Até um dia, amor Quando aqui voltares e teus passos decalcarem meus passos no mosaico da marginal teu olhar remoto abrigará na memória a paisagem virgem do sapal e reencontrará na babugem do rio as aves dos meus versos, as rimas hieráticas das gaivotas planando no azul do céu; Quando um dia aqui chegares, vira-te para o poente, abre os braços e sente no ardor do sol o mesmo fogo que em ferida aberta o meu corpo incendiou. E se um dia voltares e o tempo não mais permitir a impressão de meus passos na pedra da calçada, caminha na direcção do farol e na foz onde os peixes luzem como almas e minha boca de cinza canta a canção das ondas, sente meus dedos de espuma que vagam na eternidade… Depois, o mar em teus olhos d’ água retomará as areias das nossas memórias e em teus pés nus beijará o tempo que findou. Lembra-te então daquele amor adolescente que por aqui permaneceu e viveu esperando somente reconhecer os teus passos no eco do vento soprando sobre as pedras. E ainda que teu corpo se dobre de dor por me saberes ali, água, pó e cinza, caminha sobre a praia, colhe os grãos de areia nas mãos e verte-as devagar como numa ampulheta sem tempo. Por fim, retoma o teu caminho e diz-me adeus, um adeus como quem volta sempre: até um dia amor, espera-me, que voltarei para ti definitivamente. Bernardete Costa