Evangelho segundo Mateus PREPARANDO A CHEGADA DE JESUS (Mateus 3,1-12) Todos os evangelhos fazem de João Batista a figura preparadora da atividade de Jesus. Antes de Jesus veio João. Contudo, quem é o mais importante? Os discípulos de Jesus discutiam muito isso com os discípulos de João. Os evangelhos acabam com a discussão, mostrando que João é apenas o propagandista, o arauto-anunciador do que Jesus vai fazer. Será que hoje a discussão já terminou? Quem é João hoje? Certamente todas as pessoas que anunciam Jesus para aqueles que ainda não conhecem. É aqui vem um ponto muito delicado: é preciso levar as pessoas até Jesus, e não retê-las para si. João é servo de Jesus, alguém que serve a Jesus. Também devemos fazer o mesmo: levar as pessoas até Jesus, e depois nos afastarmos do nosso papel, dizendo como João: “é preciso que ele cresça e eu diminua" (Jo 3,3O). Convertam-se!... João aparece no deserto, distante das cidades, principalmente de Jerusalém (3,1-4). No Antigo Testamento o deserto fora o lugar do encontro e da intimidade com Deus, onde Israel aprendeu a ser fiel ao parceiro da aliança, construindo uma sociedade nova, baseada na justiça e na fraternidade. Com João volta esse tempo. O que ele anuncia? É um convite: "Convertam-se, porque o Reino do Céu está próximo". Mateus fala de "céu" para não mencionar Deus. É Deus que está se aproximando dos homens na pessoa de Jesus. Através de Jesus, Deus vai estabelecer o seu reinado de justiça, realizando inteiramente o seu projeto de liberdade e vida para todos. Por isso é preciso estar preparado, deixando o caminho da injustiça que cria a desigualdade entre as pessoas. Mateus identifica João com o profeta que anunciava a volta dos exilados na Babilônia: agora vai acontecer essa volta, porque Jesus vai trazer a justiça que liberta da escravidão e da morte. Um pormenor importante: João se veste de maneira sumária (roupa artesanal de pêlos de camelo) e come o que tem a mão (gafanhotos e mel silvestre). Isso mostra que ele é independente dos grandes centros, que produzem coisas muito melhores, mas sempre dependendo da injustiça... Atentemos: o reinado de Deus começa no deserto, e não na cidade... O povo se converte A pregação de João tem sucesso (3,5-6). Embora esteja no deserto, de todos os lados o povo vem procurá-lo. Sinal de que as cidades já não estão lhe oferecendo uma alternativa nova de vida. E o povo quer vida. Ao ouvir João, confessam os próprios pecados, e João os batiza no rio Jordão. Que pecados são esses? Certamente o compromisso com as estruturas injustas, contrárias ao reinado de Deus. Ao ouvir João, as pessoas começam a romper com o grande pecado da injustiça, tornando-se preparadas para o compromisso com a justiça que Jesus vai ensinar. O batismo de João não é o batismo cristão. Trata-se mais do sinal de arrependimento e conversão, uma purificação do passado comprometido com a injustiça. Somos todos muito pequenos e limitados, e não podemos servir a mais do que uma coisa. Não conseguimos andar com os pés em duas canoas. Os chefes fingem Se João recebe bem o povo, a sua atitude com os chefes bem diferente (3,7-10). Os fariseus eram os chefes espirituais; conheciam muito bem a religião e se gabavam do ser fiéis até o extremo. Os saduceus eram os chefes da economia, da política e da religião; eram todos da classe alta e, em primeiro lugar, lutavam por defender seus interesses e mordomias, e conservar suas propriedades. João é duro. Chama-os de cobras venenosas, das quais só se pode esperar a morte. "Quem lhes ensinou a fugir da ira que vai chegar?" João está apontando para o julgamento. O reinado de Deus vai criar a justiça que porá em xeque toda a injustiça. Não adianta fingir, e os chefes do sistema injusto adoram fingir. É a sua maneira de impressionar e comprar o povo. Os fariseus e saduceus se afiançavam dizendo que eram filhos puros de Abraão, o pai da fé. Mas João diz que não adianta ser filhos de sangue. O que é preciso é a fé: todos podem se tornar filhos de Abraão, desde que, pela fé, se comprometam com Deus e com o projeto que se realiza em Jesus. E o julgamento é duro: quem não provar pela vida prática que está de fato convertido, ficará condenado. Árvore que não der bom fruto será cortada e jogada no fogo. Deus e o povo já estão cansados de ver tanto fingimento... O anunciador não é o Messias João explica bem o que está fazendo (3,11-12). Sua tarefa é apenas a de preparar. Por isso anuncia e batiza. Pede conversão e batiza para selar essa conversão. Ele é o arauto que vem na frente para anunciar o rei que trará a nova condição para todo o povo. Naquele tempo, tirar e carregar as sandálias de alguém significava ser servo, empregado. Pois bem. João explica que não é digno sequer de ser escravo de Jesus. Jesus trará um novo batismo, aliás, o batismo em que todos nós fomos batizados. Nele nós recebemos o mesmo Espírito de Deus que levou Jesus a realizar o projeto do Pai. Ele é o fogo que irá devorar toda a injustiça. E, doravante, Jesus é o nosso juiz: com a pá na mão, ele fará a colheita. Se formos trigo bom, ele nos recolherá em seu celeiro. Se formos apenas palha, ele nos queimará para sempre. Castigo? Não. Somos o que escolhemos ser. Deus nos dá todas as chances de entendermos e vivermos a justiça. Se entendermos mal ou não praticarmos a justiça que ele quer, estaremos perdidos, pois não serviremos para mais nada. Para refletir em grupos 1. João Batista era o preparador do caminho de Jesus. Hoje, o que é necessário para preparar esse caminho? 2.O que seria hoje o deserto? E a roupa e a comida de João? 3. Por que as autoridades gostam de fingir? Como é que isso acontece hoje? 4. Todo cristão deve ser um anunciador de Jesus. Quando é que essa tarefa termina? O que significa "é preciso que ele cresça e eu diminua"? (João 3,3O). 5. Onde está João Batista hoje? JESUS VAI CUMPRIR A JUSTIÇA (Mateus 3,13-17) Os quatro evangelhos lembram que Jesus foi batizado por João. A cena é importante, porque nela se define quem Jesus e é também o sentido de sua vida. Em Mateus encontramos nas primeiras palavras de Jesus, uma espécie de "programa" de sua vida e ação. Como a vida cristã de todos nós começa com o batismo, podemos ver nessa cena também o sentido de nossa vida e ação enquanto seguidores de Jesus. Jesus é solidário com os pecadores João pregava o arrependimento e a conversão, preparando o povo para a chegada do Messias, que iria fazer o julgamento e trazer o Reino de Deus. Nas palavras de João, Jesus, o Messias, seria um Juiz terrível. Qual não é o seu espanto, quando ele vê Jesus chegar humildemente, como um candidato a mais para o batismo de conversão, ao qual todo o povo estava se submetendo! João resiste (3,13-14). Diz a Jesus que este é quem o devia batizar, e não o contrário. E aí descobrimos a solidariedade de Deus com os homens. Primeiro Deus vem até nós e, embora sem qualquer compromisso com o pecado, faz-se um de nós para nos libertar do pecado e nos levar para o Reino de Deus. Descobrimos aqui a grandeza da solidariedade de Deus, já cantada no antigo hino cristão: "Ele tinha a condição divina, mas não se apegou a sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens" (Fil 2,6-7). Essa trajetória do Filho de Deus é um convite: também nós devemos fazer o mesmo! Para cumprir toda a justiça diante da resistência de João, Jesus só diz uma palavra. É a primeira coisa que Jesus diz neste evangelho, e mostra qual o sentido de sua vida e missão: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15). De que justiça se trata? É a vontade, ou o desígnio, ou projeto de Deus para a vida humana. É aquilo que desde a eternidade Deus sempre projetou para toda a sua criação, e principalmente para a humanidade, a parte mais significativa da criação. Deus quer que todos possam usufruir da liberdade (livro do Êxodo) e da vida (livro do Gênesis). Liberdade é a capacidade de se descobrir, se aceitar, se amar e participar, com a própria originalidade, dos rumos do mundo, da sociedade e da história. Vida é o centro do projeto de Deus, e consiste em repartir tudo o que existe com todos. Assim, diante dos nossos projetos egoístas, o projeto de Deus é uma revolução: Deus quer que todos tenham liberdade e vida, a fim de que todos possam repartir com todos aquilo que existe e tudo o que cada um é. Isso é a justiça que Deus quer. Mas Jesus diz "devemos". Por que? Não é só ele que deve cumprir essa justiça. O verbo no plural quer dizer que também João deve fazer parte desse programa e, com João, todos nós que nos chamamos de seguidores de Jesus. O que fazer? Primeiro aprender com Jesus. Ver tudo o que ele vai dizer e fazer neste evangelho, e depois continuar tudo o que ele começou. Não ha muita escolha. João concordou com Jesus. Se formos coerentes, também nos iremos concordar. Jesus é o Filho que serve Depois do batismo de Jesus há uma cena de revelação (3,16-17). Jesus saí da água e vê o céu se abrir. O céu, na Bíblia, é a morada de Deus. Doravante, em Jesus e através dele, o céu vai estar em ligação com a terra, Deus vai estar continuamente em ligação com a humanidade. Pelo céu aberto Jesus vê o Espírito de Deus, como pomba, descendo e pousando sobre ele. No livro do Gênesis 1,2, o Espírito de Deus revoava sobre o caos, prenunciando toda a criação que viria depois. Agora vai acontecer a nova criação. Com a justiça que Jesus vai cumprir nascerá um mundo novo, conforme a vontade de Deus. O mais importante, porém, é o que a voz que vem do céu declara: "Este é o meu filho amado, que muito me agrada". Esta simples frase contém muitas alusões a textos do Antigo Testamento, todos muito importantes para compreendermos o significado da pessoa e da missão de Jesus. Em primeiro lugar o salmo 2,7: "você é o meu filho". Jesus é o Filho de Deus, e é nessa perspectiva que devemos compreender tudo o que ele diz e faz. O salmo 2 celebrava o rei justo do povo de Deus. Jesus é esse rei justo. Mas o texto continua. O "filho amado" lembra Gênesis 22,2, quando Deus pede que Abraão sacrifique seu filho único. Também Jesus é o Filho único e amado de Deus, que será sacrificado pelo bem de todos. Na luta pela justiça Jesus terá que entregar a sua própria vida. "Que muito me agrada", por outro lado, lembra Isaías 42,1, quando o profeta fala do Servo de Deus que teria a missão de libertar a todos. Em resumo, Jesus é o Filho de Deus, o rei justo que será sacrificado para realizar a justiça que Deus quer, em favor de todos. Filho único e amado de Deus, que será sacrificado pelo bem de todos. Na luta pela justiça Jesus terá que entregar a sua própria vida. "Que muito me agrada", por outro lado, lembra Isaías 42,1, quando o profeta fala do Servo de Deus que teria a missão de libertar a todos. Em resumo, Jesus é o Filho de Deus, o rei justo que será sacrificado para realizar a justiça que Deus quer, em favor de todos. Também nós fomos batizados... Como cristãos, isto é, seguidores de Jesus, também nós fomos batizados e recebemos o mesmo Espírito que ele recebeu para cumprir a sua missão. Desculpamo-nos muitas vezes, dizendo que Jesus era Jesus, o Filho de Deus, e tal e tal. Ora, também nós somos filhos de Deus, ou achamos que Jesus tinha poderes especiais para fazer o que fez? Ora, quem lhe dava esse poder era o Espírito de Deus. E também nós recebemos esse Espírito. O que nos falta em geral é aceitarmos o compromisso do nosso batismo, levá-lo a sério, e nos colocarmos a serviço da justiça que Deus quer. O que nos impede de agir? Não será o nosso comodismo, que muitas vezes prefere ficar nas doçuras do céu, em vez de nos encarnarmos na terra, para enfrentar a luta que transformará o mundo e a história em novo céu e nova terra? O Filho de Deus se encarnou... Por que não fazemos o mesmo? Para refletir em grupos 1. O que significa hoje ser solidário com os outros? 2. Jesus de certo modo decepcionou João. Por quê? Também nós ficamos decepcionados com Jesus? Por quê? 3. Qual é a justiça que Deus quer? Falta muito para chegarmos até ela? Qual seria o nosso próximo passo? 4. Jesus é o rei que serve e entrega a sua vida pela justiça. Hoje vemos algum exemplo disso? Onde? 5. Que desculpas usamos para fugir do compromisso assumido em nosso batismo?