A CAMINHADA DO POVO DE DEUS Ir. Katia Rejane Sassi Os desafios da travessia Aqueles que viveram a maravilhosa experiência de conseguir libertar-se da dominação egípcia sentem no deserto o desamparo total. Não é fácil fazer este caminho, porque ele não tem traçados, nem pegadas. No deserto, o povo se confrontou com seus próprios limites. Há dificuldades externas e internas. O povo ficou desconcertado diante das necessidades básicas da vida, como a sede, a fome, a exigência de repartir para sobreviver, de não ter “olho grande”, a necessidade de descansar, de se organizar de forma descentralizada e participativa. O povo enfrenta a dificuldade de ser livre e olha para trás, desejando voltar para a condição de escravo, por medo de enfrentar os novos desafios que a liberdade traz. A saudade das panelas de carne do Egito sinaliza para esta tendência... A escravidão não implica perigos, desde que haja subserviência e obediência cega. A liberdade, por sua vez, implica responsabilidades e riscos. NO DESERTO APRENDE-SE A VIVER DE UM JEITO NOVO Esta etapa de aprendizagem não foi uma aventura mais fácil do que a saída do Egito. Não basta combater o grande império. É preciso dominar o pequeno ditador que está dentro de nós. Não basta sair do Egito. É preciso tirar o Egito que está dentro de nós. O povo de Deus no deserto andava Mas a sua frente alguém caminhava O povo de Deus era rico de nada Só tinha esperança e o pó da estrada Também sou teu povo Senhor e estou nessa estrada Somente a Tua graça me basta e mais nada É caminho de humanização! Para fazer este caminho é necessário desaprender e reaprender. Desaprender a cultura dos faraós de todos os tempos e apostar na força transformadora do Deus libertador de “escravos”. Desaprender o individualismo, a cultura do descartável, a ganância de ter sempre mais, a pretensão de que se pode crescer e ser feliz sozinho... Aprender a ser gente, a amar, a saber perder, a contemplar a natureza e as pessoas, a ser feliz, a cuidar e celebrar a vida. MEMÓRIAS DAS DIFICULDADES VIVENCIADAS NO DESERTO Teve momentos de crise, muita murmuração, reclamações, dúvidas e até revolta contra Deus. No entanto, em cada etapa, soube enfrentar os problemas, passo a passo, sem deixar de avançar em busca da terra da promessa. Algumas características centrais da experiência tribal, ensaiadas na caminhada pelo deserto: A força do canto da vitória vence a murmuração provocada pelo medo (Ex 15,1-21) -Diante do povo, surge a barreira do Mar Vermelho impedindo a passagem... Atrás deles, o exército do faraó querendo escravizá-los de novo... -O medo tomou conta de todos, e eles começaram a murmurar contra Moisés. Deus disse a Moisés: “Diga ao povo que avance!” “Cantem a Javé, pois sua vitória é sublime. Ele atirou no mar carros e cavalos!” (Ex 15,21) A luz da Lei de Deus vence a murmuração provocada pela sede (Ex 15,22-27) -O povo experimenta a liberdade, mas três dias depois já veio uma decepção. -Chegaram com muita sede perto de um lençol de água, mas a água era amarga e começaram a murmurar contra Moisés: “O que vamos beber?”. Deus disse a Moisés para jogar um tipo de planta na água, e a água se tornou doce. “Que planta é esta que torna a água boa para beber e devolve a vida ao povo?” A segurança da partilha vence a murmuração provocada pela fome (Ex 16,1-36) -Faltou comida no deserto. De novo, muita murmuração: “Era melhor termos sido mortos pela mão de Javé no Egito, onde estávamos sentados junto à panela de carne, comendo pão com fartura.” -Deus enviou o maná, todos os dias. Teve gente que tentava acumular mais do que precisava, porém apodreceu tudo. “Cada um recolha o quanto lhe basta para comer... Ninguém guarde para a manhã seguinte”. (Ex 16, 16.19) A certeza do Deus conosco vence a murmuração causada pela descrença (Ex 17, 1-7) -O povo, com sede no meio do deserto, esbarra numa rocha seca sem água. Nova decepção, muita irritação , novo murmúrio contra Moisés: “Javé está no meio de nós, ou não?”. -Moisés bateu na rocha, e da rocha seca brotou uma fonte. “Passe à frente do povo e tome com você alguns anciãos de Israel; leve com você a vara A esperança da oração vence a murmuração causada pelo desânimo (Ex 17, 8-16) -Os inimigos atacam. Eles parecem mais fortes. O povo está cansado e enfraquecido por causa da longa caminhada pelo deserto, mas ele não pode desanimar. -Enquanto Moisés, em atitude de oração, está com as mãos levantadas, Israel vence. Para evitar o cansaço, Aarão e Hur sustentam as mãos de Moisés para o alto, até o pôr-do-sol. “Javé minha bandeira.” (Ex 17, 15) A união das famílias vence a murmuração causada pela divisão (Ex 18, 1-12) -Na medida em que deixavam para trás a opressão do Egito e iam atravessando o deserto, começava a nascer um novo povo de Deus que exigia novas relações dentro das famílias. -Começa a reorganização do povo através da reunião das famílias dispersas pela luta de libertação, em torno de um projeto comum. O reencontro é festejado com uma refeição comunitária. “Agora eu sei que Javé é o maior de todos os deuses...” (Ex 18, 11) A participação nas decisões vence a murmuração causada pela dominação (Ex 18, 13-27) -Moisés faz tudo sozinho. Por isso, está sobrecarregado de trabalho no atendimento ao povo. Mas ele parece achar que este é o único jeito. Jetro, o sogro de Moisés, percebe as dificuldades de uma administração centralizada na figura de Moisés e sugere que o caminho da participação passa pela descentralização do poder. “Escolha entre o povo homens tementes a Deus: estabeleça-os como chefes de mil, de cem, de cinquenta e de dez... Desse modo vocês repartirão a A liberdade dos mandamentos vence a murmuração causada pelo legalismo (Ex 20, 1-21) -O povo saiu da dolorosa experiência de quatrocentos anos de opressão no Egito. A primeira coisa que fizeram, com a ajuda e a inspiração de Deus, foi criar alguns mandamentos para impedir o retorno para a situação de opressão e de escravidão. -Cada mandamento, por assim dizer, responde a um clamor do povo e combate uma determinada causa da sua opressão. “Eu sou Javé que te fiz sair da casa da escravidão.” (Ex 20, 2) O povo de Deus também vacilava as vezes custava a crer no amor O povo de Deus chorando rezava pedia perdão e recomeçava Também sou Teu povo Senhor estou nessa estrada Perdoa se as vezes não creio em mais nada As crises podem ser oportunidades para aquilo que Moisés disse ao povo desanimado e revoltado diante das dificuldades da caminhada no deserto: “Aproximai-vos da presença do Senhor” (16,9).