A MEMÓRIA REPUBLICANA INSCRITA NAS RUAS E PRACAS DE ASSIS
Curso de Extensão Patrimônio e Memória: abordagens e perspectivas/2008
Responsável: Profª Dra Zélia Lopes da Silva
Equipe: Heraldo Márcio Galvão Junior
Priscilla Prado
O REPUBLICANO JACOBINO LOPES TROVÃO
Ultima Foto de Lopes
Trovão
Correio da Manhã.
17 de julho de 1925
As transformações da sociedade contemporânea
Glória à pátria!
Honra aos heróis
de 15 de novembro
de 1889, em
Revista Ilustrada,
1889-90. MMP
levaram ao fim da história-memória carregada por
grupos vivos. Hoje, temos a reinterpretação crítica,
laicizada do passado, o que confere as lembranças à
História.
O sentimento de perda gerado pela rápida
transformação da história, com incontáveis passados
gerados de modo cada vez mais rápido, é compensado
pela valorização de uma memória histórica. Há, então,
uma busca e/ou criação de suas representações, de seus
"lugares de memória". Nossa sociedade, com um esforço
titânico, procura guardar tudo o que for registro dos
acontecimentos na tentativa de retificação do passado
(NORA, 1993, p. 15).
No entanto, é importante frisar que tal retificação
sempre é política, determinada por embates ideológicos
entre os grupos que participam mais ativamente do
processo histórico em questão na sociedade.
Neste sentido, um trabalho que visa analisar a
memória republicana perceberá que todo o processo
relativo à sua proclamação e solidificação foi encabeçado
pelos grupos participantes do Estado, quer como
dirigentes, quer como opositores formais. Todo o
processo de construção da memória, e conseqüente
confecção de imaginário político-social, ficou a cargo
destes mesmos grupos. Assim, é um embate simbólico,
restrito aos grupos políticos formalmente constituídos,
com marcada ausência do grosso da população. Esta
última, quando surge em cena, desempenha somente
papéis decorativos, ou legitimadores do interesse de
algum outro grupo.
É com base neste contexto que este trabalho
discute a memória republicana inscrita nas ruas da
cidade de Assis, um município do Estado de São Paulo,
localizado no centro-oeste do estado, próximo ao rio
Paranapanema, com cerca 97.725 habitantes e com área
total de 462 Km2. É uma cidade inscrita nos marcos
republicano, visto que seu nascimento é datado dos
primeiro anos da República, com data oficial em 20 de
dezembro de 1917 (IBGE, 2008).
As ruas da cidade de Assis demonstram a
temporalidade de seu nascimento e sua utilização na
propagação e no processo de construção do símbolo
herói dos participantes da república brasileira.
A construção do símbolo herói, considerado
poderoso por representar “encarnações de idéias e
aspirações, pontos de referência, fulcros de
identificação coletiva”, são instrumentos eficazes para
atingir a cabeça e o coração dos cidadãos a serviço da
legitimação de regimes políticos. A criação destes
símbolos não é arbitrária; tem que responder a alguma
necessidade ou aspiração coletiva, refletir algum tipo de
personalidade ou de comportamento que corresponda a
um modelo coletivamente valorizado (CARVALHO, 1990,
p. 55)
Houve no Brasil um esforço de transformação dos
principais participantes do 15 de novembro em heróis do
novo regime. As virtudes dos participantes foram
“cantadas em prosa e verso, em livros e jornais, em
manifestações cívicas, em monumentos, em quadros, em
leis da República. Seus nomes foram dados a
instituições, a ruas e praças de cidades, a navios de
guerra” (Carvalho, p. 56), como ocorrido com as ruas do
município de Assis, cujos nomes de algumas indicam
homenagens aos “heróis” republicanos, a exemplo de
Lopes Trovão.
Com o fim da história-memória e consagração dos
lugares de memória, as ruas são importantes semióforos,
ou seja, um signo provido de significação ou de valor
simbólico capaz de relacionar o visível ao invisível seja no
espaço ou no tempo, “pois o invisível pode ser o sagrado
(...) ou o passado ou o futuro distantes (...) e expostos à
visibilidade, pois é nessa exposição que realizam sua
significação e sua existência” (CHAUÍ, 2006, p. 12).
No caso específico do trabalho, acreditamos que a
rua assisense, localizada no bairro Jardim Paraná,
denominada Lopes Trovão – não existindo dados
acessíveis acerca da data de sua nomeação – guarda-o
como signo representativo e pode ser entendido em seu
sentido etimológico, isto é, a descrição pública de feitos
lendários de uma sociedade, e em seu termo
antropológico. Ou seja, a fim de resolver conflitos,
contradições e tensões reais, apela-se para uma solução
imaginária para explicar, entender ou justificar
determinada realidade. Partindo destes princípios, se faz
necessário a reconstrução memorialística deste
personagem republicano a fim de se chegar ao
significado de sua representação.
Dessa forma, surgiram algumas indagações: quem
foi Lopes Trovão? Quais os seus feitos e valores
transmitidos à sociedade brasileira a ponto de ser
“imortalizado”
em
semióforos?
Questões
que
abordaremos nesta exposição a partir de alguns de seus
feitos, participações em manifestações e alguns
depoimentos.
Médico, jornalista e político brasileiro, José Lopes
da Silva Trovão, mais conhecido como “Lopes Trovão”,
filho de José Maria dos Reis Lopes Trovão, consul
português, e Maria Jacinta Lopes Trovão, nasceu em
Angra dos Reis/RJ em 23 de maio de 1848. Amigo de
Silvio Romero no Colégio São Pedro de Alcântara, desde
cedo era reconhecido por seu interesse acerca dos
problemas nacionais. Formado em Medicina pela
Faculdade do Rio de Janeiro (1875), ainda na
universidade foi fervoroso propagandista republicano,
tendo sido um dos principais signatários do manifesto de
1870.
Defensor do republicanismo e um dos maiores
oradores de então, o qual, segundo Sérgio Buarque,
“arrebatava os ouvintes no seu trovejar contra a
monarquia”, participou de praticamente todos os
comícios de caráter republicano, acarrentando-lhe a
perseguição pela monarquia e o exílio na Europa.
“Quem foi
Lopes Trovão?
Quais os seus
feitos e valores
transmitidos à
sociedade
brasileira a
ponto de ser
“imortalizado”
em
semióforo?”
Neste menu oferecido
pelo cônsul-geral do
Brasil em Lisboa — João
Vieira dos Santos —, em
comemoração do primeiro
aniversário da República,
Bordalo dispõe, lado a
lado, o indígena
romântico e a alegoria
feminina republicana,
1890. Em Araújo, 1996
A MEMÓRIA REPUBLICANA INSCRITA NAS RUAS E PRACAS DE ASSIS
Curso de Extensão Patrimônio e Memória: abordagens e perspectivas/2008
Responsável: Profª Dra Zélia Lopes da Silva
Equipe: Heraldo Márcio Galvão Junior
Priscilla Prado
O REPUBLICANO JACOBINO LOPES TROVÃO
Bandeira Nacional
proposta pelo Clube
Republicano Lopes Trovão
utilizada
temporariamente como
símbolo nacional
Voltando do exílio “ainda mais combativo”
(Enciclopédia Barça) e atuando como redator na Gazeta da
Tarde, difundiu com ardor os ideais republicanos. Após sua
participação em um comício contra a cobrança do imposto do
Vintém sobre as passagens de bonde, em primeiro de janeiro de
1880, incitou a população à resistência.
Nesse sentido, é valido citar o artigo A Guerra do
Vintém, de Carvalho, e a obra de Maria Tereza Chaves de Mello,
em que os autores narram a “Guerra do Vintém”, ocorrida em
frente ao palácio imperial no Rio de Janeiro. Segundo Carvalho,
cerca de cinco mil pessoas, lideradas por um militante
republicano, Lopes Trovão, reuniram-se para entregar a D.
Pedro II uma petição solicitando a revogação da taxa de um
vintém sobre o transporte urbano. Impedidos pela polícia e,
tirando proveito político da ação policial, negaram-se formar
uma comissão para conversar com o imperador. Através de
panfletos, comícios e a coluna na Gazeta da Noite, de Lopes
Trovão, pregava-se o boicote da taxa e incitavam a população a
reagir com violência, arrancando os trilhos dos bondes. Mello
cita uma passagem de um artigo de Trovão: “Só por meio de
uma revolução o povo conseguirá chamar o poder ao
cumprimento dos deveres” (p. 24).
Em primeiro de janeiro, data da entrada em vigor da
taxa, a multidão se reuniu no local previsto para a manifestação.
Lopes Trovão, segundo Carvalho, percebeu a enrascada em que
se metera e não incitou mais a multidão à ação. Entretanto, a
massa não se conteve e, quando da chegada em frente ao
Palácio, teve início a confusão com a polícia tentando dispersar
os manifestantes. Estes manifestantes, segundo o autor, eram a
massa dos usuários mais pobres. Com o fim do motim do
vintém, apesar de mortos e feridos, o ministério, desmoralizado,
caiu em 28 de março e o novo ministério revogou o tributo.
Segundo Mello, o maior herói daqueles dias foi Lopes Trovão
que, com sua oratória contundente, entusiasmara a multidão.
Tais eventos contribuíram para que Lopes Trovão
tivesse que ir mais uma vez à Europa, voltando em 1888, cujo
desembarque “foi marcado por manifestações populares e
homenagens, às quais compareceram em massa, entre outros,
estudantes e jornalistas”. Com a sua volta ao Brasil, foi um dos
líderes civis, ao lado de José do Patrocínio, a liderar um grupo
de populares durante a passeata promovida por Deodoro, que
“resultou” na “proclamação da República”, cuja bandeira do
“Clube Republicano Lopes Trovão” foi hasteada na Câmara
Municipal naquela tarde. Carvalho, ao citar a existência de
vários depoimentos presentes no jornal O Paiz em novembro de
1912, apresenta a figura de Maximiano de Souza Barros que, ao
falar sobre o tal Clube, confessa que “toda a orientação dos
revolucionários era francesa. Cantavam a Marselhesa e só
tinham a França como modelo” (apud, CARVALHO). O autor
ainda afirma que, com toda a probabilidade, o clube era formado
de uma maioria de jacobinos. Lopes Trovão também participou
da redação da ata de proclamação na Câmara do Rio de Janeiro.
No novo Regime, que ajudara a instituir por meio da
palavra escrita e falada, Lopes Trovão atuou em cargos políticos.
Foi diplomata, deputado Constituinte para os mandatos entre
1891 e 1895 e senador da República entre 1895 e 1902, quando
perdeu o lugar para Lauro Sodré. Posteriormente recebeu de
Rodrigues Alves o cargo de oficial do Registro de Hipotecas do
Distrito Federal. Em 1910 voltou à praça pública na campanha
de Hermes da Fonseca. Faleceu no Rio de Janeiro em 16 de julho
de 1925 aos 77 anos (Dados retirados do site oficial do Senado
da República do Brasil: http://www.senado.gov.br e da
Enciclopédia Barça).
Após esta explanação, é possível afirmar que Lopes
Trovão fazia parte da ala mais radical do movimento
republicano
brasileiro,
simbolizando
justamente
tais
características, representadas atualmente no semióforo rua.
Carvalho apresenta que, dentre os modelos de República e idéias
de liberdade importados por brasileiros nesta fase, os jacobinos
se identificaram com o modelo francês – estabelecidos
principalmente a partir de Mably e Rousseau –, cuja liberdade
pautava-se na participação coletiva do governo, da soberania.
Era a liberdade de decidir na praça pública os negócios da
república: a liberdade do homem público, que ia de encontro à
liberdade dos modernos, do homem privado, baseado no modelo
de República dos EUA. Entretanto, Carvalho identifica mais de
um modelo francês, relacionando os jacobinos brasileiros ao
modelo da Primeira República francesa, fase jacobina, que era a
República da intervenção direta, do povo no governo, a
república dos clubes populares, das grandes manifestações, do
Comitê de Salvação Pública. Era a república das grandes idéias
mobilizadoras, do entusiasmo coletivo, da liberdade, da
igualdade, dos direitos universais do cidadão, valores absorvidos
pelos radicais republicanos brasileiros, utilizados como forma de
atuação política e associados aos seus nomes, que foram dados,
futuramente, a monumentos, ruas, entre outros, e que
pretendem guardar sua memória e todos os valores que seus
nomes representam.
Desta forma, a denominação da rua Lopes Trovão
quer guardar a memória deste homem que tanto lutou, não só
pela República, como também pela justiça social.
No entanto, o que pudemos perceber foi que, mesmo
com a definição dos “lugares de memória” na tentativa de salvar
e manter viva a memória de um coletivo que representa os ideais
republicanos, a memória está cada vez mais dilacerada e o
conhecimento perdido, sobre a História do Brasil, como
demonstram os depoimentos de alguns moradores da Rua Lopes
Trovão.
Em depoimentos de moradores – em um número de
dez –, tanto da rua como da região, não houve um conhecimento
mínimo sobre a figura aqui tratada.
Sendo assim, está pesquisa sobre a memória
republicana inscrita nas ruas de Assis nos mostrou como, apesar
do intuído político de se construir o símbolo herói dos
participantes da República brasileira e manter viva a memória
pelos lugares, hoje isso pouco tem sentido na vida dos cidadãos
brasileiros, como os depoimentos coletados demonstram.
Tais trabalhos constituem campo fértil para futuros
estudos, havendo a possibilidade de análise mais profunda de
tais observações, assim como comparações ou perguntas: quem
indicou o nome da rua? Existe alguma relação entre a escolha do
nome e a localização espacial na cidade – região central ou
periférica – entre outras?
Bibliografia
CARVALHO, José Murilo de. A Formação das almas: o imaginário da República no Brasil São Paulo: Companhia das
Letras, 1993.
CHAUI, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. Fundação Perseu Abramo, 2001.
MACHADO, Júlio César dos Santos. Dimensões do processo histórico de desenvolvimento econômico do primeiro
cinqüentenário do município de Assis (1905 – 1955). São Paulo, 2005.
MELLO, Maria Teresa Chaves de. A República Consentida: cultura democrática e científica do final do Império. 1. ed. Rio de
Janeiro: FGV/Edur/anpuh, 2007.
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. In: Projeto História. São Paulo: Revista do Programa de
Pós-Graduação em História, nº 10, p. 7-28, dez. 1993.
POMIAN, Krzysztof. Coleção. In: Enciclopédia Einaudi: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1984.
SILVA, Leoni Ferreira, Minha terra: Assis. (?) 1978.
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SLIDE_LOPES_TROVÃO - aula 13 março