BCH - BPP - Políticas Públicas de Intervenção Territorial no Brasil
AULA 1
O CONCEITO DE TERRITÓRIO
Referência bibliográfica:
SANTOS, MILTON. O DINHEIRO E O TERRITÓRIO. CONFERÊNCIA DE INAUGURAÇÃO DO
MESTRADO EM GEOGRAFIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE E ABERTURA DO ANO
LETIVO DE 1999, PROFERIDA EM 15/03/1999.
SANTOS, MILTON. O RETORNO DO TERRITÓRIO. EN: OSAL: OBSERVATÓRIO SOCIAL DE
AMÉRICA LATINA. AÑO 6 NO. 16 (JUN.2005- ). BUENOS AIRES: CLACSO, 2005 - ISSN 15153282.
POLÍTICAS PÚBLICAS DE INTERVENÇÃO TERRITORIAL NO BRASIL

Em sua crítica à globalização e aos processos que atuam no mundo
acentuando e aprofundando desigualdades sócio-espaciais, Milton Santos
retoma dois conceitos da Geografia: o conceito de território e o conceito de
lugar.

Antes, era o Estado que definia os lugares. O Território era a base, o
fundamento do Estado-Nação que, ao mesmo tempo, o moldava. Com a
globalização, passamos da noção de território “estatizado”, nacional, para
a noção de território “transnacional”, mundial, global.

O território nacional é o espaço de todos, abrigo de todos. Já o território
“transnacional” é o de interesse das empresas, habitado por um processo
racionalizador e um conteúdo ideológico de origem distante e que chegam
a cada lugar com os objetos e as normas estabelecidos para servi-los.
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
O Território é o lugar em que desembocam todas as ações, todas as
paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é,
onde a história do homem plenamente se realiza a partir das
manifestações da sua existência. A Geografia passa a ser aquela
disciplina tornada mais capaz de mostrar os dramas do mundo, da nação,
do lugar.

O território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas
de coisas superpostas. O território tem que ser entendido como o
território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a
identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos
pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência,
das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida.
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
O dinheiro aparece em decorrência de uma vida econômica tornada
complexa, quando o simples escambo já não basta, e ao longo do tempo
acaba se impondo como um equivalente geral de todas as coisas que
existem e são, ou serão, ou poderão ser, objeto de comércio.

Num primeiro momento há um dinheiro local, expressivo de contextos
geográficos limitados e de um horizonte comercial limitado.

Nesse primeiro momento, o funcionamento do território deve muito às
suas feições naturais, às quais os homens e suas obras se adaptam com
pequena mediação técnica, porque então as técnicas eram de alguma
forma herdeiras da natureza circundante, ou um prolongamento do corpo.
Elas eram ao mesmo tempo o resultado desse afeiçoamento do corpo à
natureza, e desse comando da natureza sobre a história possível, de tal
maneira que a tecnicidade a partir dos objetos fabricados além do corpo
era limitada.
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
Com a ampliação das trocas, a amplificação do comércio, com a
interdependência crescente entre sociedades, com a produção de um
número maior de objetos e de um número maior de valores a trocar, vem
a complexificação do dinheiro, com o alargamento do seu uso e da sua
eficácia.

A circulação ganha sobre a produção o comando da explicação, porque
ganha sobre a produção o comando da vida. E essa lei se estende aos
lugares, quanto maior a complexidade das relações externas e internas,
mais necessidades de regulação, e se levanta a necessidade de Estado: o
Estado e os limites, o Estado e a produção, o Estado e a distribuição, o
Estado e a garantia do trabalho, o Estado e a garantia da solidariedade e
o Estado e a busca da excelência na existência.
POLÍTICAS PÚBLICAS DE INTERVENÇÃO TERRITORIAL NO BRASIL

Com a ampliação das trocas, a amplificação do comércio, com a
interdependência crescente entre sociedades, com a produção de um
número maior de objetos e de um número maior de valores a trocar, vem
a complexificação do dinheiro, com o alargamento do seu uso e da sua
eficácia.

A circulação ganha sobre a produção o comando da explicação, porque
ganha sobre a produção o comando da vida. E essa lei se estende aos
lugares, quanto maior a complexidade das relações externas e internas,
mais necessidades de regulação, e se levanta a necessidade de Estado: o
Estado e os limites, o Estado e a produção, o Estado e a distribuição, o
Estado e a garantia do trabalho, o Estado e a garantia da solidariedade e
o Estado e a busca da excelência na existência.

Cria-se o Estado territorial, o território nacional, o Estado nacional, que
passam a reger o dinheiro. O que há nesta fase são dinheiros nacionais
internacionalizados.
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
Basta refazermos mentalmente o mapa do dinheiro no Brasil e nele
encontraremos um lugar onde há todas as modalidades possíveis de
dinheiro (São Paulo), e outro onde a única modalidade de dinheiro possível
é o dinheiro-moeda (um ponto isolado no estado mais pobre). Em outras
palavras, o território também pode ser definido nas suas desigualdades a
partir da idéia de que a existência do dinheiro no território não se dá da
mesma forma. Há zonas de condensação e zonas de rarefação do
dinheiro. Todavia, o comando da atividade financeira está ali onde os
dinheiros todos podem estar presentes: São Paulo. Mas, sobretudo, o
comando se dá a partir do dinheiro global.

Nunca na história do homem houve um tirano tão duro, tão implacável
quanto esse dinheiro global. É esse dinheiro global fluido, invisível,
abstrato, mas também despótico, que tem um papel na produção atual da
história, impondo caminhos às nações. O equivalente geral torna-se afinal
o equivalente realmente universal. Mas esse dinheiro não é sustentado
por operações da ordem da infra-estrutura. É um dinheiro sustentado por
um sistema ideológico. Esse dinheiro global é o equivalente geral dele
próprio. E por isso ele funciona de forma autônoma e a partir de normas.
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
Há 25 anos atrás, empolgava-nos a assimilação da diferença entre o veraz
e o não verdadeiro, entre a aparência e a existência, entre o ideológico e o
real. Hoje a ideologia se tornou realidade, o que complica nossa tarefa de
análise, porque se impõe à produção da história concreta dos homens a
partir de um discurso único perfeitamente elaborado, e que se torna
acreditável a partir do bombardeio das mídias, mas também a partir da
chancela da Universidade.

Desse modo, por menor que seja um lugar, por mais insignificante que
pareça, no mundo da competitividade este lugar é fundamental porque as
empresas globais dependem de pequenas contribuições para que possam
manter o seu poder. Esse poder que é cego, porque não olha ao redor.
Esse poder que se preocupa com objetivos precisos, individualistas,
egoísticos, pragmáticos é um poder cego, já que não olha ao redor. Mas
escolhe lugares aqui e ali, hoje e amanhã, em função das respostas que
imaginam poder ter, e desertam esses lugares quando descobrem que já
não podem oferecer tais respostas.
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
Porque uma ciência política que não se funde no funcionamento e na
dinâmica do território pode, dificilmente, oferecer uma contribuição
empírica à solução dos problemas nacionais. O conteúdo do território
mudou, fundamentalmente, com a globalização, seja o conteúdo
demográfico, o econômico, o fiscal, o financeiro, o político. O conteúdo de
cada fração do território muda rapidamente.

Em outras palavras, a presença das empresas globais no território é um
fator de desorganização, de desagregação, já que elas impõem cegamente
uma multidão de nexos que são do interesse próprio, enquanto ao resto do
ambiente nexos que refletem as suas necessidades individualistas,
particularistas. Por isso, o território brasileiro se tornou ingovernável. E
como o território é o lugar de todos os homens, de todas as empresas e de
todas as instituições, o país também se tornou ingovernável, como nação,
como estado e como município.
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
O autor propôs que o “espaço geográfico” (sinônimo de “território usado”)
seja compreendido como uma mediação entre o mundo e a sociedade
nacional e local, e assumido como um conceito indispensável para a
compreensão do funcionamento do mundo presente.

Ele chama atenção para o novo funcionamento do território, através de
horizontalidades (ou seja, lugares vizinhos reunidos por uma continuidade
territorial) e verticalidades (formadas por pontos distantes uns dos outros,
ligados por todas as formas e processos sociais).

O território, hoje, pode ser formado de lugares contíguos e de lugares em
rede: as redes constituem uma realidade nova que, de alguma maneira,
justifica a expressão verticalidade. Mas além das redes, antes das redes,
apesar das redes, depois das redes, com as redes, há o espaço de todos,
todo o espaço, porque as redes constituem apenas uma parte do espaço e
o espaço de alguns. São, todavia, os mesmos lugares que formam redes e
que formam o espaço de todos.
POLÍTICAS PÚBLICAS DE INTERVENÇÃO TERRITORIAL NO BRASIL


Quem produz, quem comanda, quem disciplina, quem normaliza, quem
impõe uma racionalidade às redes é o Mundo. Esse mundo é o do mercado
universal e dos governos mundiais. O FMI, o Banco Mundial, o GATT, as
organizações internacionais, as Universidades mundiais, as Fundações que
estimulam com dinheiro forte a pesquisa, fazem parte do governo mundial,
que pretendem implantar, dando fundamento à globalização perversa e
aos ataques que hoje se fazem, na prática e na ideologia, ao Estado
Territorial.
Quando se fala em Mundo, está se falando, sobretudo, em Mercado que
hoje, ao contrário de ontem, atravessa tudo, inclusive a consciência das
pessoas. Mercado das coisas, inclusive a natureza; mercado das ideais,
inclusive a ciência e a informação; mercado político. Justamente, a versão
política dessa globalização perversa é a democracia de mercado. O
neoliberalismo é o outro braço dessa globalização perversa, e ambos esses
braços – democracia de mercado e neoliberalismo – são necessários para
reduzir as possibilidades de afirmação das formas de viver cuja
solidariedade é baseada na contiguidade, na vizinhança solidária, isto é,
no território compartilhado.
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
Na democracia de mercado, o território é o suporte de redes que
transportam regras e normas utilitárias, parciais, parcializadas, egoístas
(do ponto de vista dos atores hegemônicos), as verticalidades, enquanto
as horizontalidades hoje enfraquecidas são obrigadas, com suas forças
limitadas, a levar em conta a totalidade dos atores. A arena da oposição
entre o mercado –que singulariza– e a sociedade civil –que generaliza– é
o território, em suas diversas dimensões e escalas.

A tendência atual é que os lugares se unam verticalmente e tudo é feito
para isso, em toda parte. Créditos internacionais são postos a disposição
dos países mais pobres para permitir que as redes se estabeleçam ao
serviço do grande capital.
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
Mundo e lugar se constituem num par indissociável. O lugar é o papável,
que recebe os impactos do mundo. O lugar é controlado remotamente
pelo mundo.

Mas esse mesmo lugar é também o espaço da existência e da
coexistência. No lugar, portanto, reside a única possibilidade de
resistência aos processos perversos do mundo, dada a possibilidade real
e efetiva da comunicação, da troca de informação e da construção
política.

Os lugares também podem se unir horizontalmente, reconstruindo
aquela base de vida comum susceptível de criar normas locais, normas
regionais…
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
As uniões horizontais podem ser ampliadas, mediante as próprias
formas novas de produção e de consumo. Um exemplo é a maneira
como produtores rurais se reúnem para defender os seus interesses, o
que lhes permitiu passar de um consumo puramente econômico,
necessário às respectivas produções, a um consumo político
localmente definido e que também distingue as regiões brasileiras
umas das outras.

Assim, o lugar é o espaço do acontecer solidário. Estas solidariedades
definem usos e geram valores de múltiplas naturezas: culturais,
antropológicos, econômicos, sociais, financeiros, para citar alguns.
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
As solidariedades pressupõem coexistências no espaço geográfico. À partir
do território e dos lugares, está sendo gestado um novo tempo que Milton
Santos chegou a denominar de período popular da história. Este período se
caracteriza pelo processo de resistência dos lugares às perversidades
impostas a ele pelo mundo.

O lugar – não importa sua dimensão – é a sede dessa resistência da
sociedade civil, mas nada impede que aprendamos as formas de estender
essa resistência às escalas mais altas. Para isso, é indispensável insistir na
necessidade de conhecimento sistemático da realidade, mediante o
tratamento analítico desse seu aspecto fundamental que é o território (o
território usado, o uso do território). Antes, é essencial rever a realidade de
dentro, isto é, interrogar a sua própria constituição neste momento
histórico. Seu entendimento é, pois, fundamental para afastar o risco de
alienação, o risco da perda do sentido da existência individual e coletiva, o
risco de renúncia ao futuro.
POLÍTICAS PÚBLICAS DE INTERVENÇÃO TERRITORIAL NO BRASIL

Devemos ter isso em mente, ao pensar na construção de novas
horizontalidades que permitirão, a partir da base da sociedade territorial,
encontrar um caminho que nos libere dos efeitos negativos da
globalização perversa que estamos vivendo e nos aproxime da
possibilidade de construir uma outra globalização, capaz de restaurar o
homem na sua dignidade.

O papel ativo do território pode impor ao mundo uma revanche.
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