DO LIXO PARA MESA: CATADORES GASTRONÔMICOS CRIATIVOS Lisa Minari Hargreaves Universidade de Brasília - Brasil O posicionamento ético e o político da Eat Art tornam as ações voltadas para o universo alimentar momento importante para uma reflexão criativa e sustentável, que invade também o espaço das galerias e dos ambientes acadêmicos. O Acontecimento Alimentar Performático promovido pelos catadores gastronômicos criativos passa pela captação de alimentos descartados e jogados fora em feiras e mercados e prevê a elaboração artística/gastronômica de pratos criativos e sua distribuição comunitária como ação dentro e fora da galeria. Catar gastronomicamente é uma busca paciente e estranha compartilhada com os catadores e os moradores das ruas que utilizam as sobras como meio de sobrevivência individual e coletiva. Neste contexto, o imprevisto e o inesperado também fazem parte do acontecimento já que o encontrado não segue uma programação prévia guiada pelo desejo do catador e do consumidor. Catar, cozinhar e compartilhar a ingestão da comida torna-se assim, um ato ético e afetivo, que prevê a troca do elemento vital de subsistência e de seu significado emocional, simbólico e poético, trazido para o espaço das artes. O trabalho visa estimular uma reflexão prática e teórica sobre a conscientização sensível voltada para o reaproveitamento performático e a educação ética criativa. Importante: Todos os alimentos que são mostrados nestas imagens foram coletados pelos CATADORES GASTRONÔMICOS CRIATIVOS Segundo a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), no Brasil o desperdício alimentar chega a mais de 30% em relação à produção alimentar total. São desperdiçadas, diariamente, 40 toneladas de alimentos que poderiam alimentar 19 milhões de pessoas. Lembrando que o Brasil tem 16,27 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza - o que representa 8,5% da população (Passarinho, 2011), percebe-se a necessidade urgente da conscientização do reaproveitamento alimentar. Um projeto de lei que ajudaria consideravelmente a mudar esta situação está parado desde 2002 no Congresso Nacional. O projeto 4747-98, conhecido como a Lei do Bom Samaritano (Vieira, 2011) isenta a indústria de alimentos de responsabilidade civil ou penal, caso o consumidor sofra algum dano provocado por produtos doados. Infelizmente, há mais de 13 anos a proposta está parada nas gavetas do Congresso Nacional Brasileiro sem nenhuma previsão de outorga definitiva, mostrando, mais uma vez, que a questão do desperdício não é ainda uma questão de prioridade. É importante lembrar que o marco de referência para a Educação alimentar e nutricional para as políticas públicas no Brasil (2012) ressalta a necessidade de considerar o sistema alimentar na sua integralidade, visando, desta maneira, o aproveitamento total de TODOS os alimentos. Assim, o que se come relaciona-se impreterivelmente com o processo de sustentabilidade social, ambiental e econômica, valorizando o ato alimentar enquanto prática social emancipatória trandisciplinar. Visando a estimular uma reflexão ética e sensível a respeito do desperdício alimentar começou-se a olhar para os espaços esquecidos e frequentemente evitados, onde o descarte dos alimentos acontecia de forma corriqueira e acessível. Os lixos e as caçambas das feiras, dos mercados, das lojas e dos supermercados tornaram-se alvo de visitas frequentes e de olhares atentos. Descobriram-se, assim, curiosos cantos de cumulação, onde os alimentos eram jogados, abandonados e esquecidos. A ideia era catar as frutas, verduras e legumes, reaproveitáveis, que eram abandonados no chão ou nas do desperdício alimentar e a comunidade interessada em consumir alimentos qualitativamente perfeitos, mas visualmente pouco atraentes. Cataram-se, desta maneira, grandes quantidades de alimentos que foram repassados às pessoas necessitadas ou que, simplesmente começaram a abraçar as ideias de um consumo mais consciente e ecologicamente correto. O acontecimento “Catadores Gastronômicos: A.A.A. Adote Alimentos Abandonados – Acontecimento Afetivo Performático” começa, assim, com a captação de frutas e legumes descartados em feiras e mercados. O segundo momento do acontecimento prevê a higienização dos alimentos e sua embalagem. Esta etapa é feita em casa para que os alimentos descartados catados possam ser distribuídos e consumidos posteriormente. O terceiro momento (na galeria) é a distribuição para o público destes alimentos recolhidos. Esta etapa é uma distribuição gratuita e afetiva para o público da galeria. As ações dos catadores gastronômicos são desta maneira, pontualmente documentadas e divulgadas na internet, gerando curiosidade e solidariedade entre os visitantes da página virtual, interessados no processo de catação e reaproveitamento. Catadores Gastronômicos Criativos apresentam: A.A.A. Adote Alimentos Abandonados Acontecimento Afetivo Performático. Performance alimentar Na Galeria Espaço Piloto da Universidade de Brasília Distribuição afetiva de alimentos abandonados Compartilhar a distribuição e ingestão da comida é principalmente, um ato afetivo meu, teu e seu, que prevê a troca do elemento vital de subsistência e de seu significado emocional, simbólico e poético. As ações dos catadores gastronômicos tornam-se desta maneira, happening, que envolve tanto o espaço consagrado da arte quanto o espaço urbano percebido como lugar de convivência ética, estética e sensível. O processo de reaproveitamento e distribuição dos alimentos abandonados de maneira consciente e criativa pode ser pensado como performance alimentar democrática que atinge a comunidade em toda sua extensão social. A tragédia do abandono dá espaço assim, à poética do acolhimento e da dádiva gratuita, onde um simples alimento esquecido se torna uma obra de arte. Agradeço pela atenção