Hemostasia primária: Doença de von Willebrand Maria do Carmo de Deus Alves UCIP-HMIB/Fundação Hemocentro de Brasília. 2013 Sumário Hemostasia Primária Definições e epidemiologia Avaliação da hemostasia primária Doença de von Willebrand Classificação e diagnóstico Tratamento Tipos de sangramentos em coagulopatias congênitas - Sangramentos cutâneo-mucosos são mais freqüentes na deficiências de fator V, VII, XIII, mais ainda em Doença de von Willebrand (DvW), Doenças plaquetárias, também associado ao uso de heparina e nas Hepatopatias. - Sangramentos de SNC são mais freqüentes nas deficiências de fator V, VII, X, XIII e na Hiperfibrinólise. Exame Físico da criança que sangra Sufusões hemorrágicas: petéquias, equimoses, hematomas subcutâneos Narinas: escoriações, lesões vasculares Edema e/ou limitação da mobilidade com ou sem dor de uma articulação ou um grupo muscular Tipos de sangramentos em coagulopatias congênitas - Sangramentos cutâneo-mucosos são mais freqüentes na deficiências de fator V, VII, XIII, mais ainda em Doença de von Willebrand (DvW), Doenças plaquetárias, também associado ao uso de heparina e nas Hepatopatias. - Sangramentos de SNC são mais freqüentes nas deficiências de fator V, VII, X, XIII e na Hiperfibrinólise. Exame Físico da criança que sangra Sufusões hemorrágicas: petéquias, equimoses, hematomas subcutâneos Narinas: escoriações, lesões vasculares Edema e/ou limitação da mobilidade com ou sem dor de uma articulação ou um grupo muscular Exame Físico da criança que sangra - Hemorragia intracraniana neonatal pode sugerir deficiência grave de fator V, VII, X, ou XIII. - Doença hemorrágica do recém-nascido decorre da deficiência de vitamina K - Sangramento tardio após a queda do coto umbilical sugere a possibilidade de deficiência de fator XIII, alteração quantitativa ou qualitativa de fibrinogênio ou uma forma grave de DvW Avaliação laboratorial da criança com sangramento TESTES DE TRIAGEM: 1) Tempo de protrombina (TP) 2) Tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa) 3) Tempo de trombina (TT) 4) Hemograma com contagem plaquetária TP prolongado e TTPa normal Causa hereditária: Deficiência de fator VII Causas adquiridas: Deficiência de vitamina K Hepatopatia Inibidor de fator VII TP normal e TTPa prolongado Causas hereditárias: Deficiência de fator VIII, IX, XI, DvW Causas adquiridas: Heparina Inibidor de fator VIII, IX ou fator XI Proteínas da Coagulação Fator Síntese Fibrinogênio Fígado Protrombina Fígado Fator V Fígado Fator VII Fígado Fígado Fator VIII FvW Endotélio/Megac Fator IX Fígado Fator X Fígado Fator XI Fígado Fator XIII Fígado/Megac Meia-vida 3-5 dias ~72 horas 15-36 horas 2-6 horas 8-12 horas 24 horas 18-24 horas 24-40 horas 40-84 horas 50-70 horas Plaqueta Inativa Adesão Plaquetária GP IIb-IIIa FVW Plaqueta GP Ib endotélio FVW Lesão endotelial – exposição do colágeno Ativação Plaquetária Adesão Plaquetária ADP, Ca2+, serotonina, FVW, FV, fibrinogênio, PDGF GP IIb-IIIa Plaqueta Plaqueta Ativada TXA2GP Ib FXa-FVa endotélio Complexo Protrombinase FVW Lesão endotelial – exposição do colágeno Ativação Plaquetária ADP, Ca2+, serotonina, FVW, FV, fibrinogênio, PDGF Plaqueta Ativada FXa-FVa Complexo Protrombinase TXA2 Ativação Plaquetária Agregação Plaquetária Plaqueta GP IIb-IIIa Plaqueta ativada fibrinogênio Hemostasia primária Adesão Plaquetária Agregação Plaquetária FVW Fibrinogênio colágeno plaquetas plaqueta plaqueta Hemostasia primária Elementos: vasos (endotélio) plaquetas fator de von Willebrand Quadro clínico: sangramento cutaneo-mucoso Defeitos hemostasia primária: Diagnóstico História clínica QC: sangramento cutaneo-mucoso (petéquias são raras) Tempo de história Intensidade: Apenas associado à procedimento (houve procedimento sem sangramento?) Necessidade terapêutica História familiar Sangramento ou evidência de plaquetopenia (PTI?) Consanguinidade Comorbidades: perda auditiva, glomerulonefrite, catarata, imunodeficiências, alterações músculo-esqueléticas Análise Quantitativa e Morfológica das Plaquetas Hemograma Contagem plaquetária Avaliação do tamanho e morfologia das plaquetas contadores automatizados – Volume plaquetário médio (VPM) – Distribuição das plaquetas por tamanho (PDW) Inclusões e grânulos em neutrófilos Agregados plaquetários - coleta com citrato Na+ Hemograma antigo e de familiares Pseudotrombocitopenia: agregado de plaquetas com EDTA (100x) Avaliação Funcional da Hemostasia Primária Tempo de sangramento Teste de agregação plaquetária Tempo de Sangramento Ivy modificado Corte: 1 mm profundidade X 3-5 mm comprimento Pressão constante: 40mmHg Normalidade: pediátrico: 1’ a 6’50” adulto: 2’15” a 9’30” Tempo de Sangramento: desvantagem Baixa reprodutividade Teste in vivo: depende da presença do indivíduo Depende da pessoa que está executando Desconforto (especialmente em crianças) Potencial de formação de escoriação / lesão Inconveniente para realização de exames seriados ou repetição do teste Correlação baixa com a tendência hemorrágica Tempo de Sangramento: crítica O TS normal não exclui a possibilidade de alteração da hemostasia primária (baixa sensibilidade) Na ausência de história hemorrágica, o TS não é preditivo para sangramento associado a procedimentos O TS não é um teste confiável para avaliar uso recente de aspirina ou alteração plaquetária induzido por droga Princípios do PFA-100® (Platelet Function Analyzer) Teste da função plaquetária, que mede o tempo que o sangue leva para recobrir uma membrana revestida com: colágeno e epinefrina (CEPI): screening primário colágeno e ADP (CADP): avalia disfunções plaquetárias (ex. AAS) O teste é uma medida combinada da adesão e da agregação plaquetária Teste de Agregação Plaquetária PR P PRP Agonista transmissão luz basal Agregados plaquetários transmissão de luz 100 segunda onda Agonista 50 20 10 0 primeira onda Teste de Agregação Plaquetária Agonista ADP Concentração 1M 3M Adrenalina 0,1M 3M Colágeno 5 g/ml Observações 10-20% indivíduos sadios sem 2a onda HD Agregação monofásica; 5g/ml: agregação potente exceto em trombopatias graves Trombastenia de Glanzmann, Doença grânulo plaquetário, def receptores e vias de sinalização , trombopatia de Quebec 10- 30% indivíduos sadios com hipoagregação Ácido aracdônico 500g/ml (linha plana): defeito na síntese de TXA2 pela ciclooxigenase Inibidor COX, def transdução sinal Ristocetina 1,0-1,5mg/ml : defeito adesão via GpIb/IX e FvW DvW, SBS 0,5-0,6mg/ml : hiperagregabilidade DvW 2B Doença de von Willebrand DVW Grânulos alfa dos megacariócitos e plaquetas FVW no plasma Corpos de WeibelPalade das células endoteliais DVW Funções do FVW: 1-Ligar-se ao colágeno presente no subendotélio e nas plaquetas promovendo a formação do botão plaquetário no local da lesão endotelial (adesão e agregação plaquetária) 2-Ligar-se e transportar o FVIII protegendo-o da degradação proteolítica do plasma DVW – DIAGNÓSTICO CLÍNICO Manifestações clínicas típicas: - Equimoses aos menores traumatismos - Epistaxe - Sangramentos orais - Menorragia crianças : epistaxe e equimoses comuns cuja frequência diminue com o avançar da idade DVW – DIAGNÓSTICO CLÍNICO Apresentação inicial: - Sangramentos pós-trauma - Sangramentos pós-cirurgia - Sangramentos pós-procedimentos na boca e nariz Hemartroses e hematomas musculares são mais frequentes nos tipos mais graves como o tipo 3 e alguns 2 MENORRAGIA NA MENARCA OU APÓS DOENÇA DE VON WILLEBRAND 1,3% DE PREVALÊNCIA EM ESTUDOS DE TRIAGENS POPULACIONAIS Pruthi, Mayo Clin Proc 2006; 81: 679-91 Pode ocorrer até em 1/10.000 pessoas se for avaliado o aparecimento de uma sintomatologia hemorrágica Mais de 250 mutações já catalogadas Mannucci, Haemophilia 2009; 15: 1154-1158 Fator de von Willebrand Sintetizado e armazenado no endotélio e megacariócitos sob a forma de grandes multímeros Função: Adesão plaquetária: ligação à GPIb-IX-V e ao vaso lesado (hemostasia primária) Complexo com FVIII: evita sua proteólise (hemostasia secundária) Fator de von Willebrand Complexo de Golgi aa 22 Pré-peptídeo 741 Pró-peptídeo gene FVW: cromossomo 12 (52 éxons) Retículo endoplasmático 2050 FVW maduro 2813 aa Doença de von Willebrand Alteração quantitativa ou qualitativa do FvW Variabilidade clínica e de hereditariedade dependendo do tipo Doença hemorrágica hereditária mais comum prevalência estimada de 1-3% (10% com sintomatologia) DVW Definição: distúrbio hemorrágico resultante de defeito quantitativo e/ou qualitativo do fator de von Willebrand (FVW) Doença genética congênita transmitida como caráter autossômico resultante de mutações do gene que codifica o FVW (braço curto do cromossoma 12 posição 13.2) Herança por múltiplos mecanismos DVW Classificação (Evan Sadler): -Tipo 1 2A - Tipo 2 2B 2M 2N -Tipo 3 Doença de von Willebrand Classificação (ISTH-SSC,1994, revisado 2006) • Tipo 1 AD (60% penetrância incompleta), 70% dos casos – alteração quantitativa variável do FvW – padrão multimérico normal – Tipo 1C: aumento clearance (ex. “Vicenza” (p.R1205H)) • Tipo 2 AD, alteração qualitativa do FvW – 2A redução adesão às plaquetas: perda multímeros de alto/intermediário PM (alt. formação multímeros, retidos intravascular ou def clivagem ADAMTS13) – 2B aumento da afinidade FvW à GP Ib: plaquetopenia discreta associada – 2M redução adesão às plaquetas: presença dos multímeros alto PM – 2N diminuição afinidade ao FVIII • Tipo 3 AR deficiência virtualmente completa FvW - geralmente FvW:Ag e FvW:Rcof < 5 UI/dL e FVIII < 10 UI/dL Representação esquemática do fator de von Willebrand*, dos seus domínios funcionais e da sua correlação com os subtipos da doença propeptídeo D1 FVW maduro D2 D’ D3 FVIII Peptídeo de A1 A2 Gplb A3 Colágeno D4 B C1 C2 CK GpIIb/IIIa Colágeno sinal 2N 2B e 2M 2A O fator de von Willebrand consiste de um peptídeo de sinal, um propeptídeo e de sua porção madura. O colágeno se liga a dois domínios: A1 e A3. A GpIb liga-se ao domínio A1, a GpIIb/IIIa liga-se ao domínio C1 e o FVIII liga-se ao domínio D’e D3. FVIII – fator VIII; GpIb-glicoproteína Ib; GpIIb/IIIa-glicoproteína IIb/IIIa Fator de von Willebrand Tipo 2A Tipo 2N Tipo 2B Tipo 2A & 2M Tipo 2A Doença de von Willebrand Tipo 1 Doença de von Willebrand Tipo 2B Doença de von Willebrand Diagnóstico Doença de von Willebrand Classificação Tipo 1 Tipo 2 Tipo 3 Def. quantitativa parcial Def. qualitativa Def. quantitativa total Diagnóstico Exame TS TTPa FVIII FVW:Ag FVW:RiCof Relação Ag/Rist Plaquetas 1 N/ N/ N/ N/ N/ >0,7 N Tipo de DvW 2A ou 2M 2B N/ N/ N/ N/ <0,7 N N/ N/ N/ N/ N/ 2N 3 N N N N N Fator de von Willebrand Variação com atividade física, resposta hormonal: avaliação nas mulheres durante fase folicular (4° ao 7° dia do ciclo menstrual) Variação do FvW:Ag conforme grupo sanguíneo ABO menor nível plasmático do FvW em grupo sanguíneo O provável meia vida menor em pessoas do grupo O Doença de von Willebrand Tratamento DDAVP (desmopressina) reposição de concentrado de fator VIII-FvW terapêutica auxiliar antifibrinolíticos, cola de fibrina, hormônio-terapia para controle menorragia medidas profiláticas controle odontológico Doença de von Willebrand Tratamento Desmopressina (DDAVP) • secreção FvW dos estoques endoteliais - efeito de taquifilaxia Indicações: doença de von Willebrand tipo 1 e 2A, que apresentem resposta ao DDAVP (teste positivo) hemofílicos A leve outras coagulopatias ou trombopatias onde o teste do DDAVP for positivo Dose: 0,2 - 0,4 g/Kg de peso, diluído em 100 ml de SF 0,9% endovenoso infundido em 20 - 30 minutos Doença de von Willebrand Tratamento Desmopressina (DDAVP) Efeitos colateriais: ação vasomotora: rubor facial, cefaléia de leve a moderada intensidade, hipotensão/hipertensão ação antidiurética: retenção hídrica e hiponatremia Contra indicações: pacientes com história pregressa de quadro convulsivo portadores de hipertensão e cardiopatias pacientes com plaquetopenia após "dose teste” (DVW 2B) pacientes com polidipsia evitar em crianças menores que 3 anos Agentes Antifibrinolíticos Ácido -aminocapróico (Ipsilon®) Ácido tranexâmico (Transamin®, Hemobloc®) Inibição da dissolução do coágulo de fibrina - Uso sistêmico ou tópico Indicações: - Sangramentos leves/moderados de mucosas - Menorragias - Procedimentos em mucosas (extração dentária): Início 24h antes do procedimento; manter até após 5-7d Não deve ser usado em pacientes com hematúria Doença de von Willebrand Tratamento Concentrado de fator VIII-FVW pdFVIII-FVW (pureza intermediária) Indicação DVW tipo 3 casos não responsivos ou contra-indicados ao uso de DDAVP sangramentos e procedimentos maiores Doses Conforme indicação com intervalos ≥ 24hs Efeitos colateriais: Risco de trombose: altas doses por longos períodos (cirurgias) Aumento FVIII endógeno e exógeno Doença de von Willebrand Tratamento RDC n° 23 (publicada em 24 de Janeiro de 2002): Proíbe a utilização de crioprecipitado para terapia de reposição em hemofílicos e portadores de doença e von Willebrand, exceto em situação de ausência da disponibilidade de hemoderivados.