se a década de 1950 com 59 empresas abertas.
Interessante destacar que neste cenário de homens e máquinas as mulheres são
referenciadas apenas como mães ou esposas de figuras ilustres da indústria calçadista.
Exceção a dois momentos no relato de Coutinho (2008), pois em 1944, uma empresa
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
irmãos Antônio Lopes de Mello (1899-1955) e Miguel Sábio de Mello.
177
tinha uma mulher como sócia: ―Cristóvão de Oliveira Paes Leme e Maria Gomes da
Silva. Maria era comanditária93 e manteve investimento por um ano‖. A outra referência
aparece somente em 1955 – os sócios são Elvira Gimenes Garcia e Elsio Scott que
montaram a Gimenes & Scott.
Nos anos de 1940 ainda não havia um pólo calçadista em Franca, desenhavase. A população urbana no início da década totalizava quase metade dos
habitantes do município e a cidade acompanhava as mudanças que ocorriam
na estrutura econômica nacional: o crescimento da indústria superava o da
agricultura e o país não dependia essencialmente das lavouras de café para
gerar riquezas e sobrevivências. O empreendedorismo lastreado no
conhecimento das técnicas e na força do trabalho, carente de recursos
financeiros – uma característica da fabricação de calçados em Franca desde
1900 – ampliou-se geometricamente. Consolidou-se o ciclo que perdura até
hoje: o de trabalhadores transformarem cômodos da casa em oficina,
inspirados no êxito de industriais da mesma origem. Espelhar-se no
semelhante é um ponto fundamental para compreender não apenas a
formação como a existência do pólo. Novos fabricantes surgem em profusão
a partir de 1940; são ex-operários na maioria, com cerca de 26 anos de idade
na média geral, além de filhos ou parentes de antigos artesãos.
Posteriormente, várias dessas empresas também desovaram outros produtores
e assim sucessivamente. (COUTINHO, 2008, p. 189)
A partir da década de 1960, dezenas de indústrias de calçados foram abertas no
período chamado ‗milagre brasileiro‘ durante a ditadura militar. Esta se sustentava em
três pilares: arrocho salarial, empréstimos que aumentaram à dívida externa, e política
estatal favorável a presença do capital estrangeiro. Neste período, expandem-se as
multinacionais. Salários mais baixos, mão-de-obra abundante e reprimida foram os
[...] quando o governo militar passou a acenar com incentivos ao setor, as
possibilidades do mercado internacional começaram a aparecer no horizonte
[...] apenas uma parte dessas centenas de pequenas empresas criadas entre
1940 e 1970 sobreviveu às intempéries de uma economia marcada pela
instabilidade, pela inflação, pela dificuldade de crédito, assim como às
insuficiências de sua própria administração. (BARBOSA, 2006, p. 80)
Na presença de homens e máquinas, são as grandes indústrias de calçados
masculinos que ajudaram a escrever a história industrial de Franca. Apesar de a Samello
ter significado evolução outras, como as formadas pela família Martiniano, ajudaram a
demonstrar o potencial local.
93
Sociedade comercial em que alguns sócios entram com capital, mas não gerenciam os negócios.
(Houaiss, 2004, p.170)
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
atrativos para as empresas estrangeiras se fixarem no Brasil.
178
[...] a pequena empresa fundada nos anos 1950 por Genésio Martiniano, na
qual o proprietário se ocupava das tarefas de produção junto com os filhos
mais velhos, Nelson Martiniano e José Martiniano de Oliveira, deu origem a
um grupo econômico que nos anos 1980 já se destacava bastante para
assumir a fabricação de cabedais para a multinacional Nike no Brasil [...] a
performance alcançada nos anos 1990 pelas empresas surgidas com base no
grupo deixa patente que a ascensão dos Martiniano à categoria de grandes
empresários não pode ser negado. Uma delas, a N.Martiniano, contava em
1985 com 1.500 funcionários e faturamento de US$ 14 milhões, estando
entre as quatro maiores exportadoras locais. [...] A M2000 que tinha à frente
Antonio Galvão de Oliveira, um dos três filhos mais jovens do fundador
contava em 1992 com 2.200 funcionários e faturamento de US$ 80 milhões.
(BARBOSA, 2006, p. 107)
Barbosa ainda destaca três empresas que estão em funcionamento e foram
fundadas na década de 1960: Jacometti, J.Jacometti e Donadelli. As duas primeiras têm
origens nos irmãos Júlio e Onofre Jacometti que foram funcionários do Samello. A
Irmãos Jacometti foi fundada em 1969 e, em 1981 a sociedade foi desfeita originando os
Calçados Jacometti, dirigido por Elcio Jacometti (um dos filhos de Onofre), empresário
que chegou à presidência da ABICALÇADOS; e a J.Jacometti e Filhos, a ―[...]
fabricante escolhida para confeccionar o sapato do presidente da República, Luiz Inácio
Lula da Silva, eleito em 2002.‖ (BARBOSA, 2006, p. 109). Jorge Félix Donadelli, outro
empresário, começou sua empresa em 1961 junto com o irmão Alberto Donadelli, a
Irmãos Donadelli. Contava 21 anos quando montou a empresa sem conhecer o setor.
Formou-se em Contabilidade e Direito, e sua empresa está em pleno funcionamento.
abriram e fecharam suas portas. Justamente por causa deste movimento é difícil precisar
o número exato de indústrias que formam o parque calçadista francano. Calcula-se que
entre 700 e 3 mil fábricas podem funcionar na cidade, entre micros, pequenas, médias e
grandes, sendo que a concentração está nas microempresas que empregam até 10
pessoas.
O mundo do trabalho é alterado
Este artigo teve o objetivo de apresentar alguns dados da formação histórica da
indústria calçadista no município de Franca, mas é preciso ressaltar que juntamente com
os capitalistas, os trabalhadores têm participação ativa e importante neste cenário.
As mudanças ocorridas no mundo do trabalho trouxeram conseqüências
profundas para os sapateiros, como aponta Antunes (2000): precarização e destruição da
força humana que trabalha e conseqüente status de descartável, e destruição do meio
ambiente em nome do mercado produtor de capitais com o aval da sociedade que não se
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Entre a década de 1960 e a entrada do novo século, centenas de outras empresas
179
conscientiza. A crise estrutural do capital fez com que [...] ―entre tantas conseqüências,
o capital implementasse um vastíssimo processo de reestruturação, com vistas à
recuperação de seu ciclo de reprodução que afetou fortemente o mundo do trabalho.‖
(Antunes, 2000, p.21)
Durante a década de 1990 a indústria calçadista passou por alterações no
processo de trabalho que deixaram marcas difíceis de serem apagadas. A chamada
reestruturação produtiva trouxe insegurança ao mercado de trabalho e na representação
de classe (sindicatos), além de desigualdade e concorrência desleal entre os
desempregados. Muitas empresas usavam artifícios para baratear os custos da mão-deobra contratando especialistas, mas, registrando-os com cargos inferiores aos reais.
Franca possui capacidade instalada para 37 milhões de pares/ano e somente em 1986
chegou próxima desse número. Naquele ano, os sapateiros francanos produziram 35
milhões de pares. Na década de 1990, houve mudanças em três níveis: vendas, produção
e geração de empregos.
Se, em agosto de 1986, o número de empregados no setor calçadista chegava a
37 mil pessoas, em março de 1999 este número não ultrapassou 15.794, fechando o ano
com 15.153 trabalhadores. Os números voltaram a crescer no ano seguinte e, em 2000,
18 mil pessoas estavam trabalhando na indústria de calçados, sendo que nos meses de
outubro e novembro (período sazonal de fechamento dos pedidos) ela empregou quase
A redução de postos de trabalho não parou e, entre janeiro e dezembro de 1992,
o número de funcionários passou de 27.062 para 24.394 pessoas. Em 1993, antes do
Plano Real, o setor brasileiro de calçados totalizou 525 milhões de pares, sendo que
62% estavam destinados ao mercado interno e, em Franca, foram produzidos 31,5
milhões de pares.
Segundo Navarro (1998, p. 169), a ampliação das vendas do calçado francano
deveu-se às crises econômicas vividas na Itália e na Espanha, países expressivos na
produção de calçados, o que os levou à prática de políticas de valorização cambial,
tornando o valor do calçado masculino de couro menos competitivo no mercado
internacional e favorecendo a ampliação do volume de calçados exportados pelas
empresas francanas. Este momento, propício para o aumento das exportações, foi pouco
explorado pelas indústrias de Franca.
Em 1994, apesar da produção de calçados ter-se mantido como a do ano anterior,
os postos de trabalho continuaram oscilando entre 27.539 e 24.676 funcionários. A
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
20 mil trabalhadores. (Sindifranca, 2000).
180
mudança cambial, advinda do Plano Real, prejudicou fortemente o setor em 1995, ao
mesmo tempo, Espanha e Itália davam sinais de recuperação. Os postos de trabalho
continuaram a ser reduzidos e de 24.496 caíram para 18.557 em 1995. Falências e
concordatas também atingiram as empresas de calçados e suas correlatas em Franca. Em
1996, apesar dos 24,8 milhões de pares de calçados produzidos, a indústria de calçados
fechou o ano empregando 18 mil trabalhadores.
A redução dos postos de trabalho continuou em 1997/98/99. Nestes três anos, as
indústrias de calçados chegaram a empregar 16 mil trabalhadores com carteira assinada.
Somente em 2000 voltou a crescer e saltou para 18 mil, ou seja, dois mil postos de
trabalho foram reabertos. Neste período, houve a valorização do dólar, que aqueceu as
vendas no mercado externo.
Os trabalhadores que ficaram sem acesso ao trabalho formal tiveram que se
adaptar a uma nova realidade produtiva. O trabalho terceirizado expandiu-se na década
de 1990 e muitos ex-funcionários, apoiados pelas próprias empresas, montaram seus
negócios. Este trabalho não demandava (nem demanda) tributos para as indústrias
contratantes. Costura manual, pesponto e corte são três áreas da produção de calçados
constantemente terceirizados, mas, todas as demais operações podem ser realizadas fora
da planta industrial.
Navarro (1998) explica o que houve com os 20 mil postos de trabalho fechados
Em meio à aceleração do processo de reestruturação produtiva, a partir dos
anos 90, assistimos a um crescente movimento de descentralização da
produção que passa a ser denominado pelo neologismo ‗terceirização‘, cujo
padrão adotado no Brasil tem sido referenciado como ‗fraudulento‘, ‗espúrio‘
e ‗predatório‘, por buscar a redução de custos através da exploração de
relações precárias de trabalho que se objetivam em diferentes formas: na
subcontratação de mão-de-obra; nos contratos temporários de trabalho; na
contratação de mão-de-obra por empreiteiras; no trabalho em domicílio; no
trabalho por tempo parcial e no trabalho sem registro em carteira,
mecanismos esses que buscam neutralizar a regulação estatal e a sindical e
que colocam em risco uma série de direitos sociais e trabalhistas, duramente
conquistados. (NAVARRO, 1998, p.178).
Em 2007, dados da Associação Brasileira da Indústria de Calçados
(ABICALÇADOS) mostravam que, em todo o Brasil, existiam quase 8 mil indústrias de
calçados que geravam mais de 300 mil empregos diretos. Números superiores ao ano
2000 quando dados do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
apontavam 4 mil empresas, 260 mil empregos diretos e capacidade instalada estimada
em 560 milhões de pares/ano. A maior parte da produção é destinada ao consumo
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
no setor calçadista a partir de 1990,
181
interno e o Brasil é considerado o terceiro maior produtor mundial de calçados. Os
maiores são China e Índia, nesta ordem.
A indústria de calçados se adaptou aos novos tempos, deixou de trabalhar com
estoques para investir em pedidos e, a partir daí, ter a matéria prima em ritmo de
produção do bem manufaturado, no caso, o sapato. Flexibilizou a relação contratual,
passando parte da produção aos prestadores de serviços, terceirizados. ―O que se
apregoa no novo padrão é a flexibilidade dos processos e mercados de trabalho, dos
produtos e padrões de consumo, as respostas imediatas e diretas às demandas por
segmentos do mercado.‖ (SERRA, 2001, p. 154). Constantemente novos mercados são
buscados para garantir a ampliação econômica do capital, além da produção de calçados
com maior valor agregado.
Aos trabalhadores restam acompanhar esses momentos cíclicos, ora com mais
oferta de emprego, ora com menos. De acordo com Canoas (2007, p. 123) as fábricas
que nasceram em Franca não tiveram problemas com a mão-de-obra, pois a técnica de
fabricação do sapato é relativamente simples. A própria empresa contratante pode
ensinar o(a) aprendiz, o que dependerá da sazonalidade do setor, ou quem tiver interesse
pode se matricular em um dos muitos cursos oferecidos pelo Senai. É assim que o setor
funciona, até os dias atuais com conseqüências sempre nefastas aos trabalhadores. E os
trabalhadores devem estar preparados, pois mudanças estão sendo desenhadas em curto
substituirá quatro pessoas. A previsão é que ela chegue ao mercado em 2011 com custo
quatro vezes menor do que o registrado no seu lançamento (cerca de R$ 80 mil), mas o
salário do trabalhador não sofrerá alteração (cerca de R$ 1.200,00), gerando ainda mais
lucros para a empresa. Passado, presente e futuro se entrelaçam e contam a história da
formação da indústria de calçados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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http://www.abicalcados.com.br/estatisticas.html
ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho. Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho.
São Paulo: Boitempo Editorial, 2000.
BARBOSA, Agnaldo de Sousa. Empresariado fabril e desenvolvimento econômico:
empreendedores, ideologia e capital na indústria do calçado (Franca, 1920-1990). São Paulo:
Hucitec, Fapesp, 2006
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
prazo – para o setor de corte foi desenvolvida uma máquina computadorizada que
182
CANOAS, J.W. O movimento operário-sindical em Franca (SP): o sindicato dos trabalhadores
na indústria de calçados e a ação do Serviço Social – 1982-2984. CANOAS, J. W. Nas pegadas
dos sapateiros: 65 anos do STIC – Sindicato dos trabalhadores na indústria de calçados.
Franca: UNESP, 2007.
COUTINHO, A.C Couro Cru. Franca, Ribeirão Gráfica Editora, 2008.
NAVARRO, Vera Lúcia. A produção de calçados de couro em Franca (SP): a
reestruturação produtiva e seus impactos sobre o trabalho. Faculdade de Ciências e
Letras/Unesp. Araraquara. 1998. (Tese de Doutorado)
SERRA, R. Alterações no mundo do trabalho e repercussões no mercado profissional do
Serviço Social. SERRA, R. Trabalho e reprodução: enfoques e abordagens. São Paulo:
Cortez, 2001.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
SINDIFRANCA. Resenha Estatística. Ano 2000. (documento informativo do Sindicato da
Indústria de Calçados de Franca)
183
A INCLUSÃO DE ALUNOS SURDOS EM ESCOLAS DA REDE PÚBLICA DE
ITUIUTABA – MG
Rogério da Silva Marques
Graduando Serviço Social FACIP-UFU
Universidade Federal de Uberlândia
Ensino especial: diversidade do possível.
De acordo com CHAVEIRO e BARBOSA apud PIMENTA (2001), ―A surdez
deve ser reconhecida como apenas mais um aspecto das infinitas possibilidades da
diversidade humana, pois ser surdo não é melhor ou pior do que ser ouvinte é apenas
diferente.‖.
Dentro deste trecho supracitado percebe-se que quando se fala em diversidade na
condição do ser, a surdez se caracteriza como mais uma possibilidade do amplo campo
da diversidade. A partir do momento que passamos há não ver a surdez como ―defeito‖
ou ―aberração‖, se compreendera melhor as possibilidades e potencialidade em que a
pessoa surda possui isso ocorrera por sabermos respeitar sua condição e sua percepção
de mundo. Esta percepção de mundo e o que define a cultura surda e a cultura ouvinte,
na medida em que as percepções e compreensões do mundo ocorrerão de forma
diferente, as relações e formas de ser vão se diferenciar também, como exemplo, o
ouvinte tem sua percepção de mundo pelos cinco sentidos (visão, olfato, paladar, tato,
ouvintes na medida em que a comunicação se de por forma verbal, as formas de
expressar sentimento relações emoções se dará por estímulos sonoros, musicas,
instrumentos dentre outros, todos vinculados à audição. Já a pessoa surda na sua
percepção de mundo não terá o estimulo auditivo, ou seja, todo o processo já citado na
formação e constituição da identidade e cultura surda de diferenciará da ouvinte tal
como suas relações. O aluno surdo se caracteriza pelo individuo que na falta da audição
utiliza de outros meios no caso a linguagem gestual para que possa ter uma
comunicação eficaz entre seus pares (surdos) seus impares (ouvintes), linguagem esta
que vem no intuito de conhecer o mundo que o cerca em substituição a fala e a audição.
Processo Histórico da inclusão escolar em Ituiutaba-MG.
A Língua Brasileira de Sinais – Libras foi reconhecida como Língua Oficial da
Pessoa Surda, com a publicação da Lei nº 10.436, de 24-4-2002 e a Lei nº 10.098, de
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
audição) dentre estes e sentidos a audição e parte fundamental a formação da cultura dos
184
19-12-2002. A conquista deste direito aconteceu a partir de lutas e de muita busca por
parte dos surdos em ter reconhecido não só uma forma de se expressar mais toda uma
cultura inserida dentro de um processo sócio-cultural em que a comunidade surda
construiu e constrói suas relações e sua cultura que como já foi dito é diferente da
cultura dos ouvintes tem sim suas semelhanças e diferenças. Semelhanças, pois segundo
AZEREDO aupd PERLIN por muito tempo a cultura surda se submeteu à cultura dos
ouvintes visto que estes são a maioria na sociedade, criando-se estereotipo do surdo não
reconhecendo a identidade própria do surdo frente às relações sociais ai então suas
diferenças. Em Ituiutaba - MG o reconhecimento da LIBRAS se deu pela Lei nº 3204 de
30 de julho de 1996, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, afirmando
que a prefeitura terá interpretes de Língua de Sinais nas repartições de atendimento
externo. No contexto educacional desta cidade, por muito tempo o ensino para
portadores de necessidades especiais se destinava a APAE Associação de Pais e Amigos
dos Excepcionais, os alunos surdos estudavam junto dos demais alunos ouvintes que
tinham algum tipo de necessidade especial. Isto até o ano de 2005, a partir deste
momento a Escola Estadual Álvaro Brandão de Andrade, se torna escola inclusiva, deuse inicio a este projeto de escola inclusiva atuando coma capacitação dos profissionais
da escola. No ano de 2006 foram transferidos da Escola Estadual Educação Especial
Bem-Me-Quer, alunos deficientes auditivos. Vieram alunos da APAE que tinham
surdos a escola solicitou junto a Superintendência Regional de Ensino a designação de
Intérpretes de LIBRAS, para acompanhas estes alunos em sala de aula. Neste momento
escola buscou outros recursos para aperfeiçoar este projeto de inclusão como Curso
Básico de LIBRAS, projeto ―A arte de interpretar e ler‖ buscando trabalhar a linguagem
de sinais com todos os alunos estimulando a comunicação destes por esta linguagem. A
escola recebeu neste mesmo período a capacitação em LIBRAS - Língua Brasileira de
Sinais com a instrutora Luzia Alves Ribeiro (surda) que em entrevista disse que mesmo
com a criação de escolas inclusivas não houve muito avanço no ensino para o aluno
surdo, pois, percebe uma falta de interesse por parte das Universidades locais em
pesquisarem e desenvolverem materiais específicos para melhor ensino ao aluno surdo.
A questão: Ensino para surdo na realidade local.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
dificuldade de aprendizagem e deficiência mental leve. Diante das matriculas de alunos
185
O principal problema abordado neste trabalho é apreender se as escolas
estavam/estão preparadas pedagogicamente para receber os alunos portadores de
deficiência auditiva junto dos demais.
Dentro da questão levantada sobre a preparação da escola e capacitação dos
profissionais para receber este aluno com necessidades especiais, se torna importante
pensar como este aluno será inserido vendo que sua forma de expressar e percepção de
mundo se da de forma diferenciada dos demais alunos, ou seja, se a escola esta atenta à
cultura e identidade surda. Segundo Antonio Campos Abreu preservar a cultura e a
identidade surda é alem de necessário importante. Sendo assim em qualquer segmento
da sociedade deve-se respeitar e reconhecer que a pessoa surda tem sua própria forma
de pensar e de perceber o mundo, pois, enquanto ouvinte percebe o mundo que o cerca,
pelos ditos ―cinco sentidos‖ o surdo o percebe por quatro visto que a audição não lhe é
favorável. Este estudo se deu em duas escolas da rede estadual da cidade de Ituiutaba
(Minas Gerais), a partir de visitas as instituições buscando analisar qual a interação
entre os alunos surdos e ouvintes, na tentativa de compreender suas relações, pois a
inclusão se da pela troca de experiências, em que o surdo ao se comunicar transmite sua
linguagem gestual ao ouvinte e este estimula a leitura labial ocorrendo uma interação
entre duas culturas. Em contato com os professores sobre o processo educacional e as
formas de ensino, os professores relatam a dificuldade em trabalhar com o aluno surdo
melhores formas objetivas de trabalho para o melhor aprendizado do aluno surdo,
alguns professores dividem mesma percepção de que a trabalhar com instrumentos
visando o ensino do aluno surdo facilita também a aprendizagem dos alunos ouvintes.
Contexto escolar no processo de inclusão.
A educação, como espaço disciplinar mais também inter, trans e
multidisciplinar, em que as fronteiras entre os distintos campos de
conhecimentos se entrecruzam, e muitas vezes, se tornam difusas, solicita
cada vez mais dos profissionais que nelas atuam a capacidade de dialogar
transitar por caminhos insólitos e desconhecidos. (ARANTES, 2006, p. 10)
A escola é o espaço natural das diferenças e da diversidade, não apenas na
questão de necessidade especial, mais sim por ser um ambiente que ocorre a interação
de diversas culturas, formas de pensar e o local onde as diferentes crenças, costumes,
expressões do Ser passam pelo árduo processo de perceber o diferente e de aceita-lo.
Esta posta então à importância da escola e de seus profissionais ao conduzir as relações
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
por falta de material didático, e de tempo de estar próximo ao interprete pensando
186
entre estes alunos ―diferentes‖ entre si e iguais no sentido em que estão diante do novo,
enfrentando os desafios que este traz. O papel da escola se tornará de extrema
importância na medida em que deverá esta reordenar e dar um novo significado aos
espaços, em uma perspectiva de incentivar neste aluno o sentimento de inclusão e
respeito ao próximo. Visto que a inclusão e sim o ato de respeitar o outro na suas
características, formando então cidadãos conscientes e comprometidos com a sociedade.
O processo de inclusão não esta relacionado em colocar o aluno ―diferente‖ junto do
dito aluno ―normal‖ é sim, em possibilitar meios para que o processo de aprendizado se
dê de forma mais igualitária tendo materiais, instrumentos específicos para cada caso
voltado para o real aprendizado doa aluno e sua interação, visando seu reconhecido pelo
meio em que está inserido. Não como o que necessita de ―cuidados e condições
diferenciadas‖, más sim como um agente de direitos e deveres que executa sua
cidadania e alcança seus objetivos superando obstáculos e dificuldades impostas pela
sua condição de ser no caso de ser Surdo.
Perceber o surdo no contexto escolar
Em entrevista aos profissionais de educação se torna claro a falta de materiais
didáticos específicos para a atuação junto do aluno portador de necessidades especiais,
pois os profissionais encontram grande dificuldade de trabalhar em uma sala
não é só para com o aluno surdo que tem dificuldade em encontrar material especifico
más para a totalidade da diversidade em que uma sala de aula nos tempos atuais esta
inserida.
Dizem que tememos o desconhecido, a partir do momento em que a
comunidade em geral e em especifico a escolar reconhecer verdadeiramente o aluno
surdo a partir da sua condição de ser humano, percebendo-o como um agente promotor
de sua própria historia poderemos afirmar que esta se tendo ações efetivas de inclusão.
Em relação ao professor e sua atuação, a Lei de Diretrizes e Bases (1996),
dispõe que para a atuação educacional os profissionais da área de educação devem ser
capacitados de acordo com as necessidades do aluno, ―professores com especialização
adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como
professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos das
classes comuns‖ (LDB, 96: art.56, III). Dentro desta legislação deve-se então por parte
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
superlotada de alunos ambos com dificuldades cada uma na sua especificidade, ou seja,
187
do Estado, Escola fornecer capacitação dos profissionais segundo as necessidades de
aprendizado dos alunos, ou seja, no caso do aluno surdo não cabe ter apenas um
interprete os professores devem sim ter uma capacitação adequada para a atuação junto
ao aluno com necessidade especial.
Dentro da atuação do profissional junto ao aluno surdo na cidade de ItuiutabaMG, percebe-se que falta por parte do profissional regente de turma um conhecimento
da linguagem, forma de se expressar do surdo. Falta capacitação adequada para a
atuação, pois mesmo com a presença do interprete de língua de sinais, o professor sentese incapaz de atuar plenamente no processo de aprendizagem no qual o aluno esta
inserido. Colocando como responsabilidade do intérprete a responsabilidade em ensinar
o aluno surdo por estes se ―entenderem‖ melhor.
O Intérprete educacional no processo de inclusão
O interprete de Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, segundo Quadros (2003)
é o profissional que domina a língua falada e a língua espaço/gestual de um país,
estando qualificado a desempenhar a função de interprete, este tem de ter domínio dos
processos dos modelos técnica e estratégias na interpretação tendo uma formação
especifica na área de atuação, no caso ter formação na área de educação. Cabe então ao
interprete fazer o intermédio entre duas formas de se expressar sendo um mediador
A falta deste profissional junto ao aluno surdo inibe a participação do surdo
juntos as atividades, sentem desmotivados não acompanhando o desenvolvimento da
sala sendo excluído da interação social, não exercendo sua cidadania, impossibilitando a
comunicação com os que não conhecem a língua de sinais.
Deve-se deixar claro aqui que o interprete não é professor, ou seja, não cabe a
este ensinar, avaliar o aluno surdo. Ao professor compete o papel de educador
responsável pelo ensino utilizando da língua de sinais mais não implicando que este
venha ser um interprete.
O intérprete educacional para sua melhor atuação, deve ter acesso o ao conteúdo
em que será trabalhado em sala de aula pelo professor visando sua melhor atuação e
interpretação. O intérprete é deve ser considerado como um instrumento da
acessibilidade. O profissional intérprete deve reconhecer que em sala de aula é o
professor a autoridade, responsável por organizar e administrar este espaço segundo as
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
cultural a cima de tudo, estando aberto ao novo.
188
regras e normas da instituição. Saber se colocar ―neutro‖ dentro deste espaço de ensino
que esta em constante processo de mudanças e adaptações, ter ética e em direcionar os
questionamentos do aluno surdo ao professor sendo a voz deste nos debates fazendo o
surdo ser ―ouvido‖ pelos demais, para isso o intérprete deve conhecer a realidade em
que este aluno esta inserido, sua relação com a comunidade surda. Ao interprete cabe
orientar os professores sobre as características e do aluno surdo, como sua escrita,
traduzir as questões da avaliação. Seguindo o seu código de ética profissional.
Metodologia
A metodologia de pesquisa empregada deu-se por meio de questionários e
relatos tanto da parte do profissional docente, quanto de alunos surdos que estudaram,
desistiram e voltaram à escola recentemente, na expectativa de que com a presença do
interprete/tradutor da Língua de Sinais, houvesse maior possibilidade na aprendizagem.
Considerações Finais
As considerações finais mais relevantes giraram em torno de que o corpo
docente demonstrou dificuldade em trabalhar com o aluno surdo, quer por falta de
conhecimento da cultura e da história da comunidade surda, em que o aluno está
inserido, quer por falta de conhecimento da língua fonte, LIBRAS. E, mesmo com a
trabalhar, por falta de capacitação e material didático-pedagógico. É evidente que só
aceitamos o que conhecemos a partir deste ponto só se terá uma verdadeira inclusão do
aluno surdo na escola de ensino regular, sociedade se estas estiverem aptas a conhecer
não só as necessidades físicas e de material, más conhecer a realidade sócio-cultural,
histórica em que o aluno surdo esta inserido. Nossas hipóteses iniciais comprovaram-se,
definindo assim que a inclusão educacional não deve se resumir a uma simples inserção
do portador de necessidades especiais junto aos demais alunos, e sim, proporcionar a
estes condições igualitárias de ensino.
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190
AS MULHERES NO SERVIÇO SOCIAL
Soraia Veloso Cintra
Docente do curso de Serviço Social da FACIP/UFU;
Doutoranda no programa de pós-graduação em
Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e
Sociais da Universidade Estadual Paulista – Unesp –
campus de Franca (SP), sob a orientação da
professora doutora Claudia Maria Daher Cosac.
A educação das mulheres
A história do Serviço Social no Brasil é uma história de mulheres. Iniciou-se
com mulheres, como um movimento. Em seguida, motivou e incluiu homens.
Mas ainda hoje prossegue como uma história predominantemente feminina,
com conotações e características próprias que este feminino traz em si numa
sociedade patriarcal como a brasileira. (LIMA, 1991, p. 9)
O Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) contabiliza, na atualidade, mais
de 100 mil assistentes sociais em todo país sendo que 97% são mulheres – uma
profissão onde a presença feminina é majoritária. É uma tendência registrada desde o
primeiro curso iniciado em 1936, na cidade de São Paulo, e pode ser observada desde a
formação universitária. Percebe-se que a presença em números é bastante e expressiva,
mas são mulheres que, como suas antecessoras, continuam em luta pelos próprios
direitos à equidade de gênero.
América Latina, mais precisamente no Brasil, a presença de mulheres nos cursos de
Serviço Social foi incentivada, ainda que a sociedade resistisse ao trabalho feminino.
Um bom exemplo é o título do folheto que divulgava o curso em 1940: ―Uma profissão
feminina... já pensou no Serviço Social?‖ Os depoimentos das assistentes sociais Helena
Iracy Junqueira e Nadir Gouvêa Kfouri, formadas na primeira turma, demonstram essa
realidade: ―Nessa época o trabalho da mulher era encarado pela sociedade com certos
preconceitos: trabalhar só quando houvesse muita necessidade, mesmo porque se
considerava que o trabalho da mulher tirava o emprego dos chefes de família‖, afirmou
Junqueira. (MARQUES, 1994, p. 164)
Acabei o Normal e fui trabalhar, porque precisava. Naquela época, a nossa
postura era de que a mulher tinha direito a trabalhar e a ter seu salário. Mas
essa postura se chocava com a de algumas pessoas católicas que achavam que
a mulher não devia competir com o homem e que não deveria optar por um
trabalho remunerado. A tal ponto que uma dessas pessoas foi tão coerente
com esse ponto de vista, que quando convidada a exercer um cargo público,
nunca utilizou o dinheiro que ganhou! E fazia doação. Vejam é um tipo de
coerência que eu respeito, mas, certamente, discordando desse pensamento.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Interessante salientar que desde sua origem nos Estados Unidos, Europa e
191
Por aí vocês começam a ver a luta da mulher que está abrindo seus caminhos;
até hoje, sabemos que são caminhos que pressupõe longa caminhada.
(KFOURI, 1983, apud MARQUES, 1994, p. 164/5)
No século XVII, de acordo com Heleith Saffioti (1976), apenas duas mulheres
que moravam na cidade de São Paulo sabiam assinar o próprio nome: uma era
holandesa e a outra fora educada na Bahia. Um pouco antes da chegada da Família Real
ao Brasil no século XIX, as meninas das famílias mais ricas eram educadas nos poucos
conventos existentes. Aprendiam ler, escrever, as quatro operações básicas da
matemática e os ensinamentos domésticos. Vindas de Portugal, aos poucos o Brasil
conhece as professoras domiciliares, mas somente pela lei de 15 de outubro de 1827 é
que a mulher passa a ter garantido o acesso ao ensino de primeiro grau, possibilitando o
exercício do trabalho para algumas mulheres professoras. O problema que se verifica é
que elas ganhavam menos do que os professores, pois, somente eles ensinavam
geometria, o que garantia um salário maior. A lei de 1827 esbarrou no fato de que
existiam poucas professoras e escolas femininas e as que eram mantidas abertas davam
mais valor ao ensino dos trabalhos manuais. Depois de 1830 surgiu a proposta do ensino
do magistério, uma profissão feminina aceita pela sociedade (Saffioti, 1976). A
realidade mostra, porém, que somente em 1882, 20 mulheres conseguiram ser nomeadas
Com efeito, enquanto a escola secundária masculina procurava,
precipuamente, encaminhar os rapazes para os cursos superiores, distanciados
da realidade brasileira e de suas exigências práticas, a educação feminina
pautava-se pelo ideal de educação da mulher para o casamento. (SAFFIOTI,
1976, p.197)
A Igreja Católica, naquele momento, não incentivava a educação feminina, mas,
esta teve alguns avanços com as escolas de origem protestante. Em 1871, foi fundada a
Escola Americana (futuro Mackenzie College) que criou o primeiro curso secundário
(1886) e a Escola do Comércio (1902), ambos para as mulheres. ―Esta e outras
iniciativas das seitas protestantes, principalmente das Metodista e Presbiteriana,
trouxeram inestimável colaboração à educação dos brasileiros, sobretudo do sexo
feminino‖. (SAFFIOTI, 1976, p.215).
Antes da Proclamação da República, o Brasil passou por dois processos que não
modificaram a situação da mulher: a proclamação da Independência e a abolição da
escravatura. A Princesa Isabel assinou o documento oficial que libertava mulheres e
homens do jugo da escravidão, mas a mulher negra ficou na mesma situação da mulher
branca – à margem do sistema patriarcal que não lhe garantiu direitos. ―O ex-escravo
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
professoras para as escolas públicas.
192
seria considerado cidadão brasileiro para efeitos eleitorais, enquanto que a mulher, tanto
branca quanto negra, seria marginalizada da escolha dos representantes do povo no
governo‖. (Saffioti, 1976, p.176-177). Os ex-escravos saíram de seus antigos cativeiros
para ingressarem como mão-de-obra assalariada em outras fazendas; muitos trocaram o
campo pela cidade e, empobrecidos, não foram totalmente absorvidos pelos municípios
que se desenvolviam. Subempregos com baixa remuneração, serviços domésticos e
prostituição foram caminhos inevitáveis para a grande maioria com reflexos
discriminatórios até os dias atuais.
Aos poucos, o Brasil foi deixando de ser essencialmente agrícola para abrigar
indústrias. As mulheres passam a trabalhar nesses locais e, ainda que não tenham
consciência desse fato, começam a exercer papel importante no crescimento econômico
do país.
O trabalho nas fábricas, nas lojas, nos escritórios, rompeu o isolamento em
que vivia grande parte das mulheres, alterando, pois, sua postura diante do
mundo exterior. [...] Minado o sistema de segregação sexual e o de reclusão
da mulher no lar, decrescem as diferenças de participação cultural dos
elementos femininos e masculinos. Deste maior ajustamento da estrutura da
família às novas condições de vida urbano-industrial adviriam profundas
alterações na educação feminina. Se, por um lado, o ideal de educação
doméstica se conservava, por outro, a necessidade da educação escolarizada
para a mulher fazia-se sentir de maneira crescente. (SAFFIOTI, 1976, p.178180)
Foi, portanto, o movimento econômico que impulsionou a mulher ao mercado de
primárias e, aos poucos, conquistaram espaços nas secundárias, abrindo caminho rumo
aos cursos superiores. Segundo Saffioti, antes de 1930 foram poucas as mulheres que
conseguiram ingressar e diplomar-se no ensino de segundo grau e universitário. Neste
último, em particular, as mulheres conseguiram entrar em carreiras que os homens não
se sentiam compelidos a exercer, ou que foram desvalorizadas com o tempo, como
magistério e farmacêutico. Ao se transformar em um vendedor de remédios, e não mais
o responsável pela fabricação dos mesmos, registra-se redução acentuada da presença
masculina e a mulher conquista espaço nesta área. (SAFFIOTI, 1976, p. 219)
Em abril de 1931 foi promulgado o decreto 19.980 que remodelou o ensino
secundário brasileiro. A partir desse ano, o período escolar aumentou para sete anos,
sendo cinco de educação fundamental e dois de especialização profissionalizante. ―Tal
reforma beneficiou muito a população feminina, pois promoveu a penetração do
elemento feminino no ensino secundário, através do qual, anos mais tarde, ela poderia
ter acesso ao ensino superior‖. (Lima, 1991, p. 43). Até 1930, as mulheres brasileiras
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
trabalho e à escolarização. Elas passaram a freqüentar em maior número as escolas
193
continuavam fora das carreiras universitárias. Houve algumas exceções nas Faculdades
de Medicina e Direito, mas com grande protesto por parte de uma sociedade que
acreditava que a mulher deveria exercer apenas o papel de esposa, mãe e dona de casa.
Alguns anos antes, a Igreja Católica havia percebido a necessidade de
participação mais ativa da sociedade e baseada nas encíclicas papais Rerum Novarum e
Quadragésimo Anno passa a incentivar a participação dos fiéis em movimentos leigos,
trabalhando pelos menos favorecidos94. Esse ―incentivo‖ facilita a participação das
mulheres brasileiras no movimento católico leigo ao mesmo tempo em que conseguem
o direito ao voto (1932) e aumentam presença no cenário político, social, educacional e
cultural do país.
Diante desse novo quadro social, educacional e econômico surge uma nova
profissão no Brasil: o Serviço Social, cuja presença feminina é majoritária desde os
primeiros anos. A primeira Escola de Serviço Social foi implantada nos Estados Unidos
em 1898 chegando ao continente europeu em 1911, na França. Na Bélgica, país com o
qual o Brasil mais se aproximou na formação social, a primeira escola data de 1920. Na
América Latina, o curso de Serviço Social foi implantado no Chile, em 1925, e no
Brasil em 1936, especificamente na cidade de São Paulo. Foram muitas as mulheres que
E é neste cenário que, em 1932, as freiras do Des Oiseaux trazem da Bélgica
Mlle. Adéle de Loneaux para ministrar em São Paulo o primeiro curso de
formação social. Terminado o curso cria-se o CEAS e os primeiros Centros
Operários, onde algumas moças passaram a desenvolver um trabalho social
com as operárias e, finalmente, em 1936, surge a Escola de Serviço Social de
São Paulo, que inicia a sua primeira turma com 14 moças católicas que se
tornaram as primeiras assistentes sociais brasileiras. (Lima, 1991, p. 47)
Mulheres a serviço do social
Odila Cintra Ferreira nasceu no final do século XIX e deixou toda a sua história
escrita no século XX a serviço do social. A responsável direta pela criação da Escola de
Serviço Social de São Paulo nasceu em uma fazenda de café no município de Bragança
Paulista em 1899 e foi lá que começou seus estudos, passando também por Itu (SP). Foi
na Europa, primeiro Suíça depois Genebra, que a moça brasileira despontou para o
social. Em 1926, matriculou-se na Escola Normal Social de Paris, que em suas palavras
94
A Rerum Novarum foi proclamada pelo Papa Leão XIII e traz à luz do período a questão social, ao
mesmo tempo em que enfatiza a propriedade privada. Suas implicações, porém, não serão abordadas
neste texto.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
construíram essa história.
194
―preparava pessoas para trabalhar com operários‖ (Roy, 1983, p. 33) e, três anos depois,
entrou para a Escola de Estudos Sociais do Instituto Católico de Paris.
Conheci um padre jesuíta em Paris, e, conversando com ele, contei o meu
interesse em ir para Sorbonne. Ele me disse: ‗a senhora se interessa pela parte
social?‘ Respondi que me interessava. Então ele me disse: [...] ‗Entre para a
Escola Normal Social‘. Eu disse que não gostava de escolas de mulheres,
porque sempre fui aluna de mulheres. Ele me disse: ‗Mas essas são
extremamente inteligentes e cultas!‘. Foi aí que entrei no social. (Odila
Ferreira apud ROY, 1983, p. 34)
Na França, intensificou seus estudos, mas não chegou a formar-se assistente
social, tendo voltado ao Brasil devido à morte da irmã. Odila contou em entrevista a
professora Maria Tereza Roy, em 1977, e publicada pela Revista Serviço Social e
Sociedade nº 12, de 1983, que as freiras de Santo Agostinho (Des Oiseaux) queriam
oferecer algo mais às suas ex-alunas para que desenvolvessem trabalhos sociais. Assim,
tiveram a idéia de convidar uma pessoa para um curso voltado a ação social. Odila,
como integrante do movimento católico da época, participou ativamente desse curso que
culminou na fundação do Centro de Estudos e Ação Social (CEAS) em 1932. ―As
freiras a contrataram para um período de três meses para ministrar um curso intensivo
de formação social‖ (Roy, 1983, p. 37). A pessoa que veio para desenvolver o curso foi
Mlle. Adèle de Loneaux, professora na Escola Social e na Escola Normal Social, ambas
em Bruxelas (Bélgica). Cerca de 50 mulheres, entre ex-alunas do Santo Agostinho, do
colégio Sion e demais interessadas fizeram o curso.
Ramos
(1905-1992) e Maria Kiehl96, ambas descendentes de alemães receberam
bolsas de estudo para fazer o curso de Serviço Social na Bélgica e ajudar,
posteriormente, sua implantação no Brasil.
Maria Kiehl e Baby Ramos foram estudar na Escola de Bruxelas. Baby
porque gostava muito de trabalho social e queria realizar um trabalho na
fazenda dela, e Maria com a bolsa de estudos para a formação de assistência
95
Assistente social formada na École Catholique de Service Social de Bruxelas (1932). Participou da
fundação do CEAS (Centro de Estudos e Ação Social). Baby como era conhecida trabalhou com serviço
social voltado à infância e educação popular. Trabalhou no Instituto de Biologia Infantil no Rio de Janeiro
e, em São Paulo, no Instituto de Menores e no Serviço Social do Estado. Era neta do ―Rei do Café‖, de
Ribeirão Preto. O pai era engenheiro e a mãe dona de casa. Morreu em 13 de outubro de 1992. Sua vida
foi marcada pela simplicidade e pela dedicação ao Serviço Social. ―Em 1910, seu avô (que veio da
Alemanha) tinha 33 fazendas em Ribeirão Preto e Sertãozinho. Tais fazendas tinham 8 mil colonos‖
(IMA, 1991, p. 51)
96
Assistente social formada na École Catholique de Service Social de Bruxelas (1932). Dedicou-se a
Escola de Serviço Social de São Paulo ajudando a implantar o Serviço Social no Estado e foi a primeira
diretora técnica da Divisão de Assistência Social, vinculada a Secretaria de Justiça do Estado. Era de uma
família onde todos trabalhavam inclusive as mulheres. Maria Kiehl foi homenageada em 1959 pelo
Diretório Acadêmico da Escola de Serviço Social de Niterói por ter ajudado no planejamento e
organização da escola.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
A partir desse primeiro contato, Albertina Ramos, conhecida como Baby
95
195
social. Além disso, antes das duas terem partido para lá, o grupo de alunas do
curso resolveu fundar uma entidade que continuasse despertando interesse
pelo trabalho social. Então fundamos o Centro de Estudos e Ação Social, que
era uma entidade de pouca repercussão, mas que teve uma ação muito
grande, aqui no Brasil. (Odila apud ROY, 1983, p. 39)
A partir da experiência vivenciada por Odila na Europa e dos trabalhos
realizados pelo CEAS em vários bairros de São Paulo principalmente com mulheres
operárias, o Serviço Social começou a ganhar forma no Brasil. Odila foi a primeira
presidente do CEAS com uma diretoria composta por mulheres que ajudaram a
constituir o que viria a ser a primeira Escola de Serviço Social do Brasil: Eugênia da
Gama Cerqueira (secretária), Albertina Ambrust (tesoureira), Alice Meireles Reis
(auxiliar da presidente), Mary Quirino dos Santos (auxiliar da secretária) e Nair de
Oliveira Pirajá (auxiliar da tesoureira). As integrantes do CEAS trabalharam nos quatro
anos que se seguiram até a fundação da Escola de Serviço Social em São Paulo em
Enquanto o CEAS iniciava seus cursos e atividades práticas, considerando
insuficiente a formação obtida nas seis semanas de aulas dadas por Melle
Adèle de Loneaux e tendo como perspectiva a criação de uma Escola de
Serviço Social no Brasil, duas de suas sócias Albertina Ferreira Ramos e
Maria Kiehl seguem para a Europa a fim de realizar o curso de Serviço Social
na Escola Católica de Serviço Social de Bruxelas. Maria Kiehl assim justifica
a necessidade de uma formação mais aprimorada no exterior: ―Pareceu-nos,
entretanto insuficiente o nosso preparo para garantir a boa organização de
uma Escola de Serviço Social, pois se as escolas dessa natureza têm por
principal finalidade somar os inconvenientes da improvisação de dirigentes
de obras sociais, é claro que a primeira condição de eficiência das escolas de
Serviço Social é não serem elas próprias uma improvisação‖. (YASBEK,
1977, p. 36-37)
Elas voltam ao Brasil três anos depois, formadas em Serviço Social e
conscientes do papel que desenvolveriam dali em diante. Yasbek (1977, p. 38) cita o
exemplo de Maria Khiel que afirmou em 1942: ―Conscientes da responsabilidade que
iríamos assumir – formar assistentes sociais [...] logo vimos que tínhamos que fazer
nosso trabalho com todo vagar [...]‖. Este relato mostra que elas estavam
verdadeiramente preocupadas em formar assistentes sociais tecnicamente preparadas.
Posteriormente, no encaminhar da formação da Escola de Serviço Social, Odila queria
que uma das duas assistentes sociais formadas na Europa fosse a diretora. Inicialmente,
a escolhida foi Baby Ramos, mas esta acabou indo para o Rio de Janeiro assessorar a
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
1936.
196
deputada federal Carlota Pereira de Queiroz97, pois suas famílias eram muito próximas.
Maria Kiehl foi então apontada como diretora, permanecendo no cargo apenas um mês,
deixando-o porquê trabalhava no Departamento de Trabalho no período da tarde.
Odila Ferreira acabou assumindo e em sua gestão formaram-se as primeiras
assistentes sociais brasileiras: Heloísa Tapajóz de Morais, Anna Rosa Camargo Moura,
Dina Bartolomeu, Yolanda Maciel, Lucy Pestana Silva, Guiomar Urbina Telles, Haütil
Prado, Maria José da Silveira, Nair de Oliveira Coelho, Nadir Gouvêa Kfouri, Helena
Iracy Junqueira, Fátima Vasta de Souza, Maria Ignez de Barros Penteado e Maria
Amélia de Andrade Reis.
Em 1940, o CEAS elegeu uma nova presidente, Helena Iracy Junqueira, que
também assumiu a direção da Escola de Serviço Social. Ela teve a seu lado a monitorachefe Nadir Gouvêa Kfouri que também foi diretora da Escola quando Helena viajou
aos Estados Unidos para estudar. Marques (1994) destaca ainda que no primeiro
Conselho Diretor do CEAS Odila Ferreira contava com as duas assistentes sociais
formadas na Bélgica Maria Kiehl e Baby Ramos, e mais a professora Juventina Santana,
a psicóloga educacional Heloísa Prestes Monzoni e a secretária Maria Esther Leite
Odila Cintra Ferreira foi uma das fundadoras, um dos pilares da implantação
do Serviço Social no Brasil, porque, posteriormente, em 1948, fundou a
‗Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social, que perdura até hoje
como organização muito importante para o intercâmbio, defesa e
aperfeiçoamento do Serviço Social no Brasil. Vinha de uma família abastada,
mas era inteiramente preocupada com a problemática social. Pôde ir para a
Europa e, em 1926, diplomou-se na Escola Normal Social de Paris – França
[...] Era uma escola de Ação Social que preparava pessoas para trabalhar com
o operário principalmente. Era uma católica convencida de sua
responsabilidade de fazer algo em relação aos problemas sociais. Trabalhou
inicialmente na Liga das Senhoras Católicas, e lá sempre foi um elemento
‗subversivo‘, criticando, propondo mudanças; propôs uma pesquisa sobre a
condição dos menores. Era um elemento questionador, que lutava pela
implantação de uma situação melhor. (Junqueira apud MARQUES, 1994, p.
160-1).
97
Carlota Pereira de Queirós, médica paulistana, foi a primeira mulher eleita deputada federal no Brasil.
A política entrou em sua vida durante a Revolução Constitucionalista de 1932, quando o Estado de São
Paulo rebelou-se contra o governo provisório de Getúlio Vargas. Junto com a Cruz Vermelha paulista, ela
organizou um grupo de 700 mulheres para dar assistência aos feridos. Além de prestígio, esse trabalho
garantiu a ela uma vaga na Assembléia Nacional Constituinte, sendo empossada em novembro de 1933. A
parlamentar elaborou o primeiro projeto sobre a criação de serviços sociais no país. Após a promulgação
da nova Carta, em 1934, elegeu-se novamente, mandato que exerceu até a decretação do Estado Novo e o
fechamento do Congresso Nacional por Getúlio Vargas, em novembro de 1937. Fundadora da Associação
Brasileira de Mulheres Médicas, e membro da Academia Paulista de Medicina e da Academia Nacional
de Medicina de Buenos Aires, Carlota também trabalhou em hospitais alemães, franceses e suíços.
(disponível
em
http://www2.camara.gov.br/internet/fiquePorDentro/Temasatuais/mulheresnoparlamento/premio-carlotade-queiros, acesso em 15 de outubro de 2008).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Mamede – esta última permaneceu no Conselho até 1993.
197
Na década de 1970, Odila esteve mais uma vez a frente do CEAS, acompanhada
por mais oito mulheres: Heloísa Prestes Monzoni (monitora); Maria Esther Leite
Mamede (secretária), Eugênia da Gama Cerqueira (secretária); Odila Rôhe (tesoureira)
e um conselho técnico com as presenças de Maria Kiehl, Albertina Ferreira Ramos e
Juventina Santana. Uma das primeiras alunas do curso iniciado em 1936 foi Helena
Junqueira, responsável pelo desenvolvimento e consolidação da Escola de Serviço
Social de São Paulo. Sua história começa no interior de Minas Gerais na cidade de
Santa Izabel. Filha de Antonio Ribeiro Junqueira Sobrinho e Maria Tereza Jardim
Junqueira teve quatro irmãos. ―Como eu vivia no meio dos meninos, eu gostava muito
dos brinquedos deles e do ambiente descontraído que vivíamos; achava mais
interessante jogar bola, correr, subir em árvores [...]‖ (Junqueira apud Marques, 1994, p.
73). Seu pai tornou-se juiz e, por isso, a família deixou a fazenda em Minas para viver
em algumas cidades do interior paulista até chegar a capital, onde Helena completou
seus estudos.
Em 1931, diplomou-se professora normalista, antes de completar 18 anos e,
nesta época, sentia a necessidade de continuar estudando. Marques (1994, p. 74) destaca
que Helena e sua família a consideraram muito jovem para iniciar a carreira no
magistério em alguma escola rural do interior como faziam as professoras da época.
Passou então a dedicar-se aos esportes e estudos de línguas estrangeiras e fez parte da
1935 no curso de Filosofia na Faculdade de Filosofia e Letras de São Bento (SP) e, em
1936, no Serviço Social. Dois anos depois, formou-se pelos dois cursos e, em 1939
recebeu o título de Bacharel em Pedagogia. Depois de formada, ingressou no
Departamento de Serviço Social da Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo
ficando durante um ano, pois, a partir de 1940 substituiu Odila Cintra Ferreira na
direção do CEAS e da Escola de Serviço Social. Dedicava-se ao Serviço Social
duplamente, na direção da Escola e na docência. Foi professora das disciplinas Serviço
Social de Comunidade (1945-1957), Organização Social de Comunidade (até 1963),
Ética Profissional (1948-1961) e, na pós-graduação, na PUC/SP, ministrou
Planejamento em Serviço Social.
Em 1941, Helena e outras 13 colegas da América Latina viajaram aos Estados
Unidos (a convite deste) para conhecer as Escolas de Serviço Social e Organizações de
Bem Estar Social (Marques, 1994, p. 32). Quando voltou começou a disseminar a
maneira como as americanas ―faziam‖ Serviço Social. ―Em 1944/45 Helena matriculou-
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Juventude Feminina Católica. Com sua vontade de continuar estudando, ingressou em
198
se no curso de pós-graduação em Serviço Social na School of Apllied Social Sciences
da Universidade de Pittsburg, nos Estados Unidos, através de bolsa de estudo. Ela optou
pela área de Organização e Desenvolvimento de Comunidade‖ (Marques, 1994, p.33).
De volta a São Paulo, reassumiu a direção da Escola de Serviço Social e passou a
desenvolver diversas atividades. Entre 1953/54 foi secretária municipal de Educação de
São Paulo e, posteriormente, filiou-se ao PDC (Partido Democrata Cristão) sendo
candidata a deputada estadual (não eleita). Logo após foi eleita vereadora, integrando a
história política de São Paulo como a segunda mulher vereadora da cidade (1956-1959).
Foi professora titular no programa de pós-graduação em Serviço Social da PUC de São
Paulo, vice-presidente da União Católica Internacional de Serviço Social (UCISS),
organismo fundado em 1925 com sede em Bruxelas, e assessora técnica da ONU
(Organização das Nações Unidas). Ao lado da companheira Nadir G. Kfouri trabalhou
intensamente pela consolidação do Serviço Social no Brasil orientando a instalação de
Escolas por todo o país e, principalmente, trabalhando pela regulamentação e
reconhecimento dos cursos. Em entrevista a Lima em 1991 fez questão de ressaltar a
importância das primeiras assistentes sociais: ―A primeira turma de Serviço Social
precisa ser lembrada. Nós fomos a primeira turma no Brasil‖ (p. 90).
Nadir Gouvêa Kfouri (1913), também formada na primeira turma, constitui uma
das mais importantes personalidades do Serviço Social brasileiro. A assistente social
Assistentes Sociais (hoje CRESS – Conselho Regional de Serviço Social), foi registrada
com o número 026. Freqüentou o Instituto de Educação da USP em 1933 para
aperfeiçoamento pedagógico e, em 1935, outro para professores primários, voltando em
1937 para um curso de administradores. Ingressou na Escola de Serviço Social em
1936, tendo se formado em 1938. Fez diversos cursos de pós, especialização,
aperfeiçoamento e extensão no Brasil e Estados Unidos.
Desenvolveu diversos trabalhos ao longo de sua carreira, dividindo-se entre a
Escola de Serviço Social e a assessoria a diversas instituições. Foi monitora (1940-47)
na Escola de Serviço Social de São Paulo e sua vice-diretora (1947-51). Assumiu a
direção de 1951 a 1957 e voltou ao mesmo cargo de agosto de 1963 a 1972. Desse ano
até 1975 foi diretora geral do Centro de Ciências Humanas da PUC e reitora dessa
universidade por oito anos em dois mandatos – entre 1976 e 1980 – e desse ano até
1984. No segundo mandato, foi eleita pela comunidade acadêmica, sistema que
implantou durante sua primeira gestão. Enquanto estudava trabalhava no Departamento
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
nasceu em Avaré (SP), em 19 de dezembro de 1913. No antigo Conselho Regional de
199
de Serviço Social da Secretaria Estadual da Justiça e Negócios Interiores (criado em
1935) que mais tarde passou a chamar-se Secretaria da Promoção Social. Na década de
1970, atuou na Secretaria Municipal do Bem Estar Social (São Paulo) e assessorou
diversas instituições. Na Legião Brasileira de Assistência (LBA) de São Paulo foi chefe
de seção, planejamento e organização durante 12 anos (1951-63) e sua assessora durante
o ano seguinte. Também assessorou outras LBAs (Bahia e Minas Gerais) e escolas de
Serviço Social (Espanha e Uruguai); integrou bancas examinadoras de concursos
públicos para assistentes sociais; assessorou o Sesi Nacional (1972), a Secretaria
Municipal do Bem-Estar Social de São Paulo (1975) e participou de inúmeros
congressos, encontros e visitas de estudos.
Como outras assistentes sociais latino-americanas, recebeu bolsa para estudar
nos Estados Unidos e esteve na Catholic University em Washington, DC (1942), onde
cursou disciplinas como Serviço Social de Caso, de Grupo e Organização de
Comunidade. De volta ao Brasil, na Escola de Serviço Social de São Paulo, foi
professora de outras disciplinas, mas a mais importante foi o Serviço Social de Casos
(1943-1972). Entre suas várias atividades foi redatora-chefe da Revista Serviço Social e
redatora do Boletim da LBA (Neves, 1991, p.114). Em 2008, ano em que se
comemorou os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, Nadir Kfouri
foi homenageada pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo por sua trajetória
Um episódio emblemático da coragem de Nadir Gouvêa Kfouri aconteceu no
dia 22 de setembro de 1977, quando a PUC SP foi invadida por tropas
militares comandadas pelo então secretário da Segurança Pública de São
Paulo, coronel Erasmo Dias. Diante da Universidade ocorria uma
manifestação em favor da retomada da União Nacional dos Estudantes. A
polícia começou uma perseguição que se estendeu ao interior da
Universidade e que terminou com 900 presos, agressões, tumultos e
depredações. Diante da invasão policial, Nadir Kfouri se dirigiu ao coronel
Erasmo e cobrou explicações. ―Vocês depredaram a Faculdade‖, acusou.
Quando Dias respondeu que os danos seriam reparados, ouviu da reitora a
resposta contundente: ―Há danos que não podem ser reparados‖. Conta-se
também que no difícil diálogo travado com o coronel Erasmo, Nadir, teria
contestado o direito de a polícia entrar na Universidade com uma declaração
mordaz: ―A porta de entrada numa Universidade é uma única‖, disse ao
coronel , ―o vestibular‖. (CONSELHO..., 2008, on-line)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CONSELHO Regional de Psicologia (SP). 60 anos da Declaração Universal dos
Direitos
Humanos.
Homenagens.
Disponível
em
http://www.crpsp.org.br/crp/midia/jornal_crp/158/frames/fr_capa.aspx
Acesso
em
novembro de 2010.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
em defesa da cidadania e da democracia.
200
LIMA, V.L.A.F.M. O início do Serviço Social no Brasil: um feminismo cristão.
Dissertação de mestrado apresentada a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
São Paulo, 1991.
MARQUES, A. Helena Iracy Junqueira: a construção de uma mentalidade em
Serviço Social. Tese de Doutorado apresentada a Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo. São Paulo, 1994.
NEVES, N.P. Nadir Gouvêa Kfouri: o saber e a prática do Serviço Social no Brasil
(1940-1960). Tese de Doutorado apresentada a Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. São Paulo, 1991.
ROY, M.T. Entrevista com Odila Cintra Ferreira. Revista Serviço Social e Sociedade
nº 12 (Número especial em comemoração aos 50 anos do Serviço Social no Brasil).
Editora Cortez: São Paulo, 1983.
SAFFIOTI, H.I.B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis:
Vozes, 1976.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
YASBEK, M. C. Estudo da evolução histórica da Escola de Serviço Social de São
Paulo o período de 1936 a 1945. Dissertação de Mestrado apresentada a Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 1977.
201
CONGADA, EDUCAÇÃO E RELIGIOSIDADE: PERPETUAÇÃO DE NOSSAS
RAÍZES AFRICANAS98.
Fábio Almeida Silva
FACIP/UFU - História
Êêêêêê Mãe África! Somos teus filhos...
Viemos eu e meu povo pra te louvar...
Nossos ancestrais acabaram de chegar!
Saravá nosso Rei e nossa Rainha tão formosa não há...
Saravá as forças dos orixás que veio pra nos abençoar!
(Fabio A. Silva)
E tudo começou em Africa
O continente africano é o berço da vida em nosso planeta, isto estudos mais
pormenorizados podem comprovar. Musicalidade e ritmo, religiosidades e oralidades
estas e dentre muitas outras são concernentes a matriz africana.
Em detrimento a um pré-conceito muito forte ainda arraigado em nossa
sociedade hodierna dificulta o processo de mudanças em relação ao respeito e
valorização da cultura afro-brasileira. É importante lembrar que a filosofia hegeliana
contribuiu muito para que este tipo de pré-conceito fosse desenvolvido e tomasse pé
quando afirma: ―A África não é um continente histórico, não demonstra nem mudança
nem desenvolvimento‖.1 Utilizar os padrões europeus para definir evolução social de
retirando toda e qualquer possibilidade de inclusão social, é exatamente o que Hegel
afirma na sua fala em epígrafe. Todos nós pertencemos a África esta certeza deve criar
raízes mais profundas para que tenhamos resultados profícuos para nossa sociedade, por
exemplo a paz social, melhores condições de vida onde ninguém se sente excluído tendo
direitos iguais em se manifestar sócio-culturalmente, a consciência de pertença à África
deve ser uma emergência dos planos de desenvolvimento social em nosso país.
98
Este pequeno trabalho é dedicado ao Congo da Libertação e dedico-o antes de tudo ao meu querido
Avô João Preto, Pai Benedito meu mestre e a minha querida Avó Maria Conga, a minha querida e amada
esposa Cláudia Luiza Almeida que também é minha mãe de terreiro que muito me apóia nos trabalhos e
estudos acadêmicos e a todo o meu povo representado por: Maria Leamar, Lucas Ismael, Douglas José,
Tarcisio Cândido que coordenou brilhantemente este projeto lá na nossa sede o Terreiro de Umbanda
Casa de Caridade São Lázaro, e a todos enfim que me ajudam e me ajudaram até o presente momento a
chegar até aqui, muito ainda tenho que caminhar, pois ―a estrada é longa, muito longa...‖ mas a minha fé
na Umbanda e nos guias chefe de meu terreiro e com minhas Sete Linhas da Umbanda sei que chegarei
lá. Que as Sete Linhas da Umbanda Abençoem a todos! QUE ELE SEJA ETERNO... E ELE SERÁ!
SARAVÁ O NOSSO REINADO! SARAVÁ O CONGO DA LIBERTAÇÃO! SARVÁ AS SETE
LINHAS DA UMBANDA!
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
outros povos seria por assim dizer um ―genocídio social‖, pois está excluindo e
202
Sabemos que não mais podemos retornar no tempo e corrigir erros referentes a forma
como a sociedade africana com todos os seus nuances, mas podemos fazer com que os
filhos desta mesma África tenham dignidade e respeito sendo reconhecidos como
cidadãos
que são e tendo assim o pleno direito de se manifestar política e
culturalmente.
Cultura religiosa: africanidades em terras brasileiras
Quando falamos de cultura nos vêm na cabeça várias idéias de ―cultura‖, mas
como entendemos e/ou o que é cultura? Cultura popular e cultura erudita, qual a
diferença? Estas e outras questões fervilham em nossas cabeças e muitas das vezes estas
idéias nos bombardeiam nos Mass Média e nem ao menos o esclarecimento sobre estas
temáticas tão polêmicas não são oferecidas para melhor vivermos a ―Cultura‖. Assim
antes de falar sobre a cultura africana ou africanidades gostaria de pincelar rapidamente
sobre este assunto para que tenhamos uma base mais sólida para entendermos um
pouquinho sobre a cultura de matriz africana, e aqui já deixo uma dica, para
entendermos o porquê da obrigatoriedade do ensino da história da África nas escolas
brasileiras, esta perpassa também pelo entendimento do valor da cultura africana como
componente miscigenado e miscigenador em nossa sociedade brasileira.
Segundo Stuart Hall os seres humanos são seres instituidores de sentido, explica
logo toda ação do ser humano é cultura e por tabela subentende-se que tudo no ser
humano é história, a cultura e a história são concernentes a todo ser humano, algo que
não pode ser retirado deste. A cultura africana está foi degradada pela ação do
capitalismo que a devorou como um leão devora um garrotinho indefeso e é resultado
também do etnocentrismo europeu promovido pelo cientificismo europeu no século
XIX. Derrubar este conceito seria o primeiro passo para o reconhecimento de uma
riqueza imemorial que existe na cultura africana tão menosprezada pelos que se dizem
pertencer a civilizações modernas. A centralidade da cultura que pairam sobre os
paradigmas que provocara ―virada cultural‖ afirma Stuart Hall, no interior das
disciplinas tradicionais. Se todo ato dos seres humanos são ―cultura‖, então podemos
assim concluir que cada instituição, cada povo tem as suas simbologias, os seus signos
culturais que são suas marcas indeléveis que caracterizam a sua ação no mundo. Stuart
Hall questiona: ―[...] se a cultura está em tudo e em toda parte, onde ela começa e onde
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
ele que isto acontece por que estes contribuem para que toda ação social seja cultural,
203
ela termina?‖ A cultura não tem um ponto de partida, porque como já foi afirmado
acima a ação humana é geratriz da cultura, logo não há esta limitação de ―início‖ e
―fim‖ como o mesmo Stuart Hall afirma: ―[...] o que aqui se argumenta, de fato, não é
que ‗tudo é cultura‘, mas que toda prática social depende e tem uma relação com o
significado: que toda prática social tem uma dimensão cultural[...]‖.
Chegados ao Brasil os negros africanos encontram uma realidade cultural
totalmente alienada daquela que viveram em África, a cultura européia que já
massacrara os indígenas com suas catequeses e dominação de suas terras. Cativos em
terras estranhas única solução era fazer desta terra desconhecida de um ―pedacinho da
África‖ a cultura africana a muitos desconhecida, com práticas politeístas onde o
panteão não se baseara no sistema religioso judaico-cristão e acreditava na força da
ancestralidade, oralidade e tradições tribais era preciosidades imprescindíveis na
compreensão da africanidade em terras brasileiras. As fontes que mais conhecemos são
de viajantes que ao adentrar em terras brasileiras iam registrando em cartas e diários
sobra tudo que encontravam. Na década de 1840 a corte portuguesa promoveu um
concurso pelo IHGB (Instituto Histórico Geográfico Brasileiro) do qual Kal Von
Martius, naturalista, botânico, viajante que deixou vários registros sobre a natureza e as
gentes do Brasil. O problema é que Martius pensava o ―hibridismo racial‖ como o
cruzamento de plantas e animais (Vainfas,1999). Este conceito de ―raça‖ como
quanto a sua essência.
A questão racial é uma problemática que vem se arrastando ―per ómnia saécula
seculórum‖, a qual é fonte de discriminações identitárias que com auxílio do
capitalismo colabora para a segregação influenciando assim nas condições sociais em
que vivemos, corrupção, violência, fome e muitas outras desigualdades que assombra
nossa sociedade. Como muito bem trata sobre este assunto Octavio Ianni:
Ao lado de outros dilemas, também fundamentais, como as guerras
religiosas, as desigualdades masculino-feminino, o contraponto natureza e
sociedade e as contradições de classes sociais, a questão racial revela-se um
desafio permanente, tanto para indivíduos e coletividades como para
cientistas sociais, filósofos e artistas. Uns e outros, com freqüência, são
desafiados a viver situações e/ou interpretá-las, sem alcançar sua explicação
ou mesmo resolvê-las. São muitas e recorrentes as tensões e contradições
polarizadas em termos de preconceitos, xenofobias, etnicismos,
segregacionismos ou racismos; multiplicadas ou reiteradas no curso dos anos,
décadas e séculos, nos diferentes países. Esse é o dilema envolvido na
polêmica entre Bartolomeu de Las Casas e Juan Ginés de Sepúlveda, na
época da conquista do Novo Mundo, repetindo-se e desenvolvendo-se nas
vivências e ideologias, teorias e utopias de muitos, no curso dos tempos
modernos. Essa é uma história na qual entram Herbert Spencer, Conde de
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
conotação de que há espécies diferentes de seres humanos vulgariza o ser humano
204
Gobineau e Georges Lapouge, tanto quanto o evolucionismo e o darwinimo
social, o nazismo e o americanismo.
Também Gilberto Freyre sob a influência do cientificismo citado a cima afirma
em sua obra ―Casa grande e senzala‖ que o Brasil teve uma ―escravidão branda‖, onde
estes não eram apenas explorados, pois também era beneficiados com assistência
religiosa e moral, diferenciando assim o escravo doméstico do escravo que trabalhava
em serviços mais vis e logicamente que os domésticos tinham estes benefícios já
citados. Assim concluímos que a obra de Gilberto Freyre precisa de uma releitura, já há
idéias obscuras e eurocentristas como nos fala Flávio Rabelo Versiani:
Em várias passagens, Freyre faz distinções explícitas entre as formas de
tratamento de escravos domésticos e de outros escravos. Mencionando, por
exemplo, o fato de que diversas cartas-régias, no século XVII e início do
XVIII, "indicavam que muitos senhores não davam então aos escravos o
necessário descanso nem tempo de trabalharem para si", Freyre comenta:
"mas é evidente que se referiam antes à escravaria grossa que aos escravos do
serviço doméstico". Estes últimos eram também "beneficiados por uma
assistência moral e religiosa que muitas vezes faltava aos do eito". Haveria de
fato uma hierarquia ou gradação entre escravos, ocupando os domésticos a
posição superior: "nessa hierarquia, a parte aristocrática eram os escravos do
serviço doméstico", que eram muitas vezes tratados "quase como pessoa de
família". Ficavam esses escravos, admitidos na intimidade das casas dos
senhores, como uma "espécie de parentes pobres nas famílias européias"
(Freyre 1981[1933]: 475-76, 450, 476, 352).
Como acabamos de averiguar na citação a cima os escravos não tinha a
liberdade de exprimir os seus costumes, a princípio porque não tinham tempo nem para
descansar e em segundo lugar os domésticos catequizados (doutrinados) pelos padres
senzala que praticaram suas culturas e os mais corajosos afrontara a ―inibição cultural‖
que lhes eram impostas pelos seus senhores. Até o século XVIII as formas de cultuar
seus ancestrais eram denominados de calundus que traduzindo significaria batuque ou
batucada, isto porque os negros ao fazerem seus rituais sagrados sempre o faziam ao
som de atabaques, e assim depois de tanta perseguição já no século XVII e XVIII
conseguem o direito pelos seus senhores de uma vez na semana fazer suas festas e
comemorações religiosas. A priori os primeiros calundus restringia-se única e
exclusivamente nas fazendas. Quando chegaram às cidades não se sabe datas precisas,
mas de uma coisa temos plena certeza de que nunca foram bem vistos por ser uma
religião de incorporação e até hoje em pleno século XXI temos estes tabus a serem
quebrados.
No Brasil como em muitas colônias espanholas e inglesa reis negros foram
trazidos como escravos, estes tinham sua corte como os reis europeus, com seus ritos
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
católicos eram reprimidos quanto a suas crenças e/ou suas culturas. É na surdina da
205
reais e suas ―festividades palacianas‖ só que estas respeitando os costumes tribais de
suas épocas, quando refiro-me a ―costumes tribais‖ não diminuo e nem coloco os povos
africanos em escala menor em relação ao europeus, assim denomino porque assim eram
os seus estilos de vida nos séculos XVI ao XIX, se bem que no século XXI ainda temos
tribos africanas como por exemplo, os Pigmeus conservando os seus costumes e rituais.
Marina de Melo e Souza (Departamento de História FFLCH/USP) produziu um
artigo que faz uma análise dos Reis Congo no Brasil no século XVI ao XIX e assim ela
nos fala:
No Brasil existiram reis negros entre algumas comunidades
afrodescendentes, fossem elas quilombolas ou grupos de trabalho, mas
principalmente nas que se agrupavam em torno de irmandades leigas de
devoção a determinados santos, com destaque para Nossa Senhora do
Rosário e São Benedito. A principal atividade dessas irmandades, além
daquelas relacionadas ao enterro dos irmãos, era a realização da festa anual
em homenagem ao seu orago,ou seja, santo de devoção, e nela o rei desfilava
em cortejo pela cidade, seguido de sua corte, de seus músicos, de seus
dançadores, que podiam apresentar encenações, algumas vezes descritas por
observadores atentos a essas manifestações da cultura afro-brasileira, o que
permitiu que informações sobre elas chegassem até nós. Enquanto a maioria
dessas descrições são do século XIX, para o século XVIII podemos recorrer a
um ou outro registro feito por observadores dos reinados negros e a
documentos de irmandades de ‗homens pretos‘ (este é o termo mais comum
pelo qual elas são identificadas nos documentos), onde estão descritas as
normas de escolha, as condições impostas aos candidatos aos cargos e suas
obrigações.
Estas são as primeiras festas oficiais realizadas ao reinado africano (Rei Congo)
documental das suas festas. Assumir um papel dentro da Igreja Católica era um dos
meios de resistência da cultura Africana, o sincretismo religioso não é uma aceitação da
fé católica, mas sim um instrumento para perpetuar a Cultura Negra já que as formas de
religiosidade eram perseguidas pela Igreja e do poder civil sob alegação de
charlatanismo isto explica o sincretismo. Ainda no século XX as religiões de matriz
africana foram perseguidas e começa a ganhar novos valores no século XXI a partir das
pesquisas que junto com o conhecimento da cultura africana buscar a valorização e
fazer com que o índice de racismos e pré-conceitos sejam extirpado dos meios sociais.
África no Curriculum escolar: Lei 10.639/2003
Em 1988 a Constituição Brasileira propusera inclusão social, os quais eram meta
para esta inclusão social os povos indígenas e os negros. Nesta perspectiva os grupos de
resistência negra e indígena (FUNAI) tomam novo vigor e ganham mais força para
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
onde as irmandades de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito faziam o registro
206
resistir a toda e qualquer forma de preconceitos e na luta por melhores condições de
vida. Assim afirma Alberto da Costa e Silva em seu livro em seu livro: ―O Brasil, a
África e o Atlântico no século XIX‖:
O Brasil é um país extraordinariamente africanizado. E só a quem não
conhece a África pode escapar quanto há de africano nos gestos, nas
maneiras de ser e de viver e no sentimento estético do brasileiro. Por sua vez,
em toda a outra costa atlântica podem-se facilmente reconhecer os
brasileirismos. Há comidas brasileiras na África, como há comidas africanas
no Brasil. Danças, tradições, técnicas de trabalho, instrumentos de música,
palavras e comportamentos sociais brasileiros insinuaram-se no dia-a-dia
africano.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), ratificando
posição da Constituição Federal de 1988, determina que "o ensino da História do Brasil
levará em conta as contribuições das diferentes etnias para a formação do povo
brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia" (art. 26, § 4º)2.
Como é de práxis no Brasil a lei só serve para ocupar papel, pois como nos fala a
própria constituição ―[...]o ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições
das diferentes etnias para a formação do povo brasileiro [...]‖ só que isto não era o que
ocorria nas nossas escolas, tínhamos livros que pouco mostrava a realidade dos negros e
índios que muito contribuíram para o crescimento de nosso Brasil.
É neste contexto de novas perspectivas que a lei 10.639/2003 que obriga o
ensino obrigatório de História da África nas escolas. Mediante as características
comunidades negras de nosso imenso Brasil. Logicamente que ainda há muitas barreiras
a serem vencidas. Não basta simplesmente colocar uma lei que exige que seja ensinada
para as nossas crianças a história de África e de nossos ancestrais, os escravos, temos
que ter livros didáticos de qualidade e professores bem preparados para lecionar.
Professores que saibam lidar com as diferenças, que é um fato real em nossas salas de
aula.
Conclusão
Esperamos novos tempos, essa é nossa certeza e os sinais estão aí basta que cada
um abra o coração e a mente para enxergar que mudanças estão acontecendo o caminho
que temos que percorrer ainda é longo, mas é certa a vitória para aqueles que não
desistem de lutar. E este simples e humilde trabalho que não tem pretensões alguma
quer simplesmente apontar esses novos ventos que sopram e pairam sobre nós agora
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
semelhantes existentes em África e no Brasil esta lei é uma grande vitória para as
207
neste momento, que com a conquista da Lei 10.639 seja porta para outras leis que dão
vez e voz para as outras classes segregadas, descriminadas e/ou colocada a margem da
sociedade. Espero que você caro leitor também seja esse grande trombeta que anuncia,
mas que também possa denunciar as incoerências e injustiças até que consigamos um
mundo melhor e mais justo. Utopia, é o que você pode estar achando, mas quem não
sonha não merece viver, pois a vida é sinônimo de luta e como diz Sócrates: ―Uma vida
sem lutas não merece ser vivida‖
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
curriculares nacionais: pluralidade cultural, orientação sexual. Brasília, DF: MEC/SEF, 1997.
FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala. Introdução à História da sociedade patriarcal no
Brasil. Rio de Janeiro: Editora Record, 2000.
HALL,Stuart. Representation: cultural representation and signifying practices. Londres,
Sage/The Open University (livro 2 da série)
HEGEL, Wilhelm Friedrich. Introdução à História da filosofia in Hegel – Os pensadores. São
Paulo: Abril Cultural, 1985, p. 316 – 392.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
SOUZA, Marina de Mello e. Reis do Congo no Brasil Séculos XVIII e XIX. Departamento de
Historia. FFLHC/USP
208
COSTUMES E TRADIÇÕES DA VIDA RURAL E SUAS REELABORAÇÕES,
NO PONTAL DO TRIÂNGULO MINEIRO - 1950 A 2010
Ana Flávia Ferreira
Graduanda em História
Universidade Federal de Uberlândia –
Faculdade Ciências Integradas do Pontal
Entre outros aspectos, umas das motivações para a realização deste trabalho
advêm de inquietações pessoais a respeito de pessoas que saem da zona rural e vão para
cidade em relação às maneiras como estas preservam seus hábitos e costumes. Muitos
de meus familiares pertencem a esta situação de terem vivido a maior parte de suas
vidas na zona rural - do Pontal do Triângulo Mineiro, região do Alto Paranaíba -, e por
motivos variados, transferindo-se para o meio urbano quando passam a lidar com novos
hábitos e costumes, sem, no entanto, querer se desprender de experiências anteriores
que carregam consigo. Hoje, mesmo vivendo em meio às condições de acesso a certos
recursos tecnológicos ao alcance de quem reside no meio urbano, preservam na
memória costumes, mantêm tradições da vida rural e relembram com saudade histórias
de viveres no campo.
É notório que nas últimas décadas a zona rural está se esvaziando. As pequenas
propriedades estão a cada dia se extinguindo, dando lugar à expansão canavieira
que ostenta o verde das plantações de cana. A paisagem rural da região do Pontal do
Triângulo Mineiro vem sendo redesenhada com o desaparecimento das pequenas
propriedades, fazendo com que outras instâncias comecem a sofrer esvaziamento, como
as escolas rurais, sendo poucas as que ainda resistem, pois quase não há mais estudantes
e, os poucos que permanecem buscam escolas das cidades próximas.
[...] mesmo diante desse quadro de transformações profundas é impossível
não perceber que o povo mineiro do interior aprendeu a cultivar a sua
memória em pequenos sinais da vida cotidiana, que podem estar traduzidos
nos objetos materiais e santos de devoção guardados e cultuados, nos ditos,
provérbios e "causos" populares, com os quais procura expressar a sabedoria
e as experiências de vida, nas suas relações de compadrio ainda assumidas,
nas comemorações de alguns festejos religiosos e populares rurais nos quais
se renovam a fé e o reencontro, nos sabores, quitutes e comidas típicas da
região, na preferência pelas antigas modas sertanejas ainda entoadas, nas
crenças, nas benzeções, nos curadores, nos chás e remédios caseiros aos
quais, freqüentemente, recorrem. (MACHADO, 2006, pag. 4)
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
iniciada na região a partir da década de 1990. As mudanças são visíveis na paisagem
209
Os relatos das pessoas de origem rural sempre me despertaram interesse, e foi
justamente por essa curiosidade de saber mais do viver na zona rural e a transição para a
cidade, como essas pessoas fazem preservar essas culturas regionais.
A vida no campo tem características locais próprias, que diferem da vida na
cidade. Para tentar compreendê-las procurarei descobrir quais são essas diferenças,
perceber seus costumes, hábitos alimentares, relações de trabalho, dificuldades, enfim, o
modo de viver na zona rural e suas percepções destes moradores quando se transferem
para a cidade. Procuramos perceber como essas pessoas preservam suas tradições. Netas
comparações entre campo e cidade estão implícitas percepções que tendem a explicitar
contraste, tal como afirma Raymond Willians:
O campo passou a ser associado a uma forma natural de vida de paz,
inocência e virtudes simples. À cidade associou-se a idéia de centro de
realizações - de saber, comunicação, luz. Também constelaram associações
negativas: a cidade como lugar de barulho, mundanidade e ambição; o campo
lugar de atraso; ignorância e limitações. (WILLIANS, 2000, pag.11)
Pelo fato de serem poucos os estudos que abordem a história da população da rural do
Pontal do Triângulo Mineiro, penso que esse tema adquire sua importância ao dedicar interesse
e pretender compreender aspectos da história que antecede o atual processo de desenvolvimento
agrícola da região.
Com bastante freqüência encontramos entre as pessoas de nosso convívio,
familiares, ou mesmo conhecidos que experimentaram estas situações de viveram na
ou permaneceram por muito tempo no campo, outros que mudaram para a cidade já na
velhice, por motivo de doença ou por não conseguir mais trabalhar na roça buscam a
cidade pela proximidade aos recursos que esta oferece. São muitos os casos que
evidenciam a dinâmica do viver entre o campo e cidade.
Com efeito, há pessoas resistem à decisão de sair do campo. Nestas destaca-se,
pois importância atribuída às origens, tradições e costumes. Relatam que se forem para
a cidade encontrarão dificuldades de se adaptar, por que os modos de vida são
diferentes, e na cidade vão ter de comprar todos os itens alimentícios, sendo que na roça
eles precisam adquirir apenas alguns produtos na cidade. Os alimentos industrializados
são percebidos como algo que traz malefícios à saúde.
Com o intuito de conhecer de maneira mais densa estes modos de vida venho
realizando trabalho com entrevistas como moradores do Pontal do Triangulo Mineiro
(Campina Verde, Gurinhatã e Ituiutaba), tanto com os que permanecem na zona rural,
quanto com aqueles que atualmente residem nas cidades, procurando fazer um contra
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
zona rural ou que apesar de serem moradores da cidade passaram sua infância na roça
210
ponto acerca de como suas tradições são mantidas ou adaptadas na dinâmica dos
distintos ambientes socioculturais. Recorremos às entrevistas em razão destas
constituírem a possibilidade de um diálogo direto com atores que tiveram poucas
oportunidades de argumentarem sobre suas experiências. A este respeito, Alessandro
Portelli, considera, que ―entrevista, implicitamente realça a autoridade e a autoconfiança
do narrador e pode levantar questões sobre aspectos da experiência do relator a respeito
das quais ele nunca falou ou pensou seriamente‖. (PORTELLI, 2001, p.12). Desse
modo estabelecemos um caminho metodológico, orientado pelas questões apresentadas
ou suscitadas pelo diálogo com os entrevistados.
O material resultante deste trabalho de entrevistas constitui parte significativa
das fontes desta pesquisa. A partir do material constituído enquanto fontes de
informação sobre o passado caberá ao pesquisador formular perguntas a estas fontes,
tentando responde-las mediante hipóteses, critica, interpretação e recomposição de uma
narrativa que confira sentido ao passado. Tal processo configura aquilo que Jorn Rusen,
considera fundamental em termos de procedimentos de investigação histórica.
O processo de pesquisa vai além do mero procedimento de aprender as
informações das fontes sob a égide de teorias. Ele continua até a
conformação historiográfica dos resultados das pesquisas, porque é nele que,
em ultima análise, se decide que interpretação lhe cabe em relação á outros
resultados e como pode ser integrada no saber histórico disponível até então.
(RUSEN, 2007, p.10)
se proceda ainda reflexões acerca da repercussão de determinadas construções da
memória quando confrontas com informações obtidas por outras fontes. Neste sentido,
busco, além das entrevistas, analisar reportagens publicadas em revistas que reproduzem
voltadas a segmento específicos como os produtores rurais, a exemplo da Revistas
―Calu‖, editada por empresa agropecuária da região, que traz reportagens a respeito da
vida rural, focando seus costumes e hábitos.
Tentar compreender os motivos que levaram pessoas da zona rural para a cidade,
destacam-se, por exemplo em busca de escola para seus filhos, melhores condições de
trabalho, é necessário evidenciar problemas decorrentes das transformações provocadas
pelos investimentos no setor agropecuarista. Estas mudanças nas formas de produzir
marginalizaram os pequenos produtores, obrigando-os a saírem de seu meio tradicional
de existência e forjar novas modalidades de sobrevivência. O ir para cidade traz
implicações diversas que ultrapassam o ideal que almeja a conquistas de melhores
condições de vida.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
A atenção dispensada à sistematização e interpretação de fontes, não exime que
211
Ao transferirem-se do campo para o espaços urbanos as pessoas desenvolvem
meios estratégias para manterem suas tradições. Essas pessoas, no começo, enfrentam
muitas dificuldades no ambiente urbano, pois é bastante diferente da zona rural. O ritmo
de vida é mais agitado e não tem aquela tranqüilidade da roça, e por isso esses sujeitos
tem que criar formas de se adaptar a nova realidade, mas sem perder suas origens. Ou
seja, quais os meios utilizados pra manter os laços com suas experiências vividas no
campo, como o trato com a natureza, a utilização de plantas medicinais, criação de
animais e a forma de cozinhar. E, sobretudo os mecanismos de transmissão de suas
culturas regionais para as gerações mais jovens.
Por que através das experiências e vivencias que se constroem no cotidiano os
sujeitos sociais vão redimensionar seus hábitos e costumes no ambiente vivido.
As representações construídas sobre o mundo não só se colocam no lugar
deste mundo, como fazem com que os homens percebem a realidade e
pautem a sua existência. São matrizes geradoras de condutas e práticas
sócias, dotadas de força integradora e coesiva, bem como explicativa do real.
Indivíduos e grupos contraem sobre a realidade. Representar é, pois,
fundamentalmente, estar no lugar de, é presentificação de um ausente; é um
apresentar de novo, que dá a ver uma ausência e torna sensível uma presença
(PESAVENTO, 2004, P.39-40).
A partir daí vem uma questão que pretendemos problematizar, particularmente, a
maneira como as práticas culturais de pessoas remanescentes de realidades rurais são
apreendidas como pertinentes ao âmbito do folclore, sendo suas experiências, costumes
de formas dinâmicas de apropriação, transformação e representações que se efetivam e
ganham sentidos variados de acordo com as vivencias e histórias que são partilhadas e
compartilhadas por diferentes atores sociais, que a cada dia remodelam suas culturas no
cotidiano, não as perdendo, mas apenas mudando.
Nesse sentido, os indivíduos e grupos dão sentido ao mundo em que vivem
construindo representações próprias, construídas a partir de suas realidades,
diferentemente de abordagens de folcloristas, que as insere em passado estanque,
tradição e hábitos estão em constante movimento e não paradas sem nenhuma alteração.
Como aponta Nestor Canclini,
Ao decidir que a especificidade da cultura popular reside em sua fidelidade a
passado rural, tornam-se cegos ás mudanças que redefiniam nas sociedades
industriais e urbanas. Ao atribuir-lhe uma autonomia imaginada suprime a
possibilidade de explicar o popular pelas interações que tem com a nova
cultura heterogênea. O povo é ―resgatado‖, mas não conhecido. (CANCLINI
Nestor p, 2000. p.210)
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
e hábitos vistos como algo que não muda. Entendemos que tais práticas constituem-se
212
Cancline afirma que a apreensão de culturas populares realizada por folcloristas
que estes deixam de percebem as mudanças que ocorrem com a tradição e os costumes.
Ao pretenderem ―resgatam‖ o povo não se dispõe a conhecer a fundo e esquivam-se de
perceber as reelaborações advindas da dinâmica das relações que mantém, uma vez que
em seus modos de viver não estão isolados do mundo. A cultura se inscreve no que
Michel de Certeau admite como ―margens tênues, ou seja,
Cultura de um lado é aquilo que permanece, do outro aquilo que se inventa.
Há, por outro lado, as lentidões, as latências que se acumulam na espessura
das mentalidades, certezas e ritualizações sociais, via opaca, inflexível,
dissimulada nos gestos cotidianos, ao mesmo tempo os desvios, todos essas
margens de uma inventividade, de onde desvios , todos essas margens de uma
inventividade, de onde as gerações futuras extrairão sucessivamente sua
―cultura erudita‖. A cultura é uma noite escura em que dorme as revoluções
de há pouco, invisíveis, encerradas nas práticas - mas pirilampos, e por vezes
grandes pássaros noturnos atravessam-na; aparecimentos e criações que
delimitam a chance de um outro dia.( CERTEAU, 1995, p.210).
Certeau consideram ainda que os memorialistas e folcloristas ao pesquisarem os
costumes e hábitos têm a tendência de ―venerar a morte e não a vida‖, e assim colocam
essas práticas como mortas. Sendo que a cultura regional se encontra viva e pulsante
onde se recria e se renova como pratica histórica.
Em perspectiva distinta, a história social trabalha com cultura e folclore
diferentemente da maneira como os folcloristas trabalham. A história social trabalha de
forma evidenciar o movimento, percebendo os sentidos que as tradições e costumes tem
O significado de um ritual só pode ser interpretado quando as fontes
(algumas dela coletadas por folcloristas) deixam de ser olhadas com o
fragmento folclórico, uma “sobrevivência” e são reinventadas no seu
contexto total. (THOPSON, 2001, p.238)
Frete a esta reflexão destacamos, quanto à história e cultura de moradores da
região do Pontal do Triangulo Mineiro a carência de historiografia nesse sentido que
favoreça a outra compreensão do passado daquelas pessoas (RUSEN, 2007, 21). É
importante também considerar quanto ao material historiográfico existente, voltado a
abordagens acerca de costume e hábitos como sendo folclore e não como práticas,
modos de viver, ou seja, as características próprias de culturas locais, mostrar não
apenas as mudanças que ocorrem, mas ao mesmo tempo indicar os sentidos daquilo que
permaneceu na essência dessas pessoas. Para termos uma dimensão mais contundente
destas questões, notamos a partir de falas de Dona Joana D‘Arc de Oliveira Borges, 59
anos, reside em Ituiutaba-MG, que ao tratar de seus costumes e praticas vividas na zona
rural e transplantadas para cidade, ela disse:
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
para a vida das pessoas:
213
Das coisas que fazia na fazenda, por exemplo, pão de queijo, e outras
quitandas eram feitos no fogão de lenha, agora aqui e só no gás, mas ficam
parecidos, como os da fazenda. Lá na fazenda eu sempre tinha cheiro verde e
remédios caseiros no quintal, aqui na cidade também tenho mesmo não tendo
terra no quintal, plantei em um vaso. (Joana D‘arc de Oliveira Borges,
Entrevista Realizada em 09/11/2009).
Mesmo morando na cidade, as pessoas vão se adaptando ao local e remodelando
seus hábitos. Seja na forma de cozinhar, com seu vasinho de planta que faz lembrar o
campo. Nessas práticas persistem lembranças significativas que as possibilita reviver
laços com o passado, histórias, com amor pelo campo que não se apaga.
Conforme Carlos Rodrigues Brandão há muitos aspectos da cultura de pessoas
originárias de espaços rurais, cujos sentimentos traduzem características da vida rural e
suas relações com terra: como diz Brandão.―Há um prazer fecundante que torna
parceiros de uma relação amorosa o lavrador e a terra‖.
O homem do campo, ou mesmo os que não residem mais nele, nutrem um
sentimento de amor pela terra e por suas tradições, tem orgulho de suas origens, e fazem
tudo para não deixar que ela se perca. Mesmo pessoas que tenham vivido experiências
diversas, marcadas por rotinas conturbadas como dia a dia em cidades, não se esquece
de sua cultura regional. Estas lembranças são desencadeadas por meio de aspectos
singelos, escutar uma canção sertaneja que faz lembrar seu tempo de infância, ou em
lembranças de momentos de diversão, trabalho, entre outros impregnadas em seu ser.
―espécie de zumbido‖ que se ouvia por onde passava. Lembram-se do animais: os bois,
que puxavam os carros, eram maços e obedientes, por eles, seus donos tinham um
carinho todo especial, era como animais de estimação. Como relata o senhor Sebastião
Ferreira Borges, 66 anos, morador de Ituiutaba- MG, a respeito de suas lembranças de
quando vivia na zona rural.
Ah tenho muita saudade daquele tempo, do carro de boi de sua cantiga, dizia
que era o gemido do cocão, de longe a gente escutava‖.( Sebastião Ferreira
Borges, 66 anos, entrevista realizada em 09/11/2009)
Essas pessoas, quando estão reunidas entre familiares e amigos, tendem a
relembrar os tempos passados com saudade, tornado engraçadas até as dificuldades
enfrentadas naquela época. Já os jovens não têm interesse de ficar no campo, a maioria
sai para estudar, e dificilmente pensam em voltar. Geralmente buscam novas
perspectivas de vida. No entanto, mesmo indo para meio urbano, neles persistem
práticas que expressam vínculos com suas origens, como a musica que faz lembrar sua
infância na roça, as rodas de amigos em que contam causos que remetem a sua vida no
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
As pessoas relatam a saudade do campo relacionado com o carro de boi, seu canto
214
campo. Muitas dessas pessoas se recordam do carro de boi e também da fartura de
alimentos, como relata à senhora Margarete Rodrigues Freitas:
―Ah a vida era muito boa, fazia pamonha, a gente matava capado qui dava
seis lata de banha, nois matava vaca, mais só venu era um farturão, fazia
doce, nosi fazia de tudo passava bem graças a Deus.‖.( Margarete Rodrigues
Freitas, 45 anos, reside na cidade de Gurinhatã).
As lembranças de suas vivencias no campo nunca são esquecidas, como o
costume de fazer quitandas em grande quantidade, grandes formadas, de biscoito época
de milho, fazia pamonha, reunia muita gente para fazer, era como uma festa. Como
relata a dona Luzia Oliveira Rodrigues:
Me lembro uma de vês que reuniu um povão, pra fazer pamonha, de uma
careta de milho verde, foi um farturão. E tinha também brincadeira, era
assim pega um espeiga de milho e amarava como se fosse pamonha, ou
colocava farelo do milho e punho junta com as outras pamonhas pra
cozinhar, e quando ia comer a pamonha quem pega aquela que não era
pamonha era uma fará, era muito divertido. (Luzia Oliveira Rodrigues, 45
anos, entrevista realizada em 26 /06/ 2010 )
Com essas praticas oferecem elementos para a compreender a história dessas
pessoas, da sua religião, e seus modos de vida e podemos perceber a partir desse relato
como as pessoas lembram com saudade da época que moravam no campo.
O mundo rural, construído com trabalho e incertezas, e sobressaía a
solidariedade e a hospitalidade do povo caipira. A fé e a religiosidade sustentavam a
mutirões, as promessas, os terços cantados, as festas de Reis, os pagodes, os bordados,
quitandas nos fornos de barro, as figuras do carreiro de boi e do boiadeiro e tantas
outras imagens presentes no cotidiano rural estão presentes na memória daqueles que as
vivenciaram, e que relembram com carinho suas experiências.
As crenças religiosas estão presentes no campo as pessoas têm o costume de
benzer o pasto e o gado, ou recorrer aos santos, por exemplo, quando algo esta dando
errado com o gado, ou com a propriedade, esse conhecimento e transmitido de geração
em geração, passando a ser superior ao da técnica, da ciência digamos assim.
Para as pessoas entrevistadas falar das suas lembranças e experiência na zona
rural, remete a trabalho, terra e família são coisas que estão ligadas entre si.
A ligação do Homem coma natureza e muito forte principalmente no campo,
pois o individuo tira seu sustento da terra. A respeito disso Keith Thomas aborda alguns
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
confiança em um mundo melhor, que valoriza a moral e os costumes. As traições os
215
pressupostos que articularam a percepção dos homens frete aos animais, pássaros,
vegetação, cuja relação era tão próxima que mal podemos imaginar. Como diz:
[...]é impossível desemaranhar o que as pessoas pensavam no passado sobre
e as plantas animais daquilo que elas pensavam sobe si mesmas
[...](THOMAS, Keith,2001,p. pag.19)
No início do período moderno na Europa as pessoas criavam animais dentro de
casa. Era uma relação muito próxima, esses animais eram enfeitados com sinos fitas, os
donos falavam com eles. Mesmo o aldeão mais pobre possuía uma vaca.
Os animais de estimação eram tratados com carinho todo especial,
principalmente o cão, assim como as plantas (arvores flores). Keith Thomas coloca:
Hoje a criação, de animais de estimação na Europa Ocidental alcançou escala
sem precedentes na historia humana. Ela reflete a tendência dos homens
contemporâneos de se refugiarem em família para maior satisfação
emocional. Cresceu rapidamente com a urbanização, erroneamente
estimulam a manutenção de animais desse tipo... ‗o mascote é uma criatura
com o mesmo modo de vida que seu dono; e o fato de tantas pessoas
consideram necessário, para sua integridade emocional, criar um animal diz
nos muita coisa sobre a sociedade automatizada em que vivemos.
(THOMAS, Keith, 2001,p.142-14)
E algo que ocorre muito nos dias de hoje as pessoas mudam para a cidade e na
saudade daquele tempo com lida com os animas, procura arrumar bichos de estimação,
mesma as pessoas que não tiveram relação com o mundo rural, mas mesmo assim são
cachorra, gato, pássaros e galinhas. É uma forma de estar mais próximo dos animais.
Sendo que no campo desde cedo ocorre o processo de ensino e aprendizagem.
As crianças a já aprendem a cuidar e lidar com os animais adquirem obrigações como
cuidar de galinhas, recolher os ovos, buscar animais no pasto, varrer o terreiro, catar
lenha, buscar palha para acender o fogão de lenha. Tudo isso contribuiu para a ligação
do homem com lida com a natureza, com a terra.
O processo de trabalho faz-se, de uma idealização da natureza. Em outros
termos, não existe uma natureza em si, mas natureza cognitiva e
simbolicamente apreendida. (WORTMANM, 1997, p.10)
O processo de trabalho se concretiza pela articulação das forças de trabalho, que
significa os meios de produção tal como os recursos disponíveis, como o homem e seus
instrumentos de trabalho, pelo qual o individuo vai cultivar a terra. Da roça se retira o
legume que será levado para casa como feijão, milho, arroz, e transformado em comida.
E a outra parte serve de alimento para os animais.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
influenciados por esse habito. Tem pessoas que criam diversos bichos na cidade como:
216
As pessoas entrevistadas relatam entre outras coisas principalmente a
fartura do campo. Um exemplo e era a casa de farinha, de onde a mandioca e
processada, e irá constituir um dos componentes básicos da alimentação assim como o
feijão e milho. Tudo e aproveitado da casa de farinha de lá saem beiju e o polvilho,
assim como os restos da massa da mandioca e aproveitado para alimentação dos
animais, e também serve como adubo para as plantas, ou seja, na roça tudo e
aproveitado. A respeito disso dona Ana Maria de Moraes, diz:
Tinha o dia de torrar a farinha, é ai, peneirava a raspa no forno pra - lá e pracá, e ai quem estava torrano a farinha, quando tava pronta gritava, olha o
beiju, e as criança ficava aguardano à hora de pegar seu pedaço. (Entrevista:
Ana Maria de Moraes, 55 anos, reside em Campina Verde, 29/10/2010).
Na casa se fabrica o queijo do leito das vacas, a maioria dos proprietários da
região repassam o leite de seu gado para cooperativas, mas mesmo assim sempre
retiram alguns litros para si, para fazer queijo, e se produz o soro que e destinado à
alimentação de animais domésticos.
Por esse fato, muitos relatos de pessoas que morram na cidade atualmente e já
moraram o campo, se referem àquele com saudosismo. Fazendo referência à fartura de
alimentos, à criação de animais e reclamam da cidade onde têm que comprar tudo o que
necessitam.
Na vida rural as pessoas desenvolveram hábitos vinculados ao uso do solo. A
na cidade:
A horta e o jardim representam duas maneiras fundamentais opostas de usar o
solo. Na primeira os homens usavam a natureza como meio de subsistência;
seus produtos eram para ser comidos. Depois, eles procuravam criar ordem e
gerar satisfação estética, e mostravam respeito pelo bem estar das espécies
que cultivavam. O contraste não deve ser superestimado, pois a agricultura e
o cultivo de verduras não deixaram de ter um alcance estético. Mas a nova
atitude frente ás flores e as arvores veio de par com a visão mais sentimental
dos animais, que emergiu no correr do mesmo período. (THOMAS, Keith,
2001, p.286-287).
A horta e símbolo de fartura, assim como a criação de animais. Ou seja, naquele
período como hoje a relação entre o homem a e natureza muito próxima. As pessoas têm
a necessidade de ter um vaso de planta em casa para enfeitar e perfumar a casa como
também uma forma de ficar perto da natureza e de preservar algumas memórias, pois as
plantas estão ligadas á costumes. Existem plantas medicinais, destinadas a chás e
preventivos, que muitas pessoas têm o habito de possuir em suas residências desde o
mundo rural até na cidade. Como por exemplo, boldo, alecrim, carqueja entre várias
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
este respeito, Keith Thomas lembra a questão do cultivo de jardins e hortas no campo e
217
outras. Há também aqueles que dizem que espanta mal olhado e que dão proteção, como
comigo ninguém pode, arruda, Espada de São Jorge, que e bom ter em seu jardim, ou
seja, as plantas exercem uma relação muito forte com o homem, remetem, a seus
costumes e sentimentos esta ligada a cultura de cada um. (...) a cultura de uma gente, de
um povo, de uma família, realizada na vida e na experiência única de uma pessoa.
(BRANDÃO,1999, pág29).
As crenças religiosas também são freqüentemente lembradas pelos moradores do
campo. As pessoas tem o costume de benzer o pasto e o gado, ou recorrer aos santos por
exemplo, quando algo esta dando errado então, o conhecimento que e transmitido de
geração em geração passa maior validade do que o proporcionado ciência e técnica.
As pessoas entrevistadas falam de varias assuntos como do parentesco de
homens e mulheres, da comida, de Deus, enfim de suas lembranças de infância e de
adolescência, da sua saudade do campo, e da vontade que as coisas fossem como eram
antes. Muitos relatam que a roça virou um sertão.
Eu mudei pra cidade, lá na roça ta um sertão, num tem transporte, ta muito
custos, na cidade tem mais recurso.(Entrevista: Maria Oliveira Soares,60
anos, reside em Guirinhatã, entrevista realizada em 7/10/2010).
Mas mesmo assim tem os que têm vontade de voltar a morar na zona rural.
Atualmente muitas pessoas principalmente do interior que tem casa na cidade possui
uma também no campo, e os que não as tem possuiu o desejo de ter. O campo traz certa
freqüente.
O mundo rural remete as raízes ao passado não muito distante de pessoas que de
uma forma ou de outra tiveram ligação com ele.
O autor coloca que o campo teve o seu momento que era visto com, mas as
pessoas depois começaram dar valor novamente e ter vontade de voltar mesmo que
fosse a passeio, quando as cidades começaram e crescer demasiadamente. E é em partes
o que acontecem em nosso tempo. Muitas pessoas deixam seus lugares de origem para
estudar e buscar uma vida melhor, porém, guardam consigo significativas marcas
daquele lugar que lhes foi tão agradável e que remete a tão saudosas lembranças.
Portanto, reconstruir a história destas pessoas vem a ser uma maneira de reaproximá-las
do mundo rural, mas não apenas pelas boas lembranças que desperta. Mas, sobretudo
pela possibilidade de recuperarmos relações fundadas em concepções de solidariedade,
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
tranqüilidade que na cidade muitas vezes não a temos a poluição sonora, visual e
218
valores, relações com a natureza distintas das vias que estão sendo construídas em nosso
tempo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O afeto da terra. Campinas: Ed. Unicamp, 1999.
CANCLINE, Nestor Garcia. A encenação do Popular. In: Culturas Hibridas. São Paulo: Edusp,
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CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. In:Artes de nutrir.Petrópolis (RJ), Editora
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CERTEAU, Michel de. A cultura no plural. Campinas, SP: Papirus, 1995.
OLIVEURA, Fernanda Queiroz. A vida rural na memória e na moda de viola- Triângulo
mineiro e Sudoeste goiano- Década de 1940 e 1950. Monografia (graduação em História)
Universidade do Estado de Minas Gerais/ Campus Ituiutaba, 2003.
PESAVENTO, Sandra J. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica 2003.
PORTELLI, Alessandro. Historia Oral como Gênero. In: Projeto História. História e Oralidade.
São Paulo; EDUCI, nº 22 Junho/ 2001.p.9-36.
RUSEN, Jorn. Reconstrução do passado: teórica da história II: os princípios da pesquisa em
Histórica. Brasileira: Ed. UNB, 2007.
THOMAS, Keith. O homem e o mundo Natural., São Paulo, Editora SCHWARCZ LTDA,
2001.pp.61-104.
WILLIAMS, Raymond. O Campo e a Cidade: Na História e na Literatura. São Paulo, Editora
Companhia da Letras, 2000.
WOORTMANN, K. e WOORTMANN, E. F. O trabalho da Terra: A lógica simbólica da
lavoura camponesa. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997, p.8-192.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
THOMPSON, E.P. As peculiaridades dos Ingleses e outros artigos. In: Folclore, antropologia e
História Social. Campinas: Unicamp, 2001.
219
DAR NÃO DÓI, O QUE DÓI É RESISTIR DO GRUPO TEATRAL TÁ NA RUA:
TRAJETÓRIAS E DISCURSOS NA CONSTRUÇÃO DE UM TEATRO
POPULAR
Lígia Gomes Perini
Mestranda em História pela Universidade Federal de
Uberlândia
Em janeiro de 2004, no antigo Cais do Porto da cidade do Rio de Janeiro,
o grupo Tá na Rua99 estreiou o espetáculo teatral Dar não dói, o que dói é resistir100.
Com 1 hora e 30 minutos de apresentação, o público foi convidado a revisitar um dos
períodos mais truculentos da história do Brasil, os anos de ditadura militar, através de
cenas como ―O Brasil pré-64‖, ―O golpe militar‖, ―O movimento estudantil‖ e ―A
resistência cultural‖.
Antes de começar o espetáculo, o grupo procurou explorar o espaço, instalar as
araras com o figurino e alguns elementos que compõem a cena. Ao mesmo tempo, foi
delimitando o lugar de encenação através da roda, para permitir ao público uma melhor
visualização da apresentação e viabilizar o contato dos mesmos com os atores.
Estabelecida a roda, o grupo passou para a apresentação, o seu jogo, que o diretor Amir
Haddad compara com um jogo de futebol, para fugir da linguagem desenvolvida pelo
teatro tradicional.
Uma vez iniciado o jogo, surgiu o narrador para constituir uma ligação direta
informal, descontraída e cômica, ele contou os fatos em terceira pessoa, excluindo
praticamente o uso de diálogos, enquanto os atores encenavam o que estava sendo
narrado. Mais do que isso, o narrador também determinou a seqüência das cenas,
recuperou algum momento que ficou para trás. Ele conduziu o espetáculo, construiu um
raciocínio e um entendimento da apresentação para o grupo e para o público.
Na medida em que o narrador desenvolvia um raciocínio claro, para que todos
da roda realizassem uma leitura dos acontecimentos, os atores avançavam numa
concentração interna, improvisavam, procuravam evitar a dispersão da platéia, mesmo
diante de tantas interrupções externas como sons, ruídos, movimentos aleatórios. Ao
99
Rio de Janeiro, 1980. Os fundadores do grupo Tá na Rua são Amir Haddad, Ana Carneiro, Artur Faria,
Betina Waissman, Ricardo Pavão, José Carlos Gondim, Lucy Mafra, Marilena Bibas, Rosa Douat e
Sérgio Luz. Desde o surgimento, o grupo é dirigido por Amir Haddad.
100
Ficha técnica: direção de Amir Haddad; cenário, figurino, iluminação, pesquisa de texto, ambientação
cênica e produção do grupo Tá na Rua; sonoplastia de Roberto Black; musicalização de Bida Nascimento
e realização do Instituto Tá na Rua para Artes, Educação e Cidadania.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
entre o público e o espetáculo. Com uma linguagem de fácil compreensão, mais
220
mesmo tempo, eles jogavam diretamente com o público que estabeleceu uma relação
com o espetáculo teatral diferente daqueles que pagam entrada e têm lugar fixo para se
sentarem, tiveram a liberdade de entrar ou sair do âmbito da apresentação, podendo
interferir diretamente na cena. Prática que está em sintonia com a proposta do grupo em
que não há uma separação entre atores e espectadores:
Em Dar não dói, o que dói é resistir (2004), o Tá na Rua optou por ‗contar‘
ou ‗narrar‘ parte da história recente do país, aproximando-se do gênero épico
porque, nele, o narrador está sempre presente no ato mesmo de narrar, com
onisciência sobre tudo o que aconteceu na história e com os personagens,
seus pensamentos e emoções. A voz utilizada é a do pretérito, procedimento
que cria uma distância entre o narrador e o mundo narrado, permitindo um
posicionamento objetivo, sem identificação ou fusão com os personagens. O
ator jamais se ‗transforma‘ nos personagens que apresenta; evita sofrer
qualquer metamorfose nesse sentido. Na narração, ocorre um desdobramento:
sujeito (narrador) e objeto (mundo narrado), em que os atores-narradores
apenas mostram como esses personagens se comportaram. Esta opção pela
narrativa permite, aos atores e também ao público, uma liberdade de reflexão
e possibilidade de analisar a estrutura social brasileira, devido ao efeito de
‗distanciamento‘ que a mesma provoca. (TURLE, 2008, p. 68).
De fato, a opção por narrar histórias tem uma relação direta com as experiências
de vida e profissional de Amir Haddad. Nascido em 1937, na cidade de Guaxupé,
interior de Minas Gerais, Amir Haddad é filho de pais sírios que vieram para o Brasil
como imigrantes. O sangue que corre pelas veias, a tradição e a cultura árabes estão
O teatro não faz parte da religião e nem da tradição árabe. O Corão proíbe a
representação da figura humana, e proíbe que você represente outra pessoa
[...] Então, você vê que os árabes não têm um teatro desenvolvido, mas tem
técnicas narrativas maravilhosas, eles contam histórias. Porque uma história
você conta na 3ª pessoa, não encarna um personagem; você vai narrando a
história dele. E o meu teatro é muito narrativo, eu não trabalho por
identificação, eu conto histórias [...] E essa coisa árabe, eu sempre penso
nisso; por que eu tenho essa tendência tão forte para o narrativo, que faz com
que eu adore uma história de cordel que me permite compreender tão bem o
Brecht, que me faz ler Shakespeare de uma maneira tão desprentesiosa e
objetiva? Acho que é o meu sangue árabe, esta tradição narrativa, a vontade
de contar histórias.(HADDAD, 1998).
Além disso, ao ser convidado, na década de 1960, para ministrar cursos na
Escola de Teatro da Universidade Federal de Belém do Pará, o diretor pôde entrar em
contato com outros costumes, arquitetura e realidade, diferentes daquelas de São Paulo e
Rio de Janeiro. O que lhe possibilitou ter contato com manifestações religiosas e de fé
como o Círio de Nazaré.
Neste intervalo de 40 anos é possível perceber que o grupo Tá na Rua se
apropriou, como parte do processo de criação e de desenvolvimento de sua linguagem,
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
presentes em seus trabalhos como ator e diretor teatral:
221
das mais diferentes expressões culturais, trazendo para o seu teatro, inclusive,
contribuições das ―heranças‖ culturais manifestas na população brasileira. Quando
perguntado pelo professor do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da
UNIRIO, Zeca Ligiéro, em 2003, o que entra na elaboração do trabalho do grupo, quais
são as práticas auxiliares, Haddad responde:
A gente trabalha, por exemplo, o universo africano, religioso, a gente
trabalha com a cultura religiosa católica romana, a gente trabalha com os
nossos sentimentos mediterrâneos, tudo isso são coisas que entram na
elaboração do nosso trabalho. A questão de não trabalhar com formas, mas de
procurar os conteúdos, os conceitos, a gente faz isso profundamente, então, a
questão da cultura negra, da cultura popular brasileira, da escola de samba,
por exemplo, é uma coisa muito determinante no desenvolvimento dessa
história... (HADDAD, 2003).
Através da fala do diretor é possível inferir que o Tá na Rua procura inserir, em
sua prática teatral, formas dramáticas populares da cultura brasileira, como os autos
sacramentais, as procissões, as escolas de samba, os terreiros de Candomblé. É através
deste conjunto expressivo que surgem as manifestações espetaculares consideradas pelo
teatrólogo como os produtos mais avançados de seu trabalho.
Puxando certos fios da História e utilizando elementos do teatro épico, Dar não
dói, o que dói é resistir foi apresentado durante três anos, em diversos espaços e com
diferentes roteiros que procuravam explorar as possibilidades dos espaços cênicos e de
Alguns anos antes, o Tá na Rua começou o processo de criação do espetáculo. A
iniciativa partiu de Amir Haddad. Entretanto, a vontade de apresentar esse momento
histórico foi disseminada pelo grupo, que passou a colaborar na pesquisa de materiais
para a constituição do roteiro. Dessa forma, a elaboração dramatúrgica do espetáculo,
incluindo texto e encenação, foi sendo criada coletivamente, composta por seqüências
de movimentos e fragmentos de cena. Nascia, nesses bastidores, um processo no qual
teoria e prática se associam: os atores pesquisaram o material, buscaram referências e
improvisaram nos ensaios. Foi dessa maneira que a peça ganhou vida.
Para construir o roteiro teatral de Dar não dói, o que dói é resistir, o grupo
utilizou, além de um cordel sobre a ditadura militar, diversos tipos de materiais acerca
dos fatos ocorridos entre 1964 e 1985, que foram transformados em narrativas
dramáticas.
101
Nestes três anos o grupo encenou nas cidades do Rio de Janeiro (RJ), Campos dos Goyatazes (RJ),
Angra dos Reis (RJ), Resende (RJ), Nova Iguaçu (RJ), São Paulo (SP), Jacareí (SP), São José dos
Campos (SP), Campina Grande (PB), Fortaleza (CE) e Paris (França).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
comunicação com o público.101
222
O roteiro é composto por fragmentos de textos, notícias de jornal,
documentos oficiais, depoimentos, canções. De Elio Gaspari a Nelson
Rodrigues, de Costa e Silva a Augusto Boal, de Millôr Fernandes a Delfim
Netto, são muitos os fatos históricos e versões que compõem este texto.
(SANTINI, 2008, p. 59).
Abandonando a noção de originalidade, o grupo trabalhou com recortes, citações
e referências, na construção de uma narrativa épica.
A partir do material coletado e analisado, o grupo desenvolveu sua própria
leitura do tema. A estrutura dramatúrgica do espetáculo foi baseada num desfile de
escola de samba, que possui características do teatro épico, popular, narrativo, no qual o
povo é o protagonista. Assim, Dar não dói, o que dói é resistir foi narrado a partir de
imagens divididas em partes definidas, todas subdivididas em alas. A idéia do grupo foi
de recriar a apresentação dos fatos tal como faz uma escola de samba.
É... É difícil falar trabalha com cultura popular porque já imagina que vai o
bumba-meu-boi né, que vai vestido como um boi, ou que vai dentro de um
palhaço, ou vai fazer algumas atividades circenses. Nós não fazemos nada
disso. [...] Então nós não trabalhamos com aspectos da cultura popular, não
trabalhamos... Vamos imitar aqui, vamos fazer uma ala de escola de samba,
aqui vamos fazer o bumba-meu-boi, aqui vamos fazer uma folia de reis, é a
mesma coisa de mensagem política, eu odeio isso, eu odeio! Tem grupos aqui
que fazem maracatu, mas é pífio, porque é uma encenação do maracatu, não
está na alma daquelas pessoas e elas nem sabem profundamente o que é
aquele fenômeno maracatu. Então eles imitam, põe as roupas, põe os
tambores, põe a música, bonequinha na mão dos dançantes e tá feito o
maracatu. [...] Cultura popular... Então... Isso é cultura popular: não vou
imitar uma escola de samba, mas escola de samba é narrativo, tem
dramaturgia, mas a dramaturgia não é tradicional. [...] Todas essas coisas é
que caracterizam o fenômeno popular. Se você for olhar isso, você vai olhar
que na folia de reis tem isso, no bumba-meu-boi tem isso, na escola de samba
tem isso, os cortejos todos dramáticos brasileiros têm essa questão. Então nós
trabalhamos como se nós fossemos um grande cortejo em perpétuo
movimento se desenrolando diante do espectador. (HADDAD, 2007).
Numa mesma perspectiva, Alexandre Santini, formado em Artes Cênicas pela
UNIRIO e ator do Tá na Rua desde 2001, também estabelece uma reflexão sobre a
cultura popular:
Eu acho que [o Tá na Rua] tem popular no sentido de que é... Primeiro da
opção do espaço mesmo, do espaço público e tal, isso que determina, e
depois que quando é, o Tá na Rua abandona a dramaturgia convencional de
diálogos e tal, ele passa a se aproximar por analogia de fontes populares, né,
então a narrativa tem muito a ver por exemplo com o cordel, tem muito a ver
com outras formas de manifestação né. Quando o Tá na Rua, por exemplo,
começa a trabalhar com a escola de samba, entendendo o desfile da escola de
samba como espetáculo né, popular, uma encenação. Então é analogia com
essa forma espetacular que é uma forma espetacular criada pelo povo. [...]
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Apropriando-se de uma cultura popular, Amir Haddad esclarece:
223
Agora, se você falar de cultura popular stricto sensu né, então não dá pra
definir completamente como arte popular se você tem uma elaboração do
conceito disso aí, se é uma elaboração sei lá, acadêmica, erudita, vamos
chamar assim como for, intelectual né. (SANTINI, 2007).
Através destas falas é possível perceber que tanto Amir Haddad como Alexandre
Santini aproximam a cultura popular do folclore, de algo puro, legítimo, isto é, o
maracatu, o bumba-meu-boi e a folia de reis tais como eles os concebem. É tudo aquilo
que o povo faz e/ou pertence a ele, entretanto, sem diálogo, elaborações, transformações
etc.
Aqui cabe um diálogo com Stuart Hall que, ao discutir alguns conceitos
atribuídos ao termo ―popular‖, faz menção àquele que define cultura popular como
todas as coisas que ―o povo‖ faz ou fez, aproximando-se ―de uma definição
―antropológica‖ do termo: a cultura, os valores, os costumes e mentalidades [folkways]
do povo.‖ (HALL, 2003, p. 240). O autor aponta, então, duas dificuldades em relação à
essa definição: 1. Definição muito descritiva, com uma lista infinita de tudo o que o
povo já fez; 2. É preciso dar conta da questão pertence/não pertence ao povo não de
forma descritiva já que, no decorrer dos anos, os conteúdos de cada categoria mudam,
O valor cultural das formas populares é promovido, sobe na escala cultural –
e elas passam para o lado oposto. Outras coisas deixam de ter um alto valor
cultural e são apropriadas pelo popular, sendo transformadas nesse processo.
O princípio estruturador não consiste dos conteúdos de cada categoria – os
quais, insisto, se alterarão de uma época a outra. Mas consiste das forças e
relações que sustentam a distinção e a diferença; em linhas gerais, entre
aquilo que, em qualquer época, conta como uma atividade ou forma cultural
da elite e o que não conta. (HALL, 2003, p. 240).
Caminhando pela perspectiva de Hall, não se concebe a cultura popular como
tradicional, no sentido de algo intocável, puro, isento das transformações e movimentos
de adaptações sócio-culturais como por vezes dá-se a entender, tal qual nos trechos de
Haddad e Santini transcritos acima. Afinal, como afirma o crítico literário e historiador
inglês Raymond Williams, ―quando começamos a estudar a tradição, tornamo-nos
imediatamente conscientes da mudança‖. (WILLIAMS, 2002, p. 33). Mesmo que não se
apropriem do bumba-meu-boi, ou que façam uso de elementos do carnaval
transformando-os significativamente, é possível falar de um teatro popular no Tá na
Rua. Até porque, o que faz o Tá na Rua popular, não são tão somente as convergências
com outros elementos populares, como se esses, por eles mesmos, fossem capazes de
conferir isso ao grupo. É, antes, o conjunto de sua complexa linguagem (que poderia ser
popular até mesmo não dialogando com tudo que foi dito acima).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
mas atento às tensões e oposições entre a cultura dominante e a periférica.
224
Um importante autor que auxilia na investigação do popular na prática teatral do
Tá na Rua é o historiador russo Mikhail Bakhtin (1999) com suas reflexões acerca da
cultura popular medieval e do início do Renascimento. Segundo ele, a cultura cômica
medieval foi marcada pela forte presença do riso vinculando-se também à linguagem
grosseira da praça pública e da feira e se expressando em momentos específicos: nas
festas carnavalescas que, no contexto medieval, criavam outra vida para o povo que
poderia usufruir da liberdade propiciada por essas festas que viravam o mundo de
cabeça para baixo.
Assim, o historiador mostra que o carnaval caracterizava-se pela ―lógica às
avessas‖, colocando uma reflexão de que o popular pode ser associado com aquilo que
se rebela contra o estabelecido. Acerca disso, o historiador inglês Peter Burke afirma:
O destaque dado por ele à importância da transgressão dos limites é aqui
obviamente relevante. Sua definição de Carnaval e do carnavalesco pela
oposição não às elites, mas à cultura oficial, assinala uma mudança de ênfase
que chega quase a redefinir o popular como o rebelde que existe em nós, e
não como a propriedade de algum grupo social. (BURKE, 1995, p. 17).
De fato, o teatro do Tá na Rua nasceu e se desenvolveu a partir de vontades
comuns de jovens interessados em lançar novos olhares sobre o espaço cênico, a
dramaturgia, o jogo do ator, a relação com o público e o processo de criação de peças
aliando teatro, alegria, animação e discussão. Assim, Amir Haddad afirma que o grupo
contramão dos padrões estabelecidos. Isso porque, para ele, o teatro não é,
historicamente, uma arte de elite; em sua origem, é uma arte popular que, em
determinado momento, foi apropriada pela burguesia. É certo que, desde a sua origem
mais remota, a arte teatral era popular, de maneira que, por muito tempo, era uma forma
de entretenimento e reflexão à disposição de qualquer pessoa, sem distinção de classe.
É possível compreender que para o teatrólogo é preciso enriquecer a arte teatral
com os valores de uma parte da população, de forma a dar voz às pessoas ávidas não
somente de consumir cultura, mas para produzir cultura e se reconhecer nela. Para tanto,
Amir Haddad acredita que para atingir a população é necessário mexer na linguagem:
comunicação, estética, estrutura dramatúrgica.
Ademais, quando Amir Haddad afirma que foi preciso resgatar o popular que
havia dentro de cada um, ele estabelece uma relação com a questão de classe, de
popular associado à esfera econômica:
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
―virou o teatro de cabeça para baixo‖, quando foi em busca da origem do teatro e na
225
Porque nenhum de nós era popular! Alguns de nós vivíamos nos endereços
mais sofisticados da cidade do Rio de Janeiro, freqüentávamos faculdade...
Éramos de classe média, brancos, universitários! Todo o processo que
deslancháramos porém, tinha muito a ver com um sentimento de rebelião
contra o estabelecido. (HADDAD, s/d).
Mais uma vez, uma visão de certo modo mitificadora e cristalizada do popular.
Sujeitos envolvidos com a cultura popular não freqüentam universidades? Têm eles
endereços absolutamente inacessíveis?
Corrobora com essa visão também, o ator Alexandre Santini, para quem a
trajetória teatral de Amir Haddad, a partir do Tá na Rua, caminhou para o
desenvolvimento de um teatro realizado em espaços abertos, com uma dramaturgia
flexível e de comunicação direta entre atores e espectadores. O que fez com que sua
prática passasse a ser classificada como teatro popular, que, para Santini, trata-se de
uma simplificação, haja vista que não contempla o conjunto da produção teatral de Amir
Haddad:
No entanto, o estudo da trajetória de Amir Haddad nos faz crer que, pelo
menos do ponto de vista do lugar social e da origem de classe, não existiria
uma vinculação direta entre o seu trabalho como artista de teatro, intelectual
e professor e as culturas populares. (SANTINI, 2004).
Em todo caso, cabe perguntar: quem era o povo na década de 1970? Quem é
povo hoje? A cor da pele, a situação econômica, o ensino superior são definidores dessa
popular?
Stuart Hall, em diálogo com o historiador inglês E. P. Thompson e com
Raymond Williams, afirma que o conceito de cultura para uma linha significativa dos
Estudos Culturais a define
ao mesmo tempo como os sentidos e valores que nascem entre as classes e
grupos sociais diferentes, com base em suas relações e condições históricas,
pelas quais eles lidam com suas condições de existência e respondem a estas;
e também como as tradições e práticas vividas através das quais esses
―entendimentos‖ são expressos e nos quais estão incorporados. (HALL, 2003,
p. 133).
Adiante, em um capítulo dedicado à ―desconstrução do popular‖, o autor realiza
uma discussão conceitual e histórica do que seja o popular e coloca como ponto de
partida para esse estudo, a investigação da cultura das classes trabalhadoras do século
XVIII: ―as mudanças no equilíbrio e nas relações das forças sociais ao longo dessa
história se revelam, freqüentemente, nas lutas em torno da cultura, tradições e formas de
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
categoria? E mais: existe uma relação tão dicotômica entre o que é erudito e o que é
226
vida das classes populares.‖ (HALL, 2003, p. 231). Para ele, tradição e transformação
são palavras-chave no estudo da cultura popular que é o terreno sobre o qual as
transformações são operadas.
De acordo com Hall, o conceito de popular mais aceitável não é nem aquele que
se relaciona com ―o que as massas consomem‖, nem com ―tudo o que o povo faz ou
fez‖; mas sim, o que considera, em qualquer época, as relações que colocam a cultura
popular em uma tensão contínua com a cultura dominante:
O essencial em uma definição de cultura popular são as relações que colocam
a ―cultura popular‖ em uma tensão contínua (de relacionamento, influência e
antagonismo) com a cultura dominante. Trata-se de uma concepção de
cultura que se polariza em torno dessa dialética cultural. Considera o domínio
das formas e atividades culturais como um campo sempre variável. Em
seguida, atenta para as relações que continuamente estruturam esse campo
em formações dominantes e subordinadas. Observa o processo pelo qual
algumas coisas são ativamente preferidas para que outras possam ser
destronadas. (...) Seu principal foco de atenção é a relação entre a cultura e as
questões de hegemonia. (HALL, 2003, p. 241).
O que importa não é a autenticidade da cultura popular, mas o campo social ao
qual está incorporada e pelas práticas às quais se articula. O popular em tensão com o
dominante: é nesse embate que a cultura popular se exerce e é compreendida. Se, para
Stuart Hall, o popular não está em objetos, mas sim em práticas sociais, é possível
pensar essas interações na prática do Tá na Rua.
Em primeiro lugar, se os trabalhos teatrais de Amir Haddad, que se iniciam no
com essas estruturas em busca de alternativas para o desenvolvimento de uma nova
linguagem teatral, é certo também que até hoje esse teatrólogo transita entre o teatro
popular e o teatro profissional: já encenou diversos espetáculos profissionais sem se
desligar dos trabalhos de grupos, tendo reconhecida e consistente atuação no teatro
brasileiro. Paralelamente às atividades desenvolvidas junto com o Tá na Rua, Amir
Haddad desenvolve atividades como diretor e ator de espetáculos teatrais profissionais.
É possível perceber, então, uma circulação desse teatrólogo pelos diferentes setores da
sociedade.
Em segundo lugar, se é verdade que o neoliberalismo encontra diversos focos de
resistência no mundo e que a arte teatral do Tá na Rua é um desses focos, também é
certo que o grupo se relaciona com esse sistema social hegemônico. Embora o grupo
não tenha submetido Dar não dói, o que dói é resistir à lógica do mercado e à
uniformização das linguagens cênicas, ao gênero realista e psicológico, esse espetáculo
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
meio teatral oficial, de salas fechadas e público pagante e, em certo momento, rompem
227
(assim como outros) foi apresentado em diversos eventos e festivais nacionais e
internacionais. Vale lembrar, inclusive, que Dar não dói, o que dói é resistir participou
do Ano do Brasil na França, em 2005.
Em 1993, o Estado do Rio de Janeiro, quando da decisão de dinamizar as
atividades de grupos culturais, cedeu uma casa na Lapa ao Tá na Rua, lugar em que
passou a funcionar o Centro Cultural Casa do Tá na Rua, onde se realizam oficinas,
ensaios e eventos artístico-culturais. Desde 1999, o grupo Tá na Rua se constituiu como
ONG e passou a se chamar Instituto Tá na Rua para as Artes, Educação e Cidadania.
Em 2003, em parceria com o poder público, foi aprovado o projeto Escola Carioca do
Espetáculo Brasileiro, um espaço itinerante de reflexão e produção teatral, onde se
realizam oficinas, leituras e ensaios. Em 2004, o Tá na Rua tornou-se um Ponto de
Cultura da cidade do Rio de Janeiro. Por outro lado, em 2009, artistas de rua, dentre eles
os atores do Tá na Rua, protestaram no Rio de Janeiro contra ―repressão‖ dos guardas
municipais: ―Segundo a Rede Estadual de Teatro de Rua (entidade com mais de 50
companhias de teatro de rua do estado), há pelo menos dois meses os guardas
municipais teriam passado a exigir dos artistas autorização para atuarem nas ruas.‖
(Jornal O Globo, 07 nov. 2009).
Embora exista, em vários meios, uma tentativa de colocar o grupo na contramão
ao hegemônico – política, social e culturalmente – ele está nesse processo, o que não
público, a mídia, se estabelecem porque, como afirma Raymond Williams,
Uma hegemonia vivida é sempre um processo. Não é, exceto analiticamente,
um sistema ou uma estrutura. É um complexo realizado de experiências,
relações e atividades, com pressões e limites específicos e mutáveis. Isto é,
na prática a hegemonia não pode nunca ser singular. Suas estruturas internas
são altamente complexas, e podem ser vistas em qualquer análise concreta.
Além do mais (e isso é crucial, lembrando-nos o vigor necessário do
conceito), não existe apenas passivamente como forma de dominação. Tem
de ser renovada continuamente, recriada, defendida e modificada. Também
sofre uma resistência continuada, limitada, alterada, desafiada por pressões
que não são as suas próprias pressões. Temos então de acrescentar ao
conceito de hegemonia o concito de contra-hegemonia e hegemonia
alternativa, que são elementos reais e persistentes da prática. (WILLIAMS,
1979, p. 115-116).
A hegemonia não se trata de uma dicotomia entre dominantes e dominados. Ela
se faz num campo de disputas, é um processo social vivido nos quais determinados
valores são aceitos ou não e, por isso mesmo, não se trata de uma simplificação de ação
e reação.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
invalida ou desfaz as tensões que promovem. Essas relações entre o grupo, o poder
228
Mas há limites que se impõem aos movimentos, como é possível notar no
relacionamento com a indústria cultural, na qual o popular também mantém intenso
diálogo. Entre os anos de 2004 e 2007, período em que foram apresentados Dar não dói,
o que dói é resistir, foram poucas as vezes que a mídia impressa da cidade do Rio de
Janeiro noticiou algo sobre o espetáculo. No levantamento que realizei até a presente
data, não foi possível localizar nenhuma crítica especializada sobre as apresentações.
Quando aparece algo, encontra-se nos cadernos ―Cidade‖, com chamadas para ―teatro
de graça‖, às vezes com uma sinopse do espetáculo.
Já a mídia televisiva, vez ou outra, contrata os atores do Tá na Rua para
desempenharem papéis de figurantes em suas novelas. Esses convites são bem vistos e
aceitos pelos atores, pois permitem a eles o ganho de algum dinheiro ―a mais‖. Vista
sob a perspectiva artística, é possível inferir que a indústria cultural não é um atrativo
para o grupo. Em todo caso, vista sob a perspectiva financeira, é difícil falar que os
atores se opõem à política de mercado. Enquanto atores estabelecem relações com a
indústria cultural através de atuações em novelas e minisséries, pequenos trabalhos que
constituem suas formas de sobreviver. Um emaranhado de posições e contradições que
dão vida à cultura, ao popular.
Ao entrecruzar a prática teatral do Tá na Rua através do espetáculo Dar
não dói, o que dói é resistir, com as entrevistas, depoimentos, anotações e com os
Tá na Rua como um prática popular urbana no século XXI. Porque falar em popular não
é se remeter somente ao folclore, ao congado, à folia de reis, ao maracatu, às revoltas ou
rebeliões. No Tá na Rua essas manifestações populares são tomadas como fontes de
inspiração para a criação de seus espetáculos. O popular, no grupo, relaciona-se com as
temáticas, o público, a linguagem: ao elaborarem Dar não dói, o que dói é resistir, o
grupo se baseou na vida e na cultura da população brasileira, através de uma estrutura
dramatúrgica – no caso, do carnaval – que intenciona interação com público durante e
após o espetáculo, ao mesmo tempo em que o público o consome, a partir de uma
comunicação que envolve gírias, linguagem corriqueira, narração, (poucos) diálogos.
Falar em popular é, destarte, falar em relações sociais. Como bem coloca o
comunicólogo espanhol Jesús Martin-Barbero
É preciso prestar atenção à trama: que nem toda assimilação do hegemônico
pelo subalterno é signo de submissão, assim como a mera recusa não o é de
resistência, e que nem tudo que vem de cima são valores da classe
dominante, pois há coisas que, vindo de lá, respondem a outras lógicas que
não são as da dominação. (MARTIN-BARBERO, 2008, p. 114).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
autores elencados, acredito ter sido possível indicar caminhos para se pensar o teatro do
229
A roda foi estruturada. O ator se transformou em jogador. A interpretação foi
substituída pela atuação. O público interagiu. A improvisação se aflorou. E assim se foi
delineando uma linguagem teatral que o grupo acredita ter chegado em sua síntese com
Dar não dói, o que dói é resistir: ―teatro sem arquitetura, dramaturgia sem literatura e
ator sem papel.‖
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto
de François Rabelais. 4 ed. São Paulo: Hucitec, 1999.
BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das Letras,
1989.
____________. Cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: Edusp, 1995.
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro
perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora
da UFMG, 2003.
MARTIN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e
hegemonia. 5 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.
Fontes:
Roteiro teatral
GRUPO Tá na Rua. Dar não dói, o que dói é resistir. Para apresentação no Cais do
Porto, Rio de Janeiro, janeiro de 2004, 13 p.
Fotografias
Fotografias do espetáculo Dar não dói, o que dói é resistir, janeiro de 2004, no Cais do
Porto, Rio de Janeiro. 124 fotos.
Depoimento e entrevistas
Depoimento de Licko Turle à Lígia Perini em junho de 2007.
Entrevista de Amir Haddad concedida à Luciana Farah para a Revista Sexta Básica em
março de 1998.
Entrevista de Amir Haddad concedida ao curso ―Teatro e comunidade‖ coordenado pelo
prof. Dr. Zeca Ligiéro na UNIRIO em setembro de 2003.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
__________________. Tragédia moderna. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
230
Entrevista de Amir Haddad concedida à Lígia Perini em 23 de agosto de 2007. Acervo
pessoal.
Entrevista de Alexandre Santini concedida à Lígia Perini em 29 de agosto de 2007.
Acervo pessoal.
Entrevista de Ana Cândida concedida à Lígia Perini em 28 de agosto de 2007. Acervo
pessoal.
Entrevista de Ingrid Medeiros concedida à Lígia Perini em 27 de agosto de 2007.
Acervo pessoal.
Entrevista de Paulinho de Andrade concedida à Lígia Perini em 28 de agosto de 2007.
Acervo pessoal.
Entrevista de Yasmini Andrade concedida à Lígia Perini em 28 de agosto de 2007.
Acervo pessoal.
Artigos e anotações de trabalhos escritos por Amir Haddad
HADDAD, A. Lonas Culturais. Digit., s/d. Acervo Tá na Rua
HADDAD, A. O teatro e a cidade. O ator e o cidadão. Digit., 1998. Acervo Tá na Rua
HADDAD, A. Teatro: magia sem mistério. Digit., s/d. Acervo Tá na Rua
Jornal e revista
Jornal O Globo. 07 de novembro de 2009. Artistas de teatro de grupo acusam guardas
municipais de repressão.
Revista Tá na Rua, ano 1, n. 1, Rio de Janeiro, julho de 2008.
Monografia
RODRIGUES, A. Só o teatro salva! Edição crítica, seleção e organização de
documentos sobre a trajetória de Amir Haddad. 2004. 90 f. Monografia (Graduação em
Artes Cênicas) – Centro de Letras e Artes/UNIRIO, Rio de Janeiro, 2004.
Livro
TURLE, L. e TRINDADE, J. Tá na Rua: teatro sem arquitetura, dramaturgia sem
literatura, ator sem papel. Rio de Janeiro: Instituto Tá na Rua, 2008.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Disponível em: <http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2009/11/06/artistas-de-teatro-derua-acusam-guardas-municipais-de-repressao-914637443.asp>. Acessado em: 23 de
julho de 2010.
231
"SÃO MARCOS" EM FESTA: FESTAS COMO VEÍCULOS DE
SOCIABILIDADE E FÉ NAS COMUNIDADES AFEDADAS PELA U.H.E.
SERRA DO FACÃO
Anderson Aparecido Gonçalves de Oliveira
Acadêmico do Curso de
Graduação em História UFU/FACIP
- Bolsista de Iniciação Cientifica
FAPEMIG.
[email protected]
Dr. Cairo Mohamad Ibrahim Katrib – UFU/FACIP
Orientador - Universidade Federal de
Uberlândia/Faculdade de Ciências
Integradas do Pontal
[email protected]
“A festa é a fusão da vida Humana”
(BATAILLE,1973: 74)
As festas podem ser consideradas algo a mais que um simples ato de
comemoração coletiva, enfim, deve ser vista como produto cultural dinâmico, rico em
representações e sentidos. Dessa maneira o presente trabalho baseia-se na discussão do
das comunidades rurais da área de influência da Usina Serra do Facão, no sudeste de
Goiás. Durante nossas pesquisas junto às atividades do Programa de Preservação do
Patrimônio Histórico-Cultural, intitulado: ―CAMINHOS DA MEMÓRIA: CAMINHOS
DE MUITAS HISTÓRIAS‖ – Serra do Facão Energia S.A. (Sefac) e Universidade
Federal de Uberlândia (UFU) – realizada por uma equipe interdisciplinar de docentes,
pesquisadores convidados e alunos.
O olhar projetado foi além do de mapear, perceber como essas práticas culturais
diversas foram reelaboradas no contexto de cada comunidade, se constituindo em
―marca‖ cultural das comunidades, levando em consideração a relação desses sujeitos
com o lugar vivido e com o universo rural que é bastante dinâmico.
E, para a realização deste estudo, optamos pela análise das falas de sujeitos
pertencentes a aquela região pesquisada, não que a gente esteja querendo dar voz a eles,
até porque seria muito autoritarismo da nossa parte ―ceder voz ativa a eles‖, portanto, o
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
significado que as festas rurais têm para seus praticantes, sobretudo para os moradores
232
que faremos será analisar e compartilhar nossas idéias e percepções a partir do presente
texto. Utilizaremos de imagens e arquivos doados pelos moradores ou análises feitas
durante as pesquisas de campo, as quais pudessem nos auxiliar e dar voz aos sujeitos. O
importante é que o historiador ―olhe‖ para o lugar, condição social, para o trabalho e
para aquela realidade encontrada em determinado campo de sua pesquisa. O historiador
ao enfrentar a pesquisa, o processo investigativo, ele se insere e trás consigo seus
valores, sua cultura, sua política, seu olhar, entre outros. Frente a isso, que chamamos
de subjetividade, nos cabe então explicitar quais são as escolhas teóricas metodológicas
e qual o percurso de caráter investigativo desse processo, que confere ao conhecimento
produzido um caráter de saber científico. Mediante isto ela é construída a partir de
determinados interesses, os quais serão posteriormente analisados e criticados por
outros historiadores que não compartilham daquela linha de pesquisa. Portanto, por a
história estar vinculada a certos interesses, na maioria institucional, o historiador deve
atentar aos diferentes pontos acima para que não se torne um trabalho ―falso‖,
―mentiroso‖. Não que uma pesquisa retrate a realidade acabada e pronta, pelo contrário,
mas, devemos sempre trabalhar a buscando ao máximo, e, é claro, embasado em algo.
Analisaremos, portanto, as festas como prática significativa de sociabilidade,
onde tais manifestações culturais são constantemente (re) significadas dando sentido ao
cotidiano e a vida dos moradores das comunidades afetadas. É também marca identitária
religiosidades, sociabilidades e as comunidades, as quais acabam se tornando o tripé
que sustenta a vida e a convivências das pessoas no meio rural.
Para os grupos rurais o sentido da palavra comunidade expressa reunião de
indivíduos em uma organização social, cuja coletividade evidencia as práticas de ajuda
mútua, parceria não só nas questões do cotidiano rural como no caso das doenças,
dificuldades financeiras, na devoção e religiosidades. Dessa forma, no campo, os
encontros coletivos irrompem com o dia a dia, constroem sentidos e pertenças que unem
os moradores em torno das festividades. Durante as festas eles participam ativamente
das rezas, bailes, leilões e ao freqüentar esses espaços, reforçam com a comunidade os
laços de amizade, de solidariedade e de compromisso com o sagrado, uma vez que estar
ali representa o exercício da união, do revigorar das pertenças identitárias.
Na maioria das comunidades existem pequenas capelas, onde se rezam os terços
e missas durante as novenas e um barracão ou quadra esportiva, utilizados para os
festejos, danças, prosas, leilões, dentre outros. São nesses locais que sagrado e profano
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
que persiste e resiste à modernidade. Levando sempre em consideração os fatores:
233
se materializam e se mesclam. Em meio à fé e a alegria das danças e das comilanças,
sem esquecer-se de também agradecer pela boa colheita ou pedindo por uma melhor no
próximo ano ou simplesmente se divertindo, prontos para conversar, dançar e porque
não paquerar. E foi em meio a essas paqueras e aos chamados ―pagodes‖ (momento de
dança e arrasta-pé) que o Senhor José da Luz Pires conheceu sua esposa e constituiu
família.
―[...] Ela tava lá na festa [Festa de São Sebastião – Fazenda Pires – CatalãoGO], e eu nessa época eu tava trabalhano em Catalão né, trabalhano na
COPERBRÁS né, aí eu tava dano bobera lá tamém e encontrei ela lá né, aí lá
que nois começo a namorar e tamo junto até hoje... [...]‖ (José da Luz Pires Fazenda Pires / Catalão-GO)
Falando em casamento, as festas de casamento são comuns no campo e
simbolizam a união das pessoas, sendo grande oportunidade para as pessoas da zona
rural de divertir e sair de suas rotinas. Em meio à alegria do casal que ali se prometem
um ao outro, compadres vizinhos e parentes se reencontram, pois para eles o casamento
se torna um acontecimento naquela região, e, diga-se de passagem, um momento que
não tem hora pra acabar, a não ser quando os indícios da chegada de mais um dia de
labuta se anuncia tendo como protagonistas os galos que anunciam que é quase hora de
amanhecer.
Mas não importa se é novena, festa de casamento, pamonhada, ou até mesmo
aquele futebolzinho de domingo, o interessante é que todos participam se divertem e
celebram a possibilidade do congraçamento coletivo. Muitos ao relembrarem os tempos
idos, reportam as festas como disseminador da atualização da memória do lugar.
―[...] Naquela época você montava o cavalo, juntava os cavaleiros assim e ia
lá pra Campo Alegre, tinha época que tinha 100 cavaleiros. Cheio de gente
brincando, tinha dia que dava aquela chuva. Molhava tudo. Chegava
molhadinho, quando chegava enxugava, enxugava a noite inteira, era bom
demais. [...]‖ (Sebastião Pereira da Silva – Rancharia / Campo Alegre – GO)
As novenas vêm acompanhadas da diversão. Fé e festa se mesclam e todos
aqueles pertencentes à determinada comunidade ajudam na realização das festividades.
Alguns personagens são essenciais para a concretização dessas comemorações, dentre
eles o festeiro, que é quem organiza a parte social e devocional das celebrações. No dia
da festa, ou até mesmo antes, com doações de prendas por exemplo. Cabe ao festeiro
todo o trabalho organizacional da festa, como também providenciar patrocínios para a
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
―[...] Muita, muita festa de casamento e esse também era uma festona e não
fazia sem festa. Todo casamento tinha festa. [...]‖ (Helena Rosa de Mesquita
– Comunidade do Varão / Davinópolis – GO) [...] Tinha aqueles festão que
era a noite inteira, até amanhecer o dia! [...] (Sebastião Pereira da Silva –
Rancharia / Campo Alegre – GO)
234
mesma, tendo como auxílio o apoio dos ―juízes‖. Esse dá apoio logístico à organização
da agenda festiva, assessora o festeiro na comunicação com a comunidade.
[...] Juiz, começa assim oh. É pra ajudá a faze a festa né, pra fazer fogueira...
o juiz de prenda de bandeja leva um frango assado, uma banda de leitoa,
qualquer coisa já é prenda né. Esse é o bandejeiro né. Tem o juiz de fogos
tamém né... leva fogos pra festa, pra ajuda o festero né? [...] (José da Luz
Pires – Fazenda Pires / Catalão - GO)
Salientamos que a escolha dos festeiros também é algo muito interessante, os
antigos festeiros escolhem os próximos e fazem essa revelação entregando uma flor ou a
bandeira no ultimo dia da novena, demonstrando que no próximo ano são aquelas
pessoas que irá organizá-la. Alguns dizem que isso é combinado nos ―bastidores‖,
entretanto, na maioria das vezes não é assim que acontece, as pessoas são escolhidas e
pegas de surpresa.
[...] Isso ai é assim, por exemplo, se eu mais a Nilda for festeira hoje nos vai
entregar a festa, ai nos conversa com que nos chama, convida e tal. Caladinha
e passa pra aquela outra pessoa de surpresa. E muita das vezes é de surpresa.
Outros já combina, conversa direitinho, se aceita ou não. [...] (Nilda Jacinta
Rosa / Davinópolis – GO)
É a missa, ou um terço, que dá início ao evento festivo-devocional. Após a
demonstração de fé, agradecimentos e pedidos, as pessoas se dirigem para a lona
improvisada, ou para o barracão da comunidade, onde se realiza os leilões em meio à
profana acontece. Dessa maneira o sagrado e o profano se mesclam ganhando novos
sentidos e significados, podemos até perceber o momento em que o sagrado e o profano
começam, mais é impossível se dizer quando eles terminam e quando se separam.
A novena em louvor a São Sebastião é uma das mais encontradas na região
pesquisada, principalmente pela grande devoção ao santo, mas nada que impeça o
arrasta-pé, a comilança, os flertes e os pileques. Algumas esperam o ano todo por esse
momento, e outros, já saem dos festejos e se dirigem direto pra labuta e afazeres.
Muitos devotos, ou parentes de moradores locais se deslocam de outras cidades ou
estados nos dias festivos, para que possam participar das festividades, representando
assim a grandiosidade dessas festas de roça no imaginário e na fé popular.
[...] A Dona Vina fez um voto [...] [...] ela fez um voto com São Sebastião de
fazer num primeiro domingo do mês, de fazer um terço. Ela faleceu, minha
mãe fez uma igreja na fazenda dela no morro alto, nós continuamos lá muitos
anos. Depois, eu fiz uma lista lá de uma luminária pra criá uma escola, lá
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
apresentação de trios, as pessoas dançam e se socializam, em fim, local em que a parte
235
naquele centro comunitário. Ali tava mais no meio, levou esse povo, fiz um
rancho lá depois da escola. Aí, nós desceu a reza pra aquele lugar também, o
povo tudo reuniu. [...] (Manoel Ferreira Paulista – Região da Anta gorda /
Catalão-GO)
[...] numa festa aqui do São João da Cruz, aqui, de São Sebastião. Nóis ia de
a cavalo, passava dento do São Bento. Aí pegava os cavalos e ia pros pagode
de noite que tinha. [...] (Ana Gonçalves Diniz – São João da Cruz de Baixo /
Davinópolis–GO)
Mais uma comunidade em especial, em que se realizavam todos os anos a festa
em louvor a São Sebastião, e uma das mais conhecidas, era a comunidade da Lagoinha.
Além de um espaço de fé, sociabilidades e fé, este local representava a união de
moradores da região da fazenda pires. Representava, pois quando o novo proprietário
das terras em que as benfeitorias da comunidade se encontravam, tudo foi ―a baixo‖,
literalmente. O proprietário entendeu que, ali em suas terras, não deveria realizar festas
alegando problemas com aberturas de porteiras, e por causa de uma porteira ele destruiu
o sonho e a luta de anos dos demais membros da comunidade.
Mas como a própria dona Sebastiana nos disse, ―há males que vem pra bem‖.
Apesar da destruição do espaço físico em que se realizavam as festas, missas, diversões
e em meio a uma tristeza que tomou conta de toda uma comunidade, os moradores
resolveram se unir e continuar suas novenas, mas dessa vez de casa em casa. É claro que
sem aquelas grandes festas e bebedeiras, mas sempre havendo aquela janta após a reza.
Ainda segundo ela a comunidade se aproximou ainda mais, principalmente pela fé e
pela devoção a São Sebastião.
[...] a males que vem pra bem né... Apesar que eu chorei de mais, eu me
emociono até hoje, quando eu vou falar da Lagoinha. Mais foi bom... [...] [...]
Porque acabou unindo mais, fazer a força né... [...] As pessoa fica mais unida.
Assim... participa mais![...] (Sebastiana Felix Simão e Jadir Ferreira Simões –
Comunidade Lagoinha – Catalão-GO)
Um fato não menos importante a ser analisado é o papel da mulher na
organização e na prática festiva, pois sem elas nada aconteceria, seja por sua
participação direta ou indireta em tais práticas. Elas carregam consigo as memórias
familiares, além de ajudarem na lida do campo e realizar todo o trabalho doméstico,
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
[...] O santo ficou com o último festeiro, as coisa assim, porque tinha panela,
prato, fogão... Ele é lá da cidade. [...] O ―Fulano‖ também ficou com um
pouco, porque é o dono lá![...] [...] E a gente luto assim, eu e o Jadir... nós
ficamos três meses, toda semana as vezes a gente ia em Catalão duas, três
vezes por semana, porque um advogado da prefeitura tomou as dor também:
– Não a gente vai lutar e vai resgatar, mais ele não conseguiu...[...] Porque lá
não é dele, lá foi doado pra prefeitura mais não tem documento... Não tem
papel... Foi doado pela antiga moradora de lá e ela já faleceu. Então a doação
é só de boca, não tinha como provar! A gente pelejou mais... [...] (Sebastiana
Felix Simão e Jadir Ferreira Simões – Comunidade Lagoinha – Catalão-GO)
236
tornando-se assim uma ―peça‖ fundamental na estrutura familiar e festiva da região
pesquisada.
Podemos concluir, portanto, dizendo que as festas, festividades, as variadas
formas de sociabilidades e a fé caminham juntas e se entrelaçam em algumas vezes, e
principalmente que todas elas se adaptam e se (re) criam a aquele determinado momento
em que estão inseridos além de uma manutenção daquela cultura local. Ao quebrar uma
rotina os moradores fazem com que as festas e as sociabilidades se tornem parte de uma
cultura que passa (co) existirem mediante a uma multipluralidade cultural e significados
que as mesmas representam para os sujeitos e para a região pesquisada.
São nesses espaços que indivíduos se identificam, seja qual for sua realidade
sócio-econômica ou endereço. São tradições e maneiras de festar e usar as festas, seja
elas religiosas ou não, se utilizando de todas as formas para se manterem ―vivas‖.
Principalmente por essa identificação ser muito presente no âmbito rural, onde esse
festar e rezar desvela múltiplas formas de sociabilidades e olhares que mesclam a
religiosidade popular à introspecção devocional guiadas pelos caminhos dos bailes, dos
leilões, da tradição, da fartura, da adoração coletiva e do festar com alegria pela vida e
pelo viver. É claro que cada festa possui suas peculiaridades e revelam os saberes,
fazeres e odores da gente que celebra com festa cada dia vivenciado!
AMARAL, Rita. Festa à brasileira: sentidos do festejar no país que “não é sério‖.
1998. Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.
MACHADO, Maria Clara Tomaz. Cultura popular: um contínuo refazer de práticas e
representações. In: ______. História e cultura: espaços plurais. Uberlândia: Aspectus,
2002. p. 335-346;
MACHADO, Maria Clara Tomaz. Religiosidade no cotidiano popular mineiro: crenças
e festas como linguagens subversivas. História & Perspectiva, Uberlândia, n. 22,
jan./jun. 2000;
MACHADO, Maria Clara Tomaz. Pela fé: a representação de tantas histórias. Estudos
de História, Franca, v. 7, n. 1, p. 51-63, 2000.
PASSOS, Mauro. Catolicismo popular: o sagrado, a tradição e a festa. In: ______.
Festa na vida: Imagens e significados. Petrópolis: Vozes, 2002;
RÜSEN, Jörn. Reconstrução do passado. Tradução de asta-Rose Alcaide – Brasília:
editora Universidade de Brasília. 2007.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
237
SOUSA, Marcos Timóteo Rodrigues de. População e ambiente: elementos
demográficos na análise do território. São Paulo: Plêiade, 2006. p 53 à p 57.
FONTES
Ana Gonçalves Diniz – São João da Cruz de Baixo / Davinópolis – GO
José da Luz Pires – Fazenda Pires / Catalão – GO
Manoel Ferreira Paulista – Região da Anta gorda / Catalão-GO
Nilda Jacinta Rosa / Davinópolis – GO
Sebastião Pereira da Silva – Rancharia / Campo Alegre – GO
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Sebastiana Felix Simão e Jadir Ferreira Simões – Comunidade Lagoinha / Catalão – GO
238
VOZES EM FESTA: MEMÓRIA, HISTÓRIA E ANCESTRALIDADE NOS
FESTEJOS DE SÃO BENEDITO102.
Fernanda Domingos Naves.
Acadêmica do Curso de Graduação em História pela
Universidade Federal de Uberlândia/Faculdade de
Ciências Integradas do Pontal (UFU-FACIP)
O Congado103 é uma prática cultural muito importante no sudeste brasileiro. A
festividade mescla em sua realização a devoção e a festa constituindo-se numa das mais
importantes expressões de religiosidade negra difundidas no Brasil através das
comemorações em louvor aos santos de devoção negra (Nossa Senhora do Rosário,
Santa Efigênia, São Sebastião, São Benedito, dentre outros). No contexto em que as
celebrações festivo-devocionais acontecem, sagrado e profano se interpenetram
propiciando aos agentes sociais a reelaboração de suas práticas culturais estabelecendo
padrões e significados ao vivido.
A festa em si é o produto de uma linguagem social utilizada para expressar ações
e sentimentos. Essa linguagem se propaga carregada de forte caráter simbólico que se
decodifica em sentidos de pertença identitária, em reconstrução de memórias em
narrativas que interligam vida e festa numa mesma dimensão (NAVES & KATRIB,
2009). Assim, a festa se recria guiada pelas experiências humanas dos grupos sociais.
Congado, na perspectiva de compreender o significado atribuído às cantorias entoadas
pelos grupos que compõem o Congado da cidade de Ituiutaba.
Nossa proposta se balizou na premissa inicial de que as canções entoadas
durante os festejos em louvor a São Benedito, nos revelam as formas múltiplas de
externar a religiosidade ancestral dos devotos e dançadores e as tramas sociais vividas
por eles, uma vez que, através dos cantos, uma linguagem própria é estabelecida entre
os congadeiros104 que, muitas vezes, se concretiza de forma cifrada e não pode ser
decodificada pelas pessoas comuns que assistem ao espetáculo. Esses cantos, muitas
vezes improvisados, feitos naquele mesmo momento, falam do dia-a-dia do negro na
sociedade; nelas eles criticam, reverenciam, reforçam sentidos e a significação religiosa,
102
Trabalho orientado pelo Pro. Dr. Cairo Mohamad Ibrahim Katrib, NEAB/FACIP-UFU.
Uma manifestação cultural e religiosa de origem afro-brasileira onde se homenageiam santos de
devoção negra através de canções e danças encenando a coroação de reis africanos.
104
Grupo de pessoas dançadoras de Congado.
103
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Nessa lógica, dialogamos com a riqueza simbólica e identitária que circunda a festa do
239
cultural e ideológica do movimento negro numa releitura da sua inserção social. Dessa
forma, não podemos deixar de enfatizar que, segundo VOVELLE (1987, p.246), a festa
se efetiva como momento das ―ressurgências‖ onde gestos, atitudes e comportamentos
coletivos trazem à tona, de forma inconsciente, sensibilidades que circundam e se
concretizam no imaginário coletivo, o que possibilita aos indivíduos, analisar a festa e o
exercício de sua religiosidade sob diferentes nuanças. Nesse meio, a festa é um espaço
de resistência, persistência e de espiritualidade.
A música ecoada das vozes dos congadeiros e dos instrumentos constitui-se em
sons que revelam a dimensão temporal e espacial dos rituais do Congado. Em cada
verso construído, de acordo com a representação simbólica vivida naquele instante, os
timbres das vozes em festa, cantam e revelam os sentimentos do momento, expressando
fé e devoção, religando passado/presente e revigorando os laços ancestrais, as
linguagens tecidas que garantem a atualização do passado no tempo presente e da
própria vida. São representações dinâmicas que se efetivam a partir das experiências
compartilhadas de diferentes formas na medida em que se vive e se contrastam as
intenções e intensidades da festa na vida, onde outros encontros, outras sensações
As representações construídas sobre o mundo não só se colocam no lugar
deste mundo, como fazem com que os homens percebam a realidade e
pautem a sua existência. São matrizes geradoras de condutas e práticas
sociais, dotadas de força integradora e coesiva, bem como explicativa do real.
Indivíduos e grupos dão sentido ao mundo por meio das representações que
constroem sobre a realidade. Representar é, pois, fundamentalmente, estar no
lugar de é presentificação de um ausente; é um apresentar de novo, que dá a
ver uma ausência e torna sensível uma presença (p. 39- 40).
Nesse viés compreender a musicalidade, ou melhor, o contexto em que as
cantorias são (re) criadas implica em entender, na linguagem dos próprios congadeiros,
a importância da oralidade e principalmente seus processos de preservação e como
proporcionam a continuidade da tradição vivida. Sendo que, ao contrário do texto
escrito, que guarda a palavra, oferecida circunstancial e solitariamente a seu leitor, que
com ela estabelece ou não vínculos de prazer, de saber e de reescritura, ―a palavra oral
existe no momento de sua expressão, quando articula a sintaxe contígua, através da qual
se realiza, fertilizando o parentesco entre os presentes, os antepassados e as
divindades105‖.
105
MARTINS, Leda Maria. Afografias da Memória: O Reinado do Rosário no Jatobá. – São Paulo:
Perspectiva; Belo Horizonte: Mazza Edições, 1997. p. 146.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
estarão sempre em ebulição. Para PESAVENTO (2004):
240
As canções entoadas nas festas em louvor a São Benedito e a Nossa Senhora do
Rosário, são também uma forma de transmissão de saberes ancestrais, possuindo uma
dinâmica própria. Por esses motivos, apresentamos uma investigação dos elementos que
constituem a memória dos grupos, seus ritos de recordação, seus referenciais de sentido,
seus símbolos de tradução da experiência vivida. Em poucas palavras, as partes
componentes da identidade e da oralidade dos congadeiros de Ituiutaba. Oferecemos
uma contribuição para a ampliação do conhecimento acerca da oralidade como
mantenedora do sentido atribuído ao Congado, que faz dele uma prática que resiste e
persiste à modernidade e ao progresso. Uma vez que, sons e pulsos são percebidos
juntamente com gestos, formas, movimentos e palavras. Tempos e espaços, e seus
significados, são observados na simultaneidade de sua manifestação (LUCAS, 2002).
A cantoria pensada enquanto tradição oral envolve processos de transmissão de
conhecimentos que são particulares a cada grupo social. Dessa forma, atentamos à
observação dos ensaios dos ternos106, a forma como o ritmo é executado e ensinado e
qual o desempenho dos cânticos sagrados. Dessa forma, encaramos a música como uma
forma particular de linguagem e documento, daí ela ser analisada dentro de seu contexto
de produção e reprodução. Todavia, vale ressaltar que não temos como objetivo o
estudo melódico desta produção musical, mas a compreensão do seu significado.
Trabalhamos com o material coletado durante a realização da festa de São Benedito nos
grupos visitantes de cidades circunvizinhas. Nosso material não se limita somente ao
coletado durante a festa, graças à colaboração dos congadeiros locais que nos
forneceram as composições que foram e são por eles entoadas durante a realização da
festa em datas anteriores.
Durante a elaboração desse trabalho tentamos observar como as situações do
cotidiano dos congadeiros são transmitidas para a sociedade através da musicalidade. É
através da música que, o congadeiro fala sobre preconceito racial, fala sobre a ―peleja‖
dos homens por uma sociedade justa e igualitária. É através da música também que ele
demonstra sua fé e religiosidade; através das canções percebemos seus anseios,
saudades e angústia; através dela que igualmente conhecemos a história e trajetória de
um povo que, vindo de terras distantes, luta para manter vivas as tradições de seus
antepassados.
106
Denominação para um grupo de congadeiros que dançam juntos.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
anos de 2008 e 2009, onde estavam presentes os ternos de Congado da cidade e alguns
241
Os resultados desta análise são frutos não só do diálogo teórico, mas também da
inter-relação metodológica das fontes documentais, das discussões teóricas tecidas no
âmbito não só da historiografia, mas de outras áreas do conhecimento científico,
procurando dar ao trabalho uma perspectiva interdisciplinar e, sobretudo, ancorada ao
uso das fontes orais como caminho interpretativo. Dessa forma, seguindo o caminho
trilhado chegamos a alguns resultados que serão expostos abaixo juntamente à análise
das canções entoadas durante o festejo.
Iniciamos nossa análise com o canto de Alvorada entoado por um terno de
Congo antes da sua saída pelas ruas da cidade em direção à Igreja, horas antes da missa
realizada no dia do festejo em louvor a São Benedito, tendo em vista que os cânticos se
desenvolvem na forma solo/coro. Algumas canções são simplesmente repetidas pelo
coro. Há também as músicas em que o solista improvisa a letra e a melodia e o coro
canta um refrão, e há ainda as do tipo pergunta/resposta:
Eu peço licença ao Sol, Eu peço licença a Lua,
Eu peço licença a Deus pro meu Congo sair na rua oh...
Eu peço licença ao Sol, Eu peço licença a Lua, Eu peço licença a Ogum, pro
meu Congo sair na rua oh... 107
Estes versos são repletos de significados, o sentido das palavras é perceptível
para os integrantes do terno. Para eles, o sol representa o poder, a autoridade máxima. É
comparado ao poder atribuído pelos reis congos que viviam em África isso, durante a
que vem poupar, que vem serenar‖; depois vem Deus, aquele ao qual devemos nossas
vidas e nossos dias, e por último Ogum (Orixá guerreiro, senhor dos metais), que vem
para representar os santos de matriz africana congraçando a presença da ancestralidade e
da religiosidade africana no tempo presente. Após pedir a benção às divindades
ancestrais, o grupo pode seguir sua caminhada até a Igreja onde realizarão suas
manifestações de fé. A partir desse momento os homens, ungidos de proteção, deixam
de ser apenas cidadãos comuns e passam a ser congadeiros, devotos e irmãos unidos em
uma mesma sintonia e banhados pela proteção das divindades.
A pé, os congadeiros percorrem grande distância entre os quartéis generais108 e a
Igreja; depois seguem até a casa de cada um dos coroados. Antes, porém, cada terno é
apresentado à comunidade que assiste do lado de fora às comemorações. Todo esse
107
108
Canto de saída. Domínio público. Terno de Congo Real.
Local onde se guardam os instrumentos dos grupos e onde se realizam as reuniões dos mesmos.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
festividade. A lua é o principio da serenidade e equilíbrio que harmoniza e suaviza, ―a
242
percurso é seguido de muito batuque e música. Isso ocorre dentro de uma lógica própria
e hierarquicamente organizada.
Uma questão que é muito discutida entre os grupos de Congado da cidade é a
religiosidade ancestral. O Congado da cidade de Ituiutaba é composto por sete ternos.
Destes sete, apenas um é umbandista. Todos os demais se autodenominam fundados
dentro da tradição católica. Porém, no decorrer das comemorações em louvor a São
Benedito e a Nossa Senhora do Rosário notamos menções a entidades espirituais de
matrizes africanas nas letras das músicas cantadas pelos congadeiros, como vimos no
trecho anterior. Vejamos, por exemplo, uma canção entoada durante a apresentação de
um terno de Moçambique:
Balança a gunga, ôi deixa balança...
Balança a gunga, ôi deixa balança...
O Preto velho não gosta não deixa essa festa acaba
O Preto velho não gosta não deixa essa festa acaba
Demandas e brigas não devem existir
Demandas e brigas não devem existir
A união dos povos faz mamãe do Rosário sorrir
A união dos povos faz mamãe do Rosário sorrir 109.
Para que a festa do Congado fosse realizada com o apoio da Igreja Católica os
grupos de Congado tiveram que seguir à risca os preceitos católicos impostos pela
Paróquia local110. Tiveram de receber os Sacramentos da Igreja e se tornarem devotos
ativos da fé cristã, ―abandonando a religiosidade pagã africana‖. Todavia, a
por alguns grupos de Congado, prova disso é esse trecho onde notamos a presença da
ancestralidade africana quando ouvimos ―O Preto velho não gosta não deixa essa festa
acaba‖. Os congadeiros se reconhecem como católicos, mas ainda hoje estão presentes
as tensões e negociações entre as cerimônias do Congado e a Igreja Católica, como
também entre o microcosmo social do Congado e a sociedade envolvente, o que torna
atual a afirmação de GOMES e PEREIRA, 1988:
No passado os tambores dos negros estavam proibidos de participar das
celebrações no interior das igrejas. No presente, o negro canta o lamento
africano à porta da igreja, convencendo-a de recebê-lo em nome do Pai
Maior. Os conflitos não se resolvem com a realização da Missa Conga, onde
os negros deixam de entoar diversos cantos por serem incompatíveis com a
liturgia católica (p. 101).
109
Terno de Moçambique. Domínio público. Canção entoada durante a apresentação do grupo.
Ver NAVES, Fernanda Domingos; KATRIB, Cairo Mohamad I. Cultura Identidade e Religiosidade
em Ituiutaba - MG. In: 4ª Semana do Servidor e 5ª Semana Acadêmica. 2008. Universidade Federal de
Uberlândia. Anais. Uberlândia. 1 CD-ROM.
110
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
religiosidade ancestral é mantida, ainda que secretamente, perante os olhos da Igreja,
243
Ainda que a Igreja Católica lute para catequizar os negros integrantes do
Congado, e apagar deles sua identidade ancestral, de nada adianta, sua história está
presente dentro de cada um, está em sua cultura, enraizado dentro de si. Esta
religiosidade perpassou várias gerações e permanece viva até a atualidade, e, como
percebemos, mesmo diante da imposição católica contra essa religiosidade e seus cultos,
o negro continua praticando seus rituais e perpetuando sua herança ancestral. A música
nos mostra a resistência da comunidade congadeira contra a imposição cristã. Todavia,
podemos perceber que também se menciona Nossa Senhora do Rosário, apelidada
carinhosamente pelos integrantes do grupo como ―mamãe do Rosário‖. Notamos que,
ainda que praticantes ocultos da religiosidade ancestral, mistura-se a religiosidade
ancestral com catolicismo no ritual do Congado. Balançando a gunga e entoando a
canção evocam-se os santos protetores para que, com suas bênçãos, o povo congadeiro
possa seguir com a sua festividade.
Percebemos a mescla da religiosidade afro com a cristã/católica. Os
descendentes de africanos que hoje são congadeiros reelaboraram valores alheios à sua
concepção de mundo, reinterpretando, assim, o catolicismo, por meio de sua própria
visão onde as entidades presentes nos cultos afros se mantêm em harmonia com os
santos católicos reverenciados durante o festejo. Nessa canção notamos que nos rituais
de Congado, portanto, estão presentes valores e saberes africanos que sobreviveram às
continuamente111.
Durante a festividade observamos que cada um dos cantos possui uma
linguagem diferente, enriquecendo o cenário do Congado local da cidade. No decorrer
da festa são vários os temas e assuntos apresentados à comunidade através da música,
são assuntos como as desigualdades sociais, a luta do negro no dia-a-dia, a história de
criação dos ternos, a história do evento na cidade, milagres realizados pelos santos
homenageados, etc. Todavia, o que mais é citado, talvez pela data de realização da festa
em Ituiutaba, dia 13 de Maio, é a Abolição da Escravidão, ou mesmo a escravidão em
si. Vejamos um exemplo:
Nego velho era cativo, sua rainha libertou,
No dia 13 de Maio foi que os nego festejou
111
Adaptado de LUCAS, Glaura. Os Sons do Rosário: O Congado Mineiro de Arturos e Jatobá. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2002. 360P.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
imposições da cultura tida como erudita e, com ela se mesclaram e se transformaram
244
Nego velho era cativo, sua rainha liberto,
Nego velho era escravo, nego velho virou sinhô!
Quando o sinhô ia a missa, era nego que levava
Sinhô entrava pra dentro e o nego lá fora ficava
Se nego tava cansado de chicote apanhava
Chegando na senzala é que nego velho rezava!!!
O navio negreiro levou, levou neguinho de mamãe,
O navio negreiro levou, levou neguinho de mamãe,
Oh meu Deus! Levou negrinho de mamãe
Nóis tava na beira da praia quando o homem branco chegou
Pegou negrinho de mamãe e seu pé acorrentou,
Partiu da Costa do Marfim e nunca mais retornou
Ancorou em terra distante, oh meu Rei, e o negro velho chorou...
Negro velho chorou... Negro velho chorou
De saudades do negrinho que o navio negreiro levou...
Negro velho chorou... Negro velho chorou
De saudades do negrinho que o navio negreiro levou... 112
As letras falam das diferenças entre os brancos e negros, senhores e escravos.
Mostra a nós um mundo onde a desigualdade racial priva o negro de cultuar seus deuses
dentro de seus santuários. Esse mundo é relembrado pelos congadeiros por que
infelizmente trata-se de algo presente no seu dia-a-dia. São relatados nesses trechos
momentos de extrema importância da história negra, desde a chegada do homem branco
em terras da África; a captura do então escravo, que deixa para traz seus entes queridos;
o modo como ele é tratado e como, tanto os que partiram contra a sua vontade, quanto
os que ficaram, sofreram com esse processo. Durante a canção, faz-se uma volta ao
grande responsabilidade para que seu uso esteja ao espaço e ao tempo. Notamos ainda a
importância da negritude para a compreensão cultural do negro no Brasil. Trata-se de
um povo que tem história e que se identifica por meio dessas mesmas histórias que são
repassadas por gerações inteiras. Observamos ainda a relação do congadeiro com a
África e sua origem afro. Percebemos que sempre se menciona o passado, são
lembrados a cada instante os irmãos que sofreram com a escravidão e aqueles que já
partiram. Os antepassados fazem-se presentes durante toda a festa: ―eles vêm todos‖,
―ficam aí‖, são frases ouvidas em muitas músicas de diversos grupos. Os antepassados
presentificam-se e são evocados, pela memória, no ato a que a eles se dirige, no
continuum de uma celebração que remonta os tempos imemoriais. O conhecimento e o
saber vem desses antepassados, cuja energia revitaliza o presente. Os mais antigos
relembram e fazem suas preces em silêncio por essas presenças. Eles, os antepassados
112
Apresentação de terno de Moçambique. Domínio publico.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
tempo, a palavra emitida pelo congadeiro está investida de força, o que exige dele
245
são lembrados e homenageados muitas vezes pelos integrantes dos grupos ao qual
pertenciam.
Há também o momento do repentismo onde as músicas são elaboradas naquele
mesmo instante. Além de abrigar a música secreta e mágica e de ser o momento de
vivência da memória, o improviso do capitão se apresenta também como
potencialidade, podendo ser preenchido de maneiras diferenciadas conforme a
circunstancia ou a necessidade. Assim, através dos improvisos, os capitães transmitem
ordens e mensagens, brincam com outros capitães do mesmo terno, desafiam-se, etc.
São nesses momentos que percebemos quão grande é a influencia da música na vida
desses indivíduos. É através dela que esses homens transmitem a nós suas dores, seu
sofrimento, angustia, um caminho trilhado por lutas, derrotas e vitórias que fizeram do
povo negro um povo de raiz. Todavia, não temos aqui a intenção de discutir a música
como linguagem, mas, sim, como um veículo de comunicação. Interessa-nos a idéia de
não devemos entender a música como uma linguagem universal, e sim como um
caminho universalmente utilizado num contexto social. Ela é utilizada pelos
congadeiros como uma forma de venerar seus deuses e, como uma maneira de transmitir
a seus pares os sentimentos ocultos dentro de seu ser.
Durante a pesquisa notei que há um momento onde se experimentam as canções,
como um ensaio onde se decidem se todos concordam se uma música será daquele jeito
forma mais efetiva antes das saídas dos ternos, seja para um ensaio, apresentação ou
leilão113. Tudo é ouvido e estudado cautelosamente pelos integrantes do grupo, e de
pouco a pouco faz-se as letras das canções. Quanto à continuação e transmissão desse
legado que nos é repassado através dessas músicas observamos que, os veteranos do
Congado possuem a preocupação de transmitir aos seus as letras canções e ainda
possuem a preocupação de instruir os novos integrantes dos grupos para que um dia eles
possam ser presentiados com o ―dom da criação‖
114
, podendo dar sua colaboração
dentro do grupo trazendo novas canções, por exemplo.
O que se percebe é que as cantorias enquanto registro, documento histórico
trazem, em suas letras, e em sua performance como um todo, ritmos e danças,
expressões que retratam a história, as crenças, as alegrias e todo o conjunto de
113
Pequena reunião onde prendas são leiloadas com o intuito de arrecadar dinheiro para a manutenção do
terno.
114
Termo utilizado por Maria Lúcia em entrevista realizada no dia 23 de Março de 2008.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
ou se a batida terá aquele ritmo. Esses momentos de experimentação acontecem de
246
sentimentos e pensamentos rememorados pelos congadeiros. Nesse sentido a
performance musical faz do ritual um momento de comunicações múltiplas, uma
linguagem presente onde os participantes desse festejo apresentam à sociedade em geral
suas particularidades, que despertam interesse e curiosidade, resultando em atribuições
de importância aos congadeiros. Importância essa que não faz parte, socialmente, das
suas vidas no cotidiano. Com a conclusão dessa pesquisa podemos perceber que a
cantoria dos congadeiros ou mesmo as letras das canções que são escritas por esses
agentes sociais são fontes históricas importantes para se pensar o presente, a sociedade
como um todo, a cultura popular, a religiosidade, etc..
Os dados obtidos no trabalho de campo permitem refletir sobre o papel das
canções nos rituais do Congado. De fato o Congado é uma prática de cunho religioso,
entretanto, todo cortejo é perpassado pelo som dos tambores, gungas e o canto. Estudar
o Congado, sem colocar as canções como elemento importante do ritual é desconsiderar
um elemento ao qual o próprio grupo atribui um lugar de destaque. A música permeia e
apóia toda a festa, promovendo uma certa hierarquia interna do grupo e atuando como
elemento de identidade do terno. Podemos concluir assim que o Congado é uma prática
toda centrada na oralidade. São muitos os momentos que compõem a festa e os meses
de preparação dessa festa. Porém todos esses momentos são perpassados e apoiados
pela música que é transmitida, criada e recriada através de gerações. Recolocar a essas
apreender nos termos dos próprios atores sociais, processos de aprendizagem do sistema
musical e suas devidas implicações referentes à contextualização, significação e
execução das práticas ancestrais. Sabemos, porém, que não esgotamos a questão das
criações musicais na festa do Congado, no entanto procuramos dar nossa contribuição
no vasto estudo que se tem sobre o tema.
O significado da composição musical no Congado se revela no contexto da
unidade entre o material sonoro/musical e seus sentidos. Em se tratando de uma música
vinculada organicamente à condução dos rituais, muitos desses significados são, de fato,
acessíveis apenas aos participantes, pertencendo à dimensão mágica e hermética da
festividade. Mas há toda uma gama de características cuja decodificação nos aproxima
da percepção de seus valores essenciais (LUCAS, 2006).
Ao analisar as composições dos congadeiros como enfoque mais específico nos
processos de comunicação constituídos no ritual do Congado podemos concluir que o
desempenho musical tem atuado como veículo de comunicação que traz em si um
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
composições improvisadas ou não, como elemento importante do ritual implica em
247
aglomerado de significados. Nesse sentido, a performance do congadeiro expressa todo
um caráter religioso, as lutas, as imposições culturais, as tristezas e alegrias que um
povo viveu no passado, mas que são reatualizados periodicamente, por pessoas que
encontram, na expressão musical, uma forma de serem ouvidas, assistidas e valorizadas
pela sociedade em geral. De modo geral, podemos afirmar que a religiosidade, a fé, a
brincadeira, a aprendizagem, a expressão e a afirmação social, como todos os demais
fatores e seus significados estabelecidos no contexto congadeiro, são rememorados,
expressados e transmitidos através da performance musical. Essa performance vista
apenas em uma época do ano significa, na verdade, para os congadeiros, algo
inexplicável, que é vivido, experimentado e aprendido pelos sons e expressões do
Congado.
A palavra oral, assim, realiza-se como linguagem, conhecimento e fruição
porque alia, em sua dicção e veridcção, a música, o gesto, o canto, e porque exige
propriedade e adequação em sua execução, pois para ―que a palavra adquira sua função
dinâmica, deve ser dita de maneira e em contextos determinados‖ (MARTINS, 1997).
Todas as etapas dos rituais do Congado são permeadas pela música. A música faz-se
indispensável para a experiência religiosa. Cremos que é através dessa música que se
faz presente no ritual que os congadeiros melhor se expressam. Todos os momentos são
preenchidos pelas vozes e pelos tambores, gungas e pantagomes. E utilizando-se das
congadeiros, revelam a nós expectadores da festa, o universo rico que circunda a
festividade do Congado da cidade de Ituiutaba-MG.
Realizadas em maior parte coletivamente, as composições que ilustram a música
são de todos e para todos, para louvar os santos homenageados e, como vimos, para
cumprir muitas outras funções. Esse processo de comunicações distintas encontra no
ritual do Congado vida e forma, que projeta em toda sociedade de Ituiutaba os
costumes, as crenças, os mitos e as ações de homens que, com dignidade, celebram o
que acreditam e gostam, demonstrando assim, que ocupam um espaço significativo no
seu meio social, e que, durante o processo ritual do Congado, seus cantos e instrumentos
lhes dão voz ativa frente à sociedade como um todo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Martha. Cultura Popular: um conceito e várias histórias. In: ABREU, M.;
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
composições dos atores sociais esses instrumentos, unidos às vozes dos irmãos
248
ARROYO, M. Representações Sociais sobre práticas de Ensino e aprendizagem musical. Um
Estudo Etnográfico entre Congadeiros, professores e estudantes de música. Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, 1999.
BRANDÃO, Carlos R. A cultura na rua. 2ª ed., São Paulo: Papirus, 2001.
____. O divino, o santo e a senhora. Rio de Janeiro. Campanha da Defesa do Folclore
Brasileiro/FUNARTE, 1978.
BOSCHI, Caio C. Os leigos e o poder: irmandade leigas e política colonizadora em Minas
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1983;
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LUCAS, Glaura. Os Sons do Rosário: Um estudo etnomusicológico do Congado Mineiro –
Arturos e Jatobá. São Paulo. Dissertação (Mestrado em Artes) –. Escola de Comunicação e
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Federal de Uberlândia. Anais... Uberlândia. 1 CD-ROM.
PESAVENTO, Sandra J. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
VOVELLE, Michel. Ideologia e Mentalidades. São Paulo: Brasiliense, 1987.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
MACHADO, Maria Clara Tomaz. Raízes fundantes da cultura popular no sertão das Gerais. In:
REVISTA ARTCULTURA. Vol. 4, n° 4, Uberlândia; UFU, junho, 2002. p. 117-122.
249
SIMPÓSIO TEMÁTICO 4 – HISTÓRIA E LITERATURA
Coordenação: Prof. Dr. José Josberto Montenegro Sousa e Profa. Ms. Suilei
Giavara
ESCRITORES TIJUCANOS: AS DIFICULDADES DE EDITAR E DIVULGAR SUA OBRA.
................................................................................................................................................... 251
Lúcio Antônio de Moraes Arantes
HISTORIANDO COM LITERATURA: AÇÚCAR AMARGO DE LUIZ PUNTEL NA SALA
DE AULA DO NONO ANO .................................................................................................... 256
Matheus Oliveira Knychala Biasi
LA CASA DE BERNARDA ALBA: O GRITO DA LIBERDADE TOLHIDA PELO
AUTORITARISMO .................................................................................................................. 263
Leandro de Jesus Malaquias
O SERTÃO NO ROMANCE D‘A PEDRA DO REINO: CONSIDERAÇÕES DE UMA
CARTOGRAFIA HISTORIOGRÁFICA NA LITERATURA ................................................ 270
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Jossefrania Vieira Martins
250
ESCRITORES TIJUCANOS: AS DIFICULDADES DE EDITAR E DIVULGAR
SUA OBRA.
Lúcio Antônio de Moraes Arantes
Acadêmico do 6º Período de História da
FACIP/UFU Noturno
Recentemente escrevi um livro, e com ele vivi dilemas ao editar, pois Ituiutaba
carece de editoras especializadas para este fim, apenas uma editora conta com
profissionais capacitados para tal. Na divulgação e comercialização as dificuldades não
foram menores. Neste projeto de pesquisa, abordei esse tema, achando perfeito para que
pudesse entender o porquê destas dificuldades. Sei que não é algo regional, pois o País
como um todo não é um País de leitores costumas, tanto que esta falta de cultura da
leitura aflige intimamente a mim, aos nossos colegas de faculdade, amigos enfim, é um
hábito não recorrente para as pessoas dedicarem seu tempo a leitura.
Identificado com estes problemas, os objetivos traçados para o desenvolvimento
deste trabalho foi, portanto, pesquisar este mercado editorial, saber que tipo de produção
pede o mercado e qual produção tem saído das gráficas tijucanas e a importância de se
criar uma Academia Municipal onde abriga além de literatos, outros artistas como da
música e das artes a ALAMI (Academia de Letras, Artes e Música de Ituiutaba).
Muitos escritores ou aspirantes a escritores sofrem para verem suas idéias, seus
diferente, pois apesar de contar com muitas gráficas apenas uma é especialista na edição
de livros, a gráfica EGIL (Editora Gráfica Ituiutaba Ltda.). Quando se tem um livro
editado surgem os problemas de divulgação, além do pouco espaço na mídia, poucos
pontos de vendas e na maioria das vezes faltam apoio até mesmo para um lançamento
adequado. Porém após estas duas etapas vencidas, os poucos que sobram vêem surgir à
dificuldade de alçar vôos mais altos, como emplacar um livro didático ou conseguir
vendagem e reconhecimento em nível nacional. Pode-se destacar em meio a estas
dificuldades, o escritor Luiz Vilela, que além de reconhecimento nacional, conseguiu
incluir alguns de seus livros na literatura obrigatória de alguns vestibulares.
Com o uso de uma bibliografia direcionada percebi melhor a importância do
livro para formação das sociedades e compreendi que o embasamento teórico nos
fornece mais argumentos para defender ou até mesmo criar uma idéia própria. Através
das entrevistas realizadas vi a fundo as carências do mercado regional e as dificuldades
reais de colocar um livro no mercado. Na pesquisa de campo comprovei o espaço
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
escritos editados ou transformados em livros. Em Ituiutaba, esta realidade não é
251
destinado aos autores tijucanos dado na Biblioteca Municipal, serve para facilitar a
pesquisa de certo modo valorizando os escritores de Ituiutaba. Pesquisei também a
defasagem quantitativa de publicações em relação ao mercado como um todo. Ao
aprofundar na vida e obra de Luiz Vilela, maior nome da literatura Ituiutabana,
compreendi que com talento, dedicação ao que se propõe e muito estudo, leitura, não
importam as adversidades estudadas, você consegue seu espaço em âmbito nacional e
no caso dele internacional.
O ano de 2010 foi todo dedicado ao desenvolvimento das atividades acadêmicas,
mesmo assim gerou um acúmulo de tarefas, textos e trabalhos para serem lidos,
entregues ou mesmo discutidos. Em abril no afã de aprofundar na bibliografia me
deparei com dois livros sugeridos pelo professor orientador Eduardo Giavara como
bibliografia para meu tema e consegui ler e resenhá-los. O livro de Roger Chartier, ―A
aventura do livro, do leitor ao navegador‖ o autor nos leva a uma viagem desde o livro
manuscrito, porém por se tratar de um livro contemporâneo nos trás até a Internet, o que
seria o livro eletrônico. Fazendo uma comparação desta revolução virtual que vivemos,
com outras revoluções por quais os livros já passaram, também retrata com muito
cuidado um tema recorrente não só para livros como também musicas filmes etc., que é
a questão da pirataria, e as formas de proteger estes autores de serem usurpados pela
Internet que se apresenta a maioria das vezes sem lei e sem autores. Para veiculação
leitor e prenda sua atenção em meio tão diversificado de temas e questões. E o leitor por
sua vez pode em tempo real, criticar, sugerir e até mudar a obra aumentando assim a
interatividade entre leitor e escritor. Muitos destes leitores virtuais que o autor chama de
leitores eletrônicos não passaram pelo velho hábito de ler em papel, gerações novas não
adquirem este hábito, e agora com o ―e-book‖ que certamente pegou este autor de
surpresa, acredito que seja ainda mais difícil instaurar o hábito da leitura tradicional
nestes novos leitores, que o autor chamava de leitores do futuro. Que, aliás, hoje são do
presente. Com a digitalização de livros pensa-se em uma biblioteca digital e universal,
uma biblioteca sem fronteiras, se por um lado perde-se em direitos autorais, em
proteção de obras, se ganha e muito na difusão do conhecimento. Chartier não acredita
que se trata do fim do livro impresso, pois acredita nos velhos hábitos e na possibilidade
de existirem mídias que se entrelaçam, porém, como disse acima, o surgimento deste ebook, acredito que seja mais uma arma que aponte para o fim do papel, que além de ser
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
eletrônica, precisa-se de uma linguagem específica, um ritmo diferente que atraía o
252
ecologicamente mais viável, você poderá acessar bibliotecas, feiras, estantes virtuais,
comprar e ler onde e quando quiser, e ainda: com a luz apagada.
No outro livro ―O aparecimento do livro‖, os autores Lucien Fevbre e HenriJean Martin enfocam nesta obra exatamente o que seu título diz ―O Aparecimento do
Livro‖, destacando a passagem do manuscrito para o livro já impresso e mostra como
deve ser usado o livro para a história. Eles apresentam o livro como forma de catalogar
idéias, expor pensamentos, que realmente antes do advento da internet, o livro tinha a
exclusividade do poder de registrar fatos e pensamentos. De forma única o livro nos
mostra os mais diversos resultados que uma obra publicada pode exercer em uma
sociedade, até modificando-a, doutrinando-a de acordo com os interesses de quem as
publica.
Como exímios historiadores, os autores nos apresentam estudos desde o
aparecimento do papel na Europa, as formas de ilustrações, as técnicas usadas na
impressão e no desenvolvimento desde os caracteres até as ilustrações, assim como seu
uso histórico de arquivos como a posteriori seu uso comercial principalmente depois do
surgimento da imprensa no período do Renascimento, e assim com matéria e material,
disseminarem a idéia do livro.
O primeiro livro nos trás até o mundo digital e nos mostra os problemas e
também vantagens deste novo modelo de leitura e propagação de idéias. No segundo
que mostra os primórdios do livro, suas funções sociais e educacionais, e como disse
acima doutrinadoras, desde o manuscrito até ao impresso. O que de certa forma uma
leitura completa a outra cronologicamente falando.
Dando continuidade a pesquisa fiz uma entrevista com Edson Ângelo Muniz,
editor responsável pela gráfica Egil (Editora Gráfica Ituiutaba Ltda.), na entrevista
percebo que a maioria dos livros por ele produzidos conta com apoio governamental.
Para a gráfica a produção de um livro com mil exemplares cobrando em média R$
4.000, 00 (quatro mil reais), e o tempo gasto na produção deste livro entre equipamento
e deslocamento de pessoal a gráfica produzindo peças publicitárias faturaria três vezes
mais, ou seja, pelo mesmo tempo que gastaria na edição de um livro, faturaria R$
12.000,00 (doze mil reais). Edson também se mostrou preocupado com a inclusão
destas novas mídias entre elas o ―E-book‖ e ―I-Pad‖, podendo ocupar os lugares dos
livros como conhecemos até hoje. Ele se mostrou um apaixonado pela literatura e só
isto explica o porquê de ainda editar livros com esta defasagem de preço em relação aos
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
para curiosos e estudantes, assim como aspirantes a escritores, é uma forte ferramenta
253
ganhos publicitários. Além da entrevista, coletei uma lista completa de obras editadas
pela gráfica, de 98 até então, foram 96 livros até o dia dois de julho de 2010.
Em pesquisa de campo na Biblioteca Municipal num total de 39.361 livros,
verifiquei o espaço destinado aos autores tijucanos, e cataloguei todo acervo de obras
locais, sendo 27 editados pela gráfica Egil, 28 livros de outras gráficas para os autores
tijucanos. 10 obras do autor Luiz Vilela uma coleção da autora Alciene Ribeiro Leite,
também de Ituiutaba com 25 livros, além de aproximadamente 10 livros feitos com
aramado.
A segunda entrevista seria com o escritor de reconhecimento nacional e
internacional Luiz Vilela, retirei alguns adjetivos antes de apresentá-lo, pois ao
conhecê-lo, entendi que antes o que eu julgava ser recluso é na verdade simplicidade de
quem valoriza este ―modus vivendi‖ mais reservado, preservando sua intimidade não
abrindo precedentes para não gerar futuras aporrinhações. Ele não me concedeu
entrevista, mas não sem deixar claro os devidos meios em que eu poderia obter tais
informações, no seu livro mais recente, Bóris e Dóris encontrei sua biografia e vi que no
começo também pagou do próprio bolso para editar seu primeiro livro ―Tremor de
Terra‖, enviando-o para um concurso em que foi premiado no mesmo ano de 1967, em
2006 lançou seu mais recente trabalho, esta novela ―Bóris e Dóris‖, somando assim 13
livros, sendo traduzido para diversas línguas e tendo contos consagrados em antologias
romances. Ao conhecer mais de sua obra e conhecer melhor o autor tive oportunidade
por algumas vezes de conversar com ele informalmente, notando uma pessoa
observadora, extremamente solícita e até mesmos pelos seus personagens e seu trato
com as pessoas da sociedade ele de forma alguma poderia ser uma pessoa reclusa como
a priori o julguei.
Este trabalho parecia muito autoral de início, aliás, como todos são, fui me
surpreendendo no seu desenvolvimento justamente pelo oposto.
O aparecimento de novas fontes, de novos enfoques para problemas antigos, de
novas posições ―interpretativas‖ acerca de fenômenos conhecidos, tem tanta ou maior
importância para o progresso historiográfico do que a rotulação de novos campos de
pesquisa. (ARÓSTEGUI, 2006, p. 471)
Embora tenha feito um recorte regional, a universalidade do tema é inevitável,
através das obras estudadas percebemos o uso e a importância do livro para a história ao
longo dos anos. E a partir do recorte conheci melhor a vida e a obra do escritor Luiz
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
nacionais e internacionais, além de adaptações para o teatro e televisão de seus contos e
254
Vilela. Fascinado tanto pela obra quando pelo autor, observei a magnitude que um
simples conto pode alcançar, podendo ser filmado, traduzido para diversas línguas,
absorvido por várias culturas diferentes, enfim quando um escritor consegue percorrer
este árduo caminho problematizado neste estudo, as possibilidades de êxitos são muitas
e imensuráveis as idéias que podem influenciar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica: teoria e método. Bauru, SP: EDUSC, 2006.
CHARTIER, Roger. A aventura do livro, do leitor ao navegador. São Paulo, SP:
UNESP/IMESP, 1999.
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FONTES:
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VILELA, Luiz. A cabeça. Rio de Janeiro: Cosac Naify, 2002.
VILELA, Luiz. Tremor de terra. 1ª Edição. Belo Horizonte: Litador, 1967.
255
HISTORIANDO COM LITERATURA: AÇÚCAR AMARGO DE LUIZ PUNTEL
NA SALA DE AULA DO NONO ANO
Matheus Oliveira Knychala Biasi
Acadêmico do curso de História da
Universidade Federal de Uberlândia e
integrante do Núcleo de Estudos em
História Social da Arte e da Cultura –
NEHAC
Este trabalho é fruto de intensas reflexões e pesquisas em torno da temática
literatura em sala de aula. Além disso, é desdobramento das atividades relacionadas à
disciplina ―Seminário de Práticas Educativas‖, desenvolvidas nos cursos de História da
Universidade Federal de Uberlândia, sob orientação das Professoras Maria Elizabeth
Ribeiro Carneiro e Carla Miucci.
Nesta perspectiva, procuramos alguma obra literária que se enquadrasse nos
componentes curriculares do nono ano, que foi a série escolhida para a organização da
mencionada aula, cuja necessidade se fazia em respeito aos critérios da referida
disciplina, e que tivesse uma ligação com os elementos da vida dos alunos de tal série
de ensino. Nesse sentido, escolhemos o título Açúcar Amargo, de Luiz Puntel. Esta
obra, que compõe a ―coleção vaga-lume‖ possui o vocabulário extremamente acessível,
bem como uma história instigante e, segundo nossa observação, trabalhar com ele
Além de próxima, instigante, interessante e bem elaborada, a história de Marta,
personagem central da obra, contribuiria para o lançamento de luz a inúmeros temas
transversais, para lembrar-nos dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN‘s – que
estão presentes na atualidade e que pontuam interessantes discussões que
necessariamente devam ser travadas com alunos desta idade/série. Ora, neste livro
encontramos a discussão de temas como o êxodo rural, questões atinentes ao gênero,
bem como conflitos relacionados à adolescência. Acreditamos, enfim, que a leitura
coletiva deste livro numa sala de nono ano possa enriquecer uma discussão que trate da
leitura na sala de aula, bem como sua importância, etc.
Em meados do século XX, consolidou-se no país um perigoso sistema
educacional, pautado no então efervescente tecnicismo. Com sua consolidação, os
conhecimentos que outrora eram concebidos no seu geral, ou seja, se tinha o
conhecimento de matemática, filosofia, línguas, história e cartografia agora passam a ser
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
didaticamente seria algo muito salutar.
256
estudados e abordados separadamente, como se a separação contribuísse com a
aquisição de conhecimento. O que se nota, porém, com a especialização do
conhecimento, é que distâncias enormes foram surgindo entre as áreas, causando,
muitas vezes abismos entre elas.
Conseqüência, na escola, desta separação pode ser observada no que diz
respeito à leitura. O que parece tão óbvio, que é a necessidade dela em todas as áreas do
conhecimento, ficou praticamente ignorado. O que se procura defender, destarte, é que a
leitura tem sido ligada apenas ao ensino de língua portuguesa. Não há estímulo da
leitura nas áreas de matemática, geografia e, muitas vezes, nem mesmo na história, a
qual deveria ser a mais estimuladora, dentre estas disciplinas. Esta problemática pode
ser observada até mesmo nos cursos universitários nas áreas de exatas e biológicas. A
leitura não é comentada, estimulada, tratada como deveria. Ficou subentendida como
banal. Quem a faz o faz porque precisa, e somente isso.
Neste sentido, pensamos nossa aula como um momento de conscientização,
bem como de estímulo à leitura, procurando fazer saber o quanto está ligada às áreas do
conhecimento e como o seu domínio pode corroborar com o melhor domínio de tais
áreas. Houve, durante a apresentação deste trabalho, a constatação do que foi
supracitado, para isso basta lembrar-nos dos diversos alunos que relataram a carência de
estímulos à leitura durante o ensino fundamental e médio, bem como o quão
ensino superior. Ou seja, enfrentamos, neste trabalho, uma problemática árida e será,
por estar espalhada nas diversas instâncias do ensino.
Com efeito, este trabalho nos fez perceber a importância da leitura no ambiente
escolar e o quanto os alunos estão abertos para tal atividade. Na maioria dos casos
percebemos que o que falta é estímulo. Muitas vezes o que eles precisam é de uma
indicação, de uma menção a esta ou àquela obra literária para a tomarem na leitura.
Sob este aspecto, e acreditando que, como afirma Sandra Jatahy Pesavento, ―a
literatura é, pois, uma fonte para o historiador, mas privilegiada, porque lhe dará acesso
especial ao imaginário, permitindo-lhe enxergar traços e pistas que outras fontes não lhe
dariam‖ (PESAVENTO, 2006, p. 22), propomos uma abordagem didática relacionando
história e literatura. Mais do que isso, pretendemos mostrar que é possível haver história
na literatura. Ora, toda obra literária foi escrita em um contexto, com um autor imerso
em uma condição econômica determinada, bem como a uma situação social específica,
o que atribui ao livro características históricas inquestionáveis. Além disso, toda história
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
circunscrito ela fica ao ensino de língua portuguesa e as dificuldades que acarretaram no
257
narrada na literatura têm influência direta do momento vivenciado pelo autor, atribuindo
à esta história, características do passado que se pretendeu abarcar, bem como do
presente em que ela foi composta.
Antes de expor as motivações que nos levaram a adentrar no universo da
historiografia que encontra na literatura uma fonte, tão respeitada quanto às outras, é
preciso lembrar que esta temática é extremamente nova e vêm se demonstrando
extremamente profícua todas as tentativas de abarcá-la. O movimento da chamada
―nova história cultural‖, como apontam muitos pesquisadores, abriu espaço para estas
pesquisas e permitiram que ela assumisse um lugar de destaque nas pesquisas
historiográficas. Ora, foi, pois, neste contexto que se ampliou a visão do que poderia daí
por diante, ser tratado por documento. A este aspecto, é necessário lembrar que
A busca por novas fontes de pesquisa tem levado a historiografia a questionar
o que pode ser considerado documento, e com isso seu conceito tem ganhado
amplitude e modificado a hierarquização de seu valor. Conseqüentemente é
transformado em documento tudo que traga algum tipo de informação, ou
seja, qualquer meio pelo qual o homem se expressa torna-se fonte relevante
para a pesquisa. (SILVA, 2006, p. 124)
Assim, vale lembrar que mesmo com o surgimento desse leque de
possibilidades de se trabalhar com as novas fontes, o rigor no trato com elas deve ser
mantido e, em muitos casos, até mais intensificado, haja vista ao fato de que certas
fontes requerem um profundo estudo teórico e muita experiência prática para que seja
deva fazer um resgate dos métodos tradicionais de pesquisa, análise documental e
escrita. O que se chama a atenção, porém, é que, como afirma Circe Bittencourt,
Outro aspecto a ser levado em conta no processo de renovação é o
entendimento de que muito do ―tradicional‖ deve ser mantido, porque a
prática escolar já comprovou que muitos conteúdos e métodos escolares
tradicionais são importantes para a formação dos alunos e não convém serem
abolidos ou descartados em nome do ―novo‖. (BITTENCOURT, 2008, p.
229)
Ou seja, apesar de tradicionais, algumas técnicas ainda são muito aceitas,
difundidas e disseminadas comumente no ambiente escolar e, como evidenciou a autora,
continuam a manter sua relevância e coerência no que diz respeito ao ensino.
O que ficou claro, destarte, foi que o ensino de história com vistas à literatura e
a difusão da leitura e o movimento historiográfico que privilegia o uso da literatura
como fonte são os temas transversais que norteiam esta pesquisa, e o que tentaremos
fazer adiante é tratá-los separadamente, embora, como defendemos ambos sejam,
muitas vezes, indissociáveis.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
trabalhada de forma minimamente edificante. Isso, por outro lado, não quer dizer que se
258
Açúcar Amargo, de Luiz Puntel e sua abordagem didática
A crise educacional brasileira reflete-se em diversos aspectos do ambiente
escolar, das práticas educativas e das relações com o conhecimento. O que se percebe é
que as mudanças nas relações e, mesmo nas condições de relação com os alunos e o
preparo para isso, não foram acompanhadas pelo sistema educacional. Titula-se a isso
como sucateamento da educação. Aqui preferimos tratá-lo por crise. A este respeito, é
preciso lembrar de José Carlos Libâneo, quando ele, numa entrevista, assinala:
Falar do papel da escola hoje implica reconhecer as transformações gerais da
sociedade ligadas aos avanços tecnológicos e científicos, à reestruturação
produtiva, às mudanças no processo de trabalho, à intensificação dos meios
de comunicação, à requalificação profissional. [...] A escola tem concorrentes
poderosos, inclusive que pretendem substituir suas funções, como as mídias,
os computadores e até propostas que querem fazer dela meramente um lugar
de convivência social. (LIBÂNEO, 2003, pp. 24 – 25)
O autor, assim, chama a atenção para as intensas transformações que ocorreram
na sociedade, sobretudo a partir da década de 1990, com o advento da internet, e como
estas mudanças influenciam a vida dos jovens, bem como a relação deles com o mundo
externo à mídia, ao computador, etc. Além disso, é possível nos questionar a respeito da
relação entre o ambiente escolar e os alunos: até que ponto a escola acompanhou essas
transformações sociais? Qual o papel da escola nessa nova situação em que encontra-se?
Qual seu esforço em concorrer com as mídias?
atender a estes alunos que acompanharam a evolução da ―panafernalha‖ tecnológica e a
cada dia estão mais ligados a ela. Para Albuquerque Júnior,
O desencantamento da escola, o desinvestimento social na vida escolar
trazem para seu interior alunos e professores desmotivados, perdidos, sem
objetivos claros, preocupados apenas com a chancela que esta oferece para
investimentos futuros na vida, seus títulos e prebendas que passam ser o fim
em si mesmo da vida escolar. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, acesso em
16.09.2010)
Concordando tanto com Libâneo quanto com Albuquerque Júnior, acreditamos
que o ambiente escolar, a relação aluno-professor, professor-aluno e as práticas
educacionais – estas embora palpáveis, estão muito distantes da realidade dos alunos –
estão em crise de entendimento e, nesta perspectiva, insere-se nossa proposta de
atividade didática, com o objetivo de apresentar uma forma de mudar esta realidade,
mesmo que guardadas as proporções de tal problema, e mesmo de concorrer com as
mídias e as leituras reducionistas propostas pelos resumos literários que possuem fácil
acesso na internet.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
O que sabemos é que pouco ou nada se percebe de movimento educacional para
259
A obra literária que tomamos como guia desta atividade conta a história de uma
adolescente, Marta, que por sinal cursava a oitava série do ensino fundamental, hoje
nono ano, que morava na zona rural e estudava na cidade. Porém, em virtude da
efervescência da monocultura de cana-de-açúcar na região em que morava, sua família
foi expropriada da propriedade em que viviam e foram obrigados, pelas circunstâncias e
pelas duras condições financeiras, a irem para a cidade, mais especificamente, para a
periferia dela. Ocorre, nesse caso, o êxodo rural. Somado a esta situação de
precariedade, Marta sofre preconceitos, por parte de seu pai, por ser mulher e não poder
ajudá-lo no trabalho. Isso é um exemplo de questões relacionadas ao gênero. E, para
piorar a situação, Marta passa por uma fase complicada, ora, a adolescência, na qual
entra em conflitos com suas próprias idéias bem como com as do pai, etc. Neste
arrazoado, que procura levantar algumas questões presentes no livro, se pretendeu
mostrar que a literatura é um forte instrumento didático por elucidar ―a densidade de
experiências sociais que acompanham objetos aparentemente banais, resumindo
trajetórias de vidas e oferecendo nuances inesperadas na avaliação de seus diferentes
momentos‖ (SILVA, 1995, p. 42).
Assim, é possível afirmar, sobre esta atividade didática, que procura mostrar
que é possível retirar história da literatura, ou seja, mostrar para os alunos do nono ano
que a história não se circunscreve a documentos e monumentos antigos ou textos
literatura, que muitas vezes dá continuidade a histórias que não se encontram em
documento e nem no imaginário popular.
Com isso, é possível demonstrar alguns elementos que também fazem parte
desta pesquisa e que contribuíram para que ela ganhasse forma. Neste sentido, adiante
mostraremos algumas nuances historiográficas relacionadas à linguagem literária como
fonte para a história, bem como as linguagens artísticas de maneira geral.
A relação História – Literatura como prática didática
Este tema surgiu de nossa preocupação com o descaso, e mesmo crise, da leitura
e a ausência de seu incentivo na escola. Além disso, também nos inquieta o fato de que
ela, a leitura, geralmente fica unicamente sob a responsabilidade do professor de língua
portuguesa, o que, segundo nossa observação, faz parecer que ela não se relaciona à
história, à geografia e demais conteúdos.
O que se propõe, portanto, é um
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
totalmente descolados da realidade em que estão inseridos, mas também na imortal
260
diálogo da história com a literatura, como um caminho que se percorre nas
trilhas do imaginário, campo de pesquisa que passou a desenvolver-se
significativamente no Brasil a partir de 1990 e que tem hoje se revelado uma
das temáticas mais promissoras em termos de pesquisas e trabalhos
publicados (PESAVENTO, 2006, p. 14)
É imprescindível, numa proposta de aula, porém, que se delimite com mais
precisão o tema a ser pesquisado. Assim, apresentamos o nosso, que pretende tratar da
obra Açúcar Amargo, de Luiz Puntel, como um complemento de trabalho em uma
turma de nono ano do ensino fundamental. A proposta se mostra relevante por se
comprometer a instigar a leitura nos alunos e, sobretudo, mostrar a relação íntima que
ela tem com a história.
Entretanto, é impossível tratar de literatura na história, sem antes realizar uma
reflexão sobre este gênero como fonte para os trabalhos ditos historiográficos. Para tal
empreendimento, contamos com o auxílio de Pesavento que, por sua vez, pondera:
A rigor, o historiador tem o mundo à sua disposição. Tudo para ele pode
converter-se em fonte, basta que ele tenha um tema e uma pergunta
formulada a partir de conceitos, que problematizam este tema e os constroem
como objeto. (PESAVENTO, 2006, p. 19)
Nesse trabalho, a literatura é aceita, sem resquícios de dúvidas ou frágeis
receios, como fonte de inestimável valia. Assim, o que se pretende é o uso de tal obra
literária para a realização de uma atividade didática que envolva literatura, temas sociais
brasileiros, história e educação em perspectiva. O tema se mostra não somente viável,
coerente e relevante, mas também necessário, tanto pela sua atualidade como pela
diferentes resultados.
Com efeito, história e literatura, a importância da difusão da leitura e a obra
Açúcar Amargo são as referências deste trabalho. Pretendeu-se defender que a
abordagem historiográfica que se utiliza da relação citada, história e literatura, deve
procurar espaço nas atividades didáticas das primeiras séries de ensino, bem como nas
seguintes, perpassando, com isso, pela importância da leitura em todas as áreas do
conhecimento. Neste trabalho se defendeu uma atividade destas, utilizando a obra
Açúcar Amargo. Porém, não desconsideramos a possibilidade de inúmeras outras
literaturas, sejam elas mais profundas ou menos densas, servirem como base de
sustentação para outras propostas didáticas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
urgência com a qual o ensino se encontra em assumir novas posturas para alcançar
261
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Por um docente que deforme: o docente na
pós-modernidade. In: WWW.cchla.ufrn.br/.../durval/index2.htm. (acesso em 16.09.2010).
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São
Paulo: Cortez, 2008.
LIBÂNEO, José Carlos. A escola com que sonhamos é aquela que assegura a todos a formação
cultural e científica para a vida pessoal, profissional e cidadã. In.: COSTA, Marisa Vorraber. A
escola tem futuro? Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e literatura: uma velha-nova história. In.: COSTA,
Cléria Botelho da & MACHADO, Maria Clara Tomaz (org.). História e Literatura:
identidades e fronteiras. Uberlândia: EDUFU, 2006.
SILVA, Floriana Rosa da. CDHIS: um espaço de reflexão sobre a história local: Cadernos de
Pesquisa do CDHIS. Uberlândia: EDUFU, n° 34, 2006.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
SILVA, Marcos Antônio da. História: o prazer em ensino e pesquisa. São Paulo: Brasiliense,
1995.
262
LA CASA DE BERNARDA ALBA: O GRITO DA LIBERDADE TOLHIDA
PELO AUTORITARISMO
Leandro de Jesus Malaquias
Programa de Pós-Graduação em Artes - UFU
Mestrando – Teatro – Orientadora: Prof.ª Dr.ª Irley Machado
Mergulhar na obra de García Lorca requer um minucioso trabalho para
desvendar as finas camadas que brotam de seus textos dramáticos e poemas. À medida
que adentramos em suas obras, novas perspectivas se apresentam numa infindável
viagem por palavras que enlaçam o mistério de seu sentir e existir. Simone Passos
declara: ―Tratar da dramaturgia poética de Federico García Lorca significa olhar ao
redor, sentir e reconhecer na natureza forças sempre presentes na vida do homem. Sua
obra está embebida de afetos e paisagens da Espanha‖ (PASSOS, 2009, p. 18).
Lorca, estimado por muitos como o melhor poeta e dramaturgo espanhol, se
anuncia como produtor de uma magia que envolve a criação de seres com características
intrinsecamente reais e surreais. Suas obras repletas de poesia criam uma atmosfera
excitante, um ambiente que estimula a receptividade do leitor e o eleva ao êxtase, onde
despertam aversões e desejos, capazes de provocar um intenso clima emocional. O
[...] ―el teatro es la poesia que se levanta del libro y se hace humana. Y al
hacerse, habla, grita, llora y desespera. El teatro necesita quelos personajes
que aparezcan en la escena lleven un traje de poesia y al mismo tiempo se lês
vean los huesos y la sangre (GARCÍA LORCA, 1972, p. 54).
García Lorca é um poeta, de um período que compreende do final da Primeira ao
início da Segunda Grande Guerra e, embora seu teatro não se caracterize por uma
militância política explícita, é possível percebermos em sua dramaturgia claros indícios
da incerteza emocional que perpassa a Europa em uma época abalada pela situação de
guerra.
A Guerra Civil espanhola foi o episódio mais trágico que ocorreu antes da 2ª
Guerra Mundial. Nela estiveram presentes todos os elementos militares e ideológicos
que marcaram o século XX. A Espanha foi dividida em duas partes, onde de um lado se
posicionaram as forças do nacionalismo e do fascismo, aliadas as classes e instituições
tradicionais da Espanha que se resumiam em: o Exército, a Igreja e o Latifúndio, e, do
outro a Frente Popular que formava o Governo Republicano, representando os
sindicatos, os partidos de esquerda e os partidários da democracia.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
poeta afirma:
263
Em agosto de 1936, o poeta foi atacado e fuzilado por um grupo de falangistas,
nas proximidades de Granada por simplesmente ―ser mais perigoso com as palavras do
que com uma arma na mão‖ (GIBSON, 1989, p. 230). Escondida sob uma cortina de
sangue, Andaluzia soluçava o fuzilamento de seu mais fiel amante: Federico García
Lorca
A poesia para Lorca era um belo estado de espírito, uma maneira que ele
encontrava para observar a vida e através dela desvendar todos os mistérios. Graças a
sua singela limpidez de estilo na escrita, sua atividade literária o transformou querido
por todos, e, se ainda estivesse vivo, estaria mais perto da alma popular, traduzindo nos
seus versos, as ânsias, a eloqüência, a atormentada sensualidade e os encantos de sua
gente.
O entusiasmo criador de García Lorca não foi somente expressa no campo da
literatura, e sim também através da ação cênica, pois diferentemente de muitos dos
autores espanhóis que o antecedem, o poeta teve intensa experiência no palco. Ou como
foi definido por Ian Gibson:
[...] Para Federico o teatro não foi alguma coisa nova ou diferente de seu
trabalho habitual, mas uma síntese de todas as suas vocações. Muitas das
poesias que não escreveu assumiram forma e humanidade no teatro, como se
García Lorca as amasse com maior ternura (GIBSON, 1989, p. 456).
Embora García Lorca fosse partidário da república Espanhola, são raríssimos na
ação deliberadamente contra-revolucionaria do que de brutalidade estúpida.
Em nenhuma de suas obras, García Lorca deixa tão claro a questão do sacrifício
e da violência como em ―La Casa de Bernarda Alba‖. A personagem central da obra,
Bernarda, desempenha um marcado poder sobre as filhas, e sua ação castra toda a
possibilidade de realização erótica das jovens. Foucault diz: ―É numa boa proporção,
como força de produção que o corpo é investido por relações de poder e de dominação‖
(FOUCAULT, 1984, p. 28).
O ambiente onde se instaura o silêncio sombrio é visto como uma grande prisão,
onde cada quarto é uma cela vigiada por vários olhares. Esse espaço ameaçador
carregado de angústia, tristezas e amargura tornam o próprio respirar das figuras
femininas da casa mais difíceis e dolorosas. Simone Passos diz: ―Vigiadas por mil olhos
invisíveis, até os pensamentos dessas mulheres são sufocados‖ (PASSOS, 2009, p. 71).
Segundo Irley Machado, no confinamento da casa, as janelas que se entreabre
para o espaço externo se fecham para toda realização individual, e tudo que essas
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
sua obra os versos de significação política. A sua morte parece ter sido menos um ato de
264
mulheres podem fazer é espiar pelas frestas. Isso, só faz aquecer mais e mais a chama
existente nos corpos cobertos pelo luto que devem durar oito anos:
[...] Através das janelas, que deveriam servir como um espaço de
comunicação se dá a repressão e a vigilância associada a um controle
obsedante. O espaço urbano só pode ser vislumbrado através das janelas, mas
não pode ser penetrado. Assim a casa com sua polaridade vertical e
horizontal torna-se espaço de aprisionamento em que as grades do pátio são
apenas uma metáfora do confinamento imposto pela matriarca a si própria, as
filhas e as criadas (MACHADO, 2008, p. 01).
Bernarda Alba representa o poder opressor que controla aquelas mulheres e
delimita seu espaço no mundo. O confinamento em que essas personagens são
submetidas é sem dúvida o fio condutor da peça.
De acordo com Peter Szondi (2001), em meio à crise do drama, o confinamento
é a possibilidade do diálogo, e o que existe dentro da casa de Bernarda Alba são
palavras pungentes, que fazem sofrer, por que o diálogo não é de acolhimento, mas de
incitação à violência.
O poder que Bernarda tem sobre o corpo das filhas se transforma num castigo
que atua profundamente, sobre o coração, o intelecto e à vontade das cinco jovens. Irley
afirma: ―São mulheres prematuramente murchas e atrofiadas, envenenadas pelo
autoritarismo e austeridade da mãe‖ (MACHADO, 2008, p. 03). Almas proibidas de se
entregarem ao desejo.
Essas corpos silenciados devido à disciplina rígida da matriarca geram o
prisões como algo para moldar os corpos dos indivíduos, e o que Bernarda anseia dentro
de sua ―prisão‖ é domar os corpos das filhas conforme as convenções sociais, pois o que
importa mais do que tudo é a reputação e a honra de sua família.
Dentro da crise sacrificial desses corpos emudecidos que gritam por liberdade
constata-se a presença da violência, símbolo que parece fazer parte do momento
histórico de uma Espanha em guerra em que vivia o poeta García Lorca. Segundo René
Girard a violência só pode ser aplacada através de um sacrifício, para o autor ―a função
do sacrifício seria, assim apaziguar a violência e impedir a explosão dos conflitos
decorrentes de rivalidades cada vez mais crescentes‖ (GIRARD, 1990, p. 09).
Na obra, a personagem que fatalmente será oferecida em sacrifício é Adela, a
mais jovem, portanto a mais pura. Ela, não deixa se corromper pelos valores morais da
sociedade e é a única que não se deixa contaminar pelo padrão de comportamento
patriarcal, masculino, representado pela mãe.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
sacrifício corporal. Em seu estudo, Michel Foucault identifica a disciplina mantida nas
265
A personagem Adela se mostra corajosa e deseja além de enfrentar as
convenções sociais e a ruptura de um silêncio abrasador, assumir o controle absoluto de
sua própria sexualidade: "Tenho a honra de dar o meu corpo para quem eu penso! [...] O
meu corpo vai ser de quem eu quero! (GARCÍA LORCA, 1972, p.143).
O desejo que toma conta do corpo de Adela faz o silêncio ser devorado por um
incêndio interno, são chamas que a consomem e a alimentam. Esse fogo contagiante não
somente a queima, queima todos que se aproximam desse circulo, ou seja, usando as
próprias palavras de Foucault, são cinco corpos em brasa ―condenados a virarem cinzas
e suas cinzas lançadas ao vento‖. (FOUCAULT, 1984, p 11).
A morte de Adela assume um caráter irrevogável que a reveste de mistérios e
sedução, embora seja um tema presente, já que nenhuma das obras poéticas de García
Lorca se encontra livre dessa ameaçante presença. Em seus primeiros livros, a morte é
como um pressentimento, um triste vazio no ânimo de seus personagens, um mistério
que sonda ameaçador.
Essa morte cuja presença se manifesta com fria naturalidade, que se avizinha, de
forma imediata vem, sem dúvida, carregada de uma simbologia espanhola amarga. As
últimas frases em ―La Casa de Bernarda Alba‖ parecem o prenúncio sinistro da tragédia
que estava por vir : "Nenhum lamento. É preciso olhar a morte de frente.‖ (GARCÍA
LORCA, 1996, p. 149).
morte da filha, exige que as outras permaneçam em silêncio, a tragédia deve ficar entre
as paredes da casa, como elas:
[...] Silêncio! [...] Cala-te, já te disse! [...] Lágrimas, só quando estiveres só.
Havemos de nos afundar todas num mar de luto. Ela, a filha mais nova de
Bernarda Alba, morreu virgem. Ouviram? Silêncio, silêncio, já disse:
Silêncio!‖(GARCÍA LORCA, 1972, p. 149).
O silêncio deve servir para aplacar o fogo que as consome por dentro. A marca
desse elemento é o signo de pertencimento a toda potência das energias pânicas. São
energias que se manifestam por meio de imagens que evocam o sagrado.
Adela é o próprio elemento trágico do drama, vítima sacrificial dentro de uma
comunidade familiar fechada, assim também como Lorca foi vítima sacrificial dentro de
um sistema político social em crise, o que justifica os dizeres do próprio Raymond: ―a
violência e a desordem estão presente na ação como um todo, da qual comumente
chamamos revolução é a crise‖ (WILLIAMS, 2002, P. 93).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
A dura reação de Bernarda é coerente com suas idéias e convicções: diante da
266
Por outro lado, Maria Josefa, mãe de Bernarda, vive fechada em seu quarto, pois
é considerada louca. De todas as mulheres é a que sofre um isolamento dentro da
própria casa de Bernarda e o mais prolongado, já que no início da obra, ela já aparece
gritando por liberdade: ―Deixa-me sair, Bernarda!‖ (GARCÍA LORCA, 1972, p. 119).
Para ela, existem dois obstáculos a serem vencidos: a porta do quarto e os muros da
casa, ambos fechados pela decisão de Bernarda em manter o controle sobre tudo que
acontece em sua volta.
Bernarda Alba sabe do perigo das palavras de sua mãe, por isso a mantém
trancafiada em seu quarto. Nesse aspecto, o corpo aprisionado sofre a relação de poder e
de dominação.
A loucura, porém, não está somente ligada às assombrações e aos mistérios do
mundo, mas ao próprio homem, às suas fraquezas, às suas ilusões e a seus sonhos,
representando um sutil relacionamento que o homem mantém consigo mesmo. Para
Maria Josefa, a loucura não diz respeito à verdade do mundo, mas a verdade que ela
distingue de si mesma e da razão. Foucault diz:
Em diversos momentos da obra, Maria Josefa consegue fugir do quarto em fala
se misturam loucura e verdade. Foucault afirma: ―Neste espaço, o louco não é visto
mais como uma figura boba, e sim como o detentor da verdade‖ (FOUCAULT, 1972, p.
14). Por meio de sua própria verdade a personagem assume, a função de porta-voz do
desejo das filhas de Bernarda:
Maria Josefa: Escapei-me porque quero me casar, porque quero me casar
com um belo homem a beira mar, já que aqui os homens fogem das mulheres.
Bernarda: Cale-se mãe!
Maria Josefa: Não, não me calo. Não quero ver estas mulheres solteiras
ansiando pelo casamento, desfazendo em pó o coração. Quero ir para minha
terra, Bernarda, quero um homem para me casar e para ter alegria. (GARCÍA
LORCA, 1972, p. 119).
Novamente, por meio desta personagem, tem-se a confirmação de que o
casamento é visto por muitas das mulheres da casa como salvação, como recuperação da
liberdade e da alegria de viver. Para Maria Josefa, já velha o anseio de felicidade e da
alegria de uma união se configura como um desvario. É essa a forma encontrada pela
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
[...] Primeiramente, a loucura passa a ser considerada e entendida somente
em relação à razão, pois, num movimento de referência recíproca, se por um
lado elas se recusam, de outro uma fundamenta a outra. Em segundo lugar, a
loucura só passa a ter sentido no próprio campo da razão, tornando-se uma de
suas formas. A razão, dessa maneira, designa a loucura como um momento
essencial de sua própria natureza, já que agora ―a verdade da loucura é ser
interior à razão, ser uma de suas figuras, uma força e como que uma
necessidade momentânea a fim de melhor certificar-se de si mesma‖
(FOUCAULT, 1997, p. 36).
267
personagem para fugir a todas as regras e superar por meio da demência, a realidade
adversa que lhe permite criar um mundo apenas dela. Um mundo onde a paixão é
possível.
A paixão, além de fazer parte das causas distantes da loucura, também está bem
próxima do corpo e da alma por ser a "superfície de contato entre ambas"
(FOUCAULT, 1972, p. 226).
Enfim, anseios, loucuras, tristezas, invejas e ciúmes fazem parte deste grande
conflito que cobre a casa de Bernarda Alba, o fogo e o desejo da liberdade que consome
o corpo dessas mulheres evocam as pulsões do sangue, fazendo-as despertar de um sono
eterno.
A loucura de Maria Josefa pode ser considerada na mesma proporção da paixão
que toma conta do corpo de Adela, fazendo-a querer viver sua sensualidade. As ações
de Maria Josefa e Adela também podem ser vistas dentro de uma mesma ótica de
evasão do mundo real e racional para o mundo dos sentidos, o mundo emocional e o da
desrazão.
São personagens de extrema complexidade que carregam em si as marcas
externas de um regime patriarcal que se outorga o direito de controlar seus
pensamentos, seus corpos e suas emoções mais íntimas como se pudesse penetrar na
Referências Bibliográficas
BACHELARD, Gastón. A Psicanálise do fogo. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
FOUCAULT, Michel. A História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 1997.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Rio de Janeiro: Vozes,
1984.
GARCÍA LORCA, Federico. Obras completas. Madrid: Aguilar, 1972.
GARCÍA LORCA, Federico. L a Casa de Bernarda Alba. Madrid: Cátedra, 1996.
GIBSON, Ian. Federico García Lorca: uma biografia. São Paulo: Globo, 1989.
GIBSON, Ian. La represión nacionalista de Granada en 1936 y la muerte de Federico García
Lorca. Espanha: Ed. Ruedo ibérico, 1971.
GIRARD, René Girard. A violência e o sagrado. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1991.
LEIBENSON, Claude. Federico Garcia Lorca: imagens de fogo, imagens de sangue.
Harmattan, France, 2006.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
própria psique feminina e moldá-la a seu gosto.
268
MACHADO, Irley. A Casa de Bernarda Alba: As janelas do confinamento. Universidade
Federal de Uberlândia. Uberlândia, 2008.
PASSOS, Simone Aparecida dos. Mulher, desejo e morte: dramaturgia e sociedade no
inseparável triângulo de García Lorca, 2009. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de
Uberlândia, Programa de Pós-Graduação em Letras, Uberlândia, 2009.
SZONDI, Peter. Teoria do Drama Moderno. São Paulo: Cosac & Naif, 2001.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
WILLIAMS, Raymond. Tragédia Moderna. Tradução Betina Bishof. São Paulo: Cosac &
Naify, 2002.
269
O SERTÃO NO ROMANCE D’A PEDRA DO REINO: CONSIDERAÇÕES DE
UMA CARTOGRAFIA HISTORIOGRÁFICA NA LITERATURA
Jossefrania Vieira Martins
Mestranda em História pela UFRN
A partir de agora adentramos no terreno fértil e complexo da história e sua
relação com diferentes formas de discursos, no meio do caminho está a complexidade
da própria escrita da história. Segundo destaca Michel de Certeau (2001) a ―operação
historiográfica‖ é perpassada pela problematização da prática e do discurso histórico.
Uma prática que lida constantemente com fontes, rastros, métodos e um discurso que se
produz sempre e psicanaliticamente na sua relação com a morte. 115 Atravessado pelo
caráter fugidio do tempo e pelas lacunas da memória, o historiador constrói um saber
agenciado por lugares, contextos e intencionalidades, ou seja, o discurso histórico tem
uma complexidade que o envolve e norteia. A relação com o passado que busca
recuperar ou reescrever é demarcada por tramas sociais e institucionais da própria
história enquanto ciência. O gesto inicial, o gesto que demarcada esse cordão umbilical
do historiador e de toda produção histórica com seu tempo e seu rigor científico é a
―ação que une as idéias aos lugares‖, uma ―ação de corte‖ que define objetos e as
estratégias para dizê-los, para torná-los ditos historiograficamente.
o discurso histórico debruçando-se sobre as teias de sua fabricação. Para tanto, tal
reflexão é sedenta de alargar o campo de ação do historiador, apresentando-o novos
problemas, objetos e temas e é nesse sentido que um olhar sobre o tratamento dado a
categoria ―espaço‖ no discurso historiográfico situa-se.
Inspirados ainda no pensamento de Michel de Certeau (1994) nos voltamos à
relação entre a historiografia e a produção de espacialidades destacando as ―práticas do
espaço‖ através do discurso histórico, ou seja, verificando como o espaço é praticado
discursivamente na história, como ele ganha significação e é produzido pela escrita da
história. Afinal, as ―ações narrativas‖ também gerenciam e identificam os espaços, lhes
dão rosto, roteiro. Na trama dessa ―narratividade espacializante‖ estão os relatos que
caracterizam historicamente a experiência dos homens com os espaços; uma experiência
que perpassa as fronteiras das práticas cotidianas e se que assim se complexificam
também metaforicamente no discurso historiográfico. A linguagem permeia as ações
115
Apontamento feito por Paul Ricouer (2007).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
A atitude historiográfica é, portanto aquela que questiona, pensa e complexifica
270
sensoriais e uso do espaço bem como as suas significações discursivas, os seus
conceitos, a eterna ―vontade de dizer‖ e ―tornar dita‖ a experiência e a concepção
espacial. Como se pode perceber, a historiografia está permeada de metáforas espaciais,
ela própria acaba por caracterizar-se como uma ―cartografia do histórico‖.
Nesse sentido, os caminhos de nossa reflexão sobre o espaço se debruça na
dimensão simbólica do espaço. Nas tramas de uma história cultural e simbólica das
espacialidades, navegamos na experiência discursiva sobre o espaço presente entre as
veredas da história e a literatura. Nossa reflexão caminha, portanto no sentido de
problematizar historiograficamente o sertão apresentado por Ariano Suassuna em sua
obra o Romance d‘A Pedra do Reino e príncipe do sangue do vai-e-volta publicado em
1971. Antes, porém de enveredar-nos pelo sertão suassuniano, situemos nosso temaproblema no âmbito da relação sempre conflituosa e instigante entre a história e a
literatura.
A relação história/literatura resulta do engajamento interdisciplinar e da
variedade de objetos disponíveis para serem pensados historicamente na produção
historiográfica atual e assim campos de discussão, possibilidades de diálogos e objetos
vastos passam a fazer parte do trabalho e do interesse do historiador.
Uma obra literária revela sempre uma forma de ver o mundo, o tempo e as
relações humanas, em diferentes contextos agencia identidades e conceitos que não
trama e a produção da mesma. E assim, contando-nos ―histórias fictícias‖, a literatura
nos informa de realidades variadas e reescreve esses contextos em perspectivas próprias,
tal processo por si só já se revela histórico. Não somente é perceptível a presença da
história, de momentos históricos, de fatos históricos que inspiram obras literárias, nelas
também se descortina a historicidade no próprio processo de reescritura da experiência
humana sob olhar artístico.
Vista desse modo, a literatura ultrapassa mera condição de fonte nas pesquisas
históricas e passa a ocupar o lugar de ―problema histórico‖, pela complexidade do seu
discurso, pelas representações que agencia em diálogo permanente com a realidade
social e por estar situada como uma prática cultural histórica. Um caráter historiográfico
rege a literatura emaranhando-se no seio de suas versões, de suas estratégias de dizer e
tornar dito, no traço peculiar de sua narratividade.
Partindo de tais reflexões aportamos na produção literária de Ariano Suassuna,
mas especificamente no sertão significado e apresentado no Romance d‘A Pedra do
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
necessariamente estão deslocados da realidade social e histórica em que se situa a sua
271
Reino. Cabe destacar que o espaço que perseguimos em nossa pesquisa situa-se em um
texto literário, ou seja, é uma construção discursiva, uma imagem idealizada e
significada no decoro e na liberdade que as palavras têm no fazer literário. Sendo assim,
os espaços também são construídos historicamente pela produção escrita, eles também
são objetos das mais distintas formas discursivas e a própria dimensão narrativa dos
espaços tem uma historicidade. Aportamos então, nos espaços construídos na
discursividade da literatura observando a tonalidade histórica dessa produção.
O Romance d‘A Pedra do Reino é uma obra rica em temas, histórias, influências
e enredos. Com notória habilidade discursiva, Suassuna transporta para a sua cena
literária diversas tramas históricas subsidiando-lhes novos olhares. Em termos
historiográficos, isso nos coloca diante da pluralidade de versões acerca de dados fatos e
a constante possibilidade de repensá-los e reinterpretá-los. Recriação é uma das palavras
de ordem de todo esforço de autoria de Suassuna, tanto é que o seu olhar sobre a
história está envolto dessa condição. A tarefa de recriar já delimita, portanto a
historicidade de tal processo.
O sertão apresentado por Suassuna é emaranhado de algumas referências a fatos
históricos que na narrativa do autor assumem uma interpretação e uma significação
particulares. O autor parte da memória histórica de eventos de cunho messiânicopolítico ocorridos nos sertões utilizando-a como metáfora pontual de seu enredo. Assim,
do sertão e ao mesmo tempo servindo de matéria simbólica para a recriação cultural
desse espaço.
Sob a direção de seu personagem-narrador, o bibliotecário Quardena, Ariano
imbrica na trama do romance uma gama de temporalidades e contextos diversos.
Ambientado na década de 1930, o Romance d‘A Pedra do Reino, traz à tona a tentativa
de decifração do enigma da demanda novelosa que se dá no meio rural do sertão, mais
precisamente nos limites da Vila de Taperoá e que envolve a priori a morte misteriosa
do tio-padrinho de Quaderna, D. Sebastião Garcia-Barreto e o subseqüente
desaparecimento ―profético‖ de seu filho Sinésio ambos ocorridos em 1930 e o
reaparecimento de Sinésio em 1935, relacionando-os ainda aos acontecimentos
messiânicos nos sertões pernambucanos em 1836-1938.
Entre os fatos históricos retratados estão: a Coluna Prestes (1926), a Guerra de
Princesa (1930) e a Intentona Comunista (1935). Tais fatos ligam-se na trama ao
mistério que ronda o enigma da demanda novelosa narrada por Quaderna e confluem no
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
metaforicamente esses eventos adentram na trama significando a experiência histórica
272
período da Revolução de 1930, a qual é também um desdobramento da Guerra de
Princesa ocorrida nos sertões paraibanos.
Como lembra Sônia Lúcia Ramalho de Farias (2006) uma mescla de eventos
políticos e eventos messiânicos situam o sertão no cerne de uma tensão entre as marcas
da história e do mito demarcada pela temática do sebastianismo presente na obra. Há
também uma fusão de espaços distintos, como, por exemplo, a Península Ibérica envolta
de suas raízes medievais, a fronteira entre os sertões da Paraíba e Pernambuco, os
espaços sacralizados nas narrativas bíblicas como o deserto da Judéia, a conexão entre
os lajedos da Pedra Bonita em Pernambuco e aridez de Taperóa. Enfim, coabitam na
idéia de sertão toda uma gama de realidades temporais e espaciais na tentativa de
harmonizá-las num só discurso. O sertão passa a ser então, o cenário que abriga as lutas
e dramas das mais distintas realidades geográficas.
É preciso lembrar ainda, que nesse emaranhado de fatos históricos encontra-se o
fato trágico que demarca a vida de Ariano Suassuna: a morte de seu pai, assassinado em
meio aos conflitos políticos concentrados e disseminados nesses fatos. Interliga-se a
história da Paraíba à história do Brasil no plano político, a ação comunista, os eventos
messiânicos de um século antes bem como a alusão aos eventos messiânicos ocorridos
nos sertões por todo o decorrer do século XIX e ainda nas primeiras décadas do século
XX.
uma das metáforas temáticas de sua trama. De natureza messiânico-sebastianista, seus
acontecimentos situam-se entre os sertões da Paraíba e Pernambuco no período de 1836
a 1838. Por volta de 1836, um homem inspirado em folhetos de cordel e nos mais
variados mitos milenaristas denomina-se o profeta de Dom Sebastião espalhando a idéia
de que ali em pleno sertão pernambucano edificar-se-ia um reino liderado pelo referido
rei, rompendo com as injustiças da terra e mergulhando de riquezas a vida de seus
seguidores.
Tal fato foi objeto de interpretação de cronistas do final do século XIX116 e
perdurou também na memória popular tematizado heróico e assombrosamente versos de
116
Duas obras pioneiras se destacam dentre as narrativas publicadas acerca desse evento: em 1878,
Tristão de Alencar de Araripe Júnior publica O reino encantado e, em 1875, Antônio Áttico de Souza
Leite publica pela primeira vez no Rio de Janeiro a sua Memória sobre a Pedra Bonita ou Reino
Encantado na Comarca de Villa Bella – Província de Pernambuco. Há ainda referências sobre o evento
em Os Sertões de Euclides da Cunha e mais tarde, na década de 1930, no ano do centenário (1938), o
romancista paraibano José Lins do Rego – um dos principais protagonistas do Movimento Regionalista –
traz ao público Pedra Bonita.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Em meio às trilhas sebastianistas, o autor toma o evento Reino Encantado como
273
cordéis. Na historiografia brasileira, uma forte névoa incide sobre o olhar acerca desses
acontecimentos, que situados no corpus dos eventos messiânicos tem em Canudos o seu
maior alvo de fortuna crítica. É importante destacar que eventos como a Serra do
Rodeador, o Reino Encantado, Guerra de Canudos, a ação do Padre Cícero no Juazeiro
do Norte entre outros são fortes ingredientes na construção de uma identidade mística e
fanática atribuída ao espaço sertão e aos seus habitantes.
Todavia o Reino Encantado e o seu adorno sebastianista são recuperados por
Suassuna no Romance d‘A Pedra do Reino para além de uma avaliação histórica. Esse
evento bem como os eventos políticos está a serviço de uma orientação estética que
identificará e tomará o sertão como centro gravitacional.117
O fanatismo embebido do sebastianismo luso é um dos recursos do
―enobrecimento‖ do sertão e seu povo na ótica armorial do autor que na trama do
Romance d‘A Pedra do Reino determina uma ligação hereditária nobiliárquica de
Quaderna com seus ―ancestrais‖ do Reino Encantado. Na demanda de restituir
metaforicamente o reino preconizado pelo sangue e luta de seus ―antepassados‖, o
personagem se coloca no papel de novo rei do grande reino que é o sertão. O sertão
passa a ter, portanto um status de uma Corte, gestada na ação dos homens que ergueram
historicamente o Reino Encantado e que Quarderna através de uma ação poética busca
recuperar sua nobreza e poder. Desse modo, o sebastianismo relacionado aos eventos de
metaforicamente na trama para a composição de sua estética armorializante. Assim,
revela Quaderna as faces bandeirosas de seu reino:
Cada vez se enraizava mais, em mim, a decisão de tornar embandeiradas e
cheias de chuviscos prateados as pardas, miseráveis e sangrentas aventuras da
Pedra do Reino, tornando-me rei sem degolar os outros e sem arriscar a
minha garganta, o que somente a feitura de meu romance, do meu Castelo
perigoso e literário, possibilitaria. (SUASSUNA, 2007, p. 198).
Como já foi assinalada, a retomada desse evento está ligada ao projeto estético
armorial que também se inspira nos aspectos naturais desse espaço para compor um
repertório de elementos que culturalmente o definem. Na verdade, ocorre uma
117
A estética armorial é marcada pela busca dos elementos ibéricos e medievais presentes na cultura
brasileira, numa proposta que mescla os traços eruditos e populares, tendo como lócus central dessa
demanda o sertão. (VASSALO, 1993). Nesse sentido, tal espaço é concebido na visão de Suassuna como
reduto dessas ―permanências‖ culturais ibéricas, um ―reduto‖ cultural específico, fonte na qual deve beber
a identidade cultural brasileira. Portanto, a proposta de um sertão armorial obedece à lógica de fusão de
referências culturais diversas numa visão heráldica, nobiliárquica, hierarquizada do espaço. O principal
elemento de inspiração dessa estética é o universo dos folhetos de cordel, a literatura popular da qual
Suassuna pretende descortinar os aspectos e traços eruditos.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
1836-1838 constrói historicamente uma memória nobiliárquica do sertão, servindo
274
reinterpretação da natureza física do sertão tomando-a enquanto uma peculiaridade que
se interliga as práticas culturais desse espaço. Constrói-se uma relação entre natureza e
cultura na formulação da identidade espacial do sertão e, a visão de Ariano Suassuna
não foge a esse problema, ao contrário, o articula às suas perspectivas. O discurso da
natureza envolto de uma estratégia discursiva desenha um rosto cultural e peculiar desse
espaço.
Por conseguinte, antes de envereda-nos nas apropriações que Suassuna faz da
natureza para confeccionar sua visão estética acerca do sertão, é preciso entender o
tratamento dado a tal espacialidade no pensamento brasileiro. Sendo o sertão um dos
elementos protagonistas de nossa história em diferentes aspectos e tramas, torna-se
necessário verificar o seu lugar no campo de debates que o utiliza como matéria na
concepção de nossa identidade natural, cultural e histórica.
De um modo geral, muitas culturas interligam suas experiências e manifestações
aos espaços que lhe sediam. Nesse sentido, os aspectos naturais, a caracterização natural
dos espaços são utensílios demasiado fortes na construção de discursos de identidade. O
clima, a vegetação, a relação de sobrevivência do homem com o espaço que habita são
componentes que enredam a constituição da diferença, ou seja, a configuração de uma
dada cultura em um dado espaço. Como bem destaca Maria Lígia Coelho Prado (1999),
a natureza é um dos elementos mais freqüentes e fecundos na construção de identidades
mais variadas dimensões é um objeto de identificação de culturas e histórias.
Historicizando o sertão, Janaína Amado (1995) ressalta as vastas abordagens das
quais esse espaço foi objeto; desde a própria ordem espacial à categoria cultural nos
trabalhos no campo das artes e literatura até a sua apropriação no campo do pensamento
social e a sua concepção desde a época colonial. Objeto das discussões científicas e
artísticas, o sertão não deve ser entendido somente como cenário de histórias e
manifestações artísticas, ao contrário, é preciso apreendê-lo também como objeto
principal, como protagonista, como artefato construído e ao mesmo tempo construtor de
representações, de inteligibilidades e identidades.
Lúcia Lippi Oliveira (2000, p. 70) destaca a dubiedade dos discursos acerca da
relação natureza/identidade nacional na história brasileira e salienta que o sertão, ou
seja, as concepções de sertão também seguem esse mesmo condicionamento:
O lugar geográfico ou social identificado como sertão acompanha este
caminho, que recebe ora uma avaliação positiva, ora negativa. As definições
do sertão fazem referência a traços geográficos, demográficos e culturais:
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
nacionais, regionais e mesmo continentais. Percebemos, portanto que o espaço em suas
275
região agreste, semi-árido, longe do litoral, distante das povoações ou de
terras cultivadas, pouco povoadas e onde predominam tradições e costumes
antigos. A força de seu habitante aparece relacionada à capacidade de
interagir com a natureza múltipla. O cabra – o cangaceiro – aparece com a
encarnação do herói sertanejo. Para além desses atributos, aparece no
imaginário social a idéia de que não há um sertão, mas muitos sertões, e que
o sertão pode e deve ser tomado como metáfora do Brasil.
Por conseguinte, qual desses sertões é o sertão abordado por Ariano Suassuna? E
em quais perspectivas? O seu sertão é logicamente aquele naturalmente erguido pelos
cactos, aquele regido de uma fronteira a outra pela marca da caatinga, pelo solo
pedregoso, pelo vento seco e abrasador, pelas queimaduras do sol, a escassez de água, a
terra batida, os galhos desprovidos de verde numa natureza de um tom só: cinza. Um
sertão percorrido por beatos esfarrapados, movidos por uma memória mítica além-mar,
espaço regido pela ordem dos rifles de cangaceiros e fazendeiros, lugar atemporal,
aglutinador de tempos e culturas diversas. Um lugar rico em histórias, um ―lugar
praticado‖ pelas histórias, pelos relatos, pelos trajetos, pela memória. (CERTEAU,
1994). Espaço que vai do fanatismo à seca. Do sangue à Pedra. Da natureza à cultura. O
sertão de Suassuna é essa ―ilha Brasil‖, lócus privilegiado da cultura nacional, metáfora
da cultura brasileira, paraíso das autênticas manifestações populares, espaço edênico,
sagrado, mitificado, carnavalizado, fonte e reduto da arte mais brasileira, mais ibérica,
mais ocidental, mais ―armorial‖.
esse espaço além de advir também de toda uma tradição de pensamento social que
norteou historicamente a construção do recorte regional nordestino. Segundo
Albuquerque Júnior (2001), Suassuna é bem um exemplo de onde desembocou o
regionalismo tradicionalista da década de 1930. Pautado também na defesa da tradição
como alicerce para a transformação do real, ele orienta toda a sua concepção de sertão
compreendendo-o como último reduto espaço-cultural da tradição; lugar onde ainda
reinam os valores ameaçados pelo processo de modernização e é a recriação dessas
referências que norteia não somente a sua perspectiva acerca da cultura regional, mas a
sua própria noção estética acerca da produção artística.
É preciso notar ainda, que apesar de ser herdeiro de uma visão gestada no
regionalismo tradicionalista, Suassuna destaca sempre a sua postura ―independente‖
distinguindo-se no sentido de não ter por tarefa mapear e construir um regional
―pitoresco‖, mas elencar nesse regional ―o espírito tradicional e universal‖
protagonizado no sertão. (SUASSUNA, 2008, p. 47).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Todo o seu olhar sobre o sertão é agenciado pela sua experiência pessoal com
276
Segundo Oliveira (2000), a identificação do sertão como lócus do autêntico
permeia a história do Brasil, aliás, agencia uma memória histórica do país. Em meio à
diversidade de nossas configurações naturais estão as fronteiras que propiciaram o
tráfego e não somente a alteridade que envolve nossa cultura. O espaço tem, portanto
uma função fundamental na fabricação de identidades seja em sua dimensão natural ou
cultural, física ou simbólica.
Na perspectiva de uma história dos espaços, a relação entre natureza e cultura
configura diferentes identidades. Nesse sentido, Maria Lígia Coelho Prado (1999, p.
180) nos indica alguns caminhos teórico-metodológicos para o tratamento da natureza
pelo historiador:
Na perspectiva do historiador, a natureza pode ser entendida como um objeto
sobre o qual se elaboram representações que carregam visões de mundo e
contribuem para a gestação de imagens e idéias que vão compor repertórios
diversos, entre eles, os constitutivos do território e da nação.
A natureza torna-se, desse modo objeto de reinterpretação para os mais variados
fins, inclusive políticos e ideológicos. (PRADO, 1999). No caso, do Romance d‘A
Pedra do Reino, há uma finalidade estética que não deixa de estar pontualmente ligada a
uma postura política, ou seja, a retomada do problema da natureza, não é inocente,
decorre de um campo de intencionalidades onde vagueia o discurso de quem a utiliza
A natureza não é, portanto, um objeto neutro, perscrutada pelo olhar
supostamente imparcial do cientista ou pelo artista em busca da ―beleza
pura‖. Suas representações são carregadas de idéias que produzem imagens e
símbolos, contribuindo para compor o imaginário de uma sociedade.
(PRADO, 1999, p. 197).
Aplicando isso a análise do sertão no discurso de Suassuna, percebemos como
um entrecruzamento da natureza com a cultura configura uma concepção estética e
artística que toma esse espaço como protagonista, como palco central, identificando-o a
partir de uma ligação entre certos elementos culturais e características naturais. As
imagens da natureza são inspirações para a sua produção artística. Há uma defesa do
aspecto natural, pois o seco e pedregoso serão transposições da beleza de sua cultura e
assim, Suassuna inverte a interpretação da natureza do sertão direcionando-a para um
processo de identificação que propõe tomar como ―belo‖ o que até então fora legitimado
como ―feio‖. Notamos que a cultura interage com a natureza tornando-a objeto das mais
variadas significações, operação visualizada no discurso de Suassuna. Em seus delírios
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
enquanto objeto de construção de uma visão de mundo:
277
poéticos, Quaderna apresenta um feixe de imagens do sertão, entrelaçando real e
imaginação quando lhe ocorrem as ―virações‖:
Muitas vezes já me aconteceu isso, quando nas tardes de muito sol, estou, por
acaso, em cima do meu lajedo. Estou ali, em cima, olhando o Mundo
sertanejo, fosco e empoeirado, porém já se animando de uma Coroa gloriosa
que o Ouro do sol-poente vai lhe emprestando. Se, nesse momento, sucede
passar por ali um Cigano, montado num cavalo cujos arreios estão enfeitados
de moedas e medalhas, e o Sol começa a tirar faíscas nesses metais ou nas
malacachetas incrustadas nas pedras, na mesma hora dá-se, em mim, uma
―viração‖; meu sangue e minha cabeça se incendeiam, e a realidade parda e
afoscada se funde ao fogo do Sol e dos diamantes do sonho. O Sertão
selvagem, duro e pedregoso vira o ―Reino da Pedra do Reino‖, e enche-se de
Condes calamitosos e Princesas encantadas, eles vestidos de Pares de França
das Cavalhadas, e elas de rainhas do Auto dos Guerreiros. O pobre ―tabuleiro
sertanejo‖ vira uma enorme Mesa de Baralho, dourada pelo Sol glorioso e
ardente. (SUASSUNA, 2007, p. 564-565).
No caso de Suassuna, a natureza será um elemento de construção simbólica do
espaço, criando imagens e sínteses acerca de um entendimento geral do que é o sertão.
Para tanto, a natureza torna-se um dos conteúdos simbólicos que norteiam a sua
concepção de sertão e, nesse sentido o próprio florescimento da visão armorial no
campo do debate histórico e cultural da identidade brasileira vislumbra uma intensa
trama no contexto de produção e concepção do que somos enquanto povo, espaço e
história. (MORAES, 2000). Na estética armorial, o centro gravitacional de nosso
entendimento enquanto povo e cultura é o sertão. Portanto, a cena armorial pertence à
cena de representações de nossa cultura, as teias de nosso imaginário social, as
Inspirando-nos nos apontamentos de Prado (1999) acerca da compreensão da
natureza na pesquisa histórica, notamos que uma história que tome como objeto o
espaço, não é feita apenas pelas questões materiais, mas também por um repertório de
idéias, imagens e símbolos de uma sociedade constrói de si e para si mesma. O discurso,
as estratégias simbólicas, os modos de representação também traduzem a tensão da
realidade social, refletem a complexidade das experiências humanas.
Sendo assim, caminhamos na busca de um sertão escrito percebendo como no
espaço da escrita, dadas representações histórico-culturais delineiam a paisagem
sertaneja e sob os sóis as lutas e mitos se destacam nas tramas históricas e literárias. Um
jogo de representações rompe as fronteiras do espaço considerado empírico e instaura a
possibilidade da construção de espaços subjetivos, confeccionados no emaranhado de
referências que compõe o olhar do sujeito. Cabe então adentrarmos nas imagens,
metáforas e identidades agenciadas para o sertão no Romance d‘A Pedra do Reino tendo
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
demandas de identidade que trafegam pela nossa história.
278
em vista a ótica armorial de Suassuna e o seu correspondente uso da natureza como
matéria simbólica.
O Romance d‘A Pedra do Reino está interligado ao projeto armorial criado e
liderado por seu autor, um olhar ―armorial‖ rege a sua trama, o que consta na
apresentação da obra identificada como ―Romance Armorial Brasileiro‖. Esse olhar ou
estética ―armorial‖ redefine o lugar do sertão no âmbito da cultura. Dar corpo a idéia de
um sertão armorialmente concebido, eis o desafio de Ariano Suassuna. Remetendo ao
sentido e a linguagem heráldica, dos brasões, da nobiliarquia, o ―sertão armorial‖ faz
uso da memória e aporta nas referências histórico-culturais desse espaço.
Na metáfora do espaço pedregoso envolto de mitos, ele edificará criativamente
as bases de um ―reino‖, ―o cenário de seu Nordeste é sempre o sertão das caatingas‖.
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2001, p. 169). Um sertão multifacetado por toscas
paisagens encontra nos delírios poéticos do narrador Quaderna a inversão dessa
perspectiva. Com olhos fisgados, ladrilhados pelas memórias da história e da cultura
sertaneja, magnetizado pela peculiaridade de uma gama de elementos que compõem
uma inteligibilidade do sertão e de seus sujeitos, Quaderna passa a representar na
aparente feiúra da realidade sertaneja toda a grandeza de sua beleza particular. Tal
espaço não é somente atravessado pela secura de suas plantas inóspitas e rachaduras do
solo, para além dessas ―representações consagradas‖ acerca da paisagem sertaneja e dos
reflexão. Uma reflexão que repousa em atribuir a todos esses aspectos um caráter
positivo mediante a noção de particularidade que envolve esse espaço e suas
manifestações culturais. Sendo assim, é preciso – num movimento de encontro da arte
com a realidade – rever uma visão negativa construída em torno do sertão, pois nele
também habita beleza e altivez. E assim Quaderna/Ariano apresenta o seu ―reino‖
emaranhado de histórias e imagens:
Assim, aos poucos, ia se formando no meu sangue o projeto de eu mesmo
erguer, de novo, poeticamente, meu Castelo pedregoso e amuralhado.
Tirando daqui e dali, juntando o que acontecera com o que ia sonhando,
terminaria com um Castelo afortalezado, de pedra, com as duas torres
centradas no coração de meu Império. Este, espinhosos e meio adesertado,
era integrado astrologicamente por sete Ramos: o dos Cariris Velhos, o da
Espinhara, o do Seridó, o do Pajeú, o de Canudos, o dos Cariris Novos e o do
Sertão de Ipanema. Era o Quinto Império, profetizado por tantos Profetas
brasileiros e sertanejos, e cortado por sete Rios sagrados: o São FranciscoMoxotó, o Vaza-Barris, o Ipanema, o Pajeú, o Taperóa-Paraíba, o PiancóPiranhas e o Jaguaribe. Ali eu reergueria, sem perigo de vida, as Torres de
lajedo do meu Castelo, para que ele me servisse de trono, de pedra-de-ara, de
ninho de gaviões, onde eu pudesse respirar os ares das grandes alturas. Seria
um Reino literário, poderoso e sertanejo, um Marco, uma Obra cheia de
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
seus desdobramentos nas noções de cultura e história, Suassuna propõe uma nova
279
estradas empoeiradas, caatingas e tabuleiros espinhosos, serras e serrotes
pedreguentos, cruzada por Vaqueiros e Cangaceiros, que disputavam belas
mulheres, montados a cavalo e vestidos de armaduras de couro. Um Reino
varrido a cada instante pelo sopro sangrento do infortúnio, dos amores
desventuras, poéticos e sensuais, e, ao mesmo tempo, pelo riso violento e
desembandeirado, pelo pipocar dos rifles estralando guerras, vinditas e
emboscadas, ao tropel dos cascos de cavalo, tudo isso batido pelas duas
ventanias guerreiras do Sertão: o cariri, vento frio e áspero das noites de
serra, e o espinhara, vento queimoso e abrasador das tardes incendiadas. Nas
serras, nas caatingas e nas estradas, apareciam as partes cangaceiras e
bandeirosas da história, guardando-se as partes da galhofa e estradeirice para
os pátios, cozinhas e veredas, e as partes do amor e safadeza para os quartos e
camarinhas do Castelo que era o Marco central do Reino inteiro.
(SUASSUNA, 2007, p. 115-116).
E é nesse espaço governado pela caatinga, que Ariano Suassuna apresenta seu
―reino amorial‖. Nesse sentido, o sertão passa então às dimensões de um ―reino‖ que
originalmente mantém as raízes da cultura ibérica bem como agrega uma série de
manifestações populares genuínas.
Portanto, a representação do sertão como um reino na elaboração discursiva de
Ariano/Quaderna remete a sua capacidade de fundir harmonicamente diferentes
contextos. Se o evento do Reino Encantado ocorrido nos sertões na década de 1830 é o
aporte inicial que justifica a compreensão do sertão como esse reino ―harmônico em
suas diferenças‖, a ele se agrupa o contexto de circunstâncias históricas que corroboram
na morte do pai de Ariano, bem como as influências espaço-temporais da tradição
medieval ibérica que orientam as metáforas outras da construção do sertão como um
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ALBUQUERQUE JÚNIOR., Durval Muniz de. A Invenção do Nordeste e outras artes. 2. ed.
Recife: FJM, Ed. Massagana; São Paulo: Cortez, 2001.
AMADO, Janaína. Região, Sertão, Nação. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.8, n.15,
1995, p. 145-151.
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
______. A Invenção do Cotidiano. vol. I. Petrópolis: Vozes, 1994.
FARIAS, Sônia Lúcia R. O Sertão de José Lins do Rego e Ariano Suassuna, Recife: Editora
Universitária da UFPE, 2006.
OLIVEIRA, Lúcia Lippi. ―A conquista do espaço: sertão e fronteira no pensamento brasileiro.‖
In:______. Americanos: representações da identidade nacional no Brasil e nos Estados
Unidos. Belo Horizonte, Editora da UFMG, 2000.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
reino.
280
PRADO, Maria Lígia Coelho. ―Natureza e identidade nacional na América.‖ In:______.
América Latina no século XIX: tramas, telas e textos. São Paulo, EDUSP, 1999.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
SUASSUNA, Ariano. Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta.
Rio de Janeiro: José Olympio, 2007.
281
SIMPÓSIO TEMÁTICO 5 – ESCRAVIDÃO: FONTES, HISTORIOGRAFIA E
PERSPECTIVAS DE PESQUISA
Coordenação: Prof. Dr. Aurelino José Ferreira Filho
ESCRAVIDÃO: FAMÍLIA E MATRIMÔNIO DE ESCRAVOS NO ARRAIAL DE CAMPO
BELO (1850-1880). .................................................................................................................. 283
Túlio Andrade dos Santos
REGISTROS DE ÓBITOS DE ESCRAVOS E IGREJA: TRIÂNGULO MINEIRO 1873 A
1889. PERSPECTIVAS DE PESQUISAS E DESAFIOS METODÓLOGICOS ..................... 291
Gláucia Silva Souza
IGREJA CATOLICA E A ESCRAVIDÃO AFRICANA NO TRIANGULO MINEIRO
OITOCENTISTA: PROPRIEDADE DE CATIVOS NAS FREGUESIAS DE CAMPO BELO,
SÃO JOSÉ DO RIO TIJUCO E VILA DO PRATA................................................................. 299
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Pedro Affonso Oliveira Filho, Paula Marcele Ferreira Oliveira e Aurelino José Ferreira
Filho
282
ESCRAVIDÃO: FAMÍLIA E MATRIMÔNIO DE ESCRAVOS NO ARRAIAL
DE CAMPO BELO (1850-1880).
Túlio Andrade dos Santos
Aluno de graduação em História
Universidade Federal de Uberlândia
Faculdade de Ciências Integradas do Pontal
A proposta deste artigo faz parte dos trabalhos do Núcleo de Estudos sobre a
escravidão em Minas Gerais - NEEMG - com livros paroquiais de registros de batismo,
registros de Matrimônio e registros de óbito, inclui sensivelmente levantar algumas
considerações acerca do trabalho com documentação eclesiástica, como fontes para as
pesquisas sobre escravidão na região do Triângulo Mineiro – Minas Gerais -, uma vez
que a entrada de escravos na região teve início já com a chegada dos seus primeiros
colonizadores, oriundos de regiões mineradoras, em função do declínio da mineração
que se caracterizava desde meados do século XVIII, e no início do XIX, com migrantes
que se deslocaram do sul da província, para outras regiões, a procura de novas riquezas
para as suas criações.
Ainda este artigo faz parte do trabalho de Término de Conclusão de Curso
(TCC), ainda em prosseguimento em conjunto com o Núcleo de Pesquisa sobre a
nos arquivos da cúria da cidade de Ituiutaba e, cartórios da região do Triângulo Mineiro.
Especificamente dialogando com livros paroquiais de registros de batismo e
matrimônio de escravos, compreendendo o período de 1850-1880, atualmente
localizados na cúria da cidade de Ituiutaba, propõe problematizar sobre a importância,
possibilidades e limites de tal documentação para as pesquisas sobre famílias escravas
nas pequenas e médias propriedades do Triângulo Mineiro no século XIX.
Os arquivos da cúria possuem um corpo documental eclesiástico sobre a
escravidão da região. Compreendendo, não somente a paróquia de São José, fundada em
1866 no atual município de Ituiutaba, como também, registros da paróquia Nossa
Senhora Mãe dos Homens, fundada em 1835, no antigo arraial de Campo Belo,
atualmente cidade de Campina Verde e a paróquia de São Francisco de Sales, fundada
em 1850, no município como o mesmo nome, relativo à segunda metade do século XIX.
Além dessas documentações, existem nos arquivos os livros Tombos, que são registros
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Escravidão em Minas Gerais – NEEMG, registrado no CNPq, que se dedica à pesquisa
283
de festas, missas, reuniões etc., que não obedecem a uma ordem cronológica de espaço e
tempo.
Em meados do século XIX, as paróquias e capelas no Triângulo Mineiro faziam
parte da província de Goiás, ou melhor, dizendo, pertencia eclesiasticamente a província
de Goiás, pois até o início do século XIX, a região do triângulo Mineiro tomava-se
continuação da província de Goiás. Por isso, alguns documentos encontram-se dispersos
em algumas igrejas no atual estado de Goiás. Posteriormente no final do séc. XIX,
aproximadamente em 1890, foi criada a diocese de Uberaba, passando, portanto, a
responsabilidade e administração religiosa e por todo Triângulo Mineiro, sendo que só
mais tarde se criou a diocese de Uberlândia. Encontrando-se também nesta diocese
importante documentação sobre o tema para o Triângulo Mineiro.
Em 1848, foi criado o município da Prata, desmembrando assim do município de
Uberaba. Dessa forma, criou-se a comarca própria do município de Prata, o qual São
José do Rio Tijuco (atual Ituiutaba) esteve ligado ao município até início do século XX,
quando também se desmembrou. Sendo assim, nos cartórios do município Prata estão
alguns dos principais testamentos de registros de terras, listas de escravos e inventários
post mortem das famílias mais tradicionais, e, conseqüentemente, proprietárias de
escravos da região do Triângulo Mineiro. Em 1984, foi criada a diocese de Ituiutaba,
reunindo um importante acervo de livros de registros de batismo, livros de registro de
região, sendo as mais antigas as paróquias de Campina Verde e a de Ituiutaba.
O interesse pelo estudo da escravidão na localidade se deu a partir de um achado
nos arquivos da paróquia (da atual cidade Campina Verde) de documentos do século
XIX, referentes a escravos. Uma leitura cuidadosa destes registros nos revelou a
possibilidade de estudar a constituição familiar dos cativos, e assim, conhecer mais de
perto a trama que eles estavam envolvidos. Desse modo, compreender na medida do
possível, a vida cotidiana destes indivíduos, os conflitos e tensões que permeavam suas
existências. Enveredamos assim numa busca investigativa, de análise da documentação
e leitura sobre pesquisas que abordam o período da escravidão.
O trabalho com documentações paroquiais requer um minucioso trabalho de
investigação, pois permitem ricas pesquisas no campo social e demográfico, além do
mais, possibilita análises sobre formação familiar e aspectos culturais de determinado
local e época. Os assentos de batismo, matrimônio e óbito, livros tombos, assim como,
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
matrimônio, livros de registro post-mortem e livros tombo de algumas paróquias da
284
as listas nominativas e mapas de população, referentes ao século XVIII e XIX,
transformam-se em fontes de pesquisas.
A pesquisa histórica é um processo de conhecimento, no qual os dados são
apropriados e (re)elaborados para concretizar ou modificar as perspectivas referentes ao
passado humano. A pesquisa se ocupa da realidade das experiências humanas que se
manifesta na forma de fontes, as quais recorrem o historiador para obter informações
sobre o que foi o caso no passado.
Segundo Júlio Arostégui (2006), ―as pesquisas em história envolvem
processos econômicos, políticos e sociais, cuja compreensão e análise exige um método
específico‖ (AROSTÉGUI, 2006, pp. 92-93). Para ele, a pesquisa histórica pode ser
entendida como uma pesquisa do passado e também temporal – articulação passado e
presente e a observação direta da realidade -, de acordo com suas peculiaridades, onde
se assemelha e distingue com outras ciências. As peculiaridades dos métodos que o
historiador utiliza em seu objeto de pesquisa, vão além da simples análise das fontes,
sejam elas vestígios ou relatos de documentos orais e escritos. Isso não que dizer que o
historiador deve simplesmente transcrever o que está escrito nos documentos, mas
construir ou pelo menos reconstruir o que estão nos documentos, mesmo quando há
limitações ao retrocesso no tempo, para que se torne nítida as informações que as fontes
oferecem.
posições conforme as orientações teóricas que possuem. A teoria orienta a pesquisa e a
produção do saber pela pesquisa, com as quais o pesquisador vai às fontes. Nesse
sentido, os embasamentos propõem perguntas feitas pelo historiador que pré-formulam
as repostas das fontes. As suas perguntas já contêm possíveis respostas, embora apenas
―possíveis não reais‖ (RÜSEN, 2007, p. 105). Com isso a elaboração de
questionamentos e hipóteses de trabalho pertence à pesquisa imposta aos profissionais,
colocando o historiador a partir do contexto social, a delimitar e objetivar o tema e
escolher o método a ser utilizado na pesquisa.
Dessa forma, a leitura minuciosa dos registros de batismo, matrimônio de
escravos daquela paróquia poderá nos revelar a desvendar possibilidade de arranjos
familiares, estudar a constituição familiar dos cativos na região do Triângulo Mineiro,
pretendendo, assim, verificar como esses arranjos possibilitavam a resistência ao
cotidiano escravista.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Para isso, o historiador remete a escolhas no âmbito da pesquisa e assume
285
Nesse sentido, buscamos compreender a documentação, na medida do possível,
estabelecer um entendimento destes de cativos - ou as possibilidades, dificuldades ou
vantagens de constituírem famílias na escravidão - os conflitos e tensões que
permeavam suas existências. Enveredamos assim numa busca investigativa, de análise
da documentação e leitura sobre pesquisas que abordam o período da escravidão. As
pesquisas com documentos eclesiásticos – embora não seja deferente para qualquer
documentação – diz respeito à amostragem documental. Portanto, os resultados são
sempre indefinitivos – como para qualquer pesquisa - e poderão ser alterados
constantemente, a partir de outras pesquisas e aprofundamento na documentação em
relação as suas conclusões.
Não é uma tarefa fácil para o historiador. As fontes nos fornecem informações
sem sentidos, como um quebra-cabeça, que aumenta cada vez mais o grau de
dificuldade em juntar as peças, analisar os vestígios que estão ocultos nas entrelinhas.
Portanto, é necessário que os historiadores voltem os olhos para esses acervos
documentais, que precisam ser explorados, pois há muita história a ser contada.
As investigações em registros paroquiais passaram a se constituir em fonte
privilegiada para os historiadores que, segundo a pesquisadora Miriam Lott (2008),
começou a surgir a partir da escola dos Annales na França em 1929, na medida em que
propõe o alargamento do campo da história. Isso significa uma mudança nas pesquisas,
acompanhar a trajetória histórica de uma vila, comunidade, cidade e até mesmo sujeitos
desconhecidos.
A análise dos documentos propõe colocar em evidência os indivíduos que foram
marginalizados e esquecidos pela historiografia tradicional, embora os estudos sobre a
escravidão foram um dos temas questionados durante décadas pela historiografia
brasileira. A vida familiar de populações escravas só se consolidou como objeto de
estudo legítimo muito recentemente, a partir da década de 1980, havendo algumas
pesquisas isoladas no decênio anterior.
No Brasil, os estudos sobre a escravidão começaram a se difundir a partir da
década de 1950 e 1960. Enfocando, sobretudo as conseqüências da escravidão no Brasil.
Florestan Fernandes e Roger Bastide, Emilia Viotti da Costa entre outros, questionam e
criticam o quadro apresentado por Freyre, que segundo Suely Robles de Queiróz
(1998), analisa a obra de Gilberto Freyre, descreve à visão do sociólogo pernambucano
sobre a escravidão no Brasil como uma forma ―amenizada em relação com outros países
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
deixando de privilegiar a história dos grandes heróis ou grandes líderes políticos, para
286
escravocratas‖ (QUEIRÓZ, 1998, p.103). Esses historiadores ligados a Escola Paulista
de Sociologia, visavam à possibilidade de se estudar a escravidão a partir da ótica do
próprio escravo, adentrar as comunidades escravas e vislumbrar realidades antes
inexploradas na história da escravidão no país.
A partir da obra de Gilberto Freyre, publicado em 1923, começaram a surgir
vários estudos a respeito da escravidão no Brasil e principalmente sobre a família
escrava. O início da década 1980, foi marcado pelo processo de redemocratização
política do país, viu o surgimento de uma série de estudos que buscavam trazer para a
cena histórica a ação de homens marginalizados na sociedade. A maioria desses
trabalhos foi influenciada pelas obras de Edward P. Thompson, ―sobre a classe operária
inglesa do século XVIII, tal como o conceito utilizado pelos historiadores da
escravidão‖ (ROCHA, 2004, p.37), juntamente com uma concepção própria daquilo que
ele considerava como justo ou aceitável dentro do cativeiro.
Apesar de tudo, a escravidão ainda tem sido tema mais debatido e discutido na
historiografia brasileira, principalmente quando se refere à questão familiar entre
cativos, relacionado a uniões estáveis, evitando assim problemas na venda do escravo,
construção de laços de parentescos que evitaria as ―dessemelhanças‖ (GRAÇA FILHO;
PINTO; MALAQUIAS, 2007, p. 188) entre os cativos, a morte do senhor que poderia
representar uma ameaça e destruição familiar, o uso de registros de batismo para
escravos etc..
As pesquisas sobre famílias cativas para diferentes regiões brasileiras apontam
diferentes hipóteses sobre o escravismo no Brasil. Os documentos cartoriais, processos
criminais, registros paroquiais e listas nominativas somaram-se aos já conhecidos
relatos de viajantes e documentação oficial, e contribuíram para que, aos poucos, fosse
sendo desenhado um novo panorama das relações familiares cativas no Brasil dos
séculos XVIII e XIX. Os estudos sobre a constituição familiar cativa vêm juntar-se a
produção recente e instigante, para o debate sobre escravidão no Brasil.
Nesse caso, a pesquisa de Término de Conclusão de Curso ainda está em
andamento. As documentações que se encontram nos arquivos da cúria estão
incompletas e compõe grandes lacunas ou espaços vazios entre um período e outro.
Portanto, os resultados não são definitivos e poderão ser alterados futuramente em
relação aos valores conclusivos.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
―identificar lugares de legitimidade‖ (ROCHA, 2004, p.43) e também posse dos
287
A documentação que se encontra na cúria, não está em condições adequadas
para arquivamento dos registros escritos, isto é, a igreja que administra a guarda e
proteção dos documentos, não observa as normas de planejamento de conservação. Os
registros de batismo, matrimônio, óbito e livros tombos, estão sob a tutela do bispo, que
é o responsável pela a conservação dos documentos. Da mesma forma, o local de guarda
dos mesmos não possui ventilação, iluminação natural e muito menos equipamentos
necessários para a conservação, ou seja, a cúria não possui uma política de conservação,
o qual dificulta a leitura e transcrição dos documentos, além do mais, o acesso aos
registros.
Nesse sentido, os assentos de batismo da paróquia de Nossa Senhora da Mãe dos
Homens, atual capela de Nossa Senhora da Medalha Milagrosa, estão registrados os
inocentes (designação de batismo de crianças) e escravos adultos e casamentos dos
mesmos, em um livro único, que datam 1850 – 1880, que tem um total de 345 registros
de batismo e matrimônio, escritos em dois livros (batismo e matrimônio), separados
somente por data e ano.
Os registros eclesiásticos muitas vezes seguem normas ou regras básicas
instituídas pela ―legislação sinodal‖ (LOTT, 2008, p.2), ou seja, normas eclesiásticas de
registros que identificam a distinção entre um registro de batismo, casamento e óbito,
entre pessoas de condição social e escravos. Além do mais, a análise dos documentos de
pessoas livres, isto é, em um único livro registravam-se tanto os escravos quanto a
população livre em geral. A partir desse estudo, podemos perceber a diferença, por
exemplo, no o registro de batismo, que se dava por conta do nome do batizando, de seu
pai (caso tivesse), mãe e dos padrinhos (escravos, pardos ou livres), constando apenas a
cor da criança, idade, condição social e o fato de ser legítima (sacramentada pelo
matrimônio) ou natural (fruto de uma relação consensual, não sacramentada).
Nesse caso há possibilidade de fazer um estudo sobre a família escrava na região
do Triângulo Mineiro? Os livros de batismo e matrimônio de Campina Verde foram
reescritos em 1927, porém, contêm algumas falhas relacionadas às datas. A datação do
documento encontra-se fora de ordem cronológica, principalmente o livro de
matrimônio em que as datas possuem grandes lacunas entre um período e outro. Mas
será que esse fato pode influenciar a originalidade do documento? A partir de algumas
falhas documentais é possível trabalhar sobre o tema famílias escravas? São perguntas
que propõe refletir acerca do próprio documento em conjunto com o andamento da
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Campina Verde e também de Ituiutaba, não existe uma separação entre escravos e
288
pesquisa, de modo contribuir para a discussão acerca da escravidão na região, como
também lance luz para futuras pesquisas.
O presente trabalho em desenvolvimento busca descortinar as organizações
familiares dos cativos, em meio ao emaranhado de informações, de nomes e datas
presentes na documentação. Por outro lado, consideramos que este trabalho pode
fornecer contribuições para as discussões históricas no Triângulo Mineiro, como
também lança luz sobre a questão da constituição familiar entre os cativos em
localidades não ligadas ao mercado exportador, onde predominavam pequenas e médias
propriedades. O presente trabalho oferece algumas contribuições nesta direção,
apresentando reflexões sobre a constituição familiar de cativos que estavam inseridos
nestas paragens.
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290
REGISTROS DE ÓBITOS DE ESCRAVOS E IGREJA: TRIÂNGULO
MINEIRO 1873 A 1889. PERSPECTIVAS DE PESQUISAS E DESAFIOS
METODÓLOGICOS
Gláucia Silva Souza
Discente do curso de História da Universidade
Federal de Uberlândia – UFU – Campus do Pontal
Introdução
Este artigo é fruto de uma pesquisa inicial junto ao NEEMG (Núcleo de Estudos
sobre Escravidão em Minas Gerais / Diretório de grupos CNPQ) na qual venho
buscando compreender as relações e as causas de morte entre escravos: como eram
registradas essas mortes pela Igreja e como os senhores de escravos notificavam esses
fatos, para, a partir destes dados, buscar conhecer as possíveis causas mortes entre
escravos em sua fase mais produtiva na região do Triângulo Mineiro.
Para realizar essa pesquisa utilizei os livros de registros de óbitos da Igreja
Matriz de Ituiutaba, Pontal do triângulo Mineiro-MG, antiga Igreja Matriz de São José
do Tijuco. Documentos que se encontram localizados na Cúria Diocesana dessa cidade.
Vale ressaltar que esta não foi uma tarefa fácil, apesar do material se encontrar bem
conservado pelo tempo, o acesso a esses livros não é uma tarefa fácil uma vez que tais
documentos não se encontram totalmente disponíveis para pesquisa e se encontram
sobre posse da Igreja.
sobre escravidão na região, uma vez que a preocupação com a morte e o bem morrer
tem suas origens em períodos bem anteriores à escravidão, podendo ser notada essa
preocupação em Grécia e Roma, possuindo um significado diferente para cada grupo
social. É importante notar que na região do Triângulo ainda se encontram vestígios
desses escravos nas fazendas locais, instrumentos utilizados no cativeiro, como argolas
em troncos, correntes com braceletes, gargalheiras, entre outros, fazendo com que o
assunto, por mais que se queira esquecê-lo, ainda esteja bastante presente na memória
da cidade.
Escravidão: Igreja e assentos de óbitos.
Durante a escravidão a questão da morte, assim como outras dimensões da vida,
passava pelo forte domínio que a Igreja exercia sobre a sociedade escravista, embora a
morte fosse vivenciada tanto por escravos quanto por homens livres, contrastando
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
O trabalho com óbitos de escravos torna-se bem interessante para as pesquisas
291
apenas no significado imprimido a esta por cada grupo social, sendo esta uma passagem
tranqüila para alguns e passagem incerta para outros.
Foi notória a forte influência que a Igreja exercia apoiando a escravidão e
―fechando os olhos‖ às formas de violência praticada pelos senhores de escravos:
... padres e ordens religiosas eram coniventes e cúmplices da escravidão. A
Bíblia, argumentava-se, não proibia a escravidão e, afinal, o que importava
era a liberdade civil. Além disso, padres eram empregados do Estado, cujos
interesses tinham dificuldade em contrariar.‖ 118
Sendo assim, Igreja e escravidão caminhavam juntas, sendo que a Igreja era
responsável por tentar acalmar os ânimos dos escravos, fazer com que estes aceitassem
sua situação de submissão, convertendo-os para a fé católica para que estes, após sua
morte, pudessem alcançar o paraíso.
Os escravos se viam bastante acometidos por mortes prematuras e repentinas
causadas por inúmeras doenças que se alastravam com muita facilidade. Alguns focos
dessas doenças se davam dentro dos próprios navios que partiam da África rumo ao
Brasil, e estas doenças eram agravadas pelas péssimas condições de higiene, de
alimentação e pela ausência de instalações adequadas, o que gerava óbitos de muitos
escravos durante a viagem. Sendo que vários sobreviventes, vendidos no Brasil, já se
encontravam contaminados nos tumbeiros, e, uma vez nas senzalas, alastravam ainda
mais os focos de epidemias. Para evitar o alastramento das doenças quando os escravos
por volta de 10 dias, na qual ficavam de ―molho‖ em água salgada a fim de se
descontaminarem.
Falar sobre causa-morte nos assentamentos de óbitos de escravos não é uma
tarefa fácil, pois em geral, a causa-morte do cativo era sempre negada nestes
assentamentos, e quando constavam, foram assentadas com muito ―cuidado‖, uma vez
que tais registros eram feitos pela Igreja, negando-se assim, na maioria das vezes, a
relatar as verdadeiras causas das mortes dos escravos, e uma vez que tais registros de
óbitos eram feitos por padres locais que não desejavam que violências praticadas pelos
senhores da suas paróquias viessem à tona.
Os livros de registros de óbitos da paróquia de São José do Tijuco, Ituiutaba,
trazem singularidades nos assentamentos de óbitos dos escravos que nos permitem
118
CARVALHO, José Murilo de. ESPECIAL - ABOLIÇÃO EM OITO TEMPOS. (Revista de História
da Biblioteca Nacional, Especial Abolição 120 anos, P 16, 2008).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
aqui desembarcavam, estes eram colocados em uma espécie de quarentena que durava
292
levantar alguns questionamentos em torno das verdadeiras causas mortes dos escravos
da região:
No dia 15 de Fevereiro de 1886 no cemitério público desta igreja matriz, foi
sepultado o cadáver de Beatriz, escrava de Antônio Teófilo, solteira com
idade de 17 anos morrendo de moléstia desconhecida. (Livro de óbitos da
Igreja Mariz de São José do Tijuco, p. 11).
Ou seja, a escrava Beatriz tinha somente 17 anos e morreu de moléstia
desconhecida, outros casos como estes são citados ao longo dos livros, ocorrendo uma
grande oscilação entre as idades dos mortos, entre 16 e 35 anos de idade. A diversidade
de causa-morte sugere que não havia um padrão de idade para a morte de escravos e ao
mesmo tempo impossibilitava a predominância de uma determinada causa para as
mortes, não havendo idade nem padrões pré-estabelecidos para que estas ocorressem.
Os castigos corporais eram permitidos por lei e apoiados pela Igreja, sendo
assim esta é uma das supostas causas do grande número de óbitos prematuros entre
escravos. Sendo o catolicismo a religião oficial a Igreja responsável por realizar todos
os assentos de nascimentos, casamentos e óbitos esta deveria manter-se numa posição
dúbia em relação à escravidão, deveriam se limitar ao silêncio, pois assim garantiriam
os óbitos resultados da violência senhorial passassem sem maiores alardes e
conseqüências para o Clero e principalmente para os senhores de escravos.
É possível notar uma grande diferença nos assentos de óbito de homens livres e
de escravos, quando estes eram de homens livres traziam, em sua maioria, dados
enterro, causa-morte, situação social. Enquanto nos óbitos de escravos constava apenas
nome do escravo, do dono, origem, idade, sacramentos ministrados, caso tenham sido
realizados, e detalhava a condição deste (se escravo, forro ou livre). Já em relação à
causa morte dos escravos este era um dado praticamente ausente nos registros, só havia
referências a esta quando se morria por acidente e, em alguns casos, indicando ―morte
repentina‖, que era a mais comum. Já em outros encontramos como causa da morte ―tiro
de espingarda‖, ―afogamento‖ entre outras causas que isentavam o senhor de qualquer
culpa.
O ser escravo era tão forte e presente na existência de um cativo, que mesmo
quando o negro conseguia se libertar na morte, sua ex-condição social constava em seu
assento de óbito, ―a liberdade não livraria o ex-cativo do estigma social, visto que
geralmente no momento do registro de óbito de um liberto colocava-se a informação de
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
completos como o nome do defunto, do cônjuge e dos pais, idade, origem, lugar do
293
que ele fora escravo, evidenciando assim uma marca social que nem a morte conseguiria
apagar.‖ 119
No dia 25 de outubro foi sepultado no cemitério publico desta igreja matriz o
cadáver de Afio escravo de Francisco Andrade Souza com idade 40 anos
mais ou menos. (Livro de óbitos da Igreja Mariz de São José do Tijuco).
A expectativa de vida dos escravos não era muito alta, ocorrendo significativo
número de morte entre os homens na faixa-etária dos 21 aos 40 anos, fase mais
produtiva entre escravos. Já entre as mulheres, na região do Triângulo, ocorriam muitas
mortes na faixa dos 16 aos 25 anos, existindo, entretanto alguns casos raros de escravos
que conseguiam ultrapassar os 60 anos de idade.
Esse grande número de mortes em idade produtiva nos leva a supor que estas se
davam devido à violência aplicada nos castigos físicos. Violência esta difícil de ser
percebida pelos pesquisadores sobre o tema, uma vez que, apesar dos castigos físicos
serem comuns, os padres se limitavam - ao realizarem os assentos de morte - a não
relatarem o que verdadeiramente tinha ocorrido, o que pode ser explicado pela sua
dependência em relação aos senhores na manutenção de suas paróquias, relatando assim
algo que não comprometesse ninguém.
A presença da Igreja era vista por toda a parte da sociedade escravista,
principalmente na morte dos escravos, pois estes eram enterrados por seus senhores de
acordo com os rituais católicos. Mas nem todos os escravos que morriam possuíam o
confirmação da verdadeira causa-morte destes, como é o caso da escrava Narcisa:
No dia 21 de julho de 1884 foi sepultado no cemitério público desta igreja
matriz o cadáver de Narcisa, escrava de José Esteves de Andrade Junior com
21 anos de idade, morrendo repentinamente, não recebendo encomendação e
a benção por não estar o vigário na freguesia. (Livro de óbitos da Igreja
Mariz de São José do Tijuco)
Apesar da presença da Igreja nesses registros, torna-se necessário desconfiar
dos dados contidos nestes, pois a morte não precisava ser presenciada pela Igreja como
os demais sacramentos, daí surgindo à hipótese de que vários escravos podem ter sido
enterrados sem o conhecimento e assento da Igreja, imprecisando ainda mais para o
pesquisador o número de óbitos e suas possíveis causas.
Escravidão: Igreja e Irmandades
119
NASCIMENTO, Washington Santos. Anais do III Encontro Estadual de História da Bahia, p 54, 2003.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
privilégio de terem suas almas encomendadas, o que impossibilitava ainda mais a
294
Os escravos, assim como todos, queriam ter uma boa morte, por isso
passaram a se organizar em tornos das irmandades a fim de se prepararem para ter uma
boa passagem. Essas irmandades realizavam um importante papel nas funções primárias
como o enterro, sendo a principal delas, a Irmandade do Rosário ou Irmandade dos
Irmãos Pretos de Nossa Senhora do Rosário. Entretanto, nem todos os negros
conseguiam participar da irmandade devido às taxas cobradas, mas desperta a atenção o
fato de que, assim como entre os homens livres, havia uma preocupação com a
preparação para uma boa morte entre os escravos e mesmo que estes não vivessem um
catolicismo pleno, entendiam a importância de ligar-se a uma irmandade para fazer seu
ritual de passagem.
A participação nestas irmandades pode ser percebida a partir do conteúdo de
alguns assentos de óbitos como este:
No dia 2 de outubro foi sepultado no cemitério publico desta igreja matriz o
cadáver de João, escravo de Antonio Domingues Franco, com idade de 25
anos mais ou menos, morrendo de endropsia, recebendo encomendação do
estilo. (Livro de óbitos da Igreja Mariz de São José do Tijuco)
As informações contidas neste registro de óbito demonstram que havia toda uma
preocupação com o ritual de passagem que permitiria a garantia da eternidade cristã,
sendo vista pelos escravos como uma tentativa de amenizar os sofrimentos, as
humilhações vivenciadas durante a vida, sendo a morte a derradeira esperança de se
O número de óbitos se tornava mais impreciso ainda pelo fato da Igreja
considerar ―inocente‖ crianças até 7 anos de idade, aproximadamente. Idade em que se
encontravam dispensadas de receber os sacramentos, o que nos permite deduzir que
vários dados se perderam nessa faixa etária de óbitos, pois existia um considerável
número de mortalidade infantil entre as faixas de 0 a 2 anos de idade. Entretanto, um
dado importante é que nesta faixa etária o número de óbitos de crianças escravas
aproximava-se bastante do número de crianças livres.
Por outro lado, era difícil o reconhecimento das doenças que geravam óbitos
entre escravos devido à inexistência de médicos, sendo as mais citadas as ―moléstias
internas‖, ―febres‖, ―tuberculose‖, ―moléstia desconhecida‖, entre epidemias que se
generalizavam devido às condições precárias de vida, o que trazia a cena doenças que já
haviam desaparecido como o escorbuto e outras que se ligavam a ausência de vitaminas
no corpo e que era agravada pela péssima alimentação que estes recebiam.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
alcançar a tão sonhada liberdade que tanto lhe foi negada durante sua vida.
295
Pode-se supor que grande número de óbitos de escravos se dava principalmente
pelos maus-tratos físicos, as más condições de moradia e de alimentação, a falta de
atendimento médico adequado. Não se esquecendo de somar-se a isso o número de
suicídios que esses escravos realizavam como forma de resistência à escravidão e o
número de assassinatos entre os próprios cativos.
No ano de 1874 conforme nos relata a Revista Acaiaca os escravos eram mortos
por quaisquer motivos:
Tríplice crime de grande repercussão na época foi de certo fazendeiro
abastado, daqui, o qual desvairado pelo ciúme, certa noite enluarada atraiu a
esposa ao quintal, apunhalando-a e enterrando-a em seguida. No dia seguinte,
notada sua falta pela mãe da vítima, esta deu o alarma. Instaurado processo, 2
escravos foram arrolados como testemunhas capazes de elucidar o mistério.
Atendendo à intimação judicial, mandou o senhor que os 2 escravos fossem
ao arraial com gargalheira de ferro ao pescoço, ajoujados e tangidos pelo
feitor. Este, cumprindo ordens do amo, ao passarem pela ponte do Tijuco, à
vista do arraial, (a 1° ali existente), jogou os dois infelizes n‘água, os quais
morreram afogados. Pouco tempo depois convolou ele as segundas núpcias.
Contam os antigos que mais tarde andando o mesmo senhor pela caçada
pelas margens do Tijuco, ao entra n‘ água rasa para colher uma capivara,
faltou-lhe apoio, morrendo também afogado fulminado pela justiça divina
que tarda mais não falta...(REVISTA ACAIACA, p.232)
A partir desse relato podemos perceber que ser escravo era uma situação de
domínio do mundo senhorial e eclesiástico também no tocante à morte, e, em vários
casos, só restando ao cativo que esperasse a vontade de Deus para que esse fizesse
justiça às formas de violência praticadas pelos seus senhores. Existe também outro
esposa, mostrando que o período era marcado por inúmeros crimes, alguns se davam
entre os próprios escravos, outros contra os seus senhores, e, em alguns casos, os
senhores cometiam os crimes e colocavam a culpa em seus escravos que deveriam ir pra
cadeia e pagarem a pena por eles.
Crime rumoroso pela importância social da vítima foi à morte de D.
Alexandrina, primeira esposa do Capitão Camilo Roiz Chaves, de Campina
Verde, ocorrido na sua fazenda, e na ocasião ausente. Foi ela assassinada no
leito, a golpes de machado por 3 escravas rebeladas Ângela, Romana e
Maria. Julgadas e condenadas sofreram pena capital na Vila de Uberaba,
conforme processo arquivado em Prata. A última mulatinha nova, apavorada
comoveu até as lágrimas da multidão que assistia a cena. (REVISTA
ACAIACA, p.232).
Conclusão
É importante notar que havia muitas causas-mortes entre os escravos, algumas
são bem conhecidas outras são bastante questionáveis, mas o que podemos perceber é
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
relato de algumas escravas que aproveitaram a viagem do senhor para assassinarem sua
296
que os escravos morriam em maior número, seja pelo número das doenças que os
acometiam, seja através do processo de resistência que estes desenvolviam, ou até
mesmo pela tristeza de viverem sob a situação da escravidão que os negavam como
pessoas, mercadorias que poderiam ser dispostas a hora que o senhor bem entendesse
desfiliando-se assim de suas famílias, suas origens, seus costumes.
A partir de tudo que foi exposto podemos supor que a violência com certeza não
foi à única causa das mortes entre cativos, mas sem dúvida uma das principais, pois esta
não se limitava apenas à esfera física, atingia a esfera psicológica e familiar destes.
Sendo que em vários casos esperava-se apenas que a morte os levasse no desejo de que
a partir daí pudessem realmente viver livremente, mesmo que em outro plano, ao invés
de apenas existirem em uma sociedade que lhe era reservada apenas para o trabalho
forçado com muito pouco espaço para que pudesse se realizar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
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Nacional, III Regional do Curso de História da UFG / Jataí.
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Gerais 1674-1807, Juiz de Fora, Editora UFJF, 2006.
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séculos XV-XI. Lisboa 1979, p. 337.
LOURENÇO, Luís Augusto Bustamante. A Oeste de Minas: escravos, índios e homens livres
numa fronteira oitocentista. Triângulo Mineiro1750-1861. Uberlândia: Edufu, 2005.
REIS, João José. Rebelião Escrava no Brasil: A história do levante dos malês em 1835. São
Paulo: Companhia das Letras, 2003.
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análise comparativa 1840-1870. XIII Encontro de História Anpuh-Rio.
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1° Livro de registros de óbitos do cemitério público da Igreja Matriz de são José do Tijuco,
1884.
Arquivo, Boletim Informativo do Arquivo Público de Uberaba, março 1995, nº 6, p.78.
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CHALHOUB, Sidney. Visões de liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na
corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
297
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CHAVES, Camilo. Revista Acaiaca, Ituiutaba, 1950.
298
IGREJA CATOLICA E A ESCRAVIDÃO AFRICANA NO TRIANGULO
MINEIRO OITOCENTISTA: PROPRIEDADE DE CATIVOS NAS
FREGUESIAS DE CAMPO BELO, SÃO JOSÉ DO RIO TIJUCO E VILA DO
PRATA.
Pedro Affonso Oliveira Filho
Graduando do curso de História da
Universidade Federal de Uberlândia –
UFU/Campus Pontal
Paula Marcele Ferreira Oliveira
Graduando do curso de História da
Universidade Federal de Uberlândia –
UFU/Campus Pontal
Dr. Aurelino José Ferreira Filho
Orientador
Curso de história – UFU/Campus Pontal
Introdução
Nosso objetivo neste trabalho é discutir a exploração do trabalho cativo por parte
de membros da igreja católica no Triangulo Mineiro do século XIX, especificamente
nas Freguesias de Campo Belo, São José do Rio Tijuco, e vila do Prata,
problematizando algumas questões que marcaram o cotidiano das relações escravistas
nas paróquias e fazendas das ordens religiosas e de clérigos das paróquias destas
respectivas freguesias.
Prata até findos do XIX, fora marcada pela presença do clero secular, ou seja, o que
conhecemos hoje como padres diocesanos. O município de Campina Verde, antigo
arraial do Campo Belo, fora marcado pela presença de uma ordem religiosa conhecida
com ordem dos padres Lazaristas.
É importante salientarmos que na América Portuguesa amalgamaram-se os
interesses da Igreja Católica e da Coroa, numa união indissolúvel que marcou todo o
período colonial e até imperial. Contudo, as tensões também estiveram presentes nas
relações entre estas instituições, principalmente em relação ao Padroado, já que o clero
aqui estabelecido tivera que se adaptar ao jogo de poder entre Coroa e Igreja.
Durante os séculos XVIII e XIX, em todo o território nacional, e mais
especificamente em Minas Gerais, estando a Igreja ligada ao estado, a produção de
documentos por eles ganha características especificas devido a ligação do clero com a
máquina burocrática do Estado colonial e imperial. O clero era pago pelo estado, em
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Ituiutaba, antigo arraial de São José do rio Tijuco, pertencente ao município do
299
troca deveria cuidar de aspectos da vida religiosa e social da comunidade por ele
dirigida.
Todas as ações da Igreja sejam elas religiosas, sociais, burocráticas ou
administrativas, eram registradas, uma vez que os clérigos deveriam prestar contas caso fossem solicitados - à seus superiores, tanto ao Estado quando à Igreja. Vivendo
neste contexto, a grande maioria dos religiosos eram obrigada a concordar com o que
propunha o governo imperial e a elite agrária a ele ligada, principalmente no tocante as
questões em tono da escravidão.
Neste sentido, vários autores destacaram o papel da Igreja e de seus membros no
processo de legitimação da escravidão africana na América portuguesa, levando outros
tantos estudiosos, muitos destes diretamente ligados a ordens religiosas, a produzirem
outras interpretações sobre esta questão.
O que destacamos, no entanto, é o papel de estaque que religiosos e algumas
ordens da Igreja Católica da região do Triângulo Mineiro - MG, exerceram como
proprietários de cativos, se valendo da mão de obra escrava para galgar posição de
estaque social e na própria Igreja, apesar da oposição papal à escravidão africana.
O alto clero e sua posição quanto à escravidão africana.
São varias as bulas papais e as cartas pastorais que foram emitidas a partir do
destacar a ação do Papa Pio II, que em 1462, condenou o comércio de escravos como
magnum scelus (grande crime) em carta pastoral e homilia. O Papa Pio VII que
governou a igreja durante o período que compreendeu os anos de 1800 a 1823, enviou
uma Carta ao Imperador Napoleão Bonaparte da França em protesto contra os maus
tratos cometidos contra escravos que eram vendidos e tratados como animais. Afirmava
o papa em tal carta: “Proibimos a todo eclesiástico ou leigo apoiar como legítimo, sob
qualquer pretexto, este comércio de negros ou pregar ou ensinar em público ou em
particular, de qualquer forma, algo contrário a esta Carta Apostólica” (L. CONTI,
1979, p. 337).
O mesmo papa se dirigiu a D. João VI de Portugal nos seguintes termos:
“Dirigimos este ofício paterno à Vossa Majestade, e de coração a exortamos e
solicitamos no Senhor, para que… o vergonhoso comércio de negros seja extirpado
para o bem da religião e do gênero humano”. (L. CONTI, 1979, p. 338). Pio VII
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
século XV condenando a escravidão, seja ela indígena ou africana, dentre elas podemos
300
também muito se empenhou para que no Congresso Internacional de Viena de 1814 a
1815 a instituição da escravatura fosse condenada e abolida.
Padre Antônio Vieira (1608-1697), considerado por alguns pesquisadores como
aliado dos senhores de terras contra os escravos, na verdade assumiu posição de censura
aberta aos patrões, seguindo fielmente o conselho dos bispos da época que eram
contrários a escravidão, afirmando:
Saibam os pretos, e não duvidem, que a mesma Mãe de Deus é Mãe sua…
porque num mesmo Espírito fomos batizados todos nós para sermos um
mesmo corpo, ou sejamos judeus ou gentios, ou servos ou livres‖ (Sermão
XIV).Nas outras terras, do que aram os homens e do que fiam e tecem
mulheres se fazem os comércios: naquela (na África) o que geram os pais e o
que criam a seus peitos as mães, é o que se vende e compra. Oh! trato
desumano, em que a mercancia são homens! Oh! mercancia diabólica, em
que os interesses se tiram das almas alheias e as riscos são das próprias!
(Sermão XXVII).Os senhores poucos, e os escravos muitos, os senhores
rompendo galas, os escravos despidos e nus; os senhores banqueteando, os
escravos perecendo à fome, os senhores nadando em ouro e prata, os escravos
carregados de ferros, os senhores tratando-os como brutos, os escravos
adorando-os e temendo-os como deuses. /…/ Estes homens não são filhos do
mesmo Adão e da mesma Eva? Estas almas não foram resgatadas com o
sangue do mesmo Cristo? Estes corpos não nascem e morrem como os
nossos? Não respiram com a mesmo ar? Não os cobre o mesmo. céu? Não os
aquenta o mesmo sol? Que estrela é logo aquela que as domina, tão cruel?‖.
(VIEIRA, 1951, p.333-371)
Assim podemos perceber uma forte oposição por parte de uma parcela da Igreja
sobre a condição escrava, outras censuras ao escravismo e ao tráfico serão reforçadas
por papas como Urbano VIII em1639 e Bento XIV em 1741, sendo que o último
XVI, em 1839 dirá em uma epístola que: ―Admoestamos os fiéis para que se abstenham
do desumano tráfico dos negros ou de quaisquer outros homens que sejam.‖ (L. CONTI,
1979, p. 345).
Também o papa Leão XIII, no século XIX, apoiará as tendências abolicionistas
no Brasil, Leão XIII presenteia a princesa Izabel com a rosa de ouro parabenizando o
império pelo fim da escravidão.
Clero local e escravidão nas freguesias de São José do rio Tijuco e vila do Prata no
Triangulo Mineiro - MG.
A região do Triângulo, Estado de Minas Gerais, possui um expressivo acervo
documental eclesiástico e cartorial referente à posse de escravos por parte da Igreja
Católica e de seus membros, párocos presente na região desde os primórdios da
ocupação deste território. Esses acervos podem ser encontrados, em grande parte, nas
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
prescreveu excomunhão para os senhores que maltratassem seus escravos. Gregório
301
cúrias diocesanas nas cidades de Uberaba, Uberlândia, Patos de Minas e Ituiutaba, bem
como nos cartórios destas cidades. Sendo que muitos documentos ainda se encontram
dispersos em paróquias pertencentes às mesmas dioceses.
Trata-se de acervos importantíssimos para a recuperação da memória desta
região e que, geralmente, não acessíveis para os pesquisadores, seja devido à sua
dispersão ou por resistência por parte de alguns dirigentes da Igreja que proíbem o
acesso aos mesmos em algumas localidades. Documentação esta que revela ações do
clero local durante todo o período que compreendeu o século XIX, revelando aspectos
da vida cotidiana destes e dos ligados a estes.
Durante esta pesquisa, no que se refere a documentação eclesiástica,
privilegiamos os assentos de batismo, casamento, óbito e livros tombo da paróquia
catedral São José, atual município de Ituiutaba e os assentos de batismo e matrimonio
da paróquia de Nossa Senhora Mãe dos Homens de Campina Verde (atual Nossa
Senhora da Medalha Milagrosa), por serem os registros paroquiais mais antigos do
arquivo diocesano e por se encontrarem em estado de parcial degradação, devido ao
manuseio e à ação do tempo.
No que se refere à documentação cartorial, privilegiamos a pesquisa nos livros
do cartório de Notas de segundo oficio da cidade do Prata e os acentos do cartório de
registro Civil da mesma cidade.
algumas considerações a cerca da propriedade de cativos por parte do clero na região do
Triangulo Mineiro em sua relação com a escravidão na ultima década do século XVIII e
primeira metade do século XIX. O trabalho que apresentamos é o resultado parcial desta
pesquisa.
Um personagem fundamental, cujo nome aparece em quase todos os registros
que pesquisamos, tanto eclesiásticos como cartoriais, nas Freguesias de Campo Belo,
São José do Rio Tijuco, e vila do Prata é o Padre Antonio Dias de Gouvêa. De acordo
com os registros do Livro Tombo da Igreja matriz de São José em Ituiutaba, o padre
Antônio Dias de Gouvêa, que migrou para a região do pontal em 1832, foi o primeiro
vigário das cidades de Prata e Ituiutaba, adquirindo na região pelo menos três sesmarias,
e outras porções de terras, sendo uma no espraiado (região entre os municípios de
Canápolis, Prata e Ituiutaba), onde fixara sua residência. Camilo Chaves, memorialista
da região que colheu memórias na revista Acaica (1952) de sua autoria, narra um trecho
da vida do padre Antônio Dias de Gouvêa:
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Com base neste material, que optamos por digitalizar, foi possível tecermos
302
(Antônio Dias de Gouvêa) Mantinha no Espraiado uma criação de negros de
raça, excelentes para as fainas agrícolas, que lhe rendiam um bom lucro,
aplicando métodos de seleção pouco ortodoxos. Faleceu em 1863, aos 73
anos de idade, com inventário no cartório do Prata. (CHAVES, 1950, P.199).
Não sabemos ao certo a quantidade exata de escravos que o padre Gouvêa
possuía, uma vez que ainda não foi possível examinar seu testamento devido ao mal
estado de conservação do livro onde este se encontra e à caligrafia indecifrável do
escrivão, mas sabe-se que o mesmo possuía um numero considerável de escravos, sendo
que encontramos pelo menos 10 registros de compra e venda de escravos em dois livros
do cartório de Notas de primeiro oficio da cidade do Prata. Livros que compreendem o
período de 1856 a 1860. Tudo nos leva a crer que eram realizados leilões pelo padre e
outros fazendeiros devido à quantidade de registros de compra e venda de cativos
encontrados em torno dos negócios do padre Gouveia.
Quando se deslocou para a região, padre Antônio e seus sobrinhos já trouxeram
consigo ao menos 15 escravos, sendo de família abastada, como é sabido,
provavelmente adquiriram muitos outros, até com certo grau de instrução como também
narra Camilo Chaves:
Dois macróbios, escravos do Pe. Gouvêa –André e Policarpo ajudavam missa
em latim e faziam tanta coisa interessante, inclusive narravam memórias
excelentes sobre os fatos da época‖. (CHAVES, 1950, P.212)
Assim, podemos constatar que a igreja local se manteve conivente com a
Tijuco quem sucedeu o padre Gouvêa por ocasião de sua permanência na paróquia da
vila do Prata foi o Padre Francisco de Sales Sousa Fleury, este na região permaneceu
somente por três anos, de 1833 a 36. Aos se desentender com coronéis locais, padre
Fleury deslocou-se para Santana do Paranaíba. Seguindo seus rastros descobrimos que o
padre Francisco lutou por causas abolicionistas, conseguindo a liberdade de inúmeros
escravos, iniciando com o exemplo próprio, alforriando os seus. Acrescente-se que
padre Fleury teve de sua escrava, quatro filhos.
Quem sucedeu o padre Fleury na paróquia de São José do Tijuco foi o padre
Serafim José da Silva, em 1838, ficando apenas um ano e partindo. Após este período,
em 1840, é criada a paróquia na freguesia e o padre Gouvêa passa a paroquiar em São
José e Prata até 1845, quando chega em São José o Padre José Fortunato Alves Pedrosa
de Resende. Este logo comprou uma vasta extensão de terras, e, assim como o padre
Gouvêa, adquiriu alguns escravos para o trabalho no campo, como nos revela dois
acentos de batismos de escravos seus encontrados por nossa pesquisa:
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
escravidão, inclusive possuindo um significativo número de escravos. Em são José do
303
Aos dois de novembro de mil oitocentos e cinqüenta e um baptizei
solenemente a inocente Tereza com 32 dias de idade filha legitima de Manoel
e Lesenina, todos escravos do Padre Fortunato Alves Pedrosa de Resende,
sendo padrinhos Manoel Alves e sua esposa. Vigário Lima. (LIMA, 1852,
p.1)
O Padre José Fortunato permanece na freguesia de 1845 a 1869, portanto vinte e
quatro anos, durante este período são varias as histórias narradas a seu respeito, muitas
envolvendo conflitos com outros fazendeiros. Foi durante sua estadia que surgiram
algumas irmandades, dentre elas a Irmandade dos Irmãos Pretos de Nossa Senhora do
Rosário a qual falaremos mais adiante. Após a saída do Padre Fortunato e por ocasião
do falecimento do padre Antônio Dias de Gouvêa, vem para a região da vila do Prata o
Padre José Gomes de Lima em, aproximadamente, 1860. Encontramos dentre os
registros de nascimentos e óbitos do cartório de registro civil, assentos de dois escravos
pertencentes ao Vigário Lima.
Em 1872 chegou à freguesia o padre Manuel Esteves Balonçoela Lira, que
embora tenha deixado a povoação no mesmo ano, organizou toda a documentação da
matriz, inclusive as cartas deixadas por seus antecessores. Encontramos uma
correspondência endereçada a ele pelo senhor bispo diocesano Dom Joaquim Gonçalves
de Azevedo, uma carta emitida em 1872.
Encontrada no segundo livro tombo de Ituiutaba e destinada a ele em especial,
tal carta orientava como ele deveria lidar com casos referentes a escravos e senhores em
Assim garantiriam que tais fatos passassem sem maiores alardes e conseqüências para a
Igreja, padre Manuel vai embora no mesmo ano. Ainda em 1872 chegou o padre Tristão
Carneiro de Mendonça que organizou o cemitério publico, localizado atrás da igreja
matriz. Consta, em alguns registros avulsos encontrados dentro do livro tombo, que
antes de sua chegada os mortos eram sepultados dentro da igreja ou em suas
proximidades conforme a condição social. Padre Tristão permaneceu no Arraial pouco
mais de um ano e, novamente, a freguesia passou a ser atendida pelo vigário da vila do
Prata, desta vez até o ano de 1882.
Escravidão e religiosidade: a Irmandade do Rosário
A Irmandade do Rosário, com data de fundação ainda não encontrada por nossa
pesquisa, existia já na época do padre Fortunato, com a criação da Freguesia de São
José do Tijuco, primeiro em 1839 e posteriormente em 1866, quando encontramos mais
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
todos os aspectos. E a orientação episcopal era clara: deveriam se limitar ao silêncio.
304
de uma referência e relatos da Festa do Rosário no Livro Tombo da igreja matriz de São
José do Tijuco. Esta irmandade era conhecida popularmente como Irmandade dos
Irmãos Pretos de Nossa Senhora do Rosário, e, ao que tudo indica, conviveu
―pacificamente‖ com o clero e o restante dos fiéis até o ano de 1882. Camilo Chaves
narra que:
Os escravos, sempre descalsos - símbolo da escravidão- tinham o dia de
sábado para trabalhar em proveito próprio, quando pertenciam a senhores
esclarecidos. Escravos e negros libertos ergueram com sacrifício uma capela,
também no largo, do lado oposto da matriz. (CHAVES, 1950, P.227)
No ano de 1882, por pedido e insistência de fazendeiros, a freguesia recebeu a
visita do Cônego Ângelo Tardio Bruno, e durante a sua estada os habitantes do povoado
pedem para que ele fique responsável pela paróquia e pelos assuntos políticos da região.
Consta que alguns fazendeiros chegaram a propor-lhe uma considerável soma em
dinheiro em troca de sua permanência na freguesia, sendo que esta passagem foi
relatada pelo próprio Cônego nas primeiras folhas do livro tombo da paróquia de São
José do Tijuco. Padre Ângelo aceitou a proposta e se estabeleceu como pároco da
freguesia, recebendo provisão interina em 1884, sendo que neste mesmo ano se tornou
também vereador responsável pela freguesia que até então era ligada à comarca da
cidade de Prata.
Até 1884 escravos e libertos membros da irmandade realizavam seus festejos
mesmo ano a antiga capela dos negros foi destruída, como anota o próprio cônego
Ângelo:
(...) Resolvi para satisfazer os fiéis mandar fazer um altar a Maria do Rosário
dentro da Igreja Matriz para solenizar os festejos e os atos em louvor da
virgem, e quando vier o senhor bispo em visita pastoral como avia prometido
mostrar-lhe a situação para obter licença para destruir e aproveitar as
madeiras e tijolos em beneficio da Matriz (...). O que tudo fez o Ex. Sr bispo
não só deu-me faculdade de tudo fazer como ordenou que qualquer quantia
que a capela possuísse podia empregá-la em beneficio da Matriz, como
qualquer quantia que fosse doada a Nossa Senhora do Rosário, e ordenou que
a festa fosse feita na mesma Matriz, celebrada a missa no altar feito em
ocasião de festas a Nossa Senhora do Rosário cuja festa deve ser celebrada
em dia próprio como é de lei eclesiástica (...). (I Livro de atas (Livro Tombo)
da igreja matriz de São José do Tijuco, 1884 e 1912, pág. 3.)
Sabemos por meio de relatos dos cronistas, que na ocasião houve uma confusão
seguida de tiroteio na cidade, danificando a capela que já estava em mal estado de
conservação. Com a permissão do bispo a capela onde se reunia a irmandade do Rosário
foi demolida no mesmo ano. A carta pastoral emitida por ocasião desta visita e que se
encontra anexada ao primeiro livro tombo, narra que no ano em que a capela foi
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
dentro de sua capela, mas por ocasião da visita do bispo diocesano à freguesia no
305
demolida os membros da irmandade, a maioria escravos, manifestando sua revolta, não
compareceram á procissão e ao terço rezados por Cônego Ângelo por ocasião da festa
do Rosário. Ocasião em que se fazia também a coroação do Rei do Congo. Ao que o
padre respondeu ameaçando acabar com os festejos caso não comparecessem na festa
do próximo ano.
O Clero e a escravidão na freguesia de Campo Belo.
O histórico do atual município de Campina Verde, antigo arraial de Campo
Belo, remonta ao ano de 1827, quando João Batista Siqueira e sua esposa, bastante ricos
e já velhos, não possuindo descendentes, resolveram destinar todos os seus haveres à
Congregação da Missão na pessoa do Padre Leandro Rebelo Peixoto e Castro, que por
ali realizava obras missionárias naquele ano.
Obtida pela congregação a licença do Governo Imperial Brasileiro para
aquisição de bens imóveis no país, lavrou-se em Uberaba, a 29 de outubro de 1830, a
escritura pública, pela qual João Batista Siqueira e Dona Bárbara doavam à
Congregação, representada pelos Padres Jerônimo Gonçalves de Macedo e Leandro
Rebelo Peixoto e Castro, as fazendas Campo Belo, Perobas e Fortaleza, com uma área
de aproximadamente 28 mil alqueires no valor de quinhentos e sessenta mil reis
(560$000). Siqueira pouco sobreviveu após este ato, falecendo em 1831. Pouco depois
A Congregação da Missão, instalando em Campo Belo uma de suas casas,
provocou enorme afluência da vizinhança em busca de recursos espirituais, o que
permitiu o consentimento dos padres no estabelecimento de moradores nas vizinhanças
da Igreja. O Capitão Camilo Rodrigues Chaves, o tenente Joaquim Martiniano de
Magalhães e o Tenente José Almeida Medeiros foram os primeiros a agregar-se aos
padres, assim surgiu o arraial.
Entretanto, com a Independência e a consolidação do Império, as relações entre
a Igreja e o Estado se modificaram, e as ordens religiosas sofreram fortes intervenções
do Estado Imperial que visava solapar suas forças e tomar posse de seus bens. Mesmo
assim, a utilização da mão-de-obra escrava negra nas diferentes atividades de interesses
das ordens religiosas continuou persistente até as últimas décadas da escravidão.
Até mesmo autores que buscaram defender a exploração da mão de obra cativa
africana por estes clérigos nos fornecem importantes elementos para percebermos como
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
falecia D. Bárbara.
306
a escravidão estava enraizada no cotidiano dos conventos, e com a Congregação da
Missão não foi diferente. Conseguimos fazer o levantamento de 18 escravos
pertencentes a esta ordem somente contando os nomes registrados nos acentos de
batismo e casamento, eis um exemplo:
Aos nove de abril de mil oitocentos e cinqüenta o padre Antonio Valeriano
Gonçalves de Andrade da Congregação da Missão Brasileira, sob licença do
visitante ordinário deste bispado de Goiás, o padre Jerônimo Gonçalves de
Macedo, da mesma congregação, depois de proclamados canonicamente e
tomados os depoimentos verbais e sem impedimento algum, nesta capela do
Campo Belo, o recebe em face da Igreja em matrimonio, os contratantes
Joaquim Ourives de Nação e Benedita Criola, filha legitima de Manoel de
Nação e Maria de Nação, todos escravos da Congregação da Missão, sendo
testemunhas Joaquim Pereira e Maria Cunha, para constar fiz este acento no
qual assigno Pe Antonio Valeriano Gonçalves de Andrade, padre da missão.
(I Livro de Registros de Casamento da paróquia de Nossa Senhora Mãe dos
Homens do Campo Belo, 1850, pag. 13).
Os registros de assentamentos de casamento nos livros eclesiásticos geralmente
apresentam mais dados do que os de batismo, pois os mesmos informam se ambos são
livres ou escravos, o nome dos pais, dos noivos, local de batismo e residência, nome das
testemunhas, data e hora da cerimônia, nome do padre, sua qualificação e assinatura.
Como podemos observar neste assentamento de casamento da paróquia de Nossa
Senhora Mãe dos Homens do Campo Belo, o escravo possuía um oficio nobre, era
ourives da ordem, certamente o responsável pelo trabalho de confeccionar as alfaias,
crucifixos e demais ornamentos para paramentar a igreja e os padres, vale observar que
se dava de acordo com o estado social dos noivos, bem como das informações
adicionais que estes dispunham.
Considerações finais
A documentação pesquisada permite cotejar, mesmo que indiretamente, alguns
problemas da historiografia tradicional no tocante á província de Minas gerais.
Questionamentos já feitos por LIBBY, (1988), entre outros, no tocante ás
representações de opulência e pobreza em torno da Capitania de Minas Gerais entre os
séculos XVIII e XIX. A documentação eclesiástica e cartorial existente no Triângulo
Mineiro, produzida no cotidiano escravista da renião, corrobora também, além destas,
com outra conclusão do autor, ou seja, ―o crescimento demográfico da província de
Minas Gerais no século XIX, embora nada espetacular, foi constante. Incluía, pelo
menos desde a década de 1810, o firme aumento do contingente mancípio, tendência
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
o maior ou menor detalhamento de informações observado nos registros de casamentos
307
esta que parece ter continuado por duas décadas após o término do tráfico negreiro
internacional‖ ( LIBBY, 1988). Realidade que vislumbramos também para o Pontal do
Triângulo Mineiro, estando, muito provavelmente, clérigos e a própria Igreja entre os
maiores proprietários de cativos naquele período.
Entretanto, maiores conclusões a respeito ainda carece adentrarmos no cotidiano
das práticas do clero regular, seja ele secular ou de ordem religiosa, na tentativa de
melhor compreendermos as relações entre a exploração da mão-de-obra escrava negra e
a Igreja, principalmente no Império, período de grandes transformações tanto em
relação à Igreja quanto à escravidão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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Gerais 1674-1807, Juiz de Fora, Editora UFJF, 2006.
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digitalizado,
disponível
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Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
- Revista Acaiaca, Camilo Chaves, 1950.
309
SIMPÓSIO TEMÁTICO 6 – HISTÓRIA, MEMÓRIA, TEORIA DA HISTÓRIA
E HISTORIOGRAFIA
Coordenação: Prof. Dr. Amon Pinho, Prof. Dr. Marcelo dos Santos Abreu e Profa.
Dra. Janaina Zito Losada
―MALLEUS MALEFICARUM E IMAGEM DAS MULHERES PERANTE O TRIBUNAL
DA SANTA INQUISIÇÃO‖ – SÉC. XV - XVII ...................................................................... 311
Hugo Albuquerque de Morais
HISTORIOGRAFIA E ENSINO DE HISTÓRIA: UM ESTUDO SOBRE CONSCIÊNCIA
HISTÓRICA E IDENTIDADES DE JOVENS ESTUDANTES E PROFESSORES DE
HISTÓRIA EM ESCOLAS NO MEIO RURAL ...................................................................... 326
Astrogildo Fernandes da Silva Júnior
O PENSAMENTO INDUSTRIAL NO BRASIL (SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX A
1930). ........................................................................................................................................ 337
Tomás Rafael Cruz Cáceres
O PROJETO GRÁFICO DA REVISTA ILUSTRAÇÃO BRASILEIRA E A
MATERIALIDADE DO DOCUMENTO HISTÓRICO .......................................................... 350
Márlon de Oliveira Borges Carneiro
Fernanda Arantes de Moraes
OS NEGADORES DO HOLOCAUSTO NA HISTÓRIA, DIÁLOGOS POSSÍVEIS? UMA
REFLEXÃO ACERCA DAS POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO COM OS
NEGACIONISTAS ................................................................................................................... 368
Makchwell Coimbra Narcizo
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
O SURGIMENTO DO CAPITALISMO: UM DEBATE HISTÓRICO ................................... 360
310
MALLEUS MALEFICARUM E IMAGEM DAS MULHERES PERANTE O
TRIBUNAL DA SANTA INQUISIÇÃO – SÉC. XV - XVII
Hugo Albuquerque de Morais
Acadêmico do curso de licenciatura em História na
Faculdade Alfredo Nasser
Introdução
A história da Inquisição sempre despertou o interesse de diversas áreas do
conhecimento acadêmico e variadas vinculações ideológicas ao longo do tempo. O
assunto durante décadas motivou debates e discussões acaloradas nutridas por acusações
e ressentimentos de ambos os lados. O processo Inquisitório que se estruturou no
contexto histórico da Idade Média e perdurou por longos anos, revela aos pesquisadores
uma visão de grande marco que este movimento desencadeou dentro de seu contexto
histórico e das demais épocas. Todavia muitos dos arquivos da Inquisição continuam
inacessíveis aos investigadores, dificultando a criação de um quadro completo e de um
conhecimento mais aprofundado sobre a atividade inquisitorial ou o tribunal do Santo
Ofício. Através deles poder-se-ia entender aspectos significativos da religiosidade que
se desenvolveram na Europa Medieval e Idade Moderna.
As bruxas personificavam os medos da sociedade dos séculos XV e XVII e
ganham conotações negativas por serem seguidoras do demônio, entregues à luxúria e à
aos vícios constantemente. A bruxaria era condenada como heresia. Assim as mulheres
foram alvos de perseguições, tal atividade era vista como algo reprovável, como é
ressaltado no Malleus Maleficarum, escrito em 1484:
É preciso observar especialmente que essa heresia – a da bruxaria – difere de
todas as demais porque nela não se faz apenas um pacto tácito com o diabo, e
sim um pacto perfeitamente definido e explícito que ultraja o Criador e que
tem por meta profaná-lo ao extremo e atingir Suas criaturas... [...] de todas as
superstições, é mais vil, a mais maléfica, e mais hedionda – seu nome latino
maleficium, significa exatamente praticar o mal e blasfemar contra a fé
verdadeira (KRAMER & SPRENGER, 1991: 77).
Em 1486 foi publicado o Manual Eclesiástico Malleus Maleficarum, de autoria
dos dominicanos James Sprenger (1436 ou 8 - 1495) e Heinrich Kramer (1430 - 1505).
Tendo por finalidade constituir-se num suporte normativo para todas as ordens
religiosas e para os oficiais seculares no tratamento das heresias, o documento
enumerava e caracterizava os males religiosos que assolavam o reino da cristandade
naquele período. A obra explica o horror que se sentia em relação à bruxa porque ela
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
gula, pois nos seus rituais acabavam devorando crianças, adoravam o demônio e cediam
311
tinha de renunciar ao cristianismo, blasfemar, fazer um pacto e se entregar ao demônio,
enfim, praticar o mal para poder obter benefícios:
Atentemos, em particular, para o fato de que para a prática desse mal
abominável são necessários, do modo mais profano, renunciar à Fé Católica,
ou negar de qualquer maneira certos dogmas da fé; em segundo lugar, é
preciso dedicar-se de corpo e alma à prática do mal; em terceiro lugar, há de
ofertar-se crianças não-batizadas a Satã; em quarto, é necessário entregar-se a
toda sorte de atos carnais com Íncubos e Súcubos e a toda sorte de prazeres
obcenos. (KRAMER & SPRENGER, 1991: 77).
Acredita-se que este livro foi escrito pela necessidade de normatizar e
homogeneizar a ação dos Inquisidores que, apesar de estarem sob a jurisdição da Igreja
romana não procediam da mesma maneira. O manual contempla diversas questões
desde sua jurisdição do inquisidor até questões práticas do encaminhamento do
processo, utilizando como base teórica os escritos dos doutores eclesiásticos. Nesta obra
consta a descrição detalhada dos procedimentos considerados adequados ao inquisidor
desde a investigação até a conclusão do processo, inclusive são classificados os hereges,
as heresias, quais as formas de identificá-los, as torturas necessárias e permitidas e, em
caso de arrependimento do réu qual procedimento para o perdão.
O martelo das bruxas é um produto e um instrumento do que Jean Delumeau
chamou de ―cristianismo do medo‖. No interior dessa nova intolerância,
crença aterrorizada numa alucinante prática de bruxarias, o Sabat, introduziu
uma nota tão mais espetacular porque inspirava facilmente a iconografia.
Uma Europa da perseguição às Bruxas, uma Europa do Sabat tinha
nascido.(Le Goff, 2007:235)
número de réus na inquisição serem de mulheres e assim elucidar elementos que
demonstram o estereótipo feminino na Idade Média e do início da Idade Moderna.
Construção do estereótipo feminino
As questões concernentes à mulher trazem numerosos problemas a serem
analisados durante a história, no entanto, a figura feminina raramente é apresentada e
muitas vezes sua participação é secundária na escrita da história. ―A participação e o
lugar das mulheres na história foram negligenciados pelos historiadores por muito
tempo. Elas ficaram à sombra de um mundo dominado pelo gênero masculino‖
(BURKE, 2002: 75-79). Neste sentido a história da mulher na Idade Média até o
período moderno traz algumas questões que demonstram o modelo social patriarcal
daqueles períodos.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Assim a partir dos elementos estudados pretendi-se esclarecer o porquê do maior
312
Figura 1: Ilustração para Malleus Maleficarum. Séc. XV. Bruxas.
Durante a Idade Média, as questões que englobam o padrão comportamental que
regia a postura feminina ideal eram determinadas pelo clero, visto que a Igreja ainda
conservava boa parte do monopólio da palavra. A Igreja baseada na interpretação das
escrituras, vigente no medievo, ditava as normas para o procedimento dos indivíduos no
âmbito social.
Lucien Febvre (1978) faz uma abordagem da importância da religiosidade na
vida dos europeus e com o cotidiano das pessoas, para ele o homem vivia sua vida
No século XVI não havia escolha, Era-se cristão de fato pode-se divulgar em
pensamento longe do Cristo: jogo de imaginação, sem suporta vivo de
realidade, todavia, não se pode sequer dispensar a prática. Mesmo não
querendo, mesmo não entendendo claramente, todos, desde o nascimento, se
encontravam imersos num banho de cristianismo, do que não se escaparia
nem na hora da morte: já que esta morte era necessariamente, socialmente,
cristã, devido aos ritos a quem ninguém podia subtrair-se, ainda que estivesse
revoltado em face da morte, ainda que tivesse feito gracejo e se mostrasse
brincalhão nos últimos momentos (Fevbvre,1978: 38).
Desta forma o indivíduo, as cerimônias e as práticas do cristianismo amarravam
o homem, e acima de tudo cercava sua vida privada. ―Do nascimento até a morte,
estabelecia-se uma imersa cadeia de cerimônias de tradições costumes e práticas que,
sendo
toadas
cristãs
ou
cristianizadas
[...]
mesmo
contra
sua
vontade‖
(Fevbvre,1978,p.38).
O modelo patriarcal fazia com que homem estabelecesse um poder maior dentro
da família e da sociedade. Toda a organização institucional na Idade Medieval
repousaria sobre a figura paterna, na célula familiar, a mulher e os filhos estariam
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
baseada na igreja católica.
313
sujeitos ao poder e domínio masculino. A família era o espaço onde a mulher poderia
circular, todavia até mesmo neste espaço sua liberdade era limitada. A mulher, nessa
mentalidade, constituía ―uma ameaça contra a ordem estabelecida‖, pois, o poder
patriarcal era estabelecido nos padrões comportamentais do período.
O padrão patriarcal, por ser menos diferenciado do que o padrão de
alteridade, não confronta diretamente sua sombra e a projeta à sua falta, como
vemos no fenômeno do bode expiatório. [...] a polarização em que opera o
dinamismo patriarcal exigiu um contra pólo para elaborar o símbolo de
Cristo. Surgiu o fenômeno do Demônio como Anticristo (KRAMER &
SPRENGER, apud Byington 1991: 33).
A idéia que a mulher como a porta do diabo ganhava grande reputação nos
inícios do cristianismo, principalmente através dos movimentos monacais, fomentará
uma negação da carne e, por conseguinte uma exacerbação do anti-feminismo.
Estabelece tal relação da seguinte forma que a objetividade tem haver com o ascetismo,
que vem por sua vez de uma negação do corpo e, portanto, da rejeição da mulher, mais
frágeis às tentações. Delumeau (1989), descreve o processo da criação do medo sobre a
mulher
As mulheres foram alvos de perseguições, pois segundo a Igreja elas mantinham
certo grau de intimidade com as forças do mal. Esse fato pode ser entendido pela
relação que as mulheres tinham com as velhas sábias da aldeia, a confiança era tamanha
que o padre era tido como um ser que possuia poderes e determinava o destino das
pessoas, para os assuntos como os que tratavam as mulheres era mais cabível a
orientação dessas anciãs.
Em linhas gerais, o padrão comportamental que regia a postura feminina ideal na
época medieval era determinado pelos dogmas cristãos, visto que existiam dois
paralelos comportamentais: o pecado original através de Eva, e a imagem de mãe
benevolente vista em Maria. A Igreja ainda conservava atrás do monopólio da palavra,
assim baseados nas interpretações das escrituras, vigente no medievo, ditavam as
normas para o procedimento de toda a sociedade.
De Lumeau (1989, p. 382.) mostra a mulher como bode expiatório, sobre o qual
―uns e outros exprimiam seu medo de subversão com a ajuda de um estereótipo há
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Assim, o sermão, meio eficaz de cristianização a parto do século XIII,
difundiu sem descanso e tentou fazer penetrar nas mentalidades o medo da
mulher. O que na Alta Idade Média era discurso monástico tornou-se em
seguida, pela ampliação progressiva das audiências, advertência inquieta para
uso de toda a Igreja discente que foi convidada a confundir vida dos Clérigos
e vida dos leigos, sexualidade e pecado, Eva e Satã. (DELUMEAU, 1989:
322.).
314
muito tempo constituído‖ e ―Mesmo nas velhas, a presença de todo um clamor desejaste
e de inevitáveis atribuições fálicas faz de todas as bruxas figuras sexualizáveis por
excelência. Como fator chave na diabolização da mulher, a sexualidade feminina‖
(DELUMEAU, 1989, p. 327.)
Nos séculos XV e XVI, a figura do herege começa a se destacar e com isso, a
imagem da bruxa construída no período medieval eclode na perseguição contra a
mulher. O objetivo principal do tribunal da Inquisição era o combate a heresias e aos
hereges, tanto homens quanto mulheres, todavia a caça as bruxas fizeram vítimas em
sua esmagadora maioria mulheres. O feminino tornou-se o principal alvo, as mulheres
tornaram-se as principais vítimas das fogueiras inquisitórias. Assim, apesar de as bulas
papais não fazerem distinção de gênero ao fomentarem a repressão, a maioria
esmagadora dos réus era constituída por mulheres.
[...] 85% das pessoas que foram queimadas nas fogueiras foram mulheres. E
foram alguns milhões! È um numero monumental. Havia cidades que tinha
800 mulheres e, num dia só , perderam 798, como a cidade de Trier, na
Baviera, por exemplo. Não era brincadeira, a caça às Bruxas! Qualquer
transgressão era pretexto para a fogueira (MURARO, 2000:39)
Segundo Maleval (2000) o conteúdo de Malleus Malleficarum demonstra o
modelo misógino do período, pois estava baseado no segundo capítulo do livro de
Gênesis e na figura de Eva para justificar o seu ódio contra a mulher. As fraquezas do
sexo feminino, quase lugar comum entre a prelazia medieval, virão à baila: luxúria,
ambição,
fraqueza
carnal,
lascívia,
credulidade,
indiscrição,
impressionabilidade são essas as características que levariam as mulheres à bruxaria.
Segundo Hilário Franco Jr. (2006), a Organização da Inquisição se dá entre
1184-1229. No período medieval, ela é incipiente, todavia já no Baixo Medievo este
destacamento eclesiástico irrompe os limites de sua ação e se expande: ―o processo
misógino efetivado na Idade Média ganha força de lei por meio dos manuais de caça aos
hereges‖. A figura do herege começa a se destacar e com isso, a imagem da bruxa, já
formada e composta, construída no período medieval. Segundo Ginzburg (1991) na
Europa os processos de lei sobre a feitiçaria, entre os séculos XV e XVII, revelam um
estereótipo criado com base em conhecimentos do senso comum sobre o sabá,
reconhecido como uma seita de bruxas e feiticeiras.
[...] Há, nas perguntas dos juízes, alusões mais que evidentes ao sabat das
bruxas - que era, segundo os demonologistas, o verdadeiro cerne da feitiçaria:
quando assim acontecia, os réus repetiam mais ou menos espontaneamente os
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
infidelidade,
315
esteriótipos inquisitoriais então divulgados na Europa pela boca de
pregadores, teólogos, juristas, etc. (GINSBURG, 1991: 206).
.
As bruxas, depois de Lúcifer, excedem a todos os maiores pecados, visto que
além de pactuarem com o Demônio, mantém relações carnais com este, espalham ódio e
injúrias a todos os seres e negam o Cristo crucificado. O crime cometido pelas bruxas ―é
o mais abominável dos três graus de infidelidade‖ (Sprenger e Kramer;1484:171).
Processo de Criação da Inquisição
A Inquisição foi instituída no século XIII pelo papa Gregório IX, ela vigorou até
o século XIX. Como relata o autor Nachman Falbel na obra Heresias Medievais.
A Gregório IX devemos a organização do tribunal inquisitorial e, em 1229,
no Concilio de Toulouse, foi criado oficialmente o Tribunal do Santo Ofício.
Os dominicanos logo se puseram à disposição da nova instituição, cabendolhes a tarefa de legislar e condenar os heréticos, entregando-os ao braço
secular. (Falbel, 1976: 17).
O Tribunal da Inquisição foi um método implantado pela Igreja Católica com o
objetivo de combater as práticas de heresia. A Igreja era vista como representante de
Deus na Terra, então a ela cabia as punições. ―A palavra herege se origina do grego
hairesis e do latim haeresis e significa doutrina contrária ao que foi definido pela Igreja
em matéria de fé‖ (Novinsky, 1982, p 10).
O poder da Igreja se fazia quase que todo pelo discurso, mesmo porque os
crença que oferecesse credibilidade ao cristão. Nesse sentido, a Igreja impunha controle
através do discurso. À maneira de Foucault, ―o discurso verdadeiro, pelo qual se tinha
respeito e terror, ao qual era preciso submeter-se, porque ele reinava, (...) era o discurso
que renunciava a justiça e atribuía a cada qual a sua parte...‖(FOUCAULT, 1998:15).
Assim, questionar ou agir de forma diferente dessa verdade mostrada pela Igreja iria
contra as normas de Deus, sendo considerada heresia. Neste sentido milhares de pessoas
contrarias as doutrinas ou práticas adversas ao que é definido pela Igreja Católica eram
considerados Hereges.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
mecanismos de manutenção do poder sobre o sagrado precisavam se apoiar numa
316
Figura 2: Ritual de bruxaria. Ilustração para
Malleus Maleficarum. Séc. XV.
O Inquisidor se torna, dentro do contexto do período, o principal agente
repressor dos hereges. Cabia a ele usar técnicas e instrumentos para reprimir as ações
dos heréticos. Além dos instrumentos de tortura, os Inquisidores possuíam um poder
muito grande diante dos acusados a ponto de fazê-los confessarem a heresia cometida.
A pressão psicológica que o Inquisidor exercia sobre o acusado era tão grande que
mesmo quando ele não havia cometido transgressões declarava-se culpado.
Através de denúncias ou de levantamento de suspeita as pessoas eram
torturados, flagelados, ou até queimados na fogueira pelos mais diversos crimes como:
feitiçaria, condutas contrárias à moral e os bons costumes, oposição à Igreja e até
―idéias filosóficas‖.
Jean Delumeau aponta os métodos de para a confissão feito pela a inquisição
assim ‗fome privação de sono às quais eram submetidos os acusados de feitiçaria
também rompiam ―qualquer resistência‖, a ponto de admitirem todas as atrocidades que
lhes eram atribuídas.‖ (DELUMEAU, 1989, p. 381). A prática da tortura para se obter
confissão contra os hereges era comum no Medievo, ―no entanto, a bruxaria se torna um
dos alvos privilegiados [...] a bruxaria passou para o primeiro lugar na representação
inquisitorial‖ (LE GOFF, 2007, p. 235).
Outro aspecto que deve ser destacado foi a transformação da Inquisição
medieval para a Inquisição moderna. ―A inquisição medieval foi um produto de uma
longa evolução durante o a qual a Igreja e o Papado sentiam-se ameaçados em seu
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
convocadas a se apresentar diante dos inquisidores. Alguns eram absolvidos, outros
317
poder‖ (Novinsky, 1982, pg15). Ela foi criada inicialmente para combater o sincretismo
entre alguns grupos religiosos, que praticavam a adoração de plantas e animais e
utilizavam mandingas. Na modernidade a Inquisição está ligada à "crise da fé", pestes,
terremotos, doenças e miséria social, assim neste período a inquisição alcançou seu
apogeu.
Desde a Idade Média existia um controle religioso socialmente incorporado às
diversas esferas sociais que havia um manual de ―normas e condutas‖ utilizado em
vários países. O Manual dos Inquisidores foi escrito em pleno século XIV para ser mais
exata em 1376 pelo dominicano Nicolau Eymerich e revisado em 1578, sendo
largamente utilizado até o século XVIII (BETHENCOURT, 2000). O autor ainda
destaca que o tribunal da Inquisição foi um movimento único por causa da legitimação
do Papa, mas teve suas peculiaridades de acordo com a local de ação.
As inquisições são referidas, geralmente, no singular. Essa tradição exprime
uma realidade: os diferentes tribunais de fé têm como fonte comum de
legitimidade a delegação de poderes, feita pelo papa, em matéria de
perseguição das heresias. A designação única pode ser cômoda, mas esconde
realidades diversas. (BETHENCOURT, 2000: 10)
A Igreja, que durante todo o período medieval desempenhou importante função
na hierarquia social, possuindo hegemonia tanto econômica quanto política, já nos
séculos XV-XVI existia uma necessita e recorre ao apoio das incipientes monarquias
nacionais para tentar conter o avanço das transformações sociais, políticas e
da centralização do poder real, do ressurgimento do direito romano e do incremento na
burocracia todo o aparato de combate e de repressão à heresia se sofisticou e promoveu
a transformação dos procedimentos criminais. A esse respeito Delumeau acrescenta
que:
O poder civil mais do que apoiou a Igreja na luta contra a seita satânica. A
obsessão demoníaca, sob todas as suas formas, permitiu ao absolutismo
reforçar-se. Inversamente, a consolidação do Estado na época da Renascença
deu uma dimensão nova à caça aos feiticeiros e feiticeiras. Os governos
marcaram uma tendência crescente a anexar-se ou ao menos controlar os
processos religiosos e a punir as infrações contra a religião. Mais do que
nunca a Igreja se confundiu com Estado, aliás em beneficio deste. Mas a
urgência do perigo fez com que ela não pudesse ou não quisesse opor-se a
essa anexação. (Delumeau ,1989: 356.)
Dessa forma a caça aos hereges e aos feiticeiros e feiticeiras adquiriu uma
dimensão capital dentro da sociedade moderna e qualquer um poderia ser considerado
um inimigo. De um modo geral, o apoio do Estado se manifestava de duas formas, por
meio de leis que proibissem a atividade de indivíduos criminosos da fé, e fornecendo
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
principalmente religiosas que ocorriam. Com o fortalecimento do absolutismo a partir
318
homens que auxiliassem no cumprimento das leis. Assim, os crimes canônicos
poderiam ser julgados tanto pelo governador quanto pelo bispo metropolitano.
É perceptível na Idade Média, como se dá de forma bem organizada a
Inquisição, e para melhorar o serviço dos Inquisidores e de certo modo legalizá-los,
foram sendo criados Manuais de Inquisição, com informações sobre os tipos de
heresias, mostrando detalhadamente como descobri-las e como saná-las. A respeito
disso Falbel (1977) explana que:
Com o tempo, foram sendo elaborados manuais escritos por inquisidores
experientes que procuravam orientar os perseguidores das heresias sobre os
seus fundamentos doutrinários e também sobre a técnica ou modo de
conseguir a confissão do acusado. Nesses manuais cada heresia é
caracterizada, permitindo muitas vezes aos estudiosos um melhor
conhecimento de suas concepções. (Falbel, 1977: 18).
Desta maneira os manuais da inquisição contemplam diversas questões inerentes
a jurisdição do inquisidor até questões práticas do encaminhamento do processo,
utilizando como base teórica os escritos dos doutores eclesiásticos. A necessidade de
normatizar e homogeneizar a ação dos Inquisidores que, apesar de estarem sob a
jurisdição da Igreja romana não procediam da mesma maneira. Um dos Manuais mais
conhecido, foi criado por volta do ano de 1486, um livro, chamado de Malleus
Maleficarum (O Martelo das Bruxas), como o próprio nome nos mostra, esse livro era
usado como um manual para identificar, combater e condenar legalmente as bruxas e as
James Sprenger.
Malleus Maleficarum e a perseguição às mulheres
Figura 3: Página de Malleus Malefícarum
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
práticas hereges, escrito por dois monges alemães dominicanos, Heinrich Kramer e
319
O documento Malleus Malefícarum tem papel importante para explanar os
motivos para a perseguição às mulheres, pois é a obra que representa a legitimação da
caça as bruxas, sendo assim citada nos autos de todos os julgamentos do Santo Ofício
por quase trezentos anos. O documento foi escrito em 1484 por James Sprenger e
Heinrich Krameré que contém as normas e questão burocrática que Inquisição deveria
utilizar em seus autos.
O Malleus Malefícarum foi escrito em contexto caótico, em que, acreditavam-se
no fim do mundo graça as peste e epidemias vividas no mundo moderno. Existia uma
preocupação no crescimento das heresias como um fator primordial para o
enfraquecimento da fé católica; o aumento da influência diabólica favorecendo a
desordem e o caos apoiado em três condições fundamentais: o diabo, a bruxa e a
permissão de Deus. O combate às heresias se fazia necessário e urgente. Carlos Amadeu
B. Byington descreve o Malleus Malefícarum como uma da obras mais terríveis do
O martelo das feiticeiras- Malleus Malefícarum é uma das páginas mais
terríveis do cristianismo. É difícil imaginar que, durante três séculos, ele foi a
Bíblia do inquisidor. Tentando demonstrar que não foi por acaso ele foi
escrito no esplendor do Renascimento e se transformou no apogeu ideológico
e pragmático da Inquisição contra a bruxaria, atingindo intensamente as
mulheres. [...] ele é um manual de ódio de tortura e de morte, no qual o maior
crime é o cometido pelo próprio legislador ao redigir a lei. Suas vitimas não
nos levou a expor orgulhosamente seus crimes para a posteridade, que nos
faz imaginar o terrível sofrimento passado pelos milhares de pessoas, em sua
maioria mulheres, muitas das quais histéricas, que foram por eles torturadas e
condenadas à prisão perpétua ou à morte. (KRAMER & SPRENGER, apud
Byington 1991: 20)
A obra é dividida em três partes: Primeira Parte traz as três condições
necessárias para a bruxaria; o Diabo, a Bruxa e a permissão do Deus Todo Poderoso.
Segunda Parte contém os métodos pelos quais se infligem os malefícios e de que modo
podem ser curados. Terceira Parte Trata das medidas judiciais no tribunal eclesiástico e
no civil a serem tomadas contra as bruxas e também contra todos os hereges. Contém as
questões, em que, são definidas as normas para a instauração dos processos e explica os
modos pelos quais devem ser conduzidos, e os métodos para lavrar as sentenças. Neste
sentido o Malleus foi durante três séculos o livro mais utilizado pelos autos da igreja.
Segundo Kramer e Sprenger (1993) o Papa Inocêncio VIII legitimou o
Documento demonstrando assim a preocupação da igreja com o da depravação herética.
Segundo a bula os dois inquisidores têm o poder para a chamada ―justa correção‖,
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
cristianismo.
320
aprisionamento e punindo quaisquer pessoas, sem qualquer impedimento, de todas as
formas.
Todos os que se lhes opuserem, a todos os rebeldes, de qualquer categoria,
estado, posição, proeminência, dignidade ou de qualquer condição que seja não importando privilegio de que disponha-haverá de ameaçá-los com a
excomunhão, a suspensão, a interdição, e inclusive com as mais terríveis
penas, as piores censuras e os piores castigos, como bem lhe aprouver, e sem
qualquer direito de apelação, e se assim o desejar poderá, pela autoridade que
lhe concedemos, agravar e renovar tais penas quantas vezes necessário,
recorrendo, se assim convier, ao auxílio do braço secular (KRAMER &
SPRENGER, apud Inocêncio VIII 1993: 45)
O período de atuação do manual é referido como período de ―caça as bruxas‖,
datado entre século XIV a meados do XVIII. No início da obra os inquisidores fazem
definições de heresia ―quem quer que pense de outra forma a respeito de assuntos
pertinentes a fé que não do modo defendido pela santa Igreja Romana é herege. Eis a
verdadeira Fé‖ (KRAMER & SPRENGER, 1991: 53). Neste sentido quem contrariasse
os dogmas estabelecidos pela Igreja poderia ser considerado herege.
Outro ponto é que qualquer suspeita de heresia, não necessariamente bem
fundamentada, bastava para prender o suspeito por um bom tempo e, às vezes, mantê-lo
no cárcere durante vários anos. Uma acusação não provada baseada em conjecturas,
suposições, ou em provas indiretas era considerada razão suficiente para a detenção,
além disto, todos os tipos de pessoas eram aceitos como testemunhas em causas
criminosos, servos que prestavam depoimentos contra seus amos.
E as leis permitem que se admita qualquer testemunha como prova. Pois isso
é os Cânones que tratam de defesa da fé explicitamente recomendam. E o
mesmo procedimento é permissível como punição por heresia. Quando se faz
acusação dessa espécie, qualquer pessoa pode ser trazida como testemunha
do crime, tal como em caso de lesa-majestade. (KRAMER & SPRENGER,
1991: 54).
A tortura era um mecanismo previsto pelo manual para se obter a confissão dos
acusados, sendo que, ―qualquer pessoa, de qualquer classe, posição ou condição social,
sob acusação dessa natureza, pode ser submetida à tortura (KRAMER & SPRENGER,
1991: 54). Mesmo com a confissão o acusado deveria ser torturado, pois deveria ser
punido na dimensão de feitos.
Segundo análise de Rose Marie Muraro (2000) em sua obra ―Texto da fogueira‖
o Malleus Malefícarum é a continuação do livro gêneses da Bíblia, assim evidenciando
a perseguição às mulheres. No Gênese Eva é eleita como a representante do sexo
feminino que origina o discurso fundador sobre o mal. Nos três primeiros capítulos
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
relacionadas à fé: sócios e cúmplices de um mesmo crime, notórios malfeitores e
321
do Gênese, Eva é acusada de burlar as leis patriarcais do que se convencionou nomear
de mal, foi inteiramente incorporada pelo lugar da bruxa. Ambas, portanto, reforçam um
dado importante para esta análise: a exaltação da sexualidade não-dita organizada em
torno da formação ideológica feminina, que exerce a função de desviar as contradições
do todo complexo dominante das formações discursivas. Para a autora são sete as teses
centrais do documento.
1) o demônio, com a permissão de Deus, procura fazer o máximo de mal aos
homes, a fim de apropriar-se do maior número possível de almas;
2) e este mal é feito prioritariamente por meio do corpo, único ―lugar‖ onde o
demônio pode entrar, pois ― o espírito [do homem] é governado por Deus, a
vontade por um anjo e o corpo pelas estrelas‖ (parte I, Questão VI). E porque
as estrelas são inferiores aos espíritos e o demônio é um espírito superior, só
lhe resta o corpo para dominar;
3)e este domínio lhe vem por meio do controle e da manipulação dos atos
sexuais. Pela sexualidade, o demônio pode se apropriar do corpo e da alma
dos homens;
4) e como as mulheres estão essencialmente ligadas à sexualidade, elas se
tornam as agentes por excelência do demônio(as feiticeiras);
5) a primeira e maior característica , aquela que dá todo o poder às feiticeiras,
é copular com o demônio. Satã é, portanto, o senhor do prazer;
6) uma vez obtida a intimidade com o demônio, as feiticeiras são capazes de
desencadear todos os males, especialmente a impotência masculina, a
impossibilidade de livrar-se de paixões desordenadas, abortos, oferendas de
criança a Satanás, estragos de colheitas, doença nos animais, etc.
7)e esses pecados eram mais hediondos do que os próprios pecados de
Lúcifer quando da rebelião dos anjos e dos primeiros pais por ocasião da
queda, porque agora as bruxas pecam contra Deus e o Redentor (Cristo), e
portanto esse crime é imperdoável e por isso só pode ser resgatado com a
tortura e a morte. (MURARO, 2000:72).
idade da luz, ―processa-se a mais delirante perseguição às mulheres e ao prazer. Tudo
aquilo que já estava em embrião no Segundo Capítulo do Gênesis torna-se agora
sinistramente concreto.‖ (MURARO, 2000:72).
Na questão 07 faz-se uma análise do porquê das mulheres serem mais entregues
as superstições diabólicas. A primeira analise é que, para o manual, a credulidade
feminina em relação à masculina faz com elas sofram uma pressão do diabo que tem
como maior objetivo corromper a Fé. Utiliza-se até Eclesiástico 19 para justificar essa
posição ―Aquele que é crédulo demais tem um coração leviano e sofrerá prejuízo‖
(KRAMER & SPRENGER, apoud Eclesiástico 19 1991: 115). A segunda razão é a
natureza impressionável das mulheres propensas a influência dos ―espíritos
descorporificados‖, tornando-as absolutamente malignas quando a utilizam para o mal.
Segundo o documento a outra razão é que a mulher demonstra maior carnalidade do que
homem, isso vem a partir de sua criação desde o Éden.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
A autora ainda acrescenta que mesmo na época do Renascimento que precede a
322
Mas a razão natural está em que a mulher é mais carnal do que o homem, o
que se evidencia pelas suas muitas abominações carnais. E convém observar
que houve uma falha na formação da primeira mulher, por ter sido ela criada
a partir de uma costela recurva, ou seja, uma costela do peito, cuja curvatura
e, por assim dizer, contrária à retidão do homem. E como, em virtude dessa
falha, a mulher é animal imperfeito, sempre decepciona e mente. (KRAMER
& SPRENGER, 1991: 116).
Ainda nesta perspectiva os autores concluem que as mulheres deveriam ser as
mais visadas, pois são mais propensas às heresias. O Manual mostrava a mulher como
mais propícia aos desejos carnais do que o homem.
Toda bruxaria tem origem na cobiça carnal, insaciável nas mulheres [...] Pelo
que, para saciarem a sua lascívia, copulam até mesmo com demônios.
Poderíamos ainda aditar outras razões, mas já nos parece suficientemente
claro que não admira ser maior o número de mulheres contaminadas pela
heresia da bruxaria. E por esse motivo contém referir-se a tal heresia culposa
como a heresia das bruxas e não a dos magos, dado ser maior o contingente
de mulheres que se entregam a essa prática. E abençoado seja o Altíssimo,
que até agora tem preservado o sexo masculino de crime tão hediondo: como
Ele veio ao mundo e sofreu por nós, deu-nos, a nós, homens, esse privilégio.
(KRAMER & SPRENGER, 1991: 121).
A caça às bruxas conduzida pelo tribunal da inquisição demonstra a mentalidade
misógina da igreja católica. Assim, o Malleus Maleficarum aponta a mulher como
Durante três séculos o Malleus foi a bíblia dos Inquisidores e esteve na banca
de todos os julgamentos. Quando cessou a caça às bruxas, no século XVIII,
houve grande transformação na condição feminina. A sexualidade se
normatiza e as mulheres se tornam frígidas, pois orgasmo era coisa do diabo
e, portanto, passível de punição. Reduzem-se exclusivamente ao âmbito
doméstico, pois sua ambição também era passível de castigo. O saber
feminino popular cai na clandestinidade, quando não é assimilado como
próprio pelo poder médico masculino já solidificado. As mulheres não têm
mais acesso ao estudo como na Idade Média e passam a transmitir
voluntariamente a seus filhos valores patriarcais já então totalmente
introjetados por elas. (KRAMER & SPRENGER, opud Muraro 1991: 16)
Segundo imaginação dos inquisidores, isto decorreria do seguinte método:
De posse da pomada voadora, que (...) tem sua fórmula definida pelas
instruções do diabo e é feita dos membros das crianças, sobretudo daquelas
mortas antes do batismo, ungem com ela uma cadeira ou um cabo de
vassoura; depois do que são imediatamente elevadas aos ares, de dia ou de
noite, na visibilidade ou, se desejarem, na invisibilidade; (...) E não obstante
o diabo realize tal prodígio em grande parte através da pomada - para que as
crianças se vejam privadas da graça do batismo e da salvação -, parece que
também consegue o mesmo resultado sem o seu emprego. Já que, vez ou
outra, transporta as bruxas em animais, que não são de fato animais, mas
demônios naquela forma, e noutras ocasiões, mesmo sem qualquer auxílio.
(KRAMER & SPRENGER, 1991: 228)
O Malleus Malleficarum foi o manual, oficializado pelo Papa, para a
perseguição às bruxas pela Inquisição, levando à tortura e à morte milhares de mulheres.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
maior pecadora, a origem de todas as ações nocivas ao homem.
323
Considerações Finais
O presente artigo buscou entender o processo Inquisitório que se estruturou no
contexto histórico da Idade Média. Esse processo culminou com perseguição as bruxas
na Idade moderna. Neste período histórico, o sentimento e o controle religioso estavam
incorporados às diversas esferas sociais.
Dessa forma existia uma visão opressora ao feminino, em que, existia norma de
conduta a ser seguida pelas mulheres. O padrão patriarcal era estabelecido pela igreja
demonstrava uma mentalidade misógina.
Neste sentido o Malleus Maleficarum foi desenvolvido a partir de uma realidade
complexa. Suas preocupações eram: o crescimento das heresias como um fator
primordial para o enfraquecimento da fé católica; o aumento da influência diabólica
favorecendo a desordem e o caos apoiado em três condições fundamentais: o diabo, a
bruxa e a permissão de Deus. O combate às heresias se fazia necessário e urgente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente 1300-1800. São Paulo: Companhia das
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LE GOFF, Jacques. As raízes medievais da Europa. Petrópolis: Vozes, 2007.
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NOVINSKY, Anita. A Inquisição. São Paulo: Brasiliense, 1982.
Fonte das ilustrações:
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições – Portugal, Espanha e Itália, séculos
XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
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ndvI/AAAAAAAAAyo/AfwlpiJkokU/s1600/FOLHA.jpg&imgrefurl=http://questionetudosemp
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Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Acesso: dia 10 de novembro de 2010
325
HISTORIOGRAFIA E ENSINO DE HISTÓRIA: UM ESTUDO SOBRE
CONSCIÊNCIA HISTÓRICA E IDENTIDADES DE JOVENS ESTUDANTES E
PROFESSORES DE HISTÓRIA EM ESCOLAS NO MEIO RURAL
Astrogildo Fernandes da Silva Júnior
Doutorando em Educação – UFU
Introdução
O propósito deste texto é refletir sobre as diversas correntes historiográficas que
fundamentaram o currículo de História ao longo da história da disciplina e a relação
com a consciência histórica e com a identidade dos sujeitos envolvidos, ou seja,
estudantes e professores. Em especial detemos nossos estudos nos Parâmetros
Curriculares Nacionais – PCNs do ensino de História e nas Diretrizes Operacionais da
Educação Básica da Escola do Campo, buscando identificar possibilidades, avanços
e/ou retrocessos destes documentos na formação da consciência histórica e das
identidades dos jovens estudantes e professores de História no meio rural brasileiro.
Organizamos o texto em três partes. Na primeira, apresentamos as diversas
correntes historiográficas que, ao longo do tempo, fundamentaram o currículo de
História. Na segunda, apresentamos os PCNs e as Diretrizes Operacionais da Educação
do Campo e procuramos fazer uma relação dos conteúdos com a formação da
considerações.
As diversas correntes historiográficas ao longo da história
Uma questão que sempre nos instigou, ao longo da nossa experiência como
professores e pesquisadores, foi a discrepância entre a história que se ensina na
graduação e a história estudada nas escolas de ensino fundamental e médio. O que
percebemos é que ao contrário das universidades, em geral, o que as pesquisas nos
mostram é que nas escolas prevalece uma leitura historiográfica fragmentada e
simplificada, o que interfere na formação da consciência histórica.
Concebemos a história como o estudo da experiência humana no passado e no
presente. A história busca a compreensão das múltiplas maneiras como homens e
mulheres viveram e pensaram suas vidas e suas sociedades, ao longo do tempo e nos
diversos espaços. Mas, como a história é registrada e transmitida ao longo das gerações?
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
consciência histórica e identidades de alunos e professores. Por fim, tecemos nossas
326
Neste tópico propomos revisitar as diferentes correntes historiográficas: escola
metódica, escola dos annales, história nova, marxismo e a histórica cultural.
Segundo Bourdé (s.d.) a escola metódica buscou impor uma investigação
científica afastando qualquer especulação filosófica. Visava a objetividade absoluta no
domínio da história, procurava atingir seus fins aplicando técnicas rigorosas respeitando
o inventário das fontes, à crítica aos documentos e a organização da profissão. A
fundação, em 1876, da Revista Histórica, por G. Monod e G. Fagniez, marcou a
constituição da escola metódica.
Essa corrente historiográfica partia do princípio de que a história não passava de
aplicação dos documentos. Utilizava como fontes de estudo os documentos oficiais e
não oficiais escritos como, por exemplo, leis e livros. Valorizava também os sítios
arqueológicos, edificações e objetos de coleção e de museus como moedas e selos.
Segundo Bourdé (s.d.), procurar escolher os documentos é uma das partes principais
logicamente a primeira do ofício do historiador. Os documentos salvos, registrados e
classificados deveriam ser submetidos a uma série de operações analíticas.
Depois de realizadas as operações analíticas iniciavam as operações sintéticas.
De acordo com Bourdé (s.d.) a primeira fase, dessa operação, consistia em comparar
vários documentos para estabelecer um fato particular. A segunda fase caracterizava-se
em reagrupar os atos isolados em quadros gerais. A terceira fase visava manejar o
preencher as lacunas da documentação. A quarta fase forçava a praticar uma escolha na
totalidade dos acontecimentos. Por fim, cabia ao historiador, fazer algumas
generalizações.
Podemos afirmar que os sujeitos da escola metódica eram as grandes
personalidades políticas, religiosas e militares. Atores individuais que geralmente
apareciam como construtores da história. Nessa corrente historiográfica estudava-se os
grandes acontecimentos diplomáticos, políticos e religiosos do passado. Privilegiavam
o estudo do passado que eram apresentados numa seqüência cronológica (linear e
progressiva). Em síntese, nessa escola, os fatos deveriam ser tratados de forma objetiva
e com base nos documentos.
A escola dos Annales foi uma tendência da historiografia francesa, liderada por
intelectuais como Bloch e Febvre, que no início do século XX, buscou estabelecer um
diálogo crítico e de oposição à escola metódica. Abandonaram algumas posições,
incorporaram outras e, fundamentalmente transformaram a forma de pesquisar e estudar
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
raciocínio, por dedução e analogia, com o intuito de ligar os fatos entre si, para
327
a história. Partia do princípio de que não existia um fato pronto, mas que serão
construídos pelos historiadores, sendo sua função interrogar a realidade e que só haverá
história na colocação dos problemas.
De acordo com Bourdié (s.d.), M. Bloch além de explorar novos documentos,
buscou descobrir novos domínios. Orientou-se pela análise dos fatos econômicos.
Mesmo sem reconhecer explicitamente, foi influenciado pela obra de K. Marx, que o
incitou a relacionar as estruturas econômicas e as classes sociais. A escola dos Annales
defendia a afirmação de que para ser um autentico profissional da história era
fundamental conhecer as ciências vizinhas: geografia, etnografia, demografia,
economia, sociologia e a linguística.
Essa corrente historiográfica ao criticar a história dos acontecimentos,
característica da escola metódica, defende uma nova concepção de tempo histórico. Por
meio da obra de F. Braudel, ―O Mediterrâneo‖, é possível identificar três diferentes
tempos históricos. Segundo Bourdié (s.d.) o primeiro escalão é caracterizado por uma
história quase imóvel, de longa duração, como por exemplo, o tempo geográfico que
parece confundir com a eternidade. No segundo escalão, uma história lentamente
ritmada, estrutural, uma duração cíclica, enfim uma história de média duração, na qual
pode ser analisada a história econômica. No terceiro escalão, uma história de curta
duração, um história não na dimensão do homem, mas do indivíduo.
geral, preocupa-se com os acontecimentos do cotidiano da vida humana, ligados à vida
das famílias, às festas, às formas de ensinar e aprender. De acordo com Fonseca (2005),
a história nova ocupa-se de tudo aquilo que os homens e mulheres fizeram no passado e
também fazem no tempo presente.
De acordo com Bittencourt (2004), essa produção denominada nova história, foi
alvo de uma série de críticas pelo caráter fragmentário de seus objetos de estudo, não
havendo preocupação com o caráter globalizante e pela ausência de fundamentação
teórica. Foi atribuída a essa produção o título de história de migalhas, devido ao
predomínio da micro-história e pela não preocupação política e ausência de articulações
mais estruturais da sociedade.
Outra corrente historiográfica que merece nossa atenção é o marxismo. Embora
é importante ressaltar que não temos a pretensão de aprofundar na concepção histórica
engendrada por K. Marx. Nos limites deste texto nos contentamos em apresentar
algumas características do marxismo. Segundo Lima (1997), Marx destacou em seus
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
A história nova, considerada a terceira geração da escola dos Annales, de forma
328
estudos o caráter dialético do conhecimento histórico. De acordo com o autor o passado
não pode ser ressuscitado tal qual ocorreu, e o historiador não se resume a um mero
ordenador de acontecimentos.
Esse paradigma tem como princípio o caráter científico do conhecimento
histórico, e o enfoque de sua análise é a estrutura dinâmica das sociedades humanas. De
acordo com Bittencourt (2004) a análise marxista parte das estruturas presentes com o
intuito de orientar a práxis social. Existe assim uma vinculação epistemológica dialética
entre presente e passado. O marxismo, para compreender as sociedades humanas, utiliza
conceitos como modo de produção, formação econômico-social e classes sociais.
Reforçam que as mudanças sociais não ocorrem por indivíduos isolados, mas pelas lutas
sociais.
Bourdé (s.d.) assevera que nos anos de 1960 e 1970 a marca do marxismo não
se limitava à história econômica, ao nível da infraestrutura, mas se estendia à história
das mentalidades, ao nível da superestrutura. O autor nos alerta que não devemos
procurar nos trabalhos de Marx uma ciência da história, definitivamente constituída, de
que bastaria aplicar os princípios para compreender o funcionamento das sociedades.
Com as críticas a certas produções marxistas, especialmente as de linha estruturalistas,
começam
a surgir uma produção marxistas com ênfase em conteúdos sociais
articulando o conceito de classe social ao de cultura. Um exemplo é a obra de E.P.
Althusser.
A aproximação da Antropologia com a História sedimentou a história cultural
que procura vincular a micro-história com a macro-história.
Essa corrente
historiográfica preocupa-se não apenas com o pensamento das elites, mas também com
as ideias e confrontos de ideias de todos os grupos sociais. O intuito dessa corrente é
renovar a história política, procurando renovar os temas políticos, introduzindo a
história das culturas políticas, dos regimes e sistemas de governo e das representações
do poder. É caracterizada por uma perspectiva globalizante.
Segundo Duby (1998) a finalidade da história cultural é definir os modelos
culturais que, em certos momentos, se impuseram a determinadas sociedades, dar conta
do seu sucesso, enfim, perceber seu movimento, que de forma lenta ou viva, branda ou
brusca acontecem ao longo do tempo. O autor continua,
A tarefa consiste pois no inventário, numa determinada época, das bases de
uma cultura. Quer dizer, em primeiro lugar, de um conjunto de signos e de
símbolos – vocabulário, sintaxe, fórmulas e gestos rituais, figuras expressas
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Thompson: Miséria da Teoria ou um planetário de erros – uma crítica ao pensamento de
329
pela música, pelo cerimonial ou pelas artes sólidas – que comandam os
mecanismos mentais e pelos quais o espírito humano apreende o real, se situa
em relação ao tempo, ao espaço e aos outros, e projeta no imaginário os seus
desejos e as suas inquietações. A este nível de análise, em que podem ser
utilmente postos em execução os métodos quantitativos, o historiador deve
associar-se estreitamente aos dialectólogos e a todos aqueles que se dedicam
ao estudo da semântica, da estilística, dos meios de percepção e de expressão
(DUBY, 1998, p. 4005).
É necessário destacar que a cultura nunca é recebida uniformemente pelo
conjunto de uma sociedade, que esta se decompõe em meios culturais distintos, muitas
vezes antagônicos. Dessa forma, de acordo com Duby (1998) a história cultural é
naturalmente conduzida para o estudo da estratificação social e das estruturas de grupo.
Dessa forma integra-se na história da sociedade, de que se alimenta e que, por sua vez,
alimenta generosamente. Essa concepção de história é um desafio ao ensino de História.
A proposta curricular do ensino de História, as Diretrizes Operacionais para
Educação no Campo e a consciência histórica
Entendemos o currículo como uma construção cultural, como um modo de
organizar uma série de práticas educativas. O conhecimento corporificado no currículo
não é algo fixo, mas um artefato social e histórico, sujeito a mudanças e flutuações. O
currículo deve ser percebido como um processo constituído de conflitos e lutas entre
diferentes tradições e diferentes concepções sociais. A seleção e a organização do
processo lógico, mas social, no qual convivem, lado a lado, fatores epistemológicos e
intelectuais.
O currículo não é constituído de conhecimentos válidos, mas de conhecimentos
considerados socialmente válidos. Segundo Apple (1982), o currículo participa do
processo de construção das identidades que dividem a esfera social, ajudando a
produzir, entre outras, determinadas identidades raciais, sexuais e nacionais. Sendo
assim, podemos argumentar que, nas discussões críticas sobre o currículo, se
evidenciam análises que focalizam a produção de identidades sociais.
Ao longo da história da educação brasileira, os currículos escolares apontavam
para a importância social do ensino de História. Uma das tradições da área foi a de
contribuir para a construção da identidade, sendo esta entendida como a formação de
um ―cidadão patriótico‖, ―homem civilizado‖ ou da ―pessoa ajustada ao seu meio‖. De
acordo com a proposta do ensino de História, registrada pelos PCNs, é necessário
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
conhecimento escolar não podem ser vistas como escolhas inocentes, não são um
330
repensar sobre o que se entende por identidade e qual a sua relevância para a sociedade
brasileira contemporânea.
O que os alunos aprendem ou deixam de aprender vai muito além do que está
prescrito nos documentos oficiais. Conforme Cerri (2001), os problemas e as
potencialidades do ensino e a aprendizagem de história não estão restritos à relação
professor – aluno na sala de aula, mas envolvem o meio em que o aluno e professor
vivem, os conhecimentos e opiniões que circulam sua família, na igreja ou noutras
instituições que frequentam e nos meios de comunicação de massa a que têm acesso.
Entretanto, como afirmamos anteriormente, interessa-nos analisar o que está explícito e
implícito na proposta curricular – PCNs – dos anos finais do ensino fundamental,
documento que representa e legitima as decisões políticas para os sistemas de ensino no
Brasil.
De acordo com os PCNs, desde que a História ensinada foi incorporada no
currículo escolar, tem-se mantido uma interlocução com o conhecimento histórico. O
documento ressalta a importância de aprofundar e revelar as dimensões da vida
cotidiana de trabalhadores, mulheres, crianças, grupos étnicos, velhos e jovens e de
pesquisas que estudam práticas e valores relacionados às festas, à saúde, à doença, ao
corpo, à sexualidade, à prisão, à educação, à cidade, ao campo, à natureza e à arte.
Propõe a utilização das mais variadas fontes de pesquisas, como a documentação escrita
É importante não reduzir o trabalho com cultura material ao arrolamento apenas
ilustrativo de diferentes artefatos, sem pensar mais detidamente sobre sua situação num
mundo de homens e mulheres que se relacionam por meio de símbolos e poderes e se
fazem por diferentes vias. Nesse sentido, podemos compreender que a cultura material
pode ser uma grande aliada dos professores de História. Peses (1990) nos ensina que é
fundamental apreender a condição material dos homens ao longo do tempo, pois podese descobrir, por meio da cultura material, as relações sociais e os modos de produção
das sociedades do passado. Para que isso se efetive, acreditamos que o objeto precisa ser
fetichizado, ou seja, é necessário buscar os por quês, as questões sociais, políticas e
históricas. Dessa forma é possível romper com a fragmentação da consciência histórica
dos jovens estudantes e avançar na perspectiva de uma consciência histórica crítica e
genética.
Os PCNs defendem a afirmação de que as formas de estudar o passado são
plurais. Ressaltam que a diversidade de temas e abordagens deve ser alimentada e
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
oficial, textos, jornais, revistas, imagens, relados orais, objetos e registros sonoros.
331
fundamentada pelo diálogo da História com outras áreas do conhecimento das Ciências
Humanas, como a Filosofia, a Economia, a Política, a Geografia, a Sociologia, a
Psicologia, a Antropologia, a Arqueologia, a Crítica Literária, a Linguística e a Arte.
Reforçam que as atitudes do professor-pesquisador sejam de identificar, relacionar,
interpretar o passado como expressões de vivências e de modos de pensar contraditórios
de uma realidade social e cultural representadas.
É possível perceber que o documento está mais ―antenado‖ com a complexidade
do conceito de identidades. Comungamos com Bauman (2005) e Hall (2005), ao
afirmarem
que o que se tem de concreto é um sujeito fragmentado, cambiante,
deslocado, no qual estão em conflitos várias identidades, algumas, inclusive,
antagônicas. As identidades do indivíduo são organizadas em torno de imagens
dinâmicas de exploração e transformação de diferentes realidades. Concordamos com
Lévy (2007), ao asseverar que o ser humano volta a tornar-se nômade, pluraliza sua
identidade, explora mundos heterogêneos e múltiplos, em devir pensantes. Defendemos
a possibilidade de avançar na proposta dos PCNs e trabalhar os saberes históricos
escolares na perspectiva de permitir alunos e professores fluírem, mesclarem-se,
valorizarem-se, dilatarem-se e trocaram-se. Aceitarem distintos pontos de vista em uma
perspectiva que abarque o desenvolvimento comum. Dessa forma, avançar na formação
de uma consciência histórica crítica e genética.
igual e único para toda a humanidade, valoriza-se o esforço de perceber a
descontinuidade das mudanças. Enfatiza-se a importância de refletir sobre os diferentes
níveis e ritmos de durações temporais. Durações relacionadas à percepção dos intervalos
das mudanças ou das permanências nas vivências humanas. Essa concepção de tempo é
baseada nos estudos de Fernand Braudel. Segundo Bourdé (s.d.), Braudel situa a
história em três escalões: à superfície, uma história dos acontecimentos, que se inscreve
no tempo curto; a meia encosta, uma história conjuntural, que segue um ritmo mais
lento; em profundidade, uma história estrutural, de longa duração, que põe em causa
séculos.
De acordo com Páges e Santisteban (2008), a compreensão da temporalidade é
fundamental para uma educação democrática. Destaca elementos como: entender o
presente, tomar decisões e pensar o futuro. Consideramos uma grande contribuição do
autor no que diz respeito a aprendizagem do futuro. O autor afirma que as aproximações
ao estudo do futuro podem situar –se em três âmbitos:
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Quanto à noção de tempo, em vez de percebê-lo como contínuo e evolutivo,
332
a)las creencias, que han dado lugar a la escatologia y a apocalíptica, también
al milenarismo y al mesianismo, así como a los mitos del fin del mundo; b)
las ideologias, que han producido las utopias, las cuales han jugado un papel
muy importante en la configuración del pensamiento social contemporáneo;
c) la ciencia, que utiliza la prospectiva para analizar la posible evolución de
los acontecimientos en futuro, de tal manera que esta actividad se há
convertido en uma parte esencial de la ciencia y de las ciencias sociales, por
ejemplo en la economia o en la política. Este tercer âmbito del futuro es el
que más nos interesa desde la enseñanza (PAGÉS; SANTISTEBAN, 2008, p.
6-7).
Acreditamos que essa noção de tempo, defendida por Páges e Santisteban
(2008), avança em relação ao que propõem os PCNs, comungamos com o autor ao
afirmar que no ensino de História, devemos conectar o estudo do passado com a
prospectiva no futuro. O ensino de História deve apoiar-se nos pré-requisitos temporais
necessários para introduzir o aluno na experiência histórica e deve ser ensinado desde os
primeiros anos de escolaridade.
De acordo com os PCNs, espera-se que, ao longo do Ensino Fundamental, os
alunos, gradativamente, possam ampliar a compreensão de sua realidade, especialmente,
confrontando-a e relacionando-a com outras realidades históricas. Assim, supõe-se que
os professores possam fazer suas escolhas, estabelecer critérios, selecionar saberes e

Identificar relações sociais no seu próprio grupo de convívio, na
localidade, na região e no país, e outras manifestações estabelecidas em
outros tempos e espaços.

Situar acontecimentos históricos e localizá-los em uma multiplicidade
de tempos.

Reconhecer que o conhecimento histórico é parte de um conhecimento
interdisciplinar.

Compreender que as histórias individuais são partes integrantes de
histórias coletivas.

Conhecer e respeitar o modo de vida de diferentes grupos, em diversos
tempos e espaços, em suas manifestações culturais, econômicas, políticas e
sociais, reconhecendo semelhanças e diferenças entre eles, continuidades e
descontinuidades, conflitos e contradições sociais.

Questionar sua realidade, identificando problemas e possíveis
soluções, conhecendo formas político-institucionais e organizações da
sociedade civil que possibilitem modos de atuação.

Dominar procedimentos de pesquisa escolar e de produção de texto,
aprendendo a observar e colher informações de diferentes paisagens e
registros escritos, iconográficos, sonoros e materiais.

Valorizar o patrimônio sociocultural e respeitar a diversidade social,
considerando-os critérios éticos.

Valorizar o direito de cidadania dos indivíduos, dos grupos e dos
povos como condição de efetivo fortalecimento da democracia, mantendo-se
o respeito às diferenças e a luta contra desigualdade (BRASIL, PCN – Ensino
Fundamental, 1997, p. 43).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
orientar suas ações. Nesse sentido, os alunos deverão ser capazes de:
333
A análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais evidencia uma preocupação do
Estado com a inclusão da diversidade cultural no currículo de História, com a formação
para a cidadania e com a intenção de integrar o ensino ao cotidiano do aluno. Dessa
forma, acreditamos na possibilidade de considerar as especificidades da educação
escolar no meio rural, sem desconsiderar os saberes que devem ser comuns a todos os
estudantes. Segundo as Diretrizes Operacionais para a Educação básica nas Escolas do
Campo, a identidade da escola do campo é definida da seguinte maneira:
Art. 2 - Parágrafo único. A identidade da escola do campo é definida pela sua
vinculação às questões inerentes à sua realidade ancorando-se na
temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que
sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos
movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas
por essas questões à qualidade social da vida coletiva do País (BRASIL,
Ministério da Educação, Diretrizes Operacionais para a Educação básica nas
escolas do campo, 2002, p.37).
De acordo com o documento, os saberes docentes necessários aos professores
Art. 13. Os sistemas de ensino, além dos princípios e diretrizes que orientam
a Educação Básica no País, observarão, no processo de normatização
complementar da formação de professores para o exercício da docência nas
escolas do campo, os seguintes componentes:
I – estudos a respeito da diversidade e o efetivo protagonismo das crianças,
dos jovens e dos adultos do campo na construção da qualidade social da vida
individual e coletiva, da região, do País e do mundo;
II – propostas pedagógicas que valorizem, na organização do ensino, a
diversidade cultural e os processos de interação e transformação do campo, a
gestão democrática, o acesso ao avanço científico e tecnológico e respectivas
contribuições para a melhoria das condições de vida e a fidelidade aos
princípios éticos que norteiam a convivência solidária e colaborativa nas
sociedades democráticas (BRASIL, Ministério da Cultura, 2002, p. 41).
O diálogo entre os PCNs de ensino de História e as Diretrizes Operacionais da
Educação Básica nas Escolas do Campo possibilita-nos uma reflexão sobre que tipo de
consciência histórica é possível formar nos jovens estudantes de escola no meio rural.
Para Rusen (2001), a consciência histórica é a realidade por meio da qual se pode
entender o que é a História como ciência e por que ela é necessária. Acreditamos que o
professor de História de escolas rurais, compromissado com a realidade em que atua,
aprofundando seus estudos de forma crítico - reflexiva sobre os PCNs, auxilie seus
alunos a construir uma consciência histórica crítica, proporcionando atividades que
levem aos alunos o entendimento de uma narrativa construída, procurando nela o
sentido que o autor quis
pressupostos.
dar a ela e sensibilizando-o, com as suas intenções e
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
das escolas devem levar conta as especificidades do meio rural:
334
Considerações finais
O estudo sobre os PCNs de ensino de História nos revelou indícios de
que estão ancorados em vertentes historiográficas que entendem a história como estudo
da experiência humana no tempo. A história estuda a vida de todos os homens e
mulheres, com a preocupação de recuperar o sentido de experiências individuais e
coletivas. Os documentos apontam que este deve ser um dos principais critérios para a
seleção de conteúdos e sua organização em temas a serem ensinados com o objetivo de
contribuir para a formação de consciências individuais e coletivas numa perspectiva
crítica. As Diretrizes Operacionais para a Educação básica nas Escolas do Campo,
reforçam a necessidade de considerar os saberes dos jovens e a relação tempo e espaço
no processo de ensino e de aprendizagem.
Os documentos apontam para a necessidade de reformular os conteúdos,
priorizando a construção de problematizações históricas. Sugerem a apreensão de várias
histórias lidas a partir de distintos sujeitos históricos, das histórias silenciadas.
Reforçam a importância de recuperar a vivência pessoal e coletiva dos estudantes. Na
escolha dos conteúdos, a proposta dos PCNs é propiciar aos alunos o dimensionamento
de si mesmos e de outros indivíduos e grupos em temporalidades históricas. Os
conteúdos devem sensibilizar e fundamentar a compreensão de que os problemas atuais
e cotidianos não podem ser explicados unicamente a partir dos acontecimentos restritos
entre vivências sociais no tempo.
O estudo nos revelou que os PCNs trazem um avanço considerável nas
finalidades do ensino de História. A possibilidade de levar aos alunos à passagem de
uma consciência histórica tradicional e exemplar para uma consciência história crítica e
genética está dada nos documentos. Contudo não são suficientes para que se efetivem na
prática. Defendemos a necessidade de pesquisas que registrem os saberes e os fazeres
dos professores de História. De políticas públicas que possibilitem a formação
continuada e contínua dos professores que atuam no meio rural, e, assim, estimular
estudos críticos sobre os documentos oficiais.
Acreditamos na importância de escutar, integrar e restituir a diversidade. Um
ensino de História que auxilie na construção das identidades de estudantes e
professores. Dessa forma, é possível uma consciência histórica crítica e genética. É
fundamental que o ensino de História nos auxilie na construção de uma democracia em
tempo real. Para isso, é imperativo considerar o que Lévy (2007) nos ensina: 1) escutar
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
ao presente. Requerem questionamentos ao passado, análises e identificação de relações
335
os outros coralistas; 2) cantar de modo diferenciado; 3) encontrar uma coexistência
harmônica entre sua própria voz e a dos outros, ou seja, melhorar o efeito do conjunto.
A relevância do conhecimento histórico, ou seja, do saber ensinado, encontrado
nos indícios dos documentos analisados, se confrontados com a experiência cultural de
estudantes e professores, pode permitir que esses sujeitos se apropriem e/ou construam
maneiras pelas quais os saberes podem ser ensinados e aprendidos. Nesse sentido, é
possível pensar em uma contribuição mais efetiva do ensino de História em escolas no
meio rural, na transformação da sociedade.
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da História. Revista da História Regional 6(2). p. 93-112, Inverno.
336
O PENSAMENTO INDUSTRIAL NO BRASIL (SEGUNDA METADE DO
SÉCULO XIX A 1930).
Ms. Tomás Rafael Cruz Cáceres
Professor Assistente do Departamento de História da
UNESP – FCL Assis. Doutorando do PPG em
História da UNESP – FCL Assis
Claudinei Mendes
Orientador
Carlos M. Pelaez120, analisando a evolução econômica desde o século XIX até
meados do seguinte do Brasil e demais países conhecidos como de colonização recente,
como foram os Estados Unidos da América do Norte, Canadá, Austrália, África do Sul e
outros, observa que todos eles começaram dedicando-se à produção de produtos
primários e que com a entrada de capital e trabalho qualificado conseguiram alcançar o
progresso. E se pergunta por que o Brasil e a Argentina não conseguiram se desenvolver
juntamente com esses países, já que ambos receberam um grande influxo de trabalho e
capital europeus e se tornaram grandes exportadores de produtos primários. Identifica o
insucesso do Brasil, em matéria de desenvolvimento antes de 1945 como um insucesso
na industrialização, atribuindo a dois fatores interdependentes, relacionados com a
econômica de proteção ao setor cafeeiro em relação às demais atividades. O segundo
fator refere-se às políticas monetária, cambial e fiscal, e bases institucionais contrárias à
industrialização. Considera que o sistema monetário e bancário de um país deve ser
orientado para a promoção da industrialização, assim como fizeram os paises
desenvolvidos. No caso do Brasil, esse sistema deveria ter fornecido liquidez para o
estabelecimento de novas indústrias com base em tecnologia estrangeira, já que não
estava disponível internamente. Porém, isso era praticamente impossível devido a que a
orientação que prevaleceu na condução da economia na maior parte do século XIX e nas
primeiras décadas do seguinte estava dominada pela escola de pensamento ortodoxo,
que se traduzia em sua implementação em três objetivos de políticas econômicas,
perseguidos sob quaisquer condições econômicas. Estes eram o equilíbrio orçamentário,
a austeridade monetária e as altas taxas de câmbio, isto é, valorização da taxa cambial,
120
PELAEZ, Carlos M. As conseqüências econômicas da ortodoxia monetária, cambial e fiscal no Brasil
entre 1889 e 1945. In: Revista Brasileira de Economia. Vol. 25, n. 3, jul/set, 1971
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
política econômica oficial. O primeiro, o mais importante para ele, foi a política
337
constituindo o remédio ou receita ordinária e recorrente para qualquer contração dos
negócios.
Em relação ao atraso relativo da economia brasileira na primeira metade do
século XIX, Furtado121 afirma que a causa principal foi o estancamento de suas
exportações tradicionais (açúcar, algodão e fumo), e que fomentar a industrialização
nessa época, sem o apoio de uma capacidade para importar em expansão, seria tentar o
impossível num país totalmente carente de base técnica, ainda que se deixasse de
considerar que uma política inteligente de industrialização seria impraticável num país
dirigido por uma classe de grandes senhores agrícolas escravistas. Entretanto, ao
contrastar esse estado de estagnação e decadência com as mudanças ocorridas na
segunda metade desse século confessa que ―dificilmente um observador que estudasse a
economia brasileira pela metade do século XIX chegaria a perceber a amplitude das
transformações que nela se operariam no correr do meio século que se iniciava‖. Sendo
impulsionadas essas transformações pelo aparecimento do café como produto de
exportação, que rapidamente se converte na principal fonte de riqueza para o país, o que
se constata com alguns dados que Furtado nos oferece: no primeiro decênio da
independência o café já contribuía com 18% do valor das exportações do Brasil,
colocando-se em terceiro lugar depois do açúcar e do algodão. E nos dois decênios
seguintes já passa para o primeiro lugar, representando mais de 40% do valor das
Porém, a partir de meados do século XIX, começa a modificar-se sensivelmente
essa situação de atraso com o setor agrícola reintegrando-se novamente ao comércio
internacional, através, fundamentalmente, da atividade cafeeira que se desenvolve com
grande dinamismo, especialmente a partir da década de 1870, quando sua produção
começa a ocupar a região oeste da província de São Paulo, graças à penetração da
estrada de ferro. Até meados da década de 1890 o estado do Rio de Janeiro era o maior
produtor de café do país, tendo como centro principal a região do Vale do Paraíba, que
abarcava parte do estado de São Paulo. Daí em diante São Paulo assume a liderança.
Pode-se afirmar que até as últimas duas décadas do século XIX não tinha havido
no Brasil um movimento organizado pela própria indústria para lutar pelos interesses
ligados a seu setor. Não obstante, ao longo de sua história, desde a época da colônia,
sempre surgiram pessoas, ligadas ou não à indústria, que tentaram conscientizar à nação
121
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Ed. Nacional, cap. XIX, pp. 106-109;
cap. XX, pp. 110-116.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
exportações.
338
de que sem a industrialização o país não alcançaria seu desenvolvimento econômico e
social, nem sua real e efetiva autonomia frente às demais nações.
Essa situação começou a mudar com a crise de meados da década de 1870 e a
intensificação da concorrência de produtos importados. A reação foi iniciada pelos
fabricantes de chapéus do Rio de Janeiro que sofriam uma violenta concorrência dos
artigos importados da Alemanha. No começo colocaram o problema à Associação
Comercial do Rio de Janeiro sem conseguir qualquer resultado; logo se dirigiram à
Associação Auxiliadora da Indústria Nacional solicitando apoio a suas reivindicações
protecionistas. Depois de intensos debates e com apoio da Associação, obtido em
votação (já que o parecer da seção de comércio foi contrário e o da seção de Indústria a
favor) a Associação decidiu enviar ao governo uma representação, pedindo providências
para o desenvolvimento industrial e amparar as fábricas já existentes por meio de uma
tarifa alfandegária adequada. Esse movimento encontrou um forte e decidido apoio na
pessoa do Comendador Malvino da Silva Rei122. Este e mais alguns industriais
convocaram uma reunião, dirigida a todos aqueles que se interessassem pelo
desenvolvimento do trabalho nacional. O resultado foi a criação da Associação
Industrial em 1881, tendo sido eleito como presidente Antônio Felício dos Santos, que
logo teve que renunciar por ter sido eleito deputado. Esses acontecimentos tinham como
cenário o Distrito Federal, cidade do Rio de Janeiro, já que era aí, juntamente com o
Para conhecer as idéias que impulsionaram o movimento inicial a favor da
industrialização do Brasil é fundamental recorrer ao manifesto que a Associação
Industrial do Rio de Janeiro divulgou ao se constituir, redigido por Antonio Felício dos
Santos123, seu primeiro presidente, e publicado no seu órgão de divulgação oficial, ―O
Industrial‖, em 11 de maio de 1882. Esse documento constitui um ataque ao liberalismo
e à política do governo, combatendo as objeções dos adversários da industrialização
com uma argumentação que pretendia se basear em fatos concretos e nas condições
econômicas e sociais do Brasil. Argumentava-se que com a industrialização o Brasil não
só conseguiria a independência econômica, senão que resolveria outros vários
problemas como a entrada de capitais e mão-de-obra estrangeiras; criação de
oportunidades de ocupação para a população desocupada que poderia gerar um
122
ASSOCIAÇÃO INDUSTRIAL. Relatório apresentado à Assembléia Geral, sessão de 10 de junho de
1882, pela Diretoria. p. 28, In: LUZ, Nicia V. A. A luta pela industrialização do Brasil. 2 ª ed. São Paulo:
Alfa-ômega, 1975, p. 56-57.
123
Associação Industrial. ―O Industrial‖. Rio de Janeiro, 21 de maio de 1881, n.1.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Estado do Rio de Janeiro, onde então, se desenvolvia a indústria brasileira.
339
problema social; o abastecimento do mercado interno com produção nacional
melhoraria o resultado da balança comercial, ao diminuir a importação.
O protecionismo defendido não era baseado em doutrina e sistema
preestabelecido. Fundava-se, segundo os industrialistas, na situação real do país,
beneficiando apenas as industrias viáveis. Rejeitavam as acusações de que defendiam
um regime proibitivo, afirmando que as taxas solicitadas eram moderadas, reconheciam
que tarifas exageradas isolariam o país e não era isso que perseguia a indústria nacional.
O que ela defendia era um certo grau de estabilidade, pois acreditava-se que a
instabilidade alfandegária afugentava os estrangeiros que poderiam investir no país.
Um dos aspectos mais enfatizados na defesa da proteção à produção nacional era
o desequilíbrio no comércio exterior do Brasil, do balanço de pagamentos. Idéia que se
converte na força mais poderosa na evolução do nacionalismo econômico brasileiro.
Antonio Felício dos Santos desenvolve este assunto em discursos no Parlamento e
através do jornal da Associação, com amplitude e coerência frente à realidade dos fatos
da economia brasileira. Denuncia o desequilíbrio real da balança de pagamentos,
mascarado pelos saldos fictícios da balança comercial, afirmando que enquanto a
estimativa do volume de exportação era quase exata, a da importação não correspondia
à realidade, já que se baseava em valores oficiais fixados pelo governo para fins fiscais,
valores que em geral estavam abaixo do valor real das mercadorias importadas. Indicava
para a Europa, em pagamento de juros dos empréstimos levantados pelo governo
brasileiro e ―pelas remessas dos particulares, a emigração constante dos capitais que não
confiam na nossa estabilidade, as retiradas dos brasileiros que passeiam pelo velho
mundo ou lá vivem, porque, senhores, o terrível cancro do absentismo já se faz sentir
gravemente
no
Brasil:
essa
corrente
esterilizadora
parece
mesmo
avultar
diariamente‖124.
Em relação às medidas a serem tomadas para solucionar os vários problemas que
enfrentava a economia brasileira – déficits orçamentários, desequilíbrio nas contas
externas, alcançar a independência econômica – consideravam, os industrialistas, que
não seria por meio de empréstimos anuais para saldar as diferenças da importação sobre
a exportação, nem com emissões de papel-moeda e de apólices; nem com outras
protelações e artifícios que seriam equilibradas as contas públicas. O único meio era o
124
Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Srs. Deputados. Segundo Ano da Décima Oitava
Legislatura. Sessão de 1882, Rio de Janeiro, IV. P. 135-136.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
também a existência dos itens invisíveis constituídos pelo envio constante de dinheiro
340
fomento da produção e particularmente da industria. Adotar medidas que diminuam a
importação enquanto não se eleva a exportação. Isso importa a proteção à industria
nacional, que há de suprir grande parte da importação125.
As idéias econômicas nacionalistas de Amaro Cavalcanti estavam relacionadas
com o comércio e sua defesa das fontes produtoras da riqueza do país, que considerava
constituídas essencialmente pelas atividades industriais. Na sua atitude contra o
comércio, contra o intermediário considerado um parasita, o foco principal era o
comércio importador, sobre o qual declarava:
esses indivíduos que são agentes consignatórios ou representantes de fábricas
ou manufaturas estrangeiras, os quais não importando, sequer, por contra
própria, só tem a lucrar, como simples intermediário, dispondo de nossos
mercados, como de outros tantos canais para os produtos que recebem. O
mesmo se pode dizer das casas filiais que aqui negociam em gêneros e
mercadorias que lhes são remetidos pelas suas matrizes no estrangeiro.
(CAVALCANTI, A. 1892) 126
A solução para tal situação estava no desenvolvimento da economia nacional,
das fontes geradoras de riqueza, sendo a indústria fabril a mais importante. Considerava
a agricultura uma fonte precária e irregular ao depender das condições climáticas e do
fator humano, devido ao pouco uso de maquinaria. Para desenvolver a indústria, porém,
era necessário que o Estado lhe desse proteção, já que sendo o Brasil um país novo, a
atividade industrial ainda era muito embrionária. Fundamentava a atuação protecionista
do Estado nos seguintes termos: a) Dotar o país de indústrias necessárias ou lucrativas,
trabalho e bem estar à população operária do país; c) Tornar-se independente do
estrangeiro, dispensando-se de comprar-lhe produtos, a respeito dos quais, é de supor,
aquele acabaria por adquirir o monopólio, depois de haver arruinado a industria
nacional127. Para alcançar tais objetivos, defendia, ao igual que Felício dos Santos, um
protecionista baseado nas circunstâncias e levando em conta o estagio industrial dos
diferentes países, e rejeitava todo sistema preconcebido. Incluía nessa proteção, além
das tarifas alfandegárias, medidas de auxílio direto, como empréstimos feitos pelo
Estado e até emissões de papel-moeda.
125
Ibidem.
Congresso Nacional. Anais do Senado Federal. Segunda Sessão da Primeira Legislatura. Sessões de 16
de julho a 15 de agosto de 1892. Rio de Janeiro, 1892, vol. III, p.42.
127
CAVALCANTI, Amaro. Elementos de Finanças. Rio de Janeiro, 1896. p. 220.
126
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
que de outra sorte seriam sufocadas logo ao nascer; b) Assegurar, por esse meio,
341
As idéias de Serzedelo Correa128 coincidiam em vários pontos com as dos outros
nacionalistas que o precederam, como o grau de protecionismo defendido, as justificativas a
favor do mesmo, a recusa a todo sistema a priori. O que o diferenciava era sua visão de conjunto
do problema econômico brasileiro que, para ele, consistia em desenvolver de modo harmônico
as nossas forças produtivas por meio de uma política de proteção razoável tanto da indústria
quanto da agricultura, a fim de garantir a independência nacional e aumentar o trabalho no seio
de nosso vasto país. Defendia para esse desenvolvimento harmônico, não apenas uma política
de moderada proteção alfandegária, mas enquadrava esse protecionismo num conjunto de
medidas que abrangiam o setor monetário, como o saneamento da moeda; o fiscal,
recomendando maior eficiência na arrecadação; o bancário pela organização do crédito; o
desenvolvimento dos transportes e o incremento do comércio internacional. Dava especial
atenção ao tema das companhias de seguro que o associava ao problema de drenagem de
capitais para o exterior. Aconselhava o governo a ―favorecer o avigoramento das companhias de
seguros nacionais de modo que os seguros dos valores de nossa exportação, de nosso comércio
interestadual, de nossos valores móveis, fiquem no país, e as economias empregadas nos
seguros de vida não sejam transferidas para o exterior, nada nos deixando‖. Em relação às
companhias estrangeiras estabelecidas no país, considerava que suas respectivas reservas
deviam ser empregadas no país, valorizando os nossos títulos e os nossos prédios.
No conjunto das idéias nacionalistas de Serzedelo Correa o aspecto que mais se
destaca é o relacionado à defesa da industrialização. Fundamentando essa defesa e da
capaz de desenvolver as forças produtivas nos países novos, assegurar a prosperidade da
nação, livrá-la da instabilidade econômica, pois em um país de estado econômico
complexo, as crises serão sempre de caráter parcial sem se afetar a todas as
manifestações da atividade do trabalho e manter a atividade do trabalho nacional,
libertando o país dos monopólios industriais e comerciais.
Nas primeiras décadas da República, além de intensificar-se o nacionalismo
econômico brasileiro na defesa da produção nacional, incluindo tanto a industria como a
agricultura, com medidas de proteção alfandegária e de política econômica interna,
também se fortalecem as forças contrárias à industrialização ou à maneira como esta se
estava levando a cabo. Essas forças iriam questionar o industrialismo defendido até
então, utilizando como argumento fundamental o conceito de industria natural, em
oposição à indústria artificial. Serzedelo Correa deixou bem claro que não admitia essa
128
CORREIA, Serzedelo. O Problema Econômico no Brasil (1903). Brasília. Senado Federal; Rio de
Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1980. pp. 27-30.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
necessidade de uma política de proteção à industria, declarava que só a industria era
342
distinção, pois para ele o elemento fundamental da industria era a transformação
realizada pelo trabalho: ―A indústria é sempre o resultado do trabalho humano é pelo
trabalho que o homem consegue dar a todos os objetos a utilidade, isto é – a qualidade
abstrata que os torna aptos à satisfação de nossas necessidades, e que os transforma em
riqueza. Industria natural é, pois, um contra-senso‖.
Entre as lideranças que questionavam o processo de industrialização vigente até
o final da década de 18890, destaca-se Joaquim Murtinho, Ministro da Fazenda do
Governo Campos Sales (1898-1902), por sua veemência e persistência na crítica contra
a indústria artificial e a intervenção direta do Estado na economia e, sobretudo, por
implementar com extremo rigor e determinação uma política econômica profundamente
recessiva nesse período. Não obstante a expansão da indústria a partir dos primeiros
anos do Século XX, isto é, após a recessão provocada pela política econômica do
ministro Murtinho, não foi um fenômeno isolado. A possibilidade de crescimento
decorria das transformações ocorridas no cenário político, econômico e social do país.
Em 1900, a permanência do regime republicano já não era mais incerta.
A participação dos paulistas nas discussões sobre a condução da política
econômica no que respeita às atividades industriais ainda não se fazia sentir, tanto a
nível do Congresso Nacional como da imprensa local. Essa situação começa a mudar
com a crise internacional de 1913 e, sobretudo, com os efeitos produzidos pela Primeira
crise internacional de 1913 repercute intensamente no Brasil com a queda dos preços
externos dos produtos brasileiros de exportação e o retraimento do capital estrangeiro,
afetando fortemente as atividades industriais, que haviam sustentado um ciclo de
expansão da economia relativamente longo, desde 1903 até esse ano. Um dos ramos
industriais mais atingidos foi o de tecidos.
Como conseqüência da crise, a concorrência entre as fábricas brasileiras
intensificou-se. O volumoso influxo de capital estrangeiro entre 1908 e 1912, destinado
não só aos governos estaduais e ao federal como às empresas privadas, diminuiu
abruptamente ao se iniciar a Primeira Guerra Mundial. A isso somava-se a situação
precária da balança comercial brasileira em decorrência do grande volume de compra
realizado no exterior e do colapso dos preços do café e da borracha no mercado
internacional em 1913. Em 1912 Brasil recebeu uma quantidade líquida de ouro
equivalente ao valor 17,5 milhões de Contos; no ano seguinte inverteu-se o fluxo,
registrando uma sangria líquida de 23 milhões de Contos. A contração do crédito
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Guerra Mundial no funcionamento da indústria nacional, especialmente na paulista. A
343
provocou por sua vez violenta redução nas operações das fábricas, dos atacadistas e dos
comerciantes do interior. A Primeira Guerra Mundial, começa em 03 de agosto de 1914,
e nos quatro dias subseqüentes os industriais debateram o assunto e decidiram ir ao
Congresso pedir ajuda. Em 06 de agosto, uma comissão de industriais visitou as
comissões de finanças do Senado e da Câmara, recomendando a adoção de medidas que
atenuassem a escassez de crédito.
Não obstante, é a guerra, precisamente, que iria ajudar sobremaneira a indústria
nacional a sair da crise em que se encontrava, depois de um primeiro momento de
aprofundamento do aperto das condições econômicas e financeiras do país. Com a
interrupção dos fluxos do comércio internacional surge a oportunidade do mercado
interno ser suprido quase que totalmente com a produção nacional, o que permitiu o
fortalecimento das fábricas já existentes e o surgimento de novas.
Era oferecida a chance de abastecer os consumidores de um largo cinturão ao
longo de toda a costa do Brasil, de Belém, ao Norte, ao Rio Grande, no Sul. Os
trabalhadores rurais, os operários fabris, os empregados domésticos, os artesãos e
inúmeras outras categorias de trabalhadores urbanos mal remunerados. São Paulo,
especialmente, foi beneficiado pelo novo surto industrial, tendo-se expandido,
principalmente, a indústria de tecidos, de calçados e de chapéus. Segundo Nícia V.
Luz129, a imprensa paulista, até então bastante silenciosa em relação ao movimento em
motivo de orgulho nacional.
A indústria, terminada a guerra, saiu com o poder político fortalecido dada sua
importância em termos da sua participação na renda arrecadada pelo governo e o
significativo aumento da população ocupada na indústria. Entretanto, o comércio
importador, apoiado na massa de consumidores iria combater o prestígio crescente da
indústria nacional. A luta se tornaria particularmente acirrada na década de vinte nos
debates em torno, principalmente, das tarifas aduaneiras. O governo considerou depois
da guerra oportuno o momento para tentar uma revisão da pauta alfandegária, e em
1919 o Ministro da Fazenda, Homero Batista apresenta seu projeto, enviado ao
Congresso com uma solicitação para que fosse autorizado o governo a implementá-lo
logo em seguida, a título de experiência. O governo queria evitar que sua reforma fosse
muito alterada com as emendas. Mas, a indústria queria uma ampla discussão do
129
LUZ, Nícia Vilela. A Luta pela Industrialização do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Ed. Alfa-Ômega. 1978.
pp. 152-157.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
prol da industrialização, animava-se, exaltando essa indústria que já se estava tornando
344
projeto, do qual era contra. A oposição partiu principalmente dos industriais paulista
que enviaram uma representação ao Congresso, protestando contra a reforma. Enquanto
a industria defendia sua posição, levantavam-se contra ela os tradicionais ataques,
qualificando-a de ―artificial‖. Estes provinham, principalmente, da lavoura paulista.130
Apesar dos ataques contra ela, conseguia a indústria conservar a proteção que
lhe era dispensada. Pronunciou-se contra o projeto, Paulo de Frontin que invocou o
problema social, a perturbação no trabalho nacional que a nova tarifa provocaria; toda a
bancada paulista que apoiou o voto contrário emitido pelo representante de São Paulo,
no Congresso, Rodrigues Alves, também votou contra. Apesar das investidas de certos
representantes da lavoura paulista contra a indústria nacional, a bancada mostrou-se
coesa numa questão de vital importância como a reforma da tarifa, fato bastante
revelador da força política já exercida pela indústria paulista.
A partir desse momento a defesa da indústria se amplia e fortalece cada vez
mais, encontrando-se em sua fileira, além do grupo dos fundadores da Associação
Industrial do Distrito Federal, os nomes de Serzedelo Correa, Amaro Cavalcanti, Jorge
Street, Leite e Oiticica, Américo Werneck, Vieira Souto e outros, formando o que Edgar
Carone131 chama de primeira geração de industrialistas. A segunda surge a parir da
década de 1920, destacando-se os nomes de Roberto C. Simonsen, Edvaldo Lodi, João
Daut d‘Oliveira, Carnelo D‘Agostini, Pupo Nogueira, entre outros.
―dumping‖ de tecidos de algodão ingleses, visando a exclusão dos tecidos importados
de qualidade média e superior. Os industriais têxteis de São Paulo desempenharam nela
um papel importante. Estes consideravam que os ingleses tinham perdido os seus
extensos mercados no Oriente, onde vários países emancipavam-se da dependência
comercial através da industrialização e que agora Brasil era visto como um vasto
mercado a ―reconquistar‖ para o que estavam dispostos a vender, inicialmente, com
prejuízos para esmagar a impotente indústria têxtil do algodão. A associação comercial
de São Paulo, após formar uma comissão para estudar a revisão das clausulas tarifárias
concernentes ao algodão e seus manufaturados decidiu ―colocar a disposição dos
interessados‖ as suas conclusões. Publicou no O Jornal de 1 de janeiro de 1929 uma
matéria paga de duas páginas, na qual sugeria que as cláusulas da tarifa referentes ao
130
VEIGA MIRANDA. Congresso Nacional. Anais da Câmara dos Deputados, Sessão de 10 de setembro
de 1919.
131
CARONE, Edgar. O pensamento Industrial no Brasil (1880-1945). Rio de Janeiro/São Paulo: Difel,
1977, p. 6-7..
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Em relação à concorrência externa, iniciou-se em 1928 uma campanha contra o
345
algodão precisavam ser modificadas com urgência em vista das bem conhecidas
dificuldades que perseguem a industria têxtil nacional. Para evitar protesto dos que se
opunham as tendências protecionistas da industria, a comissão recomendou que só
fossem efetuados revisões de emergência nas tarifas, pois uma revisão completa e
definitiva exigiria um longo e cuidadoso estudo. Além disso, as modificações tarifárias
não tinham o objetivo de aumentar as taxas alfandegárias, apenas reajustar a taxas
específicas aos níveis nominais indicador na tarifa ―proibitiva‖ de 1896132.
Os panfletos e os artigos de jornal não foram os únicos instrumentos de pressão
utilizados pelos empresários têxteis e seus aliados industriais. Desde os primeiros dias
da República, a indústria vinha cimentando, pouco a pouco, os seus laços com o
governo. A importância da indústria aumentou com a estreita colaboração do Centro
Industrial do Brasil com o governo durante a guerra, atendendo aos pedidos de que a
indústria ajudasse a amenizar o desequilíbrio econômico causado pela queda das
importações de produtos vitais. A consolidação da estrutura política do Brasil, onde a
todo-poderosa presidência e, conseqüentemente, a burocracia governamental inteira
oscilavam entre as máquinas políticas das oligarquias de São Paulo e Minas Gerais,
facilitou a ascensão dos industriais paulistas, ajudados pelos do Rio igualmente bem
organizados. As campanhas, bem como a preservação da organização política entre uma
e outra companhia exigia muito dinheiro. Os vários centros industriais, produtos da
São Paulo do que a antiga Sociedade Rural, a organização dos fazendeiros de café. A
―caixinha‖ era administrada com eficiência, pois o partido no poder, através de seus
líderes de bancada no Senado e na Câmara, invariavelmente fazia aprovar ou engavetar
legislações, segundo os interesses, segregados nos bastidores, dos grupos de pressão
organizados. E não havia nada que impedisse os industriais de ocupar cargos políticos
na Primeira República, os fazendeiros de Café de São Paulo tomaram posse de sua
herança política. Contudo, na época em que faliram os últimos planos de valorização do
café, no final dos anos vinte, os grupos industriais em ascensão e seus porta-vozes em
São Paulo e no Rio de Janeiro – Matarazzo e Street, Seabra e Oliveira Passos, Nogueira
e Galliez – já ombreavam com os fazendeiros em termos de prestígio político.133
132
―O Jornal‖ Associação Comercial de São Paulo. ―Tarifas sobre manufaturas de algodão‖, 1 de Janeiro
de 1929.
133
STEIN, Stanley J. Opus. Cit. Pg.133.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
década de 1920, angariavam muito mais fundos políticos para o partido Republicano de
346
A influência política dos empresários têxteis revelou-se de forma clara por
ocasião da reforma tarifária, no período de 1928-1929. A campanha pelo aumento da
proteção tarifária contra o dumping de produtos ingleses ofereceu aos diretores das
associações das indústrias têxteis do Brasil, assediados por três anos de dificuldades
econômicas, uma plataforma capaz de aglutinar todos os empresários relacionados com
a indústria. Embora não fossem a única causa da crise que a indústria atravessava, as
importações constituíam, certamente um problema dos mais sérios. O relatório ―A Crise
Têxtil‖ (preparado pelos industriais do Rio e São Paulo em 1928) e a matéria paga de
duas páginas publicada em ―O Jornal‖ foram apenas parte de um plano bem organizado,
visando o Congresso. No fim de agosto de 1928, o presidente da comissão bancária do
Senado e porta-voz do governo, o Senador Arnolfo Azevedo, de São Paulo, reuniu os
membros da comissão para discutir uma possível revisão das clausulas tarifárias
concernentes ao algodão. A convocação apressada da reunião e as declarações ―vagas‖
do Senador Azevedo aos repórteres provocaram uma advertência do influente ―Jornal
do Comércio‖, que não via quais as intenções da comissão, se de atenuar ou enrijecer as
cláusulas. O jornal temia manobra de bastidores e advertiu que as ―questões‖ devem ser
discutidas por todas as partes interessadas, sem esquecer os interesses permanentes da
Nação. ―Era preciso chegar a um compromisso, mas ―através de discussão públicas‖.
Recomendava a análise de todos os pontos de vista, para evitar pressões unilaterais do
Alguns jornais censuram, ostensivamente, a campanha tarifária dos industriais
têxteis de algodão. Os leitores de jornais em sua maioria consumidores de classe média
e baixa, tinham seus rendimentos afetados pelas alterações tarifárias, uma vez que os
preços dos produtos domésticos estavam muito pouco inferiores aos dos artigos
importados, apenas o suficiente para tira-los do mercado. Foi para tais leitores que o
jornal de esquerda ―A vanguarda‖ declarou que os proprietários das fábricas haviam
engavetado a reforma tarifária por oito anos, até que o Presidente decidiu retirar a lei da
revisão tarifária das mãos da comissão para que fosse rapidamente votada. O povo,
afirmava ―A Vanguarda‖, tem razões para ficar apreensivo ―quem estiver consciente dos
fortes laços que ligam os políticos aos homens de negócios não pode esperar que das
discussões sobre a tarifa saia algo de bom para as classes desfavorecidas‖. ―A
Vanguarda‖ acusava os jornais, em geral favoráveis ao governo, de silenciar sobre a
134
―O Jornal‖ Associação Comercial de São Paulo, 23 de agosto de 1928. In: Stein, Stanley J. Opus. Cit.
pp. 133-134.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
governo134.
347
natureza da revisão tarifaria proposta e de falar em ―circunlóquios‖, a respeito da
necessidade de encontrar uma solução de compromisso para a indústria, o comércio e o
consumidor. ―Paz e amor entre tubarões e sardinhas‖, (―A Vanguarda‖, 27 de agosto de
1928).
Os comentários da imprensa não extremista também eram críticos. ―O Correio
da Manhã‖, reproduziu as opiniões de H. F. Wileman,135 editor de uma publicação
financeira em língua inglesa editada no Brasil. Quando os fabricantes de tecidos de
algodão divulgaram memoriais em favor do aumento da proteção tarifária, em 1927,
Wileman lembrou-os que as suas vendas totalizaram 87% dos tecidos de algodão
vendidos no Brasil. A expansão do capital social, debêntures e reservas da indústria
entre 1924 e 1926 fora bastante elevada. Em 1927, as reservas equivaliam a 58% do
capital por ações. A revisão tarifária proposta, advertia ele, permitiria aos fabricantes
elevar os preços além das possibilidades das classes médias e baixas. Como a maior
parte das fábricas não estava produzindo os tecidos de alta qualidade que a revisão
tarifária pretendia excluir, apenas um ―segmento minúsculo dos fabricantes brasileiros‖
seria beneficiado, penalizando o consumidor.
Apoiando os argumentos de Wileman, ―O Correio da Manhã‖ enfatizava a
próspera situação financeira da maior companhia têxtil do Brasil, a América Fabril.
Investigando os balanços da companhia publicados em 1926 e 1927, o Jornal verificou
dividendos, resgate de bônus e aumento de fundos de reserva e depreciação. Alertou
seus leitores para a influência que os ―magnatas‖ da indústria têxtil algodoaria exerciam
sobre o chefe do governo e o Congresso. No mês seguinte, qualificou um membro da
comissão bancária da Câmara dos Deputados, Manuel Villaboim, de ―advogado dos
magnatas‖, porque ele defendia o ponto de vista dos industriais. Quando Villaboim e
Azevedo, os líderes da maioria na Câmara e no Senado, viajaram para São Paulo em
dezembro de 1928 correram rumores de que essa viagem pressagiava um pacto político
entre o Partido Republicano de São Paulo e os empresários têxteis Jorge Street,
Francisco Matarazzo e Rodolpho Crespi.136 A campanha pela revisão da tarifa, iniciada
em agosto de 1928, alcançou a vitória cinco meses depois, em janeiro de 1929, quando
foram modificadas as cláusulas tarifárias do algodão. A eficácia da medida foi
135
136
―O Jornal‖ Associação Comercial de São Paulo - 23 de novembro de 1927.
CORREIO DA MANHÃ, 18 de outubro de 1928.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
que uma soma de quase 3.000 contos fora desembolsada após a distribuição de
348
comprovada pela redução das importações de tecidos de algodão que baixaram de um
total 8,3 milhões de quilos para 1,3 milhões entre 1929 e 1930.
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LUZ, Nícia Villela. A Luta pela Industrialização no Brasil: 1808-1930. 2ª ed. São Paulo,
Alfa-Ômega, 1975.
349
O PROJETO GRÁFICO DA REVISTA ILUSTRAÇÃO BRASILEIRA137 E A
MATERIALIDADE DO DOCUMENTO HISTÓRICO
Márlon de Oliveira Borges Carneiro
Graduando em História pela Universidade
Federal de Uberlândia. Bolsista Iniciação
Científica FAPEMIG, 2009.
O Brasil na primeira metade do século XX é marcado por uma série de
transformações que fundam, dentre outras coisas, uma urgência pela modernização do
país. Modernização que foi proposta de múltiplas maneiras, uma vez que, se pensarmos
no amplo crescimento urbano que congregou não só mais indivíduos em um menor
espaço, comparado com o campo, mas também fomentou diferentes concepções de
sociedade.
Foram momentos marcados por tensões, onde disputas, não só entre pessoas,
mas entre projetos de sociedade se firmaram. No período compreendido pela República,
o nacionalismo correspondeu ao projeto de diversos grupos sociais que, com o
modernismo, adquiriu novas características. Na perspectiva da esfera intelectual, a
modernização do país também correspondeu ao surgimento de um público leitor regular,
inseridos no crescimento da indústria editorial e na criação das universidades
posteriormente, além de instituições que deram nova direção à produção cultural do
conviver com constantes inovações. As novas técnicas transformaram o trabalho, o
lazer, os comportamento e hábitos, as sensibilidades, enfim, afetaram os vários níveis da
experiência social.
A entrada no século XX caracteriza o Brasil pela busca às premissas da
modernidade que irrompia e, em tal processo, a imprensa se destaca como lugar onde
essa procura se torna mais evidente. Novas técnicas tipográficas, os avanços na
ilustração, a velocidade da reprodução foram fatores que possibilitaram à imprensa, de
modo geral, adequar-se à lógica mercadológica capitalista como um segmento lucrativo,
ao mesmo tempo, que se tornou uma divulgadora de propostas de modernidade.
Neste momento destacam-se as revistas ilustradas, já consagradas na Europa.
Esse segmento da imprensa conseguia reunir texto e imagem, favorecendo uma leitura
137
A grafia do nome da revista possui dois ―LL‖ (eles) até 1941. Com uma reforma gráfica na língua
portuguesa, buscando a simplificação, passa a se escrever ―Ilustração‖ com apenas um ―L‖ (éle). Neste
trabalho, para evitar confusão ao leitor, evitei o uso das duas grafias.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Brasil. Acentua-se, portanto, o caráter urbano industrial da sociedade que passa a
350
dinâmica e sucinta que atendia às novas condições da vida urbana e ao mercado – fator
que impulsionou a publicidade e propaganda, com uso da ilustração, o que possibilitava
um maior alcance considerando o processo de transmissão de mensagens.
As revistas ilustradas igualmente possibilitaram a transmissão da imagem de um
novo Brasil, relacionada às novas técnicas de produção, comportavam o caráter
inovador e, simultaneamente em alguns casos, também em defesa de tradições. As
publicações de modo geral indicam conflitos do período em que se situam, assim como
são portadoras de significados construídos por múltiplas gerações.
Meu envolvimento com tal temática se deu a partir de um convite da professora
Luciene Lehmkuhl para participar de um grupo de estudo sobre a revista, que reúne
diferente pesquisadores com interesses diversos sobre a o objeto. Como importante
referência nesse sentido, há o trabalho de Geanne Paula de Oliveira Silva, graduada em
História pela Universidade Federal de Uberlândia, cuja pesquisa de monografia se
debruçou sobre a propaganda política varguista veiculada na revista Ilustração Brasileira
(Cf. SILVA, 2008). Sua pesquisa é uma das pioneiras sobre o periódico, ainda pouco
usado pela bibliografia específica sobre o tema. Com o desenrolar das discussões no
grupo, outros projetos foram sendo construídos voltados a temas como as obras de artes
veiculadas na revista, ou às relações da revista com o movimento modernista, ou ainda,
os usos das cores em suas páginas e possíveis sentidos evocados. As diversas
porém tem sido profícuos os diálogos com diferentes áreas, uma vez que o documento
analisado também é múltiplo.
A coleção da revista Ilustração Brasileira que se encontra no CDHIS
compreende o período de maio de 1935 a janeiro de 1944, sendo parte da terceira
fase de publicação do periódico (as três fases abarcam os seguintes períodos: 19091915; 1920-1930; 1935-1958). O seguinte texto resulta de pesquisas integradas ao
projeto ―Documentos para ler e ver: a coleção da revista Ilustração Brasileira no acervo
do CDHIS‖ aprovado em Edital Universal financiado pela Fundação de Amparo à
Pesquisa de Minas Gerais – FAPEMIG/2009. Editada pela Sociedade Anônima ―O
Malho‖; composta de crônicas, poesias, contos e abundantes fotografias e ilustrações,
com uma tendência mais refinada e artística (a ver, por exemplo, na publicação de
reproduções obras de artes). Tal revista insere-se na nova dinâmica proposta pelas
revistas ilustradas, combinando técnicas de excelente qualidade para o período e
conteúdo variado. Foi fundada por Luiz Bartolomeu de Souza e Silva e Antonio
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
abordagens expressam a amplitude que a historiografia tem se deparado recentemente,
351
Azeredo, editores da Sociedade Anônyma O MALHO que editava outras publicações e,
ao longo de suas edições, a família Souza e Silva parece se revezar no comando, como é
indicado na própria revista.
Seu ―... conteúdo versava sobre artes, letras, doutrinação política e religiosa,
exaltação a personalidades da história brasileira, questões econômicas, críticas literárias
e de arte, comportamento, moda, festas e recepções da alta sociedade, e outros.‖
(SILVA, 2008, p. 12). Essa multiplicidade de temas associa-se ao posicionamento que a
revista se propõe, característico a outras publicações do tipo: ―Sendo um órgão de
diffusão cultural e o espelho de nosso momento literário, a ―Ilustração Brasileira‖ não
tem partidarismos de escolas nem impõe restrições aos seus colaboradores, dando lhes
ampla liberdade, que se extende ainda ao uso da forma de graphar que mais lhes
agrade.‖( Ilustração Brasileira, maio, 1935, p. 01)
A liberdade apregoada pela ―Ilustração Brasileira‖ indica um atributo dos seus
colaboradores, escritores ligados à Academia Brasileira de Letras, que dentro da lógica
de mercado, escreviam sobre diversos assuntos e em diversas maneiras como o
inquérito literário, a reportagem, a crônica, etc. Tal amplitude de conteúdo possibilita
diversas pesquisas em igualmente múltiplas abordagens. Intenciono estudar a revista,
porém, a partir de seu projeto gráfico, isto é, sua materialidade buscando na forma como
as imagens são organizadas, nas técnicas utilizadas na produção, nos símbolos gráficos,
preocupações e desejos inscritos nesse projeto. Não se trata de mera descrição da
composição gráfica, mas entendê-la como uma representação complexa de diversos
elementos que pontuam a dupla via da técnica e das subjetividades envolvidas na
produção e recepção das mensagens.
Para realizar meu estudo busco auxílio de um campo do conhecimento que faz
parte também de minha formação profissional e acadêmica, por isso em grande parte
meu interesse nessa abordagem: o design gráfico. Tal área, em linhas gerais, constitui-se
como o esforço criativo relacionado à elaboração, configuração e especificação de um
projeto visual e, segundo o autor Richard Hollis, três funções sobressaem-se ao design:
identificar, isto é, dizer o que é determinada coisa; informar e instruir, no sentido de
explicar e transmitir uma mensagem; e finalmente, apresentar e promover que se refere
a maneira de tornar a mensagem particular de modo a chamar atenção de quem entra em
contato com o objeto (HOLLIS, 200, p. 4).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
na ilustração, no uso da fotografia, entre outros, os diálogos possíveis com as
352
Pretendo, ao estabelecer o diálogo com os campos do design gráfico e das artes
gráficas, encarar a revista Ilustração Brasileira como objeto composto por determinada
historicidade, tanto material quanto simbolicamente. Na tentativa de desvelar tal
historicidade por meio do design é possível, a meu ver, compreender quais significações
estão imbricadas na produção da revista e, principalmente, quais mensagens desejavamse transmitir e como isso era materializado. Como nos diz Rafael Cardoso ―... o enfoque
mais preciso da história do design sempre acaba recaindo sobe os objetos em si – aquilo
que podemos chamar de ―cultura material‖ -, os quais codificam em sua estrutura e
aparência um série de informações complexas sobre sociedade, tecnologia e criação
individual
que
precisam
ser
decodificadas
pelo
trabalho
de
investigação
histórica.‖(CARDOSO, 2005, p. 15).
O interesse pelo diálogo com uma área ainda pouco explorada, particularmente
no Brasil como é o design gráfico, é também desdobramento da abertura sofrida pelo
campo historiográfico, principalmente a partir dos anos 1980 como nos diz Carl
Schorske. Tal autor comenta como a historiografia passa por um processo de glasnost,
em referência à abertura política russa, no qual ela constrói novas fronteiras com outras
disciplinas, ampliando sua atuação a qualquer fenômeno da experiência humana e, por
isso mesmo, por tal expansão, a necessidade dos encontros com outras áreas. A
particularidade desse recente posicionamento, segundo Schorske, é a liberdade de tais
instâncias, fosse o Estado, a religião, a política, etc. É um ato de ―tecer‖, no qual o
historiador busca relacionar relações sincrônicas e diacrônicas, com o cuidado para que
a euforia causada pela multiplicidade de perspectivas não prejudique o importante
compromisso do historiador em registrar a mudança, além das continuidades.
(SHORSKE, 2000).
Caracteriza-se, portanto, uma relação com o documento que o entenda em si.
Partilho das colocações de Le Goff, quando comenta:
O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um
produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí
detinham o poder. Só a análise do documento enquanto documento permite a
memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo cientificamente, isto é,
com pleno conhecimento de causa.(LE GOFF, 1985, p. 102)
Essa colocação está inserida na discussão acerca do conceito de
documento/monumento, importante para o estudo da revista, assim como qualquer
outro documento, tendo em vista a necessidade de entendê-la não apenas como um
reflexo da sociedade, mas como uma materialidade que evoca e é resultado, como
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
escolhas que, ao contrário de momentos anteriores, estavam submetidas a outras
353
pontua o autor, de um esforço dessa mesma sociedade de impor ao futuro uma
imagem de si própria. Como monumento o documento está relacionado à memória
coletiva e, por ser uma construção, é uma ―roupagem‖ (LE GOFF, 1985, p. 104) que
precisa ser desmontada e submetida a análise das suas condições de produção. De
maneira análoga, Foucault comenta como essa atual transformação da ideia de
documento para a historiografia exige ―uma massa de elementos que devem ser
isolados, agrupados, tornados pertinentes, inter-relacionados, organizados em
conjunto‖ (FOUCAULT, 2004, p. 08), em processo semelhante a análise descritiva
do monumento realizada pela arqueologia.
Investigar a materialidade da fonte suscita também do trabalho de procurar
nos detalhes informações relevantes sugere a proposta de Gimzburg acerca
paradigma indiciário, modelo epistemológico no qual, segundo o autor, as ciências
humanas teriam tendido no final do século XIX (GINZBURG, 1989).
Um método particularmente caro ao italiano Giovanni Morelli que, no século
XIX, examinava pormenores em pinturas renascentistas a fim de buscar suas
origens, de classificá-las segundo traços particulares do artista. Para Ginzburg se
trata um representante elementar do novo paradigma que se instaura, apesar deste
ter raízes mais antigas, retrocedendo a práticas das antigas civilizações
mesopotâmicas. De modo análogo, se firma já no final do século XIX a psicanálise
aponta Ginzburg: ―Se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais,
indícios – que permitem decifrá-la.(...)‖ (GINZBURG, 1989, p. 177), princípio que,
similar ao trabalho do detetive, ampliou-se para várias áreas das ciências humanas
de forma que a reflexão sobre tais indícios são tomados como reveladores de
fenômenos mais gerais, ―... a visão de mundo de uma classe social, de um escritor
ou de toda uma sociedade‖ (GINZBURG, 1989, p. 178).
Para a análise dos elementos gráficos busco compreender a revista como um
todo, entrelaçando aspectos técnicos com seu conteúdo, e mais especificamente, a
forma com a qual o conteúdo é apresentado, sinalizando alguns recursos gráficos
que a particularizam, assim como identificando certas regularidades e ressaltando a
historicidade de tais elementos. Evidencia-se, a meu ver, a importância da parceria
entre os campos da História e do Design. Dentro da área do design, assim como
outros campos do conhecimento, são diversificadas as possibilidades de pesquisa,
porém, como se trata da análise do projeto gráfico, minhas preocupações se
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
influenciada também pela análise de detalhes que inconsciente deixa transparecer. E
354
debruçam, por um lado, sobre a linguagem visual e técnicas de produção do objeto,
e por outro, na busca por informações externas sobre a revista, ou seja, investigar
sentidos veiculados, conhecer sua circulação e sujeitos envolvidos.
Pensar o projeto gráfico como possível abordagem para análise de uma fonte
historiográfica remete, invariavelmente, à reflexão sobre história e imagem, relação
nem sempre valorizada pela historiografia. Nessa direção, Paulo Knauss identifica
diferentes pontos de vista sobre essa questão que suscitam de modo geral a
complexidade e a relevância do tema na atualidade.
A relação entre escrita e imagem quando pensadas no âmbito da
historiografia não é dicotômica, ou seja, a escrita, quando fixada como meio de
expressão pelas sociedades, não substituiu a imagem. Ambas convivem juntas e
admitir essa integração é vantajoso na busca por sua compreensão:
...desprezar as imagens como fontes da História pode conduzir a deixar
de lado não apenas um registro abundante, e mais antigo do que a escrita,
como pode significar também não reconhecer as várias dimensões da
experiência social (...). O estudo das imagens serve, assim, para
estabelecer um contraponto a uma teoria social que reduz o processo
histórico à ação de um sujeito social exclusivo e define a dinâmica social
por uma direção única (KNAUSS, 2006, p. 99).
Diferentes enfoques, exemplifica o autor, podem ser dados ao estudo das
elites do país, por exemplo, a partir de fotografias pessoais contrastados com
diários pessoais. Nesses casos é possível perceber em um objeto formas de
no debate e confronto de diferentes leituras de mundo que se expressam em ―textos
de qualquer natureza – verbal escrito, oral ou visual.‖ (KNAUSS, 2006, p. 100,
grifo meu).
A recepção, ou no caso, a visualidade da imagem, também é um aspecto que
complementa sua compreensão. Nesse sentido, outra referência importante à
temática, citado por Knauss, é a reflexão sobre os modos de ver concebida por John
Berger, que entende o ato de olhar como múltiplo, numa relação que se estabelece
entre visão e o contexto, ou seja, as imagens e suas interpretações resultam de
construções de sentido circunscritos a situações e relações sociais definidas, ―...
considerando que as associações entre símbolos e códigos não são fixas, o que
significa dizer que os sentidos são negociados. Assim, as práticas de olhar não
devem ser consumidas como atos passivos.‖ (KNAUSS, 2006, p. 115). Desdobrase, pois, que o estudo sobre o visual deve buscar compreender as relações
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
produção de sentidos que são também processos sociais, organizadas pela sociedade
355
intercambiáveis entre cultura e sociedade, tomando o conceito de cultura como os
elementos mediadores que viabilizam as relações sociais.
Uma ressalva inicial que considero importante para este estudo é que o
exame da ―fonte-em-si‖, por assim dizer, ou seja, a ênfase na materialidade e nas
formas de construção dos discursos que a revista evoca, pode incorrer na
unilateralidade da análise. É evidente que a recepção dessas imagens e textos da
revista Ilustração Brasileira não era realizada apenas pelos públicos -alvo, contudo é
difícil medir quão amplos foram a circulação da revista e os sentidos elaborados por
diferentes segmentos sociais. Em outras palavras, o que discuto neste trabalho é a
construção de discursos que provêem de segmentos específicos da sociedade, que
materializam ideias e se destinam a grupos particulares, o que não significa que tais
sentidos fossem homogêneos para o restante da sociedade.
O que friso, como faz Burke, em relação ao uso de imagens para a análise
histórica, é que elas
...não são um reflexo da realidade social nem um sistema de signos sem
relação com a realidade social, mas ocupam uma variedade de posições
entre esses extremos. Elas são testemunhas dos estereótipos, mas
também mudanças graduais, pelas quais indivíduos ou grupos vêem o
mundo social, incluindo o mundo de sua imaginação (BURKE, 2004, p.
232).
Desses princípios se desdobram cuidados necessários, continua Burke, no
contemporâneas daquele mundo analisado. O caráter múltiplo da imagem exige ao
analista que a posicione em contextos, no plural, isto é, econômico, cultural,
político, material, dentre outros. Além disso, é importante a reflexão sobre séries de
imagens, buscando entender continuidades e mudanças, e, finalmente, também
perceber detalhes e ausências na imagem, que informam, por usa vez, intenções e
particularidades (BURKE, 2004).
A ênfase na imagem para este trabalho é de especial estima pois compartilho
o argumento de Charles Monteiro ao afirmar que as revistas ilustradas funcionaram
como ―... vehículos de mediación de significados y sentidos sociales entre grupos
sociales. Sobre todo, em La negocioación y diseminación de sentidos sociales entre
elites políticas y sociales y lãs camadas medianas urbanas‖ (MONTEIRO, 2010,
247) e por isso, responsáveis por contribuírem na construção de uma nova
visualidade urbana, difundindo novos códigos culturais como a modernização do
espaço e do comportamento público. Atuaram como meio de expressão de uma
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
sentido de que as imagens não dão acesso à realidade diretamente, mas a visões
356
espécie de voyerismo social, com o consumo de imagens de corpos, gestos, objetos
que se queriam modernos, mas nem por isso, destaca Monteiro, abandonando
totalmente o passado, ―más bien proponía su atualización através de una
negociación com la tradición.‖ (MONTEIRO, 2010, p. 546). E tal ambiguidade é
uma das questões que permeia esse trabalho.
Compreendo o design gráfico, nesse sentido, como um campo do
conhecimento privilegiado, pois ao se preocupar sobre a projetação, ou seja, sobre o
processo de criação e produção de uma peça visual, o design colabora n a
compreensão acerca de quais mecanismos retóricos, persuasivos, estéticos,
materiais etc, que uma publicação como a revista Ilustração Brasileira se estruturou.
Mecanismos que, por sua vez, comunicam uma rede de sentidos mais ampla e
múltipla em que, apesar do discurso moderno prevalecer, não está livre de
gradações, de disputas com o passado que idealmente se quer superar.
Portanto, com a peça gráfica como ponto de partida, estabeleço como recorte
temporal as revistas produzidas durante o Estado Novo brasileiro, isto é, entre os anos
de 1937 e 1944138, uma vez que nesse período, relações diferenciadas são tecidas no
âmbito da imprensa e governo. Além disso, a imagem de um Brasil estabelecido na
modernidade veloz do século XX está mais amadurecida, ao se observar, por exemplo,
as ações políticas desenvolvidas a tal fim. A revista do período indicado evoca
seção O Rio de hoje e de 30 anos que trazia fotografias de determinado local da capital
carioca contemporânea à revista e outra de 30 ou 50 anos atrás, indicando por meio da
imagem a clara noção do progresso.
Outras seções também ricas em fotografias, que por sinal era um elemento
abundante na revista Ilustração Brasileira, também apontavam para o caráter
modernizante e de novidade ao país, ou pelo menos, aquilo que se desejava para o país.
A seção Instantâneos de todo o mundo, que mostrava fotografias de personagens e fatos
internacionais considerados importantes, indicam novas relações entre texto visual farto
e texto escrito reduzido. Durante o Estado Novo a revista foi veículo de difusão do
regime, com propagandas do presidente, reprodução de discursos, reportagens como O
que Vargas anda fazendo pelo Brasil a fora, entre outros.
138
Justifico o caráter incompleto do recorte pelo fato do arquivo possuir apenas as revistas desse período.
Apesar de recentemente se adquirirem os microfilmes da coleção completa, a materialidade da revista,
isto é, manuseá-la em papel foi fundamental para este trabalho, como será visto posteriormente.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
interessantes possibilidades de estudo, por exemplo, traz o caráter de ruptura, como na
357
A ideia de Modernidade permeia o cenário da grande cidade e relações entre
o espaço urbano e a noção de design são criadas. Entendendo o urbano como local
de importante produção e circulação de bens culturais, que comporta, por sua vez
códigos diversos, o autor Ferreira Junior se apropria do conceito de ―escritura
urbana‖ (FERREIRA JUNIOR, 2003, p. 55), ou seja, evoca a existência de um
conjunto de textos a serem decifrados na malha espacial das cidades que se
configura como matriz de fluxos de linguagens. Assinala o autor citando Eduardo
Elias: ―O presente urbano, quer dizer, a atualização cotidiana do código urbano,
abarca pois uma contínua revisão das faixas signicas que constituíram os códigos
passados bem como uma prospecção das novas faixas emergentes que apontam para
os códigos futuros‖ (ELIAS apud FERREIRA JUNIOR, 2003, p. 55). A prática da
observação se torna importante, uma vez que a cultura urbana esta marcada por
recorrentes processos de assimilação e renovação. E isso se materializa em
diferentes locais e suportes como ruas, praças, outdoors, posters etc, até mesmo a
ocupação física indica a mescla entre elementos modernos com construções antigas,
mas aceitas pela sociedade.
Por essa perspectiva, sustento a ideia de que o projeto em um periódico, no
caso deste estudo de uma revista como a Ilustração Brasileira, não deve ser
entendido como gratuito, pois concilia, em seu conteúdo verbal e visual, interesses
―alta‖ sociedade que não é homogênea, mas que comunga até certo nível um
repertório simbólico comum. Além disso, fatores econômicos e posturas individuais
(a ver principalmente dos artistas gráficos) precisam ser equilibrados. E
atravessando todos estes elementos há o espaço urbano em um momento de
efervescência, onde projetos de modernidade diversos se enfrentam, assimilam -se
entre si e tentam sobreviver.
Ressalto que minha posição enquanto pesquisador não é afirmar que a Ilustração
Brasileira foi um veículo da modernidade concebida como um lugar-comum. Meus
objetivos de pesquisa pautam-se no questionamento sobre as relações entre o conteúdo
encontrado em seus números publicados, expressos também por símbolos e imagens,
principalmente. Pretendo confrontar a multiplicidade de temas suscitados dentro do
recorte escolhido, que, como já demonstrado, indica a questão da modernidade como
uma das preocupações. Nesse sentido, qual ou quais modernidades se queriam
comunicar? E como isso se expressava materialmente? De modo geral, viso
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
de grupos sociais distintos, isto é, políticos, industriais, militares, em suma, u ma
358
compreender os diversos caminhos trilhados pela revista, buscando na estética e
organização visual, a pluralidade de projetos e relações estabelecidas entre imprensa, o
poder político, valores e hábitos cotidianos.
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Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual. In: Revista
ArtCultura, v. 8, n. 12. Jan.-jun. 2006. pp. 97-115.
359
O SURGIMENTO DO CAPITALISMO: UM DEBATE HISTÓRICO
Fernanda Arantes de Moraes
Graduanda em História
Programa de Educação Tutorial - PET
História
Faculdade de Ciências Integradas do Pontal
Universidade Federal de Uberlândia
O conceito de capitalismo
Para se debater o surgimento do modo de produção capitalista, se faz necessário,
antes de tudo, conceituar o capitalismo. Ellen Meiksins Wood na introdução de sua obra
O capitalismo é um sistema em que os bens e serviços, inclusive as
necessidades mais básicas da vida, são produzidos para fins de troca
lucrativa: em que até a capacidade humana de trabalho é uma mercadoria à
venda no mercado; e em que, como todos os agentes econômicos dependem
do mercado, os requisitos da competição e da maximização do lucro são as
regras fundamentais da vida. Por cauda dessas regras, ele é um sistema
singularmente voltado para o desenvolvimento das forças produtivas e o
aumento da produtividade do trabalho através de recursos técnicos. Acima de
tudo, é um sistema em que o grosso do trabalho da sociedade é feito por
trabalhadores sem posses, obrigados a vender sua mão-de-obra por um
salário, a fim de obter acesso aos meios de subsistência. No processo de
atender às necessidades e desejos da sociedade, os trabalhadores também
geram lucros para os que compram a sua força de trabalho. Na verdade a
produção de bens e serviços está subordinada à produção do capital e do
lucro capitalista. O objetivo básico do sistema capitalista, em outras palavras,
é a produção e a auto-expansão do capital. (WOOD, 2001, p. 12)
Este apontamento conceitual se torna útil porque nos mostra alguns dos
elementos que se relacionam com o surgimento do capitalismo. Estão presentes na
formulação acima noções como de que o capitalismo é um sistema baseado nos valores
do mercado, no desenvolvimento tecnológico e na expansão do capital e do lucro. Karl
Marx em sua principal obra, O Capital, trata a questão da ―acumulação primitiva‖
(MARX, 1984) – deve-se considerar que a tese de ―acumulação‖ já teria sido tratada por
Adam Smith – como ponto de partida para o modo de produção capitalista. Precedente a
tal acumulação capitalista, Marx conclui que a ―acumulação primitiva‖ nada mais é que
o processo histórico de separação entre o produtor e o meio de produção, e é primitivo
porque constitui a pré-história do capital e do próprio capitalismo. Mas para que
compreendamos todo esse processo precisamos, antes, entender que a transformação de
dinheiro e mercadoria em capital só é possível com o defronto da burguesia com o
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
A origem do Capitalismo, acertadamente nos apresenta o seguinte conceito:
360
proletariado, este que também só acontece a partir do momento em que o trabalhador
deixa de ser vinculado à gleba e de ser servo e passa a ser um livre vendedor de força de
trabalho.
É aí que, dentro da concepção marxista, começa a surgir, de fato, o sistema
capitalista. Depois que todos os meios de produção e todas as garantias de existência
(oferecidas pelas velhas instituições feudais) foram tirados dos camponeses é que estes
começam a assumir o papel de trabalhadores livres. Essa expropriação do povo do
campo foi muito bem analisada por Marx, onde ele diz que:
Os capitalistas industriais, esses novos potentados, tiveram de deslocar, por
sua vez, não apenas os mestres-artesãos corporativos, mas também os
senhores feudais, possuidores das fontes de riquezas. Sob este aspecto, sua
ascensão apresenta-se como fruto de uma luta vitoriosa contra o poder feudal
e seus privilégios revoltantes, assim como contra as corporações e os
entraves que estas opunham ao livre desenvolvimento da produção e à livre
exploração do homem pelo homem. (...) O ponto de partida do
desenvolvimento que produziu tanto o trabalhador assalariado quanto o
capitalista foi a servidão do trabalhador. A continuação consistiu numa
mudança de forma dessa sujeição, na transformação da exploração feudal em
capitalista. Para compreender sua marcha, não precisamos volver a um
passado tão longínquo. Ainda que os primórdios da produção capitalista já
nos apresentam esporadicamente em algumas cidades mediterrâneas, nos
séculos XIV e XV, a era capitalista só data do século XVI. Onde ela surge, a
servidão já está abolida há muito tempo e o ponto mais brilhante da Idade
Média, a existência de cidades soberanas, há muito começou a empalidecer.
(MARX, 1984, pp. 262-263)
Na citação acima vimos também Marx tratar muito simples e rapidamente a
diferente do feudalismo, no capitalismo encontramos uma socialização do ato de
produzir, uma apropriação dos bens produzidos e da própria força de trabalho, não
havendo mais a associação do trabalho com o produto.
Em suma, a transformação original do dinheiro em capital se dá através das leis
econômicas da produção de mercadorias e com o direito de propriedade delas derivado.
No entanto, ela tem por resultado que o produto pertença ao burguês e não ao
trabalhador; que o valor desse produto inclua uma mais-valia (a qual custa trabalho ao
trabalhador, mas nada ao capitalista, e que, todavia torna-se propriedade legítima do
segundo) e então, por fim, que o trabalhador continue a manter sua força de trabalho e
podendo vendê-la de novo, caso encontre comprador. A chamada ―reprodução
simples‖139 (MARX, 1984) é apenas a repetição cíclica dessa primeira operação, onde,
139
Na seqüência de seus estudos sobre o processo de acumulação de capital, Marx desenvolve também
chamada ―reprodução em escala ampliada‖, onde o capitalista demonstra sua virtude burguesa pelo
consumo de apenas uma parte e a transformação do resto em dinheiro.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
―inversão‖ da apropriação do trabalho na mudança de modo de produção, onde,
361
sempre de novo, dinheiro é transformado em capital e a lei não é, portanto, violada, ao
contrário, ela obtém apenas a oportunidade de atuar permanentemente.
Pois diante breves explanações acerca do conceito de capitalismo e da
decomposição da estrutura econômica da sociedade feudal (esta que então liberou os
elementos para o desenvolvimento da estrutura econômica da sociedade capitalista),
pretende-se ainda, aqui, entender como autores de diversas vinculações políticas
manipulam fatores para construir um discurso a respeito do surgimento deste atual
modo de produção que tem, impreterivelmente, uma função ideológica.
O surgimento do capitalismo identificado com o crescimento do mercado
Os autores que defendem o liberalismo (destacadamente os economistas
clássicos ingleses, como David Ricardo, Adam Smith e Thomas Malthus) identificam o
surgimento do capitalismo com elementos que induzem a compreensão de que o
capitalismo desde sempre existiu. Para defender e justificar a razão do aumento do
lucro, afirmam que existe uma razão natural humana que levaria o ser humano a ser um
―homem econômico‖ (termo cunhado por Adam Smith), onde teria propensão natural
para trocar, comercializar e lucrar.
Dessa forma o início da Idade Moderna assistiria não ao surgimento de algo
novo, mas a vitória da propensão natural do ser humano para o comércio sobre as
em qualquer momento da história onde haja a prática de comércio e troca. O capitalismo
esteve, para tais, sempre latente esperando as condições ideais para se desenvolver.
Segundo esta visão, o capitalismo é o futuro inexorável da humanidade. O surgimento
do capitalismo, pois, explicitaria tão somente o desenvolvimento das melhores tradições
humanas; desenvolvimento esse que havia sido rompido injustificadamente pela Idade
Média e suas trevas.
A crítica de Polanyi e a compulsão do mercado capitalista
O historiador econômico e antropólogo Karl Polanyi apresenta uma crítica
bastante consistente ao padrão acima descrito. Para esse autor as formulações clássicas
não resistem a uma análise sólida da história do mercado. Para este, antes da Idade
Moderna, as trocas não eram o princípio dominante da vida econômica.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
injustificáveis amarras impostas pelo feudalismo. Esses autores percebem o capitalismo
362
Segundo Polanyi (POLANYI apud WOOD, 2001), nas formações sociais
anteriores (mesmo em sociedades com mercados bem estruturados) o comércio era
incentivado por razões sociais, religiosas, políticas, familiares e não pela busca
incessante pelo lucro. Para esse autor, é preciso ser diferenciada a sociedade com
mercados e a sociedade de mercado.
A diferença é que na sociedade capitalista o mercado passa a ser o regulador das
relações sociais: não há mais relações econômicas imersas nas relações sociais, mas, ao
contrário, há relações sociais imersas e mediadas pelas relações econômicas.
Da crítica de Polanyi nasce um paradoxo no discurso clássico e mercantil: se
houve sociedades em que a propensão ao lucro – mesmo sendo permitida e estruturada –
não regulava a atividade econômica, então a propensão ao lucro não é característica
natural do ser humano.
Outra contradição advém da observação de que, em que pese a ideologia
capitalista afirmar que o mercado é o símbolo da liberdade humana, a sociedade
capitalista (notadamente a formação social que mais desenvolveu o mercado) compele o
indivíduo a participar do comércio (uma vez que ele é o mediador das relações sociais,
inclusive de subsistência), não existindo então a liberdade de dele não participar, ou
seja, ao fim e ao cabo, não haveria liberdade para o indivíduo se existisse o destino
Em busca do fator distintivo
As reflexões feitas até aqui são suficientes para nos levar a crer que a discussão
pautada pelo surgimento do capitalismo se baseia, muitas vezes, em premissas de
caráter antes ideológico do que puramente científico. Também nos parece um
reducionismo deplorável querer enxergar germes do capitalismo onde e quando tenha
existido o comércio.
Parece-nos que o desafio principal para se definir onde e quando surgiu o
capitalismo está em definir o fator distintivo entre o capitalismo e as outras formações
sociais pré-capitalistas. Pelo pouco já analisado fica claro que não há apenas um fator
distintivo, mas uma série de fatores que se inter-relacionam.
Arriscamos dizer, segundo uma livre opinião, que entre os fatores principais
estão as classes sociais características da sociedade capitalista e a necessidade do
mercado como mediador das relações sociais. No entanto, apenas definir esses fatores
não é o bastante: a história da humanidade é mais complexa do que os conceitos gerais
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
manifesto da humanidade rumar, inevitavelmente, para o capitalismo.
363
(obtidos por abstrações) que a ciência histórica traça para compreendê-la.
Para a
intelectualidade é importante lembrar que a ciência, sobretudo as ciências humanas e
sociais, sempre constará uma redução, uma síntese do objeto estudado. Com isso,
porém, não queremos atacar a cientificidade do saber histórico, desejamos apenas
ressaltar que – como em todo estudo da história – as realidades sociais se movem de
acordo com lentos acúmulos e, portanto, existe um processo de transição também no
estudo do surgimento do capitalismo.
Sobre o surgimento das classes típicas da sociedade capitalista
Assim como as outras questões em debate, essa também tem gerado muita
controvérsia. Para entendermos parcialmente tal polêmica recorremos à discussão
travada entre Paul Sweezy e Maurice Dobb, acompanhada pela contribuição
imprescindível de H. K. Takahashi, Rodney Hilton e Christopher Hill.
Para o economista Sweezy que defendia, a grosso modo, a forma tradicional
(mercantil) de entender a transição entre feudalismo e capitalismo, a principal razão da
decomposição do modo de produção feudal foi o renascimento comercial e urbano. Para
ele o comércio e a cidade eram antagônicos ao sistema feudal. O crescimento comercial
teria gerado nas cidades a classe capitalista, os burgueses e que, junto ao que Dobb
(como veremos logo adiante) usa para referenciar o colapso do feudalismo, a fuga dos
(...) não há dúvidas de que o rápido desenvolvimento das cidades –
oferecendo, como ofereceu, liberdade, emprego e melhoria de condição
social – atuou como um poderoso imã à oprimida população rural. E os
próprios burgueses, necessitando de trabalho excedente adicional e de mais
soldados para fortalecerem o seu poderio militar, tudo fizeram para facilitar a
fuga dos servos à jurisdição dos seus senhores. (SWEEZY, P. M.; DOBB,
M.; TAKAHASHI, H. K.; HILTON, R.; HILL, s/d, p.30)
Já para Dobb e Hilton o motivo principal da decadência do sistema feudal seria a
superexploração da mão de obra camponesa, que teria gerado então uma abertura para a
luta de classes e com isso teria surgido um conjunto de produtores agrários voltados
para a produção mercantil e, então, daí é que surgiria a classe de capitalistas.
Para Takahashi em sua contribuição na discussão, definições conceituais gerais
do feudalismo e do capitalismo (tratadas por Dobb e Sweezy), não são meras questões
de terminologia, mas envolvem métodos de análise histórica. Assim, ele conclui que,
existindo apenas a escravatura, a servidão e o trabalho assalariado livre como forma
básica de trabalho, é errado separar a servidão do feudalismo como concepção geral.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
servos contribui para a incontrolável ascensão do capitalismo. Para Sweezy
364
Para ele a transição do modo de produção feudal para o capitalista não é simplesmente
uma questão de transformação nas formas das instituições econômicas e sociais. O
problema básico então seria o da mudança na forma existencial social da força de
trabalho.
Por fim, para Takahashi a causa central para o declínio do feudalismo e ascensão
do capitalismo não foi o comércio ou o próprio mercado, afinal ele entende que a
estrutura mercadológica está condicionada pela organização interna do sistema
produtivo. E ainda que faça análises de acordo com as particularidades de cada região
geográfica, em suma, acredita que
(...) o desenvolvimento da troca na economia camponesa, servindo o mercado
local diretamente ou os mercados mais distantes através dos mercados
intermediários, levou ao desenvolvimento da troca na economia dos
senhores, por outro lado, levou ao desenvolvimento das prestações de
trabalho. (SWEEZY, P. M.; DOBB, M.; TAKAHASHI, H. K.; HILTON, R.;
HILL, s/d., p. 96)
Em verdade compreende que quando a economia de troca ou monetária se
desenvolveu, foi quando o feudalismo desapareceu com maior clareza e mais facilidade.
Não está, portanto, entre os modestos objetivos desse trabalho aflorar as
divergências colocadas por tais economistas e historiadores. No entanto, parece-nos que
é preciso estar atento aos argumentos de Dobb e Hilton sobre o fato de importantes
centros comerciais europeus não terem gerado o capitalismo e nem a desagregação
Por outro lado, é preciso notar que Sweezy levanta importantes falhas no
pensamento de seus opositores. A maior delas é que Dobb caracteriza o declínio do
feudalismo e o surgimento do capitalismo como um mesmo processo econômico.
Apesar de atacar diversos fundamentos da lógica mercantil de ver a transição entre
feudalismo e capitalismo, Dobb acaba por reproduzir a concepção do capitalismo
sempre existente: bastou que a luta de classes (e não mais o desenvolvimento do
comércio) arrancasse os grilhões do feudalismo para que o capitalismo florescesse. Esse
autor acabou por enxergar a pequena propriedade mercantil e as formas pré-capitalistas
de comércio um protocapitalismo.
Síntese interessante nesse debate é a elaboração do historiador Robert Brenner
que no embate Sweezy-Dobb tendia a concordar mais com o segundo, porém não
negava as falhas do pensamento do mesmo. Brenner buscou superar as falhas de Dobb
procurando uma alternativa para a deterioração do sistema feudal e o surgimento do
capitalismo que não se baseasse na crença de que os agentes sociais teriam um
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
feudal.
365
comportamento capitalista latente esperando apenas uma oportunidade. Para Brenner –
e essa nos parece ser a opção teórica e metodológica mais correta – a questão está em
definir quando e em quais condições a luta de classes levou camponeses e proprietários
de terras a se comportar segundo os padrões capitalistas. Destaca ele que,
provavelmente, esse comportamento foi involuntário e inconsciente.
Esse historiador então partiu da análise de que o capitalismo não surgiu
primeiramente na Inglaterra. A desagregação feudal fez surgir realidades diversas nos
diversos Estados europeus. Como exemplo, cita que a referida desagregação enquanto
gerou o capitalismo na Inglaterra, gerou o absolutismo na França (para Brenner o
Estado absolutista era um estado feudal e não compunha uma transição do feudalismo
para o capitalismo).
Assim, Robert Brenner passou a estudar as circunstâncias que geraram o
capitalismo na Inglaterra. Este percebeu que, ao contrário da França onde os senhores
feudais ainda recebiam o excedente de produção em espécie, na Inglaterra havia um
sistema de arrendamento das grandes propriedades rurais que eram pagos em dinheiro.
Assim o excedente produzido era o lucro em moeda, só possível na produção voltada
para o mercado. Dessa forma a sobrevivência de arrendatários e dos proprietários
dependia do mercado e do incremento da produtividade.
Essa explicação de Brenner dá conta de responder a uma questão levantada por
produtor agrícola voltado para a subsistência chegar a ser o capitalista pelo simples
acúmulo de recursos. Nessa nova alternativa esse produtor já nasce capitalista,
dependendo do mercado.
Parece-nos que a análise de Brenner consegue identificar também o principal
elemento distintivo da sociedade capitalista: com sua pesquisa, esse historiador
demonstrou o processo que levou a sociedade inglesa a passar de uma sociedade com
mercados para uma sociedade de mercado. Assim, explicando o surgimento da classe de
capitalistas e demonstrando que esse processo gerou a primeira ―espécie‖ de
capitalismo: o capitalismo agrário. O capitalismo agrário inglês seria então o precursor
do capitalismo mundial. O imperialismo inglês teria por diversas vias e segundo
diversificadas realidades regionais internacionalizado o capitalismo.
Por fim, diante o complexo debate sobre o surgimento do capitalismo, é possível
estabelecer algumas premissas para que possamos nos movimentar dentro dessa sinuoso
reflexão. A primeira é perceber que o capitalismo se caracteriza pela existência de duas
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Sweezy. O economista afirmava que era inverossímil a possibilidade do pequeno
366
classes antagônicas: uma que nada possui e por isso vende sua força de trabalho para a
outra classe, a qual detém os meios de produção. A conseqüência dessa divisão da
produção é que as relações sociais passam a ocupar lugar de apêndice das relações
econômicas.
Outra observação, por hora conclusiva, é que nesse debate é preciso tomar
cuidado para não cair no erro de supor aquilo que se quer explicar. Ou seja: não
podemos presumir que sempre existiu um capitalismo para que possamos, enfim,
explicar o surgimento deste. Isto implicaria importar para as consciências dos homens e
mulheres
do
passado
conceitos
e
elaborações
que
são
absolutamente
da
contemporaneidade.
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Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das letras, 1990.
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Editora Contexto, s/d.
WOOD, Ellen Meikisins. A origem do capitalismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editora LTDA,
2001.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
SWEEZY, P. M.; DOBB, M.; TAKAHASHI, H. K.; HILTON, R.; HILL, C. Do feudalismo ao
capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, s/d.
367
OS NEGADORES DO HOLOCAUSTO NA HISTÓRIA, DIÁLOGOS
POSSÍVEIS? UMA REFLEXÃO ACERCA DAS POSSIBILIDADES DE
DIÁLOGO COM OS NEGACIONISTAS
Makchwell Coimbra Narcizo
Universidade Federal de Goiás
[email protected]
Em um trabalho que indague acerca das possibilidades de diálogo com os
negacionistas da shoah140, haverá uma reflexão sobre seus métodos, e jamais uma
discussão em torno do genocídio ou não de judeus e outros povos promovidos pelo
Será empregado o termo shoah, por considerarmos que há uma disputa em torno da administração da
memória do genocídio promovido pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, o termo
―holocausto‖ e ainda mais ―Holocausto‖ são termos cunhados com objetivos políticos e ideológicos. O
uso das aspas não objetiva menosprezar e tão pouco relativizar o sofrimento promovido pelos nazistas e
seus aliados durante a Segunda Guerra Mundial, mas sim, explicitar que o trabalho é feito tendo
consciência dessa disputa ideológica em torno do tema.
No mais, o termo holocausto tem suas origens no grego clássico: ὁλόκαυστον, ὁλον (todo) + καυστον
(queimado), que era uma espécie de ritual antigo em que plantas, animais e até mesmo pessoas eram
oferecidas a divindades, sendo totalmente queimadas. Tal ritual fora bastante difundido na antiguidade,
sendo utilizado pelos hebreus nos rituais de adoração a seu deus, Iaweh.
Prosseguindo na problemática envolvendo o uso do termo holocausto, encontramos respaldo em Giorgio
Agamben: holocausto é a transição douta do termo holocaustum, que é a tradução do termo grego
holókasutos (um adjetivo que significa literalmente ―todo queimado‖). O livro de Levítico traduz os
sacrifícios de quatro formas: olâh, hattât, shelamin e minhâ. A vulgata traduz o termo olâh como
holocaustrum, assim, os padres latinos passam a usar esse termo para indicar os sacrifícios dos hebreus.
Não demorou muito, para que esse termo fosse usado pelos padres como uma arma polêmica contra os
hebreus, sendo usado assim de Tertuliano a Agostinho. Esse último usa o termo ―holocausto‖ para se
referir ao sacrifício vicário de Jesus. Desde então, começa uma migração semântica que leva cada vez
mais o termo a ser entendido como ―sacrifício supremo‖. No entanto, o termo continuou a ser usado em
uma ―história secreta‖ do termo em um sentido polêmico contra os judeus. (AGAMBEN, 2008: 37-40).
Com tal conotação o termo holocausto tem sido rechaçado tanto por parte da comunidade judaica, tal
como o escritor Primo Levi quanto pelos cristãos, pois causa certo desconforto seu significado literal, já
que conota uma expiação dos pecados; assim, é teologicamente ofensivo considerar que o massacre de
judeus e outros povos durante a Segunda Guerra Mundial seja um sacrifício a Deus.
A vinculação do termo a um sacrifício extremo no sentido de entrega a Iahweh faz com que o termo seja
substituído por ―shoah‖ que é o que é feito no presente trabalho. Shoah (‫ )השואה‬que em iíndiche (dialeto
alemão falado por judeus ocidentais, que mistura alemão e hebraico) significa devastação, catástrofe, que
implica nos textos sagrados do judaísmo uma idéia de punição divina.
Ainda sobre a recusa do uso do termo holocausto no presente trabalho, nos respaldamos mais uma vez em
Agamben: ―[...] no caso do termo ‗holocausto‘, estabelecer uma vinculação, mesmo distante, entre
Auschwitz e o olâh bíblico, e entre a morte nas câmaras de gás e a ‗entrega total a causas sagradas
superiores‘ não pode deixar de soar como zombaria. O termo não supõe apenas, uma inaceitável
equiparação entre os fornos crematórios e altares, mas acolhe uma herança semântica que desde o início
traz uma conotação antijudaica. Por isso, nunca faremos uso desse termo. Quem continua a fazê-lo,
demonstra ignorância ou irresponsabilidade (ou as duas coisas ao mesmo tempo)‖. (AGAMBEN, 2008:
40).
Ainda ressaltamos o que fora dito no início, o termo ―holocausto‖ é uma forte ferramenta na disputa pela
administração da memória da história da Segunda Guerra Mundial, logo, será empregado no decorrer do
trabalho shoah, para referir-se ao genocídio promovido pelos nazistas e seus aliados durante a Segunda
Guerra Mundial.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
140
368
Nacional Socialismo Alemão141 e seus aliados, sendo isso desnecessário em termos
históricos, tendo em vista que dentro da própria historiografia existem provas
conclusões suficientes sobre tal evento.
A intenção é refletir acerca dos desafios que a negação da shoah implica para a
História, isso ocorre porque, não seriam tais dúvidas as mesmas que temos em relação a
nossa capacidade de estudo do passado? Ou seja, nossa capacidade de fazermos
História. Os problemas levantados pelos negacionistas tornam-se ainda mais
inquietantes por se tratar de um evento histórico bem próximo temporalmente, afinal,
não se trata de algum arqueólogo negando algo que ocorreu há dezenas de séculos, é a
negação de algo bem próximo a nós e com uma marcante conotação traumática
A negação da shoah ocorreu pela primeira vez em 1951, pelo historiador francês
e ex-interno do Campo de Concentração de Buchenwald Paul Rassinier,
especificamente com o livro: A Mentira de Ulisses (1951). Nesse livro consta uma
negação da existência das câmaras de gás e da ocorrência do holocausto, Rassinier
começava duvidando dos números do holocausto até chegar a sua negação por
completo. Depois que Paul Rassinier abriu precedência para que o holocausto fosse
negado, inúmeras obras negando o holocausto foram publicadas.
Entre os autores mais importantes do ―Negacionismo da shoah‖ está Robert
Faurisson, este autor é quem centraliza o debate sobre a negação do holocausto desde a
dezembro de 1978, o então professor de linguística da Universidade de Lyon publicou
no Le Monde os artigos: Genocídio por Telepatia, Explica Hilberg (1978) e O Problema
das Câmaras de Gás e o Rumor de Auschwitz (1978); Faurisson desde então é o grande
nome dos ―negacionistas‖. Com as publicações de Faurisson a negação do holocausto
chega ao grande público, o que outrora era distribuído de forma panfletária atinge o
mercado editorial.
A negação da shoah causa desconforto na sociedade ocidental em todas as áreas,
na História não poderia ser diferente, afinal não seria esta incumbida de fazer com que
aprendamos com o passado e não caiamos nos mesmo erros? Mas a questão é bem mais
complexa que isso, os negacionistas tentam se inserir na academia, alegando que o que
fazem é uma ―revisão da história‖.
141
NSDAP – Partido Nacional-Socialista, também conhecido como Partido Nazista ou partido Nazi. Que
chegara ao poder com Adolf Hitler em 1933.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
década de 1970, isso se dá porque no final da referida década, especificamente em
369
Não seria um revisionismo algo frutífero em História? Revisões em História não
acontecem constantemente? Sim, sabemos que as verdades que extraímos do passado
estão em constante movimento, o que faz com que o conhecimento histórico seja algo
fascinante, mas no caso dos negacionistas, sua visão de revisão histórica é
comprometida por um aparato ideológico que direcionam suas respostas.
A princípio existe um legítimo ―Revisionismo Histórico‖, que constituem
escolas históricas que enfrentam outras quando novas problemáticas ou novos tipos de
documentos aparecem; que diferenciamos do (auto) intitulado ―Revisionismo do
holocausto‖, que será tratado mais especificamente do ―Negacionismo do shoah‖. Essa
diferenciação entre ―Revisionismo Histórico‖ e ―Revisionismo da shoah‖ mais
especificamente o ―Negacionismo da shoah‖ torna-se necessária para que seja feita uma
distinção entre revisões históricas, pautadas em métodos acadêmicos e os que negam a
shoah transplantando ações da esfera da política para o meio acadêmico. Esta passagem
para o meio acadêmico é feita muitas vezes burlando regras e desconsiderando práticas
exigidas para transitar nesse espaço. Nas palavras de Pierre Vidal-Naquet ―Negar a
história, não é revisá-la‖ (VIDAL-NAQUET, 1988: 171).
Na busca de um possível diálogo com os negacionistas, é necessário ressaltar
que existe uma disputa em busca da administração da memória e da história da II
Guerra Mundial. Se por um lado existem os negacionistas, que usam a história como
Faurisson, Fred Leuchter, Roger Garaudy, Arthur Butz e Bernard Lewis, e pelo
pensamento que influenciou todo esse grupo: Paul Rassinier e Maurice Bardèche.; por
outro, existe o grupo dos ―exaltadores da shoah‖, grupo que explora o evento para
justificar ações em diversos campos, como o econômico e político, sustentam a tese que
esse é o evento mais importante para o estudo da História no século XX, promovendo
uma espécie de instrumentalização do genocídio nazista. O que segundo Agamben, é
uma forma de ―adoração em silêncio‖, adoração que segundo esse é feita comumente a
um deus (AGAMBEN, 2008: 42), esse grupo tem marcante ligação com o governo
sionista israelense. Tal grupo tem como principais representantes: Elie Wiesel, Israel
Gutman, Daniel Goldgharen e Deborah Lipstadt.
Os negacionistas constantemente colocam-se contra o Estado de Israel,
defendem que fora tal Estado quem criou o ―holocausto‖, aqui está uma importante
armadilha que os negacionistas propõem a seus leitores, o fato de atacar o Estado de
Israel é compreensível, afinal esse é de fato um Estado violento, mas relacionar isso a
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
campo de afirmação de suas ideologias, tendo como principais representantes: Robert
370
uma organização que segundo os revisionistas existia antes da Guerra é absurdo, uma
coisa é o Estado de Israel ser comprovadamente violento, outra é acreditar ou
argumentar que o genocídio hitlerista não existiu e que é uma invenção desse Estado.
Existem dois lados altamente antagônicos da mesma história e ambos podem
estar equivocados. Obviamente o estudo da II Guerra Mundial e da shoah não é feito
apenas por esses dois grupos, existem outros historiadores com competência acadêmica
comprovada que trabalham a temática, dentre os quais podemos destacar: Saul
Friedländer, Raúl Hilberg, Christopher Browning, tal como o professor Luis Milman,
esses historiadores apesar de sua comprovada competência tem bem menos exposição
na mídia e fama que o grupo liderado por Elie Wisel. O que queremos explicitar aqui é
justamente uma disputa em torno do tema, disputa essa, que o grupo dos ―exaltadores‖
busca silenciar o grupo dos negacionistas.
Outro ponto a ser destacado no que diz respeito a um possível diálogo com os
negacionistas, é uma questão de elevada importância para nós historiadores, pois diz
respeito à indagação acerca dos negacionistas fazerem história ou não? Essa questão
perpassa obviamente por uma discussão acerca de o que seria então história? Entretanto,
não será feita essa discussão no presente trabalho pelo curto espaço que caracteriza o
mesmo, podendo ser feita em outra ocasião, porém explicitaremos métodos adotados
pelos negacionistas no que diz respeito à construção de seus trabalhos.
negacionistas, Jacques Rancière salienta que o ―Revisionismo do holocausto‖ é uma
―supressão pura e simples do objeto da história‖ (RANCIÈRE, 1995: 244). Para
Rancière o modo de se pensar e escrever História, após os Annales, opõe acontecimento
à mentalidade. O medo do anacronismo acaba por submeter o real ao possível, assim, os
historiadores procuram encadear o acontecimento em uma conjuntura necessária, para
que esse possa ser caracterizado como real.
É neste ponto que os argumentos negacionistas ganham espaço, já que os
―Negadores do holocausto‖ formulam seus argumentos de uma forma racionalmente
ordenada, de uma forma semelhante aos historiadores que não corroboram com suas
teses, (RANCIÈRE, 1995: 240-241). O que Rancière demonstra, é que os negacionistas
montam suas teses fazendo uso da mesma racionalidade usada por historiadores não
negacionistas, ou seja, correspondem a certo padrão acadêmico.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Primeiro ponto a ser destacado, é o jogo entre real e imaginário feito pelos
371
Acerca da racionalidade com que os argumentos negacionistas são postos, existe
certa confusão, confunde-se a irracionalidade de seus argumentos, com a forma como
tais argumentos são postos, vejamos isso em Deborah Lipstadt:
Necessitamos nos ocupar da questão porque as forças da Razão são
vulneráveis e porque a sociedade é suscetível a idéias aberrantes. As pessoas
habitam reinos imaginários e irracionais, a exemplo das pessoas que negam a
existência de Auschwitz, criam correntes de opiniões poderosas, em termos
históricos como o próprio nacional-socialismo. LIPSDARDT, 1994: 48,
Apud: KRAUSE-VILMAR, 2000: 97).
Podemos notar, que não há uma definição clara se o que não é racional é a forma
argumentativa ou o argumento exposto pelos negacionistas. No que diz respeito da
aceitação ou não dos trabalhos negacionistas enquanto História, não devem ser pautadas
no conteúdo de seus trabalhos, afinal ninguém em sã consciência nega que o NSDAP e
seus aliados tenha promovido um genocídio durante a II Guerra Mundial, o problema
trazido pelos negacionistas é justamente a forma como expõem seus argumentos, essa
forma sim, corresponde a certa racionalidade comum entre os historiadores.
Ao analisarmos essa forma nos deparamos com dois pontos importantes: a forma
que tratam os documentos e sua base conceitual. Nestes pontos sim, encontramos erros
importantes a ser salientados.
Características marcantes entre os negacionistas, é sua capacidade de isolar
determinados documentos em relação aos fatos que compõem seu contexto e sua
negacionistas apresentam um grande esforço de investimentos empíricos, que se
tratando no caráter histórico, químico ou técnico, muitas vezes causam perplexidade em
um leigo em matéria de química e História, tanto pela técnica quanto pela quantidade de
material apresentado, ocorrendo para Kause-Vilmar uma tentativa elaborada de
descontextualizar os documentos de seu contexto histórico-político.
Para Rancière isso ocorre porque a argumentação negacionista se sustenta da
seguinte maneira:
A provocação negacionista não se sustenta pelas provas que opõe ao acúmulo
das provas adversas. Ela se sustenta porque traz cada uma das lógicas que ali
se enfrentam a um ponto crítico em que a impossibilidade se encontra
comprovado sob tal ou qual de suas figuras: falta na cadeia, ou
impossibilidade de pensar o encadeamento. Ela obriga então essas lógicas a
executar uma corrida em que o possível é sempre alcançado pelo impossível,
e a verificação do acontecimento pelo pensamento de seu impensável.
(RANCIÈRE, 1996, p. 129).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
conjuntura histórica. Para Ditfrid Krause-Vilmar (2000: 104) acredita que as pesquisas
372
Rancière defende que os argumentos negacionistas consistem em uma ameaça a
um sistema consensual, assim, o autor expõe que as afirmações negacionistas só são
possíveis perante uma desestabilização de tal sistema, já que os negacionistas agem
onde o pensamento inclina-se diante do impensável.
O que os negacionistas fazem, quando em seus argumentos isolam fatos,
buscando que esses não sejam ligados pelos historiadores, estão simplesmente fazendo
uma enumeração do interminável e divisão do infinito. Rassinier em 1950 defendia que
faltavam documentos para transformar os fatos em acontecimento e duvidava que um
dia esses pudessem ser encontrados; mesmo hoje havendo documentos em abundância,
a provocação negacionista não cedeu, na verdade conseguiram mais adeptos.
(RANCIÈRE, 1996, p. 128).
Com essa enumeração do infinito conseguem fazer um jogo perigoso com a
verdade, se as vítimas das câmaras de gás não podem testemunhar, logo as câmaras não
existiram, assim tais vítimas também não existiram. É um argumento que usa a razão
para respaldar uma mentira, já que sabemos bem que uma vítima não pode dar
testemunho de sua morte, o que não exclui como vítima. Para Pierre Vidal-Naquet
(1988: 31) o que os negacionistas buscam é colocar as câmaras de gás como balizadoras
da verdade sobre o genocídio, buscando negar o genocídio com a negação da
materialidade das câmaras. Com essa tentativa de materialidade, acabam por excluir
das câmaras de gás, não se vai atrás de aprofundar sobre o sistema totalitário. Assim,
para Naquet (1988: 34), os revisionistas não trazem uma visão crítica para o assunto,
apenas uma enumeração de documentos e fatos isolados.
A respeito da base conceitual que rege os trabalhos negacionistas é que seus
trabalhos encontram mais problemas, sua base conceitual é o anti-semitismo puro e
simples. É partindo do anti-semitismo que os negacionistas estabelecem toda sua
argumentação, é o mesmo anti-semitismo embasado em concepções racistas que
levaram Hitler ao poder, mas tem havido uma pequena troca nesse quesito, deixam de
lado as questões biológicas e colocam questões culturalistas, não se busca mais uma
raça pura, busca-se uma ―identidade cultual autêntica, o ódio da raça é transposto para o
ódio da tradição (MILMAN, 2000: 147).
Essas concepções fazem com que os principais argumentos dos negacionistas
partem de um pressuposto mitológico e mistificatório, já que na base de seus
argumentos existe uma suposta guerra que os judeus europeus declararam aos alemães.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
toda a carga cultural por trás de tais atos. Ao ficar rodando em torno da funcionalidade
373
Sabemos que não existe provas históricas que comprovem tal tese, os argumentos
negacionistas são cocados basicamente em um documento que tem sua autenticidade
questionada: Os protocolos dos sábios de Sião. Argumentos partindo desse pressuposto
são inaceitáveis, pois como expressa Vidal-Naquet (1988:65): ―O que houve não foi
uma guerra, foi um genocídio.‖
Sob esse aspecto, os críticos do negacionismo têm razão em acusá-los de trocar a
História pelo mito, sendo assim, cria-se um perigo real em História, vejamos no
argumento de Pierre Vidal-Naquet:
Substituir a história pelo mito é um procedimento que não ofereceria perigo
existisse um critério absoluto para distinguir a primeira vista um do outro. É
próprio da mentira apresentar-se como verdade. É claro que essa mentira nem
sempre tem vocação universal. Pode ser verdade nas mãos de uns poucos
(Vidal-Naquet 1988:81).
Essa verdade nas mãos de poucos, que nem é uma verdade, mas é a sua verdade
faz constituir uma seita perigosa no que diz respeito ao conhecimento histórico, não se
pode construir uma história sem colocar suas concepções de verdade para dialogar com
O compromisso com a verdade é um princípio geral da investigação
científica. Não se trata de uma metodologia acabada. Há muitas razões
metodológicas que tornam questões históricas factualmente sombrias e
mesmo indecidíveis; mas, nestes casos, tais razões devem ser claramente
expostas. Esta é uma questão epistemológica fundamental. Fora da
perspectiva racional (que envolve condição reflexiva, critérios metodológicos
definidos e de alcance intersubjetivo) não há como ensaiar a mais trivial das
conclusões, porque não há como escolher entre afirmar uma hipótese e negála. Nesse caso, quando o imaginário e o ideológico assumem a dianteira de
uma análise que se pretende racional, o discernimento acerca do próprio
assunto em discussão se esvai; e, sem ele, métodos de pesquisa comparada,
de investigação de fontes e análise das evidências propriamente ditas,
tomam-se simplesmente inúteis. (MILMAN, 2000: 147).
Essa advertência não é apenas para os negacionistas, mas para todos que fazem a
história da II Guerra Mundial e especialmente da shoah, o diálogo deve ser feito para
que as verdades sejam confrontadas, a intenção não é opor uma escola
―exterminacionalista‖ de uma escola ―negacionista‖, até porque isso seria absurdo, um
diálogo para discutir ideologias é desnecessário no que diz respeito a esse tipo de
abordagem que propomos em História, mas um diálogo um necessário na medida em
determinadas concepções de verdade tendem a ser absolutizadas.
O diálogo jamais será possível se for discutido o conteúdo de seus argumentos,
nem mesmo vemos a utilidade real disso em História, mas essa discussão deve ser
pautada sobre a forma que esses argumentos são expostos, afinal a História tem seus
atributos próprios que a distingue de outras formas de conhecimento, para ser defendido
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
as outras. Até porque, como defende Luis Milman:
374
algo dentro da ciência história esses atributos devem ser minimamente respeitados,
podendo até ser questionados, desde que sejam apresentadas alternativas plausíveis e
que essas alternativas não se embasem em erros outrora cometidos e extirpados da
História. É sim, função do historiador arrancar a História das mãos de ideólogos.
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III). São Paulo: Boitempo, 2008.
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extremismo político. Porto Alegre: Ediufrgs, 2000. P 97-114
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Neonazismo, negacionismo e extremismo político. Porto Alegre: Ediufrgs, 2000. P 115-151.
RANCIÈRE, Jacques. A Partilha do Sensível: estética e política. São Paulo: Ed. 34, 2005.
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__________________. Políticas da Escrita. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.
VIDAL – NAQUET, Pierre. Os Assassinos da Memória: o revisionismo na história.
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RASSINIER, Paul. The Holocaust Story and the Lies of Ulysses. Disponível em:
<http://www.ihr.org/books/rassinier/debunking.shtml>. Acesso em 10 de ago. de 2009.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Sites:
375
SIMPÓSIO TEMÁTICO 7 – HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR E DO
ENSINO DE HISTÓRIA
Coordenação: Prof.ª Dr.ª Betania de O. L. Ribeiro e Prof. Dr. Sauloéber Társio
de Souza
A CONCEPÇÃO DE ENSINO PENSADA POR ROBERTO MANGE- A FORMAÇÃO DE
MÃO DE OBRA SENAI: A ESCOLA DO SENAI –PR.....................................................379
Desirê Luciane Dominschek
A EDUCAÇÃO ESCOLAR E A IMPRENSA EM ITUIUTABA ........................................... 390
Jennifer Maria P. Matos , Isaura Melo Franco e Sauloéber Tarsio de Souza
A EDUCAÇÃO FÍSICA NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO TIJUCANA (1942-1964) ......... 400
Andréa Azevedo de Oliveira, Thais Parreira de Freitas Oliveira e André Luis Parreira
CURRÍCULO, CULTURA E RELAÇÃO DE PODER ........................................................... 415
Diana Lima Pereira
EDUCAÇÃO PARA O TRABALHO: REFLEXÕES EM TORNO DA GENÊSE DO
COLÉGIO COMERCIAL OFICIAL DE ITUIUTABA (DÉCADA DE 1960) ....................... 423
Jóbio Balduino da Silva
ENSINO MÉDIO NOTURNO COMO ALTERNATIVA ....................................................... 434
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PÓS LDB 9694/96: CONTEXTO E REALIDADE ........ 443
Angélica Bisinoto da Silva, Lorraine Cristina da Silveira Pereira e Armindo Quillici
Neto ....................................................................................................................................... 443
IRONIDES RODRIGUES: VIDA E OBRA DO GRANDE E POUCO CONHECIDO
INTELECTUAL NEGRO ......................................................................................................... 456
Gilca Ribeiro dos Santos
O IDEÁRIO DE ESTUDANTE/ALUNO REPRESENTADO NOS JORNAIS DE
ITUIUTABA-MG (ANOS 50 E 60) ......................................................................................... 464
Isaura Melo Franco e Sauloéber Tarsio de Souza
A PRÁTICA DE FESTAS JUNINAS: A DESCONSTRUÇÃO DE UMA HERANÇA ......... 476
Layra Sarmento ................................................................................................................... 476
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Bruno Taumaturgo Bandeira e Maria Angélica da Costa Silva
376
PERSPECTIVAS DE FORMAÇÃO DAS PROFESSORAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL E
ENSINO FUNDAMENTAL: AS CONTRIBUIÇÕES DO CURSO DE PEDAGOGIA APÓS A
PUBLICAÇÃO DA LDB 9394/96 ........................................................................................... 488
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Carla Lisboa Andrade, Jaqueline Andrade Calixto e Armindo Quillici Neto
377
A CONCEPÇÃO DE ENSINO PENSADA POR ROBERTO MANGE- A
FORMAÇÃO DE MÃO DE OBRA SENAI: A ESCOLA DO SENAI –PR
Desirê Luciane Dominschek
Mestre em Educação –História e Historiografia
da Educaçã/UFPR
Desde que assumiu o Ministério em 1934, Gustavo Capanema mostrou seu
interesse em desenvolver um amplo programa que aumentasse o número de
estabelecimentos destinados a formar mão de obra para a indústria. Naquele mesmo
ano, o Ministro Capanema formou uma comissão com este intuito, do qual fazia parte
Roberto Mange (do Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional); Lourenço
Filho (Diretor do Instituto de Estudos Pedagógicos); Leon Reunault (Diretor do
Patronato Agrícola João Pinheiro); Joaquim Faria Góes Filho (Superintendente da
Educação Secundária e Técnica do Distrito Federal); Horacio da Silveira
(Superintendente da Educação Profissional e Doméstica de São Paulo); Artur Torres
Filho (Diretor do Serviço de Econômia Rural); Lafaiete Belfort Garcia (Diretor da
Divisão de Ensino Comercial); e, Rodolfo Fuchs (Inspetor do Ensino Industrial)142.
A comissão teve seis meses de trabalho, de discussões e debates intensos,
resultando no Decreto nº. 6.029, assinado em 26 de julho de 1940 por Vargas, decreto
este que regulamentava a instalação e funcionamento dos cursos profissionais previstos
Segundo Fonseca143, a solução não era ainda definitiva, nem as autoridades do
ensino ficariam adstritas a elas. As idéias estavam em marcha, buscava-se uma solução
que acelerasse o ritmo e incrementasse as atividades do ensino de ofícios.
Havia uma comissão que trabalhava desde 1936 na elaboração de uma lei que
abrangesse todos os aspectos do ensino profissional. Mas, conforme aponta Fonseca, foi
em janeiro de 1942, sob o nome de Lei Orgânica do Ensino Industrial, que surgiu a tão
esperada legislação que, pouco mais tarde, daria espaço à criação do SENAI — criado
com o Decreto-lei nº. 4.048, de 22 de janeiro de 1942.
O decreto nº. 6.029 de julho de 1940 não seria modificado; ele daria lugar, no
entanto, já em 1942, a dois decretos quase simultâneos, um criava o Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial, o SENAI, conforme as aspirações da
indústria e do ministério do trabalho; e o outro que definia a Lei Orgânica do
Ensino Industrial, oriundo das idéias e propósitos da área da Educação. A
142
De homens e máquinas, p. 114.
143
FONSECA, Op. cit.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
no Decreto nº. 1.238, assinado no ano anterior.
378
partir daí, os dois teriam que conviver. Na fórmula encontrada pelo ministro,
o SENAI se encarregaria da ―formação profissional dos aprendizes‖, e seria
tão somente uma peça, delegada a Federação Nacional das Indústrias, do
amplo painel de ensino profissional estabelecido pela lei orgânica. Todavia,
não deixa de ser sintomático que o projeto do SENAI, que só merece oito
linhas na longa exposição de motivos de 5 de janeiro de 1942 com a qual
Capanema encaminha a Lei Orgânica, termine sendo assinada em primeiro
lugar.144
Em 1942 era criado o SENAI, sendo esta instituição organizada e mantida pela
Confederação Nacional das Indústrias, ofertando diversos cursos de aprendizagem,
aperfeiçoamento e especialização, além de possibilitar a reciclagem do profissional.
Depois de verem concretizadas as primeiras medidas governamentais para a
regulamentação do SENAI, cabia aos industriais montar o sistema que sustentaria a
aprendizagem industrial em todo país, a fim de instalar os diversos Departamentos
Regionais — células responsáveis pela implantação do sistema. Também foram criadas
regiões administrativas, de acordo com as respectivas atividades industriais. Deste
modo, em 1942, o SENAI estava organizado, nacionalmente, em dez regiões.
Ao avaliar o desenvolvimento do SENAI nos seus primeiros seis anos de
funcionamento, o relatório de 1948, editado pelo Departamento Nacional, em janeiro de
1949, considerava que a história da jovem instituição apresentava três fases distintas:
a)
a implantação do Departamento Nacional e dos órgãos locais com
b)
a compra de terrenos, com projeto de prédios definitivos;
c)
a atenção ao problema da qualidade de ensino e do rendimento escolar145.
O SENAI sustentava suas atividades, inicialmente, com a arrecadação de 2 mil
réis mensais, por empregado das empresas filiadas à Confederação Nacional da
indústria. Quanto ao Departamento Nacional, sua instalação só ocorreu em 3 de agosto
de 1942, no Rio de Janeiro, em solenidade presidida pelo Ministro da Educação,
Gustavo Capanema146.
Importa ressaltar que essa rede de ensino de âmbito empresarial era ambígua.
Cunha assinala que esta ambigüidade se dá em uma dimensão pública e privada do
SENAI, em decorrência do corporativismo do Estado Novo. Enquanto protagonista do
desenvolvimento econômico, empenhado na industrialização, o Estado foi capaz de
144
SCHWARTZMAN, S. Tempos de Capanema. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 254-255.
145
SENAI. Histórias e percursos. Departamento Nacional (1942-2002), Brasília ,2002.
146
SENAI, Op. cit., p. 25.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
prédios alugados;
379
perceber a necessidade do capital na formação da força de trabalho necessária à sua
reprodução ampliada, antes mesmo dos próprios capitalistas. Estes por sua vez,
incapazes de tomarem as iniciativas, chegaram a impor resistência aos encargos
financeiros que lhes foram atribuídos147.
Mas quem faria a manutenção desta instituição, de onde viriam os recursos
financeiros? O Decreto nº 4.48/42 estabelecia que a manutenção do SENAI seria feita
pelos estabelecimentos industriais, os quais seriam obrigados ao pagamento de uma
contribuição mensal destinada às escolas de aprendizagem, sendo que a arrecadação
dessa contribuição deveria ser feita pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos
Industriários (IAPI) e repassada ao SENAI.
O ensino industrial assumiu um papel relevante na formação da mão de obra,
principalmente no contexto da industrialização do país. Tal foi sua importância que
verificamos, a partir de 1942, tanto o Estado como a Confederação Nacional das
Indústrias patrocinando esse ensino.
Havia, pois, dois tipos de ensino industrial: um compreendia a aprendizagem sob
o controle patronal, ligado ao SENAI; outro, sob a responsabilidade direta do Ministério
da Educação e Saúde, constituía-se do ensino industrial básico.
A partir da lei orgânica do ensino industrial, organizou-se o ensino industrial
oficial, que ficou dividido em dois ciclos: o primeiro, chamado de fundamental, era
curso de mestria de dois anos; o segundo ciclo, com duração de três a quatro anos,
destinava-se a formação de técnicos industriais. Santos148 comenta que ―era oferecido
nesse mesmo ciclo o curso de formação pedagógica, com o intuito de habilitar
professores para lecionar no ensino industrial‖.
O SENAI vem atender as exigências da expansão industrial brasileira, que
demandava uma formação mínima do operariado, a qual teria de ser feita de modo
eficaz e mais prático. E como assinala Weistein, segundo Raphael Noschese, membro
do Conselho Regional do SENAI na década de 1940: ―o SENAI aprontava os homens
para o mundo, não era para a fábrica do João, do Pedro e do Paulo. A nossa finalidade
não é fazer um operário para você, é para São Paulo, para o Brasil‖149.
147
CUNHA, Op. cit., p. 46.
148
SANTOS, Op. cit., p. 271.
149
WEISTEIN, B. (Re) formação da classe trabalhadora no Brasil (1920-1964). São Paulo: Cortez,
2000, p. 191.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
ministrado em três ou quatro anos, e havia também o ciclo básico, que compreendia o
380
Porém muitos
industriais entendiam o SENAI como uma instituição
governamental que estava lá só para tirar o dinheiro deles. Com esta visão, as indústrias
enviavam seus aprendizes menos promissores, os ―piores alunos‖, ao SENAI, pois eles
consideravam o programa como perda de tempo, mas logo se percebeu que os alunos
formados pelo SENAI eram melhores150.
Segundo Weinstein, o SENAI era inovador em sua estrutura e em seu caráter ao
mesmo tempo público e privado, mas deparava-se com grande ceticismo entre os
industriais. Mas mesmo com todo esse ―ceticismo‖ pela parte dos industriais, a imagem
do SENAI se fortaleceu, transformando os jovens menos capazes em operários
competentes, conquistando assim uma relativa confiança dos industriais.
A equipe do SENAI considerava que os alunos tinham uma educação formal
deficiente e baixo padrão de vida e, ainda, destacavam que os alunos tinham padrões
morais insuficientes, maus hábitos de trabalho e pouca ―cultura‖.
Weinstein aponta que houve um estudo feito no SENAI para definir o perfil da
média de seus aprendizes. O psicólogo responsável por este estudo concluiu que o aluno
do SENAI não poderia ser considerado um adolescente comum, porém, ponto de
convergência de influências deformativas da personalidade: falta de assistência familiar,
trabalho desinteressante, má habitação e alimentação, ambientes inadequados, longo
convívio com adultos mal-educados, precocidade de responsabilidades etc151.
também levados a aproximar-se da imagem que o SENAI tinha do bom operário. O
esforço para produzir um bom operário começava com uma série de testes a que eram
submetidos todos os candidatos ao SENAI. A divisão de Seleção e Orientação
Profissional usava esses testes não apenas para verificar se o candidato possuía as
condições físicas e formação escolar necessárias, mas também para descobrir se as reais
aptidões do aprendiz o qualificavam para outro ofício que não fosse o que tivesse
escolhido para aprender e, se fosse este o caso, encaminhavam o pequeno aprendiz para
o curso mais adequado. Weinstein152 afirma que estes testes tiveram um sucesso
150
Ibid., p. 190.
151
Ibid., p. 144. ‖O Aluno Senai‖. informativo Senai n. 11(setembro de 1946): O Conceito de comum de
d´Avila, psicólogo que fez o estudo não refletia a preponderância numérica, uma vez que os adolescentes
da classe operária eram mais numerosos no Brasil que os membros da classe média tomados como
referência pelo autor.‖Normativo seria um termo mais apropriado para o que D´Avila chama de
―comum‖.
152
WEINSTEIN, Op.cit., p. 144.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Desta forma, os alunos aprendizes precisavam não apenas ser treinados, mas
381
relativo, pois os dirigentes do SENAI muitas vezes comentavam a tendência que os
alunos tinham de se concentrar nos cursos de torneiro mecânico, mesmo quando
considerados habilitados para ofícios que ofereciam melhores oportunidades de
emprego.
Uma vez admitido no programa, o processo de socialização do aprendiz
continuava nas oficinas e salas de aulas das escolas do SENAI. A instituição sempre
apresentava sua instrução prática como puramente técnica, e todo o seu programa como
ideologicamente neutro, mas Roberto Mange defendia o método de Formação
Seqüencial como um meio de incutir disciplina e eficiência nos operários aprendizes.
O SENAI acreditava em uma educação moral cívica, mas também considerava a
oficina como um lugar de socialização, com ênfase na ordem, autocontrole e hierarquia.
Para Weinstein,
a própria concepção do SENAI refletia o conceito de Mange de uma
hierarquia industrial composta rigidamente, em ordem ascendente, por
trabalhadores não-especializados (braço anatômico), trabalhadores semiespecializados (braço atento), operários especializados (braço pensante), e
encarregados da supervisão (braço pensante e dirigente). Nas palavras de
Evaldo Lodi, pronunciadas na inauguração da Escola Roberto Simonsen do
SENAI: ‗Nas escolas industriais do SENAI, a ordem primorosa, a
pontualidade exata, a limpeza irrepreensível, a obediência constante, o
sentido de hierarquia constituem lições vivas que embebem todos os
jovens‘.153
No Paraná, no SENAI de Curitiba, um aluno assim descrevia a sua escola no
O SENAI é uma escola a qual os alunos devem muito do seu
aperfeiçoamento. è nela que entram os que desconhecem uma profissão,
saindo, após a aprendizagem, oficiais. Aqui, nesta grande escola, só não
aprende quem não quer. Ha muitos que não a merecem e, no entanto aqui
estão, no lugar de muitos que seriam melhores. È por meio dos mestre, que
Curitiba, o Paraná, o Brasil, cada vez mais vão possuindo mecânicos,
marceneiros, eletricistas, soldadores, afiadores, gráficos, pedreiros – gente
especializada, homens úteis em todos os ramos. Estudemos com arrojo e
coragem não só nas oficinas, mas na teoria também Salve o SENAI, uma das
melhores escolas do Paraná. Ademar Cunha – 4º CAO154
Era esta a imagem ideal desenvolvida por Roberto Mange155 e partilhada por
seus colaboradores, a de uma instituição de formação orientada para operários de menor
153
Ibid., p. 145.
O ESCUDO, edição de out. 1950.
155
Roberto Mange nasceu em Vevey, na Suíça, a 31 de dezembro de 1886, tendo obtido o diploma de
estudos primários em Portugal, secundários na Alemanha e de engenheiro pela Escola Politécnica de
Zurich, em 1910. Em 1913, com 28 anos, veio para o Brasil, pelas mãos de Paula Souza, contratado para
a cadeira de Mecânica Aplicada as máquinas, na Politécnica de São Paulo, onde lecionou pelo espaço de
40 anos, cargo em que se aposentou, sendo declarado Professor Emérito em 1953. Em 1923, fundou,
junto ao Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, a Escola Profissional Mecânica, onde elaborou, com um
154
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
início da década de 1950:
382
idade que teriam uma instrução teórica alternada com a experiência prática em seu local
de trabalho. Roberto Mange trouxe para o SENAI sua longa experiência como diretor
do IDORT e como professor de engenharia mecânica na escola politécnica, e sua
enorme bagagem intelectual, com teorias sobre métodos adequados para a formação e
socialização dos industriários aprendizes.
A organização, a disciplina se refletiam em todas as escolas do SENAI,
marcando claramente o tipo de cultura institucional que o aluno-aprendiz deveria aceitar
e internalizar.
A organização do SENAI difere profundamente da rede de escolas
Industriais, pois se destina a aprendizes que já pertencem à indústria e que
ganham salários, mesmo nos dias em que freqüentam as Escolas de
Aprendizagem do SENAI, ao passo que os alunos das escolas Industriais são
exclusivamente alunos e freqüentam a escola a custa própria. 156
Contudo o SENAI-SP em seus primeiros anos encontrou algumas dificuldades
de ordem estrutural e pedagógica:
Durante os seis primeiros meses de 1942 a recém-formada administração do
SENAI/SP vasculhou a capital e o interior em busca de instrutores,
instalações adequadas para cursos, e potenciais estudantes. Oferecendo
salários 20% acima dos que eram pagos pelas escolas públicas, o SENAI teve
pouca dificuldade em atrair uma equipe docente para matérias convencionais
como português e matemática. O recrutamento de instrutores para tarefas
práticas, que deveriam fazer um exame de qualificação e ter pelo menos
cinco anos de experiência na indústria com o respectivo tipo de
especialização, revelou-se mais difícil.157
que a população de baixa renda, desejosa de se profissionalizar, encontrasse nos cursos
do SENAI condição ideal, mesmo porque os alunos eram pagos para estudar, ou seja,
grupo de estudiosos, as conhecidas séries metódicas de ofícios. Em 1929, partiu para a Europa, tendo
ocasião de estudar na Alemanha a aprendizagem de operários nas estradas de ferro daquele país. Dois
anos depois, com Armando Salles Oliveira, Gaspar Ricardo, Geraldo de Paula e Souza, Aldo Mario de
Azevedo, Lourenço Filho e outros, fundou o Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT),
destinado a: aumentar o bem estar social por meio de uma organização adequada a cada setor do trabalho
e cada atividade; estudar, difundir e aplicar os princípios, métodos, regras e processos da organização
científica do trabalho; evitar o desperdício sob suas múltiplas modalidades; dar o máximo de rendimento
com o mínimo de toda segurança; quer sob o ponto de vista de atingir de forma plena a sua finalidade,
quer sob o aspecto de eficiência qualitativa e quantitativa de operações. Assegurar administrações
cientificamente exercidas. De 1940 a 1942, cuidou ele, em colaboração de outros expoentes da indústria,
da fundação do SENAI, do qual foi o primeiro Diretor Regional em São Paulo, exercendo o cargo até sua
morte em 1955. Com a concepção humanissima que teve, especialmente quando diretor do SENAI, dos
múltiplos interesses e necessidades do aluno-aprendiz, o que fez brotar de sua generosidade e bondade,
inúmeras obras de assistência e de acompanhamento desse jovem, concretizadas em serviços médicos,
dentários, alimentares, esportivos, recreativos e culturais (BOLOGNA, 1980, p. 14).
156
BOLOGNA, I. Roberto Mange e sua obra. [S.l.]: Unigraf, 1980., p. 2.
157
WEINSTEIN, Op. cit., p. 137.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Ademais muitos empresários não enviaram seus melhores aprendizes embora,
383
recebiam uma bolsa-auxílio como incentivo. Apesar das dificuldades que o SENAI
encontrou em se estabelecer.
As escolas do SENAI, quando comparadas com as de ensino industrial das redes
públicas, evidenciavam de modo patente a inferioridade destas. A autonomia que lhes
faltava, a adesão de alunos motivados (e remunerados), a possibilidade de organizar
cursos conforme as demandas locais, o entrosamento com empresário-consumidores da
força de trabalho qualificada eram qualidades do SENAI cuja carência, nas escolas
industriais, mostrava necessidade urgente de modificar os cursos básicos, senão acabar
com eles158.
Houve ainda uma complementação da regulamentação do SENAI que contribuiu
para o sucesso de seus cursos, o Decreto nº 4.481 de 16 de julho de 1942, obrigava as
empresas do ramo industrial a custear os cursos e manter em seus quadros 8% de
menores aprendizes do total de operários. A prioridade era dada aos filhos de operários
empregados nos estabelecimentos industriais; aos irmãos dos operários que atuavam nas
indústrias e aos órfãos cujos pais estivessem vinculados ao ramo industrial.
No jornal dos alunos da escola do SENAI de Curitiba, aborda-se a importância
De acordo com a lei, todo menor que trabalha deve possuir carteira
profissional. Assim sendo logo que matriculamos e empregamos um aluno no
SENAI, imediatamente providenciamos a mesma. Entregamos ao menor uma
relação de documentos necessários e os respectivos impressos: declaração de
função, a ser preenchido pela firma e autorização de responsável, para ser
assinado pelo responsável pelo menor. Depois de reunidos todos os
documentos solicitados, a escola oferece uma ―declaração‖ de que o aluno
sabe ler e escrever. Juntamos esta aos demais documentos e levemos tudo a
Delegacia Regional do Trabalho. Dois ou três dias depois o aluno vai a
referida delegacia e recebe a sua Carteira Profissional de Menor. Dessa
maneira, com satisfação, a escola vê todos seus alunos munidos de
importante documento.159
A nota sobre a questão da legalidade do trabalho do menor operário constante
em ―O Escudo‖ revela á comunidade de operários que, além da instituição prover uma
vaga de emprego para o pequeno aprendiz, o faz dentro da legalidade, propiciando
segurança e reconhecimento ao aluno aprendiz. Percebe-se que, com os cursos
profissionalizantes do SENAI, incluindo-se também a trajetória da educação
profissional no Brasil, teve-se uma preocupação com os ―desfavorecidos da fortuna‖,
158
CUNHA, Op. cit., p. 48.
159
O ESCUDO, nov. 1952.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
da legalização do trabalho do menor operário,
384
exercendo-se sempre um papel social extraordinário em função da própria legislação
educacional.
Ao estabelecer a idade mínima de catorze anos para ingresso no emprego, a
legislação acabou gerando aquilo que no SENAI ficou conhecido como hiato
nocivo, já que, para a população pobre, a escolarização raramente
ultrapassava o ensino primário, quase sempre concluído em idade superior a
dez anos. Por isso, o SENAI foi obrigado a sentir o problema bem de perto,
pelo fato de receber muitos jovens após um período mais ou menos longo de
interrupção da escola primária, gasto em vadiagem ou em pequenos misteres.
Intentando solucionar o problema, o SENAI criou os cursos vocacionais,
onde valorizava, sobretudo, o trabalho manual e onde se buscavam
mecanismos que pudessem preencher o chamado hiato nocivo. 160
Weinstein161 assinala que a educação de crianças com idades entre doze e
quatorze anos era uma área de especial interesse do SENAI, nos cursos chamados
vocacionais. Desde o debate sobre a lei do trabalho infantil na década de 1920, os
industriais e engenheiros sociais de vários matizes vinham denunciando o ―hiato
nocivo‖, ou melhor, o intervalo entre os doze anos, quando normalmente a criança
acaba o curso primário, e os catorze anos, quando a lei autorizava sua entrada no
mercado de trabalho. Embora alguns patrões soubessem que essas crianças
provavelmente preenchiam este hiato nocivo com um emprego ilegal ou com trabalhos
no setor informal, os educadores temiam que aqueles dois anos de atividade sem
acompanhamento e sem regularidade levassem a comportamentos nocivos e mesmo
criminosos e tornasse mais difícil para os aprendizes, a adaptação na rotina da fábrica.
do ―hiato nocivo‖, em tom de convocação para o progresso e prosperidade da nação.
Mesmo que sua circulação fosse interna, ainda assim atingia os aprendizes que já se
encontravam na instituição e que poderiam trazer irmãos, parentes, amigos.
Mange afirma ―que é justamente durante esse tempo que o menino adquire
vícios e sofre, pela ausência da escola, acentuado retrocesso intelectual e moral‖, ele
ainda lamenta que ―centenas e centenas de crianças se entreguem a perigosa ociosidade
das ruas‖162.
A solução para tal situação, sob o ponto de vista do SENAI, foi ofertar cursos
vocacionais a parte para crianças com idade abaixo do mínimo exigido para aprendizes
160
SENAI, Op. cit.
161
WEINSTEIN, Op. cit., p. 150.
162
WEINSTEIN, Op. cit., p. 150.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
O jornal ―O Escudo‖ em 1949, fazia chamadas a procura de aprendizes em idade
385
do SENAI. O currículo elaborado para esses menores tinha dois objetivos básicos:
aperfeiçoar sua cultura geral e iniciá-los em várias ocupações manuais.
O SENAI não procurava preparar esses alunos para um determinado ofício, mas
sim colocá-los em contato com várias ocupações manuais,
Mange163 ressalta,
O caráter do SENAI, pode levar alguém a apressada e falsa conclusão de que
se trata de mera organização de ensino profissional, o que não é verdade.
Cumpre não perder de vista o verdadeiro sentido da obra que compete ao
SENAI promover, ou seja, o conceito educativo-social de suas realizações.
Esta orientação implica necessariamente dentro do âmbito de aprendizagem
industrial na realização de serviços de natureza para-escolar no campo da
educação, da higiene e da assistência social. Serviços esses que embora
representem, evidentemente, um forte acréscimo no custo de cada aluno,
constituem, todavia, condição precípua para a eficiência do ensino.
Este discurso proferido por Mange afirma a cultura institucional que se
pretendeu incorporar ao SENAI desde a sua fundação, em que a disciplina, a ordem, a
higiene seriam mecanismos para se alcançar um alto conceito educativo social dentre os
aprendizes.
Roberto Mange apontará sobre tudo a compatibilidade entre formação técnica e
a denominada ―educação integral do individuo‖ . Para ele a técnica tinha caráter
utilitário, devido ao rigor da racionalidade e da rapidez destoando do conceito
espiritualista da ―educação integral‖.Nesta perspectiva os aprendizes eram educados,
passado período dos cursos vocacionais.
aspecto pedagógico, relacionado ao trabalho, mas tinha preocupações com a valorização
total do operário, isto é, com a ―Educação integral‖164 tão almejada por Mange, que
pode ser definida como "cultura geral e profissional em torno de uma sadia
personalidade".
Salienta Bologna,
Seria inútil que o SENAI cuidasse unicamente do ensino, pois ele não se
propõe apenas a ensinar, mas principalmente a educar. Por isso mesmo, a
missão do SENAI não pode ser exclusivamente de natureza técnica. Não se
trata simplesmente do problema da formação profissional do trabalhador, mas
de uma ação educativa de sentido muito mais amplo e elevado, visando
acima de tudo formar o cidadão, isto é, fazer do aprendiz um homem integro,
moral física e profissionalmente falando, cioso das prerrogativas inerentes a
sua dignidade de pessoa humana e consciente de sua responsabilidade pessoal
e profissional com a coletividade.165
163
164
165
MANGE, Roberto. Relatório SENAI. Capítulo I, 1945 apud BOLOGNA, 1986, p. 378.
BOLOGNA, Op. cit., p. 215.
Ibid., p. 215.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Dessa maneira, o problema de aprendizagem dos industriários não se limitava ao
386
As aspirações de Mange, segundo o relatório do SENAI-SP de 1946,
implicavam o desenvolvimento da cultura geral, da educação moral e cívica e das lides
abrangidas pelo Serviço Social, para procurar elevar o espírito do aprendiz. Para Mange
subsiste algo de antagônico com a rigidez da técnica do trabalho em que a
individualidade, o culto pela matéria, o senso artístico e o amor ao belo não tem
oportunidade de se expandir. Com estas palavras, o idealizador do SENAI expõe
contundente crítica ao trabalho que estava sendo desenvolvido pelo SENAI, deixando
claro que suas reflexões pela educação integral dentro do contexto da aprendizagem
industrial deveriam tornar-se mais presentes nas escolas. Segundo Bologna, os
fundamentos da orientação do ensino decorrem do aspecto psico-social e profissional do
aprendiz-aluno, o que requer uma perfeita adaptação a essa mentalidade especial do
adolescente, sujeita as mais variadas influências no setor do trabalho, da sociedade e do
lar.
Buscando seus objetivos, Mange alterou várias posturas que até então pareciam
indestrutíveis. Uma delas era sobre o tipo de escolas construídas; outra dizia respeito
aos métodos de ensino adotados pelo SENAI. Havia necessidade de utilizar a psicologia
do aluno, eliminando a rigidez curricular tradicional, o que se traduz em uma inversão
da linha de ação pedagógica. Segundo ele não era o professor que deveria inculcar a
matéria ao aluno, mas sim o aluno que deveria desejar adquirir os conhecimentos, o
O aprendiz já ocupado com a atividade industrial e que é aluno dos cursos do
SENAI, apresentava características bem diferentes de um menor que freqüenta o curso
primário, secundário ou uma escola industrial, pois é um aprendiz que produz na
fábrica, ganha seu salário e possui acentuada independência. E no âmbito social e
familiar em que vive, pouco estímulo encontraria para melhorar sua cultura geral e
elevar seu conceito cívico e moral. Mange também destaca a aprendizagem do SENAI
com foco no perfil do aprendiz:
Atentemos, por exemplo, para o caso do aprendiz de nossas escolas: se bem
que menor, ele não deixa de ser um pequeno operário relativamente
independente, que se comporta dentro da fábrica como homem que produz e
ganha seu salário. Por isso mesmo, o aluno das Escolas SENAI é
completamente diferente daquele que freqüenta as demais escolas industriais
e secundárias. Tanto se saliente a personalidade definida do aprendiz na
fábrica, como na família a qual presta sua ajuda [...]. Este tríplice aspecto do
aluno, operário e membro de uma certa sociedade, deve ser cuidadosamente
166
RELATÓRIO SENAI/SP, 1951 apud DE HOMENS E MÁQUINAS, 1991, p. 140.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
como e o por quê da prática e da teoria do seu ofício166.
387
considerado para que se tenha uma idéia real do tipo de aluno que freqüenta
as Escolas Senai.167
Como se pode observar na cultura institucional do SENAI, foi muito demarcado
o comportamento do aprendiz como parte do ensino-aprendizagem e de sua formação.
Para Bologna:
Os métodos de ensino adotados pelo SENAI visam, de modo geral, a
educação eficiente do aprendiz. Para isso, são utilizados todos os processos
pedagógicos recomendáveis, procurando-se tornar a Escola ativa e
interessante. De acordo com cada disciplina, são empregados processos de
ensino que levam o aluno a pensar por si os problemas de sua vida real. 168
Tendo como meta possibilitar uma educação profissional de qualidade e também
humanística, o SENAI propôs o método de instrução individual, que compreendia
quatro fases: estudo do assunto; comprovação do conhecimento; aplicação,
generalização ou transferência do conhecimento; e, avaliação.
Cunha169 elucida que, no início da existência do SENAI, não se tinha a
necessidade de dissimular a diretividade de seu método de ensino, nem a padronização
de procedimentos. Tanto uma como outra eram vistas como tendo vantagens óbvias. A
razão pela qual essa metodologia de caráter taylorista foi revestida pelo ativismo parece
ser a necessidade de responder as críticas vindas de dentro e de fora da instituição — de
dentro, em razão das mudanças dos processos produtivos, cada vez mais difíceis de
serem acompanhados devido às adaptações das folhas de operações e de tarefas; de fora,
caráter psicológico quanto de caráter social e político.
Enfim todo esse conteúdo ideológico e pedagógico do curso de aprendizagem do
SENAI propiciava ao aprendiz um sentimento de auto-estima, de confiança e de autorealização, resultado de eficácia do ensino ministrado e da sintonia com o ambiente da
empresa.
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CHARTIER, R. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1986.
167
RELATÓRIO SENAI/SP, 1945 apud DE HOMENS E MÁQUINAS, 1991, p. 137.
168
BOLOGNA, Op. cit., p. 214.
169
CUNHA, Op. cit., p. 69
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
pela prevalência do não diretivismo no campo pedagógico, com motivação tanto de
388
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SCHWARTZMAN, S, BOMENY,HELENA MARIA B., COSTA,VANDA MARIA R.
Tempos de Capanema. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
389
A EDUCAÇÃO ESCOLAR E A IMPRENSA EM ITUIUTABA
Jennifer Maria P. Matos
FAPEMIG/UFU
[email protected]
Isaura Melo Franco
Cnpq/Pibic/UFU
[email protected]
Dr. Sauloéber Tarsio de Souza
UFU/CNPq
[email protected]
O presente trabalho se reporta ao projeto "Educação Escolar e Imprensa
(Ituiutaba 1950-2000)" apoiado pela FAPEMIG. Tem como um dos objetivos a
construção de um acervo digital com as notícias jornalísticas referentes ao universo
escolar no município de Ituiutaba (Pontal do Triângulo Mineiro), no período entre as
décadas de 1950 e 1990. Portanto, consideramos o periódico como fonte documental
primária para a história da educação.
Os jornais se constituíram como uma das principais fontes de informação
histórica na atualidade. Por isso, compete aos pesquisadores que os utilizam, olhar os
registradas em suas vidas cotidianas de forma bastante particular (CAPELATO, 1988).
A importância dos periódicos também pode ser compreendida observando-se seu
surgimento no país, que se deu paralelo ao nascimento da nação:
A nação brasileira nasce e cresce com a imprensa. Uma explica a outra.
Amadurecem juntas. Os primeiros periódicos iriam assistir à transformação
da colônia em Império e participar intensivamente do processo. A imprensa é
a um só tempo, objeto e sujeito da história brasileira. (MARTINS & DE
LUCA, 2008, p.8)
Os jornais permitem estudar fatos aparentemente miúdos e irrelevantes do
cotidiano, contudo, até mesmo os anúncios de variedades presentes nos jornais,
representam uma grande via de acesso aos fenômenos mais gerais do passado de
determinada cultura, constituindo-se em fontes privilegiadas de aproximação ao
pensamento coletivo de uma época:
A utilização de jornais, como fonte complementar para a recuperação da
evolução factual, dos projetos coletivos, das polêmicas, bem como da
ideologia que circulava na região é fundamental se acrescida da literatura
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
personagens do passado procurando entendê-los como produto de sua época, figuras
390
sobre o tema e o período. De suas páginas afloram não apenas o cotidiano de
cidades do interior brasileiro, marcadas por observações de caráter
doméstico, muitas vezes provincianas, mas também preocupações maiores
com o futuro da comunidade, onde sobressai a questão da educação como
mecanismo de promoção social dos indivíduos e de progresso material para a
cidade (GONÇALVES NETO, 1997).
Por meio da pesquisa realizada no acervo da Fundação Cultural Municipal de
Ituiutaba, constatamos que o jornal mais antigo do município que se tem notícia seria o
Villa Platina, fundado em 1901 pelo tipógrafo João Lourenço. Assim como vários
outros folhetins essa primeira experiência teve vida efêmera, contudo, há registros de
que tenha causado grande euforia na população local, alguns teriam se alfabetizado por
incentivo de sua circulação, mesmo assim, a maior parte da população era composta por
analfabetos, algo natural num país até então rural. Sobre a relação da imprensa mineira
com as questões políticas assim afirmou um pesquisador norte-americano:
A imprensa local foi outro marco do regionalismo mineiro. De maneira geral,
um jornal de cidade pequena continha notícias políticas e anúncios
comerciais numa edição semanal de menos de 500 cópias. Geralmente
pertencia ao chefe político local, cujo domínio era disputado por um chefe
rival com sua própria imprensa. Fica evidente que os jornais desempenharam
uma função primordial na política local. Como foro para o combate verbal, a
imprensa deu às celebridades locais um meio de sustentar a violência em
nível menor, sem tiroteios ou assassinatos (WIRTH, 1982).
O número de jornais que circulou em Ituiutaba ao longo do século XX, cerca de
duas dezenas, e observando-se a origem social dos diretores desses periódicos indicam-
em Ituiutaba. O surgimento e a extinção deles em curtos períodos de existência
evidencia a mudança das lideranças políticas ou a tentativa de se construir novos
projetos locais em oposição aos já estabelecidos.170
Na primeira etapa do projeto (1949-1970) foram catalogadas 531 notícias sobre
as atividades escolares da cidade que abordavam diferentes assuntos e níveis de ensino,
a saber: 130 notícias se referiam ao ensino primário; 101 ao ginasial; 64 ao colegial; 57
ao superior; 56 ao técnico e 169 voltadas para assuntos diversos, tais como homenagens,
torneios esportivos estudantis, formaturas, etc.171 Podemos perceber por esses números
170
Os jornais que vão de 1901 a 1950 e que não foram incluídos no projeto são: Villa Platina-1901,
Gazeta Paltinense-1913, A Alvorada-1914 a 1917, O Porvir 1918 a 1919, O Sertão 1919 a 1934, Jornal de
Ituiutaba 1934 a 1952, O Vencedor 1935 (pensamento estudantil), Folha da Semana 1943 a 1944, Gazeta
de Ituiutaba 1949 a 1952, O Tagarela-1913 (humorístico), A Tesoura-1917 (humorístico), A Colmea1927, O Capeta-1935, Saneando-1946 (Jornal da Congregação Espírita), Folha de Ituiutaba-1942-1954
(Partido Social Democrático). Fonte: Acervo da Fundação Cultural Municipal – PM Ituiutaba.
171
Nesse primeiro momento foram pesquisadas as coleções constantes do acervo da Fundação Cultural do
Ituiutaba dos seguintes jornais: ―Gazeta de Ituiutaba‖ (1949 a 1952); ―Folha de Ituiutaba‖ (1952 a 1964);
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
nos que essa relação entre imprensa e poder nos municípios mineiros também era regra
391
que 42% das notícias faziam referência aos ensinos ginasial, colegial e superior, ou seja,
níveis da educação limitados a pequena parcela da população daquele período,
evidenciando
que
os
jornais
priorizavam
o
restrito
universo
das
classes
privilegiadas/letradas do município, já que em 1950, a taxa de analfabetismo chegava a
57% dos indivíduos acima de 10 anos de idade (Fonte: IBGE, 1950).
Buscando uma melhor visualização dos discursos jornalísticos, procuramos
apontar também algumas das especificidades dos jornais lidos na tentativa de
compreender que interesses estavam por detrás das idéias difundidas por esses veículos
de comunicação. Foram pesquisadas as coleções dos jornais constantes do acervo da
Fundação Cultural Municipal de Ituiutaba constando os seguintes periódicos:

―Gazeta de Ituiutaba‖ (1949 a 1952), impresso em duas folhas, era de
propriedade da antiga Gráfica Ipiranga S/A, sob a direção de Benjamin Dias Barbosa;

―Folha de Ituiutaba‖ (1952 a 1964), impresso em duas folhas, era de
propriedade do diretor Ercílio Domingues da Silva, tendo como redatores Geraldo
Sétimo Moreira e Manoel Agostinho;

―Correio do Pontal‖ (1956 a 1959) circulava em duas folhas, tinha como
diretor-proprietário Pedro de Lourdes Morais e a participação de colaboradores
diversos;
―Correio do Triângulo‖ (1959 a 1965) circulação em três folhas, possuía
como proprietário Benjamin Dias Barbosa, direção e redação de Jayme Gonzaga Jayme
e como diretor comercial Joaquim Pires das Neves;

―Cidade de Ituiutaba‖ (1966 a 1970), impresso em duas folhas, pertencia
ao diretor-redator Benjamin Dias Barbosa;

―Município de Ituiutaba‖ (1967 a 1970) controlado por órgão oficial,
variava de três a quatro folhas e circulava em edições semanais.
Podemos observar acima que a grande atuação nesse período foi do editor
Benjamin Dias Barbosa que entre 1949 e 1970 ficou apenas alguns anos sem atuar no
ramo jornalístico, sendo proprietário de três dos seis jornais pesquisados. Com exceção
do jornal ―Município de Ituiutaba‖ – órgão oficial do município, todos os outros eram
de iniciativa privada, e viviam às custas dos anunciantes e colaboradores. Em
―Correio do Pontal‖ (1956 a 1959); ―Correio do Triângulo‖ (1959 a 1965); ―Cidade de Ituiutaba‖ (1966 a
1970); e ―Município de Ituiutaba‖ (1967 a 1970).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010

392
depoimento de um ex-redator e ex-diretor comercial do Jornal ―Correio do Triângulo‖,
constatamos que a maioria dos redatores e colaboradores dos jornais pesquisados,
constituía-se por homens influentes tanto no campo cultural quanto na esfera política do
município, porém todos eles exerciam outras ocupações profissionais, no setor bancário,
no comércio ou na indústria.
A leitura e catalogação dos jornais dessas duas décadas revelam-nos relações
existentes entre a realidade nacional, em que passava o país, e a local, colaborando para
a compreensão do processo histórico local, marcado por acelerados processos de
urbanização e industrialização do município, impulsionados pela expansão do cultivo do
arroz a partir dos anos de 1950 (Ituiutaba ficaria conhecida como a ―Capital do Arroz‖).
Ituiutaba fora inserida na política de modernização nacional, à medida que sua
população tornava-se urbana, formando mercado consumidor em potencial, além de
liberar terras para a expansão dos negócios agrícolas, o que gerava empobrecimento da
população migrante, em função de que nas cidades nem sempre conseguiam sustento.
Nos anos de 1950, o poder público preocupou-se com o Plano Urbanístico local, com
ampliação dos serviços de abastecimento de água e de iluminação pública, arborização e
calçamento de ruas, construção de prédios públicos, buscando atender às demandas da
população que se avolumava. Na década seguinte, a mudança urbanística acelerou-se
ainda mais, com a chegada do asfalto, a construção de praças, implantação do Distrito
O esforço dos dirigentes na consolidação da sociedade de consumo de massa
conciliava interesses tanto das elites nacionais como dos centros capitalistas mundiais,
mentores desse projeto de modernização. A noção de moderno surgira como sinônimo
de mercado de massa, nos EUA, desde os anos de 1920. Após a 2a Grande Guerra, o
conceito de modernização foi utilizado principalmente para caracterizar o provável
processo de transição que os países ―atrasados‖ deveriam passar para alcançarem os
níveis de renda, educação e produtividade dos países industrializados, mas resultou,
numa significação de moderno bastante específica, definida em função do mundo das
mercadorias, da indústria e dos negócios, onde a educação deveria estar a serviço deste
tipo de modernidade. Tal significação fora elaborada por variados canais, entre eles, por
meio da massificação da educação durante os anos de 1950 e 1960, no Brasil, vividos
entre a democracia e o autoritarismo, mas em ambos os regimes de governos, buscou-se
reforçar esta noção de moderno (SCHWARTZMAN, vol.05).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Industrial e do primeiro Campus Universitário no município (CORTES, 2001).
393
De acordo com o crescimento da população urbana, também aumentava o
número de escolas, de forma que as notícias sobre a criação dessas instituições
ganhavam destaque nas páginas dos jornais, totalizando 58 matérias jornalísticas, fator
relevante para se compreender a expansão do ensino público no município,
demonstrando sua inserção na política nacional. A criação de escolas passava a gerar
prestígio político já que a população tinha expectativas de ter acesso à educação, num
momento em que o contingente de analfabetos era grande o que preocupava parte das
elites que necessitava de mão-de-obra minimamente qualificada, fator que poderia
entravar o desenvolvimento local.
Destacamos que os anos de 1950 e 1960 foram marcados pela criação de
instituições escolares por todo o país e Ituiutaba também fez parte dessa lógica.
Importante ressaltar que a criação de escolas públicas passou a ser uma das principais
bandeiras dos políticos que buscavam votos junto ao eleitorado portador da expectativa
de acesso a educação. Na inauguração do grupo escolar citado na matéria jornalística
abaixo estiveram presentes autoridades como prefeito, secretários e o deputado estadual
Omar Diniz. Este último ao longo do seu mandato encaminhou vários projetos criando
escolas no município de Ituiutaba:
Nos anos de 1960, seria o Deputado Luiz Junqueira quem colheria os dividendos
políticos associando sua imagem a criação de escolas na região: ―Governador sancionou
lei criando o Ginásio Estadual neste município – Deputado Luiz Junqueira‖ (Folha de
Ituiutaba, 18/01/1961) E também: ―Prédio do Ginásio Estadual de Ituiutaba será
realidade. Ituiutaba está, por assim dizer, com a sua infra-estrutura econômica assentada
e o progresso que nos espera de agora para frente é o mais seguro e promissor. A
construção de um prédio para ginásio estadual aqui, (...) por obra do deputa Luiz A. F.
Junqueira.‖ (Correio do Triângulo, 29/08/1965) Vemos acima que o progresso a ser
alcançado passava agora pela construção de escolas, essas instituições representavam, a
partir de então, a própria materialização do futuro grandioso, o que atenderia a parte dos
anseios sociais que viam no acesso a educação a possibilidade de ascensão social.
Na segunda etapa do projeto (período de 1970 a 2000) iniciamos a catalogação
dos jornais Cidade de Ituiutaba (1970 a 1987), Diário Regional (1995 a 2000) e Gazeta
do Pontal (1999) cujas coleções mesmo que incompletas estão devidamente organizadas
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Solenemente inaugurado o Grupo Escolar Senador Camilo Chaves (...) os
presentes de pé cantaram o Hino Nacional. (...) o prefeito Antonio S. Martins
sugeriu então que ao 4o. Grupo Escolar de Ituiutaba seja dado o nome de
Governador Clóvis Salgado. (Folha de Ituiutaba, 14/01/1956)
394
no acervo da Fundação Cultural Municipal de Ituiutaba. Destacamos no início dos anos
de 1970 o grande foco dado a criação da primeira instituição de nível superior na
cidade, as notícias falavam dos cursos criados ―Escolas superiores aprovadas
definitivamente‖ (Cidade de Ituiutaba, 17/02/1970) matéria que citava a Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras, mas a euforia estava em torno dos cursos de engenharia,
administração e pós-graduação que representavam a maior parte das notícias levantadas:
―Faculdades de Engenharia‖ (Idem, 25/04/1971) ou ―Escola de Engenharia sairá
mesmo‖ (Idem, 24/06/1971) e ainda: ―Faculdade de Engenharia autorizada a
funcionários‖ (Idem, 22/11/1973).
É preciso reconhecer que outros assuntos eram abordados pelos jornais nos anos
de 1970 e 1980, tais como a importância do MOBRAL e das escolas rurais na solução
do problema do grande número de analfabetos na região, a distribuição da merenda
escolar, etc. Porém, a tendência de se discutir com grande ênfase as questões referentes
aos ensinos médio e superior continuou evidente também nesse período, representando
cerca de 36% das matérias jornalísticas catalogadas até o momento. Nos anos de 1980,
acrescente-se as primeiras notícias sobre greve dos professores: ―Professores Mineiros
ameaçam entrar em greve na próxima semana‖ (Idem, 07/05/1986) e: ―Greve dos
professores já obteve grande vitória‖ (idem, 11/06/1986), ainda: ―Professores prometem
deflagrar greve‖ (Idem, 28/04/1987). Nesses anos, as greves por reposição salarial
Ao longo dos anos de 1990, percebe-se uma grande diversificação nas notícias
debatidas pelos jornais, discutindo-se desde as políticas do ministério da educação até as
questões locais de menor relevância como o anúncio da volta as aulas (Diário Regional,
07/02/1995) ou ainda, problemas relacionados ao governo estadual como vemos: ―O
governador Eduardo Azeredo garante serão pagos todos os atrasados inclusive alguns
acumulados e diferentes pendentes‖ (idem, 21/01/1995) ou como a determinação de
eleições para a direção colegiada das escolas no estado de Minas Gerais (Idem,
28/02/1995).
Vemos pelos dados acima que os jornais como fonte de pesquisa primária
revelam muito sobre o universo escolar, permitindo abordagens mais amplas em relação
ao fenômeno educacional, possibilitando o estudo de concepções pedagógicas que
circulavam pelo imaginário da população local, veiculando ideais de educação, de
professor, de aluno, por exemplo. Recorrendo a Araújo (2005, p.177):
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
seriam comuns em função da superinflação em que vivia a economia brasileira.
395
Do ponto de vista temático, a imprensa tem-se revelado em fonte impar, pois
sua peculiaridade é revelar o movimento da história (seja ela educacional,
social, comercial, industrial, político, literário, econômico, cultural etc.) em
sua dinâmica cotidiana, tal como visto por aqueles que decidem o que
noticiar. Já afirmou alguém que o jornalismo vive das circunstâncias.
Embora, por vezes, o jornal seja encarado como uma fonte suspeita, na
verdade é um rico manancial para a investigação histórico-educacional.
Dessa forma, a importância do jornal como fonte nessa pesquisa está no fato de
que sua atividade não consiste apenas em transmitir, mas, igualmente, em gerar
acontecimentos, compondo-os com elementos de uma visão bastante particular do
mundo, somatória de subjetividade e de interesses aos quais o jornal está vinculado
(CAPELATO, 1988).172 Diante dessa perspectiva:
O trabalho do historiador, portanto, pode e deve estar bem próximo daquele
exercido pelo jornalista. Ambos utilizam os fatos e voltam-se para a análise
do real. A perspectiva do jornalista, contudo, é conjuntural, construindo mais
uma memória coletiva, enquanto o historiador busca a observação de longa
duração, esperando encontrar as explicações para toda a estrutura, numa
análise mais profunda e ampliada. Mas a atitude de curiosidade, de busca dos
fatos e da explicação está presente em ambos (GONÇALVES NETO, 1997).
O historiador deve estar atento a quem está por detrás das noticias, pois o jornal
sempre foi espaço de defesa das forças políticas e de interesses dos proprietários, de
forma que as matérias são lançadas de forma estratégica, assim, há a interferência não
apenas dos elementos subjetivos de quem produz, mas também dos interesses aos quais
pesquisa historiográfica alegam a interferência das ideologias no ato de noticiar. De
fato, as ideologias perpassam todas as páginas de qualquer jornal. Não há como ignorálas ou fugir delas. Contudo, as ideologias não interferem apenas na veiculação de
notícias jornalísticas, já que integram todo processo de produção e divulgação de idéias,
em todos os tempos e lugares. O estranho seria, justamente, se os jornais fossem isentos
ou neutros (CAPELATO, 1988).
A utilização dos jornais nas pesquisas em história da educação tem relação com
o novo fazer histórico que decorreu das mudanças na dinâmica social, com a imersão de
sujeitos até então, pouco presentes na história oficial. Historiar passou a ter uma
amplitude maior do que se fazia tradicionalmente, de forma que o uso de documentação
oficial, de dados quantitativos, levantamento de datas e personagens ganhou a
172
Lembremos que, até o início da década de 70, os jornais, sobretudo os do interior, ainda eram um
dos principais veiculadores de discursos e imagens, ficando atrás do rádio que ultrapassava a barreira
do analfabetismo, por meio da difusão oral. A televisão só passaria a dominar o mercado da
informação mais tarde (MILANESI, 1978).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
o jornal está vinculado. Os que duvidam do valor dos jornais de época como fonte de
396
contribuição de outros testemunhos do passado, enriquecendo-se o ofício do historiador
que passou a melhor recuperar as relações que os homens estabeleceram entre eles em
épocas passadas.
Nesse sentido, buscou-se documentação que se aproximasse mais do corpus
teórico utilizado, enriquecendo a análise através da utilização de descrições das medidas
governamentais na área da educação, os atores principais deste processo, em nível local
e estadual, a ação da elite política local e as relações de poder existentes, a ideologia
vigente e o discurso que a justifica, o cotidiano da escola, dos alunos, dos profissionais
da educação, o ideal de sociedade projetado, as funções explicitadas para a educação, os
temas malditos ou "esquecidos", a posição dos veículos de comunicação, etc.
Para este tipo de preocupação o jornal é uma fonte que não pode ser
descurada. Sua grande vantagem - e ao mesmo tempo desvantagem - é
a grande quantidade de informações que concentra num mesmo espaço.
A importância do historiador e da perspectiva teórica impõem-se
exatamente por esta falta de organicidade na tematização dos
periódicos. Jornal é notícia, é momento, é mercadoria e não pode ser
direcionado apenas a um tipo de público, o que reduziria sua área de
influência, seu mercado - consequentemente o lucro do editor
(GONÇALVES NETO, 1997).
Por fim, entendemos que a importância desse projeto consiste na ampliação das
fontes para a pesquisa histórico-educativa local, especialmente, em função de que a
preservação da documentação escolar oficial é ainda bastante precária em todas as
fontes tais como a oral e a jornalística. Acreditamos que as iniciativas de salvaguarda de
diversificadas fontes de informação sobre a cultura das escolas ocorrem pela
constatação da escassez dos acervos escolares, não existindo no interior das escolas o
hábito da guarda da documentação produzida no seu cotidiano, de forma que
anualmente, cadernos/relatórios de planos de aula são descartados, e em muitos casos
queimam-se papéis antigos com a justificativa de que são ―velhos‖ não tendo validade
como documento.
Dessa maneira, muito pouco dos registros oficiais das escolas e praticamente
nada das produções escolares de professores e alunos foi preservado. Essa prática tem
prejudicado em grande medida o acesso a memória escolar, uma vez que muitas práticas
das gerações passadas acabam por desaparecerem com o descarte desses arquivos.
Assim, cremos que a digitalização das matérias jornalísticas ao longo dessas cinco
décadas de grandes mudanças no campo da educação contribuirá para o resgate de
elementos fundamentais para a história da educação local, constituindo-se em banco de
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
regiões do país o que faz com que a pesquisa histórico-educativa se utilize de outras
397
dados disponível a toda a comunidade. A opção por disponibilizar as notícias sobre o
universo escolar na internet é importante também no sentido de se estabelecer
interlocução com outros pesquisadores da área, contribuindo para se construir análises
comparativas entre contextos diversificados que envolvem as questões históricoeducativas.
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
―Gazeta de Ituiutaba‖ (1949 a 1952);

―Folha de Ituiutaba‖ (1952 a 1964);

―Correio do Pontal‖ (1956 a 1959);

―Correio do Triângulo‖ (1959 a 1965);

―Cidade de Ituiutaba‖ (1966 a 1987);

―Município de Ituiutaba‖ (1967 a 1970);

―Gazeta do Pontal‖ (1999)

―Diário Regional‖ (1995 a 2000)
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Coleções dos Jornais:
399
A EDUCAÇÃO FÍSICA NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO TIJUCANA (19421964)
Andréa Azevedo de Oliveira
UFU/FACIP
[email protected]
Thais Parreira de Freitas Oliveira
UFU/FACIP
[email protected]
André Luis Parreira
UFU/FACIP
[email protected]
Dr. Sauloéber Társio de Souza
UFU/FACIP
[email protected]
Introdução
Este artigo insere-se na linha de pesquisa da História da Educação, para o curso
de Pedagogia, da Faculdade de Ciências Integradas do Pontal (FACIP), da Universidade
Federal de Uberlândia (UFU), campus do Pontal, apresentando resultados parciais de
investigação inédita e em andamento sobre a disciplina escolar Educação Física na
cidade de Ituiutaba-MG, no período que compreende os anos de 1942 a 1964, tendo
norteia a disciplina com as instituições médicas e militares. Nas instituições médicas
considerando a ―Educação Física como sinônimo de saúde física e mental, como
promotora da raça, das virtudes e da moral‖ (SOARES, 1994, p. 86).
E, militares, devido a presença dos mesmos na formação dos primeiros
professores civis de Educação Física e de sua prática de forma sistemática no Brasil.
Castro (1997) salienta que a Educação Física no Brasil estava relacionada à experiência
francesa, pois os militares brasileiros desempenhavam papel semelhante aos da França.
Nesse contexto, os militares adentraram as escolas com propostas para a prática
da Educação Física e, somente com o fim do Estado Novo houve modificação nessa
situação.
Desse modo, apresenta-se nesse trabalho como objetivos: verificar o papel da
Educação Física na disciplinarização e higienização da sociedade, por meio de
atividades físicas implantadas nas escolas do município; pesquisar como a Educação
Física surgiu num cenário militarista e se estendeu ao escolar; apontar as especificidades
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
como referencia histórico que pauta a questão da perspectiva histórico-cultural que
400
da prática de professores e alunos nas aulas cotidianas de Educação Física nas escolas
de Ituiutaba-MG (1942-1964).
Para realização da pesquisa adotou-se um questionário com 21 (vinte e uma)
questões, entrevistando 05 (cinco) sujeitos estudantes do período de 1942 a 1964, que
apresentaram documentos os quais comprovaram os seus relatos com fotos, ficha
médica, controle de distribuição de merendas, receitas de um curso de alimentação
escolar.
Os fatos históricos narrados pelos depoentes os conduziram até a década em
estudo, retratando a sua percepção quanto às aulas realizadas, os jogos, os desfiles em
praça pública, um momento histórico que vivenciou como protagonista em sua
realidade vivida.
Descortinava-se, assim, sua vivência entre outros atores presentes como os
educadores físicos, despertando emoções até então ―guardadas‖, quando percebiam a
amizade, o respeito e a o autoritarismo do seu professor. A realidade contextualizada
neste recorte temporal e, ainda, sua memória recordara ações das aulas e com muita
nitidez, o perfil dos professores e com admiração recordam o nome dos mesmos.
Percebe-se o quanto foi significativa essa realidade vivida, o ensinar e o
aprender, a oportunidade de reviver a década de uma trajetória histórica. Assim, pode-se
evidenciar que os fatos ocorrem de acordo com os atores envolvidos permeados pelo
Este trabalho teve como objetivo central investigar a Educação Física como
disciplina escolar na cidade de Ituiutaba-MG, no período de 1942 a 1964 e, para melhor
compreensão faz-se uma retrospectiva na história da disciplina buscando fragmentos de
sua origem no cenário militarista e sua inserção na instituição escolar.
Fragmentos da História da educação física
A Educação Física ao ser refletida e/ou debatida confunde-se sua história com a
dos médicos e dos militares, no que concerne a realização de sua prática e de seus
métodos utilizados e seguidos.
Soares traz sua contribuição ao explicitar que:
As instituições médicas foram privilegiadas e o discurso médico higienista
ouvido, pois acreditamos poder encontrar naquelas instituições e no seu
discurso, elementos que nos auxiliem na compreensão de uma Educação
Física como sinônimo de saúde física e mental, como promotora de saúde,
como regeneradora da raça, das virtudes e da moral (SOARES, 1994, p. 86).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
espaço e tempo num contexto histórico-cultural.
401
Desse modo, os médicos higienistas construíram uma abordagem positivista de
ciência com propostas disciplinares dos corpos, em nome da saúde contribuindo para
uma sociedade brasileira que construía ―uma nova ordem econômica, política e social‖
(SOARES, 1994, p. 86).
1- Educação Física: influência dos médicos higienistas
Nesse contexto, evidenciam-se avanços nas descobertas científicas da higiene e,
assim, os médicos higienistas ganham lugar de destaque com o apoio do poder de
Estado que ―[...] medicaliza suas ações políticas, reconhecendo o valor político das
ações médicas‖ (COSTA, 1983, p. 29).
Pode-se acrescentar ainda que: ―a medicina social, em sua vertente higienista,
vai influenciar e condicionar, de modo decisivo, a Educação Física, a educação escolar
em geral, e toda a sociedade brasileira‖ (SOARES, 1994, p. 87).
No que concerne a Educação Física no espaço escolar, no Brasil, a partir da
segunda metade do século XIX, Soares (1994) salienta que, pode contar como base para
as propostas pedagógicas o pensamento médico higienista que considerou-se como
valioso componente curricular, uma vez que, acentuava-se o caráter higiênico nos
Historicamente, percorreu um longo caminho, já que as questões da saúde, da
higiene relacionados aos corpos dos indivíduos foram percebidas no Brasil colonial
como preocupação das elites estrangeiras, originando nesse período, porém instaurou-se
na República e, assim, expressou-se como traços da modernidade.
No que se refere ao lócus de atuação definido pela higiene teve a família de elite,
como é explicitado por Costa apud Soares:
[...] Não interessava ao Estado modificar o padrão familiar dos escravos que
deveriam continuar obedecendo ao código punitivo de sempre. (Os escravos)
juntamente com os desclassificados de todo tipo, serão trazidos à cena como
aliados na luta contra a rebeldia familiar. Escravos, mendigos, loucos,
vagabundos, ciganos, capoeira, etc, servirão de anti-norma, de caos – limite
de infração higiênica. A eles vão ser dedicadas outras políticas médicas. Foi
sobre as elites que a medicina fez incidir sua política familiar, criticando a
família colonial nos seus crimes contra a saúde (COSTA apud SOARES,
1994, p. 88.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
pressupostos da moralidade sanitária.
402
Nesse contexto, evidencia que os higienistas consideravam que a família de elite
era incapaz de criar os seus filhos e de cuidar dos adultos, assim, entre a família e a
criança eram colocados os interesses dos médicos e estes assumidos pelo Estado.
Percebia, assim que enquadrava-se o corpo dos indivíduos de elite num espaço
disciplinar pela educação física incluindo os cuidados higiênicos, o exercício físico
acreditando-se como um fator de transformação social.
Segundo Soares:
Essa educação física (que incluía exercícios físicos sob as forma de
ginástica), pensada pelos médicos, só poderia ser desenvolvida a contento, se
os Colégios que lhe reservavam espaço considerável fossem reorganizados.
Eles não poderiam ser um prolongamento da desordem familiar e, muito
menos ainda, o espaço de reprodução das idéias dos pais sobre a educação de
seus filhos. Aquelas idéias eram absolutamente nocivas conforme observa o
médico Joaquim José de Oliveira Mafra, em tese apresentada à Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro, no ano de 1855. Para ele, os Colégios deveriam
ser contrários às idéias educacionais dos pais, porque estes desejam que seus
filhos sejam superalimentados onde o paladar é mais importante; exigem
leitos confortáveis, macios e o excesso de agasalhos; temem pela fadiga dos
filhos se submetidos a passeios longos onde a exposição ginástica temendo
possíveis acidentes (SOARES, 1994, p. 93).
Nesse sentido, os Colégios deveriam trabalhar no sentido de construir um
indivíduo saudável, porém lhes faltava um compromisso maior com a unidade nacional,
já que foram criados com o espírito regionalista.
desse modo, não ofereciam condições adequadas para educar as elites, já que a
administração nacional era responsável somente pelo ensino superior.
Durante o Império, a partir da segunda metade do século XIX, as reformas
educacionais buscam a orientação literária e científica, Soares (1994) ressalta que essas
orientações eram sensíveis à necessidade da Educação Física, mas sua incorporação não
ocorreu tranquilamente no ensino regular, pois os argumentos médicos não foram
suficientes para acabar com o preconceito em relação à Educação Física julgada como
imoral, em especial quando se dirigia às mulheres.
Soares revela ainda:
Entretanto, se de um lado existiam aqueles que a consideravam imoral para
as mulheres, de um outro, vamos encontrar aqueles que a defendiam por
julgá-la necessária. Estes afirmavam que o corpo feminino devia ser
fortalecido pela ―ginástica‖, adequada ao seu sexo e às peculiaridades
femininas, pois era a mulher que geraria os filhos da pátria, o bom soldado e
o elegante e civilizado cidadão (SOARES, 1994, p. 102).
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Notava-se, também que os Colégios não eram mantidos pelo poder público e,
403
O período do Império marcou-se por formulações legais sobre a Educação Física
nas escolas, havia proibições e liberações bem distintas, principalmente preocupações
com a educação das elites.
Assim aumentavam as propostas médicas, propostas legais, detalhamento do
espaço escolar, currículos. No entanto, no final deste período uma certa preocupação da
elite surgiu em relação à educação da população em geral, isto é, à educação pública.
Ao referir-se às reformas do ensino, no final do Império, Soares (1994) revela
que os dirigentes buscam incorporar a ginástica nos currículos escolares, podendo
destacar o Decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879, assinado por Carlos Leôncio de
Carvalho que trazia na grade curricular o espaço obrigatório nas escolas primárias e
secundárias do município da Corte. E, ainda, o Parecer de nº 224 sobre a Reforma
Leôncio de Carvalho sintetiza o conjunto de medidas necessárias para a ginástica nos
currículos escolares:
1º - Instituição de uma secção especial de ginástica em cada escola normal.
2º - Extensão obrigatória de ginástica a ambos os sexos na formação do
professorado e nas escolas primárias de todos os graus, tendo em vista, em
relação à mulher, a harmonia das formas feminis e as exigências das
maternidade futura (grifos nossos).
3º Inserção da ginástica nos programas escolares como matéria de estudo, em
horas distintas das do recreio, e depois das aulas.
4º Equiparação, em categorias e autoridade, dos professores de ginástica aos
de todas as outras disciplinas (BARBOSA apud SOARES, 1994, p. 113).
recreio, extensão da ginástica a ambos os sexos, realçando que à mulher deveria
acentuar as suas formas feminis, desse modo mostrava-se as diferenças da mulher em
relação ao homem. Percebe-se, também, a preocupação em tornar os indivíduos
saudáveis e fica claro a definição dos papéis e funções desempenhadas pelos homens e
mulheres.
Com o novo regime, ou seja, com o advento da República, tendo na liderança
uma elite liberal, burguesa, capitalista houve um grande impacto com a libertação das
idéias destes líderes, acentuando os padrões de moral e honestidade, como Soares
explicita sobre esse regime:
Um regime assim, se por um lado ―desenvolve‖ a sociedade brasileira,
iniciando ainda que tardiamente a sua integração ao capitalismo mundial, por
outro, e como face do mesmo processo, acentua a miséria, degrada a vida e
destrói os laços mais singelos e ternos que unem os indivíduos, atirando-os,
desde muito cedo a um tipo de trabalho degradante e mal pago. Como
testemunho da miséria do povo estão os altos índices de doenças e de
mortalidade nas primeiras duas décadas da República [...] é com o advento da
República que será colocado em prática através de ações intervencionistas
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Nesse sentido, evidencia-se o seu caráter obrigatório, distinguindo das horas de
404
apoiadas pelo Estado, com o objetivo de, em nome da saúde, manter a ordem,
ampliando para o conjunto da população a determinação de normas para
conseguir uma vida saudável, e o ―pleno funcionamento da sociedade‖
(SOARES, 1994, p. 117).
Na República, os médicos começam a assumir cargos administrativos e, assim,
os médicos higienistas mostraram-se eficientes no combate a algumas doenças, às
epidemias.
Destaca-se, também, que havia uma grande preocupação, dos médicos
higienistas, em relação à cidade, considerada alvo que exigia um controle maior, uma
intervenção higiênica; portanto, não foi objeto de preocupação e intervenção higienista
no meio rural, embora havendo apresentasse os mesmos problemas de saúde e as
mesmas taxas de mortalidade.
―A intervenção médico-higiênica, que ocorre neste cenário citadino e que
expressa, sobretudo, a voracidade do novo regime, não se dará no sentido de alterar as
relações sociais ali presentes. Aquela intervenção estará voltada exclusivamente para o
meio ambiente‖ (SOARES, 1994, p. 120). Assim, revela este autor que, o ambiente era
considerado responsável direto pela saúde do corpo individual e social.
O cuidado corporal se estende com a Educação Física nos espaços escolares, a
higiene faz parte da Ginástica e da Educação Física e integram às propostas
2- Educação Física: inspiração militar no espaço escolar
A inspiração militar no espaço escolar, no que concerne à educação física, se
deve à preparação dos primeiros professores civis de Educação Física e de sua prática
de forma sistemática no Brasil. Tem-se, ainda, que a Educação Física no Brasil
relacionava-se à experiência francesa, já que desempenhava-se no Brasil, pelos militares
papel semelhante aos da França.
Nesse contexto, Castro revela:
No Brasil, já em 1921 foi aprovado o Regulamento de Instrução Física
Militar, destinado ao Exército e calcado no Projet fancês, por influência
direta da Missão Militar Francesa, recentemente chegado ao Brasil. No ano
seguinte, uma portaria do Ministra da Guerra (10/1/1922) criou um Centro
Militar de Educação Física, destinado a ―dirigir, coordenar e difundir o novo
método de educação física e suas aplicações desportivas‖. A portaria
estabelecia que: ―O curso de instrutores e monitores será dirigido por um
oficial da Missão Militar Francesa, auxiliado por dois oficiais brasileiros
conhecedores do novo método de educação física e indicados pelo Estado-
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
pedagógicas, tendo suporte legal nas reformas educacionais.
405
Maior do Exército‖. Esse Centro não chegou a ser instalado (CASTRO, 1997,
p. 65).
Nesse sentido, a educação física de orientação francesa foi utilizada no Exército
durante toda a década de 20. ―Em 1928 a Missão Militar Francesa passou a contar entre
seus integrantes com um oficial encarregado exclusivamente de dirigir a instrução de
educação física‖ (CASTRO, 1997, p.65).
No ano seguinte, um anteprojeto de lei, elaborado por uma Comissão Física,
presidida pelo ministro da Guerra, general Nestor Sezefredo Passos, tornava obrigatória
a educação física em todos os estabelecimentos de ensino, federais, municipais e
particulares.
Essa obrigatoriedade atingia a todos, a partir da idade de seis anos e para ambos
os sexos. Estabelecia, ainda, neste anteprojeto que, enquanto não existisse um método
nacional deveria ser adotado o Método Francês.
As iniciativas práticas não tardaram. O Centro Militar de Educação Física
promoveu um Curso Provisório que funcionou inicialmente na Escola de
Sargentos de Infantaria da Vila Militar (Rio de Janeiro, sob a orientação
técnica do 1º tenente Inácio de Freitas Rolim. O curso, que teve a duração de
um ano letivo, formou, além de militares, 22 professores civis, que foram
lecionar em escolas públicas do Distrito Federal, principalmente na Escola
Normal. O método utilizado era o francês, assim defendido por um dos
professores: ―Da colaboração de todos os interessados, civis e militares,
levados em contas as características da curva fisiológica brasileira, surgirá o
método geral, aplicável a todos os brasileiros, sem distinção de sexo ou
idade, concretizado em regulamento geral. A nossa tendência é, assim nos
parece, a adaptação do Método Francês, mais de acordo com o nosso
temperamento de latino (CASTRO, 1997, p. 67).
Nesse sentido, a Educação Física praticava o Método Francês, mas surgiu o
interesse dos brasileiros, em uma adaptação de acordo com o temperamento latino, até
que projetassem um método nacional.
Após a Revolução de 30, com destaque ao papel que ocupava os militares no
Estado, a implantação do projeto militar para a educação física e sua inserção nas
escolas ficaram mais fortes.
No entanto, a Associação Brasileira de Educação – ABE, defendia a introdução
da educação física nas escolas, proposta que constava em um projeto de reforma do
ensino secundário elaborado em 1929.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Castro revela que:
406
A ABE propunha, ainda, a criação de uma Escola de Educação Física anexa à
Universidade do Brasil, e tinha como objetivo a preparação de instrutores civis que
atendessem as escolas primárias, secundárias e normais.
A ABE não queria permitir que os militares invadissem as escolas,
principalmente por ser um projeto militar; e, também, não concordava com o Método
Francês, que considerava este com espírito e tendências militares.
Outras críticas surgiram em relação ao projeto militar para a educação física, que
ocorreu entre 1930 e 1945, quando da oposição de alguns educadores civis e da Igreja,
porém nada conseguiram, fracassando frente à força militar.
Castro revela que:
Em novembro de 1930 o governo provisório de Getúlio Vargas criou o
Ministério da Educação e Saúde Pública (MÊS). Em 1931, o ministro
Francisco Campos reformou o ensino secundário, tornando obrigatórios os
exercícios de educação física em todas as classes (decreto nº 19.890, de 18/4)
e pouco depois, ignorando os apelos da Associação Brasileira de Educação,
mandou adotas as normas e diretrizes do Centro Militar de Educação Física
(portaria nº 70, de 30/6), o que implicou, mais uma vez, a adoção do Método
Francês (CASTRO, 1997, p. 69).
Desse modo, prevaleceu a força militar, sendo oficialmente aprovado o
Regulamento de Educação Física do Exército, pelo Decreto nº 21.324 de 27/04/1932.
Segundo Castro (1997), entre 1934 e 1945, o Ministério da Educação e Saúde
área militar em relação à educação física, tornando-a definitivamente institucionalizada
no ensino civil.
Em 1937, com a reorganização do MES criou-se a Divisão de Educação Física –
DEF, subordinada ao Departamento Nacional de Educação.
De acordo com Cantarino Filho apud Castro:
Com o fim do Estado Novo, a situação no campo da educação física
modificou-se rapidamente. Professores civis reunidos no IX Congresso
Brasileiro de Educação, promovido pela ABE em junho de 1945, aprovaram
uma Carta Brasileira de Educação Democrática que indicava, entre outras
medidas, a extinção da organização Juventude Brasileira (inspirada na
juventude nazista) e do Departamento de Educação Nacionalista, bem como
―de quaisquer vestígios desse tipo, acaso impregnados na administração
escolar‖ (CANTARINO FILHO apud CASTRO, 1997, 69).
As preocupações continuavam, naquele momento, para a mudança do Método
Francês para um Nacional. Em 1943 foi promovido um concurso de contribuições para
o Método Nacional de Educação Física, publicado um edital no Diário Oficial de
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Pública – MES, chefiado por Gustavo Capanema, tornou-se estreitos os contatos com a
407
27/7/1943, vencendo o trabalho elaborado por uma Sociedade de Estudo dos Problemas
da Educação Física, intitulado Bases Científicas da Educação Física. Em 1944, outro
concurso, promovido pela Divisão de Educação Física.
Portanto, com a desagregação do regime autoritário do Estado Novo, as
iniciativas para a criação do Método Nacional foram abandonadas. Assim, outros
métodos além do francês foram utilizados.
Assim, a Educação Física continuou a mostrar e assegurar as mudanças
necessárias na educação e a conquistar seu espaço na instituição escolar. Com a Lei nº
4.024/61, em seu artigo 22, teve ratificada sua obrigatoriedade no ensino primário e
médio, não se cogitava de torná-la obrigatória também no ensino superior.
Em 1966, o Conselho Federal de Educação deixou transparecer sua posição a
esse respeito, que segundo Castellani Filho, assim se expressou no Parecer nº 424:
Nesse sentido, defende com clareza o seu ponto de vista. E, mais tarde, com a
força legal, a Educação Física passou a ter a sua obrigatoriedade estendida a todos os
níveis e ramos de escolarização. Concluindo, nos anos sessenta, iniciou-se nova atenção
do governo pela Educação Física
3- A Educação Física na instituição escolar Ituiutabana (1942-1964)
O município de Ituiutaba-MG, no período de 1942 a 1964, passou a atender as
exigências educacionais da população, cada vez maior, pois destacava-se seu
desenvolvimento político, econômico e social.
Nesse período contava com escolas conceituadas como Instituto Marden,
Colégio Santa Teresa, Ginásio São José, Escola Noturna Machado de Assis, entre as
demais destacavam as escolas rurais e grupos escolares.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Todos receonhecemos a necessidade e o benefício de exercícios físicos em
qualquer idade, desde que devidamente adaptados. Entretanto, a razão de ser
da obrigatoriedade prescrita em lei, não é tanta o beneficio, e sim o papel de
fator formativo, que inclui atitudes físicas, mentais e morais. Por isso, a
obrigatoriedade da Educação Física se ajusta bem aos cursos de nível médio
que, de conformidade com a Lei de Diretrizes e Bases, se destinam à
formação do adolescente. Ultrapassada essa faixa de formação, a prática de
exercícios físicos já deve ser um hábito agradável e saudável, resultante de
um processo formativo [...] Nada impede que nas escolas superiores, haja
diversas modalidades de exercícios físicos. O que parece não caber mais, é a
obrigatoriedade da Educação Física [...] (CASTELLANI FILHO, 1988, p.
117).
408
Segundo o Centenário de Ituiutaba 2001, a educação para este município sempre
foi uma prioridade e, fundamenta que:
O município contava com 31 (trinta e uma) escolas funcionando, com apenas
4 (quatro) de pau a pique, porém, cobertas de telhas. As demais possuíam
salas amplas e arejadas, quase todas convenientemente com carteiras,
quadros-negros, etc. De maio de 1964 a setembro de 1965, foram construídos
os seguintes prédios exclusivamente para escola: Escola Prof.ª “Maria José
Fratari” – prédio de estilo moderno, situada na Serra da Aroeira. Prof.ª Sônia
Maria dos Reis. Escola “Antonio Pedro Guimarães” – local denominado
Macado. Prof.ª Maria Divina Martins Mariano. Mobiliário fornecido pela
prefeitura. Escola “Diôgo de Souza” - local denominado Rancharia. Prof.ª
Aurora Tereza de Morais. Mobiliário fornecido pela prefeitura. Escola “São
José” – situada no Córrego do Mosquito. Prof.ª Itelvina Silveira da Costa.
Mobiliário fornecido pela prefeitura. Escola “Gerôncio Rodrigues Chaves” –
situada na Fazenda Ibiranga. Prof.ª Lisbete Rezende (até 22/7/1965). Escola
“Aureliano de Freitas Franco – situada na Usina. Prof.ª Mafalda de Melo.
Mobiliário fornecido pela prefeitura. Escola “Rui Barbosa”. Situada no
Brejão. Prof.ª Célia Maria da Silva. Mobiliário fornecido pela prefeitura.
Escola “Carlos Gomes” – situada na Mateirinha. Prof.ª Elza Rosado de
Morais (CENTENÁRIO DE ITUIUTABA, 2001, p. 129-130).
Dentre as escolas do município de Ituiutaba-MG tornou-se possível o contato
com alunos que frequentaram as mesmas, no período de 1942 a 1964 e, assim,
contribuíram para a coleta de dados que retrata a Educação Física neste município.
Metodologia
O estudo constituiu-se da pesquisa bibliográfica, baseada na literatura que
(cinco) sujeitos estudantes do período de 1942 a 1964, do município de Ituiutaba-MG.
Assim que discursavam uma realidade vivida, envolvidos pelo espaço e tempo
de um contexto histórico-cultural, suas emoções tornavam-se explicitas.
Os anexos foram oferecidos pelos sujeitos entrevistados para retratar o momento
histórico.
Resultados
A caracterização dos sujeitos pode ser assim apresentada.
A faixa etária dos sujeitos estudantes entrevistados do período de 1942 a 1964
compreendem os anos de 1922 a 1952.
A escola que estudaram foram: Instituto Marden – Escola Normal ―Dr. Benedito
Valadares‖; Colégio Santa Teresa; Ginásio São José; Grupo Escolar João Pinheiro.
Ao serem questionados se lembravam o nome de seus professores de Educação
Física, a resposta foi afirmativa e falavam os nomes com muita emoção.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
aborda a temática nesse período histórico e, a pesquisa de campo, entrevistando 05
409
Quanto à questão referente à pergunta ―Como eram as aulas de Educação Física
na sua época?‖ As respostas obtidas são visualizadas na Tabela 1, a seguir.
Tabela 1 – Como eram as aulas de Educação Física na sua época?
Sujeitos
Respostas
1
As aulas eram realizadas pela manhã, no horário de 6h às 6h50min.
Três aulas por semana. Tínhamos uniforme próprio e era
obrigatório. As aulas eram bem diversificadas, fazíamos exercícios
com bastão, com alteres, praticávamos salto de altura, salto à
distância com vara e tínhamos a parte de esporte e o preferido era
vôlei.
2
Eram de muito exercício.
3
Eram boas, com muitas brincadeiras.
4
Eram aulas que não nos motivavam fazê-las. Fazíamos por
obrigação.
5
Fazíamos ginástica com um bermudão e depois jogávamos bola.
Percebe-se, bastante clareza em suas respostas, mostrando o horário, o número
de aulas por semana, o uniforme obrigatório, aulas diversificadas, a ginástica, o jogo e,
ainda, a ludicidade presente. No entanto, o Sujeito 4, não apresenta muito entusiasmo
com as aulas, sentindo-as como uma obrigação.
A questão a seguir: ―Que atividades a escola desenvolvia dentro da Educação
Tabela 2 – Que atividades a escola desenvolvia dentro da Educação Física que você
considerava mais importante?
Sujeitos
Respostas
1
O que considerava mais importante dentro das atividades
praticadas na Educação Física naquela época é que fazíamos
apresentações fora da escola, local preferido praça da prefeitura,
usando uniforme de gala, com grande público nos assistindo e
aplaudindo. Nós estudantes tínhamos prazer e orgulho de nos
apresentar, esse dia era dia de festa.
2
Vôlei e marcha.
3
Vôlei, Ping-Pong, Basquete, Queimada.
4
Os desfiles de sete de setembro e dia dezesseis (Aniversário de
Ituiutaba)
5
Me fazia feliz quando tínhamos as competições e as gincanas.
As respostas nos mostram a diversidade das atividades e a vida social dos
estudantes, sentindo-se bem com as atividades extra-classe.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Física que você considerava mais importante?‖ As respostas são apresentadas na Tabela
410
Dentre as perguntas, muito significativa para o estudo tem a questão de número
10: ―Como a Educação Física, em sua opinião, contribuía nos aspectos da higiene
pessoal?‖
Tabela 3 – Como a Educação Física, em sua opinião, contribuía nos aspectos da higiene
pessoal?
Sujeitos
Respostas
1
De uma maneira geral, a Educação Física, contribuí na higiene
pessoal, levando a pessoa a tomar banho diário.
2
-3
-4
Pela importância da higiene pessoal, na manutenção da qualidade
de vida do ser humano.
5
Preocupávamos apenas com os cabelinhos das pernas e braços.
Fica clara a contribuição com os aspectos da higiene, nas aulas de Educação
Física, que afirma a investigação realizada na literatura, do ponto de vista dos autores
apresentados que delinearam o período de 1942 a 1964.
Outra questão que tornou-se relevante é a de número 15: ―Você se recorda se em
algum momento houve repressão quanto à participação das mulheres em atividades
Tabela 4 – Você se recorda se em algum momento houve repressão quanto à
participação das mulheres em atividades esportivas ou em outro evento qualquer?
Sujeitos
Respostas
1
Já na minha época de estudante, as mulheres participavam
ativamente das atividades esportivas e não me lembro de nenhuma
repressão.
2
Não.
3
-4
Não.
5
-Vale ressaltar diante dos resultados que as respostas foram dadas por mulheres,
sendo a escolha dos sujeitos entrevistados aleatoriamente, como procedimento somente
o período da pesquisa coincidindo com o período de suas escolaridades.
Na Tabela 5 visualiza-se a questão de número 18: ―Como você avalia a
participação dos estudantes da época nas aulas de Educação Física? Tinha avaliação,
registro de frequência, exames médicos? Como era o processo?‖
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
esportivas ou em outro evento qualquer?‖
411
Tabela 5 – Como você avalia a participação dos estudantes da época nas aulas de
Educação Física? Tinha avaliação, registro de frequência, exames médicos? Como era o
processo?
Sujeitos
Respostas
1
A maioria dos alunos demonstrava interesse pelas aulas de
Educação Física. Os alunos eram avaliados mensalmente,
atribuindo-lhes, notas de zero a dez. A frequência era obrigatória,
havia exame-médico, duas vezes por ano.
2
Com muita alegria e participação. Tinha avaliação, respondendo
um questionário e fazendo exame-médico todo ano.
3
-4
A participação era boa. Sim, éramos avaliados através de examesmédico e havia registro de frequência.
5
Tinha tudo e era muito organizado as 6 horas e 15min.
Desse modo, e a partir da leitura das respostas das questões que constituíram o
questionário, pode-se perceber que a Educação Física teve grande importância para os
estudantes, naquele momento, contribuiu para o físico como também para incentivar a
prática dos exercícios físicos e esporte, base para se ter uma boa saúde.
Considerações Finais
A pesquisa revelou diante do significado histórico que as aulas de Educação
Física surgiram num cenário higienista e militarista, com o propósito de tornar a
população mais saudável, tanto no contexto militar como acentuando a sua importância
Os resultados foram significativos e surpreendentes, pois a maioria dos discursos
revelou prazer e disciplina, diversidade nos jogos e modalidades de esporte variadas.
Retratou-se, também, nos discursos, a relação interpessoal professor-aluno, em
que apresentaram divergências em suas respostas, enquanto uns apontavam o
autoritarismo dos professores, outros os admiravam enfatizando o respeito e a
disciplina, amizade e compreensão, dentro de seu perfil exigente.
O registro das narrativas promoveu a análise e compreensão das questões
elencadas que abordam a práxis do docente que ministrou a disciplina Educação Física,
bem como a contribuição nos aspectos que concerne à relação professor-aluno, à
postura do educador físico e ao significado desta disciplina para os sujeitos
entrevistados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
na escola.
412
CANTARINO FILHO, Mário Ribeiro. A educação física no Estado Novo: história e doutrina.
Dissertação de Mestrado (UnB), 1982, In: CASTRO, Celso. In corpora sano: os militares e a
introdução da Educação Física no Brasil. Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil – CPDOC. Niterói, RJ, 1997.
CASTELLANI FILHO, Lino. Educação física no Brasil: a história que não se conta.
Campinas, SP: Papirus, 1988.
CASTRO, Celso. In corpora sano: os militares e a introdução da Educação Física no Brasil.
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC.
Niterói, RJ, 1997.
ITUIUTABA. Centenário de Ituiutaba 2001. Prefeitura Municipal de Ituiutaba. Secretaria
Municipal de Educação e Cultura. Ituiutaba: EGIL, 2001.
SOARES, Carmen Lúcia. Educação Física: raízes européias e Brasil. Campinas, SP: Autores
Associados, 1994.
ANEXOS
Fonte: arquivo pessoal
Fonte: arquivo pessoal
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Fotos dos desfiles realizados e atividades físicas
413
Fonte: arquivo pessoal
Fonte: arquivo pessoal
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Ficha Médica
414
CURRÍCULO, CULTURA E RELAÇÃO DE PODER
Diana Lima Pereira
Graduanda em história/UFG
Introdução: o que é currículo?
O currículo é uma transposição didática, onde o conhecimento produzido pela
sociedade transforma-se em cultura escolar. Desde o período da ―redemocratização‖ o
Brasil, com - influências internacionais- está reescrevendo seus PCNs. Preocupado com
o papel a ser desempenhado por cada disciplina. Porém se na teoria o currículo nacional
não é obrigatório, na prática é ele que determina as avaliações e os livros didáticos. ―Há,
no entanto um grau de autonomia das instituições escolares e dos professores que
possibilita a seleção dos conteúdos, sendo salutar que às escolas tenham espaços de
estudo e de discussão do que está sendo proposto pelos PCNs, tanto para seguir como
para rejeitar.‖ (Libâneo). Mas como é ressaltado pelo próprio autor, o professor se
acomoda pelo currículo (no caso o livro didático).
O currículo pode ser entendido como a forma de se socializar crianças e jovens
de acordo com valores tidos como desejáveis (Moreira. 1997). É necessário fazer a
definição da palavra currículo. Cito aqui algumas definições discorridas por Moreira:
a)
Conhecimento escolar e experiência de aprendizagem: entende-se o que
deve ser compreendido e aplicado pelo aluno. Essa perspectiva trás dois
b)
Ênfase nas diferenças individuais dos alunos. A escola torna-se o
ambiente em ação para as experiências totais dos alunos.
c)
Influência da pscicologia: nesse caso o Behaviorismo.
d)
Reconhecimento de que currículo não acarreta apenas a parte escrita, mas
também a prática escolar efetiva. Distinguindo então o currículo formal (criado pelo
poder estatal), currículo real (o que efetivamente é realizado em sala de aula, e a
interação entre professor e aluno), e currículo em ação.
e)
O conceito de currículo oculto, no qual é valorizada a interferência que o
professor realiza no currículo. Esta concepção vai além do reducionismo marxista da
escola como reprodutora e fixadora dos valores de divisão de classe, uma vez que a
escola ―é o espaço no qual se travam lutas ideológicas e políticas, passível, portanto, de
abrigar intervenções que visem a mudanças sociais.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
questionamentos: ―O que deve um currículo conter? Como organizar esses conteúdos?‖
415
f)
Influência do pós-modernismo. O currículo como campo de identidades e
subjetividades.
Desenvolvimento: currículo, globalização e utopia.
No Brasil são fortes as tendências vindas do exterior. No caso da disciplina
história a maior interferência vem da França. Essa orientação internacional se embasa
nos pressupostos construtivistas, que nortearam também os países latino americanos.
Vários autores como Bittencourt, Libâneo, Silva e Fonseca concordam
que há no currículo relações de poder.
... concebemos currículo como uma construção, um campo de lutas, um
processo, fruto da seleção e da visão de alguém ou de algum grupo que detèm
o poder de dizer e fazer. Logo, o currículo revela e expressa tensões,
conflitos, acordos, consensos, aproximações e distanciamentos. É histórico,
situado, datado no tempo e no lugar social. (SILVA E FONSECA, 2007.
p.44).
Há forças ideológicas no currículo além de interesses capitalistas. Concordamos
com Bittencout quando esta diz que as reformulações curriculares atendem a nova
configuração mundial ―para submeter todos os países a lógica do mercado‖. Os países
periféricos têm o desafio de se ―enquadrar‖ no novo contexto mundial. Para que os
integrantes da sociedade sejam capazes de sobreviver no capitalismo neoliberal, tornase necessário que tenham amplos domínios do conhecimento.
mercado reina. A estranha lógica do mercado submeti tudo e todos. Inclusive os
currículos. Estes abordam a necessidade de formar futuros trabalhadores competentes.
Quanto melhor a formação, melhor será o emprego e consequentemente o status. A
escola virou um bem de consumo, e influenciada pela competitividade, escolas
disputam quem classifica mais alunos nos vestibulares das melhores universidades.
Procura formar sujeitos aptos á armazenar informação e não compreender problemas
humanos.
Quem também obtém demasiada influência nos currículos é o discurso pósmoderno. Entre as principais mudanças estão:
(a) o abandono das grandes narrativas; (b) a descrença em uma consciência
unitária, homogênea, centrada; (c) a rejeição da idéia de utopia; (d) a
preocupação com a linguagem e com a subjetividade; (e) a visão de que
todo discurso está saturado de poder; e (f) a celebração da diferença.
(Moreira, 1997. Página 10)
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
A globalização trouxe o modelo econômico do neoliberalismo, onde o livre
416
Para Moreira a rejeição da idéia de utopia seria nociva á educação. O autor
sugere o não abandono total do modernismo. Utilizando assim a idéia de otimismo e
utopia na educação. Porém, ao discorrer sobre utopia, não cai na idéia reducionista de
um mundo social e político imaginário e perfeito. É clara a recusa pela metanarrativa
para se conquistar o modelo utópico de sociedade. A conquista da utopia aconteceria
apenas com a capacidade de se retirar a hierarquia presente das duas ciências (naturais e
sociais). É necessária a valorização do senso comum, ou seja, não enaltecer apenas as
ciências como a única fornecedora de verdades, reconhecendo assim as inúmeras formas
de conhecimento. Rejeitam-se as práticas hegemônicas. O que ganha realmente
destaque é a dignidade humana. E é esse princípio que deve ser valorizado pelas
culturas.
Seguindo também a tendência da globalização, está na moda nos textos
acadêmicos a palavra multicultural. Para Santos e Lopes multiculturalismo é uma
expressão indefinida, o que dificulta a sua compreensão, sendo até mesmo, em alguns
países como os Estados Unidos, confundido com interculturalismo. As distinções dos
prefixos ―multi‖ e ―inter‖ se dariam porque o primeiro é limitado á valorização das
diferenças. Por outro lado o interculturalismo seria mais abrangente, preocupando-se
O sentido é de que, ao entrar em interação com as outras culturas, uma dada
cultura poderá se desestabilizar ou ser relativizada e até mesmo contestada
em seus princípios básicos, expondo-se à crítica e à autocrítica, o que
possibilita a eliminação dos aspectos negativos presentes nas diferentes
tradições culturais. (Santos e Lopes.2006. pagina 35)
Santos e Andriolli falam sobre a desvalorização das disciplinas de
humanas em comparação com as exatas e biológicas. Por outro lado houve a valorização
da ―sociedade do conhecimento‖, no qual entre outras coisas se exigem habilidades
intelectuais mais complexas.
Com a globalização as salas de aula estão ficando heterogêneas, é dever
do professor respeitar a individualidade do seu aluno. Além do mais a mídia traz
imagens de outros povos, outras culturas, outras religiões. Estamos vivendo a cultura da
imagem173, no qual o professor deve tomar cuidado para não ser apenas um transmissor
das informações estereotipadas trazidas pela mídia. Ou seja, muitos professores no
intuito de renovarem suas aulas procuram técnicas diferentes, porém a metodologia de
transmitir um conhecimento já formado ainda continua.
173
Bittencourt
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
com a troca e interação.
417
Como fora citado acima, currículo é uma transposição didática do
conhecimento e da cultura humana. Dessa forma há uma reelaboração dos conteúdos
culturais. ―Nesse processo de seleção, a escola termina por trabalhar apenas com uma
parcela restrita da experiência coletiva humana‖. (Santos e Lopes. 2006. página 36).
Isso significa que culturas são marginalizadas do conteúdo escolar, sendo eliminada e
devendo ser substituída pela cultura hegemônica (identidade).
Se por um lado os currículos sofrem a influência do neoliberalismo, para formar
sujeitos aptos, competentes, que saibam ter informações, por outro há grupos que
reivindicam ter sua história contada. Desde o processo de redemocratização da década
de 80, houve a preocupação de que todos participassem do processo político. Há
necessidade em formar sujeitos ativos, que saibam compreender a sociedade no qual
estão inseridos, para desse modo ser dono de suas ações, ao contrário do sujeito passivo.
Há então a necessidade de reconhecer o espaço escolar para dar voz aos
oprimidos, indo além do reconhecimento e valorização das diferenças culturais. Mas
também para a problematização e questionamento do que seriam essas diferenças e
como elas se formaram. Deve-se também identificar o conceito de multiculturalismo,
para não cair em equívocos como ressaltam Santos e Lopes, de aceitar uma cultura
dominante que pode assimilar as desprivilegiadas.
O termo multiculturalismo demonstra preocupação com a diversidade
O conceito é utilizado também para expressar a defesa de um caminho mais
flexível para a escola que se pretende aberta aos saberes do cotidiano,
inserida no espaço do multi, do pluri. O professor, nesse contexto
multicultural, ―deve‖ está além dos territórios e dos limites que o saber
especializado representa no contexto da escola. Assim, ―deve‖ ter a
capacidade de interdisciplinarizar, de integrar, de incluir em contextos
específicos os sujeitos e os saberes dos excluídos: negros, índios, pobres,
homossexuais, portadores de deficiências físicas, mentais e outros. (SILVA E
FONSECA, 2007.p. 45)
Nota-se que no contexto multicultural o Estado e algumas instituições estão
preocupados com as ―minorias‖, de valorizá-las. Havendo uma preocupação em
apresentar a escola ―como um espaço de acolhimento, inclusão, respeito, de ‗resgate‘ de
identidades e culturas múltiplas.‖ (SILVA E FONSECA, 2007.p.45). Os PCNs são
influenciados com a introdução de temas transversais como ―ética‖ e ―pluralidade
cultural‖.
A questão da identidade e da diferença:
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
geográfica, racial, religiosa, política entre outros.
418
Mas não se deve esquecer o caráter, talvez ingênuo, do termo multicultural. Isto
é, este traz consigo dois termos politicamente corretos: respeito e tolerância, mas se não
questionados tornam-se vagos, apenas reforçando que existe um diferente para ser
tolerado. Tadeu da Silva levanta a questão se essa pedagogia da tolerância e respeito
pelo diferente é suficiente para servir de base para uma pedagogia crítica e
questionadora. É importante que esse aluno saiba ver o outro não como algo natural, em
sua essência, mas como uma produção social, com relações de poder. O diferente, não é
uma essência pacífica da cultura, é uma construção. O outro cultural é sempre um
problema, pois coloca permanentemente em xeque nossa própria identidade.
É necessário questionar a construção da identidade e diferença. Identidade é
dizer o que se é e o que não se é. Afirmo ser algo para deixar claro que não sou outra
coisa. Exemplo: ―sou católica‖, ou seja, ―não sou evangélica, não sou mulçumana‖.
Deve-se perceber que identidade depende da diferença e vice e versa. O diferente serve
para dizer aquilo que ele é, o que ele não é. Essa relação identidade e diferença podem
ser mostradas no que Bhabha fala sobre ―eu - outro‖. Isto é, ―eu‖ como ser que possui a
identidade, devo respeitar e tolerar o ―outro‖, aquele que é diferente.
Isto reflete a tendência a tomar aquilo que somos como sendo a norma pela
qual descrevemos ou avaliamos aquilo que não somos. Por sua vez, na
pespectiva que venho tentando desenvolver, identidade e diferença são vistas
como mutuamente determinadas.‖ (TADEU DA SILVA, ano. P. 76)
diferença apresentar-se-ia como o reflexo. Porém é necessário que ambos sejam
compreendidos como produções. Isso significa que não são naturalmente colocados. Ao
contrário são interdependentes e criações lingüísticas. ―A identidade e a diferença têm
que ser ativamente produzida‖ (TADEU DA SILVA, ano. P. 76). São criadas por meio
de atos de linguagem, pois identidade e diferença devem ser nomeadas. Porém essa
nomeação não é simples, seu aspecto não é apenas gráfico ou fonético. Há tanto o
conceito, como uma cadeia de conceitos que o permeiam. Quero dizer que, sistemas
simbólicos e culturais que compõem o que distingue identidade e diferença e não
aspectos culturais. ―Dizer isso não significa, entretanto, dizer que elas são determinadas,
de uma vez por todas, pelos sistemas discursivos e simbólicos que lhes dão definição‖.
Para Tadeu da Silva a linguagem não é estável, ela vacila.
Hall apresenta três concepções distintas de identidade, que são: sujeito do
iluminismo; sujeito sociológico; e sujeito pós-moderno. O primeiro é centrado, fixo e
masculino. É o homem no centro (laicizado) racional, o que está ciente da vinda do
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Como a identidade é aquilo que se deve ser, isto é, a ―norma padrão‖, a
419
progresso. O segundo faz abordagem da interação com o meio. O sujeito não é mais o
que é (essência), ou apenas o que é. Ele também é o seu meio. Esse sujeito ―nasce‖ na
primeira metade do século XX.
Mas o sujeito que importa aqui é o sujeito pós-moderno. Pois se percebe não ser
fruto de sua essência, com características pré moldadas. Exemplo: o oriental é exótico,
ignorante, atrasado. O sujeito agora é definido historicamente e não biologicamente. Ele
vive (confuso) com várias identidades. É partido, dividido, ao mesmo tempo em que:
Ele vivencia sua própria identidade como se ela estivesse reunida e
―resolvida‖, ou unificada, como resultado da fantasia de si mesmo como uma
―pessoa‖ unificada que ele formou na fase do espelho. (HALL. 1992. pagina
38)
A identidade não é algo acabado, ela está em processo. Existe sempre uma
procura para podermos construí-la.
A globalização traz duas conseqüências culturais, que é a homogeneização da
cultura e a cultura hegemônica. O primeiro significa a cultura única, igual, enquanto que
o segundo ―escolhe‖ qual a cultura ideal a ser ―copiada‖. Ameaçando assim a afirmação
cultural de diferentes grupos.
Da mesma forma, a globalização da cultura é uma estratégia importante, no
plano econômico, uma vez que cria condições para a produção de
mercadorias compatíveis com interesses e gostos de consumidores de todo o
planeta. (Santos e Lopes. 2009. página 31).
Hall nos adverte sobre estados nações que são compreendidos com pureza
comunidade imaginada‖. Sendo assim as diferenças entre nações surgem das formas
pelo qual essas diferenças são imaginadas. Ao ser criada a diferença entre nações,
entende-se que há uma nação identidade, a que teria a cultura hegemônica. Tornando as
outras nações em diferentes. Essa concepção acaba por transformar (ou tentar
transformar) as nações em homogêneas, como se não houvesse conflitos culturais e
étnicos nelas. Ou seja, como se cada nação tivesse sua identidade definida e uma
essência.
A globalização traz consigo a superação das fronteiras pelo capital. Ao
mesmo tempo em que se enfraquece o Estado Nação, sentimentos nacionalistas se
reforçam trazendo confrontos. Muitas vezes havendo um reforço das tradições e a
construção da identidade nacional que no intuito de se fortalecer e fixar-se constrói
representações através de símbolos e um discurso, e com isso o sentimento de lealdade
para com a nação. Surgindo então a essência da cultura nacional. Outro quesito
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
tradicional. Na realidade estes seriam imaginados. ―A identidade nacional é uma
420
influente é o discurso da cultura dominante, isto é, há uma cultura homogênea da nação,
porém há divergências locais, étnicas, de gênero e raciais. Trazendo então a cultura
hegemônica que subordina as demais através da mídia e do que Hall chama de
instituição cultural (Sistema educacional Nacional), essa subordinação está mais
presente na língua. Mesmo assim é evidente o fortalecimento da identidade local sobre a
identidade nacional.
Conclusão:
Este presente trabalho teve a intenção de relacionar currículo com tendências e
conflitos culturais e as relações de poder presentes nesse. Compreender como que as
tendências globalizantes e o mercado neoliberal interferem na construção do currículo
escolar para a criação de um sujeito capaz de se adequar ao mercado de trabalho. Há
uma relação de poder presente nos currículos, uma vez que, este não está apenas
objetivado em atender as exigências do mercado. Mas há uma luta entre as classes e
grupos. Tendo cada vez mais, necessidade dos grupos, tidos como excluídos da
sociedade, em terem voz na construção curricular.
Nessa perspectiva, procurei abordar a noção de identidade e diferença, para
poder relacioná-las ao currículo. Pois neste há a seleção cultural, o que é tido como
identidade, como norma padrão, a parte necessária para a compreensão e apreensão do
sendo apenas diferente (inferior) ao que é identidade. O currículo deve ir além da
celebração da diferença, ou ao seu consumo. Ao invés de simplesmente respeitá-lo
deve-se compreender como se construiu a diferença, tentar conhecê-lo, não como algo
exótico e questionar essa diferença. Pretende-se dessa forma, elevar a dignidade humana
sobre valorização cultural. Pois assim o currículo poderá, de acordo com Moreira, ter
capacidade utópica para a sociedade, excluindo as hierarquias do saber.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
SILVA, Tomas Tadeu da. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais/
Tomaz Tadeu da Silva (org.). Stuart Hall, Kathryn Woodward. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
aluno pela escola. O diferente pode ser abordado com preconceito explícito ou não,
421
MOREIRA, Antônio Flávio (org.). Currículo: questões atuais. In: ________. Currículo, Utopia
e Pós-Modernidade. São Paulo: Papirus, 1997. Cap. 1, p. 9-28.
MOREIRA, Antônio Flávio (org.). Currículo: questões atuais. In: ________. Globalização,
Multiculturalismo e Currículo. SANTOS, Lucíola Licínio. LOPES, José de Souza. São Paulo:
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BITTENCOURT, Circe Maria F.Ensino de História: fundamentos e métodos. In: ________.
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HALL,Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva,
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LIBÂNEO, J. C.; OLIVEIRA, J. F.; TOCHI, M. S. Educação Escolar: políticas, estrutura e
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BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Documentos não escritos em sala de aula. In: Ensino
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Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
<http://www.rieoei.org/deloslectores/905Santos.pdf>
422
EDUCAÇÃO PARA O TRABALHO: REFLEXÕES EM TORNO DA GENÊSE
DO COLÉGIO COMERCIAL OFICIAL DE ITUIUTABA (DÉCADA DE 1960)
Jóbio Balduino da Silva
Mestrando em Educação/UFU
Introdução
Este trabalho decorre das indagações surgidas durante as investigações
iniciais para elaboração da dissertação de Mestrado em Educação do PPGED da
Universidade Federal de Uberlândia (UFU), tendo como objeto de estudo a gênese e o
desenvolvimento do Colégio Comercial Oficial de Ituiutaba, promovendo reflexões
sobre a história da educação profissional pública em Ituiutaba-MG, no período de 1965
– data da criação da escola – até 1981 – quando foi implantado o ensino médio regular.
Dessa maneira, pretendemos analisar os propósitos do ensino que foi ministrado e a
importância do Colégio para a formação técnica dos jovens tijucanos, tentando
compreender a interferência das políticas do Estado Ditatorial no processo de criação do
Colégio, na estruturação do currículo e nas práticas pedagógicas dos docentes. Além
disso, buscamos também contribuir para a ampliação das discussões historiográficas
sobre as instituições escolares no município, incrementando os estudos relacionados à
Acreditamos também que essa pesquisa se justifica pela escassa produção
científica em torno da história das instituições escolares de ensino técnico no Pontal do
Triângulo. Nos últimos anos, foram concluídas pesquisas referentes ao Educandário
Espírita Ituiutabano, Colégio São José, Instituto Marden e Colégio Santa Tereza,
instituições de ensino do município que antes e no decorrer na década de 1960
ofereciam cursos profissionalizantes e, com exceção do Educandário, eram privadas,
restringindo-se o acesso de grande parte da população a essas escolas. Nos trabalhos
mencionados não se privilegiou a pesquisa relacionada especificamente ao ensino
técnico profissional, em especial os cursos de Comércio, um dos focos deste estudo.
Para realização da pesquisa, o desenvolvimento metodológico se
constitui primeiramente da realização de um estudo bibliográfico referente à temática
educacional, por meio da leitura e análise de livros e textos científicos envolvendo a
História da Educação e das Instituições Escolares. Em seguida, demos início ao
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
história das escolas do Triângulo Mineiro.
423
levantamento do acervo, elaborando a catalogação preliminar das fontes que, em sua
maioria, é composta de documentação impressa, tais como leis, ofícios, cartas,
memorandos, livros de registros, estatutos, regimentos e relatórios. Além dessas fontes,
há, também, um acervo de fontes iconográficas e jornais da época. Por fim, no decorrer
da pesquisa, buscaremos os depoimentos que possam, em complementação as demais
fontes, ajudar no processo de compreensão da escola em análise.
O Golpe Militar de 1964 e a educação profissional, breves considerações.
Partimos da premissa central de que a educação profissional atende a dupla
função de formar o trabalhador dando-lhe em muitos casos apenas uma profissão,
restringindo-lhe os horizontes educacionais e ao mesmo tempo atende aos propósitos do
capitalismo gerando mão-de-obra para o mercado de trabalho. A partir dessa
perspectiva, apresentamos breves reflexões sobre o contexto histórico do país nos anos
de 1960, buscando relaciona-lo as questões locais, o contexto socioeconômico e cultural
do município de Ituiutaba no mesmo período.
Embora tenha como objetivo focalizar o período que se inaugura a ditadura
militar de 1964, precede o golpe um cenário político e socioeconômico que se arrastou
[...] o que se convencionou em chamar Revolução de 1930 foi o ponto alto de
uma série de revoluções e movimentos armados que, durante o período
compreendido entre 1920 e 1964, se empenharam em promover rompimentos
políticos e econômicos com a velha ordem oligárquica. Foram esses
movimentos que, em seu conjunto e pelos objetivos afins que possuíam,
iriam caracterizar a Revolução Brasileira, cuja meta maior tem sido a
implantação do capitalismo no Brasil. (ROMANELLI, 2007, p.47).
No ano de 1961, teve início no Brasil um período de crise política causada pela
renúncia de Jânio Quadros, e pela posse de seu vice, João Goulart (Jango), que assumiu
a presidência num clima tenso, promovendo a abertura às organizações sociais:
estudantes, movimentos populares e trabalhadores ganharam espaço no cenário político.
No país, essa mudança contrariou as classes conservadoras e fora dele, no auge da
guerra fria, os Estados Unidos da América (EUA) temiam que o fantasma do
comunismo pudesse contaminar outros países além de Cuba, entre eles o Brasil. Além
desses fatores, partidos como a União Democrática Nacional (UDN) e o Partido Social
Democrático (PSD) se opunham ao presidente e o acusavam de estar planejando um
golpe esquerdista e de ser o responsável pelos problemas que o país enfrentava.
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
desde a década de 1930 e colaborou para a instalação da ditadura militar no Brasil.
424
Alheio ao cenário prospectivo que se formava, em 13 de março João Goulart
realizou um grande comício na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, onde prometeu
mudanças radicais na estrutura agrária, econômica e educacional do país. O comício foi
tido pelos conservadores como uma clara ameaça aos ideais do grupo e, em resposta,
uma semana depois, organizaram um protesto intitulado a Marcha da Família com Deus
pela Liberdade que reuniu milhares de pessoas pelas ruas do centro da cidade de São
Paulo. Nesse contexto, aumenta a preocupação dos militares com os caminhos que
tomavam o país, Conforme descreve o memorialista Figueiredo (1970), em seu livro de
depoimentos:
[...] no curto espaço de pouco mais de uma quinzena, o comício altamente
subversivo de 13 de março, na praça fronteira à Estação D. Pedro II, da E. F.
Central do Brasil, a baderna armada na sede do Sindicato dos Metalúrgicos
pela Associação de Cabos e Marinheiro – que significa a implantação de
autêntico soviete na Marinha de Guerra – e, como ato final, a inacreditável
sessão de homenagens dos sargentos ao Presidente da República, no
Automóvel Clube, a 30 de março, não deixavam dúvida sobre o futuro que
aguardava o Brasil. Indo ao encontro do anseio de seus camaradas e com a
intenção de dirimir as dúvidas que pairavam no seu espírito, o Gen.
Humberto Castelo Branco, chefe do Estado-maior do Exército, baixa a
histórica circular de 20 de março, na qual analisa a conjuntura nacional e suas
implicações no comportamento das Forças Armadas. Foi como uma luz que
iluminasse a escuridão do Caminho. Era preciso agir, enquanto ainda havia
tempo, pois os indícios faziam crer que esses maus patrícios e seus mentores
alienígenas pretendiam muito em breve colher os frutos de sua traição. Para
muitos, o que faz sentido, já havia até data marcada, que seria o Dia do
Trabalho, 1º de maio. (p. 10-11)
governo de João Goulart, conforme descreve ROMANELLI (2007)
Os velhos interesses latifundiários e a burguesia industrial temiam a política
de massas. João Goulart não obtivera o apoio das forças armadas. As bases
populares de seu Governo não eram sólidas, devido ao nível cultural, ao grau
de interesses e ao nível real de consciência política do povo. Tampouco as
esquerdas estavam contentes com sua atuação dúbia. Sua tomada de posição
pró-esquerda, à última hora, não conseguiu salva-lo do 31 de março de 1964.
A própria esquerda foi surpreendida pela rápida reação dos militares. (p.53)
E assim, naquele fatídico dia, tropas das forças armadas de Minas Gerais e São
Paulo saíram às ruas, conforme o depoimento de FIGUEIREDO (1970)
Coube ao Gen. Olympio Mourão Filho, Cmt. da 4ª. Região Militar, essa
histórica iniciativa, a 31 de março, nas altaneiras montanhas de Minas. E a
revolução, sem que tivesse havido elaboradas articulações prévias entre
chefes militares, – não que teria havido mesmo tempo para isto – empolga o
exército, Marinha e Aeronáutica, para ter seu epílogo às 11,45 horas do dia 2
de abril, no Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, com a partida do exPresidente João Goulart, para o estrangeiro. (p.11-12)
E os militares finalmente tomaram o poder. Era o fim do Estado
democrático e início de uma nova era na política brasileira. Manifestações políticas
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
Nesse quadro de crise política e insatisfação pública, tem-se o desfecho para o
425
foram proibidas e perdem espaço os que buscavam melhoria de vida, operários,
camponeses e estudantes. O forte autoritarismo se segue inserindo a repressão e a
censura em todos os setores sociais.
Brasileiros perderam o poder de participação e crítica, e a ditadura se impôs
violenta. Uma sucessão de presidentes fortaleceu o Executivo enquanto
fragilizava o Legislativo. Diversas medidas de exceção acentuaram o caráter
autoritário do governo: Lei de Segurança Nacional, Serviço Nacional de
Informações, prisões políticas, inquéritos policiais militares, proibição do
direito de greve, cassação de direitos políticos, exílio, etc. (ARANHA, 2006,
p.314).
O regime é marcado por uma sucessão de governantes militares e de Atos
Institucionais (AI) cada vez mais duros. Ribeiro (2003) faz importantes considerações
acerca do golpe militar, descreve o terror causado pelas prisões e perseguições e os
interesses políticos e econômicos intrínsecos aos atos dos governos militares que se
seguem e que impõem, pela força, um Estado com a tarefa concreta de eliminar os
obstáculos à expansão do capitalismo internacional.
A autora considera, ainda, os efeitos dessa medida sobre os recursos
financeiros necessários à organização escolar e sobre a orientação teórica seguida e
expressa nas leis que vão sendo aprovadas até 1971. Pois, não diferente de outros
setores essenciais do país, a educação também sofreu com o centralismo do poder
militar e, ‖não é, portanto, um fenômeno neutro, mas sofre os efeitos do jogo do poder,
por estar de fato envolvida na política‖ (ARANHA, 2006, p.24). Portanto, as reformas
trabalho e aos interesses da elite, envolvendo aspectos políticos, econômicos e
pedagógicos.
Entre as reformas que foram sendo aprovadas, uma das primeiras foi a expansão
da rede de ensino profissional com a criação de novos cursos nos anos seguintes ao
golpe. Em Minas Gerais, por exemplo, nos anos de 1964 e 1965 existia apenas um curso
de Comércio em nível colegial no Estado, em 1966 foram criados outros dezenove
(IBGE, 1967, p.638). Na soma geral do país, em 1965, existiam 103 cursos e, em 1966,
foram criados outros 38, totalizando 144 cursos (idem, p.639), um aumento de 40% em
apenas um ano.
Em consequência das políticas de educação voltadas para o trabalho em
organizações empresarias, foi firmado com os EUA, de 1965 a 1968, uma série de
convênios de assistência técnica e cooperação financeira à educação entre o Ministério
da Educação brasileiro (MEC) e a United States Agency for International Development
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
educacionais foram realizadas procurando atender a demanda por capital humano para o
426
174
(USAID). As relações entre os dois paises se estreitaram ainda mais com a abertura
de capital estrangeiro e a adoção do modelo associado-dependente, consequência e
reforço da presença de empresas internacionais no país, motivo que se importava
também o modelo organizacional que as presidia. A necessidade de preparação de mãode-obra para essas empresas associada à elevação da produtividade do sistema escolar
levou à adoção do modelo educacional tecnicista (SAVIANI, 2008, p.367-369).
Confirma-se assim, a intenção do novo regime de adotar políticas
educacionais voltadas à utilização da escola como um espaço de formação de mão-deobra para as empresas. Uma expressão disso foi a promulgação da Lei 5692/1971 que
fixa diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus, focada, principalmente, na
habilitação profissional em detrimento ao desenvolvimento do pensamento crítico,
conclusão que chegamos pela análise do Artigo 5º, parágrafos 2º, alíneas a) e b), e 3º,
da citada Lei:
[...] § 2º A parte de formação especial de currículo: a) terá o objetivo de
sondagem de aptidões e iniciarão para o trabalho, no ensino de 1o grau e de
habilitação profissional, no ensino de 2º grau; b) será fixada, quando se
destine a iniciação e habilitação profissional, em consonância com as
necessidades do mercado de trabalho local ou regional, à vista de
levantamentos periodicamente renovados. § 3º Excepcionalmente, a parte
especial do currículo poderá assumir, no ensino de 2º grau, o caráter de
aprofundamento em determinada ordem de estudos gerais, para atender a
aptidão específica do estudante, por indicação de professores e
orientadores.[..]
ensino médio, mas que não obtivera êxito pelas metas ambiciosas e os parcos recursos
investidos (CUNHA; GÓES, 1985). Paralelo às discussões sobre o modelo de educação,
é certo que a entrada do capital estrangeiro oriundo de empréstimos financeiros
possibilitou a industrialização e consequentemente o aumento de empregos, financiou
construções e iniciou grandes obras: era o ―milagre econômico‖. Contudo, o preço do
desenvolvimento foi muito além dos empréstimos contraídos, concentração de renda e
muitos outros fatores puseram fim ao período, restava apenas à herança deixada pelo
Governo, a famosa dívida externa.
A Ituiutaba da década de 1960.
Uma das mais importantes transformações ocorridas na sociedade brasileira
durante o Século XX consistiu no processo de urbanização. Ainda rural em
1960, duas décadas mais tarde tornara-se o Brasil um país de população
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Agência Norte Americana para o Desenvolvimento Internacional
Anais da I Semana de História do Pontal/FACIP /UFU, 2010
A Lei 5692/1971 foi uma tentativa de institucionalizar e profissionalizar o
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predominantemente urbana. Esse percentual, que era de 31,2 %, em 1940,
passou a 67,6 % em 1980, com sensível aumento da velocidade da mudança
na década de 1960-1970 (IBGE, p.113).
Não diferente do contexto nacional, o município de Ituiutaba passava na década
de 1960 por um processo acelerado de urbanização, industrialização e desenvolvimento
econômico. A expansão das lavouras, em especial a cultura do arroz, projetou o
município nacionalmente dando a ele o título de ―capital do arroz‖, conforme relatado
por Humberto Guimarães, com dados fornecidos pelo Agente de Estatística José Luiz de
Oliveira, na Enciclopédia dos Municípios Brasileiros (IBGE, 1959).
A principal atividade do município é a agricultura. As terras de Ituiutaba e do
ex-distrito de Capinópolis são reputadas entre as mais ferazes do mundo,
comparadas segundo Humboldt, Sainte-Hilaire e Edward Miliward, às da
Ucrânia, na Rússia, e às do Vale do São Lourenço, no Canadá. O cultivo em
toda a zona obedece a um alto nível de mecanização, possuindo Ituiutaba
mais de meio milhar de tratores, bem como numerosas colhedeiras de arroz, o
que lhe vale o título de ―capital do arroz‖. (p. 306).
Novais (1974, p. 33), descreve ainda que ―outras indústrias vieram aos poucos
aumentar o ritmo industrial de Ituiutaba, principalmente no que se refere ao setor
rizicultura, contando atualmente com mais de 100 máquinas de beneficiar arroz e seus
sub-produtos.‖ Essa afirmativa também pode ser confirmada pela análise e comparação
dos dados do Quadro 1
com os do Quadro 2 ,
que demonstram um aumento
expressivo na produção de arroz, milho e algodão, da década de 1950 para a de 1960,
Quadro 1 - Agricultura, pecuária e silvicultura – A produção agrícola no
município, em 1955, foi expressa pelos dados constantes da
tabela:
PRODUÇÃO
CULTURAS
AGRÍCOLAS
Arroz
Milho
Algodão
Mandioca
Feijão
Laranja
Banana
Outras
TOTAL
ÁREA
(ha)
Unidade
38 720
23 232
16 940
1 312
8 712
1 862
1 575
1 190
Saco 60 kg
Saco 60 kg
Arroba
Tonelada
Saco 60 kg
Cento
Cacho
–
95 552
–
VALOR
Quantidade
600 000
400 000
200 000
44 000
50 000
300 000
200 000
–
–
Fonte: Enciclopédia dos municípios Brasileiros p. 306.
Cr$ 1 000
% sobre o
total
180 000
48 000
32 000
26 400
21 000
9 000
7 000
17 685
52,80
14,07
9,38
7,74
6,15
2,63
2,05
5,18
341 085
100,00
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representando um aumento de 433%, 375% e 170% desses produtos, respectivamente.
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Quadro 2 - Principais espécies cultivadas no município A safra de 1966/1967 foi expressa pelos dados
constantes da tabela:
PRODUÇÃO
CULTURAS
AGRÍCOLAS
Unidade
Quantidade
Arroz
Saco 60 kg
2 600 000
Milho
Saco 60 kg
1 500 000
Algodão
Arroba
340 000
Gergelim
quilos
1 700 000
Feijão
Mandioca
TOTAL
Saco 60 kg
40 000
Tonelada
35 000
–
–
Fonte: Revista Ituiutaba Ilustrada. p. 67.
A rápida expansão na indústria e comércio e a população migrante do campo
para a cidade, somada aos grupos de nordestinos que fugiam da seca e buscavam
melhores condições de vida e trabalho, aumentaram a demanda por serviços públicos,
foram construídas novas redes de energia e luz e um novo serviço de abastecimento de
água com grande capacidade de captação e tratamento.
Com esses serviços, o
capacidade de expansão para as indústrias. Na edição comemorativa do sexagésimo
sexto aniversário da cidade, a matéria intitulada ―A obra do século‖ descreve as obras
do serviço de abastecimento de água da cidade:
O Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) está financiando
o grande empreendimento que levará água em abundância aos lares tijucanos.
[...] p. 24. Dos mais perfeitos e modernos é o serviço de abastecimento dágua
que o Consórcio Nacional de Construções está realizando em nossa cidade,
no propósito de dotar Ituiutaba de um dos mais revolucionários serviços de
captação e distribuição dágua que se possa conceber. (Revista Ituiutaba
Ilustrada, 1967, p.102).
Bessa et al (2008), relata que as grandes safras e colheitas de arroz se
mantêm como principal atividade econômica até o ano de 1970, quando, por diversos
fatores, ocorre o declino da cultura e o início de uma outra fase econômica.
Educação profissional pública e gratuita: um breve relato da gênese do Colégio
Comercial Oficial de Ituiutaba.
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município possibilitou a uma parcela de seus moradores melhores condições de vida e
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É neste contexto histórico dinâmico, nacional e local, que se insere a
origem do Colégio Comercial Oficial de Ituiutaba, no Triângulo Mineiro, popularmente
chamado de Colégio ―Comercial‖. Essa escola foi criada pela Lei nº 3878 de 20 de
dezembro do ano de 1965 e teve, no decorrer de sua história, a denominação mudada
para Colégio Estadual de Ituiutaba e, por último e até os dias atuais, para Escola
Estadual Professora Maria de Barros (Lei 7896, de 18 de dezembro de 1980).
O colégio foi criado sem possuir sede própria e nem previsão de
construção de uma. A solução, típica e comum para o período, foi o uso compartilhado
de espaço físico com outras escolas. O ―Comercial‖ ficou instalado, no início, nos
prédios da Escola Estadual Governador Clóvis Salgado e Escola Rotary. No ano de
1973 transferiu-se para as novas instalações da Escola Rotary e, finalmente, em 1979,
após o encerramento das atividades do Educandário Ituiutabano, absorveu os alunos da
escola e transferiu-se definitivamente para o prédio da União da Mocidade Espírita de
Ituiutaba (UMEI), proprietária do prédio e antiga mantenedora do Educandário.
Desde a sua criação, o Colégio ―Comercial‖ teve como finalidade
oferecer ensino profissionalizante na modalidade de ginásio de comércio (1º ciclo) e o
Técnico de Contabilidade (2º Ciclo); e assim se manteve até 1981, quando foram
incluídos os ensinos regulares de 1º e 2º graus. Com essa finalidade, o Colégio teve
papel importante na educação profissional dos jovens da época. Pois, antes de 1965, não
tentativa de ensino gratuito foi a do Colégio Comercial de Ituiutaba 175, homônimo do
colégio estudado e anexo ao Educandário Ituiutabano, que solicitou a implantação do
curso de Técnico de Contabilidade em 1963, contudo só conseguiu a autorização para
funcionamento no ano 1967176, instalando a primeira turma a partir de 1968. Antes,
contudo, o ensino
profissional era oferecido somente em colégios particulares,
confessionais como o Colégio Santa Tereza, fundado pela Congregação das Irmãs de
São Carlos Borromeo-Scalabrinianas, com a finalidade de formar professoras, em sua
175
O nome do Colégio estudado difere do nome do Colégio Comercial, anexo ao Educandário
Ituiutabano, apenas pelo termo ―Oficial‖ que o caracteriza como escola pública e do Governo. Por seres
similares os nomes, em 1968, o Colégio Comercial Oficial de Ituiutaba teve sua denominação mudada
para Colégio Estadual de Ituiutaba.
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Outras informações podem ser encontradas em FRATTARI NETO, N. J. Educandário Espírita
Ituiutabano: caminhos cruzados entre a ação inovadora e sua organização conservadora. Ituiutaba, Minas
Gerais (1954-1973). 2009. 202 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de
Uberlândia 2006.
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existia escola pública e nem a oferta de cursos profissionalizantes gratuitos. Uma
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maioria, da elite urbana e rural da época, por meio do curso Normal. (OLIVEIRA,
2003); e Colégio São José com o ginásio comercial (1º Ciclo) que era, também, tido
como colégio para os filhos da elite. Por fim, um laico, o Colégio Comercial ―Barão de
Mauá‖ mantido pelo Instituto ―Marden‖, que ofereceu o ginásio Comercial (1º Ciclo) e
o Técnico de Contabilidade (2º Ciclo), conforme descreve CHAVES (1984).
Prosseguindo sua rota luminosa o ―Marden‖ instala, em 1951, o Colégio
Comercial Barão de Mauá e é criado, para favorecer àqueles que não podiam
estudar durante o dia, o curso noturno de ―Ginásio Comercial e Técnico de
Contabilidade‖. E já em 1953 se cobre de glórias novamente, com a 1ª
Turma de Formandos do Ginásio Comercial, mais 21 obreiros para o
progresso da cidade. (p. 61-62)
Fica claro que, à época, a finalidade do ensino profissional era o de atender a
demanda por capital humano visando ao progresso local. O curso no ―Marden‖ era
oferecido no período noturno e atendia a parcela da população que não podia estudar
durante o dia, ou seja, os jovens trabalhador
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FACIP/UFU Ituiutaba, 2010 - Faculdade de Ciências Integradas do