Sentimentos no
Sertão Republicano
– imprensa, conflitos e morte –
a experiência política de Deolindo Barreto
(Sobral 1908-1924)
Chrislene Carvalho dos Santos Pereira Cavalcante
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
Chrislene Carvalho dos Santos Pereira Cavalcante
Sentimentos no
sertão republicano
– imprensa, conflitos e morte –
a experiência política de Deolindo Barreto
(Sobral 1908-1924)
tese definitiva- (com corte).ind1 1
12/4/2006 10:28:16
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP
Sa59s
Santos, Chrislene Carvalho dos
Sentimentos no sertão republicano: imprensa, conflitos e morte – a experiência política de Deolindo Barreto
(Sobral 1908-1924) / Chrislene Carvalho dos Santos. Campinas, SP : [s. n.], 2005.
Orientador: Edgar Salvadori De Decca.
Tese (doutorado ) - Universidade Estadual de
Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
1. República. 2. Imprensa. 3. Coronelismo.
4. Memória. 5. Brasil, Nordeste – História.
I. De Decca, Edgar Salvadori. II. Universidade Estadual
de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III.Título.
(cc/ifch)
Palavras – chave em inglês (Keywords): Republics.
Press.
Coronelism.
Memory.
Brazil, Northeast – History.
Área de concentração : Política, Memória e Cidade.
Titulação : Doutor em História.
Banca examinadora : Edgar Salvadori De Decca, Antonio Torres
Montenegro, Cláudio de Moraes Batalha, Ivone Cecilia d’Avila Gallo,
Iara Liz Carvalho Souza.
Data da defesa : 09/12/2005.
tese definitiva- (com corte).ind4 4
12/4/2006 10:28:17
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
Dedicatória
Minha mãe!
De longe eu lembro, minha mãe teus olhos,
Teus lindos olhos de amor materno
E nelles vejo, minha mãe, que abrolhos
Brotam nos pingos mornos do teu pranto!
Na clemência da vida, nas escolhas,
A saudade de ti aumenta tanto!
E entre os humanos cheios de refolhos
Sôo teu amor, ó minha mãe, é santo.
Há na tua alma triste, alma dolente,
O amor perfeito, extraordinário, ingente,
E há na minha alma apenas um desejo.
O de auferir, oh mãe, de longe, embora,
Bem como o ouro do sol e o rir da aurora.
A perfeição suprema do teu beijo!
João Brasilio
“A Ordem” (04/07/1923)
A Mamãe(in memorian)
Ao Papai
Que me ensinou a estudar e sempre desafiava: “Só vou parar de ensinar quando souber mais
que eu.”
5
tese definitiva- (com corte).ind5 5
12/4/2006 10:28:17
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
Agradecimentos
Este é um momento de alegria e representação de gratidão. Poder agradecer às pessoas,
que em momentos diferentes influenciaram essa escrita, e para que ela se concretizasse.
Primeiramente agradeço ao meu Orientador Prof. Dr. Edgar Salvadori de Decca, que
aceitou o desafio dessa escrita. Só tenho a agradecer pela oportunidade e com muita admiração
aqui fica registrado meu carinho e respeito pelo profissional. Ah! Agradeço a honra de ter doado
à nossa Biblioteca os seus livros de leitura para a escrita de 1930.O Silêncio dos Vencidos, que
agora estão na Universidade Estadual Vale do Acaraú.
Ao Prof. Dr. Antônio Torres Montenegro, meu orientador do Mestrado, na Universidade
Federal de Pernambuco e que me honra em estar presente nessa banca de defesa. A quem dedico
o maior respeito e admiração.
A Profa. Dra. Ivone Cecília Gallo que participou da Banca de Qualificação e que
suas sugestões foram inspiradoras para pensar uma escrita mais crítica. Agradeço também a
disponibilidade de leitura e indicações de outros caminhos para narrar a história de Sobral.
Ao Prof. Dr. Cláudio Batalha, o primeiro Professor no Curso do Doutorado e que esteve
também na Banca de Qualificação e que suas sugestões e críticas me chamaram a atenção para
o cuidado na escrita e na compreensão para o leitor.
A professora Iara Liz que conheço de leitura e de banca de defesa de outros colegas.
Agradeço a disponibilidade em ser leitora de primeira mão.
No âmbito familiar agradecer ao meu irmão Alex não é suficiente. Ele deixou sua vida
cotidiana para morar temporariamente ora em São Paulo, ora no Ceará para que eu pudesse ter a
tranqüilidade de deixar a Clara segura e amada, enquanto poderia ficar concentrada para pensar
e escrever. Foi uma das mais lindas formas de demonstrar amor. Quando não se tem mais Mãe,
poder contar com um irmão é uma felicidade, um novo porto seguro.
À minha família só tenho a agradecer pelo apoio. Ao Edison agradeço com amor pelo
apoio dado na reta final, em poder ficar com a nossa Filha. À Clara, nascida durante o doutorado,
agradeço pela sua tranqüilidade, gostar de papel e caneta, que mesmo me solicitando tem um
modo meigo e prazeroso de convívio. Isso é facilitador para uma mãe-estudante.
À Cleuza que cuidou de mim e da Clara em Jundiaí, com carinho e amizade.
Agradeço à colega do Doutorado Nádia, que foi um apoio no convívio acadêmico. E
quero referendar a importância das colegas de pensionato, que tornaram o tempo em Campinas
6
tese definitiva- (com corte).ind6 6
12/4/2006 10:28:17
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
muito prazeroso e instigante, beijos carinhosos nas Letícias, de Tocantis e São Vicente, na
Lívia, Karina, Ana Carolina e Márcia, companheira de quarto.
Agradeço aos Colegas de trabalho na UVA que apoiaram a saída e cobriram a ausência.
Especialmente ao Prof. Ms. Raimundo Nonato por ter encontrado, na sua busca incessante por
fontes, os Processo Crime e Inventário de Deolindo Barreto Lima, e ao Prof. Ms. Agenor Soares
pelo aviso e envio do material.
Agradeço ao Reitor da Universidade Estadual Vale do Acaraú, José Teodoro Soares,
pela liberação e indicação da bolsa de estudos, do PICDT, que é sempre mínima no interior
brasileiro, aproveito o ensejo para agradecer também a CAPES. Agradeço o empenho do PróReitor de Pós-Graduação e Pesquisa, em 2001, Prof. Francisco Sampaio, sua interferência foi
fundamental. Muito obrigada. Aos funcionários, da época da referida Pró-reitoria, como o
Augusto e a Fatinha.
Agradeço aos profissionais que me ajudaram a tornar este trabalho mais padronizado.
Obrigada ao Neil Silveira, que formatou e diagramou o texto. Agradeço à equipe do Ponto de
Apoio pela revisão de texto. Ainda a Profa. Ene Mendes, pela tradução do resumo.
Gostaria de agradecer aos funcionários das bibliotecas e arquivos pesquisados. A
atenção da Gertrudes Costa Sales, da Biblioteca Pública do Ceará foi fundamental para o acesso
aos jornais microfilmados. Agradeço à Claudineide e Darlene, ambas Bibliotecárias da UVA.
À minha orientanda Margareth Taylor, que no seu processo de pesquisa foi me mostrando os
jornais em papéis, e indicando referências à memória de Deolindo Barreto, fez-me escrever um
último tópico sobre a luta pela memória do jornalista, quando pensava ter finalizado. Muito
obrigada.
Não poderia deixar de agradecer a dois funcionários. Um é o Júnior, da Pós-graduação
em História- Unicamp, pelo apoio e orientações acadêmicas. O outro é o Sabóia, funcionário
da Coordenação de História, um crateuense que desde que cheguei foi quem me indicou a
literatura de Lustosa da Costa sobre esse personagem, conterrâneo seu, o que me indicou um
caminho de “olhar” Sobral pelo viés do conflito. Até então narrada como “harmônica”.
7
tese definitiva- (com corte).ind7 7
12/4/2006 10:28:17
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
Epígrafe
Ao escrever, interrompemo-nos aqui e ali, num trecho
mais bonito, mais bem sucedido que os demais e, depois dele,
subitamente não sabemos como prosseguir. Algo estranho
está ocorrendo. É como se existisse um sucesso maligno
ou infrutífero, e talvez se deva ter noção desse sucesso para
entender o que há de fato com o verdadeiro. No fundo, há
duas senhas que se confrontam: o “uma vez por todas” e o
“uma vez só é nada”...
Walter Benjamin
8
tese definitiva- (com corte).ind8 8
12/4/2006 10:28:18
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
RESUMO
Discutir a experiência política de um jornalista liberal-democrata possibilita analisar as
disputas de grupos políticos no Nordeste. Na cidade de Sobral a disputa entre “Conservadores”
e “Democratas” culminou com o assassinato de Deolindo Barreto em pleno pleito eleitoral em
1924, após 16 anos de críticas pela imprensa, aos grupos de mentalidade autoritária e hierárquica
e patrimonialista, representados por coronéis, clero e juízes. Apontando outra possibilidade de
vida social e política o discurso liberal apresentava pedagogicamente pela imprensa uma vida
pautada nas leis, no direito a igualdade meritocrática e na “quebra” do poder patrimonial. E
a imprensa foi o veículo em que grupos urbanos demonstravam sentimentos de patriotismo e
felicidade social, por caminhos diferentes, representados em disputa de idéias e na organização
dos espaços urbanos.
ABSTRACT
To argue the experience politics of a journalist liberal-democrat makes possible to
analyze the disputes of groups politicians in the Northeast. In the city of Sobral the dispute
between “Conservatives” and “Democrats” culminated with the murder of Deolindo Barreto in
full election campaign in 1924, after 16 years of critical for the press, to the groups of authoritarian
and hierarchic and patrimonialista mentality, represented for colonels, clergy and juízes. Pointing
another possibility of social life and politics the liberal speech pedagogicamente presented for
the press a life pautada in the laws, the right the meritocrática equality and the “breaking” of
the patrimonial power. E the press was the vehicle where urban groups demonstrated to feelings
of patriotism and social happiness, for different ways, represented in dispute of ideas and the
organization of the urban spaces.
9
tese definitiva- (com corte).ind9 9
12/4/2006 10:28:18
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 11
1 - Uma Cidade no Sertão................................................................................................ 18
1.1 Sobral uma cidade no sertão ............................................................................... 29
1.2 Deolindo Barreto: de “soldado da borracha” à tipógrafo ................................... 37
2 - Sertão Republicano: urbanização e conflitos de mentalidades............................... 48
2.1 Pensamentos hierárquicos: catolicismo ultramontano x sociedade coronelística ... 48
2.2 Pensamento de Igualdade: o viés iluminista do pensamento liberal-democrata ........... 56
2.3 Mentalidades em Conflito: as disputas entre grupos no Ceará ................................ 63
3 – Experiência liberal no Sertão: Sobral em papel e tinta .................................................. 75
3.1 Periódicos e papel político numa experiência republicana ........................................ 75
3.2 A Lucta de Deolindo Barreto: a imprensa como o quarto poder................................ 86
3.3 Sobral em Papel e Tinta: imagens em conflito pela imprensa.................................... 104
3.4. Cidade em ruína: seca, políticas públicas e corrupção .............................................. 120
3.5 Imprensa Condenada: clericalismo e anticlericalismo .............................................. 130
4. Sentimentos na Política e Assassinatos: o Estado de Direito e as Relações de
Patrimonialistas .......................................................................................................................... 148
4.1 Violências, sentimentos e assassinatos ........................................................................ 148
4.2 Crime Político como Indício de Vetores da Política: Assassinato de Deolindo Barreto 155
4.3. Os Trâmites Jurídicos: burocracia e luta por justiça ............................................................ 168
4.4 Silêncio para o vencido: a omissão pela imprensa ..................................................... 183
4.5 Memória para o vencido: imprensa democrata e política pública da parentela............. 187
CONCLUSÃO .................................................................................................................................. 197
FONTES............................................................................................................................................. 201
BIBLIOGRAFIA.............................................................................................................................. 203
10
tese definitiva- (com corte).ind10 10
12/4/2006 10:28:18
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
INTRODUÇÃO
Cada época sonha com a seguinte, mas enquanto sonha, ela ao mesmo tempo a lança
na desilusão, parafraseando Walter Benjamin. Desilusão por que a unidade representada pela
utopia não existe no nível do real concreto; ela só tem lugar na utopia.1 A experiência de um
jornalista liberal-democrata que pelas páginas impressas propunha a cidade de Sobral que
almejava, defendia e criticava as práticas vigentes de seu tempo, é indiciária de uma luta para
se construir um “bom lugar” nas primeiras décadas do século XX.
Nessa análise articular relação entre sentimentos e história requer entrar num ambiente
de perspectivas, de subjetividade, de possibilidades, e ao mesmo tempo, um olhar político que
não passe ao largo de si mesmo2. Aescrita da história é uma elaboração do trabalho do historiador,
partindo de documentos reais, construídos, elaborados num determinado tempo e espaço, na
luta política do cotidiano. Dessa forma, é possível estudar esse momento republicano no sertão
nordestino, onde os sentimentos de amor à pátria; luta pela justiça, liberdade, fraternidade,
felicidade, oportunidade igual aos cidadãos, esperança e vitória, estão articulados à uma prática
cotidiana impressa nos jornais.
Compreendendo sentimentos como uma possibilidade de compreensão dessa
experiência republicana, com discursos inflamados, ressentidos e apaixonados por uma sociedade
que deve ser. Os afetos e a política são relacionados na prática dos sujeitos, entre sua afetividade
individual e as práticas sociais e políticas. Isso requer que o historiador social considere as
representações dos sentimentos como os rancores, as invejas, os desejos de vingança e os
fantasmas da morte, que desegnam o termo ressentimento3.
Assim é o deslocamento da imaginação, das paixões, da vontade e da razão útil que
vai colocar em cena uma nova idéia, a de felicidade. Sendo a utilidade para aumentar o prazer
e diminuir a dor e a miséria. Esses preceitos vão pontuar o discurso de crítica de Deolindo
Barreto.
1 Utopia pensada como uma dimensão do imaginário que paradoxalmente não existe em lugar nenhum. É uma
palavra de origem grega outopos, significa tanto o “o bom lugar” como “lugar nenhum”, significações que levam
a refletir principalmente sobre idéias relacionadas também a um espaço. Ver: GALLO, Ivone Cecília D’Ávila.
Aurora do Socialismo: fourierismo e o falanstério do Sai (1839-1850). Campinas, Unicamp, Tese de Doutorado,
2002; . O Contestado: o sonho do milênio igualitário. Campinas: EdUnicamp, 2003; MONTEIRO, John
Manuel. História e utopias. São Paulo. ANPUH, 1996.
2 SARLO, B. Um olhar político. In: Paisagens imaginárias: intelectuais, arte e meios de comunicação. São Paulo:
Edusp, 1997, p. 59.
3 ANSART, Pierre. História e memória dos ressentimentos. In: BRESCIANI, M. Stella; NAXARA, Márcia.
Memória e (res)sentimentos, indagações sobre uma questão sensível. Campinas: EdUnicamp, 2001.
11
tese definitiva- (com corte).ind11 11
12/4/2006 10:28:18
Deolindo Barreto
Dessa forma transformar um acontecimento: o assassinato de um jornalista, em análise
histórica, entrecruzando temas como esperança, humilhação, ressentimento, vergonha, honra,
decoro, e das paixões políticas, requer compreender que mentalidades eram recorrentes, a partir
dos caminhos vividos por um indivíduo e suas relações de grupo. E mais compreendendo que
o ressentimento estaria na base do discurso de igualdade democrática destruidor, que busca
mostrar a falta de oportunidade do sistema social vigente. A ideologia democrática apresenta
um dos objetivos e um dos resultados seria o de substituir as violências pela tolerância, o
enfrentamento por fruto de ódios pelo confronto de opiniões, construir espaços de diálogos e de
reflexão, tendo com efeito liberar as expressões e superar os ódios através do reconhecimentos
das pessoas e de seus direitos; podendo dessa forma expressar as hostilidades, transformandoas em reinvidicações racionalizadas e o seu abrandamento pela tomada de consciência das
oposições de interesses. Dessa forma, é como se permitisse romper os sentimentos de
impotência, arrancando os indivíduos de suas ruminações rancorosas, fazendo-os responsáveis
por si próprios e membros ativos de uma sociedade participativa.
Isso era um ideal, um conjunto de valores a serem perseguidos, constituindo modelos
de ação que foram experimentados na cultura ocidental, mas que tem ocultamento de seus limites
e fracassos. Esses valores conflitaram na prática dos grupos hegemônicos, que construiram
respostas ressentidas, que representaram o ódio recalcado dos dominantes quando se encontram
em face da revolta daqueles que consideram inferiores, reforçado pelo desejo de reencontrar a
autoridade perdida e vingar a humilhação experiementada. Essa teia de relações de grupos que
norteiam o fazer republicano no sertão nordestino.
Articular os sentimentos no estudo da experiência de indivíduo como histórica, foi
possível a partir da compreensão da renovação do campo historiográfico. Foi a partir das crises
dos grandes paradigmas como marxismo, estruturalismo, construiu-se reações contra conceitos
totalizantes como classe; e como categorias pré-determinadas como revolução, houve um
favorecimento da experiência como espaço de compreensão do vivido4. Assim como a literatura
e psicanálise, com o triunfo do polimorfismo do homem orientaram novas possibilidades de
análise do campo historiográfico.
Dessa forma este trabalho busca a partir da análise da vida pública de Deolindo Barreto
Lima construir uma compreensão coletiva, social, dos lugares sociais que ocupou e os meios de
comunicação que foram utilizados para afirmar uma proposta de cidade e a demarcação do
campo político.
A cidade de Sobral, que analiso a partir dos periódicos, foi construída entre conflitos
4 Sobre essa quebra de paradigmas na historiografia. Ver: DE DECCA, Edgar Salvadori. Rebeldia e revolução
na história social. In: BRESCIANI, M. Stella. Jogos da política, imagens, representações e práticas. São Paulo:
Marco Zero, 1991; BORGES, Vavy Pacheco. Desafios da memória e da biografia. In: BRESCIANI, M. Stella,
NAXARA, Márcia. Op cit.
12
tese definitiva- (com corte).ind12 12
12/4/2006 10:28:18
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
e conciliações, e pulsões de sentimentos.
Buscando compreender que tempo era esse, fui dando atenção às disputas e lutas que
marcam a produção social da memória, considerando a imprensa um dos lugares privilegiados
para a construção de sentidos para o presente e uma das práticas de memorização do acontecer
social, articulando como se constroem sentidos e interpretações das representações históricas.
As divergências apresentadas são propostas para se vivenciar a República, articulando
à práticas anteriores, ou inspirada nos ideários liberais-democratas. A República não é idêntica
à de democracia. A república, tal como ela é pensada em Roma, é um governo aristocrático, ou
seja, é uma oligarquia. Apenas aqueles que são definidos, no caso de Roma, como romanos,
isto é, participantes da propriedade do solo de Roma, é que são considerados politicamente
válidos.
Isso significa, portanto, que não podemos identificar república à democracia. A
república é a exigência da separação entre o espaço privado e o espaço público e da
existência da constituição escrita, mas ela não está vinculada à idéia de um direito universal
à participação política e ao exercício do Poder, que vai ser a idéia da democracia. Esse é o
primeiro ponto que é importante, porque dá para entender porque se é republicano no Brasil,
sem ser necessariamente democrático. E buscar associar esses dois valores será espaço de
luta, conquistas e incômodos.
Ainda mais numa experiência em que proclamaçãoda Repúblicafoi um golpe de estado,
como é o caso brasileiro. Um quadro semelhante ao da proclamação da independência. Quando
se toma os outros países da América Latina ou da Europa, as repúblicas foram constituídas a
partir de revoluções, de guerras civis, de lutas populares pela implantação do novo regime. A
particularidade brasileira o governante toma a decisão de mudar a forma do regime sem que
isso seja proveniente de uma vontade popular, que tenha se manifestado de alguma maneira. A
república no Brasil é implantada de cima pra baixo. E isso a torna oligárquica, à maneira dos
romanos, e, dada a sua origem de implantação de cima pra baixo, ela sempre foi uma república
autoritária. Ela corresponde ao autoritarismo da sociedade brasileira.
E no discurso liberal-democrata haverá a crítica a essa maneira, ao mesmo tempo que
compõem uma forma autoritária e excludente de sociedade. E que irá constituir e construir um
discurso ressentido; em termos de temporalidade, o ressentido vê o futuro não como abertura,
emancipação, mas como acerto de contas rancoroso que se estabelece com o passado. O ser do
ressentimento é voltado para o passado: lembranças das ofensas antigas, passado mitificado.
Retendo do passado os fatos que convêm.
13
tese definitiva- (com corte).ind13 13
12/4/2006 10:28:19
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
Ademocracia é um discurso ressentido.Assim é que os sentimentos e os ressentimentos5
irão compor os temas e a maneira de fazer imprensa no interior do Brasil. Mas discutir uma
prática liberal, requer compreender como o liberalismo é pensado. Hoje é uma expressão
vaga, ambígua, um lugar comum a indicar um movimento partidário, uma ética, uma estrutura
institucional ou mesmo uma reflexão política. E como são muitas as práticas, os interesses e
os argumentos que atualmente se escondem sob o rótulo “liberal”, o conceito de liberalismo
encontra-se semanticamente desgastado: diante de tanta imprecisão conceitual, como distinguir
os vários adjetivos do substantivo, isto é, as diferentes experiências históricas consideradas
“liberais”, por um lado, e o conceito de liberalismo, por outro? Não há possibilidade de falar de
um liberalismo no singular, ou seja, unívoco e universal.6
Este estudo é uma representação de práticas liberais, na busca de romper e conviver
com uma mentalidade hierárquica, que também não é unívoca, nem se explica por si. No caso do
Ceará compreendo pensamento hierárquico os da Igreja Católica Romanizadora e da sociedade
coronelística, mas que também se compõem na diferença, ocupam lugares e interesse sociais
divergentes esses grupos, o traço em comum é ser anti-liberal, e anti-democrático. Hierarquia
pensada como um conjunto de pessoas que detém o mesmo status ou posição social, que
tem como referencia os mesmos estados, ordens, honra social, estima, distribuição de renda,
características raciais, pureza de sangue ou social, grau de educação tipos de bens consumidos,
tipos de restrição ao consumo, religião, ideologia e materialidade, para que assim pertençam a
uma escala social e se diferenciem dos outros, considerados inferiores, com dever de obediência
e humildade. 7
Esses valores construídos socialmente e que, neste caso, as hierarquias sociais
atravessam toda a cultura. O que permite perceber que as hierarquias dizem respeito as formas
de organização social e suas representações. No Coronelismo podemos referi a modalidade de
organização como a sistema de parentesco com as representações de família, poder, riqueza
e propriedade. No pensamento católico a supremacia está na obediência à Deus e aos seus
representantes, o Clero.
Essas divergências tornam-se o fascínio do estudo da política está justamente na paixão
que ela representa. No desencadeamento de diversos e divergentes sentimentos e emoções,
sendo um espaço de embate.
5 Esse tema é recente na historiografia brasileira. O livro BRESCIANI, M. Stella(org.). História e (re)sentimentos.
Campinas: EdUnicamp, 2002, representa essa escrita, mas participar do Colóquio Internacional História e
(re)sentimentos, na Unicamp, em abril de 2004, redimensionou este trabalho. O diálogo entre historiadores e as
diferentes formas de abordar e expor o tema foram inspiradores para perceber como os discursos pela imprensa era
essa relação sentimento/ressentimento.
6 FARIA, José Eduardo(Org.). Direito e justiça, a função social do judiciário. São Paulo: Ática, 1989. p. 20
7 AGUIAR, Neuma(org.). Hierarquia em classes. Rio de Janeiro: Zahar, 1974(Testos Básicos de Ciências Sociais).
14
tese definitiva- (com corte).ind14 14
12/4/2006 10:28:19
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
Dessa forma, ao acompanhar a militância liberal democrata em Sobral, a figura de
Deolindo Barreto foi assumindo significados, por sua participação na vida social enquanto
jornalista, por seu empenho em preservar a memória dessa luta, seja publicando a carta de
agradecimento do Padre, relembrando os “pontos negativos” de seus opositores com a coluna
Sobral no Tempo, como ter guardado o acervo do seu jornal, que a família manteve. E que hoje
compõe o acervo microfilmado nas Bibliotecas cearenses.
Pensando a história como reconstrução sempre problemática e incompleta do que não
existe mais, e que ela não serve para glorificarmos o passado, pois o que ela realiza é no mais
das vezes a deslegitimação de um passado construído pela memória, é que me senti encorajada
em estudar um liberal-democrata, para construir uma escrita da história que possibilitasse ir
além do discurso harmônico na cidade de Sobral.
A cidade de Sobral é uma das mais importantes do Estado do Ceará, do ponto de
vista econômico, social, política e cultural. Em 1998 foi considera como uma das 10 melhores
cidades do interior brasileiro com melhores condições de vida.8 Fica localizada na Zona Norte
do Estado, a 230 km da Capital Fortaleza, de clima semi-árido, ao pé da Serra da Meruoca.
Sendo considerada, desde 1999, patrimônio nacional, e que mantém “hábitos interioranos”,
como colocar cadeiras nas calçadas, ao cair da tarde para “conversar” sobre temas diversificados,
e mantém um grande orgulho do seu Bispo-Conde e de seu passado econômico profícuo e de
sua elite letrada. Uma narrativa memorialista harmônica.
Não pertencer ao lugar me trouxe dificuldades, como não conhecer a historiografia
e o acesso aos materiais, ao mesmo tempo em que isso me possibilitou maior liberdade em
produzir uma escrita pelo viés da quebra de memória, visualizando conflitos, que não queria ser
mostrado na escrita da cidade. Visto que a memória coletiva apresenta-se como unificadora e
integradora, procurando a harmonia e escamoteando ou sublimando o conflito.
Assim estudar o sertão brasileiro, mais particularmente o interior do Nordeste, é
compreender que este passava por uma crise social sem precedentes durante o final do século XIX e
o início do século XX. O sertanejo se sentia abandonado pelas autoridades e sofria com uma infraestrutura que beneficiava os grandes proprietários das fazendas, os coronéis, que se tornaram os
donos do sertão.9 A vida girava em torno desses coronéis. Eles protegiam e perseguiam, mandava e
desmandavam. Na política, cometiam todo tipo de fraude para beneficiar seus candidatos. Em seus
territórios, dependendo da maior ou menor liderança, nada se fazia sem a sua determinação. Esses
valores sociais irão compor o fazer a implantação republicana e os "novos" hábitos urbanos.
As diferentes experiências republicanas no Brasil, representam diversidade política,
8 A Boa vida do interior. In: Revista Veja. 11 de março de 1998, ano 31, n. 10. p. 70-76.
9 O nordeste como problema, como sendo o da seca, foi fruto da quebra do eixo econômico da republica, como
afirma Gilberto Freyre, até então havia uma noção de nordeste rico, com arvores frondosas. Ver: FREYRE, Gilberto. O Nordeste. Rio de Janeiro: José Olympo, 2001.
15
tese definitiva- (com corte).ind15 15
12/4/2006 10:28:19
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
social, cultural das idéias positivistas, liberais, ilustradas, republicanas que foram inseridas e
praticadas.
Como foi experimentada as idéias liberais no sertão cearense? Que peculiaridades
tinha com as lutas, o combates e embates em outras regiões e o que de particular era vivenciado?
Sob o discurso de liberdade, justiça social, amor, encontrado no periódico A Lucta, é possível
compreender o conflito das idéias vigentes em Sobral, e que eram recorrentes no Brasil.
A idéia republicana, pautada num sentimento de igualdade meritocrática para a
democracia, representa um discurso e diferentes formas de ressentimento, sendo resultado
longínquo de um conflito.
Uma cidade construindo relação entre memória e esquecimento pode-se objetivar
num discurso, mas para que a relação exista deve também existir o documento capaz de dar à
memória pelo menos mesma força do esquecimento: o documento que se imponha como pilar
da memória e a que a memória tende, inevitavelmente a rejeitar. Assim analiso os periódicos,
principalmente A Lucta, um bissemanário de discurso inflamado e de ideário democrata, apesar
de se aformar a partidário.
Dessa forma, optar pela imprensa diária, representa uma orientação teórica e política
capaz de dar potencialidade critica à reflexão histórica para interferir na correlação de forças em
disputa pela direção dos acontecimentos do presente. É um documento que se quer provedor do
nosso entendimento do mundo, na construção dos sentidos e ordenamento da realidade social e
na constituição de memórias hegemônicas.
Assim, esta tese está dividida em quatro capítulos. O primeiro, Uma Cidade no Sertão,
é uma discussão sobre imagens do nordeste e como se pensar a organização do espaço urbano
no sertão brasileiro e as experiências de um jornalista liberal democrata.
No segundo capítulo, Sertão Republicano: urbanização e conflitos de mentalidades,
uma discussão sobre os grupos de mentalidade hierárquica e os discursos liberais propondo
uma outra sociedade, pautado no estado de direito, na legalidade como ordem social. Em que o
moderno, idealizado como aquele que não concebia mais receber normas e leis nem da natureza
das coisas, nem de Deus, mas que pretendia fundá-las, ele próprio, a partir de sua razão e
vontade.
No terceiro capítulo, Experiência liberal no Sertão: Sobral em papel e tinta, apresento
as frentes de batalha da imprensa na mudança social. Onde são apresentados os conflitos, as
humilhações, os ressentimentos, as criticas e o que se queria propor como remédio, para cura
dos problemas sociais, percebendo como a imprensa foi utiliza como instrumento da verdade e
arma para luta pela justiça social.
16
tese definitiva- (com corte).ind16 16
12/4/2006 10:28:19
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
No quarto a capítulo, Sentimentos na política e Assassinatos: o Estado de Direito
e as Relações de Patrimonialistas a abordagem será sobre o estopim ds divergências, com o
assassinato do Jornalista após 16 anos de vida pública, e as implicações do uso do Estado de
direito para os grupos hegemônicos e os embates políticos entre silêncio e memória sobre o
acontecimento, e a memória contemporânea da experiência desse jornalista.
17
tese definitiva- (com corte).ind17 17
12/4/2006 10:28:19
Sentimentos no sertão republicano
imprensa, conflitos e morte - a experiência política de Deolindo Barreto (Sobral 1908-1924)
1 - Uma Cidade no Sertão
1.1 Sobral uma cidade no sertão
Discutir as representações simbólicas de Sobral é discutir também a territorialidade,
os espaços de sociabilidade urbana que foram sendo ocupados. Isso porque o local de onde se fala
tem a ver com o que se fala. Representação, espaço e tempo estão estreitamente ligados. E essa
volta ao passado da cidade é para conhecer o engendramento de sua história, num determinado
tempo, narrando um passado de conflito e concialiações entre grupos, até então não escrita na
historiografia local, que era eclesiástica.
O processo de urbanização de Sobral teve influências de Recife, Fortaleza, Belém,
Paris. Isso porque nas periferias se desejava o progresso tanto quanto nas áreas centrais do
capitalismo. Assim, a elite da cidade de Sobral buscava se constituir como espaço moderno,
civilizado, mas este projeto foi experimentado com um processo de confronto e conciliações
com outros projetos de cidade, como a proposta romanizadora da Igreja Católica e os interesses
patrimonialistas de uma sociedade coronelística.
Analisar conflitos de mentalidades em Sobral possibilita compreender que tempo era
esse. O início republicano em Sobral foi um momento de articulações políticas, de grupos
antagônicos e que buscavam se apoiar para implementar a nova ordem, ao mesmo tempo queria
se manter no status quo.
É importante localizar a cidade e sua importância para a vida política do Estado. A
cidade, sendo obra coletiva, tem maior diversidade e é construída ao longo do tempo, e são as
práticas sociais da vida cotidiana que articulam os objetos sociais e com isso se especializam, o
18
tese definitiva- (com corte).ind18 18
12/4/2006 10:28:20
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
que lhes confere ao mesmo tempo uma maior continuidade.10
Sobral está localizada no sertão11 cearense. E pelas características do processo
de colonização do território do Ceará, ao contrário de outras áreas do Brasil12, foi ancorada
em bases econômicas mais sólidas no interior, no início do século XVIII, com a expansão da
pecuária oriunda da zona canavieira Assim, a cidade foi se constituindo como grande centro
polarizador da economia. A cidade de Sobral, localizada na região norte do Ceará, no vale do rio
Acaraú, ao pé da Serra da Meruoca, um dos núcleos urbanos mais antigos do Estado, originouse do povoado que se formou, em meados do século XVIII, em terras da fazenda Caiçara, do
Capitão Antônio Rodrigues de Magalhães.
Na ribeira do Acaraú, o processo de ocupação iniciou-se nas fazendas de criar e
contou com apoio oficial dados aos colonos no combate violento a populações indígenas. As
terras entre o Rio Acaraú e a Serra da Ibiapaba eram ocupadas por diversas nações indígenas,
como os Tremembé e os Anassé. Na Serra viviam os Ararius e Tabajaras. Essas populações
foram vencidas por arma ou por aldeamentos, como a experiência da Serra da Ibiapaba, um dos
maiores da América Latina.13
Os produtos oriundos do desenvolvimento da pecuária em Sobral eram exportados
através do porto de Acaraú para os principais portos da colônia, possibilitando, em troca, a
entrada de objetos de luxo como pratarias, porcelanas, cristais, móveis de jacarandá e materiais
de construção, elementos indicativos de prosperidade econômica e símbolos do poder ascendente
de determinados grupos locais.14 Essas e outras mercadorias seguiam do porto para Sobral e,
depois, ganhavam fazendas e povoados próximos.
Naquela época, a capitania do Ceará ainda pertencia a Pernambuco e estava dividida
em três distritos ou “ribeira”, de acordo com as bacias hidrográficas.15
10 PITAUDI, Silvana Maria. Cidade, cotidiano e imaginário. In: SILVA, José Barzacchiello da(org). A cidade e
o urbano. Fortaleza: EdUfc, 1997. p. 216.
11 A referência ao sertão, é o sertão como espaço geográfico e modo de vida. Inclusive de um novo modo de vida
que se quer fazer.
12 Isso porque alguns núcleos urbanos, surgidos no litoral, caracterizam-se, geralmente, pela posição hegemônica
que exercem desde o período colonial em suas regiões, como Salvador, Recife, Rio de Janeiro e outras cidades
litorâneas, tornarando-se, nos primeiros séculos da colonização, sedes do aparato burocrático e militar, ao mesmo
tempo em que se fixaram como centros de grande importância econômica. Nesse contexto, Fortaleza, capital do
Ceará, constitui uma exceção. Os primeiros núcleos cearenses que alcançaram relevância econômica surgiram no
interior, decorrentes dos assentamentos de correntes migratórias oriundas, sobretudo, da Bahia, de Pernambuco
e da Paraíba que penetraram neste território pelo sertão. A ocupação da costa, embora mais antiga, só conheceu
efetivamente desenvolvimento econômico e, conseqüente, urbanístico, no século seguinte.
13 ARAÚJO, Pe. Francisco. Cronologia sobralense (1604-1800).V. Fortaleza: Editorial Cearense, 1974.
14 GIRÃO, Valdelice. A Charqueadas. In: SOUSA, Simone(coord.). História do Ceará. Fortaleza: Fundação
Demócrito Rocha, 1989.
15 A primeira e mais importante, em arrecadação de impostos, era a Ribeira de Jaguaribe, tendo como núcleos Icó
e Aracati. A segunda em arrecadação era a Ribeira do Acaraú, que tinha Vila de Sobral como pólo. E a terceira era
a do Rio Ceará, com pequeno peso econômico, que abrangia as vilas de Fortaleza e Aquiraz.
19
tese definitiva- (com corte).ind19 19
12/4/2006 10:28:20
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
O florescimento de Sobral e sua consolidação, como importante núcleo urbano,
deveram-se às polarizações sociais, econômicas e políticas, a partir da “civilização do couro”16,
e a instalação do curato e a sua representatividade como centralização do poder religioso,
sedimentando como ponto de convergência de populações rurais, impulsionando seu
crescimento urbano. O que formou a idéia de “tradição” do caráter religioso de seus moradores,
principalmente da sua elite.
O couro e o algodão tornaram-se dois produtos fundamentais na economia sobralense
no século XIX.17 O aumento do cultivo do algodão no final do século XIX concorreu para a
mudança das ligações entre o litoral e o interior, implicando, inclusive, a efetiva consolidação
do poder administrativo e político de Fortaleza. Mas Sobral ganhou grande impulso, atraindo,
ao contrário de outras cidades como Icó, importantes investimentos do governo imperial,
mantendo sua posição política e econômica. No final do século, a indústria têxtil se instala na
cidade e, em 1882, inaugura-se a estrada de ferro. Também intensifica-se a política econômica
nos portos do Acaraú e Camocim.
Feito este breve contexto de ocupação do território, permite compreender o título de
a segunda cidade ou a primeira depois de Fortaleza18 no início republicano. Sobral, com uma
população de mais de 38 mil habitantes19, era um importante pólo comercial e político,
beneficiando-se da economia algodoeira. O Ceará, de uma economia baseada na pecuária
até final do século XIX, passou, a partir do início do século XX, à exploração do algodão,
cultivo e manufatura, adotando o espaço urbano como símbolo de vida social, isto é, sua elite
se “modernizava.” Assim, além do comércio e das atividades agropastoris, a elite de Sobral
passou a se dedicar à atividade industrial, como a instalação da Fábrica de Tecidos de Sobral,
de Ernesto Deocleciano e do Juiz José Sabóia, em 1895, um marco econômico que influenciou
a configuração do espaço urbano. Para a cidade passou a convergir a produção do extrativismo
da região (carnaúba e oiticica), da bacia leiteira e da atividade agrícola, bem como a instalação
de indústrias que buscavam aproveitar os recursos naturais da agropecuária e do extrativismo
16 Termo, empregado por Capistrano de Abreu, para caracterizar o modo de vida do sertanejo em lidar com a
natureza e gerar riquezas com seu trabalho e engenhosidade.
17 LEMENHE, Maria Auxiliadora. As Razões de uma cidade: conflito de hegemonias. Fortaleza: Stylus Comunicações, 1991.
18 Como os artigos de A Lucta. Sobral, 18 de junho de 1921: O Progresso de Sobral “é uma verdade muitas vezes
comprovada, que Sobral é a primeira cidade depois de Fortaleza. Edifícios importantes, bem situados e além de
tudo uma população carinhosa e hospedeira.”
19 Num território que tem constantes movimentos migratórios, enviando emigrantes para Amazônia e São Paulo,
e recebendo trabalhadores para as frentes de trabalho, é difícil estabelecer uma constância do número da sua população. Existem muitas divergências: “os arrolamentos da população deste Estado, quiça de todo país, tem sido por
demais deficientes e incompletos” in: Almanach do Ceará. Fortaleza: 1921. continuando a crítica informa que o
Estado tinha um levantamento de 1.400.000 cerenses, contra 849.827 apontado no Censo de 1900. Dessa forma, é
possível pensar numa média. Na divisão populacional cearense são registrados em Sobral esse numero, conforme a
Revista Cearense. Fortaleza: s/e, 1947, que se baseou no censo demográfico, levantado em 1920, período de uma
das secas mais longa, feito pelo Governo do Estado.
20
tese definitiva- (com corte).ind20 20
12/4/2006 10:28:20
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
mineral, argila e calcário.20
Havia uma elite comercial muito forte e arraigada aos preceitos de privilégios que
obteve no Império21 e que manteve com a República, organizando, ainda mais, seu espaço
urbano, com seus casarões em art noveau, estilo oitão22, e se tornando referência para a política
estadual. Sobral, já na década de 1880, integrava-se regionalmente através da navegação a
vapor e pelo telégrafo.
E seguindo os preceitos do capitalismo, a política econômica e governamental queria
fomentar a cidade, tanto que o Presidente João Tomé de Sabóia e Silva (1916-1920)23 sugeriu,
como medida para valorização do algodão cearense, o estabelecimento, por conta do Estado, de
usinas centrais para o seu descaroçamento e prensagem, o que permitiria que os fardos
levassem a marca de garantia do Estado.
Nessa política, Trajano de Medeiros24 dirigiu um requerimento expressando seu
desejo de concorrer para a melhoria do beneficiamento do algodão e para o desenvolvimento
de sua cultura no Ceará, ao mesmo tempo em que solicitava a assistência do governo estadual
para a realização do seu projeto, mediante a concessão de favores, como redução de fretes
ferroviários e marítimos, isenção de impostos estaduais por 15 anos, redução de impostos de
exportação do algodão e subprodutos, isenção do imposto de importação de maquinismos e
outros materiais. No entanto, essa concessão de favores solicitada não se deu de imediato, já
que será necessária a ocorrência de outros fatores para que ela se concretizasse.
Esse era um projeto para estabelecimento de 10 usinas, que seriam distribuídas por
Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. O que conseguiu pela suas relações com
20 Atlas Industrial do Ceará. Fortaleza: Instituto Ivaldo, s/d.
21 Fatos como o primeiro nome dado a Sobral quando ainda era vila: Vila Distinta e Real de Sobral, ressaltam a
opulência, a grandiosidade ligada a imagens aristocráticas, marcando características distintivas ao mito da “sobralidade triunfante” com relação a outras cidades. “Distinta” era dada a toda vila ocupada e colonizada por famílias
brancas e portuguesas e com ares de nobreza. Foi a única vila do Ceará a ter a distinção. E Real por que foi uma
ordem de reconhecimento direto do Rei de Portugal D. José I. Portanto, a cidade já nasceu “nobre” e não é a toa
que em sua bandeira símbolos aristocráticos sejam constantes. Na “Ata das Festividades de Elevação a Vila da
Povoação da Caiçara”, consta a descrição da solenidade que aconteceu em frente ao pelourinho onde, depois de
lida a carta do Governador Geral da Província de Pernambuco que era o edital e ordem, gritou-se três vezes: “Real,
real, real. Viva o nosso Rei Fidelíssimo. In: LIRA, Padre João Mendes. Sobral, sua história documental e personalidade de Dom José. Sobral: s/e, 1975. Em escala provincial essa ligação pode ser representada pelo interesse
em organizar uma Exposição Provincial, de 1866, em que o Presidente Provincial quis destacar o lado moderno da
província ao interagir com os cânones da ideologia do progresso: “As festas da indústria, como as da inteligência,
são sempre um grande e nobre espetáculo no seio das nações cultas. Elas anunciam o reinado fecundo das artes da
paz e as conquistas potentes da atividade humana. Aqui no meio dessas planícies arenosas, em cuja face a natureza
parece haver impresso o selo da esterilidade, a mão audaciosa do homem civilizado assentou os fundamentos de
um florescente empório, rasgou a terra, e fecundou-a com o germe do trabalho”. In: Discurso de abertura da Esposição Provincial do Ceará. In: Escritos históricos e literários. Rio de Janeiro: Laemmert, 1868.
22 Sobre a riqueza exposta na arquitetura ver: ROCHA, Herbert. AArquitetura de Sobral. Fortleza: Alteza, 1999.
23 Mensagem à Assembléia Legislativa, 01 de julho de 1917.
24 Este empresário, às vezes, é destacado como o Mauá do Ceará. Ver: VIANA, Carlos. Trajano de Medeiros: o
verdadeiro Mauá cearense. In: Revista Essentia. Sobral: Eduva, 1999. p. 23-35.
21
tese definitiva- (com corte).ind21 21
12/4/2006 10:28:20
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
o Ministro da Agricultura, Comércio e indústria João Gonçalves Pereira Lima, que autorizou,
na lei orçamentária vigente, baixasse o Decreto n. 12.981, de 24 de abril de 1918, pelo qual lhe
seriam concedidos vários favores, tornando possível a concretização de seu projeto.
No Ceará, a partir desse Decreto Federal, foi autorizada25 a contratação com Medeiros
da instalação de usinas centrais de beneficiamento do algodão e seus derivados, que criaria a
Companhia Industrial de Algodão e Óleos – CIDAO, constituída efetivamente em 1921.26
É nesse processo de transformação de procurar “seguir” os valores modernos que
será analisada, prioritariamente, a Sobral que começa a se constituir na década de dez, a partir
dos discursos e imagens construídas pela e na imprensa. O que os grupos letrados se arvoraram
em “mostrar” publicamente. Período destacado, até então, pela literatura27, como tendo uma
vida social pulsante com clubes de festas, teatros, cinemas, algumas praças, bondes puxados a
burros, vários periódicos28, revistas, escolas.
Era uma cidade com efervescência política. E como o “grande” líder do grupo, estava
o Juiz de direito José Sabóia29, sob os preceitos do Partido Republicano Conservador (PRC).
Homem de uma formação jurídica no Recife, de uma carreira de Juiz que exerceu de 1892 a
1936, e, segundo Lustosa da Costa “reinou absoluto até que foi aposentado compulsoriamente
por dispositivo inserido na Constituição do Estado, com o objetivo expresso de afastá-lo do
cargo e esvaziar-lhe a tremenda influência política que exercia na região”. 30
O Juiz José Sabóia era um representante do Estado de Direito, seu ofício era o de
garantir a aplicabilidade das leis seguindo os preceitos de que todos os indivíduos eram iguais.
Mas ele acreditava na laicização, numa sociedade com igualdade meritocrática, bem como tinha
postura hierárquica, patrimonialista e autoritária.31 As suas relações com a imprensa, que se opunha
25 A partir do Decreto Legislativo n. 1.598, de 19 de outubro de 1918.
26 A CIDAO teve a sede no Rio de Janeiro, tendo a administração no Nordeste, em Recife, filiais em Pernambuco,
Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. No Ceará foi instalada em Sobral, sendo usina, fábrica e estação experimental. Ver: VIANA, Carlos Negreiros. Ibid..
27 Nesse sentido, destacam-se os de maior circulação no espaço urbano: ANDRADE, Plácido. Sobral: ontem
e hoje. Sobral: Terra, 1983; XIMENES, Pe. Júlio. Sobral na madrugada. Sobral: Caiçara Impressões, 1985;
COSTA, Lustosa. Clero, nobreza e povo de Sobral. Brasília: Senado Federal, 1987; COSTA, Lustosa da. Vida,
Paixão e Morte de Etelvino Soares. São Paulo: Maltese, 1996.
28 Como A Pátria, do órgão conservador; O Rebate, de Vicente Loiola; A Cidade, de Álvaro Ottoni.
29 Nascido em Sobral em 1871, morreu aos 79 anos, em 1950. Além de Juiz era dono da fábrica de tecidos e de
16 fazendas de gado no Ceará e Piauí, heranças, do pai e sogro, que soube manter e ampliar. Foi membros dos
partidos PRC, depois PSD e, por fim, UDN. E mais aliado da Família Barreto na década de 40. Na década de 20
já era nome de rua na cidade.
30 Lustosa da Costa produziu a primeira literatura que quebrou a escrita de uma memória de unidade na história da
cidade. Com sua literatura satírica e informativa vai revelando uma cidade composta de uma elite hipócrita, violenta,
em disputa constante para se manter no poder, mas que faz tudo isso por amor a terra. É a escrita de um literato que
pesquisa nos arquivos, mas que tem a liberdade de reinventar um espaço, personagens e tempos. Dessa maneira sua
literatura será utilizada como documento, possível de vislumbrar formas de “ver” os protagonistas dessa narrativa.
Sobre o juiz, ver: COSTA, Lustosa da. Clero, nobreza e povo. Brasília: Senado Federal, 1987. p. 76.
31 É o que se verá no capítulo seguinte, representando o pensamento patrimonialista em Sobral, que ora parecia
poder de coronel, criticado nas entrelinhas por Deolindo Barreto.
22
tese definitiva- (com corte).ind22 22
12/4/2006 10:28:21
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
ao seu poder, eram muito difíceis. Em 1901, entrou em conflito com Álvaro Ottoni, proprietário
de A Cidade; posteriormente com Vicente Loyola, proprietário de O Rebate32. Posteriormente
com Deolindo Barreto, proprietário de A Lucta.
Contextualizando um pouco mais este personagem que estará no eco das críticas
apresentadas por Deolindo Barreto, é possível perceber que era um homem erudito, de família
influente econômica e politicamente, erudito, de leituras como Spinoza, Hobbes, Montesquieu
e Renan.33 Que lhe permitia ter um tramite entre as concepções de que era um estado de direito,
laico e de valorização do individuo na decisão de sua vida, ao mesmo tempo em que articulava
o seu poder de homem público, para a garantia de poder do seu grupo político.34Nesse processo
seu irmão Vicente Sabóia foi seu grande aliado. Político influente e querido pela população.
Compreendendo que o fazer cotidiano urbano é construído no conflito e conciliações
de grupo. Um outra dimensão social é o caráter religioso dessa cidade fomenta a idéia de
“tradição”, no discurso do mito fundador, e, em 1908, com o retorno do Padre Tupynambá35 de
Roma, essa prática religiosa teve novo impulso, seguindo os preceitos romanizador, tridentino
e ultramontano. E esta forma de pensar conflitava com o poder laico que o Juiz exercia e outra
forma de fazer laico.
O Padre Tupynambá era um sobralense, nascido em 1881, laureado no colégio
Romano, queria fazer carreira eclesiástica na cidade. Homem político, articulado, de
personalidade forte e autoritária entrou em atrito com o juiz José Sabóia, pela disputa de espaço e
poder. Dom José Tupinambá da Frota teve sua formação em Roma e, dentro do quadro teológico,
pertencia a ala ultramontana, defendendo a influência da Igreja católica em várias atividades
sociais, como saúde, educação, lazer, o que é possível perceber pela sua política de construção
da cidade. Ao retornar ao Brasil, após ordenar-se, tinha grandes possibilidades de tornar-se uma
figura eminente do clero brasileiro. Saíra também laureado do Colégio Pio-Brasiliano, inclusive
recebendo convite para trabalhar no Vaticano. Mas, como afirma Lustosa:
32 Jornal crítico que fez do seu proprietário Deputado Estadual por figurar com destaque pela elite, na escrita de “vultos
mais importantes”, considerado como homem de imprensa. Como destacado: NOBRE, Geraldo. História da imprensa
do Ceará. Fortaleza; SADOC, Pe. Francisco. Nomes e vultos da história de Sobral. Sobral. Nesse marco da memória
ele foi selecionado, Deolindo Barreto teve o ostracismo, por não figurar em outras esferas do poder, além da sua imprensa e aliado de alguns democratas que se tornaram importantes. O que lhe coube foi que quando seus sobrinhos foram
prefeitos conseguiram colocar uma rua com o seu nome. É o espaço de memória que lhe foi imputado. Outro foi na
administração do seu sobrinho Cesário Barreto, que era aliado do acusado de assassinato do seu tio Chico Monte, que,
em 1984, por motivo de seu centenário de nascimento, inaugurou um busto em frente da Câmara Municipal.
33 Em 1937 foi acusado de anticlerical e se defendeu. Ele não acreditava na politicagem exercida pelo clero em
Sobral, sendo liderado pelo Bispo Dom José. Depois da morte de Deolindo Barreto, ele figurou como o protagonista mais crítico do clero. Assim, defendendo-se expôs a que tipo de leitura lhe formou o espírito. Era um homem
religioso e mesmo antagonizando politicamente com o bispo, a sua fábrica de tecidos era que mantinha a Santa
Casa com água encanada e os lençóis.
34 Linha de atuação que permeia a análise de FAORO, Raimundo. Os donos do poder, a formação do patronado
no Brasil. São Paulo: Globo, 1975.
35 Posteriormente primeiro Bispo da Diocese de Sobral. Fundador da LEC, em Sobral. Na década de 50, colocou-se como defensor dos direitos democráticos, criticando a política partidária do Cel. José Sabóia.
23
tese definitiva- (com corte).ind23 23
12/4/2006 10:28:21
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
(..) queria, porém, ser o primeiro em Sobral, jamais o terceiro ou o quarto em
Roma. Ao voltar a sua cidade, vê que tal meta não seria fácil de alcançar, pois
o posto estava firmemente ocupado pelo juiz de direito, Dr. José Sabóia, filho
do rival de seu pai que não parecia disposto a ceder facilmente. Isso levou a
muitas disputas durante suas vidas.36
Ele representa o “homem” apresentado por Benjamin em Ministério do Interior,
aquele que se sabe em consonância com as mais antigas tradições de sua classe, pondo
ocasionalmente sua vida privada em ostensiva oposição às máximas que na vida pública advoga
sem indulgência e, sem o menor aperto de consciência, valoriza secretamente seu próprio
comportamento como a prova mais legitima da autoridade inabalável dos princípios ostentados
por ele.37
Era um homem de princípio autoritário e de orientação religiosa para organizar a
política do espaço urbano. E isso era gerador de conflitos. Entretanto, houve alguns temas de
convergência com o Juíz como a postura liberal de Deolindo Barreto, de criticar a parentela
dos grupos hegemônicos, o uso pessoal do grupo, querendo espaços para novos grupos. Essa
convergência se deu principalmente a partir de 1919. Assim, vai se constituindo o fazer urbano
na experiência de disputas desses grupos.
36 COSTA, Lustosa. Clero, nobreza e povo. Brasília: Senado Federal, 1987. p. 32.
37 BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas II. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 19.
24
tese definitiva- (com corte).ind24 24
12/4/2006 10:28:21
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
1.2 Deolindo Barreto: de “soldado da borracha” à tipógrafo
Foi num clima de espaços políticos demarcados, de cidade em crescimento, que
Deolindo Barreto chegou à Sobral em 1908.Estudar sua vida e sua militância pública, como
referência de um fazer-se mais amplo e complexo da luta liberal-democrata numa cidade
hierarquizada, representou aprofundar reflexões sobre dimensões na construção social e no
fazer-se urbano sobralense, interpretando sua maneira de se manifestar, interpretando o papel
do Estado, da propriedade, do clero e buscando firmar-se no embate das forças sociais.
Agora narrar-se-ão alguns recortes encontrados sobre sua vida. Deolindo Barreto Lima
nasceu em 14 de maio de 188438, na cidade de Crateús39, filho de Joaquim de Sousa Lima40 e
Porcina Barreto Lima41. Residiu em sua cidade natal até 1896 quando foi para São Benedito
morar com seu tio-padrinho Aristides Barreto. Aos 18 anos esteve em Sobral, de onde foi para
Belém com seu tio Alfredo Barreto. De lá foram ainda em 1902 para o Amazonas, na cidade
de Humaitá, onde seu tio dirigiu o jornal local “Humaitá”, cerca de um ano, e ele nos seringais.
Vida que não foi fácil, pela própria narrativa autobiográfica que publicou em 191942,
apesar de não muito esclarecedora. Mas a vida desses trabalhadores, em busca do “el dorado”,
não é tarefa fácil de ser compreendida na historiografia43. Vale aqui um destaque para esta
dificuldade: a falta de documentação. Com uma “leitura a contrapelo”, da documentação
produzida pela elite, é possível “ver” os trabalhadores, que se queixavam continuamente da
qualidade da mão-de-obra na Amazônia e da impossibilidade de ‘racionalizar’ a produção da
borracha silvestre, considerados como preguiçosos, desonestos e inquietos.44 Daí a dificuldade
encontrada para representar esse período da vida de Deolindo Barreto. O seu princípio era
38 Os dados suscintos que há sobre a sua vida, registram seu nascimento e morte. Ver: FERREIRA, Noberto. Crateús, Independência e Camboriú, fatos e vultos. Fortaleza: Perseus, 1977.
39 Cidade no sertão cearense.
40 Era um homem de família tradicional de Crateús, os Correia Lima, conhecida por seus magistrados, médicos,
militares, por ser de família letrada. Mas não manteve a união da família, o alcoolismo o alijou deste convívio. Não
há maiores referências a ele.
41 Era de Icó, gostava muito de ler e escrever, possivelmente foi quem iniciou os filhos no mundo da escrita.
42 Conte-se o caso como o caso foi. In: A Lucta, 1919.
43 Como demonstra WEINSTEIN, B. Experiência de pesquisa em uma região periférica: a Amazônia. In: História,
Ciências, Saúde. Rio de Janeiro: Manguinhos, vol. 9(2):261-272, maio-ago. 2002. Este artigo é um depoimento a
respeito de uma pesquisa em história social, mais tarde transformada em livro, realizada na década de 1980, na Amazônia, ao estudar o ciclo da borracha, com ênfase nas relações de produção estabelecidas entre seringueiros, aviadores
e ‘barões da borracha’. Optou em analisar revistas, jornais e outras publicações da época, assim como a análise de
documentos depositados em cartórios de Belém. O artigo aponta para algumas limitações da abordagem então adotada, sem contudo desdenhar o significado que o estudo assumiu no levantamento de questões relativas à resistência
dos seringueiros com relação à exploração de seu trabalho e à existência de correntes de opinião contraditórias entre
a própria elite da borracha.
44 WEINSTEIN, B. Op. Cit.
25
tese definitiva- (com corte).ind25 25
12/4/2006 10:28:21
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
de fazer fortuna, como tantos outros nordestinos que migraram para o espaço promissor do
enriquecimento, mas como tantos outros não foi concretizado.45
Conseguiu sair dos seringais e aprender o ofício tipográfico46.
Voltando, então, para Sobral. Em 1903 casou-se com sua prima Maria Brasil Barreto
Lima . No mesmo ano voltou para Belém com a esposa e o irmão Joaquim Barreto, empregandose no periódico A Província do Pará48 onde efetivamente aprendeu o ofício.49
47
Na descrição de seu filho Dráusio Barreto, em 1984, Deolindo Barreto foi um
seringueiro frustrado, que emigrou para a Amazônia, foi tipógrafo e fotógrafo por necessidade de
sobrevivência, como estudante foi tido como insubordinado e como caixeiro na bodega do tiopadrinho não encontrou a sua vocação. Entretanto, ele exalta que o pai tinha sido empreendedor e
pertinaz, decidido e disposto a vencer, e que como se estivesse conversando com ele informa:
foi assim que chegaste ao jornalismo, incrível que pareça, sem ter se quer
concluído o curso primário. Mas autodidata que foste, superaste a ausência dos
bancos escolares com a aprendizagem do componedor, quando transpunha para
o tipo os autógrafos des redatores e colaboradores da Província do Pará, jornal
onde trabalhaste como simples operário. E o jornalismo foi teu calvário”.50
Tentando refletir sobre as temporalidades e marcos construídos no interior das
memórias desse jornalista, e de como trazem dimensões do passado e os ajustam à sua aspiração
e compreensões do momento em que elaborava suas narrativas, é que se reportará ao ideário em
Belém, no Estado do Pará, onde Deolindo Barreto viveu. A cidade de Belém era, por aqueles
45 Havia política pública paraense para atrair imigrantes. O governo produzia material de propaganda sobre o ciclo
do enriquecimento. No acervo de obras raras da Biblioteca da UVA há alguns álbuns fotográficos de Belém desse
período. Indicando que essa propaganda era consumida com a perspectiva de prosperidade e aliciamento de investimentos e de mão-de-obra. Idéia recorrente principalmente no álbum de 1904. ver: Álbum Fotográfico do Pará.
Belém, Tipografia Oficial, 1904. Em Manaus representativo desse tempo é: DIAS, Ednéia Mascarenhas. A ilusão do
Fausto, Manaus, 1890-1920. Manaus: Valer, 1999.
46 Sua experiência nos seringais não deve ter sido tranqüila, sua “saída” também, visto que a exploração dessa
mão de obra ainda é pouco estudada. A ocupação da Amazônia foi motivada pelo extrativismo, especialmente durante a segunda metade do século XIX, quando ao redor de 400.000 famílias vindas do Nordeste, lá se instalaram,
à procura da borracha, cuja demanda crescente, nos Estados Unidos e na Europa, exigia um rápido aumento de
produção. Este foi o chamado “ciclo da borracha”, que teve seus anos áureos na virada do século e seu declínio por
volta de 1920. Alguns trabalhos são representativos desse momento: RUEDA, Rafael Pinzon. Evolução Histórica do Extrativismo, o extrativismo na Amazônia; UGARD, Maria Luiza. A Cidade sobre os ombros. Manaus:
EdUa, 1999; Fausto .; WEINSTEIN, B. A borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). São
Paulo: HUCITEC-EDUSP, 1993; COSTA, Selder Vale da. Labirintos do saber, Nunes Pereira e as culturas amazônicas. São Paulo: Puc/SP, 1997.
47 Sobralense, filha de João Gomes Brasil e Petronilha Barreto Brasil.
48 Essa rápida biografia foi publicada em A Imprensa, como rememoração do seu segundo ano de falecimento.
Ver: Deolindo. In: A Imprensa. Sobral, 18 de junho de 1926.
49 Prática muito comum de profissionalização dos jornalistas. Foi o que o correu com os maiores proprietários dos
periódicos, principalmente os de oposição, como Edgar Leunroth, de A Lanterna. Sobre os tipógrafos ver: VITORINO, Artur José Rend. Processo de Trabalho, sindicalismo e mudança técnica: o caso dos trabalhadores gráficos em São Paulo e Rio de Janeiro, 1859-1912. Cam pinas,Unicamp, Dissertação Mestrado em História,1995.
50 LIMA, Dráusio Brasil Barreto. Gloria Pater, levanta-te Deolindo!. In: Mensagem. Sobral, 13 de maio de 1984,
v. 33, n. 6. p. 1.
26
tese definitiva- (com corte).ind26 26
12/4/2006 10:28:22
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
tempos em que Deolindo Barreto era jovem, sonhador e aberto às novidades, a cidade mais
importante da região norte, com intenso discurso de civilidade, urbanização, embranquecimento,
economia de exportação, contato com a cultura e modo de viver europeu e a valorização do
embate da idéias pela imprensa. Em meio às mudanças políticas e econômicas, o viver urbano
redefinia-se criando novas formas de ocupação do espaço impulsionadas pelo desenvolvimento
da cultura impressa. Uma grande diversidade de jornais, periódicos, revista passava a parte do
cotidiano dos brasileiros de então. 51
A imprensa paraense vivia uma experiência combativa, sua inserção tinha ocorrido
com as idéias liberais no vintismo português.52 E que fora implantada já sendo combatida pela
hierarquia militar no Grão Pará, da ordem colonial, a autoridade metropolitana. O discurso
liberal pelo jornal era identificado com a liberdade de imprensa e, ao mesmo tempo, com a
existência de uma teoria conspiratória para desacreditar o poder e criar as condições para a
“desordem”, o “caos”53, e, nas primeiras décadas republicanas, tornou-se mais intensa. O caráter
liberal do norte, explicitados nos jornais e no cotidiano de suas produções, fundamental para a
formação política e profissional de Deolindo Barreto. E esse espírito, essa experiência compôs
a sua prática republicana em Sobral.
O jornal em que trabalhava, A Província do Pará54, foi sua escola de profissão e de
vida. Esse periódico defendia as idéias propaladas por Antonio Lemos55, que se opunha a Lauro
Sodré56, que pertencia ao jornal Folha do Norte57. Acompanhou no seu ofício o fazer da política
e da vida urbana, num grande centro republicano.
Pensando a informação como não sendo o transporte de um fato, mas um ciclo
51 Ver difusão de periódicos: CRUZ, Heloisa Faria. São Paulo em papel e tinta, periodismo e vida urbana 18901915. São Paulo: Educ, 2000; SODRE, Nelson Werneck. História da imprensa. São Paulo: Civilização Brasileira,
1989; MELO, Jayro Gonçalves. Imprensa e coronelismo, a voz do povo e seu discurso político-ideologico(19261930). Presidente Prudente: FCT/Unesp, 1995; ARARIPE, JC Alencar. Jornal na estante. Fortaleza: s/e, 1986.
52 COELHO, Geraldo Mártires. Anarquistas, demagogos e dissidentes, a imprensa liberal no Pará de 1822.
Belém: Cejup, 1987.
53 VAZ, Manuel Pirez. Discurso sobre a liberdade de imprensa. Coimbra: Real Imprensa da Universidade, 1923.
54 Periódico de circulação diária, fundada por Joaquim José de Assis, redator político, Francisco de Souza Cerqueira, tipógrafo, e Antonio José Lemos, redator gerente, que posteriormente tornou-se intendente. A data de fundação corresponde ao 52º aniversário de juramento da Constituição política do Império, foi escolhida para que o
jornal ficasse ligado a uma data histórica de significação política. Inicialmente foi órgão do Partido Liberal depois
tornou-se independente e imparcial e, política, sendo uma empresa comercial.Em 10 de abril de 1897 passou a ter a
impressão feita em maquina rotativa Marinoni, inaugurando, assim, uma nova era não só nos meios de publicidade,
mas na própria história paraense. Por desentendimento entre os sócios, em novembro de 1990 foi interrompida sua
publicação, encerrando-se sua primeira fase. Reinicia numa segunda fase, em 1 de maio de 1901, quando Antonio
Lemos indeniza os demais sócios, tornando-se o único proprietário.Em 1907, Antonio Lemos muda as instalações
do jornal para prédio na Praça da República, que foi incendiado por inimigos políticos, em 29 de agosto de 1912,
provocando o fim da segunda fase. Fonte acervo da Biblioteca Pública do Pará.
55 Um maranhense, de herança monarquista que fez carreira política no Pará, onde, posteriormente se tornou intendente, sendo o responsável pela remodelação do espaço urbano.
56 Conflito analisado por: SARGES, Maria de Nazaré. Aformozeamento de Belém no período da Belle Époque.
Belém: Paka-Tatu, 2000;
. Intendente Antônio Lemos. Belém: Paka-Tatu, 2003.
57 Jornal que circulou em Belém de 1896 a 1974.
27
tese definitiva- (com corte).ind27 27
12/4/2006 10:28:22
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
ininterrupto de transformações, é que Deolindo Barreto se identificou com a postura política de
embate ao se produzir uma informação. Informação era uma das figuras da visibilidade. Isso
fundamentou a sua visão de que a imprensa era o bisturi da verdade, era o pano de fundo para
fazer valer sua visão política, de sociedade e de mundo. Isso num tempo em que o crescimento e
a difusão dos jornais e de outros materiais impressos era uma das dimensões das transformações
da vida urbana nas cidades, nos diferentes ideários. Espírito vindo desde a Monarquia, como no
processo abolicionista em que Machado de Assis afirmava que a imprensa causava mais
incomodo à elite que o movimento popular. 58
Buscando compreender como a partir da análise dos periódicos que circularam
e circulavam no tempo que Deolindo Barreto viveu na cidade, seria possível perceber essa
influência, levando em consideração o critério daqueles que me “lembrassem” as escritas lidas
em A Lucta, que demonstrassem um espírito crítico, de crença na “verdade”. Tarefa difícil
pela pluralidade de publicações do período e das várias frentes de batalha que pululavam59.
Mas foi possível ir construindo um panorama de influências. Dentre os materiais levantados60,
destacam-se alguns pela leitura de seus dísticos, das chamadas de capas e descrições feitas
nos catálogos. Um em especial chama atenção: O Cosmopolita61. Deolindo Barreto não fez
referência a ele, mas, com certeza, influenciou-o. Em suas edições havia a chamada de capa:
“Eu de circumloquios nada sei; conto o caso como o caso foi, na minha phrase de constante lei.
O ladrão é ladrão e o Boi é boi.”62
Isso porque os provérbios atravessam fronteiras normais da linguagem e representam
um registro polivalente, tem papel moral e educacional usados informamente no cotidiano. Pode
se afirmar que os porvérbios são usados menos por sua verdade e sabedoria, do que para que
se tire vantagens de sua impessoalidade. Uma forma de administração de conflitos, de tensões.
Em princípio, parecem seguros e sensatos, mas são variáveis históricas e sociais, uma fonte de
58 Pensamento apresentado em: WERNECK, F. História da imprensa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
59 Levantamento de fontes realizado na Hemeroteca da Biblioteca Pública do Pará.
60 Tais como: Dessa forma, outros jornais paraenses que influenciaram e foram importantes para a formação do
futuro jornalista, durante sua vida em Belém. Um fomento impresso intenso na década de oitenta do século XIX,
em Belém e que estiveram presentes na formação cotidiana de Deolindo Barreto, como nos jornais A Liberdade,
era um jornal semanal, com idéias do futuro, dizia-se o verdadeiro paladino das idéias de futuro. Combateu os
privilégios e a intolerância, tanto política quanto religiosa. Divisa “Liberdade, Egualdade e Fraternidade.” Assim
como O Cacete, de 1882, de circulação semanal, insubordinado e humorístico. A Comédia Social, jornal de caráter
satírico. O Democrata; ainda O Abelhudo, jornal com propósito de publicar e “descobrir os defeitos da humanidade”. Assim como A Lucta, publicado na cidade de Vigia, no Estado do Pará e A Lucta de Belém. Assim como A
República, de 1886 a 1887, órgão do Clube Republicano, que discutia e sustentava a legalidade e oportunidade do
sistema republicano federativo do Brasil, dirigido por Paes de Carvalho e Gentil Bittencourt; o jornal Democrata,
de 1890 a 1895, de circulação diária, órgão do Partido Republicano Democrático, circulou sob a direção dos chefes do extinto Partido Liberal, era continuação do jornal O Liberal do Pará. Durante sua existência foi vítima de
vários atentados de incêndios e arrombamentos, gerando fases.
61 Jornal semanal, considerado um dos mais audazes que existiu na antiga província. Tipografia d’ O Liberal do
Pará Editor Octavio .Belém. 12 de setembro de 1885, circulou até 1901.
62 O Cosmopolita. Belém, N. 1 24 de agosto de 1885.
28
tese definitiva- (com corte).ind28 28
12/4/2006 10:28:22
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
divisão e de disputas, envolvidos na linguagem da política e na política da linguagem.63
Esse imaginário de “verdade” perdurou nos anos em que ele esteve lá. Assim, com
intuito da verdade imparcial, travestido o interesse
político, Deolindo Barreto reinterpretou esses lemas.
Afinal, os provérbios "existiram antes dos livros
e não são eles, mas dizeres que regulam a conduta
humana64". Essa era sua arma de cura para os males
sociais apresentados no seu jornal A Lucta. Dessa
forma, visa orientar uma conduta com as chamadas
nos cantos da primeira página, presente em todos os
números. No lado direito estava escrito: “Siga-se a
verdade na terra, embora desabem os céus”. E no
lado esquerdo: “Conte-se o caso como o caso foi, o
cão é cão e o boi é boi”.
Mapa do Ceará Contemporâneo. http:\\www.
A experiência de ter vivido num centro urbano
pulsante, como era Belém no início do século XX,
possibilitou-lhe lutar por um ideal republicano, liberal,
ceara.gov.br. Em: outubro/2005.
democrático, pelo viés da escrita. Numa luta contra um mundo “rude” onde reinavam os
proprietários. Administradores da lei e da justiça, donos da terra e vidas, senhores da violência
e da polícia. Valiam-se do seu poder para impor a seus representantes no governo. Era uma
sociedade dos “desmandos”. O que faria alguém se opor a isso? A crença de que seria possível
viver uma outra sociedade e teria “sentido” a utopia liberal, um outro projeto de vida.
Nessa experiência, já havia percebido que não era um campo tranqüilo o embate de
idéias, a violência foi recorrente neste período em Belém. O jornal A Província do Pará foi
incendiado premeditadamente duas vezes durante a sua trajetória. Era um jornal perseguido. Essa
foi a sua escola política e de vida. Ele suspeitava que sua oposição poderia sofrer represálias. E
assim, em 1908, Deolindo Barreto voltou a Sobral, levando consigo equipamentos para
montagem de uma tipografia. De certa forma se sentia um vencedor. Chegava agora como
dono de seu próprio negócio. De imigrante de seca à empresário das letras, como o poder da
informação.
Após dias de viagem de trem foi recebido, na Estação, por seu irmão, Francisco das
Chagas Barreto, que tinha como “padrinho” o Juiz de Direito, fazendeiro e empresário, coronel
José Saboya, que já havia conseguido uma casa alugada do seu “padrinho” para o irmão morar
com sua família. O Juiz havia imaginado que estava aumentando a sua parentela. O recém
63 BURKER, Peter; PORTER, Roy. (org) História social da linguagem. São Paulo: Unesp, 1997.
64 Ibid. P. 74.
29
tese definitiva- (com corte).ind29 29
12/4/2006 10:28:23
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
chegado iniciou o trabalho publicando
convites, panfletos65. Posteriormente sua
tipografia começou a imprimir jornais
de terceiros, como O Nortista66. E nesse
processo foi se identificando com as
questões políticas da cidade. Buscando
não cair na armadilha da biografia que
pensa “desde” que chegou, ou “logo”,
que possibilita pensar uma linearidade de
suas ações para o processo de construção
de sua experiência, analiso como sendo
constituída no seu fazer do oficio, o
convívio com outros moradores, no
posicionamento das suas idéias e prática
política e de sobrevivência cotidiana.
No ofício da sua tipografia, o
seu interesse pelos princípios liberaisdemocrata foram ficando mais fortes,
principalmente quando foi contratado
para publicar panfleto a um grupo de
democratas e que gerou conflito com o
grupo liderado pelo Juiz José Sabóia.
Principalmente quando saiu em defesa
do, então, Padre Tupinambá da Frota, no
caso de proibição da venda de uma rifa
Casa na fazenda Macaco do Capitão Antônio
em favor da construção da Santa Casa. O que foi sendo
compreendido pelo Juiz como negação de sua parentela
com esse novo morador. Assim ele foi despejado de sua
casa67, e se construía o seu primeiro inimigo público.
Rodrigues de Magalhães – pintura óleo sobre
tela, de João Bosco de 1959, a partir da
descrição de D. José. Fonte: ROCHA, 2003.
Essaformadetratamento mexeu comseubrio, comsuasensibilidadeesuapersonalidade
forte. Sentindo-se ferido, considerando-se humilhado com essa atitude, vai configurando como
65 Após o seu assassinato A Lucta voltou a ser apenas tipografia, sob o a chamada Typografia d’A Lucta – Viúva
Deolindo Barreto, publicando seus anúncios do periódico A Imprensa, e a partir de 28 de janeiro de 1925, a chamada
anunciava Viúva Deolindo Barreto & Irmão. Como ela havia se mudado para Fortaleza o seu irmão tornou-se seu
sócio e levou o negócio para o sustento da família. Encontrados dados até final de 1926 desses anúncios.
66 Jornal fundado em 1912, com o lema “Acharei um caminho ou abri-lo-ei”. Teve apenas três edições.
67 Essa narrativa é descrita pela literatura de Lustosa da Costa como um momento constrangedor e humilhante
para o jornalista. Tendo suas coisas jogadas no meio da rua e sendo ajudado por seu irmão para ir se alojar em outro
imóvel. Conseguido mais uma vez por seu irmão. Ver: COSTA, Lustosa da. Vida, morte e paixão de Etelvino
Soares. Brasília: Senado, 1987. p. 87.
30
tese definitiva- (com corte).ind30 30
12/4/2006 10:28:26
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
munição para seus discursos contra o que considerava injustiça. Nesse impulso se jogou em
direções diversas, em agitações de esperanças, entrando num momento de inconstância e de
medo também, mas confiante num futuro melhor e, cheio de orgulho de ter e achar que sabia o
“caminho da felicidade”.
Iniciou esse caminho publicando seus jornais de pequeno porte e número reduzido68
como AMão Negra, que foi violentamente criticada; e AMão Branca, que novamente foi criticada
e com ameaças pessoais. Buscando se articular melhor nessa arena política e acreditando que o
caminho de luta era a imprensa, procurou organizar um jornal de maior circulação e de formato
mais sério e dentro dos preceitos jornalístico.
No ano seguinte, já mais seguro de seus ideais, começou a articular um grupo de
trabalho e passou a freqüentar as reuniões dos democratas. Não chegou a se filiar, para buscar
manter a sua “isenção” na prática da imprensa. Mas a sua prática era de defesa dos valores
democratas, como será possível perceber nos capítulos seguintes.
Deolindo, em seu início de carreira, já fora reconhecidamente considerado “não bem
vindo” pelo “chefe” político muito influente. E essa “não” aceitação o fez definir novos aliados,
já que não tinha apoio do grupo hegemônico da elite, a qual queria fazer parte. Assim vai
construindo seu ponto de apoio: os flagelados, os que sofrem por não pertencer a parentela
hegemônica, os excluídos do poder político. Esses eram o seu “povo”.
A sua postura o compara com a idéia de um “herói moderno” que quanto mais se afasta
da sua origem, mais a sua culpa aumenta e mais ele fala sobre “essa” condição social.69 Nesse
sentido, é como se pudesse vingar da humilhação da luta pela sobrevivência. Ele sofreu os
problemas das políticas contra a seca, o sufoco da emigração nos campos de extração da borracha,
do trabalho operariado. Agora a sua condição era de patrão, um empregador, proprietário do seu
próprio negócio e um homem de letra. Que não foge mais da seca e nem de luta. A sua experiência
de sobrevivência o fez lutar70. Havia subido degrau da escala social, era um membro da classe
média, era um profissional liberal. Na fuga da seca, forma-se cidadão e se arvora de um estilo de
luta: a imprensa. E a seca e seus desdobramentos serão temas pulsantes.
O periódico A Lucta em Sobral foi inaugurado num tempo em que o jornal era a
68 Esse histórico foi demonstrado como memória de luta e de perseguição no artigo “Conte-se o caso como o caso
foi”, em 1922, após a condenação do seu jornal pela Igreja.
69 Algumas leituras possibilitam compreender esse “mito” moderno de volta a origem como prática populista
e de ocupar seu espaço social. Ver: ARENDT, Hanna. Origens do Totalitarismo. Essa abordagem foi proposta
por Edgar de Decca, em defesa de tese SCHEIDER, Michele. Michelet e a categoria de povo. Campinas, Tese de
Doutorado, 2005, ao discutir o Michelet, considerando-o ter esse perfil de herói moderno, que destaca o “povo”
como categoria de estudo.
70 Possivelmente as leituras de Goki deve lhe ter inspirado ainda mais a resistir, a transformar a experiência de vida
em experiência de luta e busca do bem estar social. São caminhos ideológicos diferentes, mas lendo “Ganhando meu
Pão”, que é um guia de como se deve resistir, valorizar o sofrimento como aprendizagem para romper a desigualdade.
Ele leu Gorki, e se defende com a sua leitura, em 1914, para afirmar que sabe a luta contra o poder não é fácil.
31
tese definitiva- (com corte).ind31 31
12/4/2006 10:28:26
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
voz do dono,71 e era o espírito de luta seja agregado a uma linha política ou independente
como alguns preferiam se autodenominar. O termo significava uma luta pela humanidade, não
estava direcionado a uma classe trabalhadora ou partido. De princípio liberal democratausava o
discurso universalizante, da felicidade humana em geral. Entretanto, em suas páginas a defesa
era por uma sociedade "democrata", "meritocrática", elitizante e socialmente estávelm não uma
revolução mas alteração de comando no status quo. Havia uma simpatia pelos trabalhadores,
mas não se acreditava na revolução violenta. O "diálogo" era a arma de convencimento e
mudança social. Essa era "a sua luta".
Assim, numa cidade em que até metade da década de 10 era apresentada com elogio
de desenvolvimento, beleza e ordem, na
década de 20, com as críticas liberais de
Deolindo Barreto é possível ver outra
cidade: sem calçamento, água tratada, esgoto, telefone, transporte público e pessoa morrendo de
inanição, fome; elementos que caracterizavam uma cidade moderna com uma elite corrupta. Mas
essa mesma imprensa possibilita perceber uma luta, uma busca de “civilidade”, expansionismo,
seguindo os preceitos de caráter burguês e laico. E essas críticas pululam em suas páginas
impressas, seja em forma de artigo, de informação de produtos “modernos”, como referência ao
Fiat Lux anunciando a sua importância para a cidade: “Até que enfim a nossa formosa cidade vai
sair das trevas andavam-na a segunda esfera das cidades do interior [...]” 72
A idéia de que os produtos, as mercadorias representariam o desenvolvimento
urbano foi se configurando nas diferentes formas de difusão do jornal. Era busca de negar uma
idéia de Nordeste sofrido, inferior. No mesmo ano, foi publicado o discurso do novo Prefeito,
71 Critica ao modelo antigo de imprensa publicada em A Tribuna do Ceará. Fortaleza, 22 de fevereiro de 1928
72 A Lucta. 12 de maio de 1920.
32
tese definitiva- (com corte).ind32 32
12/4/2006 10:28:28
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
Henrique Rodrigues de Albuquerque, do Partido Democrata, muito comemorado por Deolindo
Barreto, que representa a imagem de cidade urbana, buscando apoio da elite laica e do clero, na
formação da urbes, apontando seus sujeitos e a imagem da cidade no Estado:
(...) Sinto-me estimulado pelo apoio do ilustrado clero sobralense, aqui tão
brilhantemente representado, a cuja frente se acha o vulto incomparável do D.
José Tupynamba da Frota, nosso preclaro e amigo Bispo Diocesano, escritos
preciosos de todas as virtudes, alma grande e imaculada e coração abrasado
nas chamas do divino amor, que tem transformado a sua Diocese, com o ardor
de sua fé, na mais opulenta ceara de Deus e certamente não me regateará as
suas bênçãos e paternais conselhos; pelo apoio desta autoridade espiritual do
município e o concurso espontâneo de todas as classes sociais o o operariado
de nossa terra, e finalmente por esta aceitação que pelo ato com que me
distinguiu o nosso egrégio Presidente.
Apenas vos direis a esse respeito que o asseio e higiene de nossas ruas e
praças, do nosso Mercado, do Matadouro, das fontes de captação de água
potável, de todos os logradouros públicos, enfim e a conservação dos edifícios
municipais, os reparos e batidas das estradas e o rigoroso escrúpulo no que diz
respeito a arrecadação e emprego das rendas do Município, merecerão toda a
minha atenção e todo o meu carinho.
Conto conseguir com os proprietários o concerto, limpeza e aformoseamento
das calçadas e fachadas de seus prédios, para dar a Sobral a Princesa do
Jaibaras, a linda jóia engastada no selo adulto do sertão cearense, ora tão belo
e verdejante, quando regada pelo orvalho abundante do céu...com os seus
fóros de civilização e de segunda cidade do Estado.73
A imagem de uma cidade urbana, higiênica e moralizada na ordem dos seus cidadãos,
onde haveria uma convivência pacificamente entre os diferentes sujeitos, foi representada nesse
discurso oficial do novo Prefeito, mostrando que cidade era negada e o que se queria instaurar
socialmente, apelando para o apoio dos diferentes seguimentos e à responsabilidade dos cidadãos ao
“embelezamento” da cidade, como se fosse possível praticar uma única cidade. Mas numa leitura
de perceber o “não dito” demonstra uma cidade problemática, que estava recendo para governar:
abandonada, suja, sem segurança da fonte de água potável para população, não definição dos gastos
públicos, entre outros. Ainda mostrando que a prática higiênica seria o símbolo de “civilidade”
dos novos tempos, e dessa administração, outros artigos discutem a formação de consciência da
população e política pública de cobrança, como o trecho a seguir:
Já se esta fazendo sentir em beneficio da coletividade à ação do Dr. Luiz
Vianna, ao cargo de Delegado da Higiene Municipal... O distinto facultativo,
ao tomar posse desse cargo lançou um olhar prescrutador a área que limita os
seus deveres e dentro dela decretou e regularizou o serviço de abastecimento
d’agua, que vinha sendo um atentado a saúde publica, tal a falta de escrúpulo
dos aguadeiros que nem sempre primavam em saúde e nem procuravam captar
a água da fonte mais pura.
O Dr. Luiz Vianna, ampliando um ato do prefeito que já havia mandado
construir cacimbas e cerca-las devidamente, estabeleceu a matricula dos
aguadeiros, a qual só se fará de indivíduos absolutamente isento de qualquer
73 O Novo Prefeito. In: A Luta. Sobral, 1920.
33
tese definitiva- (com corte).ind33 33
12/4/2006 10:28:28
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
moléstia contagiosa mediante atestado medico...
Lembramos ao ilustre e esforçado medico, que se mostra tão desejoso de
implantar em nosso meio alguns princípios de higienização, que no caso dos
aguadeiros, estão os megarefes, os negociantes de leite, frutas e tabuleiros, dos
quais se deve exigir uma matricula com as mesmas formalidades.74
A preocupação com uma infra-estrutura mínima de
serviços urbanos ocupava o imaginário progressista das elites
locais, que tinham um projeto claro de modernização para
cidade, tentando inserir Sobral no rol das “civilizadas”
cidades do país. Era necessário ir rumo ao progresso, ao futuro,
à higiene e compor a nova pátria.
Nessa cidade que se (re)organizava, a “fala” do
povo é representativo de sentir o que era constituir uma cidade
sertaneja. O texto de Euphrasia Fouchelivente, possibilita
pensar um contraponto sobre essa cidade:
Nasci no sertão, passei minha infância
livremente, a brincar nos campos e exposta
Juiz José Sabóia.
Apud COSTA: 1987
ao sol e à chuva, a correr atrás das borboletas e a prender impiedosamente
os passarinhos; sou um pouco selvagem e adoro a liberdade, não suporto as
mulheres medrosas, nervosas e enternecidas demais. Não gosto da cidade
turbulenta, onde quase não se vê o céu, respira-se mão e o sol parece menos
claro. Venho aqui pouco, sempre atraída por algum acontecimento; mais pelas
fitas norte-americanas.
Sertaneja que sou, tenho, entretanto, minhas idéias de progresso de
adiantamento, não sou destituída de por completo dos dotes morais, tenho
alguma inteligência e leitura; aspiro acima de tudo liberdade da mulher e
tenho fé, o feminismo triunfará e conseguirá atingir um plano digno e elevado;
então não casarei.
Irei estudar(sou muito nova) para brilhar e viver independentemente. Mas se
algum veres de sorte se opuser a realidade da minha aspiração; então tenho
o meu segundo ideal, o meu sonho ainda um tanto vago: casar-me com um
homem de idéias largas, simples e nobres, um homem pratico e amigo do
progresso, por excelência um agricultor, ou criador que me permita a vida
livre do campo... 75
O imaginário de uma cidade, como espaço de “prisão”, de oposição à liberdade
do campo, apontada por Euphrasia, não chamava a sua atenção, mas algumas formas de lazer
“aprisionado” como o cinema. A cidade era esse espaço contraditório, visto com reservas.
74 Hygiene Municipal. In: A Lucta, Sobral, 09 de outubro de 1920.
75 Sua carta sobre a enquête o seu “ideal de esposo”, ela envia uma opinião de confronto de espaços. In: A Lucta.
Sobral, 09 de junho de 1920.
34
tese definitiva- (com corte).ind34 34
12/4/2006 10:28:29
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
Com esse discurso é possível perceber ecos das tensões
de espaços, tensões entre campo e cidade, “civilização”
versus “atraso” e mais cidade versus sertão. Não havia uma
aceitação unânime das transformações de vidas sofridas,
instituídas no espaço urbano. Para essa leitora, Sobral não
pertencia ao sertão, ao “seu” sertão romantizado de
paraíso, sossego e natureza.76
E nessa formação de cidade sertaneja que os
modos de cultura vão se configurando. A cultura letrada se
expunha pelos periódicos, brigando, negociando,
conciliando. Assim em Sobral o jornal era uma forma
ameaçadora de, a cada dia, transformar-se em pó, todo um
passado “harmônico”.
E nesse embate político de idéias, Deolindo Barreto
Recepção ao Deputado Federal Vicente
Sabóia em 1921.
ROCHA: 2003, P. 143.
ajudou a formar nova geração numa mentalidade de não ver
a sociedade tão organizada e sem oposição77. Uma oposição liberal,
revisionista78, mas discutindo as idéias e os preceitos de uma vida
pautada nos princípios da igualdade, liberdade e fraternidade.79
Procissão pelas ruas de
Sobral. D. José de perfil, em
meados da década de 10.
Acervo Museu D. José.
76 Esse texto permite compreender que o “olhar de dentro”, na vivência cotidiana, fomenta o “olhar externo”
sobre a idéia de Nordeste, sertão, sertanejo.
77 Significativo dessa “escola” é o escritor Cordeiro de Andrade, nascido em 1908, em Sobral, e começou a trabalhar muito cedo na tipografia de Deolindo Barreto. Foi no mundo do jornal e do combate das letras que iniciou sua
trajetória, que culminou com a fundação de seu jornal, na década de 30, O Debate, que já anunciava a dimensão
dos seus propósitos e a carnadura de sua pena, seguindo os passos de combate de Deolindo Barreto. Ver: Melo,
Francisco Denis. O (i) maculado Cordeiro. In: htpp://www.famigerado. com.br. Acessado em 02 de agosto de
2005.
78 Não pregava a revolução como luta, apesar de conhecer os princípios de Marx Gorki. Sua luta era pelas idéias,
pelo parlamento, por uma busca da ética social e de “esclarecimento” a população para se tornarem cidadãos.
79 Seguindo o ideário da Revolução Francesa, como fez questão de destacar em A Sociedade Fraterna. In: A
Lucta. Sobral, 21 de março de 1915.
35
tese definitiva- (com corte).ind35 35
12/4/2006 10:28:31
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
2 - Sertão Republicano:
urbanização e conflitos de mentalidades
2.1 Pensamentos hierárquicos:
catolicismo ultramontano x sociedade coronelística
A disseminação das idéias de liberdade, igualdade e fraternidade, estado de direito,
oportunidade igual aos indivíduos e respeito à propriedade, propagandeadas no Brasil com a
instauração da República, levou a choques de interesses entre grupos existentes que acreditavam
em estruturas sociais de princípios hierárquicos, autoritário e necessariamente desigual.
Em Sobral, analisar-se-ão dois grupos representativos desse pensamento, que se
tornavam “recusa” do discurso liberal-democrata, autoritário, de Deolindo Barreto. Um é a ala
Romanizadora80 do catolicismo, principalmente depois da implantação da Diocese, em 1918,
e as práticas patrimonialistas, dos coronéis, administradores públicos, juízes81, que estarão
implicitamente nos discursos oposicionistas de A Lucta. Muitas vezes esses dois personagens
não são citados, mas os seus aliados são representantes nas teias sociais.
Neste momento, o interesse está em discutir as premissas básicas dos pensamentos
hierárquicos82, para melhor compreensão de como vai se contrapor no cotidiano urbano,
80 O ultramontanismo do século XIX colocou-se não apenas numa posição a favor de uma maior concentração do
poder eclesiástico nas mãos do papado, mas também contra uma série de coisas que eram consideradas erradas e
perigosas para a Igreja. Muito mais do que um conjunto de teorias é transformá-la efetivamente na Civitas Dei, e
essa vontade de intervenção estava em consonância com as funções que a Igreja sempre se atribuiu e em harmonia
com sua filosofia da historia. Se a história humana era a história da sua salvação, cabia `a Igreja, na qualidade de
Mater et Magistra, e a mais ninguém, a tarefa de estabelecer os parâmetros do ordenamento social, de modo a não
permitir que o mal provoque a perdição definitiva do homem.
81 Principalmente o Juiz José Sabóia e Clodoveu Arruda.
82 Tendo como base a leitura de Louis Dumont que possibilita pensar o pensamento hierárquico como um modo de
fazer a estrutura social, culturalmente estabelecendo significados e sentidos para a estratificação social. E chama a
atenção de que para indivíduos de sociedades de pensamento direitos iguais, como os ocidentais, há uma dificuldade
em compreender esses significados. Espera-se poder demonstrar as razões desses grupos. O que não significa concordar. Pelas análises dos artigos, não se percebe se Deolindo Barreto entendia a ideologia, mas, independente de
entender ou não, ele não concordava, não acreditava nessa desigualdade entre os indivíduos, e na falta de oportunidades justas. Sobre estudo hierárquicos, ver: DOUMONT, Louis. Homo hierarchicos, o sistema de casta e suas implicações. São Paulo: Edusp, 1997.
. Individualismo, uma perspectiva antropológica na ideologia moderna.
Trad. Alvaro Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1985. Neuma Aguiar (org.). Hierarquia em classes. Rio de Janeiro:
Zahar, 1974(testos básicos de ciências sociais) .
36
tese definitiva- (com corte).ind36 36
12/4/2006 10:28:32
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
impresso nos periódicos sertanejos.
O início será enfocado o pensamento hierárquico, autoritário do catolicismo
romanizador, visto que o Ceará foi considerado, durante
as primeiras décadas do século XX, como o Estado
brasileiro mais católico e que irá interferi e reordenar o
espaço urbano.83 E em Sobral o “mito fundador” destaca
fundação da Igreja Matriz como o início da cidade.
A Igreja passava a viver na República uma
nova dinâmica, revelando a força de seu discurso e
vitalidade de suas práticas. Dom José era um convicto
defensor de uma reforma europeizante e romanizadora
e engajados nas causas da catolicidade. Isso não quer
dizer que tenha ocorrido um afastamento entre as elites
e o clero, ou a negação dos mecanismos do poder. Houve
afastamento e disputas entre os grupos laicos, anticlericais
ou livres pensadores, ou no caso do Ceará, com o poder
do catolicismo popular de Padre Cícero, em Juazeiro.
A religião e a Igreja se mostravam como as vítimas da
impiedade moderna.84
a
Deolindo
Barreto.
Apud
COSTA: 1987.
Esse pensamento "conservador" é um movimento de restauração católica, de reação
visando garantir a ordem social, reestabelecendo o princípio da autoridade contra o princípio da
liberdade que marcaria o liberalismo predominante, um dos seus inimigos. Na luta pela restauração
da espiritualidade, reintroduzindo Deus na vida de toda a sociedade, a harmonia social deveria ser
conquistada com a colocação de Cristo nos corações e mentes dos brasileiros85.
Os excessos do regalismo e do liberalismo, as medidas arbitrárias às liberdades da Igreja
fizeram com que os homens ligados ao ultramontanismo, engajassem-se num movimento que
visava salvar a Igreja das críticas e das práticas liberais, bem como apresentar um programa
político fundado na doutrina e na hierarquia eclesiástica. E com essa autoconsciência, exacerbada
pela contestação dos liberais, anarquistas, livres pensadores, maçons e dos protestantes que
paulatinamente iam se inserindo no contexto nacional, o episcopado brasileiro sustentou que só a
verdade católica, e não o erro liberal e/ou protestante, tinha direito de existência e divulgação.86
83 HOORNAUT, Eduardo. Aldeamento e catequese. In: CHAVES, Gilmar (org.). Ceará de corpo e alma: um
olhar contemporâneo de 53 autores sobre a terra da luz. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. p. 35
84 Esse caráter de vitimização é demonstrado por HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções. Trad. Tereza Lopes.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
85 Ver: FARIAS, Damião Duque D. Em defesa da honra, aspectos da práxis conservadora católica no meio
operário em São Paulo. 1930-1945. São Paulo: Huicitec, 1998.
86 GAÊTA, Maria Aparecida Veiga. Os percursos do ultramontanismo de D. Lino Deodato de Carvalho (1873-
37
tese definitiva- (com corte).ind37 37
12/4/2006 10:28:33
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
O primeiro Bispo de Sobral87 teve sua formação em Roma, ligada à corrente de
pensamento e política tridentina, romanizadora e ultramontanista. Corrente que penetrou no
Brasil na segunda metade do século XIX e se consolidou nas primeiras décadas do século XX88,
com a penetração dos seus valores nos espaços urbanos que se formavam.89
É possível afirmar que essa corrente tinha uma utopia. A utopia ultramontana, de
se construir um bloco monolítico católico e de se manter como a única voz competente. No
Brasil, essa perspectiva engendrou mudanças, como a criação de novas dioceses, instituições de
caridades, santas casas, colégios, seminários. Foi nesse processo que se processou a criação da
Diocese de Sobral, em 1915; do jornal Correio da Semana, em 1918,como a “voz de Deus”; do
colégio feminino, em 1918; do Seminário, em 1925; a criação da Santa Casa de Misericórdia,
em 1925, dentre outras obras.90
Isso porque há justificativa de que os leigos dilapidavam o patrimônio constituído
pelas doações dos devotos e que, se fosse administrado por sacerdotes, poderia ser utilizado
em outras pias finalidades como a formação do clero, a cura da alma, etc. Essa prática levou a
críticas dos grupos que organizavam a vida religiosa, as beatas, os coronéis. Essa “retirada” da
população, do leigo dos serviços religiosos, diminui o poder direto do coronel sobre as “coisas”
da cidade. Era o diminuição do “seu” espaço de penetração na vida social.91
Numa proposta de ter a felicidade espiritual e com práticas de interferência na vida
social, essa ala do catolicismo foi ampliando espaço político na cidade. Dentre tantas instituições
implantadas pelo Bispo, destaca-se a criação do semanário Correio da Semana.
Curioso perceber que os católicos suspeitavam da imprensa92, mas se entregaram
a ela. Essa percepção antagônica foi apresentado no seu primeiro editorial: “Entidade moral
1874). São Paulo: 1991. Tese de doutorado em historia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. USP.
87 Era um homem político e articulado. Ele não seria o primeiro Bispo, no dia 20 de fevereiro de 1918, em A Lucta,
foi informado que o Bispo seria Padre José Francisco Martins, de Uberaba. Passadas três semanas foi noticiado no
mesmo jornal que o Padre Tupinambá era o novo Bispo, como se não tivesse, inclusive, antes publicado a outra indicação. Outro episódio que representa essa articulação política é a sua permanência na Diocese, em 1919, quando
fora transferido para Uberaba, mas que depois que recorreu ao Senador Vicente Sabóia, irmão do Juiz José Sabóia,
continuou no cargo. In: A Lucta: 14 de novembro de 1919.
88 Essa linha do catolicismo de raízes conservadoras tinha Roma como o centro de referência, fechando-se ao
mundo moderno, e nasceu sob o impacto das revoluções liberais européias que agitaram o próprio trono pontifício.
Buscando uma consolidação doutrinário teológico, tendo como inimigos: a ciência, a filosofia e as artes modernas,
o capitalismo, a ordem burguesa, os princípios liberais e democráticos, e sobretudo o “fantasma destruidor” do
socialismo. Isso tudo ancorado na ortodoxia tridentina, para se derramar por todos os poros da sociedade.
89 A historiografia vem ampliando essa administração paralela na urbanização das cidade, como: PINHEIRO, Áurea. Clericais e anticlericais na criação da diocese no Piauí. Campinas, UNICAMP, Dissertação de Mestrado em História, 2001.
90 Essa prática de mudanças urbanas, muitas vezes, foi vivenciada como um poder paralelo. Em alguns anos a
arrecadação da Diocese foi maior que o anunciado pela Prefeitura. Ver: ROCHA, Herbet. Arquitetura e política
pública em Sobral. Sobral: Tempo- Tempo, 1996. p. 30.
91 Mesmo com todas as críticas que o processo de separação entre governo e Igreja sofreu do clero, havia um
ponto positivo destacado do encontro de bispos: a autonomia da organização eclesiástica.
92 Acreditando que o poder da informação cabe ao Clero, não à sociedade, mas percebe que é um instrumento
“moderno” que deve ser apropriado na formação dos fiéis..
38
tese definitiva- (com corte).ind38 38
12/4/2006 10:28:33
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
de grandiosa importância que concretiza neste immenso organismo que denominamos
sociedade”.93
E continua demonstrando que era preciso refletir se o jornal era um “bom” instrumento
de instrução. Poderia ser uma “arma” contra a sociedade, caso fosse utilizado por idéias
revolucionárias, como sugeriu anteriormente. “A calamidade não atingiu ainda o apogeu,
todavia já prensa não seja porventura maior do que toda utilidade”94
Nessa linha de pensamento a Bíblia era o "livro da verdade" e "caminho da felicidade".
Para o leigo, o fiel não haveria necessidade, nessa perspectiva, de outra leitura. Isso porque
pensava o discurso religioso como aquele em que falava a voz de Deus: a voz do padre, ou
do pregador, ou de qualquer representante seu era a voz de Deus. Um discurso como sendo a
mistificação, em termos de discurso é a subsunção de uma voz pela outra, estar no lugar de, sem
que se mostre mecanismo pelo qual essa voz se representa na outra. O apagamento da forma
pela qual o representante se apropria da voz é que vai caracterizar a mistificação.
Nesse sentido, a relação simbólica se dá da seguinte forma: quando Deus se fala
no padre é “como se Deus falasse”. Quer dizer, o discurso religioso não apresenta nenhuma
autonomia, coloca-se como representante da voz de Deus, dessa forma não pode modificá-la de
forma alguma. Há regras estritas no procedimento com que o representante se apropria da voz
de Deus: a relação do representante com a voz é regulada pelo texto sagrado, pelas igrejas, pela
cerimônia. Na ordem temporal, a relação com o sagrado se faz pelo representante da Igreja, o
papa, os bispos, ou seja, aquele que transmite as palavras de Deus. Representa-o legitimamente,
mas não se confunde com Ele, não é Deus. 95 Assim, estaria pautada a desigualdade entre os
indivíduos, tendo como premissa o poder divino como supremo, e sua representação religiosa
seria o alto escalão da sociedade, estando os outros indivíduos subjugados socialmente.
Essa hierarquia foi vista por Tocqueville como o espaço de organização institucional,
mas que socialmente foi quem possibilitou mobilidade social no período monárquico francês.
Era o caminho de ascensão de oportunidade, de ascensão do pobre, quando compunha o clero,
em estar entre os nobres e por vezes acima dos reis.96 Essa perspectiva possibilita ver como
mecanismo de mobilidade social. Mas ao contrário do pensamento que afirmava a igualdade
radical dos seres humanos, na perspectiva spinozana97, as doutrinas cristãs ergueram um sistema
hierárquico que postula a desigualdade como fundamento e alvo do político. Um dos maiores
93 Em Campo. In: Correio da Semana. Sobral, 31 de março de 1918, ano1, n. 1.
94 Artigo apresenta como o jornal foi recebido, e este foi a citação de Eduarde Von Hartman. In: Carta Honrosa.
Ver: Correio da Semana. Sobral, 06 de abril de 1918.
95 Idéia recorrente em: ENI, Orlandi. Língua e cidadania: o português no Brasel. Campinas: Pontes, 1996.
96 TOCQUEVILLE, Aléxis. Democracia na América. São Paulo: Contexto, 1999.
97 Possível perceber em seus trabalho: SPINOSA, B. Tratado teológico-político. Trad. Noberto de Paula Lima.
São Paulo: Kone, 1994.
39
tese definitiva- (com corte).ind39 39
12/4/2006 10:28:33
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
pilares do pensamento católico foi Tomás de Aquino98. Nele, a noção do universo, como imensa
hierarquia verticalizada que desce o Senhor, atravessa os arcanjos e anjos, chega aos sacerdotes
e passa aos leigos, que é a espinha dorsal do catolicismo religioso e político.
A hierarquia encontra-se na mais funda determinação do ser, num “sistema sagrado,
onde os graus referem-se ao saber e à eficácia”. Caracterizando todo o pensamento católico
em grande extensão, ele não é apenas ontológico, mas também espistemológico.99 Há, nesse
sentido, uma via para cima e uma via para baixo da escala, onde cada um encontra-se num
lugar certo e determinado desde sempre. Deus estaria além de todos os nomes que a Teologia
lhe atribui, além do espírito, além do bem, numa obscurandade. Sendo a hierarquia celeste a
emanação de sua luz, quanto mais próxima d’Ele, mais a entidade se ilumina, quanto mais
distante, mais escura.
Dessa forma é impossível quebrar a escala hierárquica dos anjos aos homens. A
hierarquia se insere com perfeição no pensamento católico. Embora cada ser tenha o seu lugar
natural, os homens possuem livre arbítrio. Assim, retoma-se na Igreja a tese de Platão de que o
“divino não é culpado” pelos males. O mal não pode ser atribuído ao absoluto. Como afirmou
Tomás de Aquino “Deus não quer que se faça o mal, nem quer que não se faça; o que Ele quer
é permitir que se faça, e isto é bom”.100 As criaturas atingiriam a perfeição no campo iluminado
pelo brilho do divino.
Como, porém, pode o homem unir-se ao divino? Os anjos e a sua hierarquia, espelhada
na hierarquia eclesiástica, dão a primeira resposta. A segunda101 foi explicitada por Tomás de
Aquino: “é indispensável que, em virtude da Graça, seja-lhe concedido o poder intelectual e
este acréscimo de poder é o que chamamos iluminação do intelecto, bem como chamamos luz
ao objeto inteligível.”102
Assim a igualdade entre os entes não era possível, visto que em cada um dos indivíduos
humanos havia uma relação especial com Deus, mediada pela cooperação de cada um deles
com a graça divina, o que indicaria uma proximidade maior ou menor entre a consciência e
Deus.103 A doutrina sobre o poder político exige a tese dos graus de visibilidade contemplativa,
o que prepara o óbice maior que se instala entre o pensamento católico e as modernas idéias
democráticas sobre a igualdade, e o divino, que transcende, é posto fora do trato político.
98 AQUINO, Tomaz. Sobre el princípio de individualizacion. Navarra: SPUN, 1999.
99 ROMANO, Roberto. Maritan filósofo dos matizes. In: Corpo e Cristal, Marx romântico. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. p. 144.
. Brasil: Igreja contra o Estado. São Paulo: Kayrós, 1979.
100 Summa theologia, 1 q 19 a 9.
101 Esse tema trouxe violentos debates entre os cristãos, sobretudo os jansenistas e calvinistas. Ver: Mimeses, a
representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 1971.
102 AQUINO, Tomaz. Op. Cit.
103 Uma análise mais ampla dessa problemática pode ser vista em Romano, Roberto. Lux in Tenebris. Franciscanos e dominicanos, utopia democrática. In: Lux in tenebris. Meditações sobre filosofia e cultura. Campinas:
EdUnicamp, 1987.
40
tese definitiva- (com corte).ind40 40
12/4/2006 10:28:34
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
Nessa perspectiva que vai ser percebido o recorte católico nos modos de fazer da cidade. A
interferência, os marcos de urbes e os silêncios constituídos.
A outra forma de pensar hierarquicamente, nesse momento, era o coronelismo, com
traços patrimonialistas104. Há um perfil patrimonial do Estado brasileiro, herdeiro da cultura
ibérica105. E vai ser marcante no que se convencionou chamar “coronelismo”. O período
republicano criou uma sociedade dominada, em quase todos os seus segmentos, pela figura
do coronel, muitas vezes um homem iletrado, rústico até; porém com um poder de barganha e
de alianças que o credenciava a liderar a política na área de seu município106. Em sua política
clientelista contava com a colaboração decisiva de profissionais liberais, sacerdotes, militares.
O conceito de coronelismo não deve ser entendido como um conceito unívoco, sendo
tantas as diferenças nas condições econômicas sociais e políticas entre as diferentes regiões.
As formas de coronelismo são variadas embora com um ar comum, o que permite o seu
uso. Embora diferindo em seus pressupostos e finalidades, o coronelismo107 é sistematizado
basicamente em sua tipologia, como dois tipos de coronelismo: os de Estados ricos, como
São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e de Estados pobres, como Ceará, Alagoas, ou
por não existirem partidos solidamente estruturados, prevalecendo um coronelismo baseado na
prepotência familiar e individual.108
A sua grande força consistia num pacto tácito entre os seus liderados ou dependentes.
Dando proteção, cuidado e sobrevivência em troca de apoio, subserviência e fidelidade para
manutenção do seu poder. O coronelismo pode ser considerado como um fenômeno
eminentemente republicano, embora comece a ser gerado no Império, com as relações do
patronato rural com os libertos, alimentando-se nas formas de dominação pessoal. É na
República que o coronelismo se realiza com todas as suas características, fortalecido com a
política dos governadores.109
Nessa estrutura social, não se pensava a igualdade como relação social. A estratificação
era a argumentação da justiça, pautada no latifúndio; na hierarquia, de uma produção não
capitalista; e na assimetria das relações com a dependência pessoal, organizando a sobrevivência
e a vida em grupo. Uma justiça pessoal. Todo esse modus vivendi inspirava no coronel uma
prática antiliberal e utilitária, sempre pronta a rejeitar qualquer tipo de ideologia que atentasse
104 Há uma interpretação do catolicismo como patrimonialismo. Quando analisa a prática de controle social do padre
Cícero, não como um coronel, como se vinha discutindo na historiografia, mas como pratica patrimonialista. Ver: LIMA,
Marcelo Camurça. Marretas, molambos e rabelistas: a revolta de 1014 no Juazeiro. São Paulo: Maltese, 1996.
105 HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympo, 1986.
106 Havia a figura do coronel na Monarquia, mas força da idéia da autonomia dos municípios, na federalização
do poder, com a República.
107 CARONE, Edgar. A República velha. São Paulo: Difel, 1983.
108 PALACIN, Luis G. Coronelismo no extremo norte de Goiás, o padre João e as três revoluções da Boa
Vista. São Paulo: Loyola, 1992.
109 DANTA, Ibare. Coronelismo e dominação. Aracaju: Eufs, 1987.
41
tese definitiva- (com corte).ind41 41
12/4/2006 10:28:34
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
contra a hierarquia da autoridade preestabelecida e outros valores que representasse conquistas
de privilégios antes granjeados por si ou seus maiores. E esse traço era comum entre o catolicismo
e o coronelismo.
As críticas ao patrimonialismo110, ao filhotismo e fisiologismo era muito recorrente em
A Lucta. A crítica ao patrimonialismo era a busca de oportunidade igual para todos, do direito
a concorrência e não ao protecionismo111 e uso pessoal do poder. Isso tinha que ser combatido.
Mas as raízes da dominação patriarcal se desenvolvem a partir da autoridade do senhor sobre
a unidade familiar. Essa autoridade pessoal comparte com a dominação burocrática, que é feita
de forma impessoal, sua estabilidade, seu caráter rotineiro e “de todos os dias”. Mais ainda,
ambas em última análise encontram seu apoio interno na aceitação de suas normas por parte dos
súditos. Porém, sob a dominação burocrática, essas normas são estabelecidas racionalmente,
referem-se a um sentido abstrato de legalidade e pressupõem um treinamento técnico dos que as
manejam. Na dominação patriarcal, as normas derivam da tradição, da crença na inviolabilidade
daquilo que tem existido desde tempos imemoriais. Essa idéia de patrimonialismo, coadunava
com a de filhotismo, usado para se referir a formas de dominação política em que não existem
divisões nítidas entre as esferas de atividade pública e privada que tanto circulou e engrossou o
discurso crítico, nas páginas de A Lucta.
A figura do “coronel” era muito comum durante os anos
iniciais da República, principalmente nas regiões do interior do
Brasil. O coronel, em linha gerais, pode ser descrito como um
grande fazendeiro que utilizava seu poder econômico para garantir
a eleição dos candidatos que apoiava. Utilizando-se no período
eleitoral do voto de cabresto, onde o coronel-fazendeiro obrigava
e usava até mesmo de violência para que os eleitores de seu “curral
eleitoral” votassem nos candidatos apoiados por ele. Como o voto
era aberto, os eleitores eram pressionados e fiscalizados por
capangas do coronel, para que votasse nos candidatos indicados.
O coronel também utilizava de outros “recursos” para conseguir
seus objetivos políticos, tais como: compra de votos, votos
fantasmas, troca de favores, fraudes eleitorais.
No ano de sua morte, o ataque de Deolindo Barreto foi ficando
mais acirrado, como publicou no seu primeiro número, em Cuidado112, onde denunciava a prática
110 Para Max Weber, patrimonialismo era um tipo de dominação tradicional, e isto conduz, muitas vezes, àqueles que tratam de aplicá-lo a sociedades contemporâneas diretamente aos conceitos de sociedades “modernas” ou
sociedades “tradicionais”. A tese aqui, no entanto, é que os elementos “tradicionais” não são os mais centrais no
conceito weberiano.
111 SCHWARTZMAN, Simon. Bases do autoritarismo brasileiro. 3ª. Ed. Rio de Janeiro: Campus, 1988.
112 Cuidado. In: A Lucta. Sobral , 02 de janeiro de 1924.
42
tese definitiva- (com corte).ind42 42
12/4/2006 10:28:35
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
de assedio do Sr. Coronel Vicente Saboya, para ser eleito, prometendo, em recompensa, uma
“porção de coisas inverossímeis como seja o barateamento da vida, a restauração da Meruoca e
uma estrada de rodagem, ziguezagueando por aquela acidentada cordilheira” 113.
Era uma sociedade que operava por exclusão, pela prática da violência e pelo poder
hierarquicamente estabelecido e justificado114. Violência de todos os níveis eram praticados
contra os direitos garantidos pela Constituição, como fora em outros tempos. Os coronéis
deveriam detestá-la, como seguir a lei federal, se a lei era ele? Mas sabiam que não poderiam
destruí-la. Então se apropriavam dos caminhos de controle, estendendo sua parentela nos
quadros administrativos e legais e estabelecendo teias de favores e protecionismo.
De qualquer modo, a Constituição e sua garantia pelo poder público existiam e era o
instrumento de argumentação do discurso liberal de Deolindo Barreto e a segurança de que a
vida seria melhor, mas respeitando esse código. Era na legislação que ele se segurava, acreditava
na República, na democracia.115 Mas enquanto esse respeito não era “seguido”, o olhar sobre o
coronel, nesse momento, vivenciado na cidade, é registrado no texto do Colunista Justus, em
que, ao escrever uma croniqueta contra os fofoqueiros, registra que seu vestuário foi doado por
amigos e não por proprina ou por ter “acordos” com grupos poderosos. Nessa preocupação de
demonstrar uma imagem de lisura, de um homem de imprensa honrado, descreve que tem um
grande amigo coronel e que não deveria ser chamado como tal:
...O chapéu um Chile verdadeiro, fino e muito leve, também foi presente de
um amigo generoso, simpático comerciante lido e corrido desde os mortíferos
igarapés amazônicos até os salubres campos mineiros. Chamam-lhe coronel,
mas de coronel elle tem apenas a patente, pois é intelligente, amável, generoso,
philantropo, elegante e umas tantas outras virtudes que chegam para o bico de
um coronel.116
Companheiros de emigração, que ele não identificou nominalmente, e que era
chamado de “Coronel”, mas que segundo seus preceitos e intimidade com o caráter do amigo,
não corresponde ao “padrão” de um coronel. Pelo que Justus deu como qualidade do amigo,
inteligência, amabilidade, generosidade, filantropia, elegância, é possível se perceber que a
mentalidade sobre “O Coronel” era de um homem grosseiro, rude, violento. O chefe do “sertão
do atraso”. O que sugere conceitos diferenciados sobre coronéis e teias sociais.
113 A estrada não foi inverossímel. Ela existe e liga Sobral à Serra da Meruoca, em 15 minutos, pela CE 440.
114 CHAUI, Marilena. Conformismo e resistência, aspectos da cultura popular no Brasil. São Paulo: Brasiliense,
1987.
115 Essa idéia de Estado sendo o centro da vida política.
116 Chroniquetas CXXXIX - Remédios para a bisbilhotice. In: A lucta Anno-VIII. Sobral, 11 de junho de 1921.
43
tese definitiva- (com corte).ind43 43
12/4/2006 10:28:35
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
2.2 Pensamento de Igualdade:
o viés iluminista do pensamento liberal-democrata
Discutir como a experiência liberal foi possível ser vivenciada no sertão cearense,
requer compreender de que forma as teorias, “as loucuras” que Deolindo Barreto pregava
em seu jornal, e sua vida cotidiana, estavam articuladas com o “espírito” de sua época117. Por
isso, propõe-se aqui uma explanação sobre os preceitos iluministas e as críticas, nas diferentes
teorias sociais, mais especificamente a “chegada” no Brasil da idéia liberal e a vertente liberal
democrata, para perceber que a “idéia” de Deolindo Barreto estava no lugar. A sua proposta de
que era possível viver de “outro modo” tinha precedente.
Como corrente histórica situada numa época determinada, o Iluminismo realizou-se
e, ao realizar-se, extinguiu-se; como estado de espírito, ele está vivo, e sua vida se confunde
com a própria vida da modernidade, que baseia no constante trabalho no negativo. Nesse
sentido, é possível pensar que a cultura ocidental com o Iluminismo criou ou reelaborou
temas que constituíram depois a base teórica do liberalismo, com Voltaire, ou das garantias
contra o Estado, com Montesquieu118, ou a idéia de progresso, com Condorcet119, ou papel da
ciência no aperfeiçoamento material e moral dos homens, com Diderot120, em geral, a teoria dos
direitos humanos, presente em maior ou menor grau dos principais autores. O que dessa forma
possibilita à afirmação de Merquior· de ver na sociedade liberal a herdeira do Iluminismo e tem,
nessa opinião, aliados como Hobhouse. 121
Há de se pensar que o Iluminismo foi reivindicado com igual veemência, pelos
marxistas, no século XIX, como sua base de sustentação. Segundo eles, o Iluminismo foi a
doutrina da burguesia européia durante sua luta contra o feudalismo. Transformada em classe
dominante, ela renunciou ao Iluminismo militante e transformou o Iluminismo em ideologia
legitimadora. As “liberdades” iluministas não se extinguiram, mas transformaram-se em meras
fachadas formais, assim. A bandeira do “verdadeiro” Iluminismo estava sendo empunhada pela
nova classe revolucionária, que lutava por uma emancipação universal do gênero humano, indo
além da emancipação parcial alcançada durante a Revolução Francesa. As sociedades que se
diziam marxistas sentiam-se assim justificadas em disputar às sociedades liberais a herança do
117 Apesar do discurso familiar de 1984, construir a imagem de um homem que nasceu “fora da sua época”, como
a homenagem de seu filho no ano comemorativo do seu centenário de nascimento. Mensagem. Sobral, junho de
1984.
118 MONTESQUIEU, . O espírito das leis. São Paulo: Abril, 1989. (Os Pensadores).
119 CONDORCET, Jean-Antonie. Esboço de um quadro histórico dos processos do espírito humano. Trad.
Carlos Alberto Ribeiro de Moura. Campinas: EdUnicamp, 1993.
120DIDEROT, Denis. Jacques, o fatalista e seu amo. Trad. Magnólia Costa Santos. São Paulo: Nova Alexandrina,
1993;
. Obras romanescas. Trad. Antonio Bulhões. São Paulo: Difel, 1962.
121 HOBHOUSE, L. T. Liberalismo. Trad. Julio Calvo Afaro. Buenos Aires: Labor, 1927
44
tese definitiva- (com corte).ind44 44
12/4/2006 10:28:35
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
iluminismo.
Pelosdiscursosdeapropriaçãoo Iluminismo
está na raiz das duas principais ideologias que
reivindicam a hegemônica. Elas têm em comum, para
os liberais como para os marxistas no poder, o
fantasma iluminista que já encontrou o seu repouso.
122
Uma visão caricaturada do Iluminismo
é vê-lo um espírito de “crítica permanente”, onde
seria uma vasta obra de demolição, em três etapas: a
desmoralização da religião por Voltaire, dos costumes
por Diderot e da ordem social por Rousseau.
Para o pensamento crítico falta o trabalho de reconstrução teórica, não só a de
destruição. Assim é possível pensar que o Iluminismo foi ao mesmo tempo a empresa da
demolição global e um movimento regido pela razão e pela ciência. O iluminismo é crítico por
ser racional, e racional por ser critico. Seus instrumentos, contra o ancien regime, vinham no
arsenal do racionalismo seiscentista, Descartes123 e Spinoza124, do empirismo inglês, de Locke,
e da ciência natural, de Newton. Sua função mais importante consiste em ligar e dissolver.
Dissolve tudo o que é meramente factual, todos os dados simples da experiência, tudo aquilo
em que se crê pelo simples testemunho da revelação, da tradição e da autoridade; e não descansa
antes de ter analisado todas essas coisas em suas partes
122 Merquior recusa tanto o Liberal-Iluminismo como o Marxo-Iluminismo, que supõem a institucionalização e a
domestica ção das luzes, e propõem uma distinção perfeitamente evangélica (a diferença entre o espírito que vivifica e a letra que mata) entre o Iluminismo vivo, demônio fáustico cuja função é negar, e o Iluminismo de museu,
cuja função é celebrar a ordem constituída. Habilitam-se, então, herdeiros de um terceiro tipo: os livres-atiradores
do Iluminismo, que não falam em nome de nenhuma sociedade e conservam em toda a sua vir ulência o espírito
iluminista riginal.
o
Incluí-se Foucault entre esses herdeiros.
123DESCART, René. Obras escolhidas. Trad. J. Guisburg. São Paulo: difusão Européia do Livro, 1973;
. Trad. Elza Moreira Marcelina. Discurso do método, as paixões da alma. Brasília: EdUnb, 1985;
.
Princípios da filsofia. Trad. Alberto Figueira. Lisboa: Guimarães, 1984.
124 SPINOZA. Tratado político-teológico. Há uma análise de Marilena Chauí que discute esse autor, ver: CHAUI,
Marilena. A nervura do real: imanência e liberdade em Spinosa. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
45
tese definitiva- (com corte).ind45 45
12/4/2006 10:28:36
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
componentes mais simples e em seus elementos últimos de crença e opinião.
A razão iluminista é sintética e construtiva, precedida pela análise e pela crítica, não
uma crítica cega, decisionista, mas instruída pela ciência e pela razão, sendo global, sistemática,
totalista, quer seu objeto seja a religião, os costumes, quer a ordem social e política. O
“espírito iluminista” é ao mesmo tempo subversivo e racional: pois a razão é sempre crítica,
e o irracionalismo é sempre reacionário. O próprio fato de tecer críticas ao iluminismo torna
o crítico mais iluminista, criando o processo de desencantamento do mundo, que permitiu a
crítica dos valores e instituições, sem o peso inibidor da tradição e da autoridade.
Com o advento do Estado Moderno, o conceito de soberania se manteve: ele foi
transposto da pessoa do príncipe ao povo, como fonte da vontade geral. Surgia a liberal
democracia, com seu quadro jurídico formalmente de igualdade, e os estabelecimentos das
instituições representativas. Mas ao lado do poder codificado juridicamente sob a forma de
soberania popular, surgia uma nova instância do poder, essencialmente extra jurídica: a
disciplina. Esta fará a mediação do respeito entre os indivíduos.
Se formalmente o regime representativo permite que direta ou indiretamente, com ou
sem mediações, a vontade de todos forme a instância fundamental da soberania, as disciplinas
garantem, na base, a submissão das forças e dos corpos. As disciplinas reais e corporais
constituíram o subsolo das liberdades formais e jurídicas.
Iluminismo tem o espírito de crítica permanente. Ensinou a dizer não e duvidar de
tudo. Ao mesmo tempo quer reconstruir. 125 O sentimento humanitário, de felicidade humana,
surge como subversivo, na medida em que representa fratura no processo de colonização
hierárquica. Outros “modos de pensar”. Estimula atitudes que esbarram com a estruturação de
uma ordem de coisas hierárquicas.
O liberalismo não diz que o homem precisa ser libertado, e sim que ele é livre. Logo
é preciso cuidar para evitar invasões dos governantes e dos outros na liberdade de cada um. O
liberalismo foi propriamente instituído por toda uma série de medidas adotadas em diferentes
épocas, em diferentes países, o que modifica de certa forma seu caráter. O que não deixa de ser
uma utopia, uma ideologia.126 E vai ser a base do pensamento para o capitalismo baseado na
desigualdade econômica e igualdade de oportunidades.
O confronto de interesses leva às modificações das doutrinas e das utopias. O
liberalismo econômico não pôde “impedido” pelo patrimonialismo, realizar a travessia entre
a racionalidade material e racionalidade formal. Entre uma e outra havia uma força condutora,
125 ROUANET, Sergio Paulo. Razões do iluminismo.São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
126 Idéias recorrentes em: BRESCIANI, Stella(org). Brasil: liberalismo, republica, cidadania. Sorocaba: EdUnimep, 2002.
46
tese definitiva- (com corte).ind46 46
12/4/2006 10:28:37
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
que, disciplinando e ordenando a ação irracional do homem, não foi empurrada fora da cena por
uma classe ou grupo socialmente hegemônico. O fato relevante desse patrimonialismo é como
pôde ele, apesar de tudo, conviver com o liberalismo, substancialmente adverso à autocracia
reinante. O liberalismo, que assim nasce na República, tem alguma coisa de liberal e tem pouco
de democrático. 127
Há uma concepção de que não houve liberalismo no Brasil, mas práticas liberais,
alguns liberais, uns com mais importância outros não, negociando com as práticas patrimoniais.
No Brasil o pensamento liberal foi inserido no período imperial. Um liberalismo autoritário,
violento e escravista. O que na historiografia será analisado como liberalismo “mal aplicado”
ou que não corresponde aos preceitos liberais. Entretanto o liberalismo tem como princípio a
propriedade e a liberdade.
Há de se pensar, porém, que no liberalismo o conceito de “liberdade” sempre se
restringiu aos “cidadãos”. Portanto cabe-nos entender quem eram os “seus cidadãos” nos
diferentes períodos históricos desde o surgimento desta ideologia. Houve época e países que os
“cidadãos” eram apenas alguns poucos “senhores” proprietários, homens de posse. E o Brasil não
fugiu a essa regra. Uma “Liberdade”, portanto, sempre diretamente relacionada à “propriedade”.
O Liberalismo, seja ele dito radical, conservador, ateu ou religioso, defendeu ao longo de sua
história a propriedade. Todos os demais direitos estão atrelados a ela, de uma forma ou de outra.
É ideologia dos proprietários burgueses, ou seja, capitalistas, e por isso foi também ideologia
abraçada por proprietários em geral. Não foram os escravistas ontologicamente antiliberais, já
que seus “escravos” eram tidos como também parte de suas “propriedades”. Posteriormente,
com as teorias da individualidade e da liberdade da força de trabalho, é que o liberalismo terá
outra postura frente a questão do escravismo e da participação política.
Oquesequeriaeracontribuirparaaformaçãodeopiniãopúblicaparaodesenvolvimento
da humanidade, o que para os liberais democratas seria o crescimento com distribuição para
viabilizar os regimes democráticos e pluralistas cuja liberdade com igualdade tornaria possível
a participação, já que resolver os problemas econômicos e sociais era uma exigência de justiça,
uma igualdade meritocrática128. Esse pensamento preponderá no discurso da implantação da
República brasileira. Como criticava o colunista Justus: "República implantada num país, cujo
organismo não estava devidamente preparado para o regime democrático".129
No processo de aprendizagem política, de contato com homens de leituras e seus
leituras, Deolindo Barreto acreditava numa democracia fortalecida no equilíbrio entre os poderes,
alentada pela participação viva das instituições intermediárias, dentre as quais a imprensa seria
127 FERRAZ, Socorro. Liberais e liberais. Recife: EdUfpe, 1999.
128 Sobre igualdade meritocrática, ver: ZIZEK. Sloja. Os espectros da ideologia. In: ZIZEK, S. (Org.) Um mapa
da ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
129 A Lucta. Sobral, 21 de novembro de 1915.
47
tese definitiva- (com corte).ind47 47
12/4/2006 10:28:37
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
fundamental, como veremos adiante. Para ele a imprensa era o caminho de melhoria social e
porta voz do bem social esse caráter de justiça social, foi fruto de sua perspectiva liberal que
exigia prioridade indispensável ao crescimento econômico, para se enfrentar os problemas da
pobreza, da desigualdade e da escassez, pois o crescimento era tarefa básica para a solução
democrática. Era preciso um controle permanente da inflação que conspirasse contra qualquer
perspectiva de expansão da riqueza coletiva.130
É possível perceber nos filósofos citados em A Lucta que Voltaire e Rosseau foram
fontes de inspiração e norteadores contra uma ordem hierárquica. A sua crítica à intolerância e
a identificação pela liberdade de expressão, são inspirações de Voltaire, que pela liberdade de
expressão poderia “corrigir” o mundo, apoiado em sentimentos virtuosos e o uso racional para o
bem comum, para a felicidade, como se fosse um “direito natural”. A proximidade com as idéias
democráticas de Rosseau, buscando conciliar o problema da relação entre cidadão e governo,
nos aspectos aparentemente opostos na esfera da política: o respeito à autoridade e o exercício
da liberdade. Para que se pudesse “encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a
pessoa e os bens de cada associado com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se a
todos, só obedece contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes”.131
Acreditando que somente a associação política modelar delineada no Contrato Social
seria capaz de tornar isso possível, ao transformar a vontade geral em fonte de lei. Se do
confronto das vontades particulares emerge um núcleo comum que é desejável por todos os
cidadãos, e se esse núcleo é dotado do poder local, então já não existiria contradição entre atuar
livremente e obedecer à lei, por que ambas são ações realizadas pelos indivíduos em seu próprio
beneficio. Por ter reformulado a questão da autoridade nesses termos, Rosseau se contrapôs à
tese de Hobbes sobre a validade do poder do Estado, apresentando princípios de funcionamento
da república modelar, nos governos existentes. Por suas idéias era apontado como subversivo,
como o colunista Mário Leblon fez questão de informar que não era adepto de suas idéias
“radicais” sobre a participação do povo.132
Assim, o liberalismo, como corpo doutrinário, redefiniu muito dos seus conteúdos
em função das diferentes realidades históricas. Ou seja, como qualquer doutrina, o liberalismo
foi impelido pelas circunstâncias históricas dos diferentes países a redefinições políticoinstitucionais. Queria uma mudança ética. Os hábitos e costumes da política nacional e local
precisavam ser profundamente transformados. Só assim o governo das leis poderia triunfar e
constituir-se em padrão de uma nova “civilização política”. A transformação radical dos hábitos
130 Luta que inflamou também o movimento jacobinismo no Brasil. Ver: QUEIROZ, Suely Robles Reis de. O
jacobinismo na historiografia republicana. In: LAPA, José Roberto do Amaral. História Política da República.
São Paulo: Papirus, 1990.
131 ROSSEAU, J. J. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os Pensadores). P. 38.
132 O colunista Mário Leblon indicava que queria uma mudança social, mas não com a vontade do povo, mas
norteada por regras mais rígidas. A Lucta, Sobral, 14 de maio de 1915.
48
tese definitiva- (com corte).ind48 48
12/4/2006 10:28:37
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
e costumes nacionais constituía condição básica para que emergissem as boas leis. 133
Dessa forma, a palavra impressa estabeleceu novas articulações na vida cotidiana da
cidade republicana134. A escrita começou a invadir o dia-a-dia e compôs esse novo cotidiano.
A leitura dos jornais, também passava a se integrar nessa realidade. No ambiente da urbe em
formação, a imprensa periódica apresentava-se como foco fundamental de formulação, discussão
earticulaçãodeconcepções, processos e práticas culturais ededifusãodeseusprojetoseprodutos.
A cidade intromete-se na imprensa, ao mesmo tempo em que a imprensa compõe a cidade. O
crescimento urbano, a diversificação das atividades econômicas, a ampliação do mercado e o
desenvolvimento da vida mundana são incorporados às formas e conteúdo dessas publicações,
em que as propostas de cura, para os problemas sociais apontados, são apresentadas.
Em Sobral, o jornal A Lucta não era apenas o instrumento formal do discurso, mas o
veículo do pensamento social-democrata, sob o discurso a partidário, organizando e conferindo
substância ao ideário do progresso, ciência, da liberdade, da tolerância, para fundamentar a
visão de mundo dos liberais. Mesmo se dizendo neutro e sem fins políticos. O poder da idéia
democrática era o caminho necessário para se atingir o bem público através da criação de um
governo esclarecido e formado por homens dotados de méritos para, de forma racional e positiva,
ocuparem-se da gestão dos seus interesses e negócios, sob o discurso do bem comum.
Dessa forma, a sociedade democrática permitiria liberdade ao indivíduo e auto
disciplina, à sujeição voluntária da maior parte de seus cidadãos, à determinado princípio
moral, sendo suas idéias fundamentais, partindo do compromisso da democracia com uma
sociedade livre, aberta a críticas. Por isso, a exposição da vida pública na e pela imprensa
assim como a igualdade de direitos na comunidade moral: direito dos homens, dignidade dos
indivíduos, luta contra o filhotismo e moralidade do bem público. O respeito pela diversidade e
particularidades individuais. Era a chamada dessacralização da relação entre público e privado
conforme a arquitetura liberal dessas esferas, uma privacidade sob holofotes135, numa formação
de referências da subjetividade na sociedade moderna. Onde o individualismo pensado como
disciplinarização do sujeito. Indivíduo aparece como transparente, mensurável, no limite, até
modificável.136
Sobral se formava e exigia novos recursos de sobrevivência, de manipulação e de
compreensão do espaço no qual se vivia. Havia também uma experiência adquirida e memória
do arranjo das práticas cotidianas dos diferentes grupos sociais e étnicos, nesse novo espaço.
133 Nessa equação de que bons hábitos produziriam boas leis, os termos de Montesquieu sobre a natureza das leis
seriam, pois, complementares, tal qual postulados pela tradição liberal do novecento.
134 A experiência republicana brasileira tem várias possibilidade de compreensão, interessante a abordagem da
aventura em: LESSA, Renato. A Invenção republicana. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999.
135 Expressão de Habermans. Ver: HABERMAS, Jürgen. Técnica e ciência como ideologia. Lisboa: Edições
70, 1987.
136 HAROCHE, Claudine. Fazer dizer, querer dizer. Trad. Eni orlandi. São Paulo: HUCITEC, 1992.
49
tese definitiva- (com corte).ind49 49
12/4/2006 10:28:37
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
Nessa disputa, queria-se implantar uma idéia de governo por consenso, em contraposição
às intervenções, aos arranjos, um ideal do governo com aprovação do governado, que os
líderes políticos fossem escolhidos, seguindo critério elitista, em eleições livre onde existisse
competição honesta de votos, e que ninguém fosse punido ou coibido, legal ou extralegalmente,
por trabalhar pela causa política de sua escolha, sem violências ou insurreição.
Essa reforma ética e moral, postulando uma reforma da educação, era o caminho
para esclarecer a população. Havia uma crença da primazia da vontade humana, inspirada
nos pensamentos de Max Nordeuau137, Maximo Gorki e Leão Tolstoi; Arthur Schopenhaeur138,
Rousseau139,Schopenhauer140,
Voltaire
e
Rosseau141,
Falubert142,
Darwin143 e
Flammarion144,Comte145 e Bossuet146, distribuídos em diferentes temas e momentos da vida do
jornal.
Dessaforma, possibilitacompreenderqueleiturasforamfeitaspeloseditoresesugeridas
aos seus leitores, gerando curiosidades e estimulando o conhecimento laico, principalmente,
em tempo de seca, quando os problemas sociais, do flagelo e inchaço urbano, emergiam no
cotidiano da cidade e os homens e letras tinham que responder a essas questões.
137 Citados em Como nos receberam. In: A Lucta. Sobral, 08 de maio de 1914.
138 Schopenhauer foi citado em 1915 com destaque "faça-se o escândao, mas diga-se a verdade", por Paixão
Filho. Ele tem livros capitais: O mundo como vontade e representação, Sobre a raiz quadrada do princípio
da razão suficiente, A vontade da natureza, Ensaio sobre o livre arbítrio, O fundamento da moral e Parerga
e Paraliponema.
139 Citado pelo colunista M. Lebon , para afirmar que não era adepto das suas idéias subversivas.
140 Minha defesa. In: A Lucta. Sobral, 23 de abril de 1916, por Paixão Filho, destacando a sua frase “cometa-se
o escândalo, porem diga-se a verdade”.
141 A Lucta. Sobral, 15 de fevereiro de 1915.
142 Assumpto Triste. In: A Lucta, 30 de junho de 1915.
143 Citado em Vitmas Inconscientes. A Lucta, 22 de fevereiro de 1915.
144 Como se Fosse uma Opinião. In: A Lucta, 08 de setembro de 1915.
145 A Lucta. Sobral, 19 de abril de1916.
146 A Lucta. Sobral, 25 de novembro de 1922.
50
tese definitiva- (com corte).ind50 50
12/4/2006 10:28:38
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
2.3 Mentalidades em Conflito: as disputas entre grupos no Ceará
O conflito não é a única forma de relacionamento social, a cooperação, por exemplo,
produz outra dinâmica, mas é um dos mais visíveis e um dos mais instigantes sintomas de
transformação. É, com certeza, o que mais imediatamente traduz a maneira pelas quais homens e
grupos sociais expressam seu inconformismo. 147 Assim, depois de uma breve explanação sobre
as formas de pensar com princípios hierarquizados e com igualdade meritocrática, analisar-seá uma experiência brasileira entre grupos conflitantes, seguindo esses preceitos no Estado do
Ceará, no início da República.
Pensar transformação, lenta ou rápida, molecular ou violenta, constante ou eventual,
pressupõe identificar variadas formas de conflito, de divergências, de diferenças que, em seu
embate, apontam alternativas, sugerem outras formas de convivência, rejeitam padrões de vida
precedentes. Não é fácil quando se sai dos tipos “ideais puros” e se entra na história, com suas
mesclas e “impurezas”. Com as experiências sociais das utopias imaginadas, sentidas, sonhadas
e almejadas e como instrumento de ação.
A República e o sufrágio universal ampliaram a faixa da população com o direito a
opinar nos assuntos de Estado, ao conceder direito de voto a todos os brasileiros maiores de
21 anos, alfabetizados e de sexo masculino, o perfil dos indivíduos com mérito a participar da
vida política. Por outro lado, a nova ordem trouxe em seu bojo a federação tão almejada pelos
coronéis, o que implica em maior autonomia para os chefes políticos de cada unidade federal.
O voto seria incorporado à prática de controle da vida republicana, na mão dos senhores. Um
atributo do princípio liberal democrático, de liberdade de escolha do seu representante, mas
que foi implantado como mecanismo de controle social, de ampliação do poder do coronel, que
do direito do seu voto individual passaria a ter, também, os dos seus agregados. Era o atributo
liberal sendo experimentado pelo patrimonialismo.
Isso porque a implantação da nova ordem não acarretou nenhum revezamento dos
donos do poder no domínio da política cearense. Com exceção do Coronel João Cordeiro, os
republicanos históricos, inexpressivos em termos numéricos e organizacionais, são excluídos
da “nova” elite política. Antigos grupos oligárquicos do Império, como os Pompeu, os Paula
Pessoa, os Ibiapaba e os Acyoli, continuaram disputando entre si o controle do governo do
Estado, e fomentando as disputas nos municípios, em busca de apoios. E o grupo democrata ao
qual Deolindo Barreto pertencia estava ligado a essa teia, ao defender os interesses da oligarquia
dos Paula Pessoa, sob o discurso democrata da liberdade, honestidade e honra política.
147 FONTES, Virgínia. História e conflito. In: MATTOS, Marcelo Badaró(org.). História: pensar e fazer. Rio de
Janeiro: Laboratório Dimensões da historia, 1998. p. 34-43.
51
tese definitiva- (com corte).ind51 51
12/4/2006 10:28:38
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
Numa articulação das esferas de poderes federal, estadual e municipal, as elites se
subdividiam como no caso federal do golpe de Floriano, em 1892, e a conseqüente derrubada
do governo de Deodorista do General Clarindo de Queiroz, que era apoiado pelo Grupo de
Paula Pessoa, viabilizam a ascensão e monopólio da máquina do governo cearense pelos Acyoli.
A derrubada do General Clarindo, promovida pela Escola Militar do Ceará e indiretamente
apoiada pelos Acyoli e Comendador Boris148, significou também o alijamento dos Paula Pessoa
e Ibiapaba, aliados de Clarindo, do acesso ao poder.149 Era esse espaço de disputa que norteava
a luta política dos discurso de A Lucta.
Essa disputa entre o grupo comandado por Nogueira Acyoli e a dissidência que tinha
à frente o Conselheiro Rodrigues Junior, genro do Senador Francisco de Paula Pessoa e seu
herdeiro na chefia do grupo Paula no Partido Liberal, continuou por todo o longo período de
governo desse grupo. Tanto que a organização da passeata, em 1911, da Liga Feminista PróCeará Livre150, em apoio à candidatura Franco Rabelo, genro de Clarindo de Queiroz, teve
à frente Odele de Paula Pessoa, filha de Francisco de Paula Rodrigues, chefe da dissidência
dos Paula Rodrigues e neta de Rodrigues Junior. O que representava uma íntima relação entre
parentesco e política partidária, nesse momento republicano cearense.
Tudo isso ocorreu num momento peculiar da história brasileira, quando os governos
dos Estados gozam de maior autonomia, o que favorece em muito o monopólio das políticas
estaduais e municipais, pelas oligarquias locais. O controle da máquina eleitoral por um
único grupo, impossibilitado no Império pelo poder Moderador, que fazia oscilar no governo
conservadores e liberais, foi viabilizado pela maior autonomia política dos Estados em relação
ao poder central, com o advento da federação republicana. Foi também um período em que as
camadas médias buscavam um espaço maior de participação na política da República.
No caso do Ceará, a fase foi marcada pela mais longa oligarquia da história da chamada
Primeira República, de 1895 a 1912. Verifica-se, principalmente, em seus últimos oito anos de
existência, forte resistência da população urbana de Fortaleza e, em especial, dos comerciantes
voltados para o mercado interno, uma vez que as famílias francesas Boris e Gradwoll, que
monopolizavam o comércio de exportação e importação, mantinham boas relações com o
Governo de Nogueira Acyoli e não pareciam afetadas em seus interesses por essa política.
A conjuntura política estadual era uma representação das relações de poder social. Sob
o comando do Comendador Acyoli, havia um forte aparato de poder e controle das oposições
148 Influente comerciante do setor de exportação e importação do período.
149 Sobre essa disputa, ver: PORTO, Eymar. Babaquara, chefetes e cabroeira, Fortaleza no início do século XX.
São Paulo: Maltese, 1996; SILVA, Maria Virginia Tavares de. Crise na política dos governadores: o declínio dos
Aciolis no Ceará(1892-1914). São Paulo, USP, Dissertação de Mestrado em História, 1982.
150 Movimento político, demonstrado na historiografia cearense como a representação de cunho “popular”, que foi
violentamente reprimida, matando mulheres e crianças e que teve grande peso na deposição de Acyoli e aceitação de
Franco Rabelo. Ver: SOUSA, Simone(org.). História do Ceará. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1989.
52
tese definitiva- (com corte).ind52 52
12/4/2006 10:28:38
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
que começam a ganhar peso nas cidades. Os setores mais ilustrados das camadas médias
ficavam à margem das decisões, mas formavam o segmento discordante, ocupando os espaços
de manifestação como as páginas abertas dos periódicos pertencentes a grupos de poder local
que disputavam o domínio político do Estado, bem como havia os periódicos de grupos de
classes e os anarquistas.151
A imprensa liberal era pensada para estimular a formação de opinião pública que
viesse respaldar suas tendências152, as denúncias de fraudes eleitorais, bem como a punição
dos funcionários públicos que não votavam nos candidatos da situação, como ocorrido, em
1904, em Fortaleza: “Foi demitido de ajudante de fiscal da Intendência Municipal o Sr. Augusto
Cabral, pelo simples fato de não ter votado no comendador Acyoli.”153
Para a maioria da população, o arbítrio e a vontade suprema dos coronéis constituíam
as regras conhecidas de política. Essa população analfabeta não tinha acesso a essas novas
idéias, veiculadas pelos jornais. Assim poder-se-ia ter uma noção do que se discutia na vida
cotidiana, nos comentários dos “letrados”.
O “voto universal” conferia, no entanto, importância a esses indivíduos, na medida
em que passam a se apresentar como contingente eleitoral passível de ser arregimentado
pelas forças políticas em disputa. É dessa forma que se explica a ênfase dada pelos setores
oposicionistas intelectuais à alfabetização da população, visto ser a imprensa a principal arma
de que dispunham na divulgação de suas idéias.154
Essa população não aceitava os julgos dos coronéis somente por ignorância. Numa
prática política de cima para baixo, das práticas coronelísticas, esse “povo” nunca tendo
concebido a idéia de uma condição social diferente da sua própria, e nunca esperando tornarse igual a seus líderes, recebia deles os benefícios sem discutir seus direitos, quer dizer, não
havia a idéia de “direito”. Era isso que o discurso liberal democrata queria ensinar: a pensar
um estado de direito, no poder das leis, regulando a vida dos indivíduos e a possibilidade das
oportunidades iguais aos cidadãos.
Assim, o homem pobre que retém os preconceitos de seus antepassados, sem sua fé,
e sua ignorância sem suas virtudes, adotou a doutrina do interesse próprio como regra de suas
151 Sobre os principais periódicos socialistas e anarquistas, ver: GONÇALVES, Adelaide. Ceará socialista,
anno 1919. Fortaleza: EdUfc, 2001; id. A imprensa libertária do Ceará (1908-1922). São Paulo: Imaginário,
2000..
152 Sobre tema há um trabalho bem pontual: WEYNE, Walda Mota. Imprensa e ideologia: o papel político dos
jornais cearenses na transição monarquia-república. Fortaleza: Nudoc, 1990. (Série História, n. 9).
153 CAVALCANTE, Waldemiro. Desmandos de Oligarca. In: Jornal do Ceará. Fortaleza, 14 de abril de 1904.
154 Forma de pensar semelhante ao que propunha Tocquevile: “a própria essência do governo democrático consiste na soberania absoluta da maioria”. In: TOCQUEVILLE, Aléxis. Democracia na América. Assim, o primeiro
dever que se impõe aos que dirigem os nossos negócios é educar a democracia; renovar, se possível, sua convicção
política, religiosa.
53
tese definitiva- (com corte).ind53 53
12/4/2006 10:28:38
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
ações, sem compreender a ciência que a põe em uso; e, em alguns casos, nem era considerado
cidadão, por não ter propriedades materiais ou por não ter “saber”. Mas compondo agora um
novo tempo, nova mentalidade, os grupos de cidadãos teriam que guardar sempre os direitos e
interesses de seus semelhantes, constantemente cientes de que sua própria liberdade depende do
grau em que defenderam a de todos os outros cidadãos.
O cuidado com a informação e a educação cívica, seguindo os novos preceitos, era
recorrente em diferentes periódicos, diferentes tempos e espaços no Ceará, como as afirmações
de Waldemiro Cavalcante e Deolindo Barreto. No editorial do primeiro número do Jornal do
Ceará, Waldemiro Cavalcante apresentava seus objetivos e deixava evidente a preocupação
com a educação:
[...]Nosso primeiro trabalho seria o de despertar a Nação da profunda indiferença
que lavrava as camadas populares pelas coisas publicas.(...) O plano desta folha
é servir do melhor modo os interesses da comunidade cearense, fazendo da
imprensa um meio de ensino popular, comércio decente de idéias, veiculo do
progresso, repositório completo de informações.155
Para Deolindo Barreto, o sentido de propriedade liberal era o “saber”, logo a educação
para o povo seria a premissa da “concessão” do direito ao voto, pois, na sua visualização de
cidadão, deveria ter a consciência partidária e discernimento do projeto de cidade, de vida social
e político para a sua vida e da coletividade. Como escreveu e será apresentado na íntegra:
Absolutamente não fazemos oposição à eleição dos prefeitos, pois ela vem de
encontro dos nosso princípios democráticos, com os quais não se harmoniza a
nomeação do governo dos municípios, por ser um golpe de morte na autonomia
dos mesmos.
Podemos de já garantir, porem que devido a péssima educação cívica da nossa
população eleitora, os nobres intuitos do Sr. Justiniano de Serpa não alcançarão
por ora o escolpo almejado. O candidato a prefeito que hoje é escolhido pelo
presidente do estado que quando bem intensionado opina pelo de maior
competência e dedicação, passará amanha a ser escolhido pelo matuto boçal,
chefe político do interior, que apaixonado e partidário, dará preferência àquele
que acima de tudo coloque os interesses bastardos do seus partido.
Dois terço do eleitorado cearense, ate a hora de qualquer pleito, ignora até o
nome do candidato que vai sufragar e em se lhe perguntado em quem deseja
votar, responde apaixonadamente que no seu capitão A, chefe do partido A, ou
no seu major F, chefe do partido C, que lhe deram as calças de domestico com
que vieram a cidade e lhes garantem um magro pirão naquele dia.
A reforma eleitoral, de maneira não pode ser prostituída como foi a lei que
rege as eleições atualmente e que visava a seleção do eleitorado, ao nosso
ver, deve proceder a qualquer tentativa de restabelecer-se no Estado a eleição
dos prefeitos. Selecione-se o eleitorado, expor-se do alistamento o grande
numero de analfabetos que depois de passada a crise de caráter que avassala o
nosso país, veremos no resultado de um pleito verdadeiro soberania popular,
infalível nos seus decretos e imutável no seu julgamento.
155 Jornal o Ceará. Fortaleza, 14 de abril de 1904. p. 2. este jornal publicava regularmente lições ensinando as
primeiras letras, com o título de “Ensino Intuitivo”.
54
tese definitiva- (com corte).ind54 54
12/4/2006 10:28:38
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
Enquanto não serão sempre estes paliativos que hoje beneficiam um grupo
partidário em detrimento do outro e que amanhã passam a beneficiar a este
em prejuízo daquele e neste circo vicioso vem há mais de 20 anos apertando e
asfixiando o progresso e a evolução do Estado.156
Nessa leitura há uma clara exclusão social dos analfabetos, não possuíam mérito
de serem cidadãos para escolher seus representantes. A sua justificativa, curiosamente, não
compromete a sua visão de princípios democráticos, sem mérito o analfabeto não era cidadão.
Justamente por ser considerado elemento “fácil” de ser manipulado pelos interesses do seu
coronel. Assim a sua cidade desejada não era para analfabetos, esses teriam que esperar até se
alfabetizarem e entenderem, ou seja, aceitassem os princípios democráticos, aí poderia ser um
igual, considerado um “iluminado”.
O seu liberalismo não era de igualdade incondicional. Na cidade que almejava o
direito político maior, que era de escolher o seu representante, não era digno de todos, só dos
“esclarecidos”. Sob o preceito da razão e da saberia, excluíam-se os analfabetos, sob a ameaça
de ruírem os interesses democratas. Para compor o novo quadro de indivíduos, as pessoas
deveriam estar bem informadas, ter o conhecimento laico, aí sim teriam direito, na prática, à
igualdade de condições, seguindo as leis. Estas eram pensadas como contrato social, seja na
perspectiva de Locke, Tocquevile, Kant, à aceitação da subordinação de todos os indivíduos a
um poder, visto como tendo o indivíduo o dever de estar tão bem informado, ser tão virtuoso e
forte como qualquer um de seus concidadãos.
Obedecer ao governo não era por ser inferior aos que o conduziam, ou por ser menos
capaz do que qualquer outro de se governar a si próprio, mas por que reconhecia a utilidade
da associação com os outros homens e sabendo que tal associação não pode existir sem uma
força reguladora. Enquanto esse “esclarecimento”, essa “iluminação” não era implantado, não
chegava a todos157. As elites entravam em conflito em busca de poder ou manutenção do status
quo, como a disputa entre Pinheiro Machado, chefe do Partido Republicano Conservador, PRC,
e um grupo bastante representativo de militares representado liderado pelo Ministro da Guerra
Dantas Barreto158. Este, favorável à participação dessa cooperação na política, exercerá papel
bastante importante na configuração das lutas que se travarão nos Estados, entre oligarquia e
oposição, a partir de 1911.
156 A Eleição dos Prefeitos. In: A Lucta. Sobral, 21 de julho de 1920.
157 O que aconteceria com a criação de mais escolas laicas.
158 Dantas Barreto renunciou em maio de 1911, ao cargo de Ministro para apresentar-se como candidato das oposições ao governo de Pernambuco, concorrendo com o candidato do grupo Rosa e Silva. Sua vitória, garantida por
movimento popular armado e apoiado pelo Exército, encheu de esperanças as oposições no Ceará, que queriam
repetir o exemplo de Pernambuco.
55
tese definitiva- (com corte).ind55 55
12/4/2006 10:28:39
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
No Ceará a oposição foi representada pelo General Franco Rabelo159, sugestão do
próprio Dantas Barreto, como apresenta o boletim intitulado “Ecce Homo” que circulou naquele
ano e que teve uma grande repercussão, nas camadas médias e levou os líderes de oposição a
apoiarem o nome de um indivíduo sem ligação direta como a política local, visto estar afastado
do Ceará desde 1892. A candidatura de Franco Rabelo parecia interessar a vários grupos que
se opunham à oligarquia Acioli, pois significava o apoio dos militares adversários de Pinheiro
Machado, ao movimento anti-Acyoli.
À dissidência oligárquica dos Paula Pessoa, em especial, a vitória de tal candidato
traria grandes proveitos políticos e econômicos, devido à longa e estreita relação existente entre
o líder desta dissidência, Francisco de Paula Rodrigues160, e a família Clarindo de Queiroz. Para
João Brígido por sua vez, a eliminação de Acyoli por si já representava grande vantagem, pois
não se sentia favorecido em nada por este governo, nem mesmo quando era correligionário do
oligarca, sendo essa a razão de rompimento com seu compadre ainda em 1904.
A campanha, em prol da candidatura do liberal democrata Franco Rabelo, mobilizou
a população de Fortaleza em torno das eleições do Governado do Estado, como em nenhum
momento anterior. O primeiro comício da campanha das oposições foi realizado em 21 de
dezembro de 1911, no Passeio Público, ao lado do Quartel do Exército.161 Dentre esses grupos
havia a Liga Feminina, liderada por Odete Paula Pessoa, que organizou passeatas, de dezembro
de 1911 a janeiro de 1912, sendo reprimidas violentamente. O clima político tenso agravou-se
em Janeiro, quando a polícia aciolina interveio com cavalaria sobre a multidão, com cerca de
600 menores, morrendo crianças e ferindo mulheres.162 A partir de então, o enfrentamento entre
civis e militares só terminaria no dia 24, quando Acioli enfim se rendeu.
Ele foi eleito e teve que se articular ainda mais para se manter no poder. O grupo de
Acyoli tentou processo de cassação, mas não foi possível. Seguindo os trâmites da legalidade,
a oligarquia Acyoli pensou, organizou e executou uma sedição no interior do Estado, para
159 Era genro do General Clarindo de Queiroz, deposto do poder com o fim da efêmera ditadura de Deodoro da Fonseca.
160 Os Paula Pessoa foram um dos grupos clânicos mais importantes do Ceará, desde a independência até os últimos dias da Primeira República. Esse grupo familiar se originou a partir do sargento-mor João Pinto de Mesquita,
grande proprietário de terras e gado na região do Acaraú. O sobrenome dessa clã sofre duas modificações: primeiro
pelo casamento de Antonia Geracina Isabel de Mesquita, neta do sargento mor e única herdeira, com o cel. Vicente
Alves da Fonseca e novamente a partir do casamento da filha única, desse casal, com Francisco de Paula Pessoa.
A partir daí, a denominação desse grupo político-familiar que chefia o partido liberal no Ceará passa a ser “Paula
Pessoa”. A ausência de varão e de vocação política do senador Vicente Alves de Paula, fez com que Francisco
de Paula Pessoa dividisse a liderança do partido Liberal entre o primo de sua mulher, senador Tomás Pompeu de
Souza Brasil (futuro sogro de Nogueira Acyoli) e seu genro Conselheiro Antonio Joaquim Rodrigues Junior. As
desavenças entre os Paula Pessoa e Acyoli já se verificava no início da República, pela imprensa.
161 Praça escolhida como forma de garantir a não repressão ao ato por parte da policia aciolina. O comandante
das tropas sediadas em Fortaleza, Capitão Jacinto Torres Junior mostrava-se simpático ao movimento e não seria
tático para Acyoli intervir, o que poderia indispô-lo com o Exercito. E não se optou pela Praça do Ferreira, que era
o espaço das manifestações políticas.
162 PONTES, Sebastião. Fortaleza Belle Époque, reformas urbanas e controle social (1860-1930). Fortaleza:
EdUfc, 1993.
56
tese definitiva- (com corte).ind56 56
12/4/2006 10:28:39
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
legitimar a intervenção federal e a deposição do Governador.
As teias políticas se formaram e, dessa forma, o lugar propício para tal projeto foi
o Juazeiro, reduto do poder centralizador de Padre Cícero, um Aciolino fervoroso, e refúgio
de jagunços, por isso mesmo um dos principais alvos da campanha antibantidismo de Franco
Rabelo. Padre Cícero, chefe desse reduto, não tinha eco no governo do Democrata, era
antiliberal, então de imediato dispôs o seu exército para tomar e poder formar um governo
paralelo, desestabilizando o Governo legal, justificando assim uma intervenção federal. Esse
grupo, tendo o retorno da aliança Brígido e Acyoli, ganhou mais força. A conjuntura nacional
parecia favorecer os insurgentes. Havia interesse de Pinheiro Machado e Hermes da Fonseca
em derrotar o governo Franco Rabelo, em parte por este compor com a coligação de Estados163,
que reivindicavam um meio mais democrático na escolha do futuro Presidente da República.
A questão é que nessa Coligação, após o lançamento da candidatura Wenceslau Braz,
os Estados de São Paulo e Minas se retiraram do grupo, deixando os outros Estados mais
vulneráveis, à mercê das punições federais. No caso do Ceará, a represália foi em forma de
apoio do Governo Federal à sedição do Juazeiro, que iniciou em 09 de dezembro de 1913,
baseado na Constituição de 1891, no art. 6, $ 1º:
Cabe, privativamente, ao Congresso Nacional decretar a intervenção nos
Estados para assegurar o respeito aos princípios constitucionais da União(n.
II); para decicir da legitimidade de poderes em caso de duplicata (n.III) 164, e
para reorganizar as finanças do Estado insolvente(n.IV).
Assim, com base na legalidade, o Presidente estadual Franco Rabelo foi deposto.
Os deputados, inclusive os “rabelistas”, ao negociaram benécies, legitimaram, a partir de seu
apoio e solicitação da intervenção sobre o governo legalista no Ceará, e ao longo do período
que se dá o movimento sedioso. A Associação Comercial do Ceará telegrafou para inúmeras
associações, órgãos de imprensa e autoridades constituídas, tentando mostrar os riscos que a
ordem do Estado corria em vista das ameaças do exército do Padre Cícero. Mas esse movimento
foi apoiado pelo governo federal, que já havia intervido no Estado de Pernambuco, que segundo
Hermes da Fonseca Filho:
O caso do Ceará é mais empolgante que os outros. Há nele, maior heroicidade,
mais desenvoltura moral... ao contrário dos outros casos, quase se pode abstrair
o motivo da luta e entrar na ação.
O Padre Cícero, famigerado caudilho sertanejo de incontestável força, tendo
arrastado pelas terras ressequidas seus homens, vinha bater às portas da
163 Essa coligação exigia a formação de uma convenção nacional, com poderes de indicar o próximo chefe da
Nação. Esta posição de iniciativa de Dantas Barreto e apoiado pelos Estados de São Paulo, Minas, Rio, Bahia,
Alagoas e Ceará, era contrária à praxe eleitoral, que era a da escolha ser feita pelo Partido Republicano. Tal atitude
de Rabelo foi decisiva em seu relacionamento com o Governo Federal. Pinheiro Machado, pretendente ao cargo
de Presidente, não poderia perdoar essa oposição, por ter contribuído para a obstrução de tal pretensão. Nesse rol
estava Franco Rabelo.
164 O n. III afirma que a intervenção pode ser feita “para pôr fim à guerra civil”
57
tese definitiva- (com corte).ind57 57
12/4/2006 10:28:39
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
Capital, onde os habitantes e parte das tropas se identificaram com o Presidente
armado”.165
Nesse discurso a quebra da oligarquia aciolina deflagrou um apaixonamento invulgar,
levando os sertões à chama crepitante do partidarismo exaltado. E ambos os lados, aciolino e rabelista,
estavam dispostos a ter o poder. A repercussão desse movimento teve diferentes interpretações pelos
grupos que compunham a imprensa nacional. Como a forma caricata que foi publicado em A
Lanterna166 o poder do Padre Cícero, e como o padre vai a luta pelo seu poder temporal.
O Padre Cícero era um representante do catolicismo tradicional, de fortes raízes
populares, e de prática patrimonialista.167 Pertencia à Igreja Católica, isto é, antes do “milagre” da
hóstia, e numa visão unitária do catolicismo, proferido pelos laicos, foi visto como representando
da Igreja Católica168. O pensamento ultramontano da época, porém, o condenou. Ele foi expulso
da instituição por representar uma prática do catolicismo popular, que não era o exemplo de
catolicismo que se queria imprimir. Mas mesmo assim continuou usando a nomenclatura e
atendendo “espiritualmente” aos seus sertanejos.169 Com preceitos coronelísticos, patrimoniais
ele aglutinou e representou o pensamento hierarquizado no Estado.
Esse quadro de conflito pelo poder do Estado foi estendido a todo território. Em Sobral
essa experiência polarizou os interesses de disputa de mentalidade, projetos urbanos e poder.
Nesse sentido, Deolindo Barreto era partidário de Franco Rabelo, e, por seu discurso, indicava
ser o único a representar esses anseios.170 Esses conflitos políticos, de idéias, eram noticiados
pela imprensa, que imbuída do discurso de imparcialidade representava grupos políticos. Atos
violentos contra jornais são sugestivos desse momento.
A divulgação pela A Lucta de que a Folha do Povo”, de Fortaleza, teve sua publicação
suspensa, demonstrava esse momento de disputas de interesse. Esse ato foi devido “a ameaça
dos esbirros do Interventor Federal que ficou furioso por causa das misérias do seu nefando
governo. E não querendo ver-se humilhado, penaliza com a suspensão do jornal.” 171 Humilhação
cotidiana que os opositores sentiam ao ver suas atitudes criticadas e expostas, como a denúncia
165 FONSECAFILHO, Hermes da. Pinheiro Machado, uma individualidade e uma época. Rio de Janeiro: Pongetti, s/d.
166 Jornal anticlerical, de Edgar Leuenroth, de idéias anarquista.
167 Ver: Lima, Marcelo Camurça. Op. Cit. Em que o autor rediscute historiograficamente que a política de Padre
Cícero não é coronelística, ele mantém o vínculo religioso, e apresenta como prática patrimonialista.
168 É importante ressaltar que os grupos não são monolíticos, são compostos de divergências. Mesmo num tempo
de grande força da ala ultramontana, outras formas de religiosidade se confrontaram, e as camada populares não
se constituíam num receptáculo passivo. Representando um catolicismo popular, milagreiro e de grande aceitação
popular, foi apoiado também pela população.
169 Transformando inclusive a cidade do Juazeiro, num dos maiores pólos católicos do Ceará. Atualmente a romaria, em busca de seus milagres e agradecimentos, movimenta a vida social, cultural e econômica da cidade. Sendo
hoje a segunda cidade do Ceará. E Sobral, o símbolo da cidade romanizada, é a terceira.
170 Em diferentes anos em A Lucta a representação do Governo exemplar foi o período em que Franco Rabelo esteve no
poder, ou então para representar o despotismo dos “marretas”, entre outros: A Lucta, 15 de maio de 1915; A Lucta, 03 de
setembro de 1916; ALucta, 21 de março de 1917; ALucta, 14 de agosto de 1918; ALucta, 10 de outubro de 1919; ALucta,
01 de maio de 1920.
171 A Lucta. Sobral, 16 de junho de 1914.
58
tese definitiva- (com corte).ind58 58
12/4/2006 10:28:39
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
de apadrinhamento do interventor federal ao criar uma segunda delegacia de polícia na capital,
com “ordenado mensal de 380$000 para colocar um apaziguado seu, o bacharel Alípio Balthar,
que foi juiz substituto de Cascavel e não reconduzido pelo governo honesto do coronel Franco
Rabelo”172. Esse ato do Presidente do Estado Setembrino foi apresentado com espanto, pois,
segundo as leis, só o poder legislativo tinha competência para criar lugares desta natureza.
Os conflitos e a violência gerados por esses grupos não ocorria apenas na esfera
partidária ou nos pleitos eleitorais. No cotidiano, os “simpatizantes” eram alvos da força física
como controle das divergências, e algumas destas eram destacadas, saíam do seu anonimato,
demonstrando uma cidade violenta nas páginas impressas.
Assim foi noticiado o:
degradante fato do o empregado federal sr. Alfredo Bezerra e sua esposa,
terem sido agredidos à porta de sua residência, pelo indivíduo João “ Fundo
de Coiro”, capanga do governo, olhando-os com insistência e muita attenção,
chegando a parar em frente ao referido casal. Ante áquella attitude que parecia
uma provocação, madame Bezerra perguntou o que desejava, tendo como
resposta um palavreado grosseiro e indecente. O sr. Bezerra perdendo a calma,
tentou repellir o atrevido capadocio, paredro dos dominadores atuais que o
espancou fortemente o sr. Bezerra e sua senhora, que teve profundo ferimento
na região frontal. Na ocasião da agressão, passava no local o sr. Arlindo
Gondim que prendendo o criminoso, entregou-o a uma guarda civil, que logo
adeante soltou o individuo referido por ser um dedicado corregilionario dos
actuaes detentores do poder. O sr. Bezerra e sua esposa, após a agressão, foram
formular sua queixa á policia, mas que não apurou até o final o caso.
A não apuração da queixa era um fato recorrente. Havia o aparato estatal de controle
de violência, mas este, dependendo do grupo político que indicasse os delegados, seguia as
orientações do seu superior, que neste momento não era o povo, mas o “seu” político. Era
um tempo da apropriação privada da lei, o que se tornava incompatível com o Estado de
direito. E isso era criticado, pois uma legalidade, presidindo uma ordem que abolia os direitos,
institucionalizava a violência e instauraria uma sociabilidade terrorista de vítimas e algozes,
açulados pelos meios de comunicação.
A força moral, o princípio e o apelo de não violência do discurso liberal provoca
ações de violência física da elite autoritária, quando era exposta pela imprensa com as denúncias
de corrupção, falta de decoro, fisiologismo. Ao identificar seus inimigos, o jornalista mostrava
como iria proceder, buscando, nesse sentido, esclarecer seu leitor de seus posicionamentos e
ensinando o seu raciocínio e a política que acreditava. Assim, publicava o que poderia ou não
tolerar, denunciando que o Presidente do Estado Benjamim Barroso, quando era candidato e
que durante a sua campanha, havia acreditado que tinha bom projeto:
Mas, oh triste desengano! Cruel decepção! Não se precisa de forte dose
172 A Lucta. Sobral, 30 de agosto de 1914.
59
tese definitiva- (com corte).ind59 59
12/4/2006 10:28:40
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
de pessimismo para, através dos gabos molosos dos cronistas que bebem
inspiração nos cofres estaduais, se provar que o Sr. Barroso não fez e nem fará
jamais nada do que prometeu.173
E continuava pregando com ironia os pontos que não admirava que na verdade
discordava, mas que teria tolerância como: a negação do presidente do Estado às garantias
pedidas pelos redatores de “O Dia”, que eram ameaçados de morte por escrever na imprensa
contra o seu governo; por não ter tomado as providências exigidas pelo Dr. Correia Lima quando
teve o lar ameaçado e cerrado pela policia estadual, por ser um homem combativo e portador de
um salvo conduto do mais alto tribunal do país, e que, trabalhando, como estava, dentro da lei,
podia francamente conseguir o restabelecimento da legalidade e do direito dentro do Estado,
mas que não convinha nem a governador nem ao seu partido que premiasse os seus
capitães de morte que espalharam por todo o interior do Estado, o vexame,
o arroxo, a perseguição e toda a sorte de violências, porque os verdadeiros
cearenses também tem seu fanatismo e a não ser insinerando as leis que
estabelecem as garantias individuais, jamais conseguiria s. exc. Faze-los deixar
de reclamar contra a arbitrariedade e o dispotismo que o alçapremou á mais
alta curul do Estado; toleramos que s. exc. desse a feição, que deu a revolta
da 2 companhia, porque seria o único meio de manietar, como manietou ao
tenente Correia Lima e de exercer vingança em outros cidadãos dignos, que se
de algum crime podem ser acusado, é simplesmente previsto na intervenção,
que no Ceará anulou a Constituição da República e revogou o Código Penal
e outras leis.174
Na continuidade apresenta o que critica e não tolerava, nem iria consentir sem protesto,
visto que calar era aprovar os desmandos:
que sancionasse uma lei que iria extorquir “gotas de sangue do generoso povo
cearense, para inecutá-las nas veias anêmicas de meia dúzia de aventureiros
que cavaram a ruína por muitos anos, do nosso misero Estado. Não toleramos,
porque para este ato degradante não encontramos uma justificativa e s. exc.
Jamais encontrara perdão. O que é da política de paz e moralidade que disse
s. exc. vir fazer no Ceará?175
Num protesto e na busca de justiça informava que isso seria uma proteção irrisória ao
filhotismo, pois:
Ele começou anistiando marinheiros revoltados, continuou amordaçando a
imprensa com oito meses de estado de sitio para não denunciar seus crimes
e saiu do poder nos braços da escoria política, social e humana. E alertava
que os seus erros estavam na memória de quantos quisessem enxergar as
bandalheiras da prata, da ilha Francisca e outras; estando “os seus crimes
marcados com letras de sangue na Bahia, no Ceará, Pará e Manaus e a sua
173 Cruel desengano. In: A Lucta, Sobral 03 de setembro de 1914.
174 Idem.
175 15 de novembro. In: A Lucta, Sobral 19 de novembro de 1914.
60
tese definitiva- (com corte).ind60 60
12/4/2006 10:28:40
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
incompetência esta na crise de que se queixa, crise aumentada pelas medidas
nutante que adotou.” 176
A politicagem era considerada o mal pior da época, degenerando homens e costumes,
matando sentimentos altruísticos, para dar assento no banquete das imoralidades. E que os
discursos de “matar” e “esfolar” o adversário não deveria amedrontar ninguém. Pois “um povo
não regride, e o despotismo não pode voltar ao mesmo ponto de onde foi escorraçado pelo
patriotismo.”177
Para minimizar os conflitos acreditava que as leis deveriam ser seguidas, era o seu
campo de segurança. Dessa forma, a polícia seria a instituição responsável pela segurança
pública e manutenção da ordem. E qual não é sua tristeza em registrar que era fruto do poderio
do grupo no poder e denunciava:
[...] é sabido que á policia, em cumprimento do seu encargo e em obediência
da lei, cabe averiguar os crimes, apurar as responsabilidades, procura e prender
os criminosos: mas é sabido também que esta mesma lei estabelece os meios a
serem empregados para isso, sem coação, humilhação nem prejuízo de quem
quer que seja, o que se devia obedecer.178
Com a análise de sua postura, Deolindo Barreto se considerava um guardião da lei e
fiel representante da opinião pública, por isso protestava os excessos do poder contra os limites
da lei, e apelava para as autoridades federais, a quem caberia zelar e fiscalizar a distribuição
da Justiça, a fim de que cessassem as perseguições mencionadas, com um representante do
público.
Pelo caminho da justiça e da honra, nos preceitos liberais, haveria o controle de
tanta violência. Nem só de críticas eram preenchidas as colunas desse jornal. Havia alguns
comportamentos exemplares, para alimentar o seu pensamento e a esperança numa vida melhor,
como o elogio à atitude do Dr. Borges Medeiros179, presidente vitalício do Rio Grande do Sul,
ao endereçar um telegrama crítico ao Dr. Epitácio Pessoa, sobre um desacordo de avaliação
sobre o valor dos bens de uma companhia.
Admirando e apoiando tal atitude, o elogio a um se efetivou em crítica a outro, os
corruptos no Estado do Ceará. Mas chegava a apresentar momentos de otimismo no poder
público como a nomeação do democrata Cel. Henrique Rodrigues de Albuquerque, que,
segundo ele, tinha um “caráter inquebrantável muito independente, e que residiu alguns tempos
176 15 de novembro. In: A Lucta, Sobral 19 de novembro de 1914.
177 A Lucta, Sobral, 28 de maio de 1924.
178 O Assassinato de João Madeira.In: A Lucta, Sobral, 18 de junho de 1919.
179 O Superhomem. In: A Lucta, 25 de agosto de 1920. Em que o Presidente do Estado questiona a honrabilidade
de um juiz num na avaliação de um processo, questionando sua honestidade.
61
tese definitiva- (com corte).ind61 61
12/4/2006 10:28:40
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
na capital do Paiz, justamente na remodelação daquele colosso.”180
180 O Novo Prefeito. In: A Lucta, 18 de agosto de 1920. Prefeito que substituiu José Jácome, “deposto” pelas
pressões de A Lucta. E no fim da publicação do discurso do Prefeito há a notícia de que a redação do jornal recebeu muitos parabéns pela indicação do novo prefeito. E mesmo assim até seu último número se apresentava a
partidário e independente.
62
tese definitiva- (com corte).ind62 62
12/4/2006 10:28:40
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
3 – Experiência liberal no Sertão:
Sobral em papel e tinta
3.1 Periódicos e papel político numa experiência republicana
Nenhum grão de areia lançado no mundo inorgânico se perde totalmente;
poderá ficar inerte um, dois, mil anos, mas um dia entrará em combinações. Do
mesmo modo, nenhuma idéia lançada no mundo social, nenhum sentimento
que se espalha pela terra, se perde totalmente. Imortal como o grão de areia,
não se consegue aniquilar a idéia.
Oct. Brandão (Revista Liberal, 1921)
As causas fundamentais da imprensa181 eram generalizações da instrução, democratização
da vida política, urbanização crescente, desenvolvimento dos transportes e dos meios de comunicação
e, como conseqüência direta, ampliação do campo de informação dos jornais e da curiosidade de
seus leitores, mas também redução do preço de venda, tanto direto, pelo alinhamento com o das
folhas populares, quanto indireto, pela lenta elevação do nível da vida médio das massas.
Um dos efeitos da revolução industrial e técnica da imprensa, na segunda metade do
século XIX, foi, por um lado, a crescente diferenciação dos tipos de diários, como jornais
populares e jornais de qualidade , jornais vendidos por unidade, jornais especializados em
esportes, finanças, vida literária, e, por outro, o considerável desenvolvimento da imprensa
periódica, dos diversos magazines às revistas de doutrina, passando pelas folhas especializadas
dos jornais femininos às folhas infantis.
A democratização da imprensa e o aumento do número de páginas transformaram
o estilo e o conteúdo dos jornais. Tanto as notícias importantes quanto os pequenos fatos
do dia passaram a ocupar um lugar considerável nos jornais e o jornalismo de reportagem
181 O desempenho técnico da imprensa no início da década de 20 não foi marcado por reviravoltas fundamentais,
mas por aperfeiçoamentos contínuos que aumentaram o rendimento das máquinas tipográficas e baixaram o preço
das matérias-primas e os custos de produção. As rotativas adquiriram dimensões consideráveis e puderam produzir
jornais com paginação abundante, a um ritmo acelerado. Em 1914, as rotativas modernas asseguravam, em várias
saídas, a impressão de cerca de 50 mil exemplares de jornais de 24 páginas por hora. A composição, entretanto,
sofreu uma verdadeira revolução graças à essa descoberta das compositoras mecânicas: surgiram numerosos modelos em meados do século XIX, mas foi a linotipo – criada em Baltimore por Ottman Mergenthaler em 1884 – que
se impôs, apesar das resistências, na Europa, dos tipógrafos e fundidores de caracteres.
63
tese definitiva- (com corte).ind63 63
12/4/2006 10:28:41
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
substituiu o jornalismo de crônica. O gosto do grande público e as pressões da concorrência
entre os títulos levaram à exploração do sensacionalismo através de campanhas de imprensa,
cujos pretextos se encontravam quase sempre na política: com freqüência essa campanhas
tiveram uma influência considerável sobre a vida política das nações democráticas e, às
vezes, desviaram reivindicações da opinião para problemas secundários em detrimento das
reformas de estruturas, cuja complexidade do caráter abstrato se prestava menos à exploração
jornalística.
A problematização em torno dos processos sociais de constituição das fontes e
linguagens requer explicitar as diferentes formas de trabalhar com a
imprensa. Assim aqui será dada uma atenção às disputas e lutas que
marcam a produção social e política da memória, considerando a
imprensa um dos lugares privilegiados para a construção de sentidos
para o presente e uma das práticas de memorização do acontecer
social.
Em que condições um país colonizado teve condições
de produzir as suas noticias? No momento, essa reflexão possibilita
compreender como e por que a imprensa será vista no sertão
republicano como uma arma de luta. A intenção não é uma
história da imprensa, mas compreender as premissas de lutae de
divulgação do poder por um instrumento da cultura letrada,
num país de maioria analfabeta. Assim, é possível perceber que a
atividade da imprensa iniciou oficialmente no Brasil nas primeiras
décadas do século XIX, com a vinda da corte, em 1808, e a liberação
para a instalação das tipografias, pois não era “direito” da colônia
produzir, até então, suas notícias, fazer circular informação. 182 Agora havia a nobreza, o
poder real que queria viver tendo as premissas do seu mundo “civilizado”. E, dessa forma,
os desejos pulsantes de oposição foram construindo o espaço da imprensa no território.
A historiografia brasileira tem ampliado a imprensa como documento e tema da
compreensão do passado imperial, com suas resistências, rebeliões e influência da difusão das
idéias pela imprensa, principalmente a propagação dos diferentes ideários liberais.183
182 Apesar da tentativa da primeira tipografia ainda no século XVIII, em Pernambuco. Mas a proibição era política, além de corresponder ao mecanismo elitista do catolicismo ibérico. No Ceará o primeiro jornal data de 1 de
abril de 1824, o “Diário do Governo da Província do Ceará”. Em Sobral o primeiro jornal data de 07 de setembro
de 1864, O Tibiriçá. Em 14 de julho de 1925 foi criada agremiação dos jornais. In: NOBRE, Geraldo. História da
ACI. Fortaleza: s/e, 1976.
183 Ver: LUSTOSA, Isabel. Insultos impressos, a guerra dos jornalistas na independência 1821-1823. são Paulo:
Companhia das Letras, 2000.Discute o papel da imprensa no império brasileiro. Numa época de grande impacto,
e talvez, de maior liberalização política e falta de regras mais consistentes, os jornais produziam, assim como
reproduziam, eventos; às vezes, os criamos, as vezes, faziam acontecer. O próprio momento era propício, sem lei,
sem rei, o país vivia à iminência de se tornar um Estado, e a imprensa cumpria um papel primordial. No Brasil da
64
tese definitiva- (com corte).ind64 64
12/4/2006 10:28:41
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
Esse caráter de espaço de exposição de idéias, formador de opinião e veículo
transformador da sociedade, será ainda mais incentivado na disputa republicana pelo poder. E
será na República que a atividade da imprensa terá um impulso considerável de novos jornais e
revistas e a reestruturação da atividade editorial.184
Era um tempo em que os jornais constituíam um canal de comunicação com outras
esferas da sociedade e com o poder público, assim como espaço para a construção de identidades.
O crescimento e a difusão dos jornais diários e de outros materiais impressos era uma das
dimensões das transformações da vida urbana. Em meio às mudanças políticas e econômicas,
o viver urbano redefinia-se criando novas formas de ocupação do espaço, impulsionado pelo
desenvolvimento da cultura impressa. Uma grande diversidade de jornais, periódicos e revista
passa a fazer parte do cotidiano dos brasileiros de então.185 No início do século XX esses
jornais constituíam os meios de comunicação privilegiados, buscavam inúmeras formas de
penetrar e difundir em diferentes territórios culturais e políticos da cidade, assumindo o papel
de responsáveis pela formação de opinião pública, de veículos renovadores dos sentidos das
práticas de leitura e de espaços para a ampliação de leitores e consumidores. Nesse processo
alinham-se aos grupos da elite urbana e buscam ampliar seus circuitos de difusão e formação de
públicos leitores. Estabeleciam-se cumplicidades entre texto jornalístico e leitor.
Havia uma relação entre jornal, população e cidade. Produzir uma informação
supunha a transformação de dados que estavam no estado difuso do cotidiano, em unidades
homogêneas, numa perspectiva política dizer “o que ocorreu” obrigando selecionar certos
dados e ligá-los, entre si para formar um fio. Então, algo ocorreu. São notícias organizadas de
forma hierarquizada186, e que tentaram passar uma idéia coerente, apesar de, muitas vezes, ser
possível perceber contradições. No sistema de informação, era necessário sobrecarregar o “o
que você deve ver ou saber” de um “existe algo que você não saberá”. Indica que a informação
Independência, os ventos iluministas levam o homem de letras a deixar o papel de artista para assumir o de mentor
da sociedade. E a imprensa – proibida desde a chegada da corte – é eleita a arena por excelência para o debate sobre
os rumos da nação luso-brasileira. De um lado os liberais, pleiteando a permanência do príncipe regente e a convocação da Assembléia, de outro os monarquistas, defendendo o absolutismo.O uso das páginas dos jornais para
debater idéias, ideais e interesses, não raro enveredado pelo discurso acalorado, pela ofensa pessoal, pelo insulto,
pela difamação e até pelas vias de fato, num momento crucial da história brasileira; MARSON, Izabel. A rebelião
praieira. São Paulo: Brasiliense, 1981. (Tudo é História); CANO, Jefferson. Aticus e Beocius na república das
letras: aspectos da opinião pública no Rio de Janeiro. 1836-1837. In: Cadernos do Ael, literatura e imprensa no
século XIX. Campinas: EdUnicamp, V.9. N.16/17, 2002; BONODIO, Geraldo. A agonia do projeto liberal, o
jornal Teburiçá e a revolução de 1842. Sorocaba: Fund. Ubaldino Amaral, 1992; RABELEO, Genival. O capitalismo estrangeiro na imprensa brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966; JORGE, Fernando. Cala boca
jornalista, ódio e fúria dos mandões contra a imprensa brasileira. Petrópolis: Vozes, 1989;
184 Ver sobre a imprensa e sua modernização a partir de 1870: PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. O
carnaval das letras. Literatura e folia no Rio de Janeiro do século XX. Campinas: EdUnicamp, 2004; EL FAR,
Alessandra. Páginas de sensação. Romances para o povo, pornografia e mercado editorial no Rio de Janeiro de
1870 a 1924. São Paulo, USP, Tese de Doutorado em Antropologia, 2002.
185 Ver: CRUZ, Heloisa Faria. São Paulo em papel e tinta, cultura letrada, periodismo e vida urbana. São
Paulo: Educ, 2000.
186 As disposições das colunas, as notícias de primeira página, de título destacado, ou não. Isso configura o que se
quer imprimir ao leitor, pela visualização já noticia o leitor, já seria “chamado” a pensar o que era importante saber.
65
tese definitiva- (com corte).ind65 65
12/4/2006 10:28:41
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
engendra o desconhecido ao mesmo movimento pelo qual informa. Não há e nem pode haver
um todo informativo.
No discurso liberal democrata os problemas coletivos contribuíram para a formação
da opinião pública. Nessa perspectiva a imprensa vai ter uma importância ainda maior para
formar uma nova mentalidade social. Já que o pôr em visibilidade não constituía apenas um
ser ou fazer, continha modalidades de poder e do dever, indicando um possível, um duplo
sentido da capacidade e da autorização. A informação era o que era possível e o que era legítimo
mostrar, mas também o que se devia saber, o que estava marcado para ser percebido.
Dessa forma diferentes grupos sociais se arvoraram em ser os “porta vozes” da
verdade, da possibilidade de tempos melhores, a partir do uso da imprensa. Principalmente
em tempo de crises, onde aumentava o número de novos periódicos, assim como se tornavam
temporário, pois havia a dificuldade de os manter. Dentre as diferentes experiências, destacamse esses movimentos no Ceará. Foi no quadro da industrialização incipiente que caracterizava o
Ceará do século XIX, com a predominância do setor têxtil, que surgiram as tipografias. E com
elas os jornais das facções partidárias começam a circular no Ceará provincial. Além desses
jornais, editaram-se folhetos, opúsculos, folhetins, panfletos, relatórios, livros, revistas, as
folhas literárias dos jovens intelectuais, das facções oposicionistas.187
Aparece também a palavra impressa representando as artes, os ofícios, os caixeiros, a
primeira experiência de formação de um partido operário, as primeiras greves, os abolicionistas,
os republicanos, os socialistas, os anarquistas. A imprensa se transformava em instrumento de
luta e poder, que, em 1911, “Associação de imprensa dos Estados Unidos do Brasil” criou a
“carteira jornalística”. Associação de classe ocorreu no Pará e influenciou jornalistas de retorno
ao Ceará.188 . O desenvolvimentos da atividade jornalística no Ceará está inserido no contexto
da produção e circulação das idéias que começam a agitar a sociedade brasileira nas três últimas
décadas do século XIX.
Os jornais nesse momento pareciam partidos políticos, fundamentada na tradição
liberal em que a opinião caracteriza-se pelas duas instituições: partido e imprensa. Embora
pareçam como partidos os jornais tem especificidades são empresas e um público de leitores é
muito mais um público consumidor que adepto de uma causa política.189
O poder da imprensa na história do Brasil era quase monopolista. Ela participou
ativamente de movimentos políticos. Os grandes jornais brasileiros se caracterizavam pela
187 Representativo dessa historiografia são os trabalhos: GONÇALVES, Adelaide. Ceará socialista, anno 1919
edição fac-similar. Fortaleza: EdUfc, 2001; GONÇALVES, Adelaide e SILVA, Jorge E.(org). A imprensa libertária do Ceará(1908-1922). São Paulo: Imaginário, 2000.
188 GIRAO, Raimundo. Historia da imprensa do Ceará. Fortaleza: s/d, 1978.
189 Ver: CAPETALATO, M. Helena. Imprensa, uma mercadoria política. In: História e Perspectiva. Poder
local e representações coletivas. Uberlândia: EdUfu, n. 4, Jan/jun de 1991. p. 131
66
tese definitiva- (com corte).ind66 66
12/4/2006 10:28:41
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
veiculação de opiniões e informações e também pelas articulações conspiratórias. Os donos de
jornais tinham consciência de sua força política.190
A imprensa era apresentada ao público leitor como expressão dos altos valores eternos
e universais e consequentemente como impessoal, impessoal e a partidária, a política. Envolta
nessa couraça, os donos de jornais se lançavam, com suas poderosas armas, na luta política,
anunciando-se como defensores da verdade, ideal supremo das luzes.191
No Brasil da década de vinte, jornais como O Estado de São Paulo posicionaram-se
contra o governo, procurando “recuperar” a república como o espaço da visibilidade, publicidade,
transparência. Lembrando que num regime republicano o governo tem que ter os olhos voltados
para o povo, os jornalistas acusavam os governantes de que haviam se transformado em tiranos
cegos e, portanto, incapazes de ver o que acontecia na sociedade.
Dessa forma, se o governo perdera a capacidade do olhar, a imprensa a mantinha.
Nesse contexto, os jornalistas se atribuíam um poder, ao lado do povo e da verdade, colocandose aparentemente fora do poder político. Os representantes da imprensa a definiam como
expressão ou interprete da opinião, o que pressupunha um olhar crítico frente aos governantes
cegos.
Nesse sentido, os interpretes da opinião pública, no ideário liberal, atribuíam-se a
missão de exigir do governo a transparência de seus atos para possibilitar o debate público
sobre as suas realizações. Cabia à imprensa coibir e denunciar os abusos do poder. Quando o
executivo não correspondia a sua posição política era acusado de despótico, tirânico, ditatorial,
apego às vantagens materiais do cargo e o legislativo não mereceu melhor tratamento. Nesta
situação esses poderes eram lembrados de que haviam as pessoas a olhá-los.
Assim a imprensa, expressão desses pares de olhos, condenava o poder constituído
numa espécie de sociedade familiar para a exploração de uma geração que se ia transferindo
de geração em geração, entre os grupos oligárquicos que se apossavam dos governos. A
desqualificação dos dois poderes permitia que os representantes da imprensa reservassem para
si a tarefa de reabilitação da República. Nessa perspectiva a imprensa seria o tribunal capaz de
chamar a contas os governos que abusavam.192
A imprensa participava ativamente ao lado das agremiações literárias. Muitos jornais
eram temporários pela falta de recurso, os de agremiações tendiam a durar mais. Os primeiros
190 Segundo Assis Chateaubriand a imprensa existia para conduzir a política e não para dela participar, era a
mestra dos partidos.
191 Para Rui Barbosa mais importante que a informação verdadeira era a verdade como ideal político. Defendendo
assim a imprensa como vista da nação, para se ver a verdade. A metáfora do olhar, presente nas definições sobre
imprensa, neste caso de relaciona com o conceito de publicidade que se configura no interior da doutrina liberal a
partir do século XVIII.
192 ALMINO, João. O segredo e a informação, ética e política no espaço público. São Paulo: Brasiliense, 1986.
67
tese definitiva- (com corte).ind67 67
12/4/2006 10:28:42
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
anos do século XX, em Fortaleza, moravam pouco mais de quarenta e oito mil habitantes. 193
Havia uma cultura letrada travando duelos por escrito. Além da efervescência liberal contra os
“conservadores”, havia outras manifestações de oposição, como o irrequieto Moacir Caminha,
lendo Marx, Proudhon, Bakunin, Lassalle, Gorky. Autores socialistas e anarquistas eram lidos
e circulavam entre esses homens inquietos. Eram leituras com idéias messiânicas de um mundo
sem iniqüidades, sem opressões, sem despotismo, com vozes de rebeliões investindo contra
Deus e contra Estado. Um quadro onde se observava uma certa indiferenciação ideológica entre
positivistas, livre-pensadores, libertários e humanistas, que a imprensa de tendência anarquista
aparecereu em Fortaleza e possibilitou que circulasse essas leituras pelo interior, como pode ser
observado o canal de leitura que aparece em A Lucta, com Gorki.
Esse autor foi texto base para as idéias d’O Regenerador, de 1910, sendo o primeiro
experimento de difusão de idéias audaciosas, de Moacir Caminha. Além dos textos de
Kropotkin, todo jornal estava impregnado do espírito do tempo: a indignação com a injustiça é
paralela ao desejo esperançoso de regeneração da sociedade que só podia brotar, segundo ele,
da revolução social. Kropotkine e Gorki são duas figuras emblemáticas dessa época, um sábio
e outro escritor, ambos revolucionários e russos. Seus escritos inspiram o novo vervo político
que O Regenarador iria introduzir no Ceará desse começo do século XX.
Os escritos de Kropotkine e Gorki são divulgados n’O Regenerador, ao lado de outros
textos também impregnados por esse espírito, onde a fé revolucionária e o anticlericalismo
marcam o discurso da indignação social. Do anarquista russo publica o jornal um extrato de um
dos livros mais famosos, A Gente Nova, um apelo vibrante ao engajamento da juventude na luta
social. De Maximo Gorki reproduz um texto La Révolution Sociale, onde o tema da mudança
radical do sistema social é apresentado. Talvez não seja por acaso que este jornal libertário
esteja marcado pelos pensadores. A Revolução Russa de 1905 e a agitação social nesse país
tinham chamado a atenção dos revolucionários do Ocidente.194
No Ceará do começo do século XX, parece pertencer a Moacir Caminha a condição de
primeiro socialista libertário, ou pelo menos o primeiro que, de forma aberta, expressou através
de sua militância essas idéias. O Regenerador não era porta voz de um partido ou de uma
associação operária, nem representava o ponto de vista de uma profissão, nasceu junto com a
formação do Clube Socialista Máximo Gorki. A própria idéia de formação de um clube socialista
indica que o ponto de partida de Caminha é a divulgação dos textos doutrinários, reunindo via
jornal e clube um público em torno do qual se dá a difusão do pensamento socialista. O seu
pensamento foi matizado por influências múltiplas: não prosseguiu na trilha social-democrata
aberta n’O Combate, Órgão do Partido Operário do Ceará, de 1891, e foi em busca de inspiração
na tradição da Revolução Francesa.
193 SOBRINHO, Tomaz Pompeu. História do Ceará. Fortaleza: Instituto do Ceará, 1995.
194 Ver: GONÇALVES, Adelaide. Op. Cit.
68
tese definitiva- (com corte).ind68 68
12/4/2006 10:28:42
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
A propósito da vaga revolucionária das primeiras décadas do século XIX, Djacir
Menezes encontra nelas ecos jacobinos:
Todo o Nordeste treme, Recife agita uma ideologia soprada dos quadrantes
europeus. Republicanos crioulos, jornaizinhos empenachados de grandes
palavras mágicas, cérebros alimentados de 89 e aturdidos por aragem jacobina
estonteados e líricos, tangidos em arroubos demagógicos, encarnam interesses
mais profundos entrajados nas roupagens doutrinarias importadas.195
O Regenerador era um eco do jacobinismo e o seu clube Socialista Maximo Gorki196
está evidentemente ancorado na memória dos clubs da Paris revolucionária.197 Interessante
notar o impacto da leitura de Gorki sobre a formação militante no Ceará, como a influência em
Octavio Brandão, fundador do jornal socialista:
Li, em 1917, o romance de M. Gorki, realista revolucionário, A Mãe, e lançou
imediatamente um apelo ao combate. Defender a paz, contra a guerra e o
militarismo. Solidarizar-se com os trabalhadores de Alagoas contra a adesão
do governo do Brasil à guerra imperialista.198
Pode-se perceber que a obra de Máximo Gorki foi espécie de leitura de iniciação
para os espíritos rebeldes também no Ceará, no movimento socialista e no democrata-liberal
em Sobral. Esse espírito de leitura foi o caminho de leitura que Deolindo Barreto fez questão de
expor para se defender de ignorância.199
Na imprensa social dessa época era comum título de evocacão à revolução, rebeldia,
solidariedade. A palavra a lucta, que aparece com alguma freqüência nos textos oposicionista,
sejam liberais, operários ou libertários, mas são significados deiferentes de luta e conquistas.
Essa nomenclatura não inspirou somente o título do jornal de Deolindo Barreto, compunha-se
no seu ideário, o seu primeiro enunciado que fornecia a imagem de espaço e de tempo. Assim
é possível perceber que o nome do jornal não era mais objeto de leitura, torna-se seu envelope,
dá-lhe identidade.200
Há um sentido pedagógico. Esses periódicos conclamavam a sociedade para a
conquista de seus direitos, ou seja, informar sobre os seus direitos e daí lutar. Nesse sentido,
a profusão de títulos bélicos de periódicos, querendo já demonstrar “a que veio”, é muito
195 MENEZES, Djacir. Síntese de história do ceará. In: Almanaque do Ceará. Fortaleza: Fortaleza, 1940, p. 70.
196 O clube M. Gorki teve vida efêmera, foi perseguido por Acyoli, mas influenciou novos movimentos Clube
libertário de Estudos Sociais, em Fortaleza, 1911.
197 Leitor atento encontrou-se com novo tipo de realismo, dos desprotegidos de fortuna em luta pela sobrevivência, o ocaso do mundo aristocrático contrastando com o vigor da gente humilde e a força dos trabalhadores.
Encontra em Gorki o escritor e protagonista das grandes viragens em curso na Rússia revolucionária, um certo
tom panfletário e apreende o “sentido da literatura como tribuna política”. Gorki foi fundador de jornais, criador
de escolas para emigrantes revolucionários.
198 Apud.: 1919. Golçalves, Adelaide. Ceará socialista, anno 1919. Fortaleza: EdUfc, 2001. p. 30.
199 Como nos receberam. In: A Lucta. Sobral, 08 de maio de 1914.
200 Idéia recorrente em: PORTO, Sergio Dayrell (org). O Jornal, da forma ao sentido. 2 ed. Brasília: EdUnb, 2002.
69
tese definitiva- (com corte).ind69 69
12/4/2006 10:28:42
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
recorrente. O título A Lucta, do jornal do protagonista deste trabalho, não foi uma idéia original,
era um nome muito recorrente em diferentes tempos e espaços do território nacional, como é
importante expor para compreender como diferentes grupos sociais e políticos se identificaram
com o título, representando um ideário de espaço a ser conquistado, de desejos não vividos.
A Lucta de Sobral evocava uma oposição
e não uma revolução, ou melhor, “A” oposição. Era uma
luta universalizante. Em prol da humanidade num
discurso de neutralidade social e de bem comum. Mas
esse título foi envelope para diversas idéias, desde o
Império201, inclusive. Alimentado por esse forte conteúdo
de esperança, de alcance de felicidade confia à potência
transformadoradohomemofimdeumsistemahierárquico
que semeava iniqüidades e visualizava o tempo do progresso como o
da conquista, da liberdade e da legalidade.
Matéria de capa de
A Lanterna, 10 de
janeiro de 1914.
Os antagonismos não se explicitam apenas no debate via imprensa, recheado de
agressões verbais. Sucedem-se episódios de brigas de rua, cenas de espancamento, métodos
de coação, mas que de alguma forma buscavam inferir nesse cotidiano. A concorrência levou
os jornais laicos a criarem novos gostos em seu público, patrocinando competições esportivas,
como as primeiras corridas ciclísticas e automobilísticas, assim como as primeiras proezas da
aviação foram estimuladas pelos jornais, inclusive pelo lançamento de concursos.
Essaproduçãodenotíciaserafeitanaredação, comseusrepórteres, colunistas, redatores,
fotógrafos, diagramadores, ou o seu próprio proprietário desenvolvia essa diversidade de papéis,
era um centro nervoso de pensamento e ação no qual se produzia a notícia. É um laboratório de
201 Há vários periódicos com esta nomenclatura como: A Lucta- 1903 a 1911- Político e noticioso, bi-semanal
teve como redator Dr. João Mamgabeira e Diretor Alexandre Cunha, de Ilhéus-BA; A LUTA SOCIAL. Revista de
Propaganda e Orientação às Classes Trabalhadoras. Fundada por Tércio de Miranda, (anarquista português) em
1913. Segunda Fase: Redator responsável: Manoel Ferreira da Silva. Ano 1, nº 1. Quinta-feira, 1º de Maio de 1924;
A LUCTA. Órgão Proletário de Combate ao Fascismo, à Reação e à Guerra. Responsável: Estevam Filho. Belém,
3º número, 11-11-1934, preço $200 reis. Não publicava anúncios. Tamanho 33X23. 6 páginas; A LUTA SOCIAL.
Órgão Operário Livre, Anarquista, Redator responsável, Tércio Miranda. Manaus. Ano 1, nº 6. Amazonas. 1º de
novembro de 1914. Tamanho 32X22. 6 páginas; A LUTA. “A Liberdade perene é uma conquista permanente”.
Anarquista, Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Ano 2, nº 55. 18 de fevereiro de 1911. Tamanho 46X30. 2 páginas; A
LUTA. Órgão da União Operária Internacional. Anarquista. Ano 12 (2ª fase), nº 3, Porto Alegre. 14 de Outubro de
1918. Rio Grande do Sul. “A Luta publica-se eventualmente e por contribuição voluntária, sendo a sua distribuição
gratuita”. Sede da União Operária Internacional, rua Tiradentes Tamanho 43X28.; A LUTA SOCIAL Revista de
Propaganda e Orientação às Classes Trabalhadoras. Anarco-sindicalista. Diretor responsável: Manuel Pereira da
Silva. Ano 1, nº 1 (2ª fase). Manaus. 1º de maio de 1924.Tamanho 32X24. 8 páginas; A LUTA OPERÁRIA. São
Paulo. 1902; A LUTA (3ª fase). Órgão do Grupo Anarquista Internacional. Diretor: Daniel Conde. Mensal. Venda
avulsa 100 reis. Porto Alegre. Rio Grande do Sul. 1929-1930. Colaboradores: J. Ribas, Frederico Kniestedt, Reinaldo Frederico Greier (médico e um dos mais antigos anarquistas do Sul), tamanho 46X30. 4 páginas; A Lucta.
Taubaté, 1906; A Lucta Proletária: órgão dos trabalhadores gráficos do Estado de São Paulo, 1903-1908; A Lucta
Social. Manaus, 1913. linha anarco-sindicalista; A Lucta Social : revista de propaganda e orientação as classes
trabalhadoras1924[s.n.].
70
tese definitiva- (com corte).ind70 70
12/4/2006 10:28:44
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
onde a informação sai devidamente elaborada para o conhecimento do público.202
Sobre o jornalismo, em 1920 foi apresentado em A Lucta a contradição sobre esse
fazer social, onde não se conseguia agradar a todos. Deolindo Barreto publicou uma reflexão de
um jornalista americano que afirmava que:
não havia coisa mais difícil do que dirigir um jornal, quando se tratava muito
de política, os assinantes despediam-se, por que estavam fartos de política,
e se prescindisse de política, despediam-se por que o jornal era insípido e
pesado, se publicasse muitas noticias, o publico desgostava-se por que por
que o que se diz são mentiras; se as imprime, era para encobrir a verdade ao
publico. Se fazia ditos e gazelhas alegres, diziam que pretendia ser espirituoso;
se não os fazia era por que o jornalista era um velho fóssil. Se publicasse
artigos originais, não valia a pena ocupar espaço com eles, havendo tanta
coisa boa para copiar. Se publicasse copias, diziam escrever a tesoura. Se
ataca uma coletividade ou individuo, chamavam-lhe grosseiro, parcial ou
venal. Se apoiasse o governo, dizia-se que queria subsidio; se o atacasse,
dizia-se que era traidor e inimigo da ordem publica; se escrevesse em sentido
liberal, qualificam-no de demagogo, se fosse conservador, seria retrogrado.
Se estivesse na redação era por que se tornara orgulhoso, se fosse ou visitasse
alguém era qualificado de intruso. Caso pagasse pontualmente as suas contas
estava enriquecendo a custa do publico, e se não pagasse era chamado de
trampolineiro. Enfim, era um continuo desenrolar de acusações e queixumes
que só a paciência jornalística podia imitigar.203
Esse caráter contraditório dos jornais já fomentava as disputas das idéias. Eis por que
foi instrumento de luta no sertão nordestino brasileiro. Era a maneira de expor as idéias, criticar
os grupos dominantes, propor novas condutas, ganhar adeptos e se tornar visível socialmente,
onde as personalidades competitivas e autoritárias iriam para os embates políticos.
O bissemanário A Lucta, com seu caráter político, informativo, expunha a vida privada
dos habitantes de Sobral, como a publicação da resposta de João Ebangelista ao protesto de
Dona Adelayde Zerafina que o acusou de invadir sua propriedade, e este usou o jornal para
esclarecer e encerrar o assunto, como se a publicação fosse a verdade, e como tal, inquestionável.
Escreveu: “estou distanciado da Lagoa do Coelho para mais de vinte braças, e muito satisfeito
por beneficiar e zelar a minha propriedade, não me envolvendo com terrenos de terceiros e
respeitando do direito de outrem.”204
Uma defesa que representa um cotidiano de conflito de práticas rurais, invasão de
terras, violência e mentalidade legalista, com a pregação do respeito ao direito do outro. Defesa
também feita por Francisco Gomes que responde publicamente ao seu ex-sogro sobre a acusação
202BAHIA, Juarex. Jornal, história e técnica. São Paulo: Bom Livro, 1990.
203 O Jornalismo. In: A Lucta, Sobral, 07 de agosto de 1920.
204 Attenção. In: A Lucta, 13 de outubro de 1915.
71
tese definitiva- (com corte).ind71 71
12/4/2006 10:28:45
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
de vender o terreno que morava.205 Era uma busca de demonstração de honra em público. Assim
como também fez o colaborador do jornal Paixão Filho que denunciou seu cunhado de invadir
sua casa e lhe ameaçar com uma faca. Ele, com princípios liberais e adepto da não violência,
humilha-o publicando seu caráter violento e expondo socialmente sua atitude errada de invadir
o que havia de mais sagrado que era o lar, a propriedade privada206.
A imprensa, como “verdade”, era a imagem dos conflitos. Nesse sentido, a imprensa
local crescia, entrava em atritos, mas também havia afinidades. Por exemplo, A Lucta coadunava
com o perfil de O Rebate, de Vicente Loyola207, tanto que Deolindo Barreto parabenizou o
seu décimo aniversário, pois a imprensa para ele era uma “necessidade imprescindível” para
conseguir afrontar os horrores do cataclismo da seca e outras idéias em punjante afloração.
Como também parabenizou O Arauto,208 um jornal quinzenal de Paixão Filho.
Uma imprensa interligada, onde o telégrafo era uma forma de união, de circulação de
idéias. O responsável pelo telégrafo de A Lucta em Fortaleza era o advogado Adolpho Arruda,
que o diretor fez questão de informar ao público, para homenageá-lo e ao mesmo tempo dar
credibilidade à notícia. Expor idéias. Eis a dificuldade do trabalho. A dificuldade de se fazer um
bom jornal, um:
Jornal a contento unânime do povo, e que se torne geralmente
lido,
205 Contra-Protesto. In: A Lucta, Sobral 08 de março de 1917.
206 Direito assegurado na Constituição e que norteava sua crença social.
207 Segundo ARAÚJO, Pe. Sadoc de. Ceará: homens e livros. Fortaleza: Grecel, 1981.p. 120: Foi um jornalista de destaque que ocupou bancos escolares o tempo mínimo necessário para reconhecer as letras do alfabeto e
identificar os algarismos, conseguiu por esforço de autodidata, aprendeu a criticar, que soube utilizar em sua pena
sempre pronta para defender os humildes e combater a injustiça. Menino ainda teve que abandonar o campo para
procurar em Sobral os meios de sua própria subsistência, empregando-se no comércio local na firma Espiridião
Sabóia de Albuquerque.Os ócios que lhe sobravam de suas obrigações de empregado eram ocupados na leitura de
livros e jornais que lhe chegavam à mão. Em seu espírito fogoso de jovem idealista, repercutiam dolorosamente
todas as noticias de que tinha conhecimento sobre as arbitrariedades de potentados, abusos de poder, impunidades
de crimes, privilégios de apadrinhados ou qualquer forma de violação aos direitos humanos. A intensidade de seus
sentimentos constantemente era tanta que já não se podia conter no âmbito interno e fechado de sua introspecção
esclarecida e necessitava extravasar como protesto de sua consciência. De inicio manifestava seu pensamento
apenas aos mais íntimos no contexto das conversas familiares, nem sempre sendo bem acolhido por aqueles que
passivamente compartilhavam dos atentados ao direito. Resolver entrar na liça do jornalismo combativo para que
sua voz e seu ideal fossem reconhecidos abertamente e pudessem ser uma arma eficiente na defesa dos oprimidos.
Para ele “a pena, um instrumento de aparência tão frágil, muitas vezes há conseguido derrocar tronos, dissolver dinastias, revolucionar povos inteiros e arremessá-los contra a tirania que os ameaçava, fazendo-a ruir no pó, esmagada ao peso do direito da força a que a força do direito se negara a servir de ponto de apoio. Foi com essa crença
que começou a trabalhar em “A Ordem” como simples noticiarista, passando depois a colaborar em “A Cidade”,
no “Itacolomy” e no “Correio de Sobral”. Funda em 20 de abril de 1907 e, com sua morte em 02 de novembro
de 1919, encerrava. Seus editoriais violentos e intransigentes causaram-lhe sérios desgostos pelas ameaças que
recebia daqueles que combatia. Afirmava “desilusões conto-as por minutos; decepções, registro-as por segundos,
mas nem aqueles conseguiram ainda me afastar uma linha da senda que me atraquei”. A certeza, que possuía, de
que estava cumprindo uma missão patriótica e um dever cívico intransferível era um consolo em sua árdua vida de
homem combativo. “de boa fé ninguém poderá negar esclarecida, de a minha modesta colaboração nesta grande
obra da regeneração do Ceará. Tinha pseudônimo Clovis para admirar belas artes.Rabelista convicto, lançou-se na
política partidária tendo sido eleito deputado em 1912.
208 Jornal de circulação na cidade de São Benedito, que fica 70 km de Sobral, na Serra da Ibiapaba, no norte do
Ceará. Ver: Pela imprensa. In: A Lucta, 02 de fevereiro de 1916.
72
tese definitiva- (com corte).ind72 72
12/4/2006 10:28:45
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
sympatizado. Ah! E como exigentes e incomprehensiveis sãos os leitores.
Ninguém se quer avalia o quanto custa fazer um jornal, por mais singelo
que seja e pequenino. Somente um profissional habilíssimo e vontadoso, de
enfibradura máscula e energia indomável, poderá imaginar.”209
E que tipo de leitor vai construindo? Ele apontou perfis dos leitores, classificados em
neurastênicos e neuróticos. O primeiro querendo um jornal
Ilustrado e elegante, de feição moderna e formato regular, bem escrito,
criterioso e independente, um verdadeiro trabalho de arte e que se pusesse
perante a opinião publica, caso contrario seria detestável e mal feito.210
Os leitores neuróticos queriam:
Um jornal com assuntos da atualidade e interesse coletivo, como progresso da
ciência positiva, da filosofia moderna, mais ou menos expurgada dos arcaicos
preceitos teleológicos e dogmáticos, deveria ser literário e científico.211
Concluía, porém, que como as exigências, assim os paladares, variam de um indivíduo
para o outro, e afirmava que o jornal tinha que ser simples e ligeiro, acima de tudo buscar a
verdade.
Aimprensa aqui entendida como instrumento de intervenção na vida social, em que seu
estudo pode se dar como objeto/fonte, uma vez que desaparece a categoria imprensa na forma
abstrata para dar lugar ao movimento vivo das idéias, protagonistas e, principalmente, para que
emirjam dessa produção sentidos, como resultado da operação historiográfica, sujeitos dotados
de consciência determinada na prática social.212 É que A Lucta será um espaço de visualização
de um recorte do viver em Sobral. De seus conteúdos ressaltam informações sobre duas
perspectivas pedagógicas de sociedade: Correio da Semana, sociedade hierarquizada, submissa
e religiosa: A Lucta, destacando as desigualdades sociais, a falta de respeito à legislação, ao
longo das edições, o jornal amplia seu espaço de denúncia e críticas.213
209 Psycologia dos Leitores. In: A Lucta, 16 de junho de 1915.
210 Op. Cit.
211 1 Idem.
212 CAPELATO, Maria Helena R. Imprensa e história do Brasil. São Paulo: Contexto/Edusp, 1994.
213 Sobre o confronto dos dois ver: SANTOS, Chrislene Carvalho. Construção social do corpo feminino.
Recife, UFPE, Dissertação de mestrado em História, 2000.
73
tese definitiva- (com corte).ind73 73
12/4/2006 10:28:45
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
3.2 A Lucta de Deolindo Barreto: a imprensa como o quarto poder
Preferimos a coação, o arrocho, as ameaças, os vexames, as tentativas de
empastelamento e de assassinato de que temos sido alvo no lado do povo,
ás comunidades, ao sossego e ao conforto ao lado de uma administração
corrompida e corruptora. Foi para o combate que nascemos e só a lucta aos
lado dos idéias nobres, nos revigora e estimula, nos justifica a existência, e
nos oferece o desejo de viver, por que só assim entendida a imprensa poderá
representar o quarto poder no mundo.214
Na pequena e mal iluminada sala da gráfica situada à rua Padre Fialho, em Sobral, o
tipógrafo, diretor e proprietário, Deolindo Barreto Lima, conversava com alguns colaboradores.
Discutia com Justus215, Atualpa216 e Paixão Filho, que têm artigos publicados, nos números de
um jornal que se quer independente, “a partidário”: A Lucta.
O ano era 1914. O primeiro número desse periódico anunciava que estava
disposto a trabalhar com critério e discernimento, ao calor do estranho amor
que nutria por Sobral, e que estava infelicitada por uma politicagem torpe
egoista que a aniquilava, entrava na arena jornalística, com o entusiasmo e
desprendimento dos gigantes heróis da antiguidade romana que criavam a
própria pátria, sem curvaturas e aparatos de guerra e sem pretensões outras
que a de bem servir ao público, e que tinha a esperança de ter retorno para o
seu “progredimento”. 217
Deolindo Barreto entrou na arena política com o seu jornal em 1 de maio de 1914,
com intuito de marcar sua presença numa data histórica218.Com as palavras acima demonstrava
o que recusava. E teria retaliações por isso, pois a luta do poder contra a imprensa está presente
em toda a sua história.219
214A Lucta. Sobral, 18 de março de 1919. Grifo meu.
215 Justus foi o pseudônimo adotado por um dos mais instigantes colaboradores de A Lucta, sem capacidade sutil
de crítica, despertou curiosidade de si, como foi destacado em: Verdades a Retalho. In: A Lucta, 18 de fevereiro
de 1915. em que foi relatada a curiosidade do público em saber quem era o jornalista que assinava “croniquetas”,
cujo pseudônimo significa reto, homem virtual e imparcial; era um jornalista conhecido, “revoltado, mas tão
intransigente quão sagaz, não transgride um caminho da razão e sabe ferir de leve, diplomaticamente. O redator
gosta da sua escrita, do seu jeito de colorir os defeitos da sociedade com alto relevo; e uma dose homeolpathica
da philosofia social”.
216 Em 1922 escreveu “nunca pude me acostumar com as injustiças e nem tampouco me habituo a ficar ao lado
dos poderosos; sempre tive uma raiva damnada dos mãos, dos que não praticam a caridade, dos perseguidores e
dos injustos. Modos de ver talvez. Ira Caduca. In: A Lucta, 25 de novembro de 1922.
217 O Nosso Programa. In: A Lucta. Sobral, 1 de maio de 1914
218 Sobre fundação de movimentos sociais articulados a datas comemorativas, ver: BATALHA, Cláudio et al
(org). Culturas de classe, identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas: Edunicamp, 2004.
219 TERROU, F & ALBERT, P. História da imprensa. São Paulo: Martins Fontes, 1990. (Universidade Hoje)
74
tese definitiva- (com corte).ind74 74
12/4/2006 10:28:45
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
O fio condutor do iluminismo220, do pensamento liberal, e a herança renascentista são
sugestivos nesse discurso de “salvação”. O “amor” foi o eixo principal para essa guerra afetiva
e sentimental que a política representa, o sentimento do amor. Aqui ressaltado como o amor
estranho, de alguém que não é da terra, mas que pode ser compreendido pelo amor patriótico,
esteja onde estiver, o amor à Nação prevalecerá, toda sociedade tem que ser respeitada, cuidada.
Do servir. Servir ao bem comum, à comunidade, na sua busca pela felicidade humana. Mas,
mais que isso, diz para que veio. É político.
Nas páginas desse jornal há uma riqueza muito grande de sentimentos, idéias e de
esperança. O que queriam aqueles loucos? Aqueles rebeldes? Loucos? Rebeldes? 221 Era uma
busca por realizar sonhos: mudar a vida, transformar o mundo desumano, de humilhações doídas,
vergonhosas e das derrotas, um mundo embrutecido, em ruína, ruína da seca, da corrupção, da
hipocrisia. Havia também uma crença num paraíso possível, pautado nas leis, na igualdade
e na justiça humana. Esse era o eixo de sua vivência de oposição. Entre esse sonho e prática
política cotidiana, havia o conflito com o pensamento hierárquico das sociedades autoritárias
do coronelismo e da Igreja Católica, numa prática ultramontana, que tinha a morte como
linguagem de estopim do ódio, das divergências políticas. Violência que era meio comum no
início da República brasileira.222 Ele tinha pensamento, convicção do caminho para a igualdade
de condições em direção à democracia. De certa forma, um sentido determinista.
O que Deolindo Barreto fez para “ter o assassinato que merecia”? Onde começou a
sua experiência de oposição? Quando se manifestou anticlerical? A intenção dessa análise não
é biográfica. Mas análise de um contexto urbano a partir de sua experiência social223, cujos
sentimentos foram despertados numa prática de vida pública, profissional, social de exposição
de idéias e uma prática de luta política e cultural sendo manifestada.
Os sentimentos de críticas tornaram-se sentimentos impressos para divulgação pública.
E em que momento se torna mais acirrado? Que sociedade era desejada, esperada e sonhada?
O que ele recusa e acusa? Que futuro era pregado, como forma de seduzir seus leitores, a fim
de transformá-los em aliados?
Deolindo Barreto construiu sua imagem rebelde a partir do seu retorno a Sobral,
220 Idéia de que iluminismo é um espírito de luta constante, de negação, sendo o elo de ligação entre liberal-iluminismo e o marxo-iluminismo como institucionalização e a domesticação das luzes. Ver: ROUNET, Sergio Paulo.
As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. 3 reimpressão.
221 Questões pontuadas sobres homens que desafiavam valores autoritários, hierárquicos de sua época como
representado em RAGO, LUZIA Margareth. Sem fé, sem lei, sem rei, liberalismo e experiência anarquista na
República. Dissertação de Mestrado, Unicamp, 1984.
222 Sobre conflitos políticos violentos ver: BALHANA, Cláudio. A guerra dos párocos. Salvador: 1989.
223 Sobre história e biografia há trabalhos que redimensionam o campo histórico como: LE GOFF, Jacques. São
Luiz.São Paulo: Companhia das Letras, 2001.; AGUIAR, Ronaldo Conde. O rebelde esquecido, tempo vida e
obras de Manoel Bonfim. São Paulo: Topbooks, 1999; REGO, Walquiria Domingues Leão. Tavares Bastos: um
liberalismo descompasado. In: Revista da USP. São Paulo: EdUsp, 2000.
75
tese definitiva- (com corte).ind75 75
12/4/2006 10:28:45
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
em 1908, quando montou sua tipografia e expôs suas idéias em páginas impressas, onde se
denominou o “lenhador das paixões”224. O que o levou a ter esse ideário? Nós somos o que
imaginamos225. Deolindo tinha postura de crítica liberal, a convicção de ser democrata. Isso quer
dizer que acreditava numa sociedade justa, fraterna e fundamentalmente pautada nos princípios
da liberdade, igualdade meritocrática e fraternidade226.
Afundação de A Lucta era uma representação de inquietação do momento e de conflitos
de mentalidades, exposta já no seu primeiro editorial, e referendada cinco anos depois, quando
reafirmava ser
Republicano de princípio, e que por isso, não poderia se ajustar as
conveniências da politicagem estreita que infelicitava o país e não regateando
o reparo e a censura aos erros e crimes desta, sabia que era por isso que crescia
consideravelmente o seu numero de desafetos, que ate então ele desconhecia
por completo.227
Com a A Lucta ele acusava e recusava. Diferia-se do “outro”. Havia um tom de
cólera e de afastamento da infelicidade. A mentalidade hierárquica, patrimonialista deveria ser
combatida, pois gerava infelicidade, segundo a nova proposta, o discurso liberal propunha a
felicidade humana, a conquista da igualdade dos direitos individuais. Rosseau, Voltaire são
pensadores citados nas páginas para fundamentar a busca de uma nova sociedade, do caminho
da felicidade.
A construção do rebelde, do inquieto, do inimigo da ordem, foi sendo organizada com
o tempo. A sua surpresa de não saber que tinha desafeto, como demonstrou em 1919 com as
suas idéias, a partir do que era vivido, foi se constituindo como tal. Tendo como pano de fundo
a inquietação do iluminismo, que nutre uma postura crítica, uma insatisfação pela sociedade
de estamentos, Deolindo Barreto acreditava numa perspectiva de sociedade melhor. Tinha
esperança na felicidade humana, pautada na igualdade humana, tendo o Estado como regulador
do bem estar, respeitando as individualidades, a propriedade privada.
Essa insatisfação, com o comportamento do outro, o levou às práticas de denúncia,
crítica a uma sociedade que não correspondia ao seu ideal social. E é justamente esse conflito
de interesses entre pensamentos hierárquicos, pautados nos grupos oligárquicos, religiosos ou
coronelísticos, patriarcais versus pensamento de Estado de Direito, de prática liberal, que levou
à uma das cenas mais violenta na vida pública de Sobral. Essa foi uma experiência pessoal,
mas certamente coletiva também, era um momento de efervescência política cheia de encontros
intensos e de perdas, em que a violência não era só física, mas emocional, psicológica. E mais,
224 A Lucta, 01 de maio de 1914.
225 CASTORIADES, Cornelius. A Instituição imaginária da sociedade. 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
226 Possível perceber nos editoriais publicados em que são citados com admiração autores como Voltaire, Rosseau, Condorcet.
227 A Lucta. Sobral, 1 de maio de 1914.
76
tese definitiva- (com corte).ind76 76
12/4/2006 10:28:46
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
numa prática cotidiana, que se manifestava nas folhas impressas.
O título já representa a linguagem bélica: A Lucta. Já explicitava o seu objetivo. “A”
luta, impregnada de valor universalizante, não representava um grupo, dizia-se um paladino
dos novos tempos. Entretanto, na prática, estava atrelado ao Partido Democrata e a disputa
pelo poder oligárquico. E, no seu discurso, era pela humilhação que poderia regenerar o mal.228
No decorrer de 10 anos dessa folha, foram batalhas cotidianas, de reptos, libelos, defesas,
ataques, recuos, vitórias e fracassos. Os artigos publicados nessa imprensa nascente e artesanal
procuravam incentivar o espírito de luta, estimular o pensamento crítico229, a moralização do
poder público230, hipocrisia católica, promessas não cumpridas, dentre outros temas.
A esperança na educação laica era uma forma de se atingir o sonho de uma sociedade
mais humana, de princípio que o homem era o centro. Isso era publicado nas páginas de A
Lucta. Justus, em Chroniquetas XLV, destaca a idéia de Olavo Bilac de que:
todos os males que infelicitam o Brasil, desde a fome que lhe aniquila o corpo
como a falta de caráter que lhe corrompe a alma, são oriundos da nossa quase
absoluta falta de instrução. E que as altas camadas estão transformadas em
verdadeiros acampamentos bárbaros e mercenários, governados pelos conflitos
das cobiças individuais. E que a Republica foi implantada num país, cujo
organismo não estava devidamente preparado para o regime democrático. 231
A República pela qual lutavam aqueles jovens jornalistas era a negação da sociedade
em que viviam e contra a qual se rebelavam. Apropriavam-se dos discursos cientificistas,
apresentando a si próprios como elementos precursores de uma renovação que conduziria a
sociedade a uma nova etapa da civilização, e para que Sobral saísse da etapa do “atraso”, do
campo, da imagem do sertão rural, sem mando. Mas não só desses temas vivia esse jornal:
falava de amor232, do lazer, principalmente do carnaval, registro social, espaço publicitário233,
228A humilhação tem significações diferenciadas para o pensamento hierárquico, no caso a Igreja Católica, ela
representa um ato de regeneração, de obediência, princípio social perante o divino. Para o pensamento de base
em condições de igualdade, uma ofensa, uma desigualdade social e que não provém apenas da inferioridade; ela é
experiência do amor-próprio ferido, experiência da negação de si e da auto-estima suscitando o desejo de vingança
e de retratação. Ver: Ansart, Pierre. Sentimentos na política. In: BRESCIANI, S. (Org). Memória e ressentimento.
Campinas: EdUnicamp, 2004. p. 22.
229 Para isso era muito recorrente o apoio à educação laica, como desenvolvimento do raciocínio critico, destacando “vantagem do método no processo de alfabetização das crianças, destaca a diferença das crianças alfabetizadas
pelo analítico, são mais vivas e espirituosas, dão respostas claras e promptas, não lhe falta o espírito de iniciativa
nem o sentimento da liberdade. A leitura analytica educa, incrementa a faculdade de observação, de raciocínio,
systematiza a memória, organiza a conduta”, como destacado em A leitura analytica , os effeitos de sua introdução
em nosso meio. In: A Lucta. Sobral, 1 de maio de 1922.
230 Espaço de mando e poder da oligarquia rural, coronelística. Era necessário enfraquecer esse poder.
231 Chroniquetas XLV - O Militarismo Obrigatório. In: A Lucta, 03 de abril de 1915.
232 O Homem ideal. In: A Lucta,..Sobral, 23 de julho de 1921.
233 As propagandas e as colunas pagas representavam a manutenção do negócio, da empresa. Transformadas em
mercadorias.
77
tese definitiva- (com corte).ind77 77
12/4/2006 10:28:46
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
imprimindo uma nova moral. Propunha, assim, uma nova maneira de viver; prometia um
futuro fundado na igualdade, liberdade, felicidade, conseguida num mercado justo, regulado
na legalidade da justiça. Queria convencer o público que era preciso o enfrentamento, um
enfrentamento pelo viés da circulação das idéias, assim apontava elementos, para enfraquecer
o “inimigo” perante a sociedade, como corrupção, carestia, mandonismo, violência física, falta
de liberdade. A ideologia democrática seria a resposta para substituir a violência pela tolerância,
o enfrentamento por fruto de ódios pelo confronto de opiniões, construir espaços de diálogos e
de reflexão, tendo como efeito liberar as expressões.
Deolindo Barreto foi um militante liberal. Que lutou principalmente com a palavra
escrita, de seu engajamento na imprensa. O que acreditou ser o quarto poder.234 Era sua arma pela
justiça, pela felicidade social. Pelas colunas do seu periódico. Pode-se dizer que ele participava
ativamente da vida política social da cidade. Inclusive se considerava o “grande” causador
da deposição do Prefeito Municipal José Jacome, em 1920, como demonstra na campanha de
desmoralização desse político:
Queres conhecer o vilão, mete-lhe a vara na mão”. A cada passo verificamos
fatos que traduzem fielmente, este prolóquio popular. Em nenhum porem, ele
se ajusta tão bem como na ação do atual governador da cidade. O esculápio
que o exerce quando há três anos atrás, foi corrido da clinica particular do
Rio como maior contribuinte do obturário, aqui chegou magro e flagelado,
atencioso e dedicado. Deram-lhe o cargo de prefeito municipal e com o aplauso
geral iniciou ele sua administração, promovendo diversos melhoramentos,
salientando-se em primeiro lugar a extinção dos cães, dos porcos e dos
horizontais, a quem proibiu terminantemente a residência em quartos sem
quintais, medidas que se impuseram aos aplausos de todos os sobralenses.
Goeludo e insasiável, começou exgramatico quiteriano uma fecunda cavação
de emprego, que com seu prestigio de governador de uma cidade importante,
foi angariando paulatinamente a ponto de ser hoje em dia o homem no interior
do Estado, que com mais facilidade, recebe uns dois contos de reis mensais,
e nesta época em que as economias diminuem e se aniquilam a dele envolve
e já lhe da pança, pose e neurastênia...
Grande foi o clamor que assistimos depois da procissão do Corpo de Deus,
por causa do esterco do gado que emporcalhavam as nossas vias publicas
e que inutilizou o calçado e o toilete de muitos cavalheiros e senhoras, que
acompanharam a procissão. Entretanto, quando o petrusco esculapio assumiu
a prefeitura, pos em execução uma lei condenando vacas e bezerros a um
cercado e que não poderiam atravessar as nossas ruas, sem a companhia de
uma pessoa que lhe adivinhasse as necessidades fisiológicas e as evitasse em
publico. O desprezo de s.s. pela fiscalização domiciliar das decaídas, que já
foi uma de suas preocupações, hoje é tal, que quem como nós, não o conhecer
como um homem incapaz de umas tantas violências, atribui francamente uma
desonesta proteção aos mesmos.
234 Expressão usada também por: RABELEO, Genival. O capitalismo estrangeiro na imprensa brasileira. Rio
de Janeiro: Civilização brasileira, 1966. Afirma a imprensa como o “quarto poder”, formadora de opinião publica,
sem cujo bom funcionamento não se pode compreender o regime democrático. Jornal é o elemento básico de formação e educação social, em todas as classes. É reflexão, freio, pudencia, porta-bandeira de suas reinvidicações,
expressão de sua cultura. A imprensa é mais que uma industria, que uma oficina.
78
tese definitiva- (com corte).ind78 78
12/4/2006 10:28:46
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
O Mercado Municipal, depois que recebeu o seu férreo pavilhão, filho do
brônzeo esforço de nosso prefeito, quando era pobre, nunca mais teve o
seu solo palmilhado pelos deselegantes “atlas” que involucram as plantas
prefeiturais.
Um destes dias uma cobra penetrou numa casa à praça Siebra, onde o matagal
crescido e a paralisação do catavento, dá-nos a idéia perfeita de uma fazenda
em ruínas e abandonada. 235
E acreditando no poder da notícia e da informação ameaçava:
Como conselho e rapé toma quem quer, ousamos dar aqui um a s.s.: volte as
suas vistas para o cargo de prefeito, lembre que este é o que menos lhe rende,
mas foi justamente o que lhe facilitou a aquisição dos demais empregos
rendosos. No dia em que o s.s. perder este, perdera fatalmente os outros, e
se continua assim não estará muito longe de perde-lo, pois um dia o governo
há de se convencer de que tudo o que tivemos dito de s.s. é a expressão da
verdade e não o fazemos por amor partidário, pois toda Sobral sabe que s.s.
não tem partido.236
Essa transcrição é para possibilitar visualizar o discurso inflamado que apresentava,
bem como a cidade que ele construía. Uma cidade do abandono, que se queria urbana, mas seus
habitantes era invadidos por cobras. Um Prefeito corrupto que usava o cargo como trampolim
para outros negócios. A ascensão econômica que a política permitia ao indivíduo. E a crítica de
que com essas práticas o seu “povo” ficava a mercê. Assim queria se aproximar dessa população.
Tocar os seus sentimentos e seduzir para uma nova forma de pensar a sociedade, sem alterar o
status quo, mas trocar o grupo político. E continuava denunciando que o problema era a falta
de educação cívica:
O sr. Dr. José Jacome de Oliveira continua de uma maneira ascintosa e
revoltante a abusar da grande generosidade do povo desta cidade, sem receio
de que este lhe ensine o caminho de Santa Quitéria. O famoso esculapio
tem uma terapêutica deveras interessante para fiscalizar os animais soltos a
Praça do Figueira. Enquanto manda recolher ao deposito municipal qualquer
animal pertencente aos pobre que por descuido alli passa, vai agachadamente
enxotar da Avenida um rebanho de ovelhas do seu padrinho e depois faz a
referida avenida estrebaria para o seu próprio cavalo, como que considerando
mais a este do que ao publico sobralense.
Isto é um absurdo tão grande que somente este povo ordeiro e morigerado
tolera. Quanto ao exercício de seu cargo, de certo tempo a esta parte, não tem
sido menos ascintoso o ex-interno do Hospício Nacional. Sua s. na duvida
de que os doutores Serpa ou Távora o conservarão no cargo de Prefeito,
abandonou por completo a administração do município, que apenas se vem
manifestando na arrecadação dos impostos, e nas conveniências políticas
do marretismo e declara mesmo abertamente que não dá mais um passo
pela administração municipal antes de reconhecer o resultado da sucessão
presidencial... Aguardemo-nos para quando estiver a frente dos negócios
235 A Nossa Prefeitura. In: A Lucta. Sobral, 09 de junho de 1920.
236 Idem.
79
tese definitiva- (com corte).ind79 79
12/4/2006 10:28:46
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
municipaes um homem que de qualquer forma se compenetre dos seus
deveres. Para esse tempo teremos as nossas contribuições aumentadas com a
multa da lei, mas ao menos salvaremos as economias do município das garras
de quem a esta exclusivamente aplicando na burocracia municipal.237
Nesse discurso com a educação cívica seria possível eleger o “governante ideal”, que
não se manteria no poder por acordos politiqueiros, mas com honra e respeito pela igualdade
de oportunidades aos indivíduos competentes, tendo a reciprocidade como eixo de convívio
social, como pagamento de impostos e retorno em serviços, mas não era o que se experimentava
na cidade, naquele momento. Esses discurso compõem um panorama do papel político e de
interferência na vida social urbana que Deolindo Barreto acreditava ter, e mais, apresentava
como o caminho de vitória do quarto poder: “Desistência do Dr. Prefeito Municipal em viajar à
Fortaleza afim de se apresentar a Justiniano Serpa devido as acusações d’A Lucta acerca de sua
administração. A Lucta solicita a renuncia do Prefeito.”238
Não era o Deolindo Barreto que queria a renúncia, mas a instituição social, o jornal A
Lucta. O jornal como veículo de vontade própria, que teria o poder de substituir o administrador
municipal. E nas publicações posteriores retrata como o jogo político circulava pela vida
urbana, como no dia 11 de agosto de 1920, quando informava que os “marretas” e o prefeito
“andavam aos magotes radiantes e ruidosos como veados no cio”, por conta de um telegrama
do “representante de Morfeu na Câmara Federal lhe trouxera a alvissareira nova de que o sr.
Thomaz Cavalcante telegrafava ao Dr Justianiano de Serpa, Presidente do Estado, empenhandose pela manutenção do bochechudo Dr. José Jacome no cargo”.239 Na continuidade do artigo
demonstra uma cidade sofrida, problemática e “abandonada”. Mas A Lucta seria o órgão da
“vigilância”, o seu proprietário o indivíduo atento ao bem estar social e lutando para como um
guardião. Por isso num tom de modéstia e sofrimento descreve a cidade:
Em tudo isto, o Município é que vem sofrendo, pois continuam completamente
abandonados e esquecidos os mais lídimos interesses da coletividade: as ruas
estão sujas e cheias de mattos, a praça do mercado existe um pântano de água
estagnada, do inverno que terminou a dois meses. E o dr. Prefeito, na duvida
de ficar ou sair, não se move e nem move uma palha e do relaxamento e da
incúria vae agora descendo o crime, pois temos tido mais de uma denuncia
de que os agentes estão fazendo arrecadações de impostos sem a exhibição
do respectivo talão: contra expressão disposições do paragrapho único , do
arti,. 32 da Lei 33.240
Uma cidade abandonada pelo poder público, mas interessando à imprensa. Que apela
ao Presidente do Estado, que quer que seja o seu leitor, para destituir do cargo um Prefeito que
237 Prefeito Imperfeito. In: A Lucta. Sobral, 19 de junho de 1920.
238 A Lucta, Sobral, 07 de julho de 1920.
239 A Lucta. 11 de agosto de 1920.
240 Op. Cit.
80
tese definitiva- (com corte).ind80 80
12/4/2006 10:28:47
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
estava deixando a cidade numa anarquia administrativa.
O resultado da campanha contra o prefeito, foi publicada na edição seguinte, no dia
18 de agosto de 1920:
Contra a expectativa geral do marretismo e ingênuo, a quem o sr. Hermino
Barroso vem de há muito illudindo, como se illude as crianças, com promessas
de banana e bolo, foi demitido do cargo de prefeito municipal, no dia 10 do
fluente, o sr. Dr. José Jacome de Oliveira.
Essa pretensão de “solicitar” o afastamento do Prefeito, independente se iria ser
concretizada, representa um tempo em se pensava que a igualdade entre dirigidos e dirigentes
era garantida, modificando-se apenas o âmbito e a força das pessoas e funções. No Estado
democrático ninguém transfere o seu direito natural para um outro, aponto deste nunca mais
precisar de o consultar; transfere-o, sim, para a maioria da sociedade, de que ele próprio faz
parte. Portanto, nessa medida, isso lembra a perspectiva de Spinoza de que todos se mantêm
iguais, tal como acontecia antes, no estado de natureza.241
Acreditando no poder que tinha de interferir nas decisões públicas, fez questão de
expor que a crítica não era apenas ao Prefeito,
mas ao grupo que ele se uniu:
Victima das lábias dos
conservadores locaes, a
quem se entregou de corpo
e alma, esquecendo por
completo o desempenho
do seu espinhoso e nobre
cargo, o dr. Jacome
encerrou os ouvidos aos
conselhos sensato de amigo
sincero, fechou os olhos
á razão e ao bom senso,
e queria se eternizar no poder,
contra a vontade mais patriótica e
melhor organizada força política
do Município...242
Jornal A Lucta Proletaria publicado na década de
10, em São Paulo, como órgão do da federação
do proletariado.
Num discurso, Deolindo Barreto se descreveu: amigo sincero, porta voz da razão e
do bom senso, e patriótico. Essa era a cidade que deveria vingar. Se o Prefeito tivesse seguido
suas orientações e preceitos não teria tido uma retirada do cargo de forma indigna, em que
“preferiu ser expulso pelo postigo de uma demissão humilhante, como qualquer capitão do
matto que perde a confiança do governo.”243 Em tom irônico chegou a lastimar esse fim, pois
241 ESPINOZA, B. Tratado teológico-político. Cap.16. p 889.
242 Não Ficou. In: A Lucta, 18 de agosto de 1920.
243 Op. Cit.
81
tese definitiva- (com corte).ind81 81
12/4/2006 10:28:48
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
afirmava: “não desejávamos tão ridículo epílogo a uma administração, que se iniciou tão boa e
tão fecunda de beneficio a nossa urbs e que mais se aproximou dos nossos foros de civilidade
e progresso [...]”244
Houve interesse eqüitativo. Mas o que chama a atenção é o recorte de que esse prefeito
havia perdido a confiança do Governo. O que este artigo não diz? As teias políticas entre os
governantes. Demonstra que foi pelas denúncias de A Lucta que o Governador ficou a par
dos problemas locais, e com a recusa de se apresentar explanando sua defesa, gerou maiores
desconfianças. Por esta leitura, foi realmente a imprensa que o fez ser destituído. Entretanto,
havia divergências políticas entre esses grupos dirigentes, e essa “substituição” de prefeitos teve
outra forma de divulgar pela imprensa. No discurso do jornal A Ordem, há defesa de Jácome.245,
demonstrando uma outra cidade:
Deixará por estes dias dr. José Jácome de Oliveira a prefietura. Administração
sã, fecunda, progressista, sob todos os aspectos. Uma repartição organizada
finaceira e adminstrativamente. Um nome limpo e honrado... Foi o único
prefeito que mais fez pela administração do nosso municipio e o que talvez
sofferesse a mais tremenda campanha movida por aquelles que não queriam
por cima dos interesses pessoais feridos o bem e o progresso de nossa terra.
Assim, vai expondo que até então os prefeitos não haviam sido remodeladores, eram
honestos e dignos, mas que eram puramente administrativos, pagava-se o funcionalismo,
espaçadamente um pequeno melhoramento urbano. E que efetivamente a política pública
modificou com a visão de José Jácome, como segue o artigo de Sobral:
A administração Jácome imprimiu uma nova orientação, uma marcha
diferente ao mecanismo prefeitural... insistiu o protocolo, que até então não
existia... remodelou as nossas ruas (sistema moderno) levantando o cadastro
municipal – uma das exigências das leis básicas – até hoje cumprida em todo
o Estado do Ceará apenas pelo Município de Sobral... fundou o serviço de
limpeza publica... demoliu barracões velhos.
Com a oposição de indivíduos que não ajudavam a edificar mas a destruir,
enfrentou a construção de um jardim na praça Senador Sabóia Figueira, onde
fez um aterro de 4.000 metros cúbicos, murando e arborizando- o em parte.
Devido a sua benéfica intervenção junto ao diretor do Observatório Nacional
Dr. Henrique Morise, conseguiu um posto meteorológico para Sobral ficando
o mesmo instalado num dos ângulos daquele jardim.246
Curiosamente , mesmo discurso que fez ao apoio recebido de José Jácome , foi
redirecionado a Deolindo em relação ao governo de Henrique Rodrigues Albuquerque, que
esteve no cargo por dois anos e quatro meses, sendo substituído por Antonio Mendes Carneiro:
“[...]deixou-se influenciar por elementos perniciosos e extremistas, de idéias curtas e acções
244 Idem.
245 Republicado em 1925. Este artigo foi originalmente publicado em 27 de agosto de 1917. In: O Município de
Sobral- a sua administração de 1917 a 1925. A Ordem. Sobral, 30 de abril de 1925.
246 A Ordem. Sobral, 30 de abril de 1925.
82
tese definitiva- (com corte).ind82 82
12/4/2006 10:28:48
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
mesquinhas, a quem servia sem detrimento”.247
Note-se que Deolindo já havia sido assassinado, mas a sua presença, a sua influência
era destaque, como forma de educar, que oposição não leva a bons resultados. O seu extremismo
e suas idéias curtas são destacados como comportamento antipedagógico. A imagem é de um
homem ameaçador, uma erva daninha. Como tal deve ser extirpada. Nesse caso não foi só
metáfora. Como a “erva” ele também foi “arrancado” da arena política. Assassinado em pleito
eleitoral, assunto do capítulo 4. Os sentimentos de esperança e angústia estavam presentes
quando abordava a indicação do dr. João Thomé, para governo do Estado,e que foi motivo
de resignação e exaltação de contentamento, por poder ser um governo “prospero isento de
partidarismo” querendo tão somente o engrandecimento da sua terra natal. Mas essa candidatura
foi negada e a angústia política se abateu novamente248.
Voltando à substituição do Prefeito em 1920, A Lucta era um canal de esperança,
pois a posse do novo Prefeito, que era democrata, foi apresentada cheia de expectativa de uma
moralização administrativa e respeito às leis, ao código de postura municipal e uma vida mais
digna à população. Onde as multas seriam aplicadas somente após serem esgotados todos os
outros recursos, como a orientação, advertência e prazos. Pois a segunda cidade do Estado,
afirmava o novo Prefeito, deveria ser responsabilidade dos cidadãos:
Conto conseguir com os proprietários o concerto, limpeza e aformozeamento
das calçadas e fachadas de seus prédios, para dar a Sobral a linda jóia engastada
no selo adulto do sertão cearense, ora tão belo e verdejante, quando regada
pelo orvalho abundante do céu... com seus fóros de civilização e de segunda
cidade do Estado.249
Os seus aliados cidadãos eram os proprietários, a esses pertencia a cidade. Neste
discurso, são chamados à responsabilidade de cuidar do que é seu. Não do que era coletivo,
mas, a partir do cuidado da propriedade privada, a coletividade seria mantida limpa, cuidada,
amada e “civilizada”. A proposta de cidade liberal, urbana e capitalista.
Havia, nessas páginas impressas, denúncias recorrentes da falta de “civilidade” dos
sobralenses, por não apoiarem, com doações, a implantação de um jardim público.250 Em 1918,
foi a criação da Diocese em Sobral. Esta instituição vive de doações e cobranças dos seus
serviços, como batizados, casamentos, missas, etc. A população já estava “comprometida” em
fazer doações a esta instituição, talvez por esse indício não acatou o “apelo” de A Lucta, na
campanha municipal a favor do jardim publico.
E nessa crítica mostra uma cidade feia:
247 Henrique Rodrigues de Albuquerque. In: A Ordem: 09 de maior de 1925, n. 35.
248 A Lucta. Sobral, 19 de janeiro de 1916.
249 A Nosssa Prefeitura. In: A Lucta. Sobral, 1920.
250 Em 1918 era recorrente a critica da falta de apoio, durante todo o mês de maio.
83
tese definitiva- (com corte).ind83 83
12/4/2006 10:28:48
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
Decididamente em regra geral,o sobralense entende que viver consiste no
desempenho do trabalho obrigatório e depois meter-se em casa, encadernarse num pijama de linho fino, espichar-se num “tocum” na sala de refeições,
completamente alheio ao resto do mundo, absolutamente indiferente ás
alegrias e as tristezas dos que não fazem parte do circo estreito do seu lar,
ou das suas relações mais intimas. A filosofia do sábio... os sobralenses, na
sua maioria, só estão bem, longe dos bondes, longe das avenidas, longe de
qualquer bloco de caridade ou civismo, longe dos próprios homens.251
Na continuidade do texto, afirmava que essa população não estava no teatro, nos clubes
recreativos, nas ruas, na regência dos cargos públicos. Criticando que não havia automóvel,
avenida e uma “vida miserável que arrastam pela cidade, seminus e famintos, mendigos e
allienados, de quem fugimos com nojo, sem uma palavra de caridade.” 252 E que mudar esse
quadro era ter uma atitude audaciosa, para lutar contra esse mal e que sofria com a “maldade de
uns e a intransigência de quase todos, tomam-no por visionário, taxanam-no de exibicionista,
maluco, doido, etc.”253 E que era uma luta exaustiva e sofrida, aponta todo esse caminho de
sofrimento para que haja apoio para a construção do jardim público. Não discute, nesse momento,
a aplicação dos imposto. Possivelmente por apoiar o Prefeito. Quando deixa de apoiar, critica
que a cidade está abandonada e que por isso não aceita a cobrança dos impostos.
Demonstrava um perfil de movimento libertador, para suprir a nefasta oligarquia
de crimes e exclusivismo por uma fase de paz e trabalho, de liberdade e justiça, em “que as
necessidades do povo e a voz da imprensa palpitassem no seio das administrações como um
ensinamento, credor de toda a atenção e acatamento.”254
Apontava que o movimento de subida ao poder de Franco Rabelo e a esperança
democrata não vingaram:
Hoje, como ontem, a administração publica é privilegio exclusivo de meia
dúzia de politiqueiros viciados, incapazes do menos gesto de patriotismo. O
legislativo desta cidade continua sem a representação da minoria e legislando
sem a fiscalização da opposição.255
As críticas que recebia são demonstradas de forma generalizada. Neste momento não
apresentava nomes. Continuando falando sobre as “reclamações do povo”, informa como esse
jornal era criticado:
A justiça, a policia, todos os cargos públicos, enfim, confiados as homens
educados na velha escola do exclusivismo e da intolerância, também
esquecem os interesses do povo para só ouvirem a voz da paixão partidária.
Se a imprensa fala, procura-se por qualquer meio amaldiçoal-a e se não
251 Jardim Publico. In: A Lucta, Sobral, 12 de junho de 1918.
252 Op. Cit.
253 Idem.
254 Reclamações do Povo. In: A Lucta. Sobral, 19 de junho de 1920.
255 Op. Cit.
84
tese definitiva- (com corte).ind84 84
12/4/2006 10:28:49
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
se consegue, despresa-se as reclamações, por que a imprensa que reclama
não é do seu partido e quem não é do seu partido é oposicionista e quem é
oposicionista não é brasileiro e nem gosa das prerrogativas de cidadãos.256
A questão é que as mesmas criticam que sofria ele fez sentir aos seus inimigos. Que
também são taxados de não serem patriotas, de só verem o seu lado. Mas essa é uma idéia de
nação, das elites. A questão pessoal de conflitos de mentalidade, de conceitos e “verdade” em
confronto. Quem é mais patriótico? Essa era a decisão que a população teria que decidir, a quem
deveria apoiar e seguir, para se ter uma vida melhor. No cotidiano, essas leituras demonstram
que a elite estava em conflito. Disputava espaço e que a população era chamada para participar,
dando apoio aos “projetos” de sociedade. Às perspectivas do que se queria de uma urbe.
Conflito de imprensa:
O nosso confrade “Correio da Semana”, com intuito rebarbativo, veio na sua
ultima edição cheirando á cidade e achando-a catingosa phisica e moralmente.
Talqualmente a “Ordem”, há poucos dias, o collega restabeleceu o olfato e lhe
começa a cheirar mal coisas que sempre lhe pareceram bem. Pois, o collega,
na fedentina moral, estamos de perfeito accordo consigo, mas se a cidade
phisicamente lhe parece fedorenta, podemos lhe garantir que é uma questão
de ... olfato, pois ella nunca esteve mais limpa, asseiada e higiênica do que
actualmente.257
Para um periódico que se dizia não partidário e sem tendência política, aqui está
claro a tomada de posição pelo poder público vigente. A administração era do democrata
Henrique Rodrigues. E mais, demonstra uma cidade em que pela imprensa as lutas políticas
eram divulgadas e ensinadas aos seus cidadãos. A exposição de posturas, críticas e “verdades”
chamavam, incentivavam bate-papo de botecos, barbearias. Ao mesmo tempo em que esses
periódicos representam três protagonistas: o Bispo Dom José, com o Correio da Semana; o Juiz
José Saboia, com A Ordem e o jornalista Deolindo Barreto, com A Lucta.
Esses moradores são demonstrados nos periódicos ora como ativos, ora ausentes.
Ausentes da vida social liberal capitalista, como no artigo citado anteriormente, ora não
freqüentando a Igreja, como acusava D. José258.
O que esperava causar no leitor? Que sentimentos desejava que fossem sentidos? É
uma escrita de forma coloquial, de diálogo, procurando deixar o seu leitor o mais informado,
mas ao mesmo tempo quer um novo aliado, ou melhor, aliados. Eis o poder que tinha nas mãos,
formar opinião, sugerir novas condutas, esperar modificar comportamentos.
A Igreja se opôs a esse modelo de sociedade moderna, laicicizante. Foi acusada de
256 Idem.
257 Cheirando. In: A Lucta. Sobral, 15 de junho de 1921.
258 Correio da Semana. Sobra, 18 de setembro de 1919. quando reclamava que as Igrejas estavam vazias e as
praças cheias e animadas, num comportamento que não era católico.
85
tese definitiva- (com corte).ind85 85
12/4/2006 10:28:49
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
reacionária e rebateu essa humilhação no artigo Questão Social259, cujo redator apresentou a
idéia a respeito do que um homem de valor pensa, dizendo que a imprensa católica não era
reacionária; e, para provar seu extremado liberalismo, citou São Paulo, Santo Tomaz de Aquino,
Padres Jesuítas, Leão XIII, como símbolos de liberdade. Ao negar ser reacionária, indicava que,
dentro do espaço católico, havia liberdade de pensamento, pessoas de respeito e admiração que
não negavam a participação popular, se com moderação. E essa moderação deve ser mediada
pela moral cristã, que era a redentora da humanidade.
Com efeito, um exemplo de moderação está em matéria de 08 de julho de 1922, do
Correio da Semana: “Todos se julgam com direito a melhorar as condições de sua existência; e
porque a natureza não comporta essas bruscas transições da condição humana, surge a anarquia
mascarada nas greves.”
“A nossa linguagem forma nosso mundo.” O que esse discurso, essa linguagem
representa? Se não cabe às pessoas modificarem suas vidas, então quem poderia melhorar a vida
da humanidade? Sugere que seja o grupo que quer e fará o bem de toda a humanidade, que, nesta
perspectiva, era homogênea, sem conflitos e com os mesmos interesses. O uso da quase sentenciosa
frase “a natureza não comporta bruscas transições” era a crença de que os homens são naturalmente
pacíficos e de que há um curso “natural” das coisas. Deixar que “atrapalhem” o curso “natural das
coisas” significaria a anarquia e o caos social. Era o medo das elites governantes, modernizadoras
ou não. A modernidade política assustava, sendo desprezada pela elite agrária, hierárquica. Nesse
sentido, o discurso da igreja e o discurso modernizador tinham algo em comum, porque a elite
buscava controlar os movimentos sociais, como manutenção de poder.
As mudanças sociais não poderiam estar ao alcance de todos. Não poderia haver
pressa, o que sugere que houvesse uma ordem de acontecimentos. Mas quem vai ditar essa
ordem? A opinião pública considerava-se a única fonte legítima da legislação. No entanto,
os portadores desta opinião eram burgueses, que não saíam de sua esfera privada. Trata-se de
uma opinião publica constituída por indivíduos particulares, cuja meta não era a tomada do
poder político, mas a dissolução de todo poder em geral, para instaurar a moral e a razão em
nome do humanismo geral, discurso universal. Opinião pública politicamente ativa. Era um
instrumento adequado para o interesse da burguesia, desde a luta contra o absolutismo. Como
serviu também ao interesse do Padre Tupynamba, ao seu interesse de criação da Santa Casa.
Entretanto, na medida em que camadas não-burguesas irromperam na vida política pública e
tomam posse de suas instituições, participando na imprensa, nos partidos, nos parlamentos, a
arma da publicidade, forjada pela burguesia, volta sua ponta contra ela mesma.
A imprensa como meio de propagar as idéias e traduzir os pensamentos era sempre
reforçada nas páginas de A Lucta, e os títulos, as manchetes destas idéias já denunciavam seus
259 Questão Social. In: Correio da Semana, Sobral, 14 de fev. de 1920.
86
tese definitiva- (com corte).ind86 86
12/4/2006 10:28:49
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
inimigos. Expressões como “Os Vômitos de José Saboya”260, “Incoerências do Correio”261,
“Previsões Negras”262, “Uma Vila por um Avacalhamento”263, “Assumpto Triste”264, compunham
o estilo dessa escrita.
Quando a Lucta foi lançada, numa sexta feira, a redação ficou cheia de cavalheiros
que foram levar seus cumprimentos e externar a sua opinião.265 Esses cavalheiros sabendo o teor
do jornal, expressaram diferentes sentimentos. Uns de admiração pela ousadia e coragem em
desafiar o poder, o status quo, numa exaltação de patriotismo, julgando acertado e necessário
para defender os direitos de um povo martirizado pelo despotismo e abuso de sua atualidade.
Outros demonstravam um certo pessimismo sobre o êxito do empreendimento; alguns descrentes,
atribuindo falência ao caráter nacional, julgavam loucura e temeridade tamanho passo.
Num tempo em que a liberdade da imprensa era para os que elogiavam os governos
criminosos e hostilizavam o povo livre, Deolindo Barreto demonstrou uma certa temeridade pela
receptividade que teve, mas não desistiu. Esse era um tempo de transição, havia acolhida para novas
idéias, não era um trabalho tão solitário. Além do que já esperava que teria momentos adversos.
Mas havia, nesse sentido, uma proximidade com Tocqueville que acreditava existir uma
posição intermediária nesta questão, que só podia oscilar da extrema independência à extrema
servidão. Isso porque, para ele, a liberdade de imprensa era inseparável do princípio de soberania do
povo. E mesmo acreditando no poder da imprensa, ele ressalta que a facilidade com que se abria e
sustentava um jornal, poderia ser uma causa de seu enfraquecimento, pois seria o meio de neutralizar
os efeitos dos jornais. Muplicando o seu número, iria dividir suas forçasm dificultando-lhes alcançar
uma disciplina ou unidade de ação266.
O jornalista Vicente Loyola era um veterano na imprensa local, e sua opinião era
respeitada por Deolindo Barreto, por isso ficou muito satisfeito com as suas palavras:
ALucta cheia de esperanças, vigorosa, ressumbrando saúde por todos os poros.
Não posso ocultar-lhe a minha admiração pela sua coragem cívica, atirando
ao “vendaval” da publicidade, numa epocha como a que atravessamos, um
jornal com o firme propósito de dizer a verdade na terra embora desabe o
céo sem duvida o meu amigo desconhece Max Nordeau e bom será, antes de
se alongor muito na trajetória encetada, fazer conecimento com esse amigo
da actualidade, que parece, foi inventado, unicamente para nós, os do século
XX, nesta Republica dos Estados Unidos do Brazil. E que um dia não sinta
você o paladar estragado pelo calice da ... desillusão.”267
260 A Lucta. 16 de abril e 1921,
261 A Lucta, Sobral, 03 de novembro de 1922.
262 A Lucta, Sobral, 23 de janeiro de agosto de 1914.
263 A Lucta, Sobral, 10 de junho de 1918.
264 A Lucta, Sobral, 15 de janeiro de 1916.
265 A Lucta, Sobral, 08 de maio de 1914.
266 TOCQUEVILLE, Alexis. op.cit. P. 141.
267 Idem.
87
tese definitiva- (com corte).ind87 87
12/4/2006 10:28:49
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
Deolindo Barreto era um militante liberal que tinha a perspectiva de que não seria fácil
sua política, mas acreditava na vitória de que, antes de chegar no campo limpo e vivificante da
vitória, acabaria esbarrando no matagal íngreme e intransponível da desilusão Mas que pela
disputa das idéias, no poder da argumentação pela escrita, a esperança vigorava.
Respeitando Vicente Loyola, respondeu-lhe que:
Se não conheço Max Nordeau, conheço e admiro LeãoTolstoi, M. Gorki268,
que mesmo dos limites estreitos de um cárcere, clamavam contra o aristocrata
egoísta e o governo despótico que tiranizavam o povo russo, e como eles iria
sacrificar também o principal de sua energia em prol do povo cearense, nesse
período não menos martirizado.269
Tendooiluminismocomofiocondutordessamentalidadedeesperança, dejustiçasocial,
o liberal democrata cearense se articulava ao pensamento igualitário da cultura ocidental, que
circulava pela imprensa de Fortaleza. O caráter cosmopolita da imprensa fazia com que houvesse
circulação das informações, com a criação de espaços como cartas, telegramas, telegrafo, até
mesmo a “escrita a tesoura.” Assim descrevia que do norte vieram as congratulações e as boas
vindas, mas o temor inspirado em:
tão rude trajectoria, para os tempos actuaes, em que o dizer-se a verdade
equivale a um passaporte para prisão, como na Rússia para a Siberia, de já
antevermos que o nosso collega vae arfar com másculas difficuldades. Não
sejamos nos porem, que temos o alcance da missão espinhosa da imprensa
livre e choramos amargurados os vexames e as perseguições que lhes são
movidas quem detenhamos os passos firmes e inabaláveis do novo campeão.
268 Foi o pseudônimo de Aleksei Maksímovich Peshcov, nasceu em uma pequeno lugarejo do interior da Rússia.
Filho de uma família muita humilde, ficou órfão aos sete anos e, a partir daí, foi obrigado a trabalhar para prover
o próprio sustento. Exerceu vários ofícios, atravessando a vasta região do Volga em busca de oportunidades. Desenvolveu uma espécie de espírito de andarilho, em que a curiosidade e a simpatia pela humanidade sofredora lhe
permitiu a sobrevivência psicológica em meio a tantas dificuldades. Com isso adquiriu também um notável conhecimento das camadas populares russas, conhecimento que seria usado mais tarde na criação dos principais protagonistas de seus contos e romances. Ao mesmo tempo em que vagava pelo imenso país, Gorki revelava grande
interesse pela leitura, tornando-se um autodidata, isto é, um jovem de surpreendente cultura, apesar de ter freqüentado a escola primária somente por uns poucos meses. Pôs-se a escrever obsessivamente, e seus primeiros contos
foram publicados a partir da década de 1890, obtendo grande repercussão. Sobre esta época de sua vida, deixou
um comovente texto de memórias que é a sua obra-prima: Ganhando meu pão. Suas memórias continuaram em
Minhas universidades, igualmente fascinantes. Logo a seguir, aderiu ao marxismo e militou em inúmeros grupos
revolucionários. Em 1905, após o fracasso da primeira revolução que pretendia derrubar o Czar, acabou preso. No
ano seguinte, porém, sob fortíssima pressão da comunidade internacional, as autoridades russas foram obrigadas a
libertá-lo. Gorki viajou então para a Itália, onde morou até o triunfo da Revolução Soviética, em 1917. Apesar de
sua amizade com Lênin, o escritor só retornou definitivamente à Rússia em 1928, transformando-se de imediato na
maior figura literária do regime comunista. A obra de Gorki centra-se no submundo russo. O ficcionista registrou
com vigor e emoção personagens que integravam as classes excluídas: operários, vagabundos, prostitutas, gente
humilde, homens e mulheres do povo. Autores realistas e naturalistas já tinham incorporado estes setores sociais
à literatura, mas olhavam para os pobres de fora, apenas com piedade ou com frieza. Ele, ao contrário, conhecia
aquele universo por dentro – ele próprio era um desses desvalidos – e soube captar o que havia de mais profundo
na alma do povo russo. Daí a impressão de autenticidade que suas obras nos transmitem. De certa forma, ele foi
o criador da chamada literatura proletária que teve seguidores no mundo inteiro, em especial na primeira metade
do século XX.
269 A Lucta. Sobral, 16 de maio de 1914.
88
tese definitiva- (com corte).ind88 88
12/4/2006 10:28:50
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
So uma cousa não lhe desejamos: é que experimente o travo amargo e
das desillusões futuras.270
ruim
A imprensa era o espaço de denúncias do que considerava humilhação, como a troca de
escravos negros por escravos brancos, a escravatura era considerada humilhante por denunciar
os povos cultos de manter uma relação de hierarquia social. 271 Uma luta contra uma condição
de trabalho que ele próprio conseguiu quando saiu dos campos da borracha. Agora se arvorava
de defender dessa relação de trabalho.
Assim, na busca da verdade, humilhava o que era diferente, havia essa certeza como
afirmava o colunista Justus, “diga-se a verdade na terra, embora desabem os céos” que era
um:
emblema de guerra a mentira, orna o fronstispicio da Lucta, parece ter
contrariado á própria Natureza, pois nos dias em que já circulou a Lucta, a
athmospera, de sobrecenho carregado, manifestou colérica a expressão da sua
revolta.” E destaca que teve receio, pois num século do radio e do aeróstato,
do estado de sitio e da intervenção, a verdade não poderia ser dita na terra,
sem perigo de vir mesmo abaixo um pedaço “do formoso céo que nos cobre...
a verdade é um crime de lesa-humanidade.”272
A “verdade” liberal feria, incomodava os adversários, ao ser colocado em público.
A Lucta, como um instrumento de esclarecimento, instigava os inimigos, numa escrita de
ressentimento e humilhação, como no “habeas corpus” concedido, por voto de Minerva, pelo
supremo Tribunal Federal ao tenente Correia Lima. Assim se expressa no seu voto o ministro
Guimarães Natal: “que no Ceara não houve duplicata de poderes [...] essa duplicata não se
verificou nem nas eleições nem na apuração [...] houve intervenção federal”.273 Aborda questão
da intervenção federal, a partir das notícias de a Pátria, com a convocação do sr. General
setembrino. Denunciava que era uma embrulhada, que não havia Pe. Cícero milagreiro que
desse certo.
Do mesmo modo não escapou a atitude dos padrecos do PRC, de Sobral, que se
conservam num convencional mutismo sobre a deposição de Franco Rabelo do Governo do
Ceará. E as depredações inconcebíveis praticadas com fria desumanidade pelos atuais detentores
do governo, que resultaram o flagelo, a penúria, a miséria, a invalidez a homens pacatos e
honestos que tiveram a veleidade de se opor a uma revolução fatricida e cruel, presidida pelo
mais torpe egoísmo, obliferou-lhes a razão e mais espicaçou-lhes a ganância.
270 A Lucta, 15 de maio de 1914.
271 A Lucta. 13 de maio 1914.
272 A Lucta, 13 de maio de 1914.
273 A Lucta, 04 de junho de 1914.
89
tese definitiva- (com corte).ind89 89
12/4/2006 10:28:50
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
A escrita demonstrava insatisfação do “em cima do muro” dos padres perrecistas, que
espera saber para onde ia a vitória para se decidir o que considerava lastimável essa:
atitude, e por consideração alguma não a desejamos para os políticos de
Sobral. Queríamos vel-os fortes e ativos ao lado dos cíceros intrincheirados
no Tiangua, ou ao lado dos thomazes, acampados no telégrafo dispostos a
romper o combate telegraphico, arma por escellencia desta ultima hoste,
o que nos seria indiferente, comtanto que se definisse ao lado de um dos
grupos antes de verem com quem ficarão as posições administrativas.”274 E
dasabafava que esse era o perfil de quem tinha por pátria o estomago e por
ideal o conforto e bem estar individual. 275
Havia um orgulho em afirmar que “não pertencia à coleção de jornais que tinham a
boca arrolhada pelas grossas tetas da arca do thesouro estadual.” Por isso lutava por esclarecer
as causas dos problemas sociais, destacando o que considerava como atitude apreciável, pelos
seus correligionários, como a transparência do antigo intendente ao publicar seu balancete na
imprensa, criticando os marretas que dentre outras coisas não faz isso. E argumenta que era
“uma forma de ter material para defender o atual prefeito das críticas que viesse a sofrer da
futura administração”. 276
A Deolindo cabe o peso da responsabilidade de dar forma às noticias, selecioná-las e
classificá-las para publicação em termos de importância relativa e de oportunidade, pois estão, na
maior parte do tempo, em suas mesas. Por mais ativas e inquietas que sejam, soam movidas pela
rotina de escolher, examinar e produzir.277 Entre quatro paredes, Deolindo podia cultivar uma
visão idealista e desfocada da realidade, e ter dificultada a sua avaliação dos acontecimentos.
Porém nada o impede de decidir, por isso confronta-a com solidão e isolamento. As notícias
mundiais de que dispõe são de segunda mão, e mesmo tendo a frente notícias nacionais e locais
da sua intimidade, não raro se torna frustrado e vingativo com a matéria.278 O que agravava a
jornada de solidão do editor era o seu isolamento. O seu trunfo era a sua própria consciência
na hora de dar a última palavra. Ele era sensível a ponderações, conseguia desenvolver um
mecanismo de resistência a pressões, consultava outros editores e seus subordinados, mas se
achava sempre só ao decidir, apoiado apenas em sua cabeça e pés.
Idéias eram as principais fontes de abastecimento para sua luta. O poder de tomar
decisões. Ao editor caberia definir a edição, era o seu papel no alto escalão de um jornal. Sua
prioridade era o destinatário da noticia e por ela sustentou intermináveis conflitos com as partes
interessadas, dentro e fora do veículo.
274 Attitude Lastimável. In: A Lucta. 17 de agosto de 1914.
275 Cruel Desengano. A Lucta. Sobral, 03 de setembro de 1914.
276 Executivo Municipal. A Lucta, Sobral 26/11/1914.
277 TERROU, F & ALBERT, P. História da imprensa. São Paulo: Martins Fontes, 1990.(Universidade Hoje).
278 Idem.
90
tese definitiva- (com corte).ind90 90
12/4/2006 10:28:50
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
Conflitos que denunciavam, humilhavam como a denúncia de má administração da
repartição pública dos correios, a partir de diversas reclamações que chegaram à redação,
onde havia desvio do jornal A Lucta, dirigida ao vigário da Meruoca e que se encontrava na
venda do sr. Francisco Carneiro, que havia praticado pelo agente do correio, por um “pouco de
açúcar”. O que lhe era mais precioso, ironizava na defesa. Contra este extravio, solicitou a sra.
D. Maria Jose Magalhães, agente do correio de Sobral, que tomasse providências para enviar à
região uma mala especial para evitar novos desvios. “O que fomos delicadamente attendidos,
e confessamos-nos gratos.”279 Elogio que concedeu por ser atendido prontamente, mas como
afirmava “somos do que não comprehendem que a imprensa moderna se contente em ser, como
diz Eduardo Prado, “um rebanho encarceravel e fuzilavel, á vontade e que só se mantem livre e
solto com a condição de elogiar, de elogiar ainda de elogiar sempre [...]” 280
Um clima de pessimismo pairava entre jornalista mais antigos como de Leonardo
Mota 281, ao abordar a entrada do novo jornal na cidade: “o jovem jornalista está na idade radiosa
das ilusões, por isso ingenuamente crê na eficácia de seus esforços, para mim a quem a dura
experiência encaneceu, todo esse seu abençoado labor é improficuo.”282 Leonardo Motta aos 60
anos desacreditava na seriedade política para o problema da seca, afirmando que o “homem se
pode desenganar do homem”, assim como o “Ceará pode desiludir-se do Brasil”. E não vendo
caminho de cura, afirmava “bendita seja a juventude que crê e espera!”.
A experiência jornalista, vislumbrando o ideal juvenil da luta de Deolindo Barreto,
indicou que este não teria o fim desejado. Mas, mesmo assim, o jovem jornalista permaneceu
com seu discurso inflamado e prática de oposição, pregando qual deveria ser a cura para ele se
calar, não ser mais oposição:
Aos que desejam o nosso desaparecimento lembramos
lhe que o único meio de obtel-o é corrigem-se. Pautem
os seus actos públicos e particulares com a moral
republicana e social e apostamos em como jamais terão
um motivo de queixa contra nos, pois sentimi nos muito
melhor em elogiando as acções boas doverberando os
actos maus. Outro meio não conhecemos e nem
admittimos tão eficaz, por que esta sobejamente
provado, que nem o extermínio do jornalista pelo assassinato,
há conseguido o desaparecimento do jornal.”283
Cidade
localizada
a 224 km de
Fortaleza e a
89km de Sobral.
279 O Correio de Massapé. In: A Lucta, Sobral,.16 de fevereiro de 1916.
280 O Nosso Programa. A Lucta, Sobral, 1 de maio de 1914.
281 Assumpto Triste. In: A Lucta, Sobral, 23 de junho de 1915.
282 Idem.
283 O Nosso Aniversário. In: A Lucta, Sobral, 01 de maio de 1918.
91
tese definitiva- (com corte).ind91 91
12/4/2006 10:28:51
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
3.3 Sobral em Papel e Tinta: imagens em conflito pela imprensa
O exercício de reflexão sobre as cidades não requer somente o conhecimento do
aspecto físico, mas estabelecer relações com diferentes realidades que as cercam, vislumbrando
as cidades reais e as imaginadas, invisíveis, transparentes, ideais ou não, construídas lentamente
pelo cotidiano de cada um de seus habitantes e seus grupos. 284
Há de se refletir que as imagens, produzidas sobre “cidade” nos periódicos, elegem a
partir de seus interesses que cidades estão sendo criadas, vistas e expostas. A cidade não existe,
é uma categoria, ela se constitui a partir dos diferentes olhares de seus habitantes. Emblemático
também pensar que a política não ocupa na vida do homem o lugar que toma nos jornais,
nas conversas, na existência aparente de uma nação. A vida pública de um povo é algo muito
pequeno em comparação com sua vida privada. Mas ao mesmo tempo é de uma complexidade
de interesses. Compreender esse “pequeno” espaço político apresentado nos periódicos é vê-lo
como recortes cotidianos para se constituir memórias.
Pensar uma cidade em papel e tinta é perceber o seu grupo letrado que se considerava
o detentor do saber, da verdade e do caminho do bem, em seus diferentes olhares, propondo
o melhor caminho aos seus semelhantes. É um recorte de um determinado grupo social. Dos
periódicos que se opunham ferrenhamente sobre o que a população deveria ou não saber,
destacam-se principalmente A Lucta e o seu contraponto o Correio da Semana.285 Representativo
desse processo é o artigo Um abismo contra outro abismo, 286 que critica o artigo Uns Festins
de Balthazar, divulgados em A Lucta, que atacava o padre redator do Correio da Semana, e
este rebatendo, criou outro abismo. O que demonstrava que eram claras as manifestações de
negação um do outro. 287
A Lucta se queria uma imprensa engajada, era esse o papel da imprensa, que Deolindo
Barreto almejava, era a ala “radical” dessa imprensa. A sua função social era de destacar o bem
comum, num discurso universalizante, como sendo possível, a partir da discussão das idéias,
para melhor propagar novas idéias, defender pontos de vista e atacar o diferente, o outro, o
negado:
Somos do que não comprehendem que a imprensa moderna se contente em
ser, como diz Eduardo Prado, “um rebanho encarceravel e fuzilavel, á vontade
284 CALVINO, I. Cidades invisíveis. São Paulo, 1990.
285 As expressões “conservador”, “liberal” expressam metaforicamente um jogo de conflitos e de posições. É um
termo de proximidade e afastamento, atração e repulsa, são intercâmbios conflituais, onde não cessam de produzir e
de trocar mensagens persuasivas. Os parceiros fingem não recordar as mensagens emitidas por seus rivais.
286 UM abismo contra outro abismo. Correio da Semana, Sobral, sábado, 09 de abr. de 1921.
287 Nos primeiros anos do século XIX Saint-Simon formulava a hipótese de que os confrontos ideológicos
tinham como origem a explicação gerando a rivalidade política e econômica das classes sociais, num registro
simbólico.
92
tese definitiva- (com corte).ind92 92
12/4/2006 10:28:51
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
e que só se mantem livre e solto com a condição de elogiar, de elogiar ainda
de elogiar sempre... Na coluna remunerada acceitamos qualquer publicação,
contra a própria redacção deste jornal, contanto que sejam prehenchidas as
formidades da imprensa. 288
A imprensa como o seu empreendimento, negócio e mercadoria. E ao mesmo tempo
era o canal de combate de idéias republicanas e democráticas. Entusiasmado com a perspectiva
de poder modificar a sociedade, Deolindo Barreto, nos quatorze anos de vida pública em Sobral,
não economizou críticas, o que o levou a ter novos inimigos, bem como adeptos.
Essa disputa de opinião e de poder compõe a maior parte dos enredos dessas páginas,
com ataques e defesas. E foi por meio de uma das defesas que se possibilita sentir que, das
vezes que Deolindo Barreto fora atacado, por não possuir lisura suficiente para ter “acesso”
à palavra, ao poder de influenciar a população, o seu retorno era para os “flagelados”, o seu
“povo”. Sendo criticado buscava apoio de identidade, ao grupo de onde havia saído. Como em
1916, em que foi atacado por não fazer oposição à questão de má aplicação do dinheiro público,
no caso da construção da estrada de rodagem entre as cidades de Sobral e Meruoca, e que da
rodagem “rodou” algum “arame” para as suas algibeiras, a fim de amordaçá-lo289. Defende-se
afirmando que desde o início foi contra essa obra de uma forma “clara e desinteressada”, e
contra sua vontade iniciaram as obras, e:
em seu curto passado de imprensa não havia um único ato, um deslize que o
tornasse digno de semelhante conceito, e que acima dos interesses gerais da
coletividade, nenhum outro motivo o atraia para a penosa vida de imprensa,
como podia provar com a modéstia em que vivia, todo entregue a um trabalho
exaustivo, sem outro auxilio alem do favor publico, como finalmente podem
atestar os espíritos superiores que vem assistindo a nossa passagem pela
arena da imprensa.290
Uma vida de exaustão, de “fardo” em favor dos “interesses gerais da coletividade”.
Assim se defendia e representava o seu papel. E continuou pontuando o porquê de não tecer
maiores críticas, como fez em outras obras contra a seca, mesmo tendo postura diferente da
administração da rodagem. Não podia atacar se queria “zelar pelos verdadeiros interesses dos
flagelados”. E que estes estavam mais bem aquinhoados do que em qualquer outra frente de
trabalho, tendo uma melhor remuneração, com um trabalho brando, com liberdade de comprar
onde quisesse, com melhores vantagens, sendo abolida a concessão a fornecedores especiais.
Assim não tinha o que criticar, essa característica dessa frente de trabalho correspondia a uma
boa atitude de melhoramento da vida do sertanejo.
O seu jornal em sua “curta existência” destacava o flagelo como tema de abordagem.
E esse foi seu álibi. Em 1915 as colunas já figuravam esses personagens excluídos e que:
288 A Lucta. Sobral, 01 de maio de 1914.
289 A Lucta. In: Sobral, 1 de março de 1916.
290 Idem.
93
tese definitiva- (com corte).ind93 93
12/4/2006 10:28:51
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
Afóra a imprensa que tem o olhar de lynce, a palavra livre e altiva, e tem por
objetivo a defesa dos nossos interesses capitaes, não se levanta uma única voz
de entre as camadas sofredoras que proteste contra este sarcasmo, esta falta
de humanidade e de patriotismo nos homens responsáveis pelo nosso destino.
Estes pensam que os pequenos, os humildes, os pobres, os famintos são parte
muito secundaria da sociedade brasileria. Elles, os grandes, como que se
envergonham de chamar irmãos e patricios os que tombam no infortúnio e se
apresentam maltrapilhos, desfigurados, cadavéricos, transitando como si
fossem irracionaes, por entre as massas vaporosas de alguns ricaços petulantes
e mysantropos das cidades, cuja esmola só lhes sae das mãos nos momentos
de bom humor, ou quando a occasião lhe proporciona um rasgado elogio á
sua “benemerência”... é preciso dar esmola sem saber quem é o pedinte. “que
a esquerda não saiba o que fez a direita”.291
Voltando à denúncia de ter recebido propina, ele destacou que o que mais havia
fortalecido era a suspeita de que havia os “flagelados de gravata”, agregados da família Saboya.
E que já havia ido a campo para averiguar os boatos, e não viu esse privilégio. Encontrou alguns
desnecessitados, como Emilio Camillo que acumulava cargos de escrivão do Juri e Oficial de
Registro Civil. Numa crítica irônica afirmou que isso era uma vergonha.
Foi uma crítica branda, incomum na sua forma de escrever. E se justificou afirmando
que só acusava quando tinha base sólida. Pois, havia rumores de que trabalhadores da rodagem
foram vistos limpando muro do engenheiro chefe e pagos com dinheiro público, mas que ao
indagá-los, eles afirmaram ser um trabalho particular e de que recebeu da família o pagamento.
Daí concluiu: “ou estes trabalhadores recebem vencimentos também para mentir ou não temos
bases para atacar a administração. E ainda sugere que seu jornal está aberto a quem quiser se
responsabilizar pela acusação”.292
O sentido de legalidade se tornou uma boa forma de defesa, afinal lembrou que cabe a
prova a quem acusa, como ele não as tinha, não se manifestou. Esta foi a saída. Sem provas, sem
acusação. O fato da imprensa “conservadora” opositora levantar a suspeita de que “rolou” algo
para amenização de críticas induz uma mancha nessa imagem de lisura que Deolindo Barreto
procurou construir em seu periódico. E representa a articulação com grupos oligárquicos
também.
Em 1918 um novo periódico foi lançado na cidade: o jornal católico Correio da
Semana. A disputa pela imprensa ficou mais acirrada. Numa proposta de ter a felicidade
espiritual, ala ultramontana do catolicismo foi ampliando espaços políticos na cidade. Curioso
perceber que, em princípio, os católicos não consideravam a imprensa293 como espaço essencial
291 As Promessas. In: A Lucta. Sobral, 13 de outubro de 1915. Assinada por Mario Leblon
292 A Lucta. In: Sobral, 1 de março de 1916.
293 Acreditando que o poder da informação cabe ao Clero, não à sociedade, mas percebe que é um instrumento
“moderno” que deve ser apropriado na ofrmação dos fies.
94
tese definitiva- (com corte).ind94 94
12/4/2006 10:28:51
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
de difundir suas idéias, mas se “entregaram” a ela como espaço de disputa com o grupo liberal.
Essa percepção antagônica foi apresentada no seu primeiro editorial:
Entidade moral de grandiosa importância que concretiza um poder imenso na
sociedade, é sem duvida alguma o jornalismo. O jornal... quantos conceitos
antagônicos se encerram nesta palavra! O jornal é a seiva testilizante que
vivifica, ou o veneno atroz que mata; é a aura bemfazeja que afaga e fomenta
os bons sentimentos do coração humano ou o tufão devastador que estiola e
fomenta os bons sentimentos do coração humano ou o tufão devastador que
estiola e perverte a inocência; é o doce e suave reverbério da bondade e da
justiça que harmoniza os povos e estabelece o equilíbrio das nações, ou o
flagelo cruel e deshumano que suscinta as revoluções e os grandes crimes
sociais... o jornal é o grande mentor da sociedade, o grande semeador das
idéias, que mais cedo ou mais tarde colherá os frutos do seu trabalho. Ele
leva a todas as camadas sociais o pão espiritual, gerador de sangue que há de
circular neste imenso organismo que denominamos sociedade.294
E na continuidade é importante demonstrar que era preciso refletir se o jornal era
um “bom” instrumento de instrução. Poderia ser uma “arma” contra a sociedade, caso fosse
utilizado por idéias revolucionárias, como sugeriu anteriormente. Mas a dúvida pairava sobre
o uso desse veículo de comunicação: A calamidade não attingiu ainda o apogeu, todavia já
chegou ao ponto em que se pode seriamente duvidar, si o dano causado com o jornalismo pela
descoberta imprensa não seja porventura maior do que toda utilidade.295
A Bíblia era o "livro da verdade" e caminho da felicidade. Para o leigo não haveria
necessidade, nessa perspectiva, de outra leitura. Isso por que pensava o discurso religioso
como aquele em que falava a voz de Deus: a voz do padre, ou do pregador, ou de qualquer
representante seu era a voz de Deus. Um discurso como sendo a mistificação. Em termos de
discurso é a subsunção de uma voz pela outra, estar no lugar de, sem que se mostre mecanismo
pelo qual essa voz se representa na outra. O apagamento da forma pela qual o representante se
apropria da voz é que vai caracterizar a mistificação.296
O Correio da Semana atacava a postura de Deolindo Barreto, demonstrando o seu
“apadrinhamento” com o Prefeito democrata, que ele criticava nos outros, como a denúncia
salientada em 1921, em Um boletim atrevido, criticou um material: “boletim que circulou contra
os senhores Ce. Henrique Rodrigues, Prefeito Municipal, e Deolindo Barreto, empregado da
Prefeitura e redator de A Lucta”297, pois este duvidava da seriedade do governo municipal, tendo
um empregado difamador da moral. O Correio da Semana saiu em defesa do Prefeito e, quanto
aos insultos a Deolindo Barreto, afirmou “nada podemos dizer, porque pensamos que o diretor
294 Em Campo. In: Correio da Semana. Sobral, 21 de março de 1918, ano1, n. 1
295 Artigo em apresenta como o jornal foi recebido, e este foi a citação de Eduarde Von Hartman. In: Carta Honrosa. In: Correio da Semana. Sobral, 06 de abril de 1918.
296 ORLANDI, Eni. Vão surgindo os sentidos. In: ORLANDI, Eni(org.). Discurso Fundador, a formação do país
e a construção da identidade nacional. 2ed. Campinas: Pontes, 2001.
297 UM boletim atrevido. Correio da Semana. Sobral, sábado, 30 de jul. de 1921.
95
tese definitiva- (com corte).ind95 95
12/4/2006 10:28:52
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
de A Lucta tem-se com as próprias armas. A gúria de um é o bem catão de outro”298. Nessa
disputa de poder pela imprensa, Deolindo defende-se das acusações de desvio de dinheiro da
Prefeitura, para seu jornal, de 300$000, “para A Lucta falar dos marretas”.299
Numa perspectiva de “civilidade cristã”, o Correio da Semana chama atenção para o
problema das divergências na imprensa, em Jornalismo de Sobral em 1921, fazendo uma análise
das disputas entre os dois órgãos e critica A Lucta, afirmando: “semelhantes indelicadezas não
combinam diante de todos os juízos com os foros da verdadeira civilização sobralense” 300.
Esta deveria mudar seu discurso, pois o veículo religioso era o canal da voz de Deus, nessa
perspectiva, como tal estava no caminho da “verdade” e do bem da humanidade, num caminho
de “ordem social”, da “tranqüilidade pública”, visto que os cidadãos eram membros de uma
mesma família, logo, não poderia haver discórdia entre irmãos, era preciso criar a idéia de
“homogeneidade”301.
A “cidade” era o pano de fundo dessas disputas. Os tons de críticas e negação de
algumas práticas políticas demonstravam a cidade desejada. Na publicação de cartas de leitores,
essa imprensa reforçava o seu discurso e sua crença. Demonstrava assim que estava no caminho
certo, como a carta selecionada para publicação em 1920:
Escrevem-nos:
“Sr. Redator. Li atentamente aos dois últimos editoriais d’A Lucta sobre a
carestia da vida e, lamentando que s.s. não tivesse ferido os pontos essenciais
da excessiva elevação do preço de todos os artigos indispensáveis à nossa
subsistência, venho trazer-vos nessas linha...
Como ninguém ignora, sr. Redator, estas construções federais aqui decretadas
attrahiram para as imediações de nossa cidade mais de 10 mil pessoas de
todos os pontos do Estado. A nossa população assim duplicada, esta sendo
alimentada quase que exclusivamente de gêneros importados e como estes
aqui nos chegam em doses homeopatias traídas pelos trens de “Sobral”, são
insuficientes e, uma vez que o consumo é superior à produção, o resultado
é este que estamos vendo: por ser Sobral o ponto onde há mais construções
publicas, é por isso mesmo onde a vida esta mais cara. Isto quanto aos gêneros
alimentícios de primeira necessidade e que são importados. Quanto ao
gêneros locais, é um caso perdido, com que não devemos perder tempo, visto
como estando absolutamente acéfala á nossa prefeitura, ao que diz respeito
aos interesses gerais, não temos para quem apelar. Quanto aos demais artigos
domésticos ou de luxo, a supervalorização que aqui se verifica, é toda devida
á iniquilidade que preside a distribuição dos cargos nas referidas construções,
onde só tem ingresso os devidamente empistolados, que quase sempre são os
mesmos necessitados.302
298 Idem.
299 Balanço. In: A Lucta. Sobral, 11 de janeiro de 1922.
300 JORNALISMO em Sobral e 1921. Correio da Semana, Sobral, Sábado, 25 de set. de 1921.
301 MONTENGRO, 1992, P. 170
302 A carestia da vida. In: A Lucta. Sobral, 19 de maio de 1920.
96
tese definitiva- (com corte).ind96 96
12/4/2006 10:28:52
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
Eco dos recortes da prática política recorrente naquele tempo e que, em 1924, o discurso
de A Lucta ficou mais inflamado, pois os “marretas” estavam no poder. Assim a cólera deveria
ser o caminho do convencimento. No artigo Cuidado, denunciava-se que a pseudo Câmara
Municipal de Sobral, continuava acintosamente usurpando o lugar da Câmara verdadeiramente
eleita, e que acabava de aprovar um orçamento. E que:
se o valor fosse aplicado corretamente daria para mostrar uma cidade asseada,
higiênica e iluminada, ao contrario dessa imundice que se descobre em todos
os cantos da “urbs”, onde é absoluta a falta de higiene e asseio com flagrante
atentado ao estado sanitário. 303
E mais, demonstrou como na prática era o orçamento distribuído: “uma, a maior parte
para o filhotismo, encapado de funcionalismo municipal; a segunda, em despesas fantásticas; e
a terceira, a mais insignificante em proveito do município”.304
Nessa indignação, surgem formas de explicação para essa prática que para uns era
pelo fato do cargo de prefeito ser cargo de confiança, que tem medo de ser despedido, daí faria
mais política do que administração. Sem tirar a parte do prefeito, o maior culpado, em análise,
era o poder legislativo, que era eleito. Logo, teria autonomia para negar as benesses do jogo
político e apoiar as benfeitorias para a população. O problema era a indicação do Prefeito, já que
não havia legislação adequada para apoiá-lo, nem povo educado para saber escolher o “bom”
prefeito. E mais ainda a herança patriarcal da cultura do funcionalismo público. Isso inflamava
mais ainda, nesse artigo. Mas para isso apontava a solução: o concurso público.
No ideário liberal o concurso público seria a oportunidade de igualdade de condições
aos individuo que, de forma “neutra”, a política e acima de tudo “objetiva”, técnica, teriam
condição de ascender socialmente. Essa campanha também era política305. O que demonstra
uma imagem do caráter da cidade: o pertencimento aos donos do poder, que distribuíam à sua
parentela os cargos municipais. Mas deveria ser mudado e, no primeiro editorial de A Lucta, já
havia essa denuncia:
sem a tutela do partidarismo e das administrações, e longe da athmosfera do
favoritismo onde os favores entibiam os mais rígidos caracteres e daltonizam
as mais claras visões, e há de pregar a verdade sem ambages e sem reticências,
a verdade clara, rude e rota, é independente e será o órgão exclusivo dos
ceraenses que neste ou em qualquer outro município acima dos interesses
partidários propugnem pela paz e prosperidade do Estado. 306
Favoritismo condenável, por ser o instrumento de poder do outro. E na sua experiência
militante, expôs de forma crítica, de ataque e de busca de humilhar o outro por uma prática
303 Cuidado. In: A Lucta. Sobral, 02 de janeiro de 1924.
304 Idem.
305 Política sempre é passional. O discurso universal, mas que representa interesse de grupo. Assim como os
critérios de elaboração de um concurso é seletivo, logo excludente. Quem cria as regras, os perfis?
306 O Nosso programa. A Lucta, 1 de maio de 1914.
97
tese definitiva- (com corte).ind97 97
12/4/2006 10:28:52
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
corrupta, desleal e, pior, ilegal. Como o título instigante em Olygarquia ou Coincidencia?
denunciava a forma como no funcionalismo público “corria o sangue” de Gomes nas veias de
quase todos os empregados municipais, estaduais e federais. E apresenta os seus nomes:
Prefeito municipal: coronel Frederico Gomes Parente; presidente de uma das
câmaras municipais e deputado á uma das assembléias estaduaes, cel. Emilio
Gomes Parente, seu irmão;
Agente do correio, sua irmã;
coletor estadoal, coronel Jose Silvestre Gomes Coelho, seu primo;
Escirvao da colletoria, José Plutarco R. Lima, seu parente; supplente do
juiz seccional e procurador da câmara, Julio Ferreira Gomes, seu sobrinho
legitimo;
Thezoureiro, Lindolpho Gomes Parente, seu primo legitimo e cunhado;
Delegado de policia, major José Ignácio Gomes Parente, seu primo
legitimo;
Primeiro supplente do delegado, Diogo Ribeiro Filho, seu sobrinho
legitimo;
Escrivão do geral, Francisco Gomes, seu parente; tabelião de notas, Ildefonso
Cavalcante, seu primo;
Official do registro civil, Emilio Camillo Linhares, seu parente “longe”;
Primeiro supplente de juiz substituto, Cezar Ferreira Gomes, seu sobrinho
legitimo;
Segundo Dito, coronel Francisco Alves Parente, seu primo;
Promotor de justiça, seu sobrinho pela affinidade, fiscal das rendas estaduaes,
Lauro Gomes Parente, seu sobrinho legitimo. 307
Era uma cidade ocupada por um grupo, fechando o campo para outros interesses.
Essa descrição era para instigar os seus leitores, mas tinha um interesse especial em atingir um
grupo: “se os dignos redatores do “Diário”, jornal de Fortaleza do PRC, dão-nos a honra de nos
ler, que digam-se isto é uma coincidência ou se de facto é uma olygarquia, por que elles tanto
se batem”.308
Esse era um tempo de ânimos inflados e de egos em disputas. Assim esse tom de
escrita “exigia” uma resposta. Queria que o outro se defendesse ou que concordasse com a sua
argumenta, aceitando-a como verdadeira, e mudasse de postura. A reação dos coronéis ao lerem
seus nomes, expostos dessa forma crítica, irônica e atrelada à desonestidade, gerou sentimento
de indignação, rubror de ódio, de busca de vingança, para lavar a honra e manter seu poder,
que ora estava sendo questionado e desafiado . Isso faz supor reuniões de homens “poderosos”
cheios de “saída” para resolver tudo, com ânimos inflamados, falando em tom alto, exasperado
e querendo saber “quem estava pensando que era aquele jornalistazinho forasteiro”, como ousa
desafiá-los. E ficaram se indagando que tempo era aquele que um aventureiro poderia achar que
tinha o direito de falar desse jeito. Ele o chefe. O senhor da terra, do dinheiro e do poder, fora
desafiado? Algo teria que ser pensado e prática para manter a honra, o poder, a credibilidade e
ostentar a imagem de mando, de controle.
307 Olygarchia ou coincidência? In: A Lucta, 21 de março de 1915.
308 Idem.
98
tese definitiva- (com corte).ind98 98
12/4/2006 10:28:52
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
No pensamento autoritário do coronelismo, a submissão era o caminho de preservação
da vida. Submissão que Deolindo Barreto não quis aceitar e pregava contra o jugo do partidarismo
que tudo corrompia e destruía, verberando ou louvando, onde afirmava que
A Lucta apreciará os acontecimentos históricos do momento, travez da linguagem
serena da imparcialidade, jamais baixando a gatatada ou ao doesto. Lavados os
rancores inchosos, cheios de esperança no futuro, riscos de lealdade, procurarmeos
permanecer calmos como os habitantes antigos da Varella, evangelizando a palavra
divina despresando os sofrimentos prováveis acima das illusões possíveis309.
Assim, a luta política seria cotidiana porque ele não ficaria indiferente às coisas da
política. A moralidade das administrações muito lhe preocupava, era o espaço que defendia para
que o grupo dos democratas pudesse ocupar, em beneficio da ordem, do respeito à justiça e dos
direitos de cada um. Condenava as opressões, os abusos e as violências do outro, ao mesmo
tempo em que louvava os “atos dignos” do seu apoio nas ações nobres credoras de seu elogio,
as diretrizes criteriosas merecedoras do seu aplauso, vindo de onde viessem, agradando ou não
a todos os paladares. E pregava entusiasticamente:
Animados da mais justas aspirações, e não desejando que este programma
tenha a sorte das plataformas administrativas da actualidade, nos esforçaremos
por cumprir a risca, procurando sermos fies e oportunos, altivos e sobranceiros
nas ocasiões necessárias, intransigente e intemeratos nas nossas campanhas,
generosas e reconhecidas na nossa Victoria, que depende do publico cearense,
por quem vimos trabalhar.310
E procurando seguir o que anunciou desde sua fundação, as páginas impressas estavam
repletas de denúncias, informações laicicizantes, de cidade que se queria, sempre passando pelo
crivo da editoração, ou melhor, pela sua seleção.
Com essas publicações e a difusão das idéias, do “espírito da época”, e pelas conversas
em bares, cafés, nos espaços públicos em Sobral, as divergências foram sendo construídas, e
algumas punições entraram em vigor, como em Hontem e Hoje, onde criticava a postura dos
marretas, que antes atacavam os rabelistas no poder, e que estavam tendo práticas piores:
os rabelistas que desagradam os marretas, faz jus a um quarto escuro e pouco
asseiado na cadeia publica, como aconteceu com o director desta folha e
outras pessoas, e se ousa falar seria barbaramente espancado, como foi sabado
ultimo o poeta e jornalista Paixão Filho e quinta feira passado Dorothea de
tal, que as caladas da noite, foi arrancado de sua própria casa, onde estava
protegido pela Constituição da Republica. 311
309 A Lucta. Sobral, 25 de março de 1915.
310 A Lucta. Sobral, 10 de dezembro de 1915.
311 1 Hontem e Hoje.In: A Lucta, 12 de junho de 1920.
99
tese definitiva- (com corte).ind99 99
12/4/2006 10:28:53
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
A sua desolação com tal prática era que violava a cartilha-mor, a Constituição que ele
“defendia”, que, nesse caso, ordenava a vida social da seguinte forma:
Secção II – Declaração dos Direitos
Art. 72 ss 11 – A casa é o asilo inviolável do inimigo; ninguém pode aí penetrar,
de noite, sem consentimento do morador, senão para acudir as vitimas de
crimes, ou desastres, nem de dia, senão nos casos e pela forma prescrita na
lei.312
E o artigo sobre prisão:
Art. 72 ss 14 – Ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa formada,
salvo as excepções especificadas em lei, nem levado á prisão, ou nela detido,
si prestar fiança idônea, nos casos em que a lei permitir.313
O tema da violência, recorrente em A Lucta, era uma forma regular desse tempo para
os ajuste de tensões. Legalmente era proibido, mas muito praticado na cidade sertaneja. Querer
mudar atitudes políticas, sociais, culturais era criar conflitos direto com grupos oligárquicos
opositores, com famílias que estavam no mando local, estadual e nacional, há um certo tempo
e se arvoravam como detentores do espaço público. O público era transformado em espaço
privado. Sentimento tão presente que a cidade tinha como espaço patrimonial. Laços de sangue,
berço ou de amizade garantiam identidade de pertencimento, transformava o indivíduo em
querido ou rejeitado. Por sua postura sobre os poderes dos mandos locais, Deolindo Barreto
foi considerado “forasteiro”314. O que justificaria o motivo de tantas críticas e oposição aos
sobralenses315, capaz de publicar uma imagem de cidade problemática:
no interior não há justiça, não há administração. A politiqueei, invadiu todos
os ramos administrativos... ela estragou a toga da magistratura e destruiu as
paredes dos cofres estaduais.
Quando a candidatura de uma administrador nasce dos conciliabulos dos
gabinetes políticos, onde se prostitue o regime.Este pode ter o maior êxito
de ordem, tolerância, economia e justiça... A ordem, a tolerância, a economia
e justiça – a primeira não se confundindo com os abusos das liberdades, a
segunda, não roçando pela transigência dos fracos a terceira, não se limitando
em onerar o povo.316
312 Constituição Federal dos Estados Unidos do Brasil. São Paulo: Zenith, 1926. p. 47.
313 Op. cit. p. 44
314 A Ordem. Sobral, 27 de abril de 1916.
315 Sobralenses aqui como “homens bons”, no sentido de forjar uma unidade. Essa perspectiva foi trabalhada
na escrita tradicional da cidade. Um trabalho que rediscute o sentido de sobralidade atualmente é: LOVISOLO,
Hugo. A memória e a formação dos homens. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, 1989. vol. 2, n. 3
316 A Lucta. Sobral, 12 de abril de 1915.
100
tese definitiva- (com corte).ind100 100
12/4/2006 10:28:53
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
Não ter o pertencimento da terra, era motivo de discriminação, de perda de identidade,
não compunha a “unidade” que caracteriza ser de um lugar317. Como se houvesse um padrão
do ser sobralense. A resposta que o jornalista forneceu foi pela cultura, pelo hábito, ao afirmar
que a sua educação foi dada em Sobral, e que muitas coisas que aprendeu, aprendeu com os
sobralenses e se defende publicando que nutre um amor pela cidade, agora não mais um “amor
estranho”, como em 1914, mas uma relação de identidade, de concretude.318 Ao mesmo tempo
em que não negava que havia nascido em Crateús, como ironicamente assinou em 1922 o artigo
A Melhor Defesa endereçada ao Diretor de Correio da Semana:
Esta carta, meu velho, era para lhe ter sido entregue quarta-feira passada. Um
distincto sobralense, porem, que muito presa a paz e harmonia desta cidade e
muito zela a pureza da religião dos seus maiores sustou o envio, propondo-me
um termino nessa campanha inglória que você provocou e alimenta. Ao que
me constou depois, você desrespeitando o seu bispo, desmanchou com uma
patada todo o serviço de concórdia e pariu mais aquella edição de sabbado,
sobre a qual me manifestarei logo mais.
Deolindo de Cratheus319
Deolindo de Crateús ironizava e mostrava os “bastidores” da discórdia. Um
representante do clero que instiga os ânimos, que desacata as tréguas. Ele “apenas” estaria
rebatendo, defendendo-se. Curioso notar que por trás deste tom irônico há uma busca de
identidade, de mostrar de onde vinha. Até então a sua origem não havia sido indicada nas
páginas dos periódicos, ele destaca o seu lugar. A não negação de territorialidade pode significar
também um indício de volta a raiz para buscar pontos de apoio como forma de defesa.320
A coisa pública, tratadas como privada, era campo fértil de denúncia, também, com
mais profundo desgosto era presenciada a politicagem, presidindo a distribuição dos empregos
nos serviços que o Governo Federal decretou para socorro aos flagelados pela seca, cuja
conseqüência é
ver-se em prejuízo pobres Pais de numerosa família, a quem se nega o humilde
cargo de feitor, colocados em lugares rentáveis, rapazes solteiros quase sem
necessidades. Com exceção do açude do Tucunduba, onde a politicagem não
pôde entrar, era raro, ver-se um rabelista colocado em tais serviços321.
317 Pertencimento que se perde quando se passa a morar fora do seu lugar de origem e construir uma imagem de
persona non grata, no outro lugar.
318 Esse “fardo” de ser “forasteiro” ele utilizou de forma irônica contra o Prefeito José Jácome, que chamou de
“filho de Santa Quitéria” ou “quiterense”, circulando a justificativa de não ter amor à cidade por não ser do seu
território. Essa ironia que ele faz representa dois caminhos, ou ele estava ironicamente criticando a elite marreta
que usava dois pesos e duas medidas para “julgar” os não sobralenses, que apoiavam o Prefeito, mesmo não
sendo da terra; ou ele acreditava que isso justificaria a falta de cuidado que estava tendo com a cidade e seus
moradores.
319 A Melhor Defesa. In: A Lucta, 24 de dezembro de 1922.
320 Característicos dos personagens populistas, que volta a sua origem para se proteger das críticas.
321 A Lucta. Sobral, 15 de dezembro de 1915.
101
tese definitiva- (com corte).ind101 101
12/4/2006 10:28:53
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
O interesse de grupos fica evidenciado aqui. Os “rabelistas” querem ocupar espaços
políticos , não pelo viés revolucionário, mas a troca de grupos no poder. Nesta citação há um
tom de crítica ou de queixa? Os rabelistas eram os mais necessitados? O não “fatiar o bolo” era
o motivo de tantas críticas? Há um tom de lamento aqui. Mas continua:
para os trabalhos do prolongamento de Crateús, o próprio presidente do
Estado fez a distribuição para os seus correligionários, ficando apenas para
distribuição do engenheiro-chefe o cargo de feitor e cheio de recomendações...
Se o governo federal nos lesse e mandasse proceder a uma criteriosa
sindicância neste fato, havia de revoltar-se com o resultado do quanto de
ódios existe em tal distribuição.322
O eco de revolta sobre a condição de vida dos flagelados estava em segundo plano. Os
princípios do grupo “rabelistas” seria a solução. Com eles haveria esperança em tirar essa imagem
de ruína a seu redor. Uma ruína humana, onde a fome matava, degradava, desumanizava; onde
havia uma prática de esmola, caridade que era um ato de humilhação, na perspectiva liberal,
pois contra isso era preciso dar condição de trabalho ao indivíduo para gestar o mercado.323 Mas
esta noção de dignidade pelo trabalho foi relativizada com a experiência de uma cidade em
crise e pessoas morrendo de fome perambulando pelo espaço urbano. A esmola não foi somente
vista como degradante, mas como condição de sobrevivência. Assim formas de gratidão eram
publicadas, como a iniciativa do Padre Tupinambá em suas campanhas de arrecadação de
alimentos.324
A imagem da década de 20 era de temas de perseguições, agora mais intensas com
parte do clero. E Deolindo Barreto procurou tornar público a visão de como isso começou. Ao
publicar Conte-se o caso como o caso foi. O cão é cão e o boi é boi325, queria trazer o leitor para
o seu lado, que compreendesse o porquê de sua perseguição. Para isso construiu uma trajetória
de sua vida pública, buscando explicar os motivos de despertar tanto ódio. O leitor ficou a par
da sua vida pública de quando chegou a Sobral, do retorno do Pará, onde adquiriu uma pequena
tipografia e que:
se estabeleceu com uma officina para impressões avulsas e sem distincção
partidária na effervescencia política de então, imprimia para rabelistas e
marretas. Recebendo dias depois em meu estabelecimento, dois moços
democratas que contractaram a edição do jornal critico “A Mão Negra”, na
referida officina.326
Nessa narrativa explica que assim “iniciou” a divergência com o Juiz José Sabóia,
e passou a perceber que suas ações seriam mais vigiadas. Vai desabafando com seu leitor,
relatando a sua trajetória, onde continua a sua existência, sempre combatendo os erros e os
322 Idem.
323 A dignidade do homem é conseguida pelo trabalho, no princípios liberal.
324 A Lucta, 10 de dezembro de 1915.
325 Conte-se o caso como o caso foi. In: A Lucta, 15 de novembro de 1922.
326 Idem.
102
tese definitiva- (com corte).ind102 102
12/4/2006 10:28:53
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
crimes dos potentados, colocando-se ao lado dos que sofriam se merecendo sempre o apoio e
os aplausos do clero sobralense. E demonstra que tudo mudou quando:
da candidatura de Belizário Távora, e que o padre Leopoldo que sempre
teve uma noção muito triste da intransigência, disse “Deolindo a candidatura
Belizário marcha em caminho da Victoria e você que é parente dele, não tem
compromisso partidário e nada tem ganho em política, deve apóia-lo.” 327
Ao que respondeu Deolindo Barreto que:
efetivamente não tinha compromissos partidários e, que o Belizário se
apresentasse na arena política a disputar a política pelo braço dos católicos,
não teria nenhuma dúvida em neutralizar-se no caso; mas, assim como ele
vinha, pelo braço do marretismo chefiado por um maçon, terme-á pela frente
combatendo a sua candidatura.”328
Pelo seu relato esta “pequena” discussão foi o estopim das divergências com o Clero,
o referido padre retirou-se para não mais voltar à redação, e em seguida começou a notar a
impiedade ao seu diretor e à sua “linguagem immoral”329, que, para Deolindo Barreto, foi o
caminho encontrado para de uma maneira desleal e criminosa expô-lo à odiosidade da família
sobralense.
Essa postura foi considerada anticlerical e deveria ser combatida, assim o padre
Leopoldo, na menor manifestação de desagrado que sentia, pedia socorro aos irmãos do
Santíssimo, aos Filhos de Maria, aos Vicentinos, aos confrades de todas as sociedades pias, de
quem se arrancava protesto com ameaça de inferno e outras igonomias indignas de um povo
civilizado.
Na continuidade da escrita de sua trajetória, Deolindo Barreto apresentava como estava
ao lado do povo, como em 1921, quando os padres anunciaram que não dariam a comunhão às
senhoritas que fossem aos bailes de carnaval, então ele foi a favor do carnaval, por considerar:
a única coisa seria neste paiz... não recuamos, enfrentamos aquelle regime de
crê ou morre, perdemos alguns assignantes e algumas amizades, mas tivemos
o prazer de no anno seguinte não ver repetida a exdruxula prohibição.” 330
Vitória. Ser vencedor em algumas circunstâncias fortalecia a sua perspectiva. E
Deolindo Barreto expunha que sobre a “tômbola da exposição”, era estranho o sr. Bispo com
o juiz metidos neste negócio de rifa, pelo qual haviam brigado a poucos tempos”331. E o jornal
censurou a falta de brio de ambos. Após duas páginas inteiras de relato de defesa, perguntando
327 Conte-se o caso como o caso foi. In: A Lucta, 15 de novembro de 1922.
328 Idem.
329 Título do artigo publicado no Correio da Semana em 13 de março de 1920.
330 Conte-se o caso como o caso foi. In: A Lucta, 15 de novembro de 1922.
331 1912, quando publicou Inquilidade, em favor da continuidade da rifa em prol da construção da Santa Casa,
desencadeando a hostilidade com o Juiz.
103
tese definitiva- (com corte).ind103 103
12/4/2006 10:28:53
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
quem era o pomo da discórdia, propunha ao leitor que raciocinasse, que tirasse suas conclusões,
a partir do relato extenso que fez. Esse apelo ao leitor, representa um caminho de esperança.
Esperança como um prazer imaginário, uma crença em algo melhor. Mesmo apresentando as
perseguições, havia uma sede de felicidade. A prática de críticas era a busca de ampliar os
adeptos pelo convencimento das idéias, das palavras.332
No horizonte de Deolindo Barreto, a perspectiva de esperança seria possível pela
eleição. Com posturas moralizantes, honestas, pois no caminho da legalidade a vida social seria
mais feliz. Mas que era para ser momento de esperança, também era de conflito. Assim volta-se
a década de 10 quando afirmava que:
[...]se
no Brasil a República fosse uma verdade, as eleições um fato, a justiça
um ideal e a Constituição um dogma, veríamos depois de amanha em todos os
municípios, abertos os colegios eleitorais, acolhendo em seu seio o eleitorado
alegre e satisfeito no seu traje domingueiro para cumprir os seus direitos
de civismo, e deste concerto publico e solene de cidadãos livres e patriotas,
sairiam eleitos os nossos verdadeiros representantes para comporem um
Congresso Legislativo compatível com a nossa forma de governo e digno
dos nossos princípios de democracia. Veríamos sairem cidadãos ativos
incapazes de trocar os direitos que lhes delegamos, pela posição humilhante
de escravos submissos de uma politicagem ganaciosa e exigente. Veríamos
sairem licurgos inteligentes e talentosos que saberiam apresentar, discutir e
sustentar problemas que visassem o nosso interesse. Veríamos sair homens
intransigentes que saberiam fugir do ambiente acanhado das benesses e
favores administrativos que entibiam as mais claras visões e daltonizam os
mais rígidos caracteres, para se colocarem no vasto espaço do patriotismo,
para defender os direitos do povo que o elegeu.” 333
A falta de decoro, uma conduta torpe, e de uma prática republicana enganosa, são
alvos dessa contestação. Era uma escrita inflamada, forte, querendo chocar para que o leitor
tomasse posicionamento. E nesse caráter pedagógico, continuava afirmando que a República
era uma mentira, as eleições uma utopia, a justiça uma quimera e a Constituição:
uma ponta de charuto que se fuma ate queimar os lábios, pois nos pleitos
eleitorais reinava um silencio misterioso, envolvendo todas as sessões, porque
o cidadão de brio e independente, evitando na sua laboriosa atividade o papel
de comediante, não se daria ao trabalho de procurar na gaveta o papelucho
ridículo, de nome de titulo e se dirigir a secção para votar num candidato
a quem os caudilhos já elegeram e vão empossar. De onde saiam eleitos
os verdadeiros eleitos da fraude e da mentira para compor um Congresso
Legislativo compatível com Pinheiro Machado, em quem se encerra toda
essa mentira que se chamava República.334
332 Sobre esperança burguesa ver:
333 Eleições. In: A Lucta, 05 de fevereiro de 1915.
334 Idem.
104
tese definitiva- (com corte).ind104 104
12/4/2006 10:28:54
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
Denunciar a farsa republicana, a farsa da democracia era a forma de extravasar a
sua insatisfação. Para um liberal democrata que acreditava na força do indivíduo, do poder de
escolha e o respeito por essas decisões, não deveria ser fácil lidar com as falcatruas cotidianas
da prática oligárquica.
E com essa prática:
sairiam verdadeiros exemplares da subserviência e submissão, que convictos
do vicio da sua falcatrua aviltante, esqueciam por completo os interesses do
povo que representavam. Vão obdecer so seus chefes, não discutirão, não
combaterão, não sustentarão nenhum projeto que não seja o de obediência a
voz apoquentada do seu patrão exigente.335
Nesse processo, a única eleição honesta no Ceará, depois da República, cuja lei e
liberdade do voto foram respeitadas e amparadas, foi a do sr. Coronel Marcos Franco Rabelo, e
segundo Deolindo Barreto, por isso mesmo a única anulada pelo governo federal. Era o retrato
de um Estado em ruína, que não quer o bem coletivo. Imagem de fraude eleitoral, de falta de
escrúpulo, desenvolvidas na confecção das atas eleitorais. E afirmava que:
...em Sobral a falta de escrupulo na confecção das atas era tão grande e tão
conhecida, que se dizia, que os poderes competentes não as apuravam e nem
tomavam conhecimento. Recebido o invólucro das mesmas no Congresso,
conhecida a sua procedência, eram atiradas ao sexto dos papeis inúteis,
servindo apenas para fazer corar o sr. Eduardo Saboya, como sobralense, que
e o que quase sempre teve a desventura de estar presente em tais ocasiões...
ate hontem as eleições destinguiam-se pelas duplicatas humilhantes, ou pela
vergonhosa manufactura a bico de penna, que tem a propriedade de atrahir as
urnas os mortos, os ausentes e os nasciturros... de hoje, então baterão o Record
da imoralidade, não so teremos de ver os mortos abandonarem os seus leitos
e correrem velozes as urnas como veremos vergonhosas triplicatas, pois de
outra forma não poderá acontecer devido a triplicidade de mesas eleitoraes,
que foram organizadas sobre a presidência da fraude, secretariada pela ma
fe. Os magnatas da política situacionista local preferiram aventurar para
sua eleição fraudulenta o resultado o resultado da analyse dos alchimistas
da política que protege o seu partido, a entrar em qualquer accordo com os
adversários, que garantisse a legalidade da mesma.336
Outro alvo, preferido daqueles que consideravam que “as letras bem manejadas eram
verdadeiras armas”, era a Igreja. Ela era identificada como a superstição, o irracionalismo, o
controle tirano da vida e do pensamento das pessoas. Em Poltrões da Raça!, não denunciou que
o Pe. Leopoldo Fernandes estava a serviço do marretismo rubro, teve postura sem moral, era um
saltimbanco da religião. Também, que tal padre era “indigno de servir aos católicos de Sobral,
berço de tantos sacerdotes, que tem sido verdadeiras glorias do Clero brasileiro.” 337
335 Idem.
336 A Lucta. Sobral, 13 de abril de 1915.
337 Conte-se o caso como o caso foi. In: A Lucta, 15 de novembro de 1922.
105
tese definitiva- (com corte).ind105 105
12/4/2006 10:28:54
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
Dessa forma, Deolindo Barreto afirmava:
que poltrão de raça, era quem se servia da religião mais linda do mundo para
explorar os seus baixos sentimentos e transições partidárias e as ambições
desmedidas da sua alma ennegrecida nos obscuros caminhos da calumnia
e da injuria; poltrão de raça era quem vestia uma batina, humilde traje dos
propagadores da fé, para prostituil-a e enlameal-a na sergeta da politicalha;
poltrão de raça, é quem se serve dessa mesma batina para insultar os homens
de bem de uma terra que teve a suprema destida de recebel-o em seu seio
e vel-o hoje abrir sulcos profundos de incompatibilidade entre a família
sobralense, política, social ou religiosamente falando.338
A partir daí inicia uma imagem de prática anticlerical fomentada na imprensa. Na
continuidade do artigo afirmava o Padre Leopoldo era poltrão de raça por:
crucificar a consciência dos seus paroquianos, abusando da autoridade
religiosa, e explorando a crença contra aqueles que não lhe temem os
arremessos do ódio; e é quem abusando das colunas de um jornal mantido
pelos católicos para propagação e defesa do catolicismo espalha a guerra,
aflingindo lares, perturbando o sossego familiar, “invertendo os factos,
caluniando, cuspindo insultos sobre as faces daqueles que não se sujeitam ao
regime de incoerência de suas predicas.339
E que a justificativa para tal comportamento era por ódio pessoal, mais do que por
amor a religião. A sua “odiosidade pública a um homem, cujo maior defeito era combater os
erros sem se preocupar com a fonte de onde eles nascem”, isto por ele Deolindo Barreto.
Apresentando uma postura anticlerical bem pontual340, criticava os maus padres, mas
acreditava nos bons padres e na Igreja, considerava alguns padres como amigos, como o Padre
Lira. A sua postura e d’A Lucta era religiosa, o que questionava era a postura de alguns padres.
A sua argumentação era de que:
o único eixo da antiguidade que não deveria ser almejado era o politeísmo,
com a velha Roma sanguinária dos Cesares ruem as decrépitas instiuições do
mundo pagão e bárbaro, para por sobre seus vastos escombros e imensas ruínas
levantar-se, vencedora, a nova Roma cristã católica, a Roma gloriosa dos
Papas, donde se irradia há vinte séculos, num halo de luz deslumbradissima,
considerava como o gênio tutelar da humanidade, o fator e arauto de todo
o progresso e de toda cultura. Desaparecesse o Cristianismo, e haveria um
recuar à barbárie pagã, á civilisação decrépita e exaustiva da velha Roma
sanguinária dos Cesares.341
Dessa forma, o que se destacava da mentalidade renascentista era o valor da organização
338 Idem.
339 Idem.
340 Essa postura é considerada pelos anarquistas como anticlericais politicantes, pois briga com o padre com
caráter político, eleitoral e até bancário, e evita discutir a base da Igreja, muitas vezes se casa, batiza-se na igreja,
assim, buscam combater o diabo com água benta. Ver : Anticlericalismo Equivoco”. In: A Lanterna, 10 de
janeiro de 1914.
341 A Lucta. Sobra, 06 de outubro de 1915.
106
tese definitiva- (com corte).ind106 106
12/4/2006 10:28:54
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
social baseada na lei, em que se desejava uma vida social:
prevista na sabedoria das leis com que alguns ideólogos enriqueceram a
Jurisprudência, na forma de governo, talhada aos moldes da mais culta
democracia, aumentaria o respeito à lei e que os executores desta se
empenhariam sem desfalecimento no cumprimento dos seus princípios
essenciais. 342
Questões como direito populares, independência dos povos, são denunciadas como
rótulos coloridos, visto que a justiça foi minada pelo vírus da “politicagem malsã” que empolgou
a nação a despeito do sublime ideal dos fundadores da República. Denunciava ainda que os
vencidos não tenham direito a própria defesa e vencedores tem imunidade, que os levam a
praticar todos os crimes. E que o tribunal de justiça sublime instituição criada para os homens
julgarem seus semelhantes, havia sido invadido pelas conveniências da politicagem, em
detrimento ao respeito pela organização social.
Essa era uma postura de um liberalismo que põe de lado o perigo pessoal. A crença
de que as idéias são mais fortes que a violência. E ele acreditava na imprensa como quarto
poder do mundo, e que nem o extermínio do jornalista pelo assassinato haveria de conseguir o
desaparecimento do jornal.
O conflito dessas mentalidades se deu no espaço urbano, na formação das cidades343,
e na criação de novos hábitos. Era preciso ter um sentido educativo nessa militância, criar o
habito344, fazer com que a mentalidade de inquietação do discurso de igualdade de oportunidades
fosse cotidianamente inserida na vida social urbana. Uma esperança e perseverança de dias
melhores, na formação na nova nação.
Encerra-se aqui com o seu pensamento sobre o seu ofício de que “fazer jornal, não é para
que digamos, uma coisa tão fácil como vender leite ou lenha, não. É às vezes muito mais difficil
do que a sciencia de Esculapio e tão pouco rendosa quanto esta quando não se tem cliente”. 345
342A Lucta. Sobral, 06 de outubro de 1915.
343 Ver: LE GOFF, Jacques. Por amor as cidades. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
344 Hábito descrito literalmente como sendo “a tendência adquirida, para fazermos aquillo que já fizemos, para
fazê-lo melhor, com mais facilidade, com mais destreza”. In: Para ser forte. A Lucta, Sobral, 21 de abril de 1914.
345 No Rastro dum Christão Novo. In: A Lucta, 18 de novembro de 1922.
107
tese definitiva- (com corte).ind107 107
12/4/2006 10:28:54
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
3.4. Cidade em ruína: seca, políticas públicas e corrupção
A epidemia que atinge a cidade, que esta amedrontando as cidades vizinhas,
não é febre, é fome, é inanição, é vergonhoso, mas é verdade e nós dizemos
a “verdade na terra embora desabem os céos”! E não fora a egreja, aqui
representada pelo benemérito padre dr. José Tupynamba da Frota, que com
uma vontade férrea e um stoicismo espartano mantem uma pequena
assistência a uma pequenina parte de tantos infelizes, o espetáculo seria
muito mais doloroso.346
Uma cidade que amedrontava. Mais que isso, que envergonhava seus moradores e que,
quando vem a público, desmoraliza os seus administradores. Essa representação do que seria
ver pessoas morrendo de fome pelas vias públicas, essa imagem de sofrimento extremado dos
infelizes da seca, como tantas outras sentidas nos anos anteriores347, possibilita compreender
uma proposta de abandono do território, a partir dos graves problemas da seca de 1919:
...O ano passado, foi aquilo que se viu: morreu gente até de sede. Este ano,
quando todos tinham perdido a esperança do inverno, inesperada e tardiamente
cai um aguaceiro diluviano, que levou de enxurrada os poucos roçados feitos
pelos estóicos, que como o Oriano Mendes acreditam que a nossa salvação
está na agricultura...
Efetivamente necessitamos mudar de rumo, mas o que nos ensina o meu amigo
Oriano é um circo vicioso, que após inauditos esforços nos leva às largas portas
da prosperidade, para de lá, num ano de seca, nos atirou impiedosamente
na miséria de onde saímos cinco anos atras. Nestas condições, outro deve
ser o nosso rumo. Procuremos saber se no nosso Estado existem minas de
carvão, ferro, cobre, etc. cuja exploração garanta a nossa subsistência e o
nosso progresso. Em caso afirmativo, passemos a mineiros, a industriais e
deixemos a agricultura e a pecuária aos Estados de clima apropriado. Em caso
negativo, então, só nos resta um caminho a seguir e este é aproveitarmos esta
infinidade de contos de reis que o governo esta infrutiferamente enterrando
em açudes e rodagens e com eles custearmos a nossa emigração para uma
nesga desse colosso Mato Grosso, onde poderemos constituir um Ceará com
todos os seus habitantes e costumes e sem esse terrível pesadelo das secas, e
abandonar essa gleba ingrata aos chiquechique e carnaubeira.348
1919. Mais um período de estiagem, de “seca”, de investimentos do cofre público
não investido para amenizar a vida dos sertanejos. Assim, nessa Croniqueta há uma proposta
extremada para solucionar o problema: transferir para o Mato Grosso. Num relato entre secas e
enchentes, nem o maquinismo moderno iria dar conta do problema social, a solução seria deixar
o território, abandonar a terra Essa publicação difere das outras que não vêem o problema do
346 Febre. In: A Lucta. Sobral, 05 de janeiro de 1916.
347 Sobre imagens de flagelo e sofrimento no Ceará pela imprensa, ver: BARBOSA, Marta Emisia Jacinto.
Fotografia e seca. Tese de Doutorado. São Paulo: Puc, 2004.
348 Chroniquetas – Devemos mudar de Terra. In: A Lucta. Sobra, 19 de maio de 1920.
108
tese definitiva- (com corte).ind108 108
12/4/2006 10:28:55
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
sofrimento da seca sendo proveniente apenas da falta de chuvas, mas como a falta de seriedade da
coisa pública. Ela é muita representativa de como o desespero cria as mais diferentes estratégias
de sobrevivência ou demonstra de forma irônica a descrença no poder público.
Por que continuavam habitando essa área? Sugestivo perceber que a questão era
política e que, mudando as práticas de corrupção, uma sociedade de oportunidades iguais a
todos seria possível. O Ceará era a terra de pertencimento, teria direito de se organizar e se
“civilizar”. Tanto que não teve resposta esse artigo.349
Os períodos de crise com a seca eram divulgados pela imprensa, a fim de chamar a
opinião pública e pressionar o Governo Federal para enviar recursos extras para a região.350 Como
Leonardo Motta, um colunista respeitado, abordou o tema em 1915. Agradecendo os jornalistas do
Pará, que tem apoiado aos cearenses que têm vivido de pedir, humilhados e abatidos, mas ao mesmo
tempo denunciava que não se justificava a emigração dos cearenses, afinal, no território cearense
cabia todos. Afirmava que o governo federal agia criminosamente. E pedia aos jornalistas do
Ceará: “luctar sem desfalecimentos e sem tréguas por que o governo da União debelle o problema
das secas e conter dest’arte no solo cearense os filhos desta terra ate hoje abandonada”351.
Assim, em Assumptp Triste352, criticava a falta de atenção do sul ao nordeste. Ressaltava
a questão da atitude humilhante que era a esmola, e ao mesmo tempo a revoltante atitude no Rio
de Janeiro do esnobismo de uma caridade nobilitante “[...] só pelos desamparados do nordeste
jamais effervesceu o dos sulistas prurido de amor ao próximo”. Relembrava que a seca era um
problema desde o século XVII, e que para muitos a salvação era a fé em Deus, mas o problema
era político, de desvio de dinheiro e, mais do que isso, um ato deshumano.
Assim publicou Provérbios opulares:
“Quem de uma escapa 100 anos vive”... seca que nos infeliza desde o século
17... Os governos, a titulo de obras contra as secas, tem gasto tanto dinheiro
que transformando em cobre liquido já era sufficiente para inundar nossos
rios e arrombar todos açudes que se há feito com taes dinheiro. Mas que
é do resultado prático? De que serviram para a secca actual todas as obras
feitas com tanto dinheiro? Apenas uma dúzia de felizardos agarrados as tetas
da inspetoria ou usufruindo os taes açudes, conhecem-lhe a utilidade. Urge,
portanto, que não so a imprensa, como as autoridades locaes, que não sabem
fazer outra coisa, desde já ponham a bocca no mundo a pedir sementes não
só ao presidente da Republica, ministros e deputados como as suas exmas.
esposas e madrinhas por amor dos seus mimosos filinhos e afilhados, afim de
ao menos em fevereiro podermos iniciar as plantações.353
349 Possivelmente uma matéria paga, pelo teor destoante dos outros conteúdos, mas seguindo as regras de imprensa, como anunciado no primeiro editorial.
350 Na historiografia esse período em que a seca era frequentemente tratada como calamidade foi chamada de
“industria da seca”.
351A Lucta, 28 de julho de 1915.
352 Assumpto Triste. In: A Lucta. Sobral, 19 de junho de 1915.
353 A nossa imprevidência. In: A Lucta. Sobral, 17 de novembro de 1915.
109
tese definitiva- (com corte).ind109 109
12/4/2006 10:28:55
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
O protecionismo, filhotismo e a corrupção eram os problemas gerados pela falta de
chuvas. Investimentos existiam, o desvio da verba é que não possibilitava minimizar a falta de
água. E a solução era a denúncia, a exposição do problema, a crítica, por que urgia não só à
imprensa, como às autoridades locais, “boca no mundo” a pedir sementes não só ao presidente da
República, ministros e deputados como às “suas exmas.esposas e madrinhas por amor dos seus
mimosos filinhos e afilhados, afim de ao menos em fevereiro podermos iniciar as plantações.”354
Eram apelos para amenizar os sofrimentos causados pela seca. Isso deveria ser papel social de
todos, desde do chefe maior da nação, até às mães de família. A experiência liberal no sertão
atrelava caridade à luta pela lisura administrativa, para possibilitar uma vida de oportunidades.
E não tirar proveito do sofrimento, da ruína da população pobre.
Como foi exposto sobre a suspensão dos trabalhos de construção da estrada de ferro
de Sobral a Itapipoca, desamparando mais de seis mil pessoas que constituem as famílias dos
mil funcionários, essa desastrosa e precipitada medida fundava-se na falta de verba e termino
do flagelo, e ironiza visto
Quarta-feira ao meio dia, de ordem superior, foram suspensos os trabalhos de
construção da estrada de ferro de Sobral a Itapipoca, ficando completamente
desamparadas umas 6 mil pessoas que constituíam as famílias dos 1.000
funcionarios dalli. Esta desastrosa e precipitada medida, funda-se na falta
de verba e termino do flagelo. O governo central necessita de uma verba de
50 mil contos de réis para recepcionar a família real belga e mostral-a que
somos um povo rico, hospitaleiro e patriota e por isso não pode continuar
dispensando a fabulosa somma de 50 contos mensaes com uma estrada de
ferro no Ceará, que vale pouco mais disto.355
Deixando esta população à mercê da caridade publica, por que era preciso criar uma
imagem de civilidade, urbanização e estabilidade. Mesmo que o preço fosse o sofrimento de
uma população que vivia a espera de milagres.
E os nosso representantes parlamentares não protestaram, não chamam o
governo ao comprimento dos seus deveres, e nem podem, coitados, pois
contam ser reeleitos e cahindo no desagrado do Presidente, não o serão, pois
este representa a única força eleitoral nos pequenos e pobres Estados como
o Ceará. 356
Era a ruína humana no contra-discurso da “civilidade”357 que começava a ser
354 Idem.
355 Calamidade. In: A Lucta: 07 de agosto de 1920.
356Idem.
357 O início da República foi marcado por discursos de médicos, juristas, engenheiros para que se construa uma
imagem de país positivos, cientifico, branco e civilizado. Sugestivos alguns trabalhos: raça ciência,. FREIRE,
Jurandir. Normas jurídicas e ordem familiar. Petrópolis: Vozes, 1989.
110
tese definitiva- (com corte).ind110 110
12/4/2006 10:28:55
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
demonstrada, pois o faminto reduzido ao extremo da penúria, contemplando e comparando
a sua minguada e sórdida ração e os seus farrapos, com os toilettes elegantes e mesa farta,
fatalmente chorava o seu infortúnio, concebia um horror à sua indigência e se considerava
pertencente a uma classe social ínfima e bem diversa da dos que ainda vivem sem precisarem
de esmola.” 358
O destaque é de que a sociedade tende a desagregar-se e recompor-se novamente em
moldes diferentes, sempre que recebe o choque de uma grande calamidade. Essa situação gera
crise e conflitos e, “neste combate ingente em que tomam parte todos os elementos sociais, os
sãos e os prejudicados, é posta em jogo a Victoria ou a ruína do bem.” 359
No tom o povo era o culpado: “chegam os grandes flagelos que ameaçam aniquillar a
sociedade, e o povo não sabe reivindicar os seus direitos, por que os desconhece; demais teme
o Governo” 360.
A família sertaneja era a representação dessa ruína, onde em todos os lares quase
a mesma cena, quase o mesmo espetáculo era visto, todos maltrapilhos, todos com fome e
nenhum lamento, nenhum protesto contra a tirania dos grandes. Para os pobres era sempre a
seca o seu único algoz, e que
nem siquer se lembram que há um governo que os poderia tirar desta miséria
e que paga imposto avultados ao seu governo somente por medo, por que vive
sem direitos e garantias. Esagero dirão alguns. No entanto é a pura realidade.
O governo para illudir a boa fé do povo grita-lhe ao ouvido: “Não há dinheiro”.
Pois si não tem dinheiro, para que ostenta o luxo dos paises ricos? Miséria e
miséria! Não é esta a Republica sonhada por seus fundadores. 361
Essa era uma solução para apaziguar os sofrimentos. Redução de gastos. Entretanto,
o que se fazia era o inverso, desviar as verbas em beneficio do “povo” para a construção de
uma imagem de país rico, civilizado e hospitaleiro. A crise sentida em Sobral, por conta desta
redução de verbas, abalou o comércio:
É verdadeiramente afflictiva a situação do nosso comercio devido a plethora
de vales das construções publicas, que ahi estão sem resgate desde fevereiro
deste anno, cujo total atinge quase 2000 contos de reis. Os labriosos e honestos
commerciantes desta praça, vendo seu capital transformado em vales, para
manter inabalável o seu credito, passam verdadeiras aflições, já tomando
dinheiro a premio elevado e já luctando em procura de quem o empresta.
O pânico causado pela irresgatabilidade desses vales, já attinge os agiotas,
que hontem procuravam no comercio o desconto sw 8 e 10% e já hoje o
358A moral victoriosa. In: A Lucta. Sobral, julho de 1915.
359Op. cit..
360Op. cit..
361Op. cit.
111
tese definitiva- (com corte).ind111 111
12/4/2006 10:28:55
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
recusam mesmo a 20%.
Desta forma, já ninguém se preocupa com a propriedade que tem os taes
vales de encarecer a vida e o assombro volta-se para a possibilidade de aqui
ficarmos encurralados, sem meios para importarmos os gêneros indispensáveis
a nossa alimentação, gêneros que não se adquirem com vales, cujo pagamento
feito por saque, é fatal no seu prazo estreito e não aceita desculpas e nem
delongas.
Contra todos os princípios de equidade, justiça e humanidade o governo
central, com paliativos e promessas falazes, há deferido as innumeras
reclamações feita pela imprensa e por telegramas coletivo do comercio e dos
próprios chefes das diversas construcções.362
Na década de dez, a seca passa a ser assunto explorado, a política de oposição em
A Lucta demonstrava os investimentos e a corrupção nas secas363 e mostrava que a violência
também era morrer de fome.364
Em tempos de crise havia um ofuscamento da esperança e ao mesmo tempo uma
renovação. A imagem do que se quer deve ser propagada, difundida e lutar para que vigore,
aconteça ecria novas perspectivas sociais. Isso era vitalidade social.
Um tipo de coluna chama “Sobral Retrospectivo” buscava no passado reforçar
a atualidade dos problemas do cotidiano. Como em Sobral Retrospectivos 1889, em 25 de
julho:
A “Gazeta” publica a relação dos flagellados de gravata da commissão de
construcção do Mocambinho que se pagaram dos vencimentos em atrazo,
com os gêneros da referida commissão, em detrimento dos verdadeiros
necessitados – Um telegramma do Rio informa que um grupo de homens,
dando vivas a Republica, alvejou o carro imperial, a sahida do theatro,
desfechando um tiro no Imperador, que felizmente não o attingiu...”365
Rememorar 26 anos depois temas como corrupção e violência não foi uma escolha
aleatória, representou que os tempos eram instáveis. Que aquele “sonho” de República, capaz
de amenizar os problemas sociais, não foi cumprido. Ainda havia os “flagelados de gravata”.
O comércio representa a classe mais poderosa, e que deve reagir, soltando gemido e,
se não surtir efeito, fechando as portas, que quebra a economia do Estado. E afirmava que o
Coronel Benjamin Barroso, presidente do Estado, não fez nada para aplacar o sofrimento da
seca, antes de deixar o governo. E questiova:
É justo, pois, que o governo, que tem a restrita obrigação de auxiliar os seus
govenados em quadras calmitosas, se associe á secca e a crise para extorquir
estas parcas economias?! Só mesmo homens despidos de sentimentos de
362 Crise Comercial. In: A Lucta. Sobral, 24 de julho de 1920.
363A Lucta, 14 de julho de 1915.
364 Chroniquetas - Liga pro-famintos. In: A Lucta, 18 de julho de 1915.
365 A Lucta. Sobral, 28 de janeiro de 1915.
112
tese definitiva- (com corte).ind112 112
12/4/2006 10:28:56
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
patriotismo e humanidade, podem insistir na execução dessa lei que eleva os
impostos, quando não seria demais que estes fossem reduzidos ao mínimo e
até suprimidos se possível fosse! Mas esta lei acabou sendo uma arma contra
seus inimigos. Esta era uma lei antiga, que Franco Rabelo sepultou, criado
por Nogueira Accioly. Acusa o governo de perversidade, de hediondez, chega
a ficar “bestializado sem poder compreender como no cérebro humano existe
espaço para tanta maldade” .366
Aproveitava espaço para exaltar o “exemplo” de governo que deveria ter, e voltar
Franco Rabelo. Assim, com a política dos democratas a vida seria menos sofrida. Era uma
sedução para conquistar novos eleitores. Com o aumento de impostos apontava ainda que não
só o governo explorava a miséria e o sofrimento como também alguns comerciantes. Pois em
Sobral, apontou, a carne sofreu um aumento abusivo, referente a todas as outras cidade do
Estado, principalmente numa época de caristia. E que a primeira reclamação que surgia pela
imprensa ou por qualquer outra via, os marchantes procuravam se defender, mas ele apresenta
uma planilha de custo mostrando o lucro abusivo e o quanto poderia reduzir e ser justo para a
população e lucro do comerciante. E terminou o artigo reafirmando o seu papel social: “como
fiel interprete da opinião publica e defensor incansável dos interesses da coletividade, aqui
deixamos o nosso alvitre e ficamos fazendo um voto ao Poder, só por que seja ele aproveitado
como merece”. 367 Mas não era apenas o Governo que não respeitava, foi apontado inclusive
a exploração à caridade pública, havia falsos pedintes que acabam tirando dos que mais
necessitam. Como mulheres que fingiram estar grávidas para terem prioridade nas entregas dos
benefícios; homens que pegam filhos raquíticos alheios para esmolar.368
Para o colunista Mario Leblon a República perdido o rumo primitivo, pois não supria
a necessidade dos seus súditos, estava ferindo as leis republicanas. Dentre tantos casos destacou
a seca:
O artigo 5 da Constituição Federal diz: “incumbe a cada Estado prover, a
expensas próprias, as necessidades do seu governo e administração; a União
porem, prestara socorros ao Estado que em caso de calamidade publica, os
solicitar”. O Estado pediu socorros mas “a quantos meses esperamos nos por
essa intervenção?” o caso aqui é de vida ou de morte de uma considerável
parte de cidadãos brazileiros; portanto não há logar para delongas, uma vez
que é previsto na Constituição.
...O menosprezo do direito sagrado do voto, o achincalhamento de tudo quanto
temos de nobre, tudo isto occasionado e causado pelos nossos dirigentes que
deveriam ter mais patriotismo.
As nossas condições climatericas, concordo, são o nosso principal algoz,
mas não é isto motivo assas justificável para increparmos as leis da natureza,
quando temos ás mãos o remédio salvador nas leis constitucionaes que, num
caso extremo como este, o Governo deve intervir.
366 GOVERNO DESALMADO – O Commercio deve protestar. In: A Lucta. Sobra, 15 de janeiro de 1916.
367 A Carne. In: A Lucta. Sobral, 19 de janeiro de 1916.
368 Chroniquetas VI. In: A Lucta. Sobral, 29 de março de 1916.
113
tese definitiva- (com corte).ind113 113
12/4/2006 10:28:56
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
Não há defesa justa para um governo que vê correrem rios de dinheiro para
obras outras perfeitamente addiaveis, e no entanto fica idifferente perante
esta obra urgentíssima da salvação de centenas de milhares de vidas.
Se fosse um governo que correspondesse á responsabilidade de seu cargo,
tomaria em tempo todas as medidas necessárias, a attenuar a nossa miséria,
mesmo que fosse necessária a venda dos nossos próprios nacionaes.
Na civilizada Europa o povo sabe reinvidicar os seus direitos quando lhe
affronta uma calamidade publica qualquer, e comprehende a alta significação
de suas reclamações. O Ceará esta no caso: reclama os seus direitos pedindo
a intervenção federal, mas não quer que lhe dêem fel para Mattar a sede. A
democracia não admite estas evasivas.369
Depois de uma longa crítica e indicando o “remédio”, a Constituição fez questão de
afirmar: “gosto muito de acatar e respeitar a auctoridade legitima e até não tenho o vezo de
fallar da vida alheia, nem sou adepto das theorias subversivas de J. J. Rosseau [...] mas que o
chefe de governo não seja Judas.” 370
A indicação de que o caminho a ser trilhado para a felicidade não era o proposto por
Rosseau, demonstra que não havia interesse em subverter a ordem, mas respeitar a vida. Uma
proposta de cura, afirmando que a vida deve valer mais que as representações de vivilidade. Era
uma esperança de que a ruína não fosse mais vivenciada, sentida, sofrida e motivo de desonra
nacional. Era preciso manter os direitos humanos, o direito supremo da vida. Os governantes não
deveriam ter mais direitos que os governados. A organização social deveria manter condições
de sobrevivência. Se estava desigual, que melhorasse a distribuição.
A esperança na humanidade, na felicidade, no bem estar social, eram colocados, e,
para que a República dos sonhos fosse concretizada, propôs-se um remédio, uma cura apagar
as lâmpadas elétricas que deslumbram de luz a capital Federal, pois se o “Brazil” gostava de
imitar, deveria agora imitar Paris e Londres que durante a guerra têm permanecido nas trevas.
Se não havia dinheiro, era preciso poupar esses oitenta mil contos de luz, ao menos durante
um ano. Acabar com os banquetes oficiais, suprimir infinidade de curas, isso não iria desonrar
o país, mas sim deixar os cearenses morrerem miseravelmente, sob o látego de fome. Dá um
sentido de animação para uma calamidade. Aponta uma saída. Era um sopro de esperança. 371
A esperança nunca é uma emoção certa e tranqüila, desacompanhada de qualquer
apreensão, pois com ela se põe o cenário conjectural do provável e do plausível. No fundo,
alimentar esperança era sinal de que havia crença em algum sentido da história, e que esta não
era mero resultado da sorte ou do acaso, mas dependeria de uma série de fatores. A esperança
se desdobrava em um espectro de perspectiva, numa escala espiritual que vai desde o medo ou
369 A Lucta, 18 de abril de 1916.
370 Idem.
371Pro-Ceará. In: A Lucta, 27 de outubro de 1915.
114
tese definitiva- (com corte).ind114 114
12/4/2006 10:28:56
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
o simples receio até ingente preocupação.
Ante um quadro de sofrimento, calamidade pública, desonestidade, favoritismo, crescia
a esperança de uma administração empenhada na grande batalha contra a exclusão social e a
pobreza. Essas eram motivo de vergonha, perante as demais nações, com plena consciência de
que na experiência política há valores positivos que estavam acima de divergências puramente
ideológicas.
Nos anos de crise, de seca era aceitável a esmola como prática social de apoio a
tanto sofrimento. Negar isso seria se afastar do “seu” povo. Visto que a dificuldade, com seca,
havia gerado cerca de 4.000 famintos, bestializados que vagueavam no norte do Estado. Mas
“a caridade, fatalmente, há de cansar um dia e a sorte dos famintos, de quem não se cuidou do
futuro, é forçosamente o aniquilamento pela fome!”372
Assim as políticas públicas deveriam ser de respeito à vida e garantia de trabalho. Mas,
mesmo assim, continuou apresentando que a caridade levava à gratidão e por isso agradecia
aos senhores de Grande Piedade, como os Drs. Pe. Tupynamba, Alfredo Cláudio e Cel. José
Figueira.373 Nessa perspectiva a caridade iria "completando" a justiça, o amor como plenitude
do direito e que deveria ser a lei de uma exixtência coletiva. Assim só Deus seria a fonte de
Direito.
No semanário Correio da Semana, de 26 de julho de 1919, Jayme Guilherme aponta
as causas que originam a fome e o desamparo dos trabalhadores cearenses. Ressalta que não
obstante os serviços federais, estradas de ferro, de rodagem, açudes, linhas telegráficas, a
população pobre vai passando cada vez pior. A razão desse “disparate”, segundo ele, reside no
fato de que os serviços vêm para “uma certa classe de gente abençoada”, enquanto milhares de
pessoas em piores condições procuram e não encontram vagas. Há um teor dos dois periódicos
que agora se coadunam: a crítica ao filhotismo.
Nesse processo de ruína humana, a elite conseguia se articular e construir outras
imagens da cidade. Uma foi o pré-lançamento em A Lucta sobre o livro "O Que é o Sertanejo"374,
de Newton Craveiro, ao publicar o sumário do livro camando o público para sua futura leitura,
de 9 capítulos, subdivido em vários sub-itens, construindo uma explicação sobre o sertão do
sofrimento e os sentidos de reação. Nos capítulo IV e VI demonstra a imagem construída por
Euclides da Cunha, são sub-itens dos capítulos citados respectivamente "Euclides da Cunha e o
Meio Físico" e "A Fome Permanente e sua função no agrupamento de Canudos". Escrever sobre
o tema é simbólico para se auto explicar. Construindo suas imagens de sertão e do sertanejo.
372 OS FAMINTOS e a Caridade sobralense. In: A Lucta. Sobral, 15 de março de 1916.
373 No Reino da miséria. In: A Lucta. Sobral, 03 de novembro de 1916.
374 O que é o sertanejo. In: A Lucta. Sobral, 21 de março de 1921.
115
tese definitiva- (com corte).ind115 115
12/4/2006 10:28:56
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
Em 1919, num ano de uma das mais sérias crises e sofrimento da vida dos moradores da
região norte do Estado, foi também um espaço de esperança para a ciência. Foi a argumentação
da elite para “convencer” o Comitê Científico Royal Astronomical Society de que Sobral
teria condições metereológicas de observação, bem como um espaço urbano capaz de alojar
adequadamente toda a equipe.375
Na cidade sertaneja, entre conflitos políticos e problemas sociais pela falta de políticas
públicas sérias para amenizar o problema da estiagem, que a comissão inglesa aportou e
conseguiu fotografar o eclipse para os estudos de Einstein, sendo seu espaço um laboratório
para o mundo376.
Essa foi uma das maneiras do Governo e o grupo hegemônico minimizar a imagem de
ruína que se demonstrava e tirar o caráter de “atraso”. Com a comprovação, Sobral seria lembrada
pelo bem da ciência e da humanidade e não pelo sofrimento “natural” de seus moradores. Um
outro olhar sobre a região semi-árida. Entretanto o olhar sobre a cidade de um dos integrantes
da Comissão Inglesa é sugestivo de uma sociedade contraditória
Sobral é uma cidade do Estado do Ceará, a segunda depois da Capital, que
é Fortaleza. Tem cerca de 10.000 habitantes e fica à margem do rio Acaraú.
Até quando não faltam chuvas, o Ceará é um estado fértil, mas infelizmente
isto nem sempre acontece e o resultado é uma desastrosa seca. Era esta a
situação durante a nossa permanência. Nós chegamos no final da estação
chuvosa, mas nenhuma chuva tinha caído nem esperada antes de janeiro do
ano seguinte. A população estava já se retirando do campo para as cidades,
e muitos tinham deixado o próprio Estado para regiões mais favoráveis da
Amazônia e sul do país. O rio estava quase seco e a água para o consumo
da cidade era retirada de cacimbas cavadas no leito arenoso que lentamente
a filtrava. Era carregada em pequenas pipas colocadas sobre o dorso do
jumento, para ser distribuída. Nós, no entanto, éramos privilegiados neste
aspecto. A fábrica de tecidos da cidade, pertencente ao Dr. Sabóia e seu irmão,
é abastecida com água bombeada de um poço profundo na margem do rio.
Este líquido foi incidentalmente colocado na casa, de maneira gozamos dessa
liberal abundancia de boa água, que foi de grande utilidade para as operações
fotográficas subseqüentes. O local para a estação astronômica foi escolhida
no hipódromo do Jockey Club, em frente a casa do Dr. Vicente Sabóia, onde
a comissão estava hospedada.377
Enquanto a população sofria com a falta de uma política pública contra o
problema
375 Foi uma postura política de se fazer ser conhecida. De se mostrar para o mundo, de uma forma positiva e “fundamental” para a ciência. Mesmo que sua população pobre estivesse morrendo de fome. E com esta visita ainda
ganhou um relógio inglês com a ora do big-bem, para a fornecer a “hora certa do mundo”, como exaltou o jornal
A Ordem: O Nosso posto meterologico e a hora certa.In: A Ordem. Sobral, 06 de junho de 1919.
376 Expressão usada por José Teodoro Soares na apresentação do livro: SOARES, Maria Norma Maia(org). Eclipse de 1919, múltiplas visões. 2ª ed. Sobral: EdUva, 2003.
377 Citação da revista londrina Conquest, de janeiro de 1920, retirada do livro SOARES, Maria Norma Maia.
Ibid. p. 29-30.
116
tese definitiva- (com corte).ind116 116
12/4/2006 10:28:57
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
da estiagem, a elite usufruía de tecnologia de saneamento e controle dos malefícios da natureza
para a vida cotidiana. Esse texto, com certeza, deixou esse grupo envaidecido. Afinal a comitiva
esteve bem recepcionada. Usufrui do “luxo”, não ficando a desejar do estilo de vida europeu.
Esse acontecimento possibilitou que durante anos o Dr. Leocádio Araújo continuasse
recebendo cartas, artigos e relatórios dos participantes da comissão científica.378 E dessa
experiência Sobral recebeu uma estação metereológica permanente.
Interessante notar que a imprensa paraense teceu críticas a essa expedição, quando
ela aportou por lá, alegando que no lugar de tentar comprovar uma teoria alemã, os membros
da expedição deveriam fazer chover numa região que sofria de longos períodos de seca. E a
receptividade dos cearense foi de glorificação de ser o espaço escolhido.
Imagem do mapa técnico da linha de centralidade – Eclipse de 1919. p. 48
Mas essa escolha foi técnica e política, de laços pessoais, também. O chefe da comissão
brasileira, Henrique Morize, era casado com uma sobralense, e essa peculiaridade lhe fez indicar
o local como o “ideal” para ser o referido “laboratório”.
378 Segundo Soares, isso foi graças a receptividade, cordialidade e fidalguia liderados pelo Prefeito José Jácome
de Oliveira e do Bispo Dom José . Informa na sua apresentação do livro.
117
tese definitiva- (com corte).ind117 117
12/4/2006 10:28:57
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
3.5 Imprensa Condenada: clericalismo e anticlericalismo
A laicização do conhecimento possibilitou que novas teorias fossem criadas, como
a da relatividade. Isso porque entre o último quartel do século XIX e o início da Primeira
Guerra, embora as religiões não apresentassem em escala mundial um aparente decréscimo, foi
evidente que nos países ocidentais centrais, talvez com exceção dos Estados Unidos, ocorreu um
recuo sem precedentes das religiões tradicionais. O processo de descristianização e laicização
da sociedade ocorreu com graus de radicalidade, em todos os países de população católica.
O progresso, o avanço da ciência e da razão, assim como o crescimento da secularização,
promoveram uma perda no status da Igreja. As lutas emancipatórias promovidas pelos setores
oprimidos e mesmo interesses estratégicos de políticos liberais fizeram com que ocorresse uma
acentuada descristianização e uma laicização cada vez mais militante379.
O anticlericalismo, dessa forma, tornou-se um problema central da política dos
países católicos por duas razões principais: porque a Igreja Católica Romana optara por uma
rejeição total da ideologia da razão e do progresso, só podendo, portanto, ser identificada à direita
política; e porque a luta contra a superstição e o obscurantismo, mais que dividir capitalistas e
proletários, uniu a burguesia liberal e a classe trabalhadora. Eis o eixo de ligação por esses dois
pólos antagônicos.
Assim, o anticlericalismo foi incorporado ao programa dos agrupamentos de esquerda
e de centro. Em pouco tempo, espalhou-se por toda a Europa e chegou na América. Algumas
diferenças são possíveis fazer. A Expressão anarquista anticlerical, era a luta contra os padres,
para mostrar as contradições· de suas vidas com as doutrinas que professam; o sacerdócio como
profissão, tendo o interesse material como base; a luta contra a influência política da Igreja pela
ação direta e pela propaganda extraparlamentar; a denúncia do poder econômico da Igreja, da
Igreja como empresa, como auxiliar de exploração capitalista, como fator do crumirismo.
A maior influência dos anarquistas se deu nos países latinos, onde a presença do
catolicismo era mais forte. O choque entre duas concepções tão antagônicas foi inevitável.
O radicalismo dos discursos anticlericais cresceu conforme foi aumentando o tom irado dos
padres. Toda ocasião era aproveitada para repudiar o cristianismo e os membros do clero.
O Clero Católico, para eles era uma vasta associação religioso-político-social, cujos fins se
afastam da civilização contemporânea, cujos membros, pela característica de seus modos de
vida, afastando-se da realidade da vida, constituem uma constante ameaça ao progresso e à
civilização, à moral e aos bons costumes.
379 GOMES, Angela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. São Paulo, Vértice: 1988. p. 107.
118
tese definitiva- (com corte).ind118 118
12/4/2006 10:28:57
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
A Bíblia, nesse sentido, era considerada “literatura de dominadores, destinada a
celebrar os tiranos e suas leis e a ensinar o povo a resignação e a obediência; a Bíblia expõe
o mecanismo da escravidão em termos claros, quase cândidos à luz da hipocrisia democrática
moderna!”380
A Igreja era acusada de manter o celibato clerical como um valor importante, embora
não fosse sempre cumprido pelos seus membros. A castidade era apontada como uma violação
das leis biológicas, contribuindo para a perpetração de hediondos crimes. A denúncia das
violações das normas sexuais de abstinência e de comportamentos considerados imorais por
parte do clero foi uma característica marcante do discurso anticlerical. Para os anarquistas,
muitos padres e freiras relativizavam as prescrições de Roma sobre a matéria de moral sexual.
No púlpito e nas suas conservas com os fiéis até eram capazes de pregar as recomendações
da Igreja. Porém, essa misogamia não era cumprida. Na iconografia libertária, os padres e
freiras eram freqüentemente representados através de imagens de homens e mulheres obesos,
aparentemente bêbados e com olhares concupiscentes.
Na temática anticlerical,381 um outro aspecto importante era a luta a favor da razão,
da ciência e do conhecimento e contra o “obscurantismo” medieval da Igreja. Os padres eram
acusados de temerem o avanço da ciência, pois isso dificultaria a retórica da superstição
impingida por eles. Nos artigos publicados na imprensa anticlerical, era comum a presença de
biografias de cientistas, destacando-se as perseguições promovidas pela Inquisição.
Nesse processo, os considerados anticlericais sofreram penalidades, mesmo após a
morte, como foi o caso de Voltaire, como publicado em A Lucta: “A Egreja recusou acceitar os
seus restos mortaes que se aacham no panteon. Em geral pode dizer-se que se Montesquieu é o
pae do constitucionalismo, Rosseau do socialismo, Voltaire o é da incredulidade.”382
Os diferentes tipos de condenações, possibilitou a imprensa anticlerical anarquista,
como A Lanterna, vislumbrar que tipo de penalidades poderia ser aplicada, caso ainda tivesse a
inquisição. Isso num tempo em que se sabia que a Igreja não tinha o controle hegemônico, mas
mantinha suas articulações e sua importância e influência no modo de pensar e agir na sociedade
brasileira. Essa era uma forma irônica e debochada de criticar a hipocrisia católica, entretanto
algo similar ocorreu na década de 20, em Sobral. A imprensa liberal-democrata em Sobral, foi
se configurando anticlerical. Mas nos períodos de crise da seca o discurso liberal apresentava
gratidão pelo apoio às vidas da população, na batalha pela sobrevivência dos retirantes da seca
que buscavam refúgio na cidade, como se viu no capítulo anterior. Esse “clima” de cordialidade,
porém, em outros momentos, foram postos de lado.
380 A Lanterna, 10 de janeiro de 1910.
381 A palavra anticlerical é de origem francesa, aparecendo pela primeira vez por volta da década de 1850.
382 Voltaire. In: A Lucta, Sobral, 18 de março de 1915.
119
tese definitiva- (com corte).ind119 119
12/4/2006 10:28:57
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
Era na cidade, em que se substituía a aparência paroquial por uma atmosfera
cosmopolita e metropolitana, onde se desenrolavam as mudanças mais visíveis. O grupo católico
ultramontano, representado pelo Correio da Semana, criticava essas modificações, opunha-se a
esses valores, afirmando: “vida do campo, paz de espírito”.383
Assim como em seus editoriais fazia sempre referências a exemplos a serem seguidos,
como o destacado sobre as eleições na França:
os católicos conseguiram uma Victoria que foi uma verdadeira surpreza para o
anti clarismo.foi este o resultado: republicanos moderados 249, catholicos da
direita 105, total 354. vermelhos 57, socilaistas 78, unificados 65, dissidentes
6. total 206. sendo drrotados o primeiro ministro Painlevé, o raivoso sectário
Buisson, autor das leis contra o ensino, Carlos Claumet, perseguidor de freiras
e outros sectários maçons e fanáticos.384
Imagens exemplares eram também as de negação dos valores laicos como, na
continuidade do artigo:
Cousa interessante. Quando no Rio de Janeiro a imprensa vermelha queimava
a sua pelle pela reivindicação da memória de Ferrer, ultrajada pelas grandas
allemãs que lhe fizeram em pedaços a sua estatua erguida em uma praça
da capital Belga, o Conselho de Bruxelas, por 21 votos contra 9, recusou
estabelecer a estatua do famoso agitador espanhol.
O Editorial do primeiro número do Correio da Semana de 1920, ao comentar acerca
do Ano Novo, permite compreender as disputas de controle de comportamento: “parece que
vivemos numa época de contínuas transições [...] eterna peregrinação pelo caminho da dúvida e
da certeza”, mas que nesta transição haverá “um rejuvenescimento religioso, pois a verdadeira
religião é eterna.”385
Era um tempo em que o termo novo era uma constante. A incerteza é a dinâmica
do mundo liberal, que busca o movimento, a liberdade, as inovações, a racionalidade, que se
chocam com a visão de mundo da igreja católica, a qual, sob a corrente ultramontana, buscava
construir seus espaços sagrados. Ser moderno era encontrar-se em um ambiente que prometia
aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas ao redor,
mas ao mesmo tempo ameaçava destruir as certezas.
O editorial do Correio da Semana representa esse estado de incerteza, mas ao mesmo
383 Correio da Semana, Sobral, 31 de jan. de 1920.
.384 Idem.
385 Correio da Semana. Sobral, 02 de janeiro de 1920.
120
tese definitiva- (com corte).ind120 120
12/4/2006 10:28:57
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
tempo possibilita uma resposta para essa angústia. Há caminho único da certeza e da segurança,
proposto pela Igreja católica, que era o caminho da religião, da salvação, do bem-estar e
verdade.
Outro ponto de análise é o discurso sobre o que era ser são. Enquanto a ciência
estudava, criava conhecimentos sobre o transformar o corpo humano, para torná-lo cada vez
mais saudável; a igreja católica propunha a fé como saúde, o que representaria o caminho da
felicidade. O que estava em questão era o engendramento das relações históricas a partir da
multiplicidade de representações que as classes sociais elaboram nas suas disputas, produzindo
aí um sentido na história que não está definido a partir de nenhuma “realidade” preexistente
E esse turbilhão moderno se alimenta de muitas fontes: grandes descobertas nas
ciências físicas, com a mudança da imagem do universo e do lugar que o homem ocupa nele,
rápidos e catastróficos crescimentos urbanos, que valorizam e confirmam a importância dessas
fontes para a sociedade.
Em 1922 Deolindo Barreto foi acusado de ter difamado Cristo. Por essa ofensa o
Bispo condenou seu jornal, passando a ser pecado a sua leitura. Os ânimos ente o jornalista e o
Bispo estavam exaltados. E A Ordem assim se pronunciou:
É preciso que se saiba que Sobral e o seu povo por suas tradições de honra
e civismo pelo sagrado matrimonio de suas crenças e de sua moral, jamais
poderão ser transformados no paraíso pagão dos ímpios, dos desbrados, dos
ignorantes e dos caluniadores. Interpretando o sentimento do povo sobralense,
aqui deixamos impresso contra este ato degradante que envergonha á nossa
civilização e avilta nossos costumes.386
Após oito anos de publicação de A Lucta, os representantes de Deus lhe impuseram
uma punição, a condenação do seu jornal.
386 Notícia de primeira página contra Deolindo: o Nosso Protesto. In: A Ordem. Sobral, 06 de outubro de 1922.
121
tese definitiva- (com corte).ind121 121
12/4/2006 10:28:58
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
A MALDIÇÃO DO JORNAL
Dom José Tupynambá da Frota, por mercê
de Deus e da Santa Sé Apostólica
Bispo de Sobral
Sendo o bi-hebdomadario intitulado “A Lucta”, que se
publica nesta cidade, sob a direcção e redacção do Snr.
Deolindo Barretto nestes ultimos tempos summanamente
offensivo á consciencia catholica do povo pelos seus erros
contra á fé, pela sua linguagem immoral e pelos insultos
dirigidos aos ministros sagrados e á propria dignidade
Episcopal, Nós, em virtude da Nossa Auctoriedade Ordinaria,
Proscrevemos e Condemnamos o dito bi-hebdomario “A
Lucta”e Prohibimos expressamente aos Fieis desta nossa
Diocese que o assignem ou leiam sob pena do peccado
mortal.
Palacio Episcopal de Sobral, 9 de Outubro de 1922.
José, Bispo Diocesano
A temporalidade desse conflito era recente, como o documento representa com a
expressão “nestes últimos tempos”. Logo, nem sempre foi assim. Havia um diálogo entre esses
homens de pensamentos discordantes. Entretanto chegaram há um tempo de intolerância.AIgreja
no alto da hierarquia confere ao código de honra um caráter sagrado. Virtude, honorabilidade
e pureza eram componentes do código que a Igreja administrava, e que foi o cerne do ataque a
Deolindo Barreto.
Revigoram o tribunal inquisitorial, que era um ato de humilhação, segregação social e
preconceito ao diferente. Essa foi a arma utilizada pelo Bispo Dom José em no sertão brasileiro.
Uma inquisição na República? Era uma idéia no lugar, era momento de controlar o inimigo, o
rebelde, o desordeiro. Mais que isso, era preciso manter o poder, instituir uma memória, ensinar
quem deveria ser seguido e obedecido.
Por que o jornal? De todos os objetos da pesquisa histórica, o jornal é o que
mantém as mais estreitas relações com o estado político, a situação econômica, a
organização social e o nível cultural do país e de sua época. É um arquivo do cotidiano
122
tese definitiva- (com corte).ind122 122
12/4/2006 10:28:58
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
construído no calor da hora.387
O que o Bispo quis foi tirar do cotidiano esse veículo que expunha as divergências,
acabar com o espírito discordante da época. E conseguiu concretizar esse desejo em 1922. O
poder de julgar, de segregar algo ou alguém que representava uma ira, um desejo de vingança
e de reparação de mal, justificaria essa condenação. Era o caminho para colocar o outro no
caminho da verdade e salvação. Fazer com que o outro fosse sentenciado, cumprisse a pena
para ser absolvido. Teria que cumprir a sentença. A religião ensinava virtudes escravizantes,
obediência, humildade, autonegação, perdão e conformismo.
Mas nesse momento não era tempo de perdoar. Condenou para purificar. Afinal o bispo
estava “a mercê de Deus e da Santa Sé Católica”. Ao perder a vontade este seria o caminho
da purificação, obediência e salvação. Não era por sua vontade, mas estava representando os
designos de Deus, do ser supremo. Era um ato político, mas o teor da condenação não se queria
político, mas moral.
Deolindo Barreto não aceitou esta punição. Não acredita na Igreja como tribunal.
E sabendo que a sociedade não pode juridicamente tolher ação individual, quando ela não
perturba ou tolhe os direitos e ação de outrem ou de outros , continuou a publicação do seu
jornal. Escrevendo agora que era o mais lido e que seguia o código penal, logo não estava ilegal
e afirmava: “Bissemanário independente, político, noticioso de maior circulação no interior
do Ceará. Decano da imprensa cearense, é o único nesta cidade que tem a responsabilidade
definida pelo Código Penal da República”.
Esse excerto aparece em todos os exemplares no ano de 1923. E como atividade
comercial A Lucta precisava dos anunciantes388 e dos leitores, com assinaturas ou com compras
avulsas de seus números. Mantinha um significativo número de anunciantes, mas em tempo de
condenação e de represálias, para que não circulasse mais, sentiu-se obrigado a adotar algumas
medidas:
Aos nossos anunciantes pedimos o obséquio de não emitirem vales postaes a
nosso favor contra agência desta cidade que nunca tem saldo para satisfazer
o pagamento, e, para recebermos um, temos que dar diversas viagens.
Mandem-nos, pois, em carta fechada, com valor declarado, que muito nos
penhorarão389.
A condenação fez alterar a relação entre consumidor e proprietário. O pagamento
seria feito apenas com dinheiro, já que a outra forma, os vales postais, estava sob o poder do
387 Termo emprestado Galvão, quando discute a Guerra de Canudos, a partir de publicações diárias em todos os
jornais da época. No calor da hora concentrou-se no estudo daquilo que os vários jornais diziam sobre os episódios
da conflagração. Ver: GALVÃO, Walnice Nogueira. No calor da hora. São Paulo: Ática, 1996.
388 Sobre a propaganda como quesito de sobrevivência de jornal, ver: xxxxx
389 AOS Nossos Anunciantes. A Lucta, Sobral, 08 de mar. de 1924.
123
tese definitiva- (com corte).ind123 123
12/4/2006 10:28:58
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
grupo político do poder. Assim os “vales” acabavam sendo um instrumento de controle sobre
a economia e a vida do seu negócio. E sem recurso não poderia continuar sendo produzido e
circulando.
Deolindo Barreto não reconheceu a condenação e continuou trabalhando, afinal ele
acreditava num “cidadão ideal”, que teria suficiente orgulho para recusar-se a ser intimidado
pela autoridade, e humildade bastante para reconhecer que também é limitado em sabedoria
e em capacidade para ser absolutamente indiferente390. Essa condenação humilhante, queria
desonrar o proprietário do jornal. Que tipos de reações, gestos, estratégias foram articuladas?
Deolindo Barreto reagiu se defendendo e decidiu publicar um documento que
guardava desde que entrou na arena jornalística, como gostava de afirmar: “a carta de
agradecimento” do, então, padre Tupynambá, que só lhe elogiava, intitulada A Melhor Defesa,
que publicou repetidas vezes nos anos de 1922 e 1923391:
Tenho, com interesse, acompanhado a luta que V. Sa. tem enfrentado em prol de
nossa terra e dos direitos que o povo tem; felicito-o pelas vitórias obtidas,
segundo o número dos combates travados”. “Sem lisonja, admiro o seu coração
que brilha ainda mais no meio da borrasca, e folgo em afirmar-lhe que as simpatias
crescem em redor do seu nome; louvo-lhe a independência com que comenta em
seu jornal certos atos e certos homens às vezes pouco corretos ou incoerentes
e, sobretudo, gosto de ver a rigidez do seu caráter sisudo e franco”. “Quanto
a mim, asseguro-lhe que a minha gratidão a sua nobre pessoa será eterna. V.
Sa. tão somente teve a gentileza de dispensar-me uma defesa nas pequeninas
dificuldades criadas por ocasião do célebre ‘caso da loteria’, o mais escandaloso
havido nesta muito leal comarca”. “Quando as páginas de um jornal se quiseram
enobrecer com o enxovalhamento do meu nome, somente V. Sa. teve a coragem
de dizer ‘o caso como o caso foi’, embora desabassem por isso os céus e se lhe
preparassem futuros dissabores. 392
E conclui, pedindo a Deus que ele viva durante muitos anos. O que parecia ser uma
aliança em 1914, não se confirmava; a gratidão não foi eterna, pois o jogo político havia
mudado. Nesse documento, o jornalista era a pessoa mais amiga e cristã; o caráter independente
e crítico do seu jornal lhe foi útil por mostrar o abuso de poder do “outro”, do seu rival. Mudou
o conceito quando o abuso de poder denunciado passou a ser também o da Igreja.
O jornalista se sentindo um representante cidadão democrata, conquanto receba com
espírito esportivo a vitória justa dos outros, mostrou-se implacável para com aqueles que agem
ilicitamente. Tais qualidades de espírito e caráter não são muito comuns, mas constituem o
390 ROCKEFELLER, F. B. O Poder da idéia democrática. Trad. Luiz Fernandes. Rio de Janeiro: Record, 1963.
p. 18.
391 Publicou nos dias: 11 de outubro, 07 de dezembro, 16 de dezembro, 30 de dezembro de 1922; 17 de janeiro e
07 de fevereiro de 1923.
392 A Melhor Defesa. In: A Lucta. Sobral, 27 de outubro de 1922.
124
tese definitiva- (com corte).ind124 124
12/4/2006 10:28:58
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
segredo, o mistério íntimo de uma florescente democracia.393 E sua postura anticlerical foi se
acirrando. E mantendo a publicação do jornal amaldiçoado, o editor se move entre regras cujos
extremos são o lucro e a honra. Ele acreditava nas leis, no Estado, não na Igreja como poder de
julgamento e manteve-a, em não se curvar.
Interessante notar que o consumo do jornal amaldiçoado foi mantido. Isso por que
quando uma sociedade enfrenta um período de crises, todos os cidadãos querem saber se todas
as notícias pagarão por elas. 394 E ele continuou sua prática em defesa da honra.
Para preservar a honra e a dignidade, há de se pensar que o homem se vê pelos olhos dos
outros porque ele não se distinguia dos outros.395 Manter a honra, desonrando o outro é emblemático
das relações sociais em disputas. Assim, Deolindo Barreto teria que ser desrespeitado, afinal por um
dos componentes da honra: a respeitabilidade. Esta é a característica de uma pessoa que necessita
da outra para aprender sua própria identidade, e cuja consciência é uma espécie de interiorização
dos outros, porque estes preenchem para ele o papel de testemunha e juiz.396
Condenar o jornal era condenar seu diretor-proprietário ao ostracismo. Afinal seria
desonroso dirigir um jornal condenado. O Bispo instituiu um tempo em que a leitura de um
jornal era pecado mortal. Isso representa um tempo de medo, de segregação e autoritarismo
religioso, e segregação social, humilhação. Isso porque a imprensa era mais um instrumento de
idéias políticas do que de informação geral. Os jornais são políticos e os jornalistas também. A
ação de comunicar é, antes de tudo, uma ação política.
Voltando ao objetivo do catolicismo ultramontano, condenar o jornal era o caminho
para coibir circulação de idéias críticas. A trajetória da história da imprensa, em diferentes
momentos, apresenta variadas formas de controle de idéias.397 Era uma quebra de honra. Era
transferir ao leitor a potencialidade do assassinato. Uma maldição que recairia sobre seus
leitores. Não proibiu a confecção do jornal, mas o seu consumo. A sociedade seria responsável
pelo cumprimento da pena: não leia.
Que cidade se apresenta nesse momento? Uma cidade em processo de condenação, de
hereges, tanto o jornalista como os moradores-leitores, uma caça “ao demônio”. Queria-se com
isso um morador obediente ao clero, temente a Deus. A demolatria figurava o imaginário e as
representações sociais dessa vida urbana. 398
393 ROCKEFELLER, F. B.. O Poder da idéia democrática. Trad. Luiz Fernandes. Rio de Janeiro: Record, 1963.
394 SODRE, Nelson Werneck. História da imprensa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.
395 DUMONT, Louis. Homo hiererarchicus: o sistema das castas e suas implicações. São Paulo: Edusp, 1997. P. 44
396 BOURDIER, Pierre. O desencadeamento do mundo: estruturas econômicas, estruturas temporais. Soa
Paulo: Perspectiva, 1979.
397 Ver: ANDRADE, Jéferson de. Um jornal assassinado. Rio de Janeiro: José Olympo, 1991; GALVÃO, Walnice Nogueira. No calor da hora. São Paulo: Ática, 1996.
398 Sobre demolatria ver: O Diabo no imaginário cristão. São Paulo: Ática, 1988.
125
tese definitiva- (com corte).ind125 125
12/4/2006 10:28:59
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
Os sentidos morais são importantes para ação, juntamente com o fato de que a ação se
dirige em relação a metas, geralmente implica que o sujeito possui sentimentos morais em relação
a si mesmo e a seus atos. Ou ele tem um elevado grau de “amor próprio” ou, de uma outra maneira,
sente “culpa” ou “vergonha”399. Mas esse sujeito não está sozinho. Está, em maior ou menor grau,
integrado com outros atores num sistema social. Isso significa, de um lado, que há uma tendência
para que os sentimentos morais básicos sejam partilhados. Isso porque o “espírito iluminista”
é ao mesmo tempo subversivo e racional: pois a razão é sempre crítica, e o irracionalismo é sempre
reacionário. Esse era o pano de fundo de tantos conflitos. A razão iluminista é sintética e
construtiva, precedida pela análise e pela crítica, não uma crítica cega, mas instruída pela ciência
e pela razão, sendo global, sistemática, totalista, quer seu objeto seja a religião, os costumes, quera
ordem, social e política400. O processo de desencantamento do mundo permitiu a critica dos
valores e instituições, sem o peso inibidor da tradição e da autoridade.
Entretanto, havia um poder que se queria, circulando em A Lucta: o quarto poder. O
Bispo queria, então, aniquilar esse quarto poder, condenado o jornal. Era o que o seu poder divino
podia aplicar como penalidade máxima. Não conseguiu convencer seus aliados a tomarem as
atitudes legais para tal fim. Ou por não acreditar nesse caminho, como representou Lustosa da
Costa: “A torre da minha igreja estará sempre acima do telhado do foro. Dom José.” 401 E toma
atitude para medir a sua força e poder de alcance. Com certeza uma atitude arriscada, pois esse
poder poderia não ser respeitado, como não foi. Mas o inimigo tinha que ser calado de alguma
maneira. Não dava mais para manter o conflito, teria que ser mostrada a autoridade.
O conflito percebido como espaço de análise da história, como algo que transforma,
muda, e dinâmica diversa. Ele não é a única forma de relacionamento social, a cooperação,
por exemplo, produz outra dinâmica; mas é um dos mais visíveis e um dos mais instigantes
sintomas de transformação. É, com certeza, o que mais imediatamente traduz a maneira pela
qual homens e grupos sociais expressam seu inconformismo402.
Na democracia, o conflito é considerado o coração do regime, a explicitação de
contradições, de conflitos, de antagonismos, de diferenças e da esperança. Ora, a tendência
no Brasil, em função do autoritarismo social e da tradição política oligárquica é não suportar
a expressão dos conflitos e considerá-lo imediatamente uma crise, dando um sentido muito
peculiar à noção de crise.
O diretor de A Lucta desafiou a perspectiva de crê ou more. Acreditava numa esperança
399 DUMONT, Louis. Homo hiererarchicus: o sistema das castas e suas implicações. São Paulo: Edusp, 1997.
p. 148
400 ROUANET, Sergio Paulo. As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
401COSTA, Lustosa da. Paixão, vida e morte de Etelvino Soares. Fortaleza: Maltese, 1993. p. 35.
402FONTES, Virginia. Historia e conflito. In: MATTOS, Marcelo Badaró(org.). História: pensar e fazer. Rio de
Janeiro: Laboratório Dimensões da historia, 1988. p. 35
126
tese definitiva- (com corte).ind126 126
12/4/2006 10:28:59
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
de sociedade mais justa e com direito de liberdade, uma esperança associada ao medo,403 visto que
a razão ensina ao indivíduo que o uso de sua liberdade não deve chegar a ponto de prejudicar os
outros404. Idéia de liberdade recorrente também na Revista Liberal, no artigo Que é Religião?405
em que afirma que o homem é mau, é preciso torná-lo bom. A escravidão capitalista e a moral
burguesa bestializaram-no, e:
a revolução não pode seguir seu curso nem attingir seus objectivos sem
projectar nas consciências e a margem de sua interminável trajctoria toda a luz
do saber e da sciencia; não pode admittir aristocracias no estudo, direitos para
uns que não existam igualmente para outros. E nem aqui se limita sua tarefa.
A religião, a moral, o ensino, as artes, a sciencia mesma; a historia: tudo há de
ser renovado, uma vez que tudo isso esta baseado em princípios absurdos e
falsos. É preciso repreender que não há outra vida sinão a que começa e
termina neste mundo. Que não há religião, nem moral mais elevada.
Um texto de cunho de esperança e mudanças, de crença e de luta por melhores dias.
A imprensa era o veículo de informação. A necessidade de informações era um dos dados
fundamentais de toda vida social, seja pela curiosidade do público em ouvir os contadores de
histórias, dos troveiros, etc., sejam os acontecimentos do presente. A Lucta continuou a circular,
neste jogo de poder.
Nas edições posteriores o padre Severiano se queixava de que a condenação de Deolindo
não funcionou, não obteve os resultados pretendidos. Pior, os democratas estão irritados com o
facciosismo do “Correio”, segundo o referido sacerdote:
Alerta, católicos. Já começaram as devoluções do nosso CORREIO DA
SEMANA “ conta-me, de fonte segura, que há por aí uma forte propaganda feita por pessoas que tanto amam o seu partido democrata, quanto aborrecem
a nossa religião católica, com o fim maligno de arranjar devolução de
assinaturas do nosso jornal. 406
Reconhece ainda que, no dia seguinte ao da condenação de A Lucta, andava Deolindo
Barreto:
desassombradamente, como um macabeu, pelo mercado público, pelas lojas
e casas de seus numerosos assinantes, armado com papel e lápis, a fazer
nota dos que lhe ficavam solidários. “Neste trabalho antinômico do Sr.
403 Na introdução de Leviathan, o apelo ao leitor cita duas paixões: “esperar, temer”. Se o medo induz o homem a
afastar-se da guerra natural, a esperança posta no trabalho leva-o a buscar o Estado que Ihe garanta vida e conforto.
Somam-se a negação da guerra e a afirmação da paz. Também, no capítulo VI do Leviathan, o medo adiciona-se à
esperança no processo da deliberação: esta é “a soma completa de desejos, aversões, esperanças e medos, continuada até que a coisa se faça ou então se pense impossível” (p.127). É a contradição das paixões que move o homem,
que o faz viver; limitado a uma só, talvez ele desconhecesse o movimento; ao desesperado, o mero medo mata.
Pode-se reduzir a pares a multiplicidade das paixões: medo e esperança, aversão e desejo ou, em termos físicos,
repulsão e atração. Mas não é possível escutar a filosofia hobbesiana pela nota só do medo, que não existe sem o
contraponto da esperança.
404 BOURDEAU, Georges. O Liberalismo. Trad. J. Ferreira. Povoa de Varzim: Biblioteca Universitária, 1979.
405 Revista liberal. Porto Alegre, julho de 1921.
406 Correio da Semana. Sobral, 23 de dezembro de 1923.
127
tese definitiva- (com corte).ind127 127
12/4/2006 10:28:59
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
Deolindo Barreto - angariar assinaturas de católicos sérios e honrosos para a
continuação de um jornal condenado pela religião destes mesmos católicos
- houve terrível falta de lógica, tanto em Deolindo, como naqueles que lhe
aceitaram o convite de amizade. 407
O padre Severiano, sequer, esconde seu sonho. Queria que, após condenação, o
jornalista baixasse a cabeça ante o anátema e fechasse o jornal, para triunfo dos conservadores.
E
continuou
tentando
manter a condenação de A
Lucta. Começou em 1923,
exigindo que os barbeiros
não assinassem o jornal
amaldiçoado. O barbeiro
Antônio Félix
Ibiapina,
mesmo sendo democrata, foi
o primeiro a se render
e publicar no Correio da
Semana “que seu salão, à Travessa do Xerez 21, não se
encontra a folha condenada”.
Local das observações em Sobral – 1919
Acervo do Museu do Eclipse em Sobral
Em 3 de fevereiro, o padre Severiano propôs uma cura para sanar
as
divergências:
Suspendam esta publicação bi-hebdomadária dos descréditos sobralenses,
funde-se um jornal sério e limpo que seja da exclusiva responsabilidade do
partido “isto no fecho de artigo que “Eme” que se queixa, pela centésima vez,
da ascendência de Deolindo sobre o Partido Democrata.408
Sem retorno de seus apelos, em 10 de fevereiro de 1923, o padre Joaquim Severiano
endereça carta aberta ao chefe democrata, Paula Rodrigues, para referendar que a condenação
não foi ao Partido Democrata, mas contra Deolindo Barreto:
Quero dizer, Exmo Sr., que se o venerando pai do Exmo Sr. Bispo de Sobral
- outrora de tão relevantes serviços a nobre política quem hoje desvirtuada,
lhe esquece os melhoramentos - já não pode fazer os seus direitos junto ao
partido deslembrando, justo e ingrato, que nos valha, ao menos, o direito que
tem de não ser amortalhado em vida, a golpes de continuados erros políticos,
ao sabor de um Deolindo Barreto e sob a gestão de um Paula Rodrigues.
Posteriormente padre Severiano anunciou eufórico, a devolução, por seu intermédio,
407 Idem.
408 Correio da Semana. Sobral, 03 de fevereiro de 1923.
128
tese definitiva- (com corte).ind128 128
12/4/2006 10:29:01
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
de uma dúzia de assinaturas de A Lucta409, mas continua a se lastimar da divisão do “campo do
Senhor”, da organização da coluna dos hereges e volta a pressionar o Partido Democrata para
abandonar Deolindo Barreto.
Uma última tentativa de resolver, "pacificamente", o problema foi feita, a três de março
de 1923, pelo padre Leopoldo Fernandes Pinheiro que chama à responsabilidade Deolindo
Barreto por “injúrias impressas”. E denuncia no “Diário do Ceará” ao falar da suspeição dos
juízes de Sobral, inimigos pessoais do jornalista processado.
No processo de perseguição moral, muitos constrangimentos Deolindo Barreto
passou, alguns considerou dignos de resposta como em O “Cão de cinema” 410, que informa e se
defende: “para debicar-nos mandou dizer-nos pelo cobrador d’A Lucta que mandasse o recibo
delle. Felizmente não temos o que receber de tal typo, que talvez tenha confundido a nossa
empresa com algum botequim”. Usou a tática de a melhor defesa era o ataque. Era um período
em que as respostas pessoais e profissionais eram divulgadas publicamente, para dar maior
credibilidade a quem se defendia. Ao mesmo tempo o leitor acompanhava a vida da cidade, dos
correligionários.
O tom de combate adotado no discurso era compreensível. Buscava sair das amarras da
perseguição. Em Viva a Liberdade! 411, denunciou a ameaça do tenente Raymundo Espinheiro
que enviou uma carta ao diretor-proprietário para comparecer à delegacia e ser informado que
não havia rebelião no Cariri, como ele havia divulgado no seu jornal anteriormente, e que
“pedia” para que A Lucta modificasse a sua linguagem quando tivesse de apreciar o governo
do Dr. Benjamim Barroso. Pediu, mas afirmou que no caso de não ser atendido, reagiria como
entendesse. Essa mensagem sutil de violência, Deolino Barreto reagiu seguindo o caminho da
legalidade. Dessa forma, o ele telegrafou para seu correspondente em Fortaleza para suspender
seu serviço até que cessasse a coação que estava sofrendo esse jornal. E em seguida, telegrafou
a um advogado em fortaleza, pedindo para impetrar um “habeas corpus” para A Lucta a fim de
pôr termo à censura estabelecida pelo senhor Espinheiro.
Procuravacomdadoshumilharseusopositores.Eassimfoiexpondoseu anticlericalismo,
como quando fez uma comparação com a guerra entre gavião e carcará, pela sobrevivência412.
Denuncia que “A Ordem” estava movendo uma campanha de extermínio. Até indica que sua
postura poderia ser de confundir o leitor se publicasse artigos de “A Pátria”, jornal anterior
com artigos contra o padre Tupynamba, não teria diferença entre esses órgãos, mas que para
ele gerava nojo e preferiu não ir "por este lado". E continua na luta. Isso por acreditar numa
democracia moderna, como sendo um esforço para prover as pessoas não apenas da liberdade
409 Correio da Semana, Sobral, 17 de fevereiro de 1923.
410 Viva a Liberdade. In: A Lucta, Sobral, 08 de outubro de 1915.
411 A Lucta, Sobral, 08 de dezembro de 1915.
412 A Lucta, Sobral, 16 de dezembro de 1915.
129
tese definitiva- (com corte).ind129 129
12/4/2006 10:29:01
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
de lutarem pelo que julgam direito, mas de alguns instrumentos práticos de batalha.
Há de se compreender que Governo por consenso significa que esses cidadãos devem
eventualmente estar capacitados a encontrar grupos que com eles trabalhem e devem estar
aptos a tornar sua voz ouvida nesses grupos. Significa que todos os grupos importantes na
comunidade devem ter oportunidade de influenciar as decisões tomadas. E significa também
que o poder social e econômico deve ser largamente difundido na comunidade em geral, para
que nenhum grupo se veja isolado da competição e da crítica. A preservação de tais condições
é a tarefa permanente de uma sociedade democrática.413
O que tal sociedade aspirava era um governo responsável. Alem disso, busca esse
ideal de uma forma especial. Julgada por seus métodos de funcionamento, uma democracia
não define “governo responsável” como um governo de homens benevolentes, inteligentes e
altruisticamente interessados no bem estar geral. Como é natural, uma democracia aspira por
homens dessa natureza, e prosperará se encontrá-los. Mas ao visar a um governo responsável,
a democracia atenta, principalmente, para instituição e não para pessoas414. Qualquer que seja a
capacidade de seus líderes, ou a responsabilidade moral desses como indivíduo, deposita neles
apenas uma confiança cautelosa e limitada.
Do ponto de vista democrático, o governo só é um governo responsável quando
aqueles que toma as deliberações que implicam os destinos de outros homens podem ser
considerados efetivamente responsáveis pelos resultados de suas decisões. Isso significa que
podem ser questionados, que terão de fornecer respostas que satisfaçam aos que as solicitam, e
que poderão ser destituídos de seu poder se não o fizerem. Significa, além disso, que os árbitros
de uma sociedade são visíveis e que é possível fixar as responsabilidades de uma orientação
de indivíduos ou grupos definidos. Finalmente significa que aqueles que fazem as perguntas
devem saber formulá-las, bem como estar suficientemente informados e possuir bom senso para
julgar com inteligência as respostas que obtiverem.
Em destaque dois árbitros sociais, duas casas de justiça: inquisitorial e tribunal. Palavra
versus prova. A Lucta destaca o tribunal inquisitorial como um espaço injusto e recorre ao
passado para justificar sua afirmação:
os actos de alguns padres desta boa terra, a despeito da Egreja hoje tudo
empenhar para fugir a responsabilidade daquella selvageria estão
demonstrando insophismavelmente que debalde o perpassar do tempo tem
procurado sepultar nas cinzas do passado, aquelle bárbaro e hediondo
regimen, que somente na Hespanha, segundo o cônego Llorente, levou vivas
a fogueira perto de 35.000 mil pessoas e condemnou as Gales 300.000,
aproximadamente.415
413 ROCKEFELLER, F. Op cit.
414 Op. Cit.
415 Perdoai-lhes Pae!.... In: A Lucta. Sobral, 11 de outubro de 1922.
130
tese definitiva- (com corte).ind130 130
12/4/2006 10:29:01
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
Quando foi acusado de ter dito que o tribunal de justiça local era o verdadeiro tribunal
do santo oficio, ele reptou-os a provar a acusação ao tribunal na opinião publica. “Desculparamse amareladamente, alegando que não queriam expor as testemunhas ao meu ódio, como se
fosse possível não expol-as no tribunal de justiça”. Continuou: “é o innocente monsenhor Lyra,
que esquecendo de que o ônus da prova cabe a quem accusa, lança-me um repto de honra por
que o chame o tribunal por crime de calunia”416.
Deixou de levantar o repto de honra, primeiro porque não:
há calunia, pois o que eu disse ou mesmo o que v. rev. ouviu sem eu dizer,
pode ser tudo: heresia, blasfema, sacrilégio, etc. mas não é crime classificado
no Cód. Pois este diz que calunia é a imputação falsa a alguém de fato que a
lei qualifique crime. E foi por isso que o Dr. Arthur Bernardes não levou ao
tribunal os scroks, no celebre casos das cartas. Segundo, por que não temos
tribunal da justiça meu padre. Temos um tribunal político e inquisitorial com
dois pesos e duas medidas para absolver os crimes dos amigos do peito e para
condenar a inocencia dos que lhe caírem fora das graças. A absolvição do
assassino417 do tenente Castello Branco e a condenação do jornalista Vicente
Loyola, são fatos, meu padre, que nem toda a chicana de um maníaco será
capaz de obscurecer418.
Deolindo Barreto afirmava que “se tivesse estômago de ser amigo do tribunal, os seus
acusadores a honra de serem inimigos dele mesmo, já teria chamado a conta monsenhor Lyra
e o padre Leopoldo pela clara e ascintosa infração do art. 179 do Cód. Penal e seria possível se
ver dentro de poucos dias a penitenciaria transformada num verdadeiro convento de padres”.
E, numa longa resposta, ainda volta ao repto do monsenhor Lyra, segundo ele: “parece estar
perdendo açúcar e enfraquecido da memória. A nossa discussão não ficou somente naquelas
quatro frases do repto. Não”.
Acusava o monsenhor de cometer sacrilégio afirmando que a exclusão do seu filho, do
colégio militar, foi um castigo de Deus à sua impiedade e foi isto o que o exaltou, pois como
afirmou: “tenho de Deus uma noção muito mais elevada”. E indicava cura para o Monsenhor:
Procure um psychiatra que o ouça numa consulta medica, monsenhor Lyra,
pois a memória de v. revdma. está muito gasta. A nossa discussão não foi,
felizmente, como afirmaste no repto, interrompida pela aproximação de uma
pessoa. Pelo contrario, foi assistida do começo ao fim por um cavalheiro, a
quem ainda não chamei em auxilio da minha defesa, porque julgo que o ônus
da prova cabe a quem acusa.419
E exigia uma testemunha insuspeita. E sua opção era pelo tribunal da opinião pública
416 Op. Cit.
417 Francisco Monte, o futuro assassino de Deolindo Barreto.
418 Idem.
419 Idem.
131
tese definitiva- (com corte).ind131 131
12/4/2006 10:29:02
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
como canal para esclarecer essas acusações. E se a testemunha confirmasse a acusação, a ele
só restaria pedir perdão a Jesus por tê-lo acusado de um crime sem motivo filosófico, histórico,
político ou social que lhe autorizasse. Deolindo Barreto apelou e, ao mesmo tempo, humilhou,
ao colocar publicamente para que o Monsenhor não buscasse prova como buscava assinaturas,
como meio “podre” de provar tudo em Sobral. Continuando demonstra que o jornal do bispo
dedicou seis páginas e que nenhuma de sua verdades foi destruída, foi uma campanha para que
A Lucta ficasse sem assinantes, embora duplicasse o número de leitores.
Como não reconhecia a Igreja como a instituição competente, como punição, continuou
publicando A Lucta, agora como espaço de defesa. Defesa que era feita em várias frentes, e
sempre apresentando as suas provas como o boato que ficou sabendo pelo mercado público: foi
divulgado que o pe. Linhares pediu a casa alugada por falta de pagamento. E desabafa: “Com a
perseguição que me esta movendo o clero sobralense, todo bandido entende de explorá-la para
me deprimir”420. Então publica uma declaração, expontânea do Padre, afirmando que nunca lhe
pediu a casa:
Declaro que o sr. Deolindo Barreto Lima, que ocupa a casa de minha
propriedade a rua padre Fialho, foi sempre prompto e correcto no pagamento
dos alugueis da mesma, fazendo isto com muita pontualidade no fim de cada
mez. Fica esta minha declaração como protesto do que disse um pequeno
meu tutelado a um seu filho.
Pe. Fortunato Alves Linhares (2 de outubro de 1922)
Além de continuar circulando, recebeu incentivos de grupos de apoio, principalmente
do comércio, como a publicação de que o industrial Alarico da Frota, havia “recebido apoio de
um grupo de amigos, com uma moção de solidariedade ao mesmo contra a coação exercida pelo
ver. Monsenhor Lyra, por que elle assignasse um protesto as supostas injurias do nosso director
ao exmo. Sr. Bispo” 421.
E as defesas circulam em A Lucta, como a seguir:
Deolindo Barreto Lima, victima da auctocracia christã, que em os nossos dias
substituiu os sábios e piedosos ensinamentos do sublime nazarethao,
companheiro dos pequenos e humildes, amigo dos pobres pecadores, protector
dos perseguidos, consolo dos afflictos e inimigo da nobreza pervertida
contestando o libello acustorio contra elle lido da tribuna sagrada.
P. P
Preliminarmente que o exmo. Sr. Bispo de Sobral, não foi como se quis
demonstrar um simples convidado daquelle acto com que se profinha a casa
de orações... 422
420 Declaração. In: A Lucta, 7 de outubro de 1922
421 Op. cit.
422 Contestando o libello. In: A Lucta. Sobral, 7 de outubro de 1922.
132
tese definitiva- (com corte).ind132 132
12/4/2006 10:29:02
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
Defende-se colocando a autoridade religiosa fora dos padrões da autoridade legal,
quando da realização de 20 casamentos religiosos, sem contrato civil, e contra todos os princípios
da humanidade, atirando 20 famílias fora do regime sem as garantias da lei.
Acreditando na autoridade legal, governamental, não se considerava criminoso. E
informa que quem cometia era a Igreja, com a acusação de ir contra todos os princípios da
humanidade ao realizar 20 casamentos conjuntos, sem um contrato social423. Assim dizia que
atacava pelos ataques recebidos.
Nesses anos de oposição, dizia ter encontrado no caminho Nero, D. Quixote, Machiavel,
Platão, Judas e até Caim; mas que transformando a sua pena em clava aguda e persistente,
Deolindo Barreto considerava que ia ficando mais forte e vitorioso.
A batalha perdida pela Igreja contra o carnaval, na década de 20, propiciou esse espírito
de vitória no jornalista. Dom José e seus padres ameaçavam não ministrar o sacramento da
Comunhão a quem participasse da festa. E publicava que o carnaval era considerado a única
cousa séria no país, manifestando a sua estranheza a tal ato, e denunciava novas perseguições
sobre sua cabeça. Mas não recuou ao regime do crê ou morre, perdeu alguns assinantes e
algumas amizades, mas teve o prazer de, no dia seguinte, não ter sido repetida a esdrúxula
proibição.”424
Matar Deolindoeraasalvaçãodashumilhaçõesdo Bispo, dosgruposoligárquicos,
e a honra de valentia de seu algoz: Francisco Monte. Homem que resolvia tudo no revolver, na
violência.
Ao que sabemos vai ser nomeado delegado seccional do recenseamento na
zona norte do Estado, com sede nesta cidade, o revd. Padre Francisco Padre
Leopoldo Fernandes Pinheiro, chefe do partido Belizário sobralense.
O bom senso mostra que, pela sua natureza, o serviço de recenseamento,
para sua eficiência e bom êxito, necessita do concurso e boa vontade de
todos a que a nomeação de recenseador devido recair num cavalheiro isento
de politicagem, que gozasse da simpatia geral da população. Entretanto,
o nomeado, em que reconhecemos algumas virtudes, ultimamente muito
se expos na politicalha, o que lhe valeu uma forte corrente de antipatia da
população sobralense.425
Deolindo Barreto buscava com essa linha do jornal promover o leitor a um lugar de
decisão na estrutura política. O ato de envolver o leitor de forma tal a anular a possibilidade de
crítica, pois todo poder político deve atender a exigências da coletividade e o poder político,
assumido pelo leitor, atende à consideração anterior de que as demais propostas políticas não
423 Perdoai-lhes pae, elles não sabem o que faz. In: A Lucta, Sobral, 02 de outubro de 1922.
424 A Lucta, 15 de novembro de 1922.
425 O Recenseamento. In: A Lucta. Sobral, 5 de junho de 1920.
133
tese definitiva- (com corte).ind133 133
12/4/2006 10:29:02
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
o fazem.
O ato de engajar o leitor na sua posição política ou em ato concreto que contribuía para
a consecução prática dessa mesma posição de discurso militante em contraposição as idéias e
posturas adversárias, de alguma forma era seguido, pois incomodou ao ponto de ser vítima de
ex-comunhão e de chacina em pleno pleito eleitoral.
A imprensa como cura foi pensada por perceber que o sujeito emissor entende
que o direito à palavra ou a apropriação dela lhe garante uma posição de influência sobre
o receptor. Dessa forma colocava o leitor para racionar e lhe ajudar no processo de cura
dos problemas sociais.
Assim como a imprensa católica, ele também utilizava-se desse caminho, pois
constantemente usava exemplos e textos que colocam a religiosidade como a salvação da
sociedade moderna. No artigo Uma Lição ...Japonesa, de 17 de julho de 1920, transcreve o
discurso do Ministro da Instrução Pública de Tóquio, que discute as idéias
...ultrademocráticas e pedagógicas que se alastram pelo mundo inteiro e
afirma que, para impedir a torrente impetuosa(sic) das modernas doutrinas
perigosissímas, seria preciso criar uma boa saúde nos povos”, e conclui: “É
uma pena, verdadeira lástima desconhecerem a solução que apresenta para os
males atuais a doutrina católica, única razoável e que pode trazer a paz aos
vários organismos vivos da nação!
Observa-se nesse artigo o caráter de disputa social que a igreja tentava reverter, na
busca de conter os “valores modernos”, na perspectiva ultramontana. Era uma disputa que
vinha desde o momento em que o liberalismo se sobrepôs ao antigo regime e a sua doutrina
moral, que a igreja católica buscava derrubar, apesar de ter incorporado alguns valores, ao usar
os poderes públicos e judiciais a seu favor, como no caso da transferência de Dom José para
Uberaba. Este se articula, contatando com pessoas de suas relações pessoais no poder- fato
que Deolindo Barreto ironiza em seu jornal,426 mas mantem a base da sua doutrina , que é a de
hierarquia social, a religião como explicação das coisas.
Em A Lucta, algumas curas eram noticiadas de forma exultante, como a midificação no
processo de ascensão na carreira militar da Guarda Nacional, com sua incorporação ao exército
brasileiro. Era uma forma de cura do filhotismo, do apadrinhamentos, do protecionismo e
das relações pessoais. A mobilização passaria a ser por mérito individual, tempo de serviço e
informava ao leitor: “como se vê, a “briosa” agora vae deixar de ser uma corporação com que se
beneficiavam os cabos eleitoraes, para ser uma milícia devidamente militarizada e apta a prestar
426 Revogação do Ato de Santa Sé. A Lucta, Sobral, 19 de janeiro de 1924.
134
tese definitiva- (com corte).ind134 134
12/4/2006 10:29:5
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
grandes serviços a defeza da pátria.”427
Era o discurso universal de igualdade, perpetrando a mentalidade de direitos, alterando
as práticas sociais. Outro aspecto de cura, para se alcançar a felicidade, seria o remédio da
retratação.
Às vésperas d’A Lucta ser condenado, o juiz municipal José Olavo de Rodrigues Frota
publicou uma carta aberta ao padre Leopoldo Fernandes, diretor do jornal católico Correio
da Semana, com cunho anticlerical e pregando a moralização e manutenção da honra, em
que afirmava haver uma: “torpe politicagem, passeando nas ruas de Sobral a sua nefanda
hypocrisia abusando da santa batina dos envios representantes da Religião de Christo, religião
de humildade, caridade e perdão, em proveito de suas actuaes paixões partidárias e das suas
constantes bajulações”.428 Um mal que era apoiado pelo juiz de direito Clodoveu Arruda.
E continuava afirmando que o Correio da Semana era um pasquim por “não ter
responsabilidade exigida pelo código penal, e que ofendeu seu pai Estanislau Frota, um homem
de família tradicional e “incorruptível”. E que para ele se calar, era preciso que o diretor do jornal
católico se retrasse publicamente. Assim, não haveria conflito. Exigia ainda um posicionamento
de Dom José Tupinambá da Frota, “virtuoso Bispo da Diocese, responsável moral pelo jornal da
Diocese e primo de Estanislau Frota, para desaprovar o acto do indisciplinado e vil insultador
dos homens de bem”, para que ele continuasse a considerá-lo o antiste mais eminente e
desapaixonado que honrava o clero brasileiro.
427 Guarda Nacional. In: A Lucta, Sobral, 19 de junho de 1918.
428 Carta Aberta. In: A Lucta, Sobral, 23 de junho de 1915.
135
tese definitiva- (com corte).ind135 135
12/4/2006 10:29:6
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
4. Sentimentos na Política e Assassinatos:
o Estado de Direito e as Relações de Patrimonialistas
4.1 Violências, sentimentos e assassinatos
Sempre considerei inviolável a vida humana faço votos para que todos vejamos
neste crime deplorável uma lição viva contra os excesso de violência e sangue,
com os quaes nunca transigi e de que preguei sempre o horror.
Rui Barbosa429
A sociedade brasileira assistiu, no final do século XIX, à transformação na sua
forma de governo: de monarquia passou à republicana. O que se operou uma revolução, isto é,
“a passagem de um regime a outro”, o que pressupõe “um momento crítico em que se opera,
desde a superfície até as profundezas da vida social, a substituição das velhas pelas novas
fórmulas”.430
A fonte de poder do Estado é regular às forças de conservação com as de renovação,
conciliando a ordem com o progresso. Tanto positivistas como liberais pensam que não há
sociedade sem governo, nem governo sem autoridade. Mas deve ser uma autoridade
reconhecida.
No estado de direito republicano, compete ao Estado, como conjunto de instituições e
normas, a regulamentação do funcionamento da sociedade, de tal maneira que permita a constante
reprodução das condições econômicas, ideológicas e jurídico-políticas que assegurem também
a reprodução das formas das relações de dominação. O estado assume, então, aparentemente,
o papel de mediador dos conflitos e normalizador das relações entre os diversos elementos de
uma formação social.
Essa idéia fundamentava a mentalidade de oposição de A Lucta. Em 1916 era possível
ler o artigo “Aos que estudam Direito”431 direcionando para a preocupação com o respeito à
429 Frase retirada de um artigo publicado em A Lucta em 1915, sobre o assassinato de Pinheiro Machado.
430 Sentimento de ruptura demonstrado em documento oficial. Ver: Mensagem Américo Brasiliense
de Almeida Melo”, 6.1861 e “Relações Presidente Bernardino de Campos” 3. 1893. in: Egas Galeria
de Presidentes de Sp. São Paulo, 1927.
431 Aos Que Estudam Direito. In: A Lucta. Sobral, 16 de março de 1916
136
tese definitiva- (com corte).ind136 136
12/4/2006 10:29:06
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
legalidade e à busca da justiça social, contrapondo-se a uma política de justiça pessoal.
Nesse sentido serão discutidas a violência e sua forma de controle no estado de
direito e nos discursos políticos vigentes. Violência é um princípio inerente a qualquer relação
autoritária. Só ela faz com que com que alguém ceda, contra sua vontade, a outrem que lhe é de
alguma maneira mais forte.432
Numa sociedade em que se permitem grandes hierarquias e desequilíbrios entre os
cidadãos, dificilmente se alcançará a reciprocidade e, conseqüentemente, também será difícil
que o direito sirva como instrumento de organização e pacificação social. Ao contrário, como
nessa experiência sertaneja, o indivíduo passa a ser destituído de status moral e econômico,
sendo um indivíduo de segunda classe, passando a ser socializado de forma a compreender
sua posição de “inferioridade” em relação aos indivíduos de primeira classe e a submissão ao
arbítrio das autoridades públicas.
Dessa forma, esses indivíduos não nutririam nenhuma expectativa de que seus direitos,
ou nem sabiam deles, fossem respeitados pelos demais, ou pelo Estado, como possível perceber
em Victimas Inconscientes em 1915.433
O reverso dessa medalha refere-se aos indivíduos tidos como de primeira classe,
que, ao se relacionarem com alguém que julgam em posição inferior, vêem-se desobrigados
a respeitá-los. O mesmo se diga das suas relações com as autoridades. Representativo desse
pensamento era o vereador Chico Monte, que em 1922 assassinou o delegado de policia sem
motivo aparente, pois queria demonstrar que eram de campos antagônicos e de que não temia
o Estado.
Essa nova forma de viver no regime republicano, entre violência e tribunal, como
representativo de justiça, levará a algumas críticas, ajustes e conflitos, muitas vezes violentos.
A morte premeditada no início republicano ocorreu desde alto escalão, com o assassinato do
Senador Pinheiro Machado ao assassinato de Deolindo Barreto, jornalista liberal no sertão
cearense.
Assassinatos de políticos, de líderes carismáticos, não é comum na história do Brasil.434
Entretanto, o crime cometido contra um dos senadores mais influentes na Primeira República,
quebra essa idéia. O Governo de Venceslau Brás, de 1914 a 1918, foi considerado um dos mais
violentos. Durante seu governo, deu-se o assassinato do senador gaúcho Pinheiro Machado435,
432 Este raciocínio crítico Max Horkheimer, um dos ícones do pensamento mais Liberal, que criticava o autoritarismo de sociedades não-liberais, como a que o próprio filósofo liberal vivia .
433 Victimas Inconscientes. In: A Lucta. Sobral, 29 de outubro de 1915. Onde são demonstrados os sujeitos que,
pela falta de estudos e consciência, deixam de ser cidadãos e ficam a mercê da vontade dos “poderosos”, sendo
vítimas do flagelo.
434 Diferente da experiência norte americana que apresenta vários assassinatos.
435 Em 8 de setembro de 1915, na Hospedaria dos Imigrantes, no Rio de Janeiro.
137
tese definitiva- (com corte).ind137 137
12/4/2006 10:29:06
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
por Francisco Manso de Paiva, por motivos não suficientemente esclarecidos, mas que foi o
remédio para curar os conflitos.
Meses antes, o Senador gaúcho, em entrevista concedida ao jornalista João do Rio,
vaticinava: “Morro na luta. Matam-me pelas costas, são uns pernas-finas. Pena que não seja no
Senado, como César [...]” Com esse crime, “era” o fim da dualidade de poderes. Entre o final
de 1914 e o início de 1915, verificou-se a Revolta dos Sargentos, que gerou uma divisão entre
a base e a cúpula do Exército, embrião do Movimento Tenentista, de grande importância na
“derrubada” das oligarquias, em 1930.
Era período de agitação política e que a violência, o assassinato eram vistos, e até
aceitos, como controle de divergências. A partir de cisões em várias oligarquias estaduais,
durante a Presidência de Hermes da Fonseca, Pinheiro Machado, em dezembro de 1910, fundou
o Partido Republicano Conservador (PRC), presidido por Quintino Bocaiúva, com a função
de apoiar o Presidente Hermes da Fonseca, isolando-o de seus simpatizantes militares. Nesse
período, o Congresso Nacional discutiu e aprovou anistia aos marinheiros que participaram da
Revolta da Chibata, liderada por João Cândido, mas que não foi cumprida pelo Governo. O que
gerou insatisfação.
Essa insatisfação se manifestou em Sobral com a forma de divulgação da morte de
Pinheiro Machado, noticiada como compensação e, ao mesmo tempo, rancor pela morte de José
Penha. Em A Lucta foi publicado o telegrama como uma “notícia sensacional” na “rudeza do
surpreendente e prematuro desaparecimento do bravo capitão José da Penha, que foi sacrificado
em luta, pela libertação do Ceará”436.
A morte do político foi comemorada como “justiça de Deus”. Ele teve o fim que
“merecia”, após anos de humilhações e arrochos que gerou na sociedade brasileira. Essa morte
era aceita, pois:
nessa rudeza commovedora com que nos noticiava diariamente os crimes
e selvagerias praticadas no Cariry por uma revolução, cuja bandeira era a
ganância; nessa rudeza humilhante com que noticiou o espesinhamento da
autonomia do nosso Estado... dos problemas gerados pelo estado de sitio,
da falência financeira... a ponto de termos sido ultimamente humilhados
pela visita inoportuna e os conselhos tutelares do senador francês Pierre
Baudin; nesta rudeza revoltante com que nos trouxe a noticia... que o auctor
de todas essas misérias, o responsável ora direto, ora indireto de todos estes
crimes, espiando-os compassivamente, acaba de morrer sobre o punhal de
um scelerado.”437
Isso porque Pinheiro Machado foi descrito como chefe prepotente e sanguinário,
talhado para o mal, de caudilho perverso, que:
436 A Lucta. Sobral, 15 de setembro de 1914.
437 Deus é Justo. In: A Lucta, 15 de setembro de 1914.
138
tese definitiva- (com corte).ind138 138
12/4/2006 10:29:06
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
conseguiu, pela escada de caracol da perfídia política, o posto de general
honorifico do nosso exercito [...] conseguiu construir com os desforços das
nossas leis e com os cadáveres dos homens impolutos que ousavam opor-se ao
seu despotismo, uma outra escada que o alçapeou ao posto de chefe supremo
da nação. 438
Na edição seguinte de A Lucta, o assassinato continuou sendo notícia, a partir do que
copiou da imprensa de Fortaleza, como a declaração de luto oficial de 13 dias na federação, 30
dias no Rio Grande do Sul e 13 dias na câmara dos deputados.
O assassino foi interrogado pelo ministro da justiça. Apresentava-se calmo.
Arrependido só por não ter feito a mais tempo, ao seu algoz, que lhe fez passar fome com a
família. Paiva Coimbra era infenso à revolução, dizendo que com a morte apenas de um homem
se conseguiu o mesmo resultado. Pensamento de uma visão de mundo hierárquico, baseado na
decisão pessoal e poder de destruir o outro, para manutenção de honra. O assassino quando
indagado sobre ser absolvido, afirmou ser uma vergonha para o país e por amor à sua pátria não
queria vê-la censurada por isto. Afinal “que diria a Europa se visse absolvido o assassino do
homem que dizem ser o maior político do Brasil?”439 Este assassinato não foi completamente
resolvido. Chegaram até a querer demitir o chefe de polícia por suspeitarem de proteger o
assassino e não encontrar os possíveis mandantes do crime. Mas, nada foi esclarecido, dentre
tantos no cotidiano nacional.
Esse episódio foi representativo na literatura. Em A Faca e o Mandarim440 que mistura
fatos históricos com criações literárias, reconstrói o assassinato do senador José Gomes Pinheiro
Machado (1851-1915). Para o Medina, até metade do século XX, este foi o assassinato político
mais marcante do país, mas que caiu no esquecimento.
Semelhante com que trabalhou Lustosa da Costa, sobre o assassinato de Deolindo
Barreto, Medina apurou o assassinato através de documentos históricos, pesquisa bibliográfica,
inclusive o processo do julgamento do criminoso441. Ele conta a história de Pinheiro Machado,
conhecido pela imprensa da época de Mandarim da República, foi atingido pelas costas, no
saguão de um hotel, no Rio de Janeiro, com duas punhaladas de Manso de Paiva, que utilizou
uma faca cega e enferrujada no crime.
A morte do Senador como alívio para a dor do “desaparecimento prematuro” de José
Penha, devia-se pelas posturas políticas. Ambos eram republicanos. Pinheiro Machado da ala
conservadora e José Penha da ala democrática. Dessa forma, Deolindo Barreto era adepto dos
438 Op.cit.
439 Essa justificativa representa a descrença nas teias da justiça pública.
440 MEDINA, . A Faca e o mandarim. São Paulo: Girafa, 2004.
441 Lustosa da Costa não trabalhou com o processo crime porque este só foi encontrado 80 anos depois do crime. Em 2004 pelo trabalho árduo do Professor MS Raimundo Nonato Rodrigues, o processo crime de Deolindo Barreto veio a público.
139
tese definitiva- (com corte).ind139 139
12/4/2006 10:29:06
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
princípios de José Penha e saiu em sua defesa.
Esse homem que Deolindo Barreto tanto lamentou a morte, nasceu em 13 de maio
de 1875, em Angicos, Rio Grande do Norte, em 1880 foi para Fortaleza, estudar no Colégio
Militar. Depois, seguiu para o Rio de Janeiro, fez toda a carreira militar, até se tornar capitão
em agosto de 1911. Desde jovem, participava de polêmicas, conseguindo se destacar mesmo
quando seus adversários eram do nível de um Medeiros e Albuquerque ou de um José
Veríssimo. Sua personalidade forte e de liderança fomentava seu ardente ideal republicano,
impregnado da proteção de Benjamim Constant, o gosto pelo estudo da História dos Povos. A
vivência jornalística conduzindo-o à análise dos fatos diários, principalmente os de formação
da República emergente, participação militar característica dos primórdios do novo regime, o
espírito polêmico, fizeram do jovem pensador-militar um líder político.442
Além disso, o que o tornava mais admirável para Deolindo Barreto era que não se
silenciava diante do que considerava injustiça. Na análise de Câmara Cascudo, seu nome
evocava o movimento da luta, o choque de idéias, a controvérsia agitação, sonoridade, a sua
vida era uma série de guerrilhas, de batalhas, de agonias, de sofrimentos, provocados, resistidos
com altivez, destemor e sobranceria invulgares.
José da Penha assistiu, no dia 3 de janeiro de 1904, atos de violência praticados por
policiais na cidade de Fortaleza. Revoltado, escreveu um artigo, no outro dia, demonstrando seu
protesto militar, foi preso, sendo submetido ao Conselho de Guerra. Foi absolvido.443 Entregue
ao seu ideal seguiu para o Rio Grande do Norte para lutar contra a oligarquia Maranhão, que
dominava o Estado. Procurou o apoio de um juiz de Caicó, José Augusto, que também combatia
a oligarquia Maranhão. Mas José Augusto também não era favorável ao candidato escolhido
pela oposição, argumentado a João da Penha: “se o candidato da oposição fosse o senhor, nestas
circunstâncias, eu o apoiaria [...] O que se pretende é destruí-la para montar uma oligarquia
nacional, com o filho do presidente da República, que nem sequer conhece o Rio Grande do
Norte”444.
Essa resistência do Juiz José Augusto apresenta que o combate de José da Penha seria
uma imposição e nova oligarquia ao poder, totalmente estranha ao Rio Grande do Norte, o
tenente Leônidas Hermes da Fonseca.
Com seu discurso inflamado e arrebatador, José da Penha promoveu a primeira
campanha popular da história do Rio Grande do Norte, sendo também o primeiro a falar
diretamente com o povo. Uma campanha popular, conclamando a população para derrubar
442 SOUZA, Fabricio. As Lutas sem trégua de José da Penha. Natal: EdUfrn, 1999.
443 Isso levou a ter problemas na vida privada, Sua esposa Altina Santos, não suportando o sofrimento, suicidouse com o revólver do marido.
444 Op. Cit. P. 35.
140
tese definitiva- (com corte).ind140 140
12/4/2006 10:29:07
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
oligarquia Maranhão. Não foi um movimento restrito à capital, sempre mais sensível a rebeliões
populares. As cidades do interior recebiam José da Penha e seus caravaneiros com o povo nas
ruas, homens, mulheres, crianças, aclamando-os, cantando o hino da campanha, desfraldando
bandeiras.
Acampanhasedesenrolounumclimatenso, enesseprocessodechoquedementalidades,
violências foram cometidas: como a ameaça de proibição de comícios da oposição e o tiroteio,
o dia 20 de julho de 1913, que durou quarenta minutos, à frente da casa em que José da Penha
estava hospedado.E, em 27 de setembro de 1913, José da Penha inicia a sua viagem de volta
para o Ceará, onde havia sido eleito deputado estadual.
Pouco depois, o presidente do Estado Franco Rabelo convocou José da Penha para
combater os adeptos do padre Cícero. No dia 2 de fevereiro de 1914, partiu com duzentos
homens para combater mais de mil guerreiros. Armados e treinados pelo governo federal, ao se
despedir do povo de Fortaleza, vaticinou: “Vou porque não posso faltar. É só voltarei vitorioso
ou morto”. Morreu combatendo. Suas tropas, contudo, venceram os jagunços, na batalha de
Miguel Calmon, no dia 22 de fevereiro de 1914. Mas o governo Rabelo foi deposto.
José da Penha foi considerado um mártir. No Ceará havia campanha da oposição para
criar memorial a ele. A Lucta lembrou ao público sobralense que a subscrição aberta em beneficio
do monumento que seria erigido em Fortaleza, como um preito de homenagem dos cearenses
agradecidos à memória do impoluto e inolvidável capitão J. da Penha, o denodado soldado que
tombou como um herói no campo de batalha, defendendo a legalidade no Ceará.445
A República tem várias formas de cura do conflito pelo assassinato. A historiografia
vem ampliando o tema. E, na Primeira República, conflitos em pleitos eleitorais eram comuns,
onde o coronelismo ligado à falta de previdência social e de legislação trabalhista, que conduzia
ao paternalismo da prestação de auxílios e da arbitragem de conflitos, se arvoravam em mentores
da votação, encaminhando-a para a chapa ou chapas de partido.
Assim foi o que ocorreu na sala do Fórum em Ubá, em 19 de agosto de 1893, quando
se realizava a eleição para presidente da câmara e agente executivo municipal, foi impugnado
pelo presidente da mesa eleitoral, por falta de titulo, um eleitor de nome italiano. Insatisfeito
com a situação, recorreu ao chefe da família adversa, Dr. Camilo de Moura Estevam, para
insistir em que fosse recebido o voto recusado.
Comapermanênciadanegativahouveconflito, morrendo Dr. C. M. Estevameseuirmão
Cel. Justino de Moura Estevam, sendo apunhalado do Dr. Carlos Soares, que sobreviveu.446
445 A Lucta. Sobral, 20 de dezembro de 1924.
446 CARVALHO, Afrânio. Raul Soares: um líder da republica velha. Rio de Janeiro: Forense, 1978
141
tese definitiva- (com corte).ind141 141
12/4/2006 10:29:07
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
Em Ouro Preto, em 7 de junho de 1897, foi assassinado Carlos Almeida Prado,
acadêmico de direito, num encontro armado por estudantes gaúchos. O irmão Carlos Soares foi
assassinado, pelo escrivão do Foro Silvino Viana, este possuía um gênio arrebatado e violento,
que o fez bofetear Silvino e recebeu disparo como resposta. Seu assassinato aceitou a fatalidade
do acontecido. Buscaram apenas aparar as conseqüências danosas à família.
De uma tradição de pensamento conservador e hierárquico, a aceitação da morte
como cura de conflito permeava a mentalidade nesse momento de transição. O peso da
responsabilidade da morte, recaía sobre a própria vítima. Por amor a vida deveria recuar, não ir
para o enfrentamento das idéias. Se seguia o caminho do enfrentamento, seria responsável pelos
seus atos. Os oposicionistas sabiam que poderiam morrer, mas não queriam. A morte não era o
ideal, mas a utilidade dos seus ideais.
Recortando esses tipos de assassinatos é possível perceber que a violência no processo
de urbanização foi emblemático nos meios de comunicação de massa que compunha a vida
cotidiana dos seus habitantes, representando seus padrões de sociabilidade e comportamento,
assim como sua visão de cidade. Assim é possível perceber uma cidade violenta. Atos de
violência eram informados pela imprensa. Em 1915 denunciava a agressão sofrida por Francisco
das Chagas em plena praça do Mercado, por Chico Monte. Este gritou que o agredido poderia
processar e que: “apesar de ser esta a sétima ou oitava agressão praticada por esse senhor no
governo atual, ele ai continua constituindo um perigo aos seus desafetos, ao numero dos quais
temos a honra de pertencer”.447
Denúncia que os Neros da situação sentiam-se envaidecidos em alardear grandeza
e ousadia; pondo em práticas mesquinhas perseguições políticas, acintosamente, para que o
adversário se conserve diante do seu poderio como outrora os escravos se prostavam debaixo
do azorrague do senhor. E não curavam os gemidos do povo pacientemente sofredor, tangido
pela sorte de ter nascido no Ceará.
Deolindo Barreto declarava sua inimizade com seu futuro algoz. Sabia que havia um
risco eminente de ser assassinado, mas acreditava no poder da justiça. E diria que sua luta era
pela vida, não pela morte.
447 A Lucta, 29 de dezembro de 1915.
142
tese definitiva- (com corte).ind142 142
12/4/2006 10:29:07
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
4.2 Crime Político como Indício de Vetores da Política:
Assassinato de Deolindo Barreto
"Para os amigos pão, para os inimigos pau."448
Morre um homem, de morte cruel e covarde: assassinado pelas costas. A vítima de tal
morte era um homem conhecido naquela Sobral republicana. Em seus 40 anos de idade foi autor
de jocosa vida pública, usando a imprensa como arma. A indicação de seu crime, falar muito
da cidade dos outros, difamar Jesus e os “poderosos”, e defender princípios democráticos não
praticados.
Os crimes de assassinatos, como foi visto anteriormente, representa esse momento
de instabilidade política e cultural. O assassinato ocorrido no sertão nordestino simboliza
esse choque de interesses e construção de discurso de ordem, de construção de uma memória
harmônica que se quis instaurar.
Era mais uma das eleições, naquele junho de 1924, dentre tantas cheias de conflitos
no início da República, em que as tensões políticas afloravam. Afinal num país que se queria
republicano, democrático, liberal, “civilizado” o momento da escolha da representação do poder
era o ápice de se alcançar o objetivo. E as tensões de vários tempos, representadas em páginas
impressas, teriam o espetáculo das paixões, durante o processo eleitoral e o período de votação,
principalmente a sua contagem, seriam a glória de um resulto com lisura da vontade “popular”.
Aquela manhã violenta do dia 15 de junho, mais ou menos por volta de nove horas
ou nove horas e meia, ficaria na memória dos presentes à Câmara Municipal de Sobral, aptos
a votarem nos seus candidatos, mas que foram testemunhas de uma das cenas mais violentas,
vividas na política da cidade.
A eleição de um deputado e de um senador se tornou o cenário escolhido para o
estopim dos conflitos entre “conservadores” e “democratas”. O que deveria ser o exercício de
liberdade política foi transformado em cena de sangue, e caso de polícia e mais um caso não
resolvido, um exemplo de uso dos órgãos públicos para interesses privados, um crime abafado
pelas teias de poder, que a vítima criticara durante anos.
Aquele era um momento especial da sociedade republicana, a escolha dos seus
448 Dito atribuído a um político mineiro em substituição a outro dito antiliberal “Aos amigos se faz justiça, aos
inimigos se aplica as leis”. Ver: LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa-Ômega,
1973. p. 39.
143
tese definitiva- (com corte).ind143 143
12/4/2006 10:29:07
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
representantes. E estar armado naquele momento era ilegal, como apresentou o Juiz Municipal
em Exercício Julio Ximenes d’Aragão, para alegar no Processo que o crime era político, citando
o Código Penal art. 170. Situação que segundo sua alegação, possibilitou o assassinato naquele
momento. Estar armado era prática comum, por isso o cenário ideal para a geração de uma
desavença e deflagração de violência.
Atualmente o discurso de “não violência”, desarmamento dos cidadãos, promovida
pelo Governo Federal, possibilita pensar que andar pelas cidades armados não é legal, correto
e seguro. E que possibilita pensar que tempo era esse, no início da República, em que numa
divergência de opiniões e paixões políticas, vários tiros foram disparados num jornalista. E o
que é mais sério para os dias de hoje: em pleno pleito eleitoral.
Esse era um tempo em que andar armado era sinônimo de coragem, virilidade e
proteção. Uma prática muito comum do espaço rural e que compôs a prática urbana. Esse ato
violento foi considerado “canibal”449. Por que ficou impune? Houve repercussão na imprensa
cearense e nacional, e mesmo assim não houve punição dos culpados.
A imagem descrita no Processo de Apuração do crime, pelo Delegado em Comissão,
Adaucto de Alencar Fernandes450, representa a apuração dos sentimentos em jogo, o conflito
pulsante do momento. Ele era um elemento estranho, fora transferido de Fortaleza, estava
substituindo o Delegado de Sobral, por suspeita de morosidade no caso, mas a maneira como
encaminhou o caso pressupõe que conhecia a trajetória do Jornalista, ou que deflagração de
conflitos assim não era tão incomum no Estado.
Os sentimentos, as práticas em divergência foram relatadas pelo Delegado como:
Momento político asfixiante de ódio e de partidarismo, cada vez mais
intensificado pelos extremos de uma politicagem cega de aldeia, e que tinha
levado na ignorância dos sentimentos sociais, desde há muito tempo, na alma
de certos apaixonados do poder e das posições, os últimos lampejos de uma
civilização agonizantes, parecendo que ali, contra a Política do meio nada
se tolera, o verdadeiro recurso para a barbaria. Os preparativos prévios, as
combinações feitas na véspera das eleições, as rixas e as intrigas, o pessoal
armado, as provocações e os ânimos exaltados, indicam que haviam acordo
perfeito e acabado entre os criminosos para perturbação do pleito eleitoral
e vinganças pessoaes diante de tudo que houve, e mais a aliciação de gente
feita por Francisco de Almeida Monte, para o novo ataque, acrescido da
fuga dos criminosos e ataque feito a residência do delegado de Forquilha,
como tudo consta do inquérito, - a liberdade dos assassinos constituíam o
serio perigo a ordem publica e para que a Policia pudesse agir legalmente na
captura daquelles que ameaçavam esta autoridade, para a maior observância
da lei, a requerer a justiça estadoal de Sobral, a competente ordem de prisão
preventiva contra os criminosos, a qual foi attendida somente contra Francisco
449 Expressão usada no processo crime, pelo Delegado. P. 45
450 Esse delegado substitui o anterior, pois o Presidente do Estado, que era Democrata, queria a apuração dos fatos.
144
tese definitiva- (com corte).ind144 144
12/4/2006 10:29:08
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
de Almeida Monte e Joaquim de Sousa, como tudo se ver dos autos.451
Transformar processo crime em fonte histórica possibilita transformar a imagem da
“verdade” e da “justiça plena e impessoal”, em imagem representativa de vetores políticos,
cultural, na vida social. 452 E que neste momento da história de Sobral possibilita vislumbrar
uma prática de intolerância, “barbárie”, articulação na execução do crime, armadilhas, rixas,
intrigas, pessoal armado, as provocações, ânimos exaltados, que compõem a argumentação
oficial de vingança pessoal como motivo do crime, e que percorre toda a construção de imagem
dos sentimentos pulsantes naquela manhã.
E mais, a execução do jornalista não parou a prática violenta, como consta nos autos.
Anexa, uma carta de próprio punho do Delegado de Meruoca, que indica que o suspeito de
assassinato de Deolindo Barreto, Chico Monte, continuou aliciando os jovens para a formação
da sua guarda e para combater o poder legal. Acreditando no poder pessoal, uso da força e
do temor, ele era um homem temido e apoiado pelos senhores coronéis, e patrimonialista, como
o Juiz José Sabóia. Compunha o grupo religioso “Filhos de Cristo”, pertencia ao círculo católico
comandado pelo Bispo D. José453. Ao mesmo tempo em que havia a autoridade legal que lhe
queria impor limites, mas sem grandes sucessos, pois a relação pessoal que tinha com a
oligarquia lhe permitia que as leis fossem interpretadas a seu favor.
As narrativas sobre o crime foram apresentadas no Processo Crime, a partir dos
sujeitos rememorando o acontecido, respondendo a perguntas e selecionando a imagem do
que queriam que fosse lembrado e difundido. O relatório do Delegado de Polícia, em comissão
especial, é uma imagem de como foi o processo de apuração e reorganização da imagem do
crime, suas causas e os acontecimentos. Dá um recorte possível do acontecido. É um discurso
oficial, que se quer imparcial e na busca da “verdade”, como afirmou: “observou esta autoridade
a maior parcella de imparcialidade, ouvindo indistintamente testemunhas indicadas por todos
os grupos, de modo que não se pode pôr em duvida a verdade constante deste inquérito.”454
Correspondendo à síntese de uma acariação de 10 dias, as primeiras páginas do
Processo possibilitam visualizar vários problemas e imagens, e o delegado faz uma explanação
exuberante, o que demonstra sua parcialidade em defesa da vítima, das suas idéias. Defende a
tese de crime planejado para provar que:
451 Trecho de conclusão do relatório do Delegado, criticando o pedido de prisão de apenas dois dos
acusados.
452 Representativo da inserção de fonte na produção do conhecimento histórico os trabalhos: CHALUOB, Sidney.
Trabalho, lar e botequim. 3 ed. Campinas: Edunicamp, 2003; SOHIET, Raquel. Condição feminina e formas de
violência, mulheres pobres e ordem urbana 1890-1920. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.
453 Crítica que Deolindo Barreto fazia com certa freqüência sobre a Igreja por aceitar a participação de um homem
violento e assassino do Tenente Castelo Branco e agressor de vários outros homens; além de ser sedutor das filhas
das empregadas domésticas.
454 Relatório do delegado especial, dr. Adaucto de Alencar Fernandes, contido no Processo Crime
Deolindo Barreto Lima. 1 volume. 1924.
145
tese definitiva- (com corte).ind145 145
12/4/2006 10:29:08
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
Na manhã de 15 do corrente, ás 9 horas, pouco mais ou menos no salão da
Câmara Municipal de Sobral, no pavimento superior, no momento em que
sai organizar a mesa eleitoral que devia proceder a feitura da eleição para um
deputado e um senador federais por este Estado, ali compareceram os srs.
Antonio Mont Alverne Filho e Julio Lima Rodrigues, o primeiro querendo
funcionar como mesário, por se julgar presidente da Câmara Conservadora
de Sobral, e o segundo por se considerar efetivamente, presidente da mesma
câmara eleita pela facção democrata. Em virtude desta suposta dualidade
de Presidentes da Câmara sobralense, o Dr. Clodoveu Arruda, no exercício
interino de Juiz de Direito da Comarca, combinou com o suplente de juiz
federal, Alípio Duarte, suspender os trabalhos da eleição, mandando lavrar
uma ata circunstanciada, declarando nela todas às ocorrências.455
A dicotomia entre a ala “conservadora” e a ala “democrata”456 foi a situação ideal
para ser o pano de fundo do crime e o interesse de seus representantes. Dualidade que não
foi explicada durante o processo457. Indício de que não era importante para esclarecimento do
caso. Afinal haveria motivo para não se realizar a eleição? Quem eram os organizadores da
“armadilha”? No Processo Crime, essa teia não se amplia, os executores aparecem como os
próprios mentores, que se organizam às vésperas da eleição, segundo afirmação de testemunhas
oculares.
Os juízes de direito, Alípio Duarte e Clodoveu Arruda, não foram intimados a depor
no processo. Suas versões do acontecimento não foram expostas. Este que sofreu humilhação
pública no jornal A Lucta nos seus dois últimos números, onde fora relembrado a proteção que
Clodoveu Arruda deu ao “Luzia Homem”, este que depois do apoio se arvorou de valentão458;
e no outro denunciou que era:
...Bastante difícil o policiamento de uma cidade, quando os detentores da
justiça, manietada por injunções partidárias vivem em desarmonia com as
auctoridades policiaes. Com a elasticidade conhecida que chegou o remédio
do “hábeas corpus” qualquer juiz politiqueiro reduz a zero a acção da
polícia.459
Denunciar práticas de filhotismo, de protecionismo, de coronelismo, criticar, expor
publicamente os nomes de quem se opunha era forma de humilhar, buscar fazer com que o
455 Processo Crime Deolindo Barreto. Querelante – D. Maria Brasil Barreto Lima. Querelados – Francisco de
Almeida Monte, Joaquim de Sousa e outros. vol. 1. Sobral. Junho de 1924. P. 43
456 Dualidade existente desde o Império, como liberais e conservadores.
457 Tragédia por conta de dualidade permaneceu no imaginário social. Na década de 60 houve um episódio de
duplicata na eleição para escolha da Mesa Diretora da Câmara de Vereadores de Sobral. Disputa entre as famílias
“Barreto” e “Prado”. Houve confronto violento e acampamento no Prédio da Câmara. Os “Barreto” ganharam a
eleição por um voto de diferença e os “Prado” não aceitaram. Criou-se então a Câmara Alta e a Câmara Baixa,
respectivamente. Assunto na imprensa estadual e no Plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília. Os ânimos
foram ficando mais inflamados, vereadores se armando para tomada de poder à força, os “aflitos” familiares dos
vereadores em guerra temiam um desastre, o “fantasma da morte do jornalista Deolindo Barreto, assassinado no
plenário da Câmara , na década de 20, povoava o imaginário popular”. LIMA, César Barreto. Estórias e histórias
de Sobral. 2ª ed. Sobral: Imprensa Oficial do Município, 2004.
458 A Lucta Retrospectiva. In: A Lucta, 4 de junho de 1924.
459 Na Recta da Incoherencia. In: A Lucta, 11 de junho de 1924.
146
tese definitiva- (com corte).ind146 146
12/4/2006 10:29:08
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
outro se sentisse acuado e limitasse suas ações negativas. Era a luta pelo esclarecimento, pela
informação. Mas ao mesmo tempo criava ira, revolta e desejo de vingança. Deolindo Barreto
sabia disso, mas acreditava no poder da legalidade e que não poderiam sempre ser alterados
pelo filhotismo.
Que momento era esse que possibilitava que se visse um problema de organização de
mesa, em pleno pleito eleitoral? Por que seria normal a dicotomia entre os partidos?
“Partido” significou, durante toda a história do poder no Ocidente, divisão, conflito,
oposição no seio do corpo político; e desde que apareceu no discurso político tem conservado
sua referência a um conjunto de elementos em competição ou controvérsia com outro conjunto
de elementos, no seio de uma totalidade unificada. A disputa dos dois partidos, das duas facções
em Sobral representava essa idéia de “partido.” 460 A função dos partidos seria a representação
das mentalidades recorrentes, o Partido conservador tendo na sua composição, desde o Império,
os liberais de regresso. E que na República, vai sendo composto por variados interesses. Já que
era necessário pertencer a um partido, para fazer parte da vida política representativa do país.
De fato, os partidos asseguram o revezamento de homens e de idéias, que eles
estabilizam o sistema ao torná-lo legítimo aos olhos do cidadão. Duas funções dos partidos:
revezamento, fornecendo governantes de maneira continua; e legitimação, tornar aceitável aos
governados essa constante alteração461. Isso Deolindo Barreto afirmava que era necessário, a
crítica era pela falta de ética, nas ações partidárias, políticas, institucionais. Isso porque os
partidos políticos asseguram a representação dos cidadãos, conferindo-lhes a legitimidade
necessária ao cumprimento da função representativa462. Assim, o partido político é agente do
conflito e instrumento de sua integração. Era um tempo de dualidade, a palavra “conservador”
resplandecia de transparência comparada ao vocábulo “liberal”. 463
Os partidos são oligárquicos, é a sua função, qualquer que seja a sua organização.
Os partidos políticos são essencialmente mediadores entre a sociedade civil e o Estado. Um
partido, efetivamente, organiza-se em torno de uma concepção particular do interesse geral e
mobiliza-se a fim de conseguir o governo, em nome desta última e para traduzi-la em políticas
concretas.464 E essa disputa de idéias fomentar o princípio liberal-democrata de conflito de
460 Com o uso mais antigo do que os termos “classes sociais”. Etimologicamente, ele deriva de uma acepção
primeira do verbo “partir”, que, em francês antigo, significava “fazer partes, dividir”. “partido” designará, primeiramente, um grupo armado, mais precisamente uma tropa irregular de militares agindo à margem do grosso das
forças armadas ou em ruptura com elas; uma espécie de “corpo independente” . In: SELLER, Daniel-Louis. Os
partidos políticos. Brasília: edunb, 2000. p.09
461 Também no Império, a formação do partido liberal coincide com a elaboração do Ato Adicional e a do Conservador com a feitura da lei de interpretação. In: RANCO, Afonso Arinos de Melo. História e teoria dos partidos
políticos no Brasil. 3 ed. São Paulo: Alfa-Ômega, 1980. p 30.
462 SEILER, Daniel-Louis. Op. Cit. p. 34.
463 A partir de 1878, a política do Ceará estava dividida em dois partidos, o Liberal e o Conservador.
464RANCO. op. cit.
147
tese definitiva- (com corte).ind147 147
12/4/2006 10:29:08
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
idéias. E Deolindo Barreto via esse conflito como pedagógico, era sabido de todos. Por isso a
argumentação de “crime armado”, estimular um conflito entre pessoas o Jornalista iria tomar
partido. Esse era o caminho de atingi-lo.
Continuando a análise do documento oficial, foi possível perceber assim que de uma
discussão, que hoje seria considerada hilária, em que a honra de um mesário estava sendo,
propositalmente, seguindo a versão oficial, questionada, desencadeou um assassinato. Pois:
enquanto se fazia a ata de suspensão da eleição, aconteceu que o coronel
José Silvestre Gomes Coelho, encontrando-se na sala das eleições, com o Sr.
Henrique Hardy, interpelou-o no sentido de saber se ele Hardy, como mesário
das eleições estaduais em Sobral, havia comparecido e feito funcionar sua
secção, na ultima eleição para vereadores à Câmara Municipal. E como
Henrique Hardy declarasse que realmente tinha feito a eleição para vereador,
José Silvestre, retrucou-lhe dizendo que era de mentir. 465
A honra era um patrimônio valioso para uma sociedade patriarcal e deveria ser lavada
com sangue ou em ato de violência. A honra masculina era mantida pela força, para garantir o
respeito. A ofensa berrada em público não ficaria impune nesse tempo, por isso andar armado
constantemente era “necessário”, o poder deveria ser constantemente mantido, e os “seus”
deveriam ser protegidos.466
Assim, na argumentação resumida do Delegado o que aconteceu foi que:
diante da promoção extemporânea, absurda e irrefletidamente feita em tom
criminoso e ofensivo a Henrique Hardy, Adolpho Madeira, seu cunhado, que
também se encontrava presente nesta ocasião, marchou para José Silvestre, e,
segurando-o por um braço, meteu-se na discussão ao lado de Hardy, fazendo
ver com modos calmos, que o seu cunhado era um homem verdadeiro e como
tal não podia levar o qualificativo de mentiroso.467
Num tempo em que a ofensa a um membro da parentela era motivo de ir tomar as
dores e defender os seus aliados, esse seria o caminho para ampliar a discórdia. E foi o que
ocorreu, o cunhado foi em defesa de Hardy, que por sua vez foi atacado pelo filho do Cel. José
Silvestre. Sabendo que atacando um, por tabela atacava o alvo, que no caso era o proprietário
de A Lucta, iria entrar no atrito e aí despistaria o principal objetivo da discussão: criar uma
situação de ataque a Deolindo Barreto, calando-o definitivamente.
Aparcialidade, demonstrada na linguagem do delegado para o lado da vítima, representa
a sua argumentação de complô. E o Delegado continua seu relato em tom de parcialidade
afirmando que
465 Processo Crime Deolindo Barreto. ibid. P. 46
466 Interessante notar a diferença que se procurava fazer entre jagunços e capangas. Ver: homens armado; CAMINHA, Inez. A revolta da Princesa. São Paulo: Brasilense, 1986. (Tudo é História).
467 Processo Crime. ibid. P. 46
148
tese definitiva- (com corte).ind148 148
12/4/2006 10:29:09
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
bastou esta simples atitude, para que Francisco Petronilio Gomes Coelho, filho
de José Silvestre, investisse contra Adolpho Madeira, segurando-o e puxandoo pelas orelhas, com ambas as mãos. Diante desse pequeno incidente, começou
um grande tumulto, no interior e uma outra sala, contígua àquela, em que se
encontravam Silvestre e Hardy, e para onde se havia ido o jornalista Deolindo
Barreto Lima, que ali também se encontrava. E que o infeliz jornalista, ao
penetrar na sala em que se tinha enfileirados os seus inimigos políticos e
pessoas, foi agressivamente recebido, como que se procurando demonstrar
claramente, que em tudo aquilo, apenas havia um acordo preestabelecido de
ação criminosa conjunta, para perturbação do pleito eleitoral e deshumano
assassínio á sua pessoa.468
Ódio. Eis a sua imagem. Os sentimentos de raiva, vingança, mágoa, vergonha,
humilhação, agora seriam curados, pois, na linguagem autoritária, a cura se dava pela eliminação
física do inimigo, que será também a eliminação das idéias, que serviria de exemplo para as
futuras oposições. Afinal na mentalidade hierárquica e de violência física, com a morte se
conseguiria acabar com as ações futuras do rebelde.
O delegado referendando a mentalidade de direitos iguais, usa a expressão “uma
simples atitude” para quebrar o teor de importância que se deu a ofensa, e que gerou violência,
naquela manhã.
Em A Lucta, durante os diferentes editoriais, nas croniquetas, artigos, colunas, o
sentimento do ódio, escrito literalmente só aparecia para representar o sentimento da oligarquia
incomodada com as denúncias. O discurso liberal não era de ódio, mas de mágoa, na busca
da “justiça”, a punição, a cura estaria no diálogo e mudança de postura. Não o extermínio dos
seres, queria destruir as idéias, mentalidade hierárquica, propagar o pensamento igualitário,
seja na imprensa, no parlamento. Até porque primava pelo conflito das idéias.
Outro importante expoente da escrita oficial é a emoção despertadas nas testemunhas
e nas conversas pelos cantos da cidade, em que o Delegado afirmava que:
na impossibilidade material de se reconstituir a cena criminosa, já pela
dificuldade de elemento demonstrativo direto, já pela excitação daqueles que
melhormente poderiam depor, pôde através da “nemurosa e coherente prova
colhida neste inquérito, chegar a conclusão positiva, real e cathegorica de
que, mal Deolindo Barreto Lima penetra na sala alludida, atiram-se sobre
elle, com uma fúria de canibaes, repletos de odios e cheios de sede de sangue,
Vicente Bento, que o segurou pelo braço, manietando-o e dominando-o com
a sua conhecida musculatura de Hercules, - emquanto que Francisco de
Almeida Monte e Joaquim de Sousa, numa fúria impiedosa de criminosos
reiterados na carreira do crime, pularam para a frente, encostando os seus
revolveres ás costas de Deolindo, num verdadeiro accesso de monstruosidade
indomável, disparando a carga completa de suas armas.469
468 Op. cit.. P. 46
469 Op. cit. p. 23.
149
tese definitiva- (com corte).ind149 149
12/4/2006 10:29:09
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
Numa perspectiva hobbesiana, o delegado representa como a “monstruosidade indomavel”
daquele comportamento humano deveria ser controlado pela autoridade do Estado:
em meio da confusão cada vez maior, apavorante em barbárie e estúpida
em vandalismo, estando nella empenhada a autoridade policial, o soldado
José Amaro da Silva, ordenança do delegado, que se encontrava na occasião
da lucta, vendo Vicente Bento de Sousa disparar o rewolver em Deolindo,
avançou resoluta e valentemente, no frente propósito de salvar o jornalista
e prender o criminoso, sendo, porem, recebido á bala pelo referido Vicente
Bento que lhe desfechou um tiro a queima roupa. Reonstituindo o facto,
segundo demonstrava a prova colhida para maior evidencia da verdade que
alguém tem procurado deturpar propositalmente, vamos examinar os
principais depoimentos em suas referencias mais claras e positivas.”470
O ato político da memória é claramente afirmado nesse relatório. O ato de narrar
representa um trabalho de memória. Trazer o passado para o presente. Interfere na reconstrução
do acontecimento. O processo crime tem várias imagens de contradição, construída na excitação
do momento. As informações entram em contradição, ou não são mais o que “de fato ocorreu”.
Mas o acontecido passou, acabou, não é recuperado, vai ser sim representado, rememorado de
acordo com a situação do presente que o convoca. Dessa forma, o Delegado chega há algumas
conclusões dos depoimentos de 19 testemunhas, de um acusado ferido e um soldado, também
ferido.
Por esse documento há possibilidade de perceber alguns recortes dos últimos
movimentos da vida pública de Deolindo Barreto. São imagens a partir dos testemunhos, que
representam humilhação, traição, ora de covardia ora de valentia, mas, segundo os relatos,
ele estava ciente de que aquela era sua última batalha, sua última luta e que estava ferido
mortalmente. O que levou três dias de agonia e sofrimento em cima de sua cama.
Interessante perceber que nesse momento de representação dos “últimos momentos” há
uma construção de imagem de homem devoto, temente a Deus, de crítica ao clero politiqueiro,
mas que não se desligou da religiosidade. Seu filho Jocelyn Barreto em artigo sobre seu pai,
representa de padres “sérios” à sua cabeceira no leito de morte471. É insistente os seu discurso de
mostrar um homem religioso, o que sugere uma crítica injusta à condenação do seu jornal.
Voltando à questão do inquérito e sua comunicação, no processo jurídico o ato de
testemunhar explicita que a verdade depende de alguém, não se impõe necessariamente com
a evidencia autônoma da construção teórica. Regime de verdade, para além do mero registro.
Em que ver, verdadeiramente ver, é, ao mesmo tempo, tornar-se responsável por uma verdade,
mantém-se viva uma realidade. A fidelidade da testemunha preserva o real. Ao mesmo tempo é
filho da memória e do esquecimento.472
470 Idem. P. 25 .
471 Aos Luctosos Acontecimentos. A Lucta, Sobral, 28 de junho de 1924.
472 KOLLERITZ, Fernando. Testemunho, juízo político e história. In: Revista Brasileira de História, Produ-
150
tese definitiva- (com corte).ind150 150
12/4/2006 10:29:09
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
O ato de testemunhar tem sentido apenas por que julgamos que alguém é capaz de dizer
a verdade. Confia-se em primeiro lugar na capacidade cognitiva de um outro, na sua capacidade
de presenciar. Dessa forma, alguns relatos, como o de José Moacyr Mendes, testemunha de
vista, compõe o discurso legal:
Deolindo Barreto quando cambaleou e caiu, afirmou que os assassínios eram
Vicente Bento e Francisco de Almeida Monte. Afirmou ainda a testemunha
que Jeremias Ramos foi desarmado por Felizardo Mendes, irmão dele,
depoente, e que Francisco de Almeida Monte, depois de ter descarregado
o revolver em Deolindo Barreto, virou o tambor da arma, retirando dele as
cápsulas deflagradas, as quais foram juntas por Arthur Lopes.473
Essa testemunha indica uma fala da vítima em que sabia quem o teria ferido. E que
havia satisfação nos gestos dos assassinos quando na continuidade da descarga da arma no
corpo caído e no processo de recarregá-la novamente.
Dentre as 19 testemunhas, três depoimentos indicam uma fala de Chico Monte de
satisfação. São três “falas” expressadas como “lembrei-me do meu tempo velho”, “chegou
o meu tempinho” e “é commigo”. “Lembrei-me do meu tempo velho”. O tempo a que Chico
Monte se reporta era o tempo áureo do poder senhorial, do coronelismo, em que não havia a
interferência da autoridade estatal, dos direitos individuais, das leis e do discurso de igualdade,
o tempo em que a força era lei e a lei era dos senhores em seus territórios. As três falas, para
uma mesma cena, representam uma altivez, intolerância e violência. “Chegou o meu tempinho”
possibilita entender que esse era o momento em que ele saberia como resolver a divergência,
não haveria erro, o inimigo não teria como reagir. Antes não era o seu “tempinho”, agora era,
havia chegado, ele estava no seu tempo de ação. A terceira expressão “É comigo” significaria eu
resolvo e do meu jeito. Todas têm a perspectiva de que a morte resolveria as divergências.
O sentimento de vingança fica notório na descrição dos tiros pelas costas. Num
processo de traição, de covardia. Como no relato de Napoleão Silva que “declarou que Vicente
Bento de Sousa segurou Deolindo Barreto pelos braços, enquanto que Francisco Monte, com o
rewolver coberto com a aba do palito, descarregava-o nas costas de Deolindo”.
Raymundo Donizetti viu Deolindo Barreto passar na sala da secção eleitoral, por cima
da grade, sendo, nessa ocasião, alvejado por diversos tiros; que viu Joaquim de Sousa com um
revólver na mão, procurando posição para atirar, e o que efetivamente fez, apontando o revólver
para um homem vestido de frakpreto, o qual reconheceu ser Deolindo Barreto; e mais, que
depois de ter Joaquim de Sousa disparado o revólver, pulou para o meio do grupo; que Deolindo
na ocasião em que foi interpelado por ele, Donizetti, depois da luta, estirado no pavimento lhe
declarou: “mataram-me Donizetti”. 474
ção e divulgação de saberes históricos e pedagógicos. N. 48, vol.24. são Paulo: ANPUH, 2004.p. 73-100.
473 Processo Crime. ibid. P. 30
474 Op. cit. P. 30.
151
tese definitiva- (com corte).ind151 151
12/4/2006 10:29:09
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
Julio Dias Gomes declarou que viu Francisco Monte, de revólver em punho, no
momento da luta, dizer “chegou o meu tempinho”, desfechando em seguida um tiro, que foi
acompanhado de muitos outros; declarou ainda que os ferimentos feitos na pessoa de Deolindo
Barreto foram produzidos por Francisco de Almeida Monte e Joaquim de Sousa.
Antonio Monte Alverne, primo de Chico Monte, que se apresentou como o Presidente
da Câmara Municipal, representando o partido conservador, no referido pleito, o que levou a
dicotomia de poder no momento eleitoral, viu “no momento da luta, empunharem revólveres,
Jeremias” Ramos e Deolindo Barreto, acrescentando, porém, que Vicente Bento pegara no
braço de Deolindo Barreto no momento da luta; que Francisco Monte era inimigo de Deolindo
e estava presente.”475
A partir do narrar testemunhal tecem-se laços, atam-se sociabilidades. Esse foi um dos
poucos depoimentos em que foi declarado os sentimentos entre os sujeitos envolvidos. Havia
uma relação de inimizade entre os dois, agora declarada em caráter oficial. O que justificaria
o ato “bárbaro”, e fortaleceu a argumentação da tese de crime premeditado do Delegado, pois
Deolindo Barreto não tinha nada a ver com o conflito inicial, ele era amigo de Hardy.
Na continuidade de ter imagens dos últimos momentos de vida pública de Deolindo
Barreto, a declaração do Coronel José Silvestre Gomes Coelho, também afirma que viu Vicente
Bento pegar Deolindo Barreto, ouvindo-se, então, sucessiva descarga de revólver. E Vicente
Bento, em seu auto de perguntas, também confessou haver, efetivamente, segurado Deolindo
Barreto pelo braço. Mas não assume ter atirado e afirma não saber quem o poderia ter feito.
Para Arthur Mendonça Lopes os ferimentos feitos em Deolindo Barreto foram por
bala de revólver, calibre 38 e 32, e que o revólver de Francisco Monte era de calibre 38. E seus
matadores eram Francisco de Almeida Monte, Vicente Bento e Joaquim de Sousa. O desejo de
vingança havia sido demonstrado por Francisco Monte, quando ele atirou no jornalista e virou
o tambor do revólver, retirando dele as balas deflagradas, e carregando-o de novo.476 O ato de
recarregar a arma, era um gesto de ódio, prepotência e poder de vida e morte. Uma atitude de
brutalidade, de criação de temor e de “ninguém se aproxima”. A decisão era de matar. Não
houve espaço para defesa.
Outra imagem de premeditação foi afirmada no depoimento de Antonio Gomes de
Andrade, em que antes da luta, enfileiram-se Calazans Torres, Joaquim de Sousa e Francisco
Monte, e, no momento do tumulto, viu Francisco Monte pular para a frente dizendo “ é commigo”
, desfechando logo um tiro, o qual, seguindo de muitos outros. Afirmou ainda que “no dia 14,
véspera da eleição, á noite, no bilhar Itatiaya, ás 19 horas, ouviu Vicente Bento segredar com
475 Processo Crime. Deolindo Barreto. ibid. P. 31.
476 Op. cit P. 32
152
tese definitiva- (com corte).ind152 152
12/4/2006 10:29:09
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
Joaquim de Sousa, tendo ele, percebido distintamente a frase “amanhã há uma encrenquinha”.477
Paulo Sanford, primo legítimo de Francisco Monte, e seu amigo, é uma das testemunhas
que tenta minimizar a tese de crime premeditado, afirmou:
que viu Deolindo Barreto Lima atirar de revolver e pular para dentro do
gradil da sala da eleição, e que viu Vicente Bento dirigir-se para Deolindo
Barreto e neste momento estabeleceu-se a confusão, havendo muitos tiros,
um verdadeiro tiroteio, não podendo, porem, ver quem atirava. Disse que
viu presentes na ocasião da luta, Jeremias Ramos e seu primo Francisco
Monte.478
O fato contraditório, de ora Deolindo Barreto estar na sala onde ocorreria a eleição
ora não, foi um dos destaques para sustentar ou não a argumentação de crime político. Estar
na sala eleitoral caracterizaria o crime político, seria interrupção do pleito. A visualização do
prédio da Câmara Municipal, onde funciona até hoje, conforme abaixo, possibilita representar
as imagens descritas pelos depoentes, quando se referem à sala de cima, à escada de onde o
soldado visualizou Vicente Bento atirando em Deolindo Barreto, e troca de tiros que tiveram.
O homem que testemunha é considerado digno de fé capaz de contar com clareza o
que ocorreu. Bem como quem presta um testemunho depende da crença de quem ouve. Mas os
testemunhos não são todos igualmente críveis, não são igualmente acreditados, dependem da
informação prévia dos ouvintes e leitores; dependem da credibilidade da própria testemunha. Os
traços da subjetividade são tangíveis no testemunho e condicionam os laços intersubjetivos.479 E
naquela manhã, a emoção e os sentimentos despertados pelo som dos tiros, o cheiro de pólvora
e a visualização da violência foi o destaque para as contradições, para a falta de informações
coerentes, como o depoimento de Ernesto Marinho de Albuquerque, conforme o Delegado foi:
confuso e nebuloso, cheio de hesitações e incoerências palpáveis, disse que no
momento da luta uma verdadeira confusão, tendo Deolindo Barreto dado um
tiro, e que viu Calazans Torres e Francisco de Almeida Monte e Vicente Bento de
Sousa, tendo visto também a Jeremias com um revolver na mão, e que quando se
encontrou com o jornalista estirado no pavimento, este não tinha revolver.480
Nos relatos testemunhais dos últimos momentos em público de Deolindo Barreto, ora pulou
as grades da sala principal da votação, demonstrando sua personalidade forte, “heróica”, desafiadora,
ora não; ora estava armado, ora não. A imagem da humilhação, do castigo e do fim de quem se opõe
aos grupos oligárquicos, autoritário e hierárquico estava pedagogicamente demonstrado por um
corpo prostrado no chão, ensangüentado, derrotado e dando últimos suspiros.
477 Op. cit. p.32.
478 Op. cit. P. 33
479 ARIÈS, Philippe. O engajamento do homem moderno na história. In: O Tempo da História. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1989.
480 Processo Crime. ibid. P. 43.
153
tese definitiva- (com corte).ind153 153
12/4/2006 10:29:10
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
Concluindo seu relatório o delegado aponta os criminosos, e que demonstra a imagem
de armadilha, de premeditação do crime, afirmando que:
O Cel. José Silvestre Gomes Coelho, foi quem deu lugar a provocação dos
crimes, segundo se depreende de 19 depoimentos, todos combinados com
a sua confissão clara e inequívoca. Sem a sua provocação, tal qual ficou
demonstrada, nada teria havido de anormal naquela fatídica manhã.481
O coronel José Silvestre teria razões para participar da cena do crime? Pelos indícios
da sua presença na provocação que gerou o conflito, ele foi considerado como provocador
da luta, isto é, aquele que foi o fio condutor para a ação dos criminosos, devendo por isso ser
considerado como autor também. Indiciando como matador principal Francisco Monte, mais
conhecido como Chico Monte482, que era um criminoso conhecido, tinha um passado de crimes,
sangue e sedução de moças pobres. Mas que não tinha condenações, pois, tinha proteção política
e apoio jurídico do Juiz José Sabóia, logo saía impune. Oficialmente não era um criminoso. Mas
socialmente todos sabiam da sua prática de violência.
Nesta cena de sangue, “carnificina”, “barbárie”, “canibalismo”, ninguém saiu em
defesa do Deolindo? A reconstrução do quadro vivido, o único que saiu em sua defesa foi o
representante da lei, o soldado José Amaro. Este fora:
o autor do ferimento produzido na pessoa de Vicente Bento de Sousa, e
que teve em seu favor a justificativa do artigo 32, § 2° do Código Penal da
Republica, por haver defendido a si mesmo de um dos matadores de Deolindo
Barreto, em auxilio de quem procurou agir 483.
A impunidade que tanto incomodava Deolindo Barreto e foi denunciado por ele, em
suas páginas impressas, possibilitou a continuidade dessa prática criminosa por Chico Monte e
seus aliados. Ele era um homem que estava a serviço da “ordem”, da “manutenção moral” dos
grupos oligárquicos. Por isso, a proteção. Essa era a linguagem recorrente da época.
Por mais que suspeitasse que a morte poderia vir pela organização, pensamento e mãos dos
seus inimigos, Deolindo Barreto era um esperançoso, tinha crença de que a luta era de vida e não
morte. Era a crença na felicidade, na vida e na esperança que o colocava em luta.484 Como escreveu
preferia a coação, o arrocho, as ameaças, os vexames, as tentativas de empastelamento e de assassinato,
como era alvo, do que o conforto ao lado de uma administração corrompida e corruptora. Foi para o
combate que ele fez nascer o seu jornal, fazia questão de expor, e só a luta, ao lado dos ideais nobres,o
revigorava e estimulava, isso justificava a sua existência e lhe oferecia o desejo de viver, porque só
481 Processo Crime Deolindo Barreto. P. 43.
482 A literatura de Lustosa da Costa o representou como um personagem galanteador, sedutor de virgens pobres,
violento, estando a serviço da ordem senhorial e que sempre saia impune dos seus crimes.
483 Processo Crime Deolindo Barreto Lima, 1924.
484 Guerra como vida, é um pensamento recorrente no livro: EKSTEINS, Modris. A sagração da primavera, a
grande guerra e o nascimento da era moderna. Trad. Rosaura Eichenberg. Rio de Janeiro, 1991.
154
tese definitiva- (com corte).ind154 154
12/4/2006 10:29:10
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
assim entendia a imprensa, que para ele era o quarto poder no mundo, como vimos no capítulo três.
Mais uma vez um discurso de sensibilidade de um jornalista inquieto e sonhador,
no seio da elite. Esses sentimentos são recorrentes na República. Uma República repleta
de conflitos.485 Era um período em que o princípio era lutar contra o que se considerava
injustiça, contra as práticas de humilhações, para instaurar novas condutas e procedimentos.
Eis o propósito de Deolindo Barreto ao entrar na “arena política”, no sertão brasileiro, como
reafirmava constantemente nas páginas do seu periódico.
Deolindo Barreto afirmou no inquérito policial
estar em atitude pacífica naquela manhã. A interpretação
do seu depoimento pela escrita policial afirma que, quando
formou-se uma discussão e daí um tumulto; Vicente
Bento marchou na direção de Deolindo Barreto, que lhe
respondeu e o agressor se atracou nele, desfechando- lhe
um tiro. E mesmo em seu leito de morte conseguiu
informar:
[...] Enquanto os srs. Francisco de
Almeida Monte e Joaquim de Sousa
o alvejou de revolver pelas costas;
que pode ser que outros o tenha
alvejado, mas que morrendo, como
desta vez morrerá, leva a convicção de que
seus matadores foram os srs Vicente Bento
de Sousa, Francisco de Almeida Monte e
Joaquim de Sousa.486
Dessa vez não teria erro, como em no pleito de fevereiro487. O inimigo seria silenciado.
Do império da violência física e direta exercida por uma sociedade de mentalidade hierárquica,
coronelística, e forte presença católica, onde os comportamentos deveriam seguir a sua vontade,
o assassinato do inimigo era uma linguagem de poder, de decisão e pedagógico. Disciplinar e
mostrar quem mandava, quem ditava as regras e deveria ser seguido.
4.3. Os Trâmites Jurídicos: burocracia e luta por justiça
Admitir-se o Estado como o privilegio de uma família ou de uma dinastia é
desconhecer a sua natureza, é admitir o maior dos absurdos políticos [...]. É
485 Ver: AZEVEDO, Thales de. A guerra dos párocos. Salvador: Egba, 1991; BALHANA, Carlos. Idéias em
confronto. Curitiba: Grafipar, 1981.
486 Processo Crime. P. 15
487 Na Eleição de Fevereiro, houve divergência entre os grupos, com ofensas verbais, sendo Deolindo Barreto
vítima de tiroteio em frente a sua casa. Mas conseguiu escapar sem ferimentos.
155
tese definitiva- (com corte).ind155 155
12/4/2006 10:29:12
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
um absurdo tão monstruoso que repugna até a própria consciência.488
No levantamento oficial do motivo da morte, foi comprovado que a morte foi
“ocasionada por ferimentos que foram causas eficientes”, não foi por falta de cuidado higiênico.
A sua condição anterior ao ferimento não ajudou na gravidade dos ferimentos, pois ele era
“um homem muito robusto e sem vícios de qualquer espécie.” Logo era a base do assassinato
premeditado: ferir para matar.
A violência e a expressão de sentimentos de vingança e acerto de contas são deduzidos
nos tipos de ferimentos489 que sofreu descritos no exame cadavérico, pois pela gravidade do
enfermo no exame de corpo de delito os médicos não mexeram no enfermo, temendo maiores
sofrimentos:
Um ferimento por bala situado a um dedo da linha mediana posterior e a cinco
dedos do ângulo do omoplata, dirigindo-se para dentro, indo se encravar na
coluna vertebral, produzindo lesões medulares; um ferimento por bala na
linha paraxilar posterior direito, ao nível da duodécima vértebra dorçal, na
região lombar-rhenal, seguindo para cima e para a esquerda, attingindo a
coluna vertebral, ocasionando lesão na medula; um ferimento na região
axxillar esquerda para cima e para dentro, indo aforar no tecido sub-cutaneo,
da fossa clavicular superior do mesmo lado; um ferimento no cordo interno
do calcanhar, no pé direito, de cima para baixo e para fora, saindo na região
plantar; um ferimento por bala, como todos os mais, no terço superior do
braço esquerdo, de deante para trás, encravando-se entre a aponeirose e o
osso.490
Arelação de conflito, entre poder privado da mentalidade coronelística e poder público,
continuou se acirrando. Dois dias após a morte de Deolindo Barreto, Paulo Passarinho depôs
sobre o fato de ter se negado a participar do bando de Chico Monte. Ele teve uma proposta de
aliciamento e ao negar, por não “ querer se meter em barulho”, os dois homens de Chico Monte
retrucaram “Está com medo? Si fosse soldado que lhe viesse procurar, para você morrer, você
ia; agora como é para se acostar a um homem, você não vai.”491
Era um convite para enfrentar a polícia. Ele se negou, não queria morrer, compor
esse quadro de violência, mesmo recebendo proposta de remuneração alta. Ele não acreditava
nesse estilo de vida, que agora era de insegurança e não mais tão bem aceito socialmente.
Outra mentalidade de poder estava sendo instituída. O poder do estado, da legalidade e das
488 SALES, Alberto. Catecismo republicano. São Paulo: Edusp, 1965. p. 179.
489 Dois tipos de revolveres foram descritos no processo como causadores desses ferimentos um calibre trinta e
oito e outro trinta e dois, Smith and Wesson.
490 Processo Crime. ibid. P. 45.
491 Processo Crime Deolindo Barreto. Ibid.
156
tese definitiva- (com corte).ind156 156
12/4/2006 10:29:13
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
punições. O Estado instituindo política de segurnaça pública. O espaço urbano organizava outro
modo de vida e de justiça. Eis as mentalidades em divergências. Uma outra expressão de Chico
Monte que demonstra a sua visão de mundo e relação social era "um homem não se prende,
um homem se mata".492 A sua expressão representa que na sociedade de premissa violenta, há
uma consciência dessas regras e de modo acurado; isto por que a violência privada é essencial
ao funcionamento da vida diária. O derramamento de sangue é tratado como normal. E mais a
sua "valentia", o seu perfil de coronel era matar e não mandar matar, como fazia-se em outras
práticas de mandos.493
Ahumilhação dos coronéis, sejam os coronéis fazendeiros, padres ou juízes, deveria ser
curada. E foram usados diferentes instrumentos de poder, numa sociedade em fase de transição.
Que idéias eram essas que incomodavam tanto? Idéias que questionavam antigas condutas de
controle social, propunha nova maneira de poder, quebra de poder de antigos e fortes chefes
políticos que não queriam perder o controle do seu grupo, da sua parentela. E que iria lutar
conforme sua doutrina e condição de controle social, a violência, as relações pessoais.
O discurso de princípio de igualdade de oportunidades foi construido contra algumas
formas de violência, de guerra, e de desrespeito à vida. Como demonstra o artigo O Commercio
e a Guerra, em que afirmava “os maus se destroem” e quando conseguirem se destruir uns aos
outros, “então se poderá reimplantar no Estado o império da lei, a força do direito e o verdadeiro
regime democrático.”494
As experiências de interferências senhoriais no poder público foram denunciadas
constantemente em A Lucta, em 1914, quando o coronel Clínio Memória foi exposto. Foi
relatado que, na ocasião em que se procedia o exame cadavérico, chegou o escrivão especial
do delegado, com um papel dobrado, dizendo que o coronel mandava ao delegado o assinasse.
Examinado o conteúdo de tal papel era uma portaria nomeando um terceiro escrivão ad-hoc e
os mesmos peritos que estavam servindo, o que, visto e examinado pelo delgado, abandonou o
ato e conduziu peritos e testemunhas à casa do coronel, onde devia ser preparado o processo.
Ali chegados, o delegado foi acremente repreendido pelo sr. Clínio, que alegou que os Coelhos
eram seus amigos, haviam pegado em rifle faria tudo por eles e, portanto, não podia servir no
processo um escrivão rabelista.495
E mais, no dia do referido inquérito policial, ficou mais patente ainda o poder do chefe
local, na interferência dos trâmites da legalidade. O coronel indicou as testemunhas, proibiu
que o delegado, que estava doente, passasse o cargo para seu substituto legal, e mandou que o
492 Frase trascrita da literatura quando ele matou o tenente Castelo Branco, quando quis prendê-lo por tentativa
de homicídio. Apud: COSTA, Lustosa da. Clero, nobreza e povo de Sobral. Brasília: Senado Federal, 1987.
493 Sobre as regras de violência ver: HOBSBAWM, Eric. Pessoas extraordinárias, resistência, rebelião e jazz.
Trad. Irene Hisch. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
494 O Commercio e a guerra europea. In: A Lucta. Sobral, 20 de agosto de 1914.
495 A Lucta. Crime hediondo. Sobral, 08 de outubro de 1914.
157
tese definitiva- (com corte).ind157 157
12/4/2006 10:29:13
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
advogado de defesa, Joel S. Benecdito, “pessoa pratica em injustiças e perseguições, para salválos das penas do art. 294 do nosso Cód. Penal”, inquirisse as testemunhas. E esses criminosos
que eram “escandalosamente” protegidos do coronel Clínio e seu filho Emygdio, propalavam
que em breve iriam voltar para cometer nova série de crimes em desafetos seus.
Com indignação da demonstração de abuso do poder senhorial nas questões da justiça,
Deolindo Barreto apontava o respeito pela legalidade como caminho de bem estar social.
Pensando a justiça como equidade. Se ele chegou a imaginar que poderia ser assassinado, pelo
perfil do seu jornal, acreditava que essas interferências pessoais poderiam ser vencidas um
dia e que os caminhos da legalidade seriam mais fortes, e por pertencer a um grupo que tinha
relações jurídicas também. Deve ter orientado sua mulher, ou pedido que, caso fosse assassinado,
procurasse a justiça. Pois ela tentou todos os recursos, mesmo morando em Fortaleza. Entretanto,
esse caso foi mais um no Brasil não resolvido, um processo de 13 anos, sem julgamento, nem
prisão. Essa foi a resposta a quem aludiu a importância da justiça e legalidade como melhor
condição de vida social.
Ele criticou as práticas patrimonialistas nos aparelhos de Estado do Juiz José Sabóia,
denunciando que a legalidade nem sempre era levada a sério. Comandando o poder judiciário,
o juiz José Sabóia usava o aparato para estreitar as suas relações e o poder de influência. Dessa
forma, a Viúva Maria Brasil Lima Barreto, D. Mariinha, sob orientação de seu advogado
Sebastião Moréia, e baseado no parecer policial do Inquérito fez a Queixa Crime à Justiça
federal, considerando que se tratava de um crime político. 496
Entretanto esse processo não chegou a Casa da Justiça.497 No Processo, a primeira parte
é toda de discussão sobre competência. Qual justiça pode julgar o caso, se a justiça Estadual
ou Federal. Isso porque teria que se definir que tipo de crime havia sido praticado. O resultado
do Inquérito Policial aponta para um crime político. Mas o parecer do Tribunal Federal é que o
crime era um crime comum:
Aos 5 dias de Agosto de 1924, nesta cidade de Fortaleza, junto a estes autos o parecer
que adiante se vê. Fiz este termo. Eu Octacílio Pinheiro, escrivão criminal o escrevi.
Tendo vista para aditar a queixa de fz. 2, não se pode esta Procuradoria Seccional
forrar ao dever ( ) em relevo que, no seu entender, o caso de que se dá noticia o
inquérito policial, em que dita queixa se apóia, não é, como se afigurou à querelante,
de crime comum conexo a crime político, mas de simples homicídio e lesões físicas
comuns, sem nenhuma conexão com crime político, de natureza eleitoral.
Estabelecida a diferença legal entre crime contra o individuo e crime contra a
realização de uma eleição, ou por ocasião de uma eleição, é bem de vês que só este
ultimo estava em jogo, no caso dos autos, por se ter, no dia em que caiu morto, varado
de balas, o marido da querelante, na cidade de Sobral, procedido, neste Estão, à
496 Num processo de 205 páginas, apenas um volume, mesmo sendo solicitado a abertura um novo volume XXX, que não foi aberto, visto que o volume data de 1924 a 1937 sem referência a outro volume.
Há um processo de tramitação burocrática e de interpretações, que impossibilitou o esclarecimento e
punição do crime.
497 Não houve julgamento. As prisões não foram efetivadas. Os suspeitos não foram apresentados ao juiz.
158
tese definitiva- (com corte).ind158 158
12/4/2006 10:29:13
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
eleição para representantes do povo ao Congresso Nacional.
E aí demonstra legalmente qual a justificativa:
É de número 4215, de 20 de dezembro de 1920, a lei que forma os crimes
cometidos contra eleição federal.
Os acontecimentos que ocorreram naquele dia e lugar, determinante da
apresentação da queixa, só estariam, com toda a propriedade, enquadrados
para a ( ) permissão, no seu art. 22, que prova.
“III – Atacar secção eleitoral, () a reunião da mesa, ou impossibilitando
a continuação dos trabalhos eleitorais, em qualquer das suas fases, ou praticar
a mesma violência com a mesa Apuradora, ou quanto à apuração”
“IV - Impedir, por violência, ou ameaça, ou qualquer fórma de ( )
direta, ou indireta, que o eleitor exerça o seu direito de voto”.
Não descobre essa Procuradoria Seccional que, com os referidos
acontecimentos, tenham positivamente, inequivocadamente, tido o intuito os
criminosos, pois o são incontestavelmente, de atacar a secção eleitoral de
Sobral, para impedir a reunião da mesa eleitoral, ou para impossibilitar a
continuação dos trabalhos eleitorais, em qualquer das suas fases, já que se
não tratava, então ali, de trabalhos de junta Apuradora.
A análise do dispositivo legal em foco revela, sem duvida, que o legislador
( ) um fato – atacar secção eleitoral – para um dos dois fins: Ou impedir
reunião de mesa eleitorais, ou impossibilitar continuação de trabalhos
eleitorais, quando a mesa já esta constituída e funcionado, está claro. Assim,
o ataque a secção eleitoral, segundo o texto legal, implica, necessariamente,
um daqueles dois fins.
Destarte, o que, como, suprema ratio, o legislador quis que ficasse ( ) foi
a impossibilidade, ou perturbação, do exercício do voto popular, com o
impedimento da constituição da mesa eleitoral, pelo ataque a secção, no
primeiro caso, ou com o impedimento da continuação da eleição, ainda pelo
ataque, no segundo caso.498
Assim, alegando que os acontecimentos do dia 15 de junho, em Sobral, não impediram
a reunião de mesa eleitoral, nem, muito menos, impossibilitaram a continuação da eleição,
conseqüentemente, não ocorreu impossibilidade, nem perturbação, do exercício do voto
popular, logo nessa interpretação não houve impedimento. Afinal já havia o acordo de que a
eleição seria suspensa por conta da dualidade da presidência da Mesa, quando foi ocasionado
o crime. Logo:
Tendo ocorrido os referidos acontecimentos em meio a elaboração de ata
de suspensão da eleição, na melhor das hipóteses, pois o inquérito policial
não apuraram si esa acta já se achava ultimada, quando eles brutalmente
inromperam, por certo que impossibilitaram eles a continuação de trabalhos
eleitorais.
Nos já deixamos acentuado que, em nossa interpretação, quando a lei fala
em impossibilidade de continuação de trabalhos eleitorais, por ter sido
atacada secção eleitoral, quer, necessariamente, dizer impossibilidade de
continuar a eleição... Ora, essa perturbação do exercício do voto popular é
que, evidentemente, não determinaram os mencionados acontecimentos
498 Processo Crime. P. 64-65
159
tese definitiva- (com corte).ind159 159
12/4/2006 10:29:13
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
sanguinolentos, pois ainda não se havia nenhum eleitor dado o seu voto,
pela própria razão de estar suspensa a eleição, ou, com maior propriedade de
expersão, pela de não se ter procedido à eleição, pela de não houver eleição,
em virtude da decisão tomada pelo Juíza de Direito, de acordo com o suplente
de Juiz Federal.
Poderá, porém, arquir-se que a conexidade de crime comum a crime político
dimano, no caso em apreço, do fato de haver sido cometido o crime comum
em dia e lugar marcado para eleição.
Não vê, entretanto, esta Procuradoria da República o texto de lei que esteja
prescrito este caso de conexidade, determinado pelo dia e lugar designados
para se proceder a uma eleição. Nem nada consta que a doutrina criminal
consagre esta pretensão. Nem, por ultimo, conhece, neste sentido, decisão
nenhuma da jurisprudência nacional. Conhece, sim, caso de conexidade,
estabelecida pela ocasião em que se realiza um eleição; mas sempre, ( ) casos,
na consideração de ser o crime comum praticado por ocasião de uma eleição,
quer dizer, com perturbação do exercício do voto popular.499
A conexidade dos delitos500 apresentados nesse parecer implica uma relação de meio
para fim, de ocasião, ou de conseqüência – e nenhuma dessas relações se verificou em a questão
que se ventilou na queixa. Bem como o fato relevante nesta argumentação foi de que os tiros
desfechados em Deolindo Barreto não ocorreram nas salas de votação:
Apesar da insuficiência e confusão dos depoimentos das testemunhas do
inquérito policial, pode estabelecer-se o local em que Deolindo Barreto recebeu
os tiros, que o vitimaram – Pelo menos, por ter esse homicídio como praticado
fora da sala em que se realizaram os trabalhos eleitorais, louvamo-nos na
palavra da autoridade que presidiu o inquérito, seguindo cujas expressões
“começou um grande tumulto, no interior de um outra sala contígua àquela em
que se encontravam Silveste e Hardy, e para onde havia o jornalista Deolindo
Barreto Lima, que ali também se encontrava”. Daí declarações de algumas
testemunhas, também se depreende que esse acontecimento surgiu nessa sala
contígua à dos trabalhos eleitorais. Sendo assim, só é legitimo firmar que o
local dos tiros desfechados em Deolindo Barreto foi, positivamente, diverso
do lugar preciso em que ia realizar a eleição, embora no mesmo edifício. Esta
circunstancia influi, poderosamente, no estudo e apreciação do crime. De toda
a nossa exposição ressaltam duas conclusões, que se entrelaçam e combinam,
admiravelmente: 1° - Não ocorreu, no caso em foco, crime nenhum de ataque
a secção eleitoral, com o fim de impedir reunião de mesa eleitoral, nem com
a de impossibilitar continuação de eleição; 2° - Não houve, portanto, com a
morte do marido da querelante e com a ofensas físicas em outras pessoas,
crimes comuns conexos a crime político, permanecendo esses crimes comuns
independentes, sem nenhuma ligação intima com o pleito eleitoral de 15 de
junho, e só fortuitamente cometidos em dia e lugar da eleição.501
Assim o veredicto era que a Justiça Federal se considerava incompetente para punir tais
crimes. “Inquestionavelmente, a justiça local” teria a competência para julgar e punir. E mais,
499 Processo Crime. Ibid. P. 65
500 Como citado, segundo a lição de Pedro Lessa, sobre: Do Poder Judiciário, 254
501 Processo Crime. ibid.. P. 68
160
tese definitiva- (com corte).ind160 160
12/4/2006 10:29:14
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
o Processo sofreu ainda nulidade porque a Queixosa, Viúva Maria Brasil Lima, não justificou
a sua ausência e a autorização para ser representada por um Procurador, pois apresentou três
razões para a nulidade:
Primeira – Não precedem licença Judicial para que a queixosa se fizesse
representar por procurador, não constando, o mais, que ela tivesse, ou não,
impedimento, que a privasse de comparecer pessoalmente em juízo. A lei
de 3 de dezembro de 1841, art, 92, consolidadeo no art. 45 do dec. 3.084,
parte II, de 5 de novembro de 1898, é clara e concisa em exigir a precedência
da licença judicial, quando o autor, achando-se impedido de comparecer em
juízo, e declarando-o, quer fazer-se representar por procurador. No mesmo
sentido, há a decisão do Tribunal de Justiça de Pernambuco, de 1 de setembro
de 1914(Ver. do Supremo Tribunal 2 – 449): “É nulo processo, quando não
precedeu licença para se dar queixa por procurador”.Paula Pessoa, o art.
92 da lei 261, de 1847, consigna variar decisões, que sufragamo mesmo
principio processual (notas 2.162 a 2.169). Assim, é flagrante a nulidade da
queixa, por não ter sido precedida de autorização judicial, uma vez que a
querelante se fez representar por procurador, não constando que houvesse
impedimento para se apresentar ele por si mesma. Em conseqüência, dáse, ali, ilegitimidade de parte. Nulidade insoprível à esta, por não ser mais
possível após a apresentação de queixa, conseguir-se alvará de licença, sob
pena de se invalidar o processo como está na indicada decisão do Supremo
Tribunal de Justiça.502
E continuando de forma extensiva as explicações burocráticas do direito formal, na
aplicabilidade das leis:
Segunda – A queixa não firmada. Art. 78 do Cód. do Processo Criminal
preceitua que a queixa deve ser jurada pelo querelante. Estabelecida, com o
regime republicano, a separação entre a igreja e o Estado, ficou o julgamento
substituído pela afirmação, e essa afirmação é no sentido de ser dado a queixa
sem dolo, nem malicia. Entretanto, a nulidade, referente a esta omissão
parece-me sanável, em face do que dispõem os arts. 26, § 1, e 50 da lei 261,
de 3 de dezembro de 1847, em virtude dos quais os juizes tem a faculdade de
mandar emendas as faltas encontradas e que induzem nulidade ao processo.
Certo é que a falta de afirmação nula o processo. E a razão é seguinte: a
afirmação firma a responsabilidade pessoal do queixoso, obrigando-o pela
verdade das alegações; é o mais seguro compromisso da sinceridade de quem
se queixa.
Finalizando aponta a última justificativa:
Terceira – Da procuração fl. 5 não constam os nomes das pessoas contra as
quais foi apresentada a queixa. O mandato dos autos fala, vagamente, em
autores e cúmplices do homicídio do marido da querelante, sem lhes declinar
os nomes, nem dá-nos a conhecer qualquer maneira. Na jurisprudência
nacional, tem-se firmado a necessidade de individuação dos querelados, no
instrumento de procuração, quando a queixa é apresentada por procurador:
“É nulidade não conter a procuração passada pelo queixoso ao seu advogado
502 Op. cit. P. 69
161
tese definitiva- (com corte).ind161 161
12/4/2006 10:29:14
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
os nomes das pessoas contra as quais deveria ser dada a queixa” (Ver. do
Superior Tribunal de Pernambuco”). A omissão dessa circunstancia, no
concreto presente processo, constitui notável nulidade, que invalida todo o
sumario de ampla e demais termo da acção penal. Quarta – No instrumento
do mandado referido falta o reconhecimento da firma do tabelião em cujo
cartório foram outorgados os poderes da procuração. Para valor esse mandato
no Juízo Seccional, em sua sede, era preciso que a firma do tabelião de Sobral
fosse reconhecida por tabelião desta capital. Quinto: Falta de reconhecimento
da assinatura do advogado signatário da queixa. Sexto: o auto do exame
cadavérico do marido da querelante não foi julgado. Sétima: na queixa foram
oferecidas testemunhas (8) superior ao que exige a lei.503
De forma extensa e pontuando as justificativas de nulidade, indica que diante de
“tantos vícios” que enfermaram a procuração da queixosa e a sua queixa, uns insanáveis, outros
sanáveis, foi concluído, em 02 de agosto de 1924, a ilegitimidade da parte e, pois, a nulidade
da queixa. Quase dois meses e até onde o processo tinha andado, não tinha validade. Teria que
se começar novamente.
Em 23 de setembro de 1924, Adonias Limauto, Juiz Substituto Federal, mandou que
se remetessem os autos para o Dr. Juiz Municipal de Sobral, para dar andamento ao processo.
Representando um Estado regulador das paixões.
A concepção de justiça sempre esteve ligada à de harmonia. Entretanto a justiça é um
dever-ser, que estará conectada às contradições sociais e dos homens que ocupam o seu cargo.504 O
que representa uma "fragilidade" do Estado na aplicação do Direito, por não haver um "autêntico"
monopólio público dos meios de coerção, mas criando relações assimétricas.
Nesse embate de “verdade” e de disputa de grupos, o advogado de Maria Brasil Lima,
Sebastião Moreira, recorre da decisão. Inicia-se um debate jurídico sobre a competência do
caso. Em que ele reforça justificativa da esfera federal, visando que não ocorra uma prática
patrimonialista no andamento desse caso. E sobre deferimento dos recursos aplicados pelo Juiz
federal, ele apresentou:
Diz D. Maria Brasil Barreto Lima que, na tendo V. Sia. aceitado a queixa
crime que apresentou contra Francisco de Almeida Monte, Joaquim de Sousa
e outros, sob o fundamento de se julgar incompetente, vem a suplicante
recorrer dessa decisão de V. Sa. para o Dr. Juiz Seccional, nos termos do art.
329 letra b do Decr. n. 3084 de 5 de Novembro de 1898, parte segunda, e art.
56 da Lei n. 221 de 20 de Novembro de 1894. Nestes termos, e dada pelo
escrivão a informação de que trata o art. 333 do citado Decr. n. 3084, Parte
Segunda, requer a suplicante a V. Sa. que se digne mandar tomar por termo o
seu recurso, prosseguindo-se após em seus ulteriores tramites. P. deferimento.
503 Processo crime Deolindo Barreto.ibid.P. 71
504 AGUIAR, Roberto. O que é justiça, uma abordagem dialética. São Paulo: Alfa-Ômega, 1999. p. 63.
162
tese definitiva- (com corte).ind162 162
12/4/2006 10:29:14
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
Fortaleza de outubro de 1924. Sebastião Moreira de Azevedo.505
Estando esta petição no prazo de cinco dias da intimação do despacho ela foi entregue
para o juiz, para parecer de despacho, e que foi considerado incabível tal recurso por falta de
competência. E o advogado recorre novamente:
Dessa decisão interpôs a suplicante, no prazo legal, recurso para V. Sia.: mas
o Dr. Juiz substituto indeferiu a petição de recurso da suplicante, sob pretexto
de ser incabível o mesmo recurso. Semelhante fundamento não procede,
como melhor apreciara V. Excia., em face dos autos, uma vez que a disposição
invocada pela suplicante – art. 329 letra b do Decr. n. 3084 de 1898, Parte
Segunda – não distingue entre os motivos indicados pelo juiz a que para a
não aceitação da queixa. O dispositivo e genérico abrangendo todos os casos
em que o juiz “não aceitar a queixa ou denuncia”. É claro que o direito do
recurso da suplicante não pode ficar prejudicado pela recusa do juiz a quo em
mandar tomar por termo o mesmo recurso, pois do contrario ao juiz inferior
seria SEMPRE licito tolher as partes o sagrado direito de recorrer ao juiz
superior, nos casos declarados na lei. Semelhante arbítrio é incompatível com
os princípios integrativos do direito processual.Ao juiz ad quem é que, em
ultima analise, compete decidir se é ou não cabível o recurso, para que não
fique burlada a instituição das duas instancias – alias uma das características
essenciais do direito pátrio. Nestas condições, e já estando junta aos autos a
petição de recurso da suplicante, indeferida pelo Dr. Juiz Substituto, requer
ela a V. Excia. que, chamando os autos a sua conclusão, se digne mandar que
o Juiz Substituto tome por termo o recurso da suplicante, depois de apreciar
V. Excia. a matéria da admissibilidade do recurso pretendido, em face do
conteúdo dos mesmos autos.
E novamente o parecer do Juiz é desfavorável com fundamento do art. 329 letra b, do
Dec. 3084 de 5 de Novembro de 1898, por ser um problema de incompetência. Dessa forma o
caso foi encaminhado para a esfera municipal. No dia 14 de novembro de 1924 o parecer do
Juiz Municipal em Exercício, Julio Ximenes d’Aragão506 considera-se incompetente também e
atribui a competência à esfera federal:
Não se me afiguram procedentes as rasoes alegadas pelo Dr. Juiz Substituto
federal em seu despacho pelo qual se julgou incompetente para conhecer
o caso. Essas allegaçoes não se acham em parte, de acordo com o que de
verdade ocorreu na primeira secção eleitoral deste Município. É certo que
o inquérito revela imprecisão de detalhes o que orem não é motivo para
negativa de competência constitucional, enquanto por outro lado, o honrado
Juiz Substituto Federal, residindo em Fortaleza de 50 léguas distante deste
theatro dos acontecimentos não podia conhecer estes tao do ocorrido como
os conheci.
505 Processo Crime. Ibid. P. 84.
506 Era um democrata, do grupo de Deolindo Barreto.
163
tese definitiva- (com corte).ind163 163
12/4/2006 10:29:14
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
E dessa forma vai pontuando por que considera um crime político:
O jornalista Deolindo Barreto Lima foi atingido pelas balas homicidas dentro
do próprio gradil da sala da 1° secção eleitoral embora tenha vindo cahir fora
do gradil da respectiva mesa se os querelados não se houvessem apresentado na
assembléia eleitoral armados de revolver, Cód. Penal art. 170 certamente facto
delictoso não se teria ocorrido. Acresce que os factos e cirunstancias ocorridas
parecem demonstrar em que dantes se achavam os querelados de perturbar o
pleito eleitoral.É pela perturbação causada pelos trágicos acontecimentos de
que os reos são acusados, não só a secção eleitoral onde elles estiveram, como
tambem as duas outras secções deste município deixaram de funcionar, pela
fundada intimidação que abalou de todos os espíritos. Se como pretende o Dr.
Juiz Substituto Federal os trabalhos da 1° secção já se achavam suspensos ao
serém desparados os tiros de que resultou a morte de Deolindo Barreto não
se pode negar que para essa allegado suspensão muito concerreu o ambiente
carregado que pesou na sala respectiva logo ao se apresentaram os mesários
em face da presença dos querelados que se achassem armados, e dos outros
terroristas que desde a véspera corriam. Realmente o afastamento dos dois
presidentes de Câmara que se julgavam ambos legalmente postados nesse
Cargo não podia determinar só por si a não realização do pleito eleitoral na
1° secção ( ) ver que os dois outros mesários presentes – o juiz de Direito e o
supplente federal – poderiam legalmente constituir a mesa foi motivo a qual
deporiam os eleitores os seus sufrágios. Em face dos autos consta, julgo-me
incompetente para; como juiz estadual tomar conhecimento da materia da
queixa, que é da competência da justiça federal.507
Esse parecer suscitou como conflito negativo de jurisdição. Sem grandes debates
jurídicos e de jurisprudência, em 08 de julho de 1925, o juiz do Supremo Tribunal Federal,
Adonia Lima, manda que o processo seja remetido ao Juiz de Direito da Comarca de Sobral
novamente. Aos 21 dias do mês de setembro chegou o processo ao Juiz Substituto Federal da
Secção Estado do Ceará. O Juiz Clodoveu Arruda508 remeteu à Sobral sete dias depois.
Enquanto isso a imprensa democrata publicava artigos sobre o poder da legalidade e
a honradez de uma sociedade em ter uma justiça “isenta” e “neutra”. Como em Magistrados
Políticos509, um artigo de meia página, denunciando os males da interferência dos magistrados
na política. Assim como colocava José do Patrocínio como referência de legalidade e caminho
de justiça.510
Diferentes interpretaçãoes foram dadas sobre o crime ser político ou não. Isso por que
507 Processo Crime. Ibid. p. 85
508 Esse juiz estava no pleito eleitoral do crime, foi um dos que propôs a suspensão da eleição e iria
produzir a ata. Bem como foi um dos últimos alvos de ataque de Deolindo Barreto. Nesse momento ele
era Juiz em Fortaleza e foi quem encaminhou o processo para a jurisdição de Sobral.
509 Magistrados Políticos. In: A Imprensa. Sobral, 22 de julho de 1925.
510 E Triunfou a Legalidade. In: A Imprensa. Sobral, 05 de novembro de 1925.
164
tese definitiva- (com corte).ind164 164
12/4/2006 10:29:15
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
as práticas jurídicas funcionam na subjetividade da gramática. O Juiz, dessa forma, de locutor
se coloca como sujeito.511
Dessa forma, mais de um ano e o caso ainda não havia sido definido a quem de direito
cabia julgar. O suspeito do crime Chico Monte, que tinha a prisão decretada, solicitou então, a
prescrição do processo alegando que não havia jurisdição notificada para o caso:
Dr. Francisco de Almeida Monte que tendo sido absolvido pelo supremo
Tribunal, o conflito de jurisdição da secção, suscitada pelo juiz Municipal
deste termo, que a justiça estadual era incompetente para instaurar o processo
crime que lhe é movido pela morte de Deolindo Barreto Lima, sucede que há
mais de um mês foram remetidos ao Juiz Municipal para despachar a queixa
oferecida pelo advogado da família da vitima. E como até esta data, nada
tenha resolvido a respeito o Juiz Municipal, que é o primeiro suplente, então
em exercício pleno, ou o segundo, por impedimento deste vem o suplicante
reclamar a V.S. Devido esta demora que lhe tem causado não pequenos
prejuízos e requerer do mesmo tempo seja tomado por V.S. as providencias
necessárias afim de ter prescrição o processo que sem jurisdição notificada se
acha até agora. P. deferimento. Sobral 31 de outubro de 1925. Francisco de
Almeida Monte
Mais de um mês depois foi demonstrado pelo novo Promotor Público, Francisco Parente
Ponte, que a queixosa não havia sido notificada oficialmente sobre o conflito de jurisdição.
Entretanto o suspeito já havia sabido e solicitado suspensão das suas punições preventivas.512
Dessa forma ele indica:
Não constando dos presentes autos tenha a querelante D. Maria Brasil Barreto
Lima sido intimada da decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu
a competência da Justiça Estadual para o processo e julgamento do crime
que foi vítima o seu falecido marido, o jornalista Deolindo Barreto Lima,
torna-se necessário que se lhe dê a ciência daquela decisão, para que ela
ofereça nova queixa, caso queira ser a iniciativa do processo perante a Justiça
local. Providencie-se, portanto, com a brevidade possível, sobre a intimação
da querelante, mediante carta precatória citatória expedida á autoridade
judiciária competente de Fortaleza, onde ela se acha residindo atualmente.
Na precatória, a ser expedida, deve o Juiz marcar á citando prazo razoável
para a apresentação de nova queixa, e caso não faça, remeta-se os autos a
esta promotoria para proceder como for de direito. Sobral 28 de novembro de
1925. Francisco Ponte - Promotor de Justiça.513
Antes mesmo dela ser notifica e de se pronunciar, foi anexada no Processo uma queixa
de Chico Monte sobre as “benécies” que a Viúva estaria recebendo, como prazo de 15 dias e
não cinco para apresentar nova queixa. O que demonstra um homem muito bem informado de
511 HAROCHE, Claudine. Fazer dizer, querer dizer. Trad. Eni Orlandi. São Paulo: HUCITEC, 1992.
512 Dos cinco acusados apenas para Chico Monte e Joaquim Sousa fora decretado prisão preventiva. Mas eles
não se apresentaram à justiça.
513 Processo Crime. Ibid. P. 180
165
tese definitiva- (com corte).ind165 165
12/4/2006 10:29:15
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
seus direitos, articulado com advogados. Ele assina seus documentos, não passou procuração
para ser representado. O que sugere uma segurança das suas relações pessoais com os homens
detentores nos cargos de justiça do Estado de Direito.
No documento ele se mostra um homem perseguido, vítima de cenas de “selvageria”
que sofreu por conta da acusação.514 Assim ele expõe, e mantenho a maior parte de sua defesa por
considerar importante para compreender suas articulações, pois um homem afeito à organização
de grupos armados não teria conhecimento, nem vocabulário da seguinte forma:
...Baixada a queixa do Juiz Municipal deste Termo, o então suplente em
exercício, para prejudicar o requerente, abriu um conflito de jurisdição, que
foi afeto ao Supremo Tribunal Federal. Este solucionou-o, considerando
competente a Justiça de Estado. Apesar de receber a comunicação desse
pronunciamento, nãodeuandamentoaoprocessooentão Suplenteemexercício
– Para deixa-lo, o peticionário, sob o guante e termo de um indiciamento penal.
Obteveelecertidão
de acordam do
Supremo Tribunal
Federal sobre o
aludido conflito
de jurisdição e
promoveu a sua
juntada aos autos,
impetrando
a
continuação
do
processo.
Ex.,
É um prédio de dois andares. Construído
de certo de boa fé, mandou intimar a
para compor uma paisagem urbana de
aristocracia, elegância e poder e que
querelante para, no prazo de 15 dias, cujo
foi cenário do estopim dos conflitos no
inicio não determinou, renovar a queixa,,
segundo andar.
ou declarar si desiste da mesma. Ora, esta
medida, alem de permitir fique o processo
parado, por longo tempo, com manifesto
grava-me do postulante, é sobremodo ilegal, e não assenta em dispositivo
algum de direito. Ninguém pode fazer ou deixar de fazer alguma cousa si
não em virtude da lei; Ninguém pode ser processado, si não em virtude da
lei, e na forma por ela regulada. De uma so vez transgrediu V. Excia esses
dois preceitos. Primeiramente, nenhuma lei autoriza-o a dar semelhante
despacho. Depois, prescreve o nosso Cód. de Processo Criminal: “O prazo
para a apresentação da queixa ou denuncia será de 5 dias contados da data
em que o ministério publico receber os esclarecimentos e provas do crime, ou
em que se tornar notório, que o réo esteja preso, solto ou afiançado”.
Indêntica regra existe na Justiça Federal. Dentro desse prazo usou a viúva
do direito de queixa, não aceita no Juízo Federal por ser a competência do
Estadual, remetendo-a aquele a esse, receber ou registrar, como de Justiça. É
o que deve fazer V. Excia. Depois de aditado pelo promotor no caso de
aceita-la, designar dia, hora e lugar para inicio disso, notificadas a querelante,
as testemunhas e o M. Publico. Sobral 29 de Dezembro de 1925. Francisco
de Almeida Monte
514 Ele se refere ao fato de ser procurado pela polícia, que recebeu um reforço de 70 soldados e um delegado
substituto.
166
tese definitiva- (com corte).ind166 166
12/4/2006 10:29:16
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
A análise desse documento demonstra um despacho favorável para Chico Monte,
travestido de neutralidade e legalidade. Houve a redução do prazo de 15 para cinco dias para a
Viúva fazer nova queixa, como ele queria. Assim a probabilidade de não haver a queixa-crime
era maior. O juiz Jose Ignácio respondeu afirmando que não havia transgredido nenhuma lei,
visto que há omissão sobre o assunto:
O dispositivo de Art. 14 do Cód. do Processo Criminal do Estado, invocado
pelo requerente, não tem aplicação ao caso vertente, que não é absolutamente
a hipótese nele segurada. O silencio da lei, cumpre ao Juiz decidir como julgar
mais acertado, sem atenção ás conveniências pessoas das partes. Foi o que
fiz. Assim mantenho o despacho impugnado, reduzindo porem, para cinco,
a partir da data do recolhimento da precatória a cartório o prazo concedido
á querelante, para promover o andamento do processo. O escrivão, com a
brevidade possível, empeça-se a precatória pela forma ordenada. Sobral 5 de
janeiro de 1926. José Ignácio
Esse parecer beneficiou aos interesses do acusado, que nessa luta jurídica se mostrava
muito interessado em “encerrar” o caso. Mas o conflito jurídico continuou. Em 24 de fevereiro
de 1926, o novo advogado de Maria Brasil Barreto Lima, José Feliciano Augusto de Athayde,
apresentou a Procuração para apresentar a queixa crime contra os cinco suspeitos e outras
pendências:
todos os poderes gerais e especiais, em direito concedido a ele outorgante,
afim de que, em seu nome, possa figurar em todas as suas pretensões, causas
e demandas crimes, civis e comerciais, movidos e por mover, em que ele
outorgante for autor ou réu antes quaisquer Autoridades policiais ou
administrativas, Repartições Publicas, Auditenos e Tribunais de Justiça,
desde as subdelegacias até o Supremo Tribunal de Justiça, para os quais
outorga ilimitados poderes para dar de suspeito a quem o deva ser. Usar delas.
Pedir, aceitar e conceder esperas, concordatas, moratórias, composições,
compromisso. Promover e assinar a todos os termos de qualquer processo
de falência e as reuniões credoras, votando nele e assinando o que convier.
Assinar petições, termos confissões, protestos e contra protestos, desistência
e quaisquer outros atos necessários. Prestar juramento de qualquer natureza
que seja. Nomear peritos,louvados ou arbitrados comerciais, judiciais e extrajudiciais. Inquirir e contestar testemunhas. Receber de seus devedores e das
estações, e depósitos públicos e particulares, qualquer objeto, divida ou
dinheiro que lhe pertencer, dando recibo ou quitação do que receber. Seguir
em tudo suas cartas de ordem, que valerão como parte da presente.
167
tese definitiva- (com corte).ind167 167
12/4/2006 10:29:16
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
A delegação de poderes aos advogados indica a situação financeira da família Barreto
Lima, possivelmente mais dívidas que créditos, talvez por isso o inventário tenha sido um
processo mais rápido. Enquanto o Processo Crime foi lento, burocrático e incompleto, o
processo de inventário foi resolvido no período de 11 de agosto de 1924 a 06 de setembro de
1924. Foi encaminhado pelo Juiz Júlio Ximenes Aragão, membro do grupo liberal. Deolindo
Barreto Lima deixou ações do Banco Rural de Sobral no valor de um conto de réis e uma oficina
tipográfica, nov valor de 980 mil réis, ficando respectivamente os bens para os sete filhos e a
tipografia para a viúva.515
Enquanto isso, quase dois anos depois, em 24 de abril de 1926, é que legalmente o crime
volta a ser investigado. O Promotor de Justiça Francisco Ponte aceita a queixa-crime contra
Francisco Monte, Joaquim de Sousa, Jeremias Ramos, Calazans José Torres e Vicente Bento de
Sousa.
Dessa forma os réus e as testemunhas começaram a ser convocados a depor:
Certidão.Certifico que nesta cidade foro do meu cartório intimei por todo o
conteúdo da queixa retro, digo, do despacho retro do Dr.Promotor Publico
Francisco Ponte, bem como citei aos accusados Francisco de Almeida Ponte,
Vicente Bento de Sousa, Joaquim de Souza e Jeremias Ramos por todo o
conteúdo da queixa retro, citando também ao acusado cabo José Amaro da
Silva; dou fé. Sobral, 14 de maio de 1926. O 1° Escrivão. Pedro Mendes
Carneiro
O que seria o indício de apuração do caso ficou novamente nos recursos do direito de
defesa. Na Justiça liberal, todos são iguais perante a lei e tem os direitos assegurados de defesa.
Usando esse atributo, Vicente Bento procura adiar o enfrentamento com a justiça:
Diz Vicente Bento de Sousa, que tendo sido intimado a ver se processar,
como denunciado ou acusado no processo que se vae instaurar, neste juízo,
sobre a morte d Deolindo Barreto, acontece que tendo chamado um advogado
para defender-se não alugou este, ainda a esta cidade. Assim requer a V.S°, se
digne addiar o inicio do sumario da culpa, para segunda feira, 24 do corrente.
Assim, P. deferimento. Sobral 21 de maio de 1924. Vicente Bento de Sousa516
Pedido que foi informado aos envolvidos:
Certidão. Certifico que intimei por todo o conteúdo do despacho contido na
515 Ela continuou com a tipografia A Lucta, no mesmo endereço usando o slogan “Viúva de Deolindo
Barreto”. A sua oficina voltou a imprimir os cartões e panfletos. Em novembro, já era indicado nas propagandas uma sociedade “Viúva de Deolindo Barreto e irmão”, circulando em A Imprensa até dezembro
de 1925. Posteriormente, o dono d’ A Imprensa comprou a tipografia, no inicio mantendo o nome A
Lucta, mas alterou seu endereço para o da redação do seu jornal, em 1927 já não era mais propagandeada
a tipografia A Lucta.
516 Processo Crime.Ibid. P. 201
168
tese definitiva- (com corte).ind168 168
12/4/2006 10:29:16
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
petição retro ao advogado da autora sr. José Feliciano Augusto de Athayde, ao
sr. Promotor Publico Francisco Ponte e dos réus Joaquim de Sousa, Francisco
de Almeida Monte e Jeremias Ramos e cabo José Amaro da Silva, ficando
todos certificados; dou fé. Sobral 21 de maio de 1926. O 1° Escrivão. Pedro
Mendes Carneiro.517
E finalizando esse Processo há certidão de notificação de testemunhas e a dificuldade
em encontrá-las:
Certidão. Certifico que intimei as testemunhas Julio Dias Gomes, Raymundo
Donizetti Gondin, Estanislao Lucio C. Frota, Francisco Moacyr Mendes e
Felizardo Mendes, para deporem no presente sumario no dia vinte e quatro
do corrente, as oito horas na Casa da Câmara Municipal, ficando os mesmos
inteirados. Certifico ainda que deixar de intimar as testemunhas, Antonio
Gomes de Andrade por se ter ausentado para fora deste termo para lugar não
sabido, Napoleão Souza, que reside em Granja e Newtton Mendonça hoje
que se encontra no Estado de São Paulo em lugar não sabido; dou fé. O 1°
Escrivão. Pedro Mendes Carneiro
O que representa que a distância entre o tempo do crime, da definição de jurisdição
e recomeço da apuração no órgão competente fez com que os ânimos “esfriassem”. E que
os indivíduos tivessem tempo de organizar sua vida cotidiana ou que fugissem das pretensas
punições. Como sugere uma informação do Processo:
Informação. Informo ao sr. 1° Suplente do Juiz Municipal em exercício pleno
Cel. José Ignácio Gomes Parente, que o acusado Calazans José Torres segundo
informações colhidas reside atualmente em lugar incerto e não sabido, deixando
por isso de ser o mesmo citado. Informo mais que se faz preciso a organização
de segundo volume destes autos para sua conservação dos mesmos. Sobral 22
de maio de 1926. O 1° Escrivão. Pedro Mendes Carneiro
Solicita-se que uma nova citação seja feita ao réu Calazans José Torres. Mas apenas em
23 de maio de 1928 é que ele voltou a cidade, mas o processo não faz referência à continuidade
das apurações. Assim foi certificado: “Certidão. Certifico que chegou a esta cidade o acusado
Calazans José Torres e o citei por todo o conteúdo; dou fé! Sobral, 23 de maio de 1928. O 1°
Escrivão, Pedro Mendes Carneiro”.518
E o processo não teve mais continuidade. Na última folha, de número 205, há uma
Vista, em 15 de setembro de 1937, feita por um Francisco519. Foram 13 anos de Processo sem
uma prisão, nem julgamento, nem culpados. Dos culpados é sabido que o que continuou na
cidade e com as suas atividades sociais foi Chico Monte. Tanto que ele se elegeu Deputado
Estadual pelo Partido Conservador, rompendo seus laços políticos e pessoais com o Juiz na
517 Op. cit. P. 201
518 Op. cit. P. 201.
Ibid.519 O seu sobrenome está ilegível no documento original.
169
tese definitiva- (com corte).ind169 169
12/4/2006 10:29:17
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
década de 40.
No conflito de jurisdição desse processo o caso não foi considerado político. Foi um
crime comum. A política foi tratada como o ato de votar. Votação suspensa não havia política. O
Delegado afirmou que o jornal era político, que os grupos divergentes eram políticos, que os atos
violentos foram deflagrados por questões políticas. Mas na interpretação jurídica vencedora foi
um ato violento de crime comum. Atrelou político a ato eleitoral. E dessa forma o que a Viúva
e seus advogados temiam aconteceu. Em esfera local, o caso não seria apurado adequadamente.
Sendo assim, o que Deolindo Barreto temia que as leis não fossem respeitadas, pelo uso abusivo
do poder, foi concretizado no processo de apuração do seu assassinato.
Os réus não foram a julgamento na casa da justiça, o que seria a representação e o
local onde o discurso da liberdade, igualdade e fraternidade deveria prevalecer e fazer valer.520
Assim, o foro da justiça para apuração do caso sofreu intervenção de poderes pessoal.
Mas outro processo judicial, o seu Inventário, que não interferia na vida de terceiros, foi
resolvido em menos de um mês.
520 A expressão casa da justiça é utilizada em: HAREND, Hanna. Eicheman em Jerusalem. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
170
tese definitiva- (com corte).ind170 170
12/4/2006 10:29:18
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
4.4 Silêncio para o vencido: a omissão pela imprensa
Impor o silêncio é negar a significação social. Não havendo difusão de idéias, de
informações significaria que não aconteceu, não existiu, logo não ocorreu.
Para quem acreditava no poder da imprensa, como instrumento de luta, de memória e
de jogo político, o mutismo de uma parte da elite era motivo de denúncia, como fez Deolindo
Barreto, em 1914, em decorrência da deposição de Franco Rabelo.521 Que não foi noticiada
como golpe, mas como uma substituição “natural” de um Estado Republicano representativo.
O silêncio como construção de memória já vinha sendo experimentado. No caso do assassinato
do jornalista, foi mais uma forma de construir uma imagem de ordem social.
Uma prática de silêncio, observado nos primeiros anos nas páginas de O Correio da
Semana, foi sobre os processos de violência na cidade e arredores praticados pelos coronéis, e
que foi denunciado em A Lucta. Assim ocorreu com o assassinato de Deolindo Barreto. Era a
maneira clerical de mostrar que nada de mais ocorreu. Não era seu assunto.
Enquanto os acontecimentos do assassinato explodiram na superfície do inquérito
policial e na imprensa522 sobre a qual se inscrevem como sobre uma membrana sensível, o clero
silenciou, assim acreditava que não demonstrava divergências. Mas colocava em ressonância
os sentidos que nela são inscritos.
A notícia do assassinato mobilizou a imprensa laica em Fortaleza, e fez ainda circular
A Lucta mais três edições, a sua crença de que mesmo com a possibilidade de seu assassinato
não acabaria o jornal, não foi vivida. O seu jornal morreu consigo.523
Um sentido que foi sendo construído dia após dia a partir de sua fundação, com seus
conflitos e posturas políticas, nos 14 anos de vida de A Lucta, dando forma “àquilo que ocorreu.”
Buscando universalidade na sua postura política.
Nessa perspectiva, havia uma idéia teleológica, em que, se sua postura política fosse
aceita, não haveria conflito e se chegaria a felicidade social, de oportunidade de livre
concorrência.
O jornal A Lucta foi criado com propósito de ser o remédio para os males da sociedade
sobralense. O primeiro editorial informava que estava entrando na arena política com a esperança
521 Em A Lucta. Sobral, 13 de maio de 1914.
522 Como A Safra dos assassinatos.In: Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 17 de junho de 1924; Correio do
Ceará. Fortaleza, 21 de junho de 1924.
523 Na história da imprensa há vários casos de morte do jornal pela censura e pelo assassinato de seus idealizadores.
171
tese definitiva- (com corte).ind171 171
12/4/2006 10:29:18
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
de dias melhores. Numa escrita cheia de sentimentos, clamava por novos adeptos. Onde seria a
verdade, a luz para sanar os problemas sociais.
Com os dísticos “Boi é boi”, “Conte-se o caso como o caso foi, embora desabem os
céus” fundamentava a sua luta política. A característica da consciência social, o uso das leis
como mecanismo de controle social para as oportunidades de igualdade meritocrática.
Sobre o assassinato, a imprensa católica optou por silenciar os acontecimentos. Não
descreveu o episódio na Câmara Municipal, não publicou sobre o estado de saúde de Deolindo
Barreto, como também não informou sobre a sua morte. Silêncio. Esse foi o caminho de sanar as
divergências. O fato não foi noticiado, não foi importante, e, em última instância, não ocorreu.
O mais próximo da notícia que o periódico chegou foi com um anúncio, de segunda
página, sobre a questão do crime noticiada da seguinte forma:
Devidos aos tristes acontecimentos desenrolados a 15 do corrente, no edifício
da nossa Câmara Municipal, não houve eleição nesta cidade. Ao que parece
as eleições nos outros municípios ocorreram calmos, sendo eleitos os dois
candidatos Dr. Thomaz Rodrigues e José Acyoli.524
A informação prioritária era a de que não havia tido eleição em Sobral, inclusive
fazia questão de afirmar que, em outras cidades da região norte, havia ocorrido tranquilamente,
na normalidade.525 Em segundo plano, o caso é noticiado como “tristes acontecimentos” que
impossibilitaram o pleito e, mais do isso mancharam a imagem da cidade ordeira e
“harmônica”:
No dia 15 houve uma cena verdadeiramente bárbara que abalou profundamente
o espírito do nosso povo tão habituado a
agradáveis sensações de paz que era um
dos mais nobres padrões de nossa terra.
Só pelo dever de oficio sujeitamos aos
pezadissimo ônus de registrar o triste
acontecimento, que preferimos deixar a um
olvido absoluto para que se não soubesse
lá fora dessas tristes mazelas nossas.526
A tristeza era pela imagem da cidade. Não pela morte
do indivíduo, ainda mais de um dono de jornal condenado. E
passar os olhos nessa folha, vai ficando mais claro o alívio de
não ter mais esse morador. Principalmente com o destacado
lamento pela morte da esposa do Cel. Mendes Carneiro527.
Foto de 1926 em família,
mesmo tendo prisão
524 Eleição. In: Correio da Semana. Sobral, 21 de junho de 1924.
preventiva
525 Contradiz a informação apresentada pelo advogado da Viúva, para justificar o c rime
político.decretada.
O medo com o
que ocorrera em Sobral teria levado a não realização da eleição em algumas cidades. Processo Crime. P.
526 Os Luctosos Acontecimetnos do dia 15. In: Correio da Semana. Sobral, 21 de junho de 1924.
527 Um informe maior e com mais teor emocional de perda. In: Correio Social. Correio da Semana, 30 de junho
172
tese definitiva- (com corte).ind172 172
12/4/2006 10:29:19
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
Em nenhum momento foi anunciada a morte de Deolindo Barreto, o episódio foi descrito como
“triste”. Adjetivou, mas não descreveu. O mais próximo que chegou foi no título, com a palavra
“lutosos”. Expressões sinônimas de morte na época como “desaparecimento”, também não era
usada. Partindo do princípio de que o leitor sabia que ele já havia morrido e como, os textos
não usam as palavras morte nem crime. Sem essa descrição do acontecido, um leitor desse
material, fora de seu tempo e isoladamente, instigaria uma curiosidade: o que aconteceu de
triste? Haveria dúvida se era uma tristeza de morte. A palavra não foi usada. Talvez para não
configurar crime, de um filho católico, tão presente na vida paroquial, como era o principal
acusado Chico Monte.
E mais uma vez há referência da seguinte maneira:
Fazemos voto para que a paz habite entre nos, e o sossego volte aos nossos
lares. Na noite de 24 para 25 deste as residências do Sr. Francisco Petrolino
e D. Benvinda Monte foram cercados por um grupo de soldados emborlados,
privando de comunicação com as pessoas ali detidas. Houve uma denuncia de
haver Francisco Monte se homesiado em uma daquelas residências. Verificouse a infâmia da denuncia, o Dr. Adauto mandou prender a denunciante Anna
Maria de Albuquerque Cavalcante.528
O jornal Correio da Semana era o veículo católico formador de opinião para uma
mentalidade “ordeira”, “religiosa” e “moralizante”. Francisco Monte não foi adjetivado, não foi
indicado o motivo e que razões teria a polícia para prendê-lo. O crime era a de “denúncia falsa”,
de Anna Maria. O procurado não é importante nessa narrativa, mas o incômodo das famílias
“respeitáveis” serem incomodadas pelo poder legal, pela polícia. Esta estava “causando” a
desordem, invadindo residências.
Na versão de A Ordem, contradizendo a maioria das versões do Inquérito, afirma
que o ato violento de Adolfo Madeira levou “Deolindo Barreto a ter um gesto transloucado de
sacar seu revolver e de ter atirado em Vincente Bento, que se extorcia o nosso amigo Vicente
Bento”.529 Acusava o Deolindo Barreto de ser jornalista “pouco culto” atacando adversários
honrados. A parcialidade desse periódico era mais clara ainda. Atacava a vítima. Ele havia
provocado, estava “fora de si”.
Esse discurso coaduna com o discurso de criação de uma sociedade hierarquizada,
cujos indivíduos de “segunda classe” não alçam a situação de cidadãos integrais, e não são
reconhecidos como sujeitos plenos de direitos. Ele estava sendo estigmatizado como de segunda
classe: era transcloucado. Havia saída da razão.
A desigualdade e degradação esgarçam os vínculos de comunidade, amenizando o
de 1924.
528 Os Fatos do dia 15. In: Correio da Semana. Sobral, 28 de junho de 1924.– Intervenção de um
529 As Ocorrências do Dia 15. In: A Ordem. Sobral, 18 de junho de 1924.
173
tese definitiva- (com corte).ind173 173
12/4/2006 10:29:19
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
sentimento de culpa em relação àquele que tem seu direito violado. Não sendo visto como
sujeito moral, não há grande problema em ser privado do conjunto de direitos que protegem
os demais cidadãos. Essa foi a linha de A Ordem, havia ocorrido o crime, o que se buscava era
justificativa que amenizasse a condição dos criminosos. A forma de controlar um “trasnloucado”
seria pela violência. Não haveria diálogo com alguém que perdeu a racionalidade, o caso era de
força, para se manter o controle e ordem social.
Sobre a tragédia, A Ordem afirmava que, como a presidência do Estado era Democrata,
este queria a apuração, representando que pelo discurso da legalidade queria usar o aparato para
seu interesse: mostrar como os inimigos eram perigosos, não era uma boa referência social e de
poder. E, nesse caso, escrevia que temia a influência da imprensa, democrata, para gerar opinião
que influenciasse na apuração que só “caberia à justiça”. Afirmava mais ainda que era preciso
“separar vingança oficial da justiça.”530
Nesse mesmo número, na sessão Telegramas, havia duas referências ao caso. Uma era
a defesa para o acusado, ferido, Vicente Bento, “um homem ordeiro e bem quisto, incapaz de um
ato de covardia”531. E que tinha sido vítima, na perspectiva dessa leitura. Esse mesmo homem
em 1925 foi acusado pelo jornal democrata de soltar foguetes quando passada democrata à sua
porta. Isso no dia seguinte em que houve "bombardemanto dos marretas na cidade" às casa dos
democratas.532
Voltando à outra referência era uma defesa do Juiz José Ssabóia de que estivesse
protegendo Chico Monte, e afirmava “se não foi processado por seus crimes, foi por falta de
provas”533. E por falta de provas e de localizar os culpados o Processo não foi finalizado.
Interessante perceber o silêncio histórico do acontecimento criminal político, como
fundante referencial para uma das questões constitutivas mais importante da 1ª Republica: a dos
direitos do Estado sobre os direitos do indivíduo. Sob a alegação de que o que caracterizaria o
crime político era a intervenção da eleição, e não os motivos políticos do assassinato representa
essa prioridade do poder estatal sobre os indivíduos.534
Isso possibilita pensar que a justiça não é um a priori a partir do qual moldamos
existências. O justo é um saber que vai se constituindo na medida em que a consciência da
história se aguça. Procurar a justiça é uma atitude ética, é uma escolha. Ao mesmo tempo em que
a justiça está se fazendo pela organização social, popular, pelo aguçamento dos conflitos, em que
530 A Tragédia de Sobral. In: A Ordem. Sobral, 25 de junho de 1924.
531 Telegramas. In: A Ordem. Sobral, 25 de junho de 1924.
532 O teor do jornal indicava que não deveria se responder com a mesma violência por que “acima dos juízes,
havia O Juiz”. In: A Imprensa. Sobral, 15 de abril de 1925.
533 Idem.
534 BRESCIANI, M. Sella. Repúlica. Piracicaba: EdUnimep, 2003.
174
tese definitiva- (com corte).ind174 174
12/4/2006 10:29:20
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
os vencidos e oprimidos vão lutando pela conquista de espaço, numa prática comprometida.535
535 AGUIAR, Roberto A. R. de. O que é justiça, uma abordagem dialética. São Paulo: Alfa-Omega, 1999.
175
tese definitiva- (com corte).ind175 175
12/4/2006 10:29:20
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
4.5 Memória para o vencido:
imprensa democrata e política pública da parentela
Morreste, amigo...mas se a mão ferina
Roubou-te a vida inda tão moço e cedo
Teu fulgurante gênio excelso e ledo,
Vendita pede, teu algoz crimina...
Teu lar funerário no sofrer tão quedo
No luto acerbo aonde a dor malsina.
Chora tua morte a lamentar-te a sina,
Maldiz tua perda num letal segredo.
Tua extemporânea morte o crime encerra.
De esposa o pranto da orfandade o grito.
Clama justiça desde os céus á terra!
Mas não morreste... ainda és vivo és glória!
Ficou teu nome em letras de oiro escrito,
Na campa fria, nos anais da flistonia.
Francisco BRILHANTE(Sócio da Academia Polymatica)536
Foi possível perceber que após a morte de Deolindo Barreto, ou melhor, o seu
"desaparecimento", como os democratas preferiam publicar, essse grupo desempenhou, logo
nos primeiros anos, a função da lembrança. Função que povoou a perspectiva de ascensão ao
poder. Lembrado constantemente, não no sentido de que as sensações enfraquecem, mas porque
o interesse se desloca, as reflexões seguem outra linha e se desdobram no vivido.
Pelo silêncio, impetrado pela imprensa católica e do partido conservador ao episódio
do dia 15 de junho, a memória do jornalista foi o lema do lançamento do Jornal A Imprensa,
agora, do Partido Democrata. A Lucta defendia os valores democratas, mas não se dizia órgão
de partido, com a sua vacância, criou-se o espaço oficial do partido, tendo o redator do jornal,
o dentista José Passos Filho, e secretário da Prefeitura. Ele assumiu no primeiro número que
substitui o espaço deixado pelo Deolindo Barreto que se tornava um exemplo de independência e
honradez. 537 E mais, na construção de uma mória heróica e demarcação de novo espaço, afirmava
que não seria possível manter A Lucta sem Deolindo Barreto. Seria como ter “uma tela de arte
sem o sentimento, uma formosa estátua sem expressão”538. Não manter o jornal era para não lhe
roubar os louros que o engrandecem e que eram o seu espaço, a sua identidade, sob o discurso
da identidade do outro. O Órgão Democrata criou a sua empresa, a sua tipografia e seu negócio.
536 Publicado em A Imprensa. Sobral, 19 de novembro de 1924.
537 A Imprensa. Sobral, 01 de novembro de 1924. ano 1, n. 1.
538 A Criação de A Imprensa. In: Imprensa, Sobral 18 de outubro de 1924.
176
tese definitiva- (com corte).ind176 176
12/4/2006 10:29:20
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
Inclusive com uma linha menos ferrenha e de oposição, com mais espaço de publicidade, temas
aleatórios e poucas denúncias de corrupção, fraudes eleitorais. Sem lema e sem dísticos na
primeira página. Não era uma publicação inflamada, mas representava a oposição. O que indica
que o assassinato como pedagogia de não oposição ferrenha, fez efeito.
O recorte que foi construído na análise desse material é de que a luta da memória que
buscou instituir era a busca de manter a imagem de oposição. A perspectiva de luta de Deolindo
Barreto não era solitária. O seu assassinato, a sua memória e construção de uma lembrança
de honra, honestidade e luta por justiça social, alimentou a oposição, povoou a perspectiva
de ascensão ao poder. O poder simbólico de luta que ele foi transformado.539 Mantê-lo vivo
era manter vivo o espírito de luta e força na oposição. Assim o grupo democrata procurou se
proteger contra o esquecimento. O que compreende essa perspectiva é o lançamento de um
jornal às vésperas do dia de finados. Isso é indicativo em criar uma simbologia com a tragédia,
não para revivê-la, mas para criar uma memória-monumentalizada540, instituir um significado
de luta e de heroicização. Como primeiro editorial que explica:
Amanhã, dia de finados, consagrado aqueles que já traspuseram os humbraes
da vida terrena, nós, o diretor, o gerente e o corpo typografico desta folha,
verdadeiros e sinceros admiradores do caráter impolluto de Deolindo, ainda
não o esquecemos”.541
O “ainda” é indiciário de que mais cedo ou mais tarde o esquecimento viria. Ou era isso
que a ala “conservadora” queria imprimir e aí demonstra a luta pela memória, que passa a ser
uma memória de grupo. Demonstrando até 1926 que o assassinato estava presente no cotidiano
da cidade. A publicação constantemente da fotografia de Deolindo Barreto em A Imprensa, era
tornar a sua imagem presente aos leitores. Não só seu nome, mas a descendência na imagem de
homem jovem, corajoso e destemido.
Havia a construção de imagem não só pela ausência, mas em criar um ponto de
referência consangüíneo, uma herança do herói, do mártir. Uma idéia de tradição compartilhada
por uma comunidade, retomada e transformada, em cada geração, na continuidade de uma
palavra transmitida de pai para filho. Há uma mensagem paterna, nas suas ações cotidianas e
possivelmente em seu leito de morte, já que ele agonizou três dias, em que os filhos responderam,
Jocelyn e Drausio. Algo foi transmitido por ele, numa dimensão simbólica, transcendendo às
experiências individuais.542
Nessa busca de ligação do pai no presente, é que o espaço público foi aberto ao seu
539 Simbologia que remete ao poder. BOURDIER. O poder simbólico. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
540 Sobre memória monumentalizada, ver: DE Decca, Edgar Salvadori. Os intelectuais e o holocausto. Op.cit.; As
desavenças da memória com a história. In: Cultura Histórica em Debate. São Paulo: Unesp, 1994.
541 A Imprensa. Sobral, 01 de novembro de 1924.
542 sobre a "perda" da experiência. ver: GAGNEBIN, Jeanne Marie. Memória, história e testemunho. in:
BRESCIANI, M. Stella; NAXARA, Márcia. Memória (res)sentimento. Campinas: Edunicamp, 2001.
177
tese definitiva- (com corte).ind177 177
12/4/2006 10:29:20
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
filho mais velho com 15 anos de idade, Jocelyn Barreto Lima543. Dentre os sete filhos544 que
deixou, esse foi o que foi “escolhido” pelos democratas, para representar o pai. Ele chegou a
escrever, quando estava de férias em Sobral e visitava a redação do jornal A Imprensa, e suas
atividades eram publicadas, sua partida era anunciada. Os seus aniversários eram registrados
e exemplificados com fotografias, relatando suas emoções, lágrimas e anseios de justiça, para
imprimir uma imagem, de marco de memória e herança democrata545, numa dimensão afetiva
da vida política.
Assim ele escreve que não herdou o estilo e a facilidade de se exprimir com tanta
clareza e força de opinião, mas que o legado era semelhante
Não sei se foi herança que me legaste ou se foi a tua benéfica convivência
que me deu; o que sei ao certo, é que sinto o mesmo arrebatamento que
possuías, a mesma inclinação pelo jornalismo, a mesma vontade de subjugar
os opressores da consciência sãs e criteriosas, os aristocratas déspotas.546
Indício de que o pai ensinou pelo exemplo, acreditando na imprensa como caminho e
espaço de luta. O contrário do seu amigo jornalista, político, Vicente Loyola, que escreveu em
1908, para seu filho ainda criança:
Não queiras saber da imprensa, livra-te da política, preferes a morte a
deshonra. Assim servirás ao teu Deus, tua pátria e aos teus pais".547
Essa influencia paterna foi rememorada em 1999, na homenagem póstuma que recebeu
da imprensa de Fortaleza:
[...] esse personagem da história brasileira herdou do pai o gosto pela liberdade
de expressão, do futebol e pela alegria de viver... Jocelyn Brasil nasceu em
Sobral, onde o seu pai, o jornalista Deolindo Barreto Lima, foi assassinado
em 18 de junho de 1924.548
Jocelyn foi considerado um utópico, pregava a revolução social, mas era contra
543 Jocelyn Brasil, como era mais conhecido, morreu aos 91 anos em Fortaleza, em 1999. Foi capitão aviador e
por suas idéias comunistas foi cassado em 1964, por Jarbas Passarinho. Era comunista do “Partidão”, tornandose jornalista e escritor, principalmente sobre o tema apaixonado do futebol. Segundo o jornal “o assassinato do
pai pela oligarquia local, abriu caminhos para os primeiros contatos com os manifestos comunistas. Aos 23 anos
entrava no partido, mesmo sendo militar.
544 Jocelyn, 16 anos; Drausio, 14 anos; Othelo, 13 anos; João, 11 anos; Jê, 7 anos; Ruberval, 6 anos e Astrea
Barreto Lima, 2 anos. In: Inventário Deolindo Barreto Lima, 1924.
545 Ele aniversariava em 06 de junho, e nos anos de 1925 e 1926 seus passos em Sobral noticiados, suas lágrimas ao lembrar do pai entre amigos eram destacadas.
546 À memória do meu querido pai. in: A Imprensa. Sobral, 08 de novembro de 1924.
547 Ao meu filho, aconselhamento para quando for homem.In: A Imprensa. Sobral, 10 de novembro de 1924.
Esse texto foi uma forma de rememorar os seus 6 anos de falecimento, chamando a atenção para o cuidado e o
amor que tinha por seu filho.
548 O Andarilho da Utopia. In: Diário do Nordeste. Fortaleza, 9 de junho de 1999.
178
tese definitiva- (com corte).ind178 178
12/4/2006 10:29:20
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
a revolução armada. Mas, assim como o pai, foi considerado “forasteiro” mesmo tendo
pertencimento ao lugar, ser “sobralense”. Em seu último livro “Memória de um Cearense
Enjeitado”549, que é um depoimento ao jornalista Blanchard Girão. Desabafa que quer ser
considerado cearense, com toda sua experiência de jornalista no Rio de Janeiro, pois não era
reconhecido aqui para comentar uma partida de futebol no Estado. E há um tom de ressentimento
e denúncia de não ser bem recebido, de “sofrer” perseguição com as suas idéias.
Se foram “perseguições” ou não, não cabe neste momento discutir, mas ele representa
va estar vivendo um legado que foi de seu pai, mesmo não o citando neste trabalho. O fato do
assassinato do pai aparecer na narrativa sugere como o ato, transformou-se em uma experiência
traumática.550
Aos 16 anos, na dor da perda do pai e lutando por justiça, ao lado de sua mãe, chegou
a pintar no túmulo de seu pai o nome dos assassinos Chico Monte, Vicente Bento e Joaquim.
Entretanto os nomes foram apagados, lavados no dia seguinte. O que o levou a escrever sobre
a importância da imprensa para o esclarecimento social, em que afirmava "escrevo o nome
dos assassinos na imprensa, quero ver quem vai apagar"551. Uma escrita inflamada, emocional,
relembrando o legado de Deolindo Barreto.
Essa busca de memória do jornalista com suas idéias compôs as páginas de A Imprensa,
relembrando os seis meses do assassinato, apelando para a imagem da cidade “ordeira” que era:
“tão calma e hospitaleira [...] agora theatro de grande crimes” 552, não era um discurso ingênuo,
mantinha uma política de apelo social para pressionar e aceitar que só pela justa punição aos
assassinos essa imagem seria retomada. Interessante perceber que este assassinato passa a
ser o referencial de “grande crime”, como se antes nunca tivesse acontecido episódio de tal
gravidade, como se a sociedade não estivesse preparada, esperando por tal ato violento, o réu
Chico Monte havia matado outros homens, por motivos “mais banais”. A indicação de o crime
mais importante é uma atitude política e a construção de um marco de memória.
O destaque era para construir uma imagem de cidade perigosa, assassina e de desonra
para os seus moradores, e de glória para a vítima. É um texto assinado por Laffite Barreto
Brasil, que em sua continuidade reclama do habeas corpus concedido pela justiça estadual ao
Chico Monte, questiona essa prática e ao mesmo tempo apela para a justiça divina que deverá
“cair sobre os matodores”. Acreditava na legalidade, mas também recorria no imaginário de que
outra justiça, a divina, acontecesse.
549 LIMA, Jocelin Brasil Barreto. Memória de um cearense enjeitado. Fortaleza: s/e, 1995.
550 Sobre historia e experiência traumática, ver: MUDROVCIC, Maria Inez. Trauma e história: alcances de
categorias psicoanalisticas em la historiografia contemporânea. Buenos Aires: s/e, 2001; DE DECCA, Edgar Salvadori, GNERRE, M. Lúcia Abaurre. Trauma e história na composição de Os Sertões. In: NASCIMENTO, José
Leonardo do (org). Os sertões de Euclides da Cunha: releituras e diálogos. São Paulo: Unesp, 2002.
551 Duas Palavras. in: A Imprensa. Sobral, 14 de janeiro de 1925, n. 14..
552 A Imprensa. Sobral, 03 de dezembro de 1924.
179
tese definitiva- (com corte).ind179 179
12/4/2006 10:29:21
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
O redator relembra ainda nos nove meses do assassinato de que: “os assassinos
transitam pelas ruas da nossa cidade”.553 Demonstrando um cotidiano urbano tenso e de
comparação de força e poder político. E no segundo ano do falecimento o discurso é mais
emotivo, destacando o sofrimento da família sobre a impunidade do caso: “o caminhar livre dos
culpados é acompanhado da lágrima da viúva e dos órfãos”. 554
E a imagem que se foi construindo do Jornalista era a de que “o homem cedia lugar ao
leão”, com sua escrita cortante, sua honestidade e sede de justiça social, e que apesar do apelo
de seus amigos e familiares ele não quis recuar, afinal “um valente não fraqueja”. Nesse sentido,
ele passou a ser memorizado como um exemplo imperecível.555
A circulação dessa imagem percorria o Nordeste. Representativo é o texto do redator
de "A Cidade de Itabina", da Bahia, publicado na coluna Telegramas, em que parabeniza a
imagem fotográfica de Deolindo Barreto como que "para convincentemente o diretor, o gerente
e o corpo tipográfico foram amigos sinceros e que ainda sentem o seu desaparecimento como
nós o sentimos".556
Nesse processo, até então a família não havia se pronunciado. Os irmãos557 de Deolindo
Barreto “quebraram” o silêncio sobre o caso, apenas em 1926, quando Izabel D’Almeida Monte,
tia de Chico Monte, publicou um agradecimento no Correio da Semana à Nossa Senhora da
Conceição e ao São Caetano por alcançar a graça divina da absolvição do seu sobrinho, ele
havia pedido habeas corpus. Para eles a “graça” era uma criação imaginária, visto que as
provas materiais do assassinato, como o sumário de culpa, tentativas de homicídios, em 1914,
apontavam ainda para um dado que não foi mencionado em nenhum momento no processo
crime: testemunhas que ouviram o seu irmão, Amadeu Monte, que estava em Quixadá, num
hotel, informar que só comemoraria quando recebesse o telegrama com a informação da morte
de Deolindo Barreto. O que reforçaria a tese de caso premeditado.
Sobre esta manifestação a família informa:
Se grande tem sido a nossa mágoa, maior tem sido a nossa complacência, mas
não se tome esta, nem o silêncio que temos guardado até hoje, por temor ou
covardia, si não por que esperamos que os responsáveis pelo assassinato de
nosso desventurado irmão não lograram impunidade.558
553 A Imprensa. Sobral, 18 de março de 1925.
554 A Imprensa. Sobral. op. cit.
555 Idéia construída nos primeiros anos desse periódico e que se referenda muito em 1926, enquanto o processo
se “arrasta” em questões burocráticas de competência de foro. Isso porque nessa linha do jornal escrevia “o Brasil
é uma terra de homens desconhecedores do direito”, indicando que o problema estava na falta de consciência, e
mais, era a consciência das disputas de espaços políticos e conflitos de mentalidade.
556 A Imprensa. Sobral, 25 de fevereiro de 1925.
557 Francisco da Chagas Barreto Lima; Maximino Barreto Lima, Julio Barreto Lima e Ataliba Barreto Lima.
558 A Imprensa. Sobral, 23 de junho de 1926.
180
tese definitiva- (com corte).ind180 180
12/4/2006 10:29:21
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
A desventura do irmão será o lema para as atuações políticas da família. Aqui se
dará um salto para perceber anos posteriores a memória desse “infeliz” irmão. Seus sobrinhos
entraram no mundo da política local, em muitos casos se aliando ora a Chico Monte, ora ao
Bispo, nas décadas posteriores. Foram formando os novos grupos oligárquicos, que na década
de 60 consolidou os "Barreto" e os "Prado", que rivalizaram "até" 1995.
Essa aliança é demonstrada na escrita de seu sobrinho-neto: "Cesário Barreto, por
ironia do destino, acabou se tornando o herdeiro político do suposto mandante do assassinato
do seu tio Deolindo Barreto, o líder político Francisco de Almeida Monte".559
"Ironia do destino", "suposto mandante" coadunam com outras palavras utilizadas
nessse discurso como "crime não elucidado" e "até hoje envolto em grande mistério". Um
discurso "ingenuo", de falta de informação, e o mais sugestivo misterioso. Um apagamento do
ressentimento. O patriarco dos Barreto era o Francisco das Chagas, irmão de Deolindo Barreto,
pai de Cesário e avô de César, ele morreu em 1977. Ele sabia o que havia ocorrido, acompanhou
os desdobramentos, esteve ao lado da mãe e se posicionou, como citado anteriormente. O
tempo e as relações sociais e políticas foram constituindo outras memórias e significados para
a família.
No uso do poder da parentela Barreto o mais emblemático de uma memória
monumentalizada à Deolindo Barreto foi a que seu Sobrinho-neto Joaquim Barreto lhe atribuiu,
em 1984, por ocasião do seu centenário de nascimento: o seu busto à frente da Câmara Municipal.
Havia constantemente a preocupação em mantê-lo vivo na memória e no espaço público. Agora
o "guardião" da lei.
Representativo dessa homenagem é a memória de martir e as formas de controle das
divergências na cidade. Na busca de perceber formas de memória de Deolindo Barreto, foi
possível encontrar na década de sessenta, o imaginário do fim de oposição, com o episódio de
dualidade de poderes na Câmara Municipal de Sobral. Em que as facções divergentes "Barretos"
e "Prados" ocuparam a ala de cima e do térreo do Prédio. Ambos os lados estavam armados e
havia um clima de que alguém tivesse o mesmo fim que Deolindo Barreto. Nesse tempo a forma
de "instaurar" a ordem foi provocar um incêndio no prédio para que houvesse a desocupação.
E foi um momento em que o jornalista e seu espírito foi relembrando, as famílias temeram que
os seus tivessem o mesmo fim que o jornalista.560
Espaços monumentalizados e construção de uma memória familiar foi o que as gerações
procuraram instaurar. Indicativo disso foi encontrar uma placa de homenagem fúnebre em seu
túmulo, colocada em 1971, com os dizeres “Saudades de Seua esposa, filhos e netos”. Era a
nova geração sendo apresentada e ao mesmo tempo prestando sua homenagem ao “patriarca”.
559 LIMA, Cesar Barreto. História e estórias de Sobral. Fortaleza: Radar, 2005. p. 175.
560 LIMA, Cesar Barreto. op. cit.
181
tese definitiva- (com corte).ind181 181
12/4/2006 10:29:21
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
Esse ritual representa uma linguagem memorial.
Monumentalizar possibilita o esquecimento561. O esquecimento poderia ser os próprios
acordos políticos com os algozes do parente. Instituir uma memória de reverência e de “méa
culpa”. Ou é possível ir por outro viés a de que a memória do ressentimento é diferente. Há uma
rememoração, como tentação do esquecimento dos ressentimentos, estratégia de apaziguamento,
protegendo de lembranças traumáticas de ressentimentos, como se expor àquele conflito fosse
uma atitude caduca, assim há um evitar os seus próprios ódios e ressentimentos.
A família foi exaltando seu senso crítico. A busca por justiça não era mais importante.
Interessante perceber o discurso do segundo filho de Deolindo Barreto, Dráusio Brasil Barreto
Lima562:
Aqui estamos todos reunidos... numa apoteose de amor e respeito para
comemorar teu centenário. Tal acontecimento talvez tivesse passado
desapercebido, não fora, por uma dessas felizes coincidências, tal qual seja
a de se achar à frente da Prefeitura Municipal, justamente nesta data, um teu
sobrinho – o JOAQUIM, cuja qualificação e generosidade ensejaram tamanho
espetáculo de gratidão e quiçá de civismo mesmo.563
Numa leitura desatenta parece um ato ingênuo, por “uma dessas felizes coincidências”.
Joaquim Barreto fez acordos políticos com os grupos que o tio rivalizou. Não foi coincidência,
ele buscou estar no poder. Essa pretensa “ingenuidade” do autor é quebrada mais adiante no
artigo quando relembra os dois principais motivos do assassinato de seu pai, um que foi a
condenação do seu Jornal e quando:
Em pleno tribunal ia ter início o julgamento que a Igreja, desassombradamente
impuseste SUSPEITO o juiz de direito, suspeição essa que a Justiça
posteriormente confirmou. Tal juiz SOBA desta gleba infeliz de que recebia
vassalagem com subserviência, não podia nem sequer pensar em receber em
público tal afronta e ainda mais em pleno Tribunal. Por teres ferido em seu
orgulho e amor próprio as duas maiores expressões municipais da época, tua
sorte estava lançada! E assim foi.564
Não há uma relação da família no poder e os acordos feitos, com Chico Monte,
com o Bispo. Estar no poder e instituir memórias do pai parece ser suficiente nessa escrita, a
intendidade ou a exasperação dos sentimentos são controlados. Ou seria a idéia de Benjamin
em A Meio Pau de que se morre um ser muito próximo, há nos desenvolvimento do tempo
algo do qual acreditamos notar que por mais que gostássemos de tê-lo partilhando, só podia
desdobrar-se pelo seu estar longe, assim “acabamos por saúda-lo em uma língua que ele não
561 Discussão suscitada em DE DECCA, Edgar Salvadori. Os intelectuais e a memória do holocausto. In: LOPES,
Marcos Antonio (org.). Grandes nomes da história intelectual. São Paulo: Contexto, 2003.
562 Era o segundo filho, tinha 14 anos quando o pai foi assassinado. Nesse momento era Generall.
563 LIMA, Dráusio Brasil Barreto. Gloria Pater, Levanta-te Deolindo!. In: Mensagem. Sobral, 13 de maio de
1984, v. 33, n. 6. p. 1.
564 Idem.
182
tese definitiva- (com corte).ind182 182
12/4/2006 10:29:21
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
entende mais.”565 A conquista do poder foi possível pela sua ausência, e talvez por conta dessa
sua ausência. Foi a “bandeira” de luta, de justiça e conquista de poder.
Outra política governamental de rememorar o Jornalista, foi a colocação do seu nome
em uma Rua no centro da cidade. Isso por que numa sociedade em que se diverte em pregar
nas ruas, praças e cidade, talvez exageradamente, nomes e bustos de homens e mulheres que
por alguma coisa se distinguiram, é como se acalentasse a memória dos sujeitos. Tira um certo
silêncio. O seu nome virou patrimônio, informando que de alguma forma ele foi importante,
que não morreu em vão, agora tem um valor público.566
Interessante que a rua Deolindo Barreto corta todo o centro da cidade e cruza com a
Avenida Dom José, que é a artéria cultural da cidade567. São pontos de memória bem sutis. Que a
monumentalização acalanta o sofrimento vivido, sonhos sonhados e conflitos que constituíram
o fazer urbano em Sobral, como a condenação do jornal para atingir a imagem pública de seu
proprietário. Esses dilemas são apenas alguns destacados.
Nesse processo de rememoração do seu centenário de nascimento e homenagens, foi
firmado o convênio entre a Secretaria de Cultura do Estado e o Banco do Nordeste do Brasil
para microfilmagem de periódicos sobralenses, entre os quais A Lucta, “Salvando-os”, dessa
forma, do desgaste do tempo e da memória política.
Ganhando, nesse momento, o status de coleção esses jornais que compõem um acervo
não participam mais nos trabalhos e no dia a dia em que foram elaborados, onde cada um,
nesse novo processo acaba num mundo estranho, onde a utilidade parece banida para sempre.
Esses materiais servem para serem consultados, os espaços institucionais são construídos para
dispor o acervo, e para os historiadores o seu campo de atuação e pesquisa de compreender
um determinado passado. São materiais rodeados de cuidado, em locais direcionados para
ter sua guarda, tornam-se patrimônio, requer vigilância. Ao mesmo tempo que possibilita ser
interpretado, registrando diferentes memórias da cidade, em tempos diferentes.
Numa sociedade de culto ao documento como a nossa, portanto de culto à história, a
preservação de periódicos se transformam em práticas de monumentalização do passado, e do
embate entre rememoração e esquecimento.
Aqueles jornais que já estavam fora de seu circuito econômico, que era esperado para
565 BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas II. 2ed. São Paulo: Brasiliense, 1989. P. 20
566 CARVALHO, Gilberto Vilar de. A Liderança do clero nas revoluções republicanas 1817-1924. Petrópolis: Vozes, 1979.
567 Cruzamento entre Museu Diocesano, Casa da Cultura, Teatro São João, que compõe o “corredor cultural”,
símbolo do espaço monumentalizado para a conquista de elevação da cidade em Patrimônio Nacional, conseguido
em 2000. ver: CANDIDO, Manuelina Maria Duarte. Imagens de vida, trabalho e arte. Lisboa: ULHT, 1998(Cadernos de Sociomuseologia; BARBOSA, Marta Emísia Jacinto, et al. Sobral patrimônio nacional. Sobral: Prefeitura de Sobral, 2000.
183
tese definitiva- (com corte).ind183 183
12/4/2006 10:29:22
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
circular as notícas, de manuseio cotidiano, emprestado do colega, lido na barbearia, no Café
Jaibara, no Beco do Cotovelo, ou só consultado, agora encontra-se organizado numa coleção
para desempenhar outra função: tornar aquele passado visível, sendo um intermediário entre os
pesquisadores/observadores e o mundo invisível. Permitindo falar de um tempo vivido como
se ele estivesse presente. Assim o Bi-semanário A Lucta, colecionado do primeiro ao último
número, e transformado em documento público, possibilita estudar e narrar uma memória da
cidade e do seu fazer-se.
Sobre a memória dos períodicos do período é representativo como ALucta está presente
na memória daquela geração. No livro "Eclipse de 1919 - múltiplas visões" há depoimentos
sobre como foi vivenciado o dia do eclipse e a presença da comissão científica inglesa. No
depoimento de Maria Ximenes Viana, é relembrado:
Estava no sertão, os jornais na mão, para ler direito, não sabe? Mas era nova.
Tinha 14 anos, quando vi no jornal a história do eclipse... Eu lia muito jornal.
O jornal era A Lucta e o Correio da Semana. Meu pai assinava A Lucta de
Deolindo Barreto.568
De uma entrevista em 1999, sobre um outro tema, a imagem do jornal e seu proprietário são relembrados também. O que significa a sua presença naquele cotidiano e marco no
presente. Assim como no outro depoimento de Maria de Lourdes Lopes Lima, ele figura como
referência de um tempo. Em seus 97 anos de idade, ela foi chamada a lembrar dos seus 17 anos,
para comentar sobre o dia do eclipse. E relembrou como um dia de sensação boa e alegre: [...]
Foi tudo muito agradável. Os jornais da época... Tinha A Lucta e outro. Sobral era uma família
só..."569
Nesse relato, o único jornal lembrado foi A Lucta, indicativo de sua repercussão em
seu tempo. E mesmo conhecendo os seus desdobramentos de condenação do jornal e assassinato do proprietário, D. Maria representa uma versão única da sociedade totalizante. Uma
memória harmônica e familiar, característico de um esforço constante de se representar uma
história verdadeira570.
Dessa forma, um personagem que parecia "esquecido" foi possível encontrar pistas de
sua presença no espaço e memória social, o que remete a uma pulsação de memórias e do fazer
e lembrar da cidade.571 Representa as relações entre razão e paixão, na formação das idéias morais e políticas no "espaço imaginário". Aquele teor crítico rompeu o espaço topográfico e o seu
presente, levando-se aos leitores a um outro lugar e a um outro tempo, a uma outra sociedade,
os "sonhos sociais". Esse jornal simbolizava nessas memórias pode ser compreendido como
568 Nascida em Sobral em 2 de abril de 1905. Apud: SOARES, Maria Norma Maia (org.). Eclipse de 1919
- múltiplas visões. 2 ed. Sobral. EdUVA, 2003. P. 191.
569 Nascisa em Sobral em 14 de janeiro de 1901. In: Op cit. P. 194.
570 FERRO, Marc. A história vigiada. São Paulo: Martins Pontes, 1989.
571 HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.
184
tese definitiva- (com corte).ind184 184
12/4/2006 10:29:22
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
imagem-guia que orientou esperanças num determinado tempo.
185
tese definitiva- (com corte).ind185 185
12/4/2006 10:29:22
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
CONCLUSÃO
Um bairro extremamente confuso, uma rede de ruas, que anos a fio eu evitara,
tornou-se para mim, de um só lance, abarcável numa visão de conjunto,
quando um dia uma pessoa amada se mudou para lá. Era como se em sua
janela um projetor estivesse instalado e decompusesse a região com feixes de
luz.
Walter Benjamin (Primeiros Socorros - Obras Escolhidas II)
O envolvimento sentimental, político, acadêmico, teórico do historiador com seu tema
abre os “feixes de luz” benjaminiano para olhar um determinado passado, num determinado
tempo, narrando acontecimentos. Há uma intimidade criada do presente com o passado, o
historiador é esse narrador. O seu oficio o torna onipresente. Ele pode ir para o tempo que
conseguir documentação para narrar. Essa onipresença constrói um sentimento de “posse”
sobre o espaço, o tempo e tema que conseguiu trazer à memória social.
Sendo assim o historiador, torna-se o narrador onisciente e/ou onipresente é uma
espécie de testemunha invisível de tudo que ocorre, em todos os lugares e em todos os momentos;
ele não só se preocupa em dizer o que as personagens fizeram ou falaram, mas também traduz
o que pensam e sentem. Portanto, tenta passar para o leitor as emoções, os pensamentos e os
sentimentos dos personagens.
O narrador está fora dos acontecimentos, ao mesmo tempo em que a forma como o
acontecimento é contato, só existe por ele estar dentro. Aí configura a sua onisciência, a sua
situação permite saber de tudo, do passado que queira que seja lembrado e sabido sobre os
personagens.
Ao visitar o túmulo de Deolindo Barreto Lima em outubro de 2005, percebi que “de
um só lance” eu havia “abarcado” o passado do espaço urbano da cidade de Sobral. E que
havia uma relação com a sua memória, um pertencimento sobre um tempo em que eu não havia
vivido, mas que agora tem significados. Significados de uma sociedade com uma teia de poder
articulada e em conflito de mentalidades, mas atenuada com o discurso de ordem social, e de
uma memória histórica harmônica, evolutiva e o uso das instituições de poder.
Dessa forma, foi possível compreender como um assassinato em pleito eleitoral, com
mais de 19 testemunhas arrolados no processo não foi a julgamento e não efetuou punições. E
mais a família da vítima, em décadas posteriores, se articulou com os suspeitos para chegar ao
poder executivo, legislativo, para pertencer ao grupo político. E criaram espaços de memória
para o mártir, como méa culpa, pelo viés que chegaram ao poder, ao mesmo tempo em que
foi o caminho para se chegar lá. São construções afetivas que constitue a esfera da política que
186
tese definitiva- (com corte).ind186 186
12/4/2006 10:29:22
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
é percorrida por desejos e por um trabalho permanente sobre eles. Desejos diversificados e
múltiplos que participam de gestões políticas, integrando estratégias de poder, historicamente
constituídas.
Na busca de construir um espaço social urbano, no interior do Brasil, foi que o
Jornalista Deolindo Barreto procurou o caminho da imprensa como espaço de poder e de
difusão de seus ideais políticos. Ele despertou em seus opositores sentimentos de ódio, de
ressentimento, o desejo de vingança e de cura de tantas humilhações que ele publicou. Era um
liberal conservador572
Esse jornalista, com sua personalidade forte, seu estilo instigador despertou o desejo
de controle dos embates sociais, em “curar” o mal da forma que o pensamento autoritário/
hierárquico tinha experiência: a exclusão e principalmente a morte!
Numa sociedade em que se construía a experiência do regime de governo republicano,
o discurso da justiça, do direito, da igualdade meritocrática e da liberdade eram os princípios
valorativos para se afigurar como valores hegemônicos. Entretanto, configurou o embate com
os valores vigentes de seu tempo. Mas é preciso perceber que a justiça é o dever-ser da ordem
para os dirigentes, o dever-ser da esperança para os dirigidos. Dessa forma, a palavra justiça
tem várias significações entre grupos, no tempo e nos campos do saber.
E uma das articulações de embate, foi a de justiça. Ela é um pensar em preto e branco.
Justo e injusto. Conflito e harmonia. Vencedor e vencido. Para história é um espaço de que só há
luta por justiça se há conflitos, ela não se faz da condição de harmonia para a harmonia. Dessa
forma, não apurar assassinato significou que esse tipo de conflito não seria harmonizado, esse
conflito não deveria ter existido, e de forma pedagógica e de demonstração de forma, o embate
jurídico de competência de foro, posteriormente de localização de réus, demonstrava a forma
do grupo hegemônico do status quo em se manter no poder: negar os direitos sociais aos seus
opositores. Esse era o tratamento que a posição receberia se quisesse continuar na disputa por
espaço. Isso vale para os grupos em disputa.
Na experiência em Sobral o vencedor construiu uma imagem de verdade e
neutralidade. Baseado no direito formal. Esse direito tem de criar uma visão de mundo que
mantenha a conquista e que evite a emergência de outros grupos que poderão ter outras visões,
dado desenvolverem práticas sociais diferentes. A visão formal tende a ver a sociedade como
harmônica e o conflito exceção, enquanto que uma reflexão concreta sobre a justiça concebe o
mundo enquanto contradições e conflitos e a harmonia como exceção.
O que parece harmonizar a idéia do grupo oligarca, grupo de mentalidade hierárquica
572 Expressão composta em que cada palavra tem uma formação histórica e em cada período dessa formação
constitue-se um conjunto de posições ideológicas rivais, formando compostos, são “antigos-modernos” ou “monarquistas-republicanos” ou “conservadores-liberais”. São demarcações simbólicas.
187
tese definitiva- (com corte).ind187 187
12/4/2006 10:29:23
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
não é uma visão uniforme dos sujeitos que as compõe. Os juízes seguiam caminhos políticos
em disputas como os juízes José Sabóia e Clodoveu Arruda, pertenciam ao grupo conservador,
o juiz Julio Ximens Aragão simpatizante dos democratas e suas posturas políticas e as teias de
interesse social se constituíram no fazer justiça na cidade.
Como foi representativo dessas posturas os encaminhamentos jurídicos dados ao
Processo Crime e ao Inventário de Deolindo Barreto. São processos de natureza diferentes, que
interferem em interesses sociais, mas que também tiveram agilidade ou não pelos juizes que o
encaminhavam. O inventário em um pouco mais de um mês foi realizado. O processo crime não
foi finalizado, foi burocratizado, aspirando seus prazos legais.
As teias de poder, as relações políticas e sociais do cotidiano desses representantes da
justiça compõe a prática do fazer a justiça. Não uma justiça, “neutra”, “universal”, difundida no
princípio formal e positivista. Mas constituída no embate de idéias, de mentalidades, mesmo
estando ocupando uma instituição construída para o “bem comum”.
Essas experiências de uso do poder de forma patrimonial
encorajam o desrespeito pelo direito e a sensação de que sempre é
possível se ver livre dos rigores da lei se são encontrados recursos
suficientes para fazer o sistema funcionar a seu favor, frustrando
dessa forma a realização do Estado de Direito, propagandeado na
proposta de República.
Há hoje uma percepção generalizada de que vivemos em
uma sociedade em que a lei desempenha um papel bastante tímido
na determinação das condutas humanas. Esta imagem de que o
desrespeito sistemático pela vem se tornando uma regra toma
dimensões ainda maiores quando o tema sob discussão é a violência,
o crime a corrupção.
Para os privilegiados, o direito também não é algo
tremendamente importante para se levar em conta na hora de se
praticar uma ação ou tomar uma decisão, uma vez que normalmente
Esta fotografia publicada 3
vezes em 2 anos. Compondo
as notícias de aniversário e
passagem de férias na cidade.
Construindo uma imagem de
sucessor. Como extensão de
Deolindo Barreto.
podem conquistar os seus objetivos, inclusive contra o direito. Na nossa sociedade há a falta
de um mínimo de igualdade, que é necessária para se garantir a noção de que os indivíduos
são seres morais, dotados de direitos, a quem a lei e seus agentes devem tratar de forma igual,
tende a inibir o surgimento de relações de reciprocidade, não hierarquizadas, e provocar uma
inconsistente aplicação da lei.
Atualmente temos uma justiça eleitoral que orienta:
DO INICIO DA VOTAÇÃO
188
tese definitiva- (com corte).ind188 188
12/4/2006 10:29:30
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
Art. 142. No dia marcado para a eleição, às 7(sete) horas, o Presidente da Mesa
Receptora, os mesários e os Secretários verificarão se no lugar designado estão em
ordem o material remetido pelo Juiz e a urna destinada a recolher os votos, bem como
se estão presentes os Fiscais de partido.573
Regras que não havia na década de vinte. E foi na disputa de poder no ato eleitoral
que motivou o estopim dos conflitos. Essa morte, assim como outras foram criando espaços na
busca fazer leis, regras e normas a serem seguidas para que o estado de direito fosse efetivado
na experiência republicana brasileira. Esse modo de exercer o "direito" ao voto de forma
democrática, "justa" e transparente, foi uma longa e violenta construção do Brasil de fortes
estruturas agrárias.
573 Manual de Legislação Eleitoral e Partidária: atualizado e anotado.5ª ed. Fortaleza: TER- CE, 2004
189
tese definitiva- (com corte).ind189 189
12/4/2006 10:29:30
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
FONTES
Periódicos:

A Imprensa. Órgão do Partido Democrata. Sobral, 1924 a 1931.

A Lanterna. São Paulo, 1914.
 A Lucta. Sobral, 1914 a 1924.

Atlas Industrial do Ceará. Fortaleza: Instituto Ivaldo, s/d.

A Pátria, do órgão conservador. Sobral 1915.

O Rebate, de Vicente Loiola. Sobral, 1914 a 1920.

A Cidade, de Álvaro Ottoni. Sobral, 1910.

A Mão Negra. Sobral, 1912.

Mensagem à Assembléia Legislativa, 01 de julho de 1917.

Álbum Fotográfico do Pará. Belém, Tipografia Oficial, 1904.
Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 17 de junho de 1924
Correio do Ceará. Fortaleza, 21 de junho de 1924.

Correio da Semana. Órgão do Católico. Sobral, 1918 a 1925.

Mensagem. Órgão da Família Lima Barreto - Sobral, 13 de maio de 1984, v. 33, n. 6.

A Tribuna do Ceará. Fortaleza, 22 de fevereiro de 1928

Jornal do Ceará. Fortaleza, 14 de abril de 1904.

O Cosmopolita. Belém, N. 1 24 de agosto de 1885.

A Ordem. Sobral, 27 de abril de 1916.

Diário do Nordeste. Fortaleza, 9 de junho de 1999.
Revista:

Almanach do Ceará. Fortaleza: 1921 e 1940.

Revista Cearense. Fortaleza: s/e, 1947.
201
tese definitiva- (com corte).ind201 201
12/4/2006 10:29:35
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC

Revista liberal. Porto Alegre, julho de 1921.

Revista Veja. 11 de março de 1998, ano 31, n. 10. p. 70-76.
Livros

ARAUJO, Pe. Francisco Araújo. Cronologia sobralense (1604-1800).V. Fortaleza:
Editorial Cearense, 1974.
 COSTA, Lustosa. Clero, nobreza e povo de sobral. Brasília: Senado Federal, 1987

COSTA, Lustosa da. Vida, Paixão e Morte de Etelvino Soares. São Paulo: Maltese,
1996.

FERREIRA, Noberto. Crateús, Independência e Camboriú, fatos e vultos. Fortaleza:
Perseus, 1977.

LIMA, Jocelin Brasil Barreto. Memória de um cearense enjeitado. Fortaleza: s/e,
1995.

LIRA, Padre João Mendes. Sobral, sua história documental e personalidade de Dom
José. Sobral: s/e, 1975.
Egas Galeria de Presidentes de Sp. São Paulo, 1927.

Leis e processos:

Constituição Federal dos Estados Unidos do Brasil. São Paulo: Zenith, 1926. p. 44

Manual de Legislação Eleitoral e Partidária: atualizado e anotado.5ª ed. Fortaleza:
TER- CE, 2004.

Processo Crime Deolindo Barreto. Querelante – D. Maria Brasil Barreto Lima.
Querelados – Francisco de Almeida Monte, Joaquim de Sousa e outros. Sobral. Junho
de 1924.

Inventário Deolindo Barreto Lima. Sobral, agosto de 1924.
Internet:

Melo, Francisco Denis. O (i) maculado Cordeiro. In: www.famigerado.com. Acesso
em 02 de agosto de 2005.
Fotografias

SANTOS, Chrislene Carvalho dos. Busto e cruzamento de ruas. Color, foto digital, 19
de outubro de 2005.
202
tese definitiva- (com corte).ind202 202
12/4/2006 10:29:35
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
BIBLIOgRAFIA
AGUIAR, Roberto A. R. de. O que é justiça, uma abordagem dialética. São Paulo: AlfaOmega, 1999.
AGUIAR, Ronaldo Conde. O rebelde esquecido, tempo vida e obras de Manoel Bonfim. São
Paulo: Topbooks, 1999.
ALMINO, João. O segredo e a informação, ética e política no espaço público. São Paulo:
Brasiliense, 1986.
AQUINO, Tomaz. Sobre el princípio de individualizacion. Navarra: SPUN, 1999.
ANDRADE, Jéferson de. Um jornal assassinado. Rio de Janeiro: José Olympo, 1991.
ARARIPE, JC Alencar. Jornal na estante. Fortaleza: s/e, 1986.
ARAÚJO, Pe. Sadoc de. Ceará: homens e livros. Fortaleza: Grecel, 1981.
ARIÈS, Philippe. O engajamento do homem moderno na história. In: O Tempo da História.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989.
AMADO, Janaina. Região, sertão e nação. In: Estudos históricos. Rio de Janeiro, 8, 1995.
ANSART, Pierre. Trad. Áurea Weissemberg. Ideologias, conflitos e poder. Rio de Janiero:
Zahar, 1978.
ARENDT, Hanna. Origens do Totalitarismo. São Paulo:
AZEVEDO, Thales de. A guerra dos párocos, episódios anticlericais na Bahia. Salvador:
Egba, 1991
BAHIA, Juarex. Jornal, história e técnica. São Paulo: Bom Livro, 1990.
BALHANA, Carlos Alberto de Freitas. Idéias em confronto. Curitiba: Grafipar, 1981.
BALHANA, Cláudio. A guerra dos párocos. Salvador: 1989.
BARBOSA, Marta Emísia Jacinto, et all. Sobral patrimônio nacional. Sobral: Prefeitura de
Sobral, 2000.
BARBOSA, Marta Emisia Jacinto. Fotografia e seca. São Paulo, PUC-SP, Tese de Doutorado
em História, 2004.
BARROSO, Gustavo. À margem da história do Ceará. Fortaleza: Imprensa Universitária,
1962.
BATALHA, Cláudio et all (org). Culturas de classe, identidade e diversidade na formação do
operariado. Campinas: Edunicamp, 2004.
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas II. São Paulo: Brasiliense, 1989.
203
tese definitiva- (com corte).ind203 203
12/4/2006 10:29:35
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
BLOCH, Marc. Introdução à história. 4 ed. Trad. Maria Manuel. Lisboa: Europa-América, s/d.
BONODIO, Geraldo. A agonia do projeto liberal, o jornal Teburiçá e a revolução de 1842.
Sorocaba: Fund. Ubaldino Amaral, 1992.
BOSI, Eclea. Memória e sociedade. 2ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
BOURDIER, Pierre. O desencadeamento do mundo: estruturas econômicas, estruturas
temporais. Soa Paulo: Perspectiva, 1979.
BOURDEAU, Georges. O Liberalismo. Trad. J. Ferreira. Povoa de Varzim: Biblioteca
Universitária, 1979.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. São Paulo: DIFEL, 1989.
BRESCIANI, M. Stella(Org). Brasil: liberalismo, republica, cidadania. Piracicaba: EdUnimep,
2002.
BRESCIANI, M. Stella (Org). Memória e ressentimento. Campinas: EdUnicamp, 2004.
. Razão e paixão na política. In: MONTEIRO, Jonh Manuel. História e
utopias. São Paulo: Anpuh, 1996.
BROTHERS, Rockefeller. O Poder da idéia democrática. Trad. Luiz Fernandes. Rio de
Janeiro: Record, 1963.
CALVINO, I. Cidades invisíveis. Trad. Diogo Mainardi. São Paulo: Companhia das Letras,
1990.
CAMINHA, Inez. A revolta da Princesa. São Paulo: Brasilense, 1986. (Tudo é História).
CANDIDO, Manuelina Maria Duarte. Imagens de vida, trabalho e arte. Lisboa: ULHT,
1998(Cadernos de Sociomuseologia.
CANO, Jefferson. Áticos e beócios na república das letras: aspectos da opinão pública no Rio
de Janeiro (1836-1837). in: Cadernos AEL, Literatura e Imprensa no século XIX. Campinas:
Edunicamp, v. 9, n. 16/17, 2002.
CAPETALATO, M. Helena. Imprensa, uma mercadoria política. In: História e Perspectiva.
Poder local e representações coletivas. Uberlândia: EdUfu, n. 4, Jan/jun de 1991.
CARVALHO, Afrânio. Raul Soares: um líder da republica velha. Rio de Janeiro: Forense,
1978
CARVALHO, Gilberto Vilar de. A Liderança do clero nas revoluções republicanas 18171924. Petrópolis: Vozes, 1979.
CAPELATO, Maria Helena R. Imprensa e história do Brasil. São Paulo: Contexto/Edusp,
1994.
CASTELO BRANCO, Pedro Vilarino. Mulheres plurais: condição feminina em Teresina na
Primeira República. Teresina: ACM, 1996.
204
tese definitiva- (com corte).ind204 204
12/4/2006 10:29:36
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
CASTORIADES, Cornelius. A Instituição imaginária da sociedade. 3 ed. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1995.
CARONE, Edgar. A República velha. São Paulo: Difel, 1983.
CERTEAU, Michel de. A Invenção do cotidano. Trad. Ephrain Ferreira Alves. Petrópolis:
Vozes, 1994. (1. Artes de Fazer).
CHALUOB, Sidney. Trabalho, lar e botequim.; SOHIET, Raquel. Condição feminina no
Rio de Janeiro,.
CHAUI, Marilena. Conformismo e resistência, aspectos da cultura popular no Brasil. São
Paulo: Brasiliense, 1987.
CHAUI, Marilena. Anervura do real, imanência e liberdade em Spinoza. São Paulo: Companhia
da Letras, 1999.
COELHO, Geraldo Mártires. Anarquistas, demagogos e dissidentes, a imprensa liberal no
Pará de 1822. Belém: Cejup, 1987.
CONDORCET, Jean-Antonie. Esboço de um quadro histórico dos processos do espírito
humano. Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura. Campinas: EdUnicamp, 1993.
Conferências Populares. Rio de Janeiro, 1876.
CORDEIRO, Ivone Barbosa. Sertão um lugar incomum: o sertão do Ceará na literatura do
século XIX. São Paulo, USP, Tese de Doutorado de História, 1998.
Corpo e Cristal, Marx romântico. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
COSTA, Selder Vale da. Labirintos do saber, Nunes Pereira e as culturas amazônicas. São
Paulo: Puc/SP, 1997.
CRUZ, Heloisa Faria. São Paulo em papel e tinta, periodismo e vida urbana 1890-1915. São
Paulo: Educ, 2000.
CUNHA, Euclides. Contrastes e confrontos. Rio de Janeiro: Record, 1975.
DANTA, Ibare. Coronelismo e dominação. Aracaju: Eufs, 1987.
DAVIS, Natalie. O retorno de Martin Guerre. Trad. Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987.
DE DECCA, Edgar. História, acontecimento e narrativa. In: Cidade, história e memória.
Teresina: ANPUH,/EDUFPI, 2002.
DE DECCA, Edgar Salvadori. Os intelectuais e o holocausto. In: LOPES, Marcos Antônio
(org). Grandes nomes da história intelectual. São Paulo: Contexto, 2003.
DE DECCA, Edgar Salvadori, GNERRE, M. Lúcia Abaurre. Trauma e história na composição
de Os Sertões. In: NASCIMENTO, José Leonardo do (org). Os sertões de Euclides da Cunha:
releituras e diálogos. São Paulo: Unesp, 2002.
205
tese definitiva- (com corte).ind205 205
12/4/2006 10:29:36
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
DESCART, René. Obras escolhidas. Trad. J. Guisburg. São Paulo: difusão Européia do Livro,
1973
. Trad. Elza Moreira Marcelina. Discurso do método, as paixões da alma. Brasília:
EdUnb, 1985
. Princípios da filsofia. Trad. Alberto Figueira. Lisboa: Guimarães, 1984.
DIAS, Ednéia Mascarenhas. A ilusão do Fausto, Manaus, 1890-1920. Manaus: Valer, 1999.
DIDEROT, Denis. Jacques, o fatalista e seu amo. Trad. Magnólia Costa Santos. São Paulo:
Nova Alexandrina, 1993.
. Obras romanescas. Trad. Antonio Bulhões. São Paulo: Difel, 1962.
DUMONT, Louis. Homo hiererarchicus: o sistema das castas e suas implicações. São Paulo:
Edusp, 1997.
. Individualismo, uma perspectiva antropológica na ideologia moderna. Trad. Alvaro
Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1985.
EKSTEINS, Modris. Asagração da primavera, a grande guerra e o nascimento da era moderna.
Trad. Rosaura Eichenberg. Rio de Janeiro, 1991.
EL FAR, Alessandra. Páginas de sensação. Romances para o povo, pornografia e mercado
editorial no Rio de Janeiro de 1870 a 1924. São Paulo, USP,Tese de Doutorado de Antropologia
Social, 2002.
ENI, Orlandi. Língua e cidadania: o português no Brasel. Campinas: Pontes, 1996.
Escritos históricos e litterário. Rio de Janeiro: Laemmert, 1868.
FARIAS, Damião Duque D. Em defesa da honra, aspectos da práxis conservadora católica
no meio operário em São Paulo. 1930-1945. São Paulo: Huicitec, 1998.
FAORO, Raimundo. Os donos do poder, a formação do patronado no Brasil. São Paulo: Globo,
1975.
FENELON, Déa Ribeiro et al (org). Muitas memórias, outras histórias. São Paulo: Olho
d’agua, 2004
FERRAZ, Socorro. Liberais e liberais. Recife: EdUfpe, 1999.
FERREIRA, Aurélio Sergio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua
portuguesa. 2 ed. Revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
FREYRE, Gilberto. O Nordeste. Rio de Janeiro: José Olympo, 2001.
FONSECA FILHO, Hermes da. Pinheiro Machado, uma individualidade e uma época. Rio de
Janeiro: Pongetti, s/d.
FREYRE, Gilberto. Manifesto regionalista. 3 ed. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 1967.
206
tese definitiva- (com corte).ind206 206
12/4/2006 10:29:36
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
GAÊTA, Maria Aparecida Veiga. Os percursos do ultramontanismo de D. Lino Deodato de
Carvalho (1873-1874). São Paulo, USP, Tese de doutorado em história, 1991.
GALLO, Ivone Cecília D’Ávila. Aurora do Socialismo: fourierismo e o falanstério do Sai
(1839-1850). Campinas, Unicamp, Tese de Doutorado, 2002;
. O Contestado: o sonho do milênio igualitário. Campinas: EdUnicamp, 2003.
GALVÃO, Walnice Nogueira. No calor da hora. São Paulo: Ática, 1996.
GILMAR (org.). Ceará de corpo e alma: um olhar contemporâneo de 53 autores sobre a terra
da luz. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.
GIRÃO, Raimundo. História do Ceará. Fortaleza.
GIRAO, Raimundo. Historia da imprensa do Ceará. Fortaleza: s/d, 1978.
GONÇALVES, Adelaide e SILVA, Jorge E.(org). A imprensa libertária do Ceará(19081922). São Paulo: Imaginário, 2000.
GONÇALVES, Adelaide. Ceará socialista, anno 1919 edição fac-similar. Fortaleza: EdUfc,
2001
HABERMAS, Jürgen. Técnica e ciência como ideologia. Lisboa: Edições 70, 1987.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.
HARDMAN, Francisco Foot. Trem fantasma, a modernidade na selva São Paulo: Companhia
das Letras, 1991.
HAROCHE, Claudine. Fazer dizer, querer dizer. Trad. Eni Orlandi. São Paulo: HUCITEC,
1992.
HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções. Trad. Tereza Lopes. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1988.
. Pessoas extraordinárias, resistência, rebelião e jazz. Trad. Irene Hisch. São
Paulo: Paz e Terra, 1998.
HOBHOUSE, L. T. Liberalismo. Trad. Julio Calvo Afaro. Buenos Aires: Labor, 1927.
HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympo, 1986.
JORGE, Fernando. Cala boca jornalista, ódio e fúria dos mandões contra a imprensa
brasileira. Petrópolis: Vozes, 1989.
LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: EdUnicamp, 1990.
LE GOFF, Jacques. São Luiz. Trad. Marcos de Castro. Rio de Janeiro: Record, 1999.
LE GOFF, Jacques. Por amor as cidades. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
LEMENHE, Maria Auxiliadora. As Razões de uma cidade: conflito de hegemonias. Fortaleza:
207
tese definitiva- (com corte).ind207 207
12/4/2006 10:29:37
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
Stylus Comunicações, 1991.
LEONARDI, Victor. Entre arvores e esquecimentos: história social nos sertões do Brasil.
Brasília: UnB, 1996.
LESSA, Renato. A Invenção republicana. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999.
LIMA, César Barreto. Estórias e histórias de Sobral. 2ª ed. Sobral: Imprensa Oficial do
Município, 2004.
LIMA, Marcelo Camurça. Marretas, molambos e rabelistas: a revolta de 1014 no Juazeiro.
São Paulo: Maltese, 1996.
LOPES, Marcos Antônio. Cultura Histórica em Debate. São Paulo: Unesp, 1994.
LOPES, Marcos Antonio (org.). Grandes nomes da história intelectual. São Paulo: Contexto, 2003.
LOVISOLO, Hugo. A memória e a formação dos homens. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, 1989. vol. 2, n. 3
LUSTOSA, Isabel. Insultos impressos, a guerra dos jornalistas na independência 1821-1823.
são Paulo: Companhia das Letras, 2000. MARSON, Izabel. A rebelião praieira. São Paulo:
Brasiliense, 1981. (Tudo é História).
Lux in tenebris. Meditações sobre filosofia e cultura. Campinas: EdUnicamp, 1987.
MAIA, Maria Norma(org). Eclipse de 1919, múltiplas visões. 2ª ed. Sobral: EdUva, 2003.
MATTOS, Marcelo Badaró(org.). História: pensar e fazer. Rio de Janeiro: Laboratório
Dimensões da historia, 1988.
MEDINA, Sinval . A Faca e o mandarim. São Paulo: Girafa, 2004.
MELLO, Ceres Rodrigues. O sertão nordestino de longa duração(séc. XVI a XIX). Rio de
Janeiro, UFRJ, Dissertação de Mestrado, 1985.
MELO, Jayro Gonçalves. Imprensa e coronelismo, a voz do povo e seu discurso políticoideologico(1926-1930). Presidente Prudente: FCT/Unesp, 1995.
MENEZES, Djacir. Síntese de história do ceará. In: Almanaque do Ceará. Fortaleza:
Fortaleza, 1940. p. 70.
Mimeses, a representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 1971.
MONTEIRO, John Manuel. História e utopias. São Paulo. ANPUH, 1996.
MONTENEGRO, Antonio Torres. História oral e memória. São Paulo: Contexto, 1992.
MONTESQUIEU, . O espírito das leis. São Paulo: Abril, 1989. (Os Pensadores).
MUDROVCIC, Maria Inez. Trauma e história: alcances de categorias psicoanalisticas em la
historiografia contemporânea. Buenos Aires: s/e, 2001.
NEEDELL, Jeffrey D. Trad. Celso Nogueira. Belle Époque Tropical. São Paulo: Companhia
208
tese definitiva- (com corte).ind208 208
12/4/2006 10:29:37
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
das Letras: 1993
NEUMA AGUIAR (org.). hierarquia em classes. Rio de Janeiro: Zahar, 1974(testos básicos
de ciências sociais).
NEVES, Frederico de Castro. Imagens do Nordeste. In: Nordeste, identidade, imagens e
literatura. Cadernos do NUDOC, n. 17. Fortaleza: EdUfc, 1996.(Série História)
NOBRE, Geraldo. História da imprensa do Ceará. Fortaleza.
NOBRE, Geraldo. História da ACI. Fortaleza: s/e, 1976.
NOGUEIRA, Carlos Alberto F. O Diabo no imaginário cristão. São Paulo: Ática, 1986.
ORLANDI, Eni(org.). Discurso Fundador, a formação do país e a construção da identidade
nacional. 2ed. Campinas: Pontes, 2001.
PADILHA, Márcia. A Cidade como espetáculo, vida urbana e publicidade em São Paulo nos
anos 20. São Paulo: Annablume, 2001.
PALACIN, Luis G. Coronelismo no extremo norte de Goiás, o padre João e as três
revoluções da Boa Vista. São Paulo: Loyola, 1992.
PLÁCIDO. Sobral: ontem e hoje. Sobral: Terra, 1983.
PINHEIRO, Áurea. Clericais e anticlericais na criação da diocese no Piauí. Campinas,
UNICAMP, Dissertação de Mestrado em História, 2001.
PITAUDI, Silvana Maria. Cidade, cotidiano e imaginário. In: SILVA, José Barzacchiello
da(org). A cidade e o urbano. Fortaleza: EdUfc, 1997.
PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. O carnaval das letras. Literatura e folia no Rio de
Janeiro do século XX. Campinas: EdUnicamp, 2004.
PONTES, Sebastião. Fortaleza Belle Époque, reformas urbanas e controle social (1860-1930).
Fortaleza: EdUfc, 1993.
PORTO, Eymar. Babaquara, chefetes e cabroeira, Fortaleza no início do século XX. São
Paulo: Maltese, 1996.
PORTO, Sergio Dayrell (org). O Jornal, da forma ao sentido. 2 ed. Brasília: EdUnb, 2002
QUEIROZ, Suely Robles Reis de. O jacobinismo na historiografia republicana. In: LAPA,
José Roberto do Amaral. História Política da República. São Paulo: Papirus, 1990.
RABELEO, Genival. O capitalismo estrangeiro na imprensa brasileira. Rio de Janeiro:
Civilização brasileira, 1966.
RAGO, LUZIA Margareth. Sem fé, sem lei, sem rei, liberalismo e experiência anarquista na
República. Campinas, Unicamp, Dissertação de Mestrado em História, 1984.
RANCO, Afonso Arinos de Melo. História e teoria dos partidos políticos no Brasil. 3 ed. São
209
tese definitiva- (com corte).ind209 209
12/4/2006 10:29:37
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
Paulo: Alfa-Ômega, 1980.
REGO, Walquiria Domingues Leão. Tavares Bastos: um liberalismo descompasado. In: Revista da USP. São Paulo: EdUsp, 2000.
RESENDE, Antônio Paulo. (Des) encantos modernos, história da cidade do Recife na década
de vinte. Recife: FUNDARPE, 1997
Revista Brasileira de História, Produção e divulgação de saberes históricos e pedagógicos. N.
48, vol.24. são Paulo: ANPUH, 2004.
Revista de História. Cidade, história e memória. Teresina: EdUfpi, 2002.
Revista Essentia. Sobral: EdUva, jun/nov de 1999.
Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro, 1989. vol. 2, n. 3.
ROCHA, Herbet. Arquitetura e política pública em Sobral. Sobral: Tempo- Tempo, 1996.
ROCHA, Herbert. A Arquitetura de Sobral. Fortaleza: Alteza, 1999.
ROMANO, Roberto. Brasil: Igreja contra o Estado. São Paulo: Kayrós, 1979.
. Tenebris. Meditações sobre filosofia e cultura. Campinas: EdUnicamp, 1987.
ROUANET, Sergio Paulo. As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras,
1987.
ROUNET, Sergio Paulo. As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
3 reimpressão.
ROSSEAU, J. J. Do contrato social. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os
Pensadores).
RUEDA, Rafael Pinzon. Evolução Histórica do Extrativismo, o extrativismo na Amazônia.
SADOC, Pe. Francisco. Nomes e vultos da história de Sobral. Sobral.
SALES, Alberto. Catecismo republicano. São Paulo: Edusp, 1965.
SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1975.
SAMUEL, Raphael. História popular y teoria socialista. Barcelona: Crítica, 1984.
SANTOS, Chrislene Carvalho. Construção social do corpo feminino. Recife, UFPE,
Dissertação de mestrado em História, 2000.
SARGES, Maria de Nazaré. Aformoseamento de Belém no período da belle époque. Belém:
PAka-Tatu, 2000.
. Intendente Antônio Lemos. Belém: Paka-Tatu, 2003.
SCHETTINO, Marco Paulo Fróes. Espaços do sertão. Brasília, Universidade de Brasília, Dissertação
210
tese definitiva- (com corte).ind210 210
12/4/2006 10:29:37
C CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCaaaaaaa aa aaaa
aaaaaa aaa aaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
de Mestrado, 1995.
SCHOPENHAUER. O mundo como vontade e representação. São Paulo: Contexto, 1998.
SELLER, Daniel-Louis. Os partidos políticos. Brasília: edunb, 2000. p.09
SEVCENKO, Nicolau. Orfeu estático na metrópole. São Paulo: Companhia das Letras,
1999.
SOUZA, Sergio A. Isto, o povo. In: Pós-história. Assis, 12:152, 1994.
SILVA, Maria Virginia Tavares de. Crise na política dos governadores: o declínio dos Aciolis
no Ceará(1892-1914). São Paulo, USP, Dissertação de Mestrado em História, 1982.
SILVEIRA, Rosa Maria Godoy da. O Regionalismo nordestino, existência e consciência da
desigualdade regional. São Paulo: Moderna, 1984.
SILVEIRA, Rosa Maria Godoy da. A Questão Regional: gênese e evolução. In: Ciência
Histórica. João Pessoa, n.2, abr/dez, 1986.
SOBRINHO, Tomaz Pompeu. História do Ceará. Fortaleza: Instituto do Ceará, 1995.
SODRE, Nelson Werneck. História da imprensa. São Paulo: Civilização Brasileira, 1989.
SOUSA, Simone(org.). História do Ceará. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1989.
SPINOSA, B. Tratado teológico-político. Trad. Noberto de Paula Lima. São Paulo: Kone,
1994.
SÜSSEKIND, Flora. O Brasil não é longe daqui: o narrador, a viagem. São Paulo: Companhia
das Letras, 1990.
SCHWARTZMAN, Simon. Bases do autoritarismo brasileiro. 3ª. Ed. Rio de Janeiro: Campus,
1988.
TERROU, F & ALBERT, P. História da imprensa. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
(Universidade Hoje)
TOCQUEVILLE, Aléxis. Democracia na América. São Paulo: Contexto, 1999.
UGARD, Maria Luiza. A Cidade sobre os ombros. Manaus: EdUa, 1999
VAZ, Manuel Pirez. Discurso sobre a liberdade de imprensa. Coimbra: Real Imprensa da
Universidade, 1923.
VIEIRA, Antonio Francisco. Sobral na madrugada. Sobral: Caiçara Impressões, 1985
VITORINO, Artur José Rend. Processo de Trabalho, sindicalismo e mudança técnica: o caso
dos trabalhadores gráficos em São Paulo e Rio de Janeiro, 1859-1912. Campinas, Unicamp,
Dissertação de Mestrado em História, 1995.
WEYNE, Walda Mota. Imprensa e ideologia: o papel político dos jornais cearenses na transição
211
tese definitiva- (com corte).ind211 211
12/4/2006 10:29:38
CCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCa aaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaC CCCCCCCCCC CCCCCCCCCCCCCCCCCC
monarquia-república. Fortaleza: Nudoc, 1990. (Série História, n. 9).
WEINSTEIN, B. Experiência de pesquisa em uma região periférica: a Amazônia. In: História,
Ciências, Saúde. Rio de Janeiro: Manguinhos, vol. 9(2).
WEINSTEIN, B. A borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). São Paulo:
HUCITEC-EDUSP, 1993.
ZIZEK. Sloja. Os espectros da ideologia. In: ZIZEK, S. (Org.) Um mapa da ideologia. Rio de
Janeiro: Contraponto, 1996.
212
tese definitiva- (com corte).ind212 212
12/4/2006 10:29:38
Download

Imprensa, conflitos e morte – a experiência política de Deolindo Barreto