1 A LEITURA LITERÁRIA COMO CONSTRUTORA DO CONHECIMENTO Nicéia Aparecida Domingues de Moraes (1), Silvana Rodrigues Quintilhano Ferreira (2) (1) (2) Colégio Estadual Professor Segismundo Antunes Netto Universidade Estadual do Norte do Paraná - Campus Cornélio Procópio RESUMO O presente artigo tem como objetivo principal divulgar a implementação do projeto de intervenção pedagógica do PDE na 3ª série do ensino médio de uma escola pública de Siqueira Campos – Paraná. Este projeto foi pensado a partir da dificuldade que os alunos encontram em ler e interpretar textos, bem como relacioná-los a situações passadas ou atuais e interferir neles. Há a necessidade de formar leitores críticos, pessoas capazes de sentir e expressar os seus sentimentos. A proposta é resgatar a sensibilidade, a cultura, a pesquisa, enfim, o gosto pela leitura. Conforme esclarece Bordini & Aguiar (1988), o leitor tem um papel muito importante a desempenhar em relação à arte literária, em que ler é participar ativamente do texto, completar a obra, pois a interpretação se concretiza no momento em que o leitor atribui um sentido àquilo que leu, compreende o texto ao alcançar seu valor cultural, tornando-se capaz de estabelecer uma relação das partes entre si e das partes com o todo, o que lhe permite situar a obra de acordo com o contexto em que se insere, mas em perfeita consonância com a visão temática expressa, seja em qual época for. Para o desenvolvimento do projeto, utilizamos como suporte metodológico o Método Recepcional de Bordini & Aguiar (1988). Palavras chave: Leitor Crítico. Literatura. Método Recepcional. 2 ABSTRACT In this article the mainly aims is divulge the project implementation of pedagogical intervention of PDE in the 3rd year of high school in a public school in Siqueira Campos - Paraná. This project was thought from the difficulty that the students have in reading and interpreting texts, relate them to past or present situations and interfere with them. There is a need to graduate critical readers, who are able to feel and express their feelings. The proposal is to redeem the sensitivity, the culture, the research, finally, the taste for reading. As explained Bordini & Aguiar (1988), the reader has a very important role to execute in relation to literary art, where to read is participate actively in the text, complete the work, since the interpretation is present in the moment when the reader imputes a sense to what it read, comprehend the text when reach its cultural value, making it able to establish a relationship between the parties themselves and the parts to the whole, allowing it to place the work in accordance with the context in which it inserts, but in perfect consonance with the vision expressed theme, to be in what time is. To the develop of the project, we can use the methodological support the Recepcional Method of Bordini & Aguiar (1988). Key-words: Reader criticize, Literature, Recepcional Method 3 INTRODUÇÃO O Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) do Estado do Paraná tem proporcionado aos seus professores encontro com grandes estudiosos das Universidades através de encontros e cursos; bem como designado um tempo para a leitura e o aprofundamento teórico nas respectivas disciplinas, e foi com a inserção nesse programa que possibilitou a elaboração do projeto A Leitura Literária como Construtora do Conhecimento. No cotidiano das escolas, professores de Língua Portuguesa e Literatura encontram alunos que dizem não gostar de ler por não entenderem o que leem. Essa situação levou-nos a refletir sobre este grande problema atual: a dificuldade dos alunos em ler e interpretar textos. Percebeu-se assim a necessidade de um trabalho que tivesse por meta a formação de um leitor capaz de ler, interpretar e de expressar o que sentiu após a leitura, pois pessoas que não leem têm a sua vida restrita, encontram problemas na comunicação oral e dificilmente os seus horizontes são ampliados. Segundo as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná (2006), o ensino de Literatura nas escolas, até o século passado, tinha como objetivo trabalhar a forma padrão da língua, e os textos literários serviam como suporte para o ensino da gramática e também para passar conceitos morais, de amor à pátria. Desconsideravam o papel do aluno como sujeito ativo no ato de ler, em virtude do contexto da época, o regime militar. Nessa época não eram aceitos discursos que levassem os estudantes a serem críticos e criativos. Os estudos de Literatura continuavam a serem feitos através de questões simplificadas, sem preocupação com esse tipo de desenvolvimento do estudante. Somente com o fim desse regime, houve uma preocupação com a formação de professores e de pesquisadores, iniciando debates acerca do desempenho da educação e as mudanças que se faziam necessárias para a melhoria da nossa sociedade. Chega ao Brasil, no início dos anos 80, a teoria de Backtin, contribuindo com o pensamento pedagógico, através de novas idéias de uso do texto literário. Outros linguistas influenciaram também nas questões sobre o ensino da língua materna, levando os professores a refletirem sobre a sua prática. Muito se tem discutido até hoje sobre como trabalhar com o texto literário em sala de aula, mas 4 os problemas continuam, pois os alunos, na grande maioria, continuam a não entender o que leem. É, pois, necessário que a educação seja reavaliada e todos lutem para mudar esse panorama, discutindo e tentando construir alternativas que objetivem o trabalho com o dialogismo, com a língua em movimento, em transformação. Tendo em vista esse referencial, este projeto de intervenção foi direcionado segundo os pressupostos do Método Recepcional, organizado por Bordini &Aguiar (1988). Esses pressupostos têm a finalidade de fazer com que o leitor saia do comodismo e assuma o papel de um ser crítico, aquele que lê, sente prazer através da leitura que faz, passa a entender que a Literatura tem a função de fazer a interação entre o leitor e quem escreve, confrontar esses dois mundos. Conforme citam Bordini & Aguiar (1988, p.83) “A atitude de interação tem como pré-condição o fato de que texto e leitor estão mergulhados em horizontes históricos, muitas vezes distintos e defasados, que precisam fundir-se para que a comunicação ocorra.” Sendo assim, esse método contribui com as aulas de Língua Portuguesa e Literatura, já que o foco é o leitor/aluno e toda a sua experiência de vida e suas expectativas. O ensino de Literatura deve ser cada vez mais valorizado em nossas salas de aula, pois ela tem a função de formar cidadãos mais críticos e reflexivos, que fazem suas próprias escolhas, despertando assim o prazer pela leitura literária. Esse método propõe que sejam desenvolvidas algumas etapas para detectarmos os horizontes de expectativas dos alunos em relação à Literatura, e logo em seguida ampliá-los. Sugerem cinco etapas: Determinação do horizonte de expectativas; Atendimento do horizonte de expectativas; Ruptura do horizonte de expectativas; Questionamento do horizonte de expectativas; Ampliação do horizonte de expectativas. A partir dos estudos realizados sobre o assunto, foi construído o material didático, um Caderno Pedagógico, o qual foi aplicado no retorno à sala de aula, auxiliando o professor na implementação do seu projeto. Essa implementação foi realizada com alunos da terceira série do Ensino Médio, matutino, no terceiro período do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE). O Caderno Pedagógico foi constituído de unidades, com abordagem centrada em um tema específico, contendo textos de fundamentação com sugestões de atividades que 5 foram trabalhadas com os alunos. Neste Caderno constavam todos os encaminhamentos, passo a passo, do trabalho a ser realizado a partir do Método Recepcional, Bordini & Aguiar (1988). O tema escolhido foi: O papel da mulher na sociedade contemporânea, e a partir dele foram escolhidos filmes, músicas, imagens, textos literários, romances, que traziam esse tema. Após a apresentação do projeto à escola, aplicou-se as cinco etapas do método, e por fim analisou-se os resultados esperados e obtidos. 6 1. LEITURA: ALGUNS ASPECTOS TEÓRICOS Segundo as Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa: Pensar o ensino da Língua e da Literatura implica pensar também as contradições, as diferenças e os paradoxos do quadro complexo da contemporaneidade. Mesmo vivendo numa época denominada “era da informação”, a qual possibilita acesso rápido à leitura de uma gama imensurável de informações, convivemos com o índice crescente de analfabetismo funcional, e os resultados das avaliações educacionais revelam baixo desempenho do aluno em relação à compreensão dos textos que lê. (2008, P.15) A leitura pode ser definida como produtora de sentidos, é dialógica, não acontece sozinha, e, sim, nas relações estabelecidas entre o leitor e o texto. Compreende também o contato com textos variados, produzidos nas mais diferentes esferas sociais. Ler não é apenas decifrar códigos, mas o aluno deve perceber sua associação lógica, o encadeamento das idéias, as intenções por detrás de cada texto, fazendo uma leitura das entrelinhas, da visão de mundo do autor, e das possíveis manipulações contidas nos mesmos. Conforme cita Lajolo (2001, p.45), “é preciso que o leitor tenha possibilidade de percepção e reconhecimento – mesmo que inconscientemente – dos elementos de linguagem que o texto manipula.” Sendo assim, o aluno poderá relacionar o que foi apreendido com a sua história de vida, tornando-se um sujeito ativo em relação à leitura, desenvolvendo assim o seu espírito crítico. Através da leitura literária o aluno amplia os seus horizontes, estabelecendo uma interação com a realidade de nossos dias e do ser humano consigo mesmo. Os jovens, na maioria das vezes, ficam em contato com a linguagem da informática, tornando a linguagem restrita ao seu mundo, mas na conversação sentem dificuldades para formular frases, quando ele lê, o seu vocabulário enriquece e passa a ter desenvoltura na oralidade. Embora todos os tipos textuais sejam importantes, a obra literária não está fixa somente ao contexto original de sua produção, há uma intertextualidade através dos temas e das épocas diferentes, há o diálogo entre a obra literária, seu receptor e criador/autor, isso mostra o quanto ela é ativa e está sempre em transformação. É função da escola propiciar ao educando o contato e a familiarização com a leitura, ou seja, mediar esse processo, pois ela faz com que o indivíduo amplie seus conhecimentos, interprete o que lê, não só isso, mas faça leitura de situações, de 7 mundo, através das coisas mais simples, “... deixar de ler pelos olhos de outrem.” (MARTINS, 2006, p. 23) 1.1. OS ENTRAVES DO LIVRO DIDÁTICO O livro didático se constitui numa das modalidades mais antigas de expressão escrita por ser o agente principal para o funcionamento das escolas, de acordo com o pensamento de Lajolo & Zilberman (1996), e é talvez o primeiro contato que muitas crianças e adolescentes têm com a leitura, pois antes de entrarem para uma escola não possuem acesso a esse tipo de cultura letrada, mas para formar leitores esse tipo de material não é o mais indicado, porque não desperta o aluno para a leitura, servindo apenas para a transmissão de conteúdos, ou seja, com intuito pedagógico. O texto literário passa a ser um pretexto para definições, classificações, reflexão sobre questões polêmicas e transmissão de gramática. Martins cita Magda Soares: “essa escolarização inadequada acaba por deformar o leitor ou afastá-lo do texto definitivamente” (apud, 1999, P. 51). Ela não quer com isso condenar a instituição ou a relação desta com a Literatura, mas sim o excesso de didatismo, a burocracia do ensino acoplado a regras preestabelecidas, a normas rígidas e castradoras, ou seja, o uso do texto literário fragmentado, manipulado pelo professor. Lajolo conclui que Num balanço geral, as críticas superam os aplausos e fundamentam-se nas mais diferentes razões: apontam que muitos livros didáticos contêm erros graves de conteúdo, que reforçam ideologias conservadoras, que subestimam a inteligência de seu leitor/usuário, que alienam o professor de sua tarefa docente, que - no caso dos livros de Comunicação e Expressão – às vezes pirateiam textos, que direcionam a leitura, que barateiam a noção de compreensão e de interpretação, e tantos outros quês e etecéteras que quem é freguês da matéria conhece bem. (2002, p. 63) As críticas são muitas a esse material utilizado em sala de aula, por serem descontextualizados, com problemas de coesão e coerência, comprometendo assim o diálogo que deve ser estabelecido entre o leitor e o texto literário. Quando o 8 professor se atém somente ao livro didático, encontramos uma espécie de acomodação literária, tornando-se não mais um auxiliar no processo, mas um roteiro a ser seguido diariamente pelo professor. O livro didático, como um instrumento de apoio, precisa ser mais bem utilizado pelo docente, este deve explorar mais adequadamente as suas potencialidades, contribuir para a formação de pessoas críticas. Ser usado como um recurso a mais no processo de ensinoaprendizagem, as informações nele contidas devem ser ampliadas, superando os problemas e adequando-o às necessidades da comunidade escolar. Sendo bem utilizado, esse tipo de material leva informação, instrução, contribui com o melhoramento da leitura e diverte, porém vem acompanhado de ideologias, crenças que envolvem desde o autor, governo até chegar ao público alvo que são os alunos. Se o leitor passar a compreender a sua vida a partir daquilo com que se depara nos estudos feitos em seu livro didático, ou seja, a partir de outro olhar, do intercâmbio realizado entre autor/texto e leitor, aí sim poderá ser considerado de uso inteligente. 9 2. PROPOSTAS METODOLÓGICAS DE LEITURA NAS DCEs As DCEs (2006) propunham que o ensino de literatura fosse a partir da perspectiva rizomática no ensino médio, e no ensino fundamental a partir dos pressupostos teóricos da Estética da recepção de Jauss. Segundo essas diretrizes: No Ensino Fundamental, torna-se relevante que as aulas de literatura não sejam meramente a escolha de uma prática utilitária de leitura ou que o texto literário sirva como pretexto para outras questões de ensino, que não a literatura como instituição autônoma, auto-referencial. (...) propõe-se que se pense o ensino da literatura a partir dos pressupostos teóricos da Estética da Recepção. Esses buscam resgatar o leitor de sua “passividade” e do papel marginal que lhe era conferido no bojo dos estudos literários. (...) Ao valorizar a leitura e a fruição, sem perder de vista a dimensão histórica da obra, a Estética da Recepção questiona as concepções de caráter mais imanente, ou seja, as que se pautam no plano formal, desconsiderando o viés contextual. (DCEs, 2006, pág. 37 / 38.) As Diretrizes propunham que o texto literário fosse trabalhado a partir da perspectiva rizomática para o ensino médio e para trabalhar com ela o professor deveria ser um leitor assíduo para poder escolher os textos com os quais faria o seu trabalho, em seguida faria associações entre os textos, as diversas leituras, a construção dos significados, a multiplicidade de relações, não ficando apenas preso à linha da historiografia, mas indo além como os estudos filosóficos e sociológicos que enriquecem a análise literária. Sugerem as Diretrizes: Assim, a aula partirá do(s) texto(s) selecionado(s) pelo professor que colocará o aluno em face de textos literários integrais em vez de resumos ou sinopses. Aceitará os textos sugeridos pelos alunos como ponto de lançamento para a leitura de outros textos, num contínuo texto-puxa-texto que leve à reflexão, ao aprimoramento do pensar e a um aperfeiçoamento no manejo que ele terá de suas habilidades de falante, leitor e escritor. DCEs, 2006, pág. 41). Em 2008, as DCEs sugerem como encaminhamento metodológico o Método Recepcional, de Bordini & Aguiar (1988) tanto para o ensino médio como para o ensino fundamental. 10 Segundo essas diretrizes Optou-se por esse encaminhamento devido ao papel que se atribui ao leitor, uma vez que este é visto como um sujeito no processo de leitura, tendo voz em seu contexto. Além disso, esse método proporciona momentos de debates, reflexões sobre a obra lida, possibilitando ao aluno a ampliação dos seus horizontes de expectativas. De acordo com as autoras, Bordini e Aguiar, (1988), esse método tem como finalidade a leitura crítica, a recepção de textos novos, o questionamento dessas leituras, a transformação dos horizontes de expectativas do leitor, e de todos ao seu redor. 11 3. MÉTODO RECEPCIONAL: ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA As dificuldades dos alunos são grandes em relação à leitura e à interpretação dos textos literários, alegam que detestam ler, mas nem mesmo foram preparados para isso. Surge então a necessidade de despertá-los para esse prazer. Assim, poderão, através da leitura literária, observar mundos até então desconhecidos, envolver-se com histórias que se juntam às suas, sensibilizando-se, conhecendo as diferenças. Ao ser capaz de ler, o aluno passa a compreender o mundo a sua volta e os mais distantes e torna-se livre para sonhar, pois só através da cultura o ser humano será capaz de melhorar a sua vida social, vivendo mais dignamente. Para o desenvolvimento deste projeto, utilizou-se como suporte metodológico o Método Recepcional de Bordini & Aguiar (1988). Esse método propõe que sejam desenvolvidas algumas etapas para detectarmos os horizontes de expectativas dos alunos em relação à Literatura, e logo em seguida ampliá-los. As autoras enfatizam que o método recepcional só será sucesso se forem alcançados os objetivos propostos com relação ao estudante, que seria de ler, compreender e interferir nos textos; ser aberto a novas leituras; de acordo com o seu universo, analisar os textos lidos; mudar seus horizontes de expectativas e também dos que o rodeiam. Desse modo, sugerem cinco etapas a serem desenvolvidas: Primeira etapa: Determinação do horizonte de expectativas - o professor deverá investigar, através do diálogo e trabalhos em classe, e detectar os horizontes de expectativas trazidos pelos seus alunos, os quais serão recheados de valores, crenças, preconceitos, enfim, todo o seu interesse quanto à Literatura. Segunda etapa: Atendimento do horizonte de expectativas - etapa em que serão levados para a classe textos literários que os alunos apreciem, e as estratégias trabalhadas na forma que eles conheçam e não tenham dificuldades. Terceira etapa: Ruptura do horizonte de expectativas – os textos a serem trabalhados, bem como as atividades a serem propostas, deverão abalar as certezas dos alunos, apresentando maiores exigências, porém devem assemelharse no tema, tratamento, estrutura ou linguagem. O aluno deverá perceber que está 12 adentrando um campo ainda desconhecido, pois o mesmo tema passa a ser abordado de maneira mais complexa. Quarta etapa: Questionamento do horizonte de expectativas – a seguir os alunos farão uma análise, refletindo sobre quais textos exigiram maior grau de entendimento, farão comparações das leituras realizadas, através desse autoexame, detectarão as dificuldades que ainda existirem, e que conhecimentos ou experiências facilitaram a compreensão dos textos vistos. Quinta etapa: Ampliação do horizonte de expectativas - última etapa em que os alunos perceberão que os textos literários não são apenas tarefas da vida escolar, mas estarão conscientes das aquisições feitas e das alterações vividas por meio da experiência com a Literatura, assim sendo, eles buscarão outras leituras, isso ampliará ainda mais os seus horizontes. A partir dessa etapa, o processo reinicia-se com uma nova aplicação do método. Para que o método seja eficaz e que o aluno alcance uma postura mais consciente quanto à Literatura, os textos selecionados devem referir-se ao universo do aluno, e em seguida romper com ele. Deve-se desenvolver a reflexão, transformando o aluno em um agente de aprendizagem, que dará continuidade ao processo, enriquecendo-se intelectualmente. 3.1. NA SALA DE AULA: LEITORES CRÍTICOS O período de intervenção teve início quando foi feita a apresentação do projeto na semana pedagógica para todos os componentes da escola: direção, equipe pedagógica, professores e funcionários da secretaria e serventes. Também foi exposto o material didático para a representante do Núcleo de Educação de Ibaiti e responsável pelo PDE. No início das atividades letivas, os alunos da terceira série do ensino médio tomaram conhecimento da proposta e se mostraram interessados em desenvolvê-la. No mês de março houve a apresentação do projeto aos alunos através do folder. Conversou-se sobre a importância da leitura, também sobre o tema abordado no caderno pedagógico, o papel da mulher na sociedade, eles ficaram entusiasmados e dispostos a trabalhar. Foi importante discutir com os 13 jovens sobre esse papel da mulher, perceberam através das leituras que muitas das funções exercidas pelas mulheres, até pouco tempo só pertencia aos homens, e mesmo trabalhando fora de casa ainda continuam sendo mães, esposas, tendo dupla jornada de trabalho. Com a ampliação dos horizontes desses alunos, eles alteraram a maneira de ver a mulher, conscientizaram-se de que não deve haver mais lugar para a discriminação, e que homens e mulheres são iguais em direitos e deveres. No primeiro capítulo, conforme ressaltam Bordini & Aguiar (1988), foi realizada uma investigação, através do diálogo e trabalhos em classe, para detectar os horizontes de expectativas trazidos pelos alunos. Para atraí-los e motivá-los a trabalhar com o tema, foi trazido para a sala de aula um clipe da música Ela é bamba (2008), de Ana Carolina e também o filme O sorriso de Monalisa (2003), filme dirigido por Mike Newell, Columbia Pictures. A partir da música e do filme, os alunos analisaram o enfoque dado ao papel que a mulher representa na sociedade hoje, através de comentários comparativos a partir dos assuntos evidenciados nos mesmos, como na música: mulher, trabalho, bamba, sustentação, verossimilhança, valores; no filme: sociedade dos anos 50, submissão, mentalidade liberal, machismo, crenças, papel da mulher na educação. Discutiu-se o nível de abordagem sobre o tema, na música e no filme. Através dessa tarefa perceberam a intenção dos produtores em relação ao papel ocupado pelas mulheres em contextos sociais diferenciados. A música mostra a mulher trabalhando fora, mas também com a responsabilidade dentro de casa, sendo vista de forma discriminada. O filme mostra a problemática do papel da mulher na sociedade, sua submissão em relação com o homem, a relevância na sustentação da sociedade, ao mesmo tempo em que não lhe é conferido poder algum. Nos dois contextos a mulher ainda não assumiu uma identidade, continua a ser marginalizada. Após essa atividade, pediu-se aos alunos que selecionassem reportagens, notícias, atualidades que envolvessem o tema MULHER e, em sala aula, organizassem um painel com o material trazido pelos mesmos. Em seguida realizamos a leitura do conto I love my husband, de Nélida Piñon (2001), e o debate sobre a problemática da submissão feminina, relacionando passado e 14 presente. A partir dessas atividades, os alunos já se mostravam motivados a discutir sobre o tema MULHER. Após as atividades relativas ao perfil da mulher, e tendo despertado nos alunos o interesse pelo assunto, a segunda etapa do método iniciou-se com textos de músicas um pouco mais exigentes, pois segundo as autoras Bordini & Aguiar, (1988), uma vez detectadas as aspirações, valores e familiaridades dos alunos com respeito à Literatura, após essa sondagem, a segunda etapa consistia no atendimento do horizonte de expectativas - etapa em que foram levados para a classe textos literários que os alunos apreciavam, e as estratégias foram trabalhadas na forma que eles conheciam para que não tivessem dificuldades. Com esse objetivo, foram escolhidas duas músicas: Mulheres de Atenas de Chico Buarque (1996, p.35) e Mulher, Sexo Frágil de Erasmo Carlos (2008). Após ouvirem e refletirem sobre as músicas, foi apresentada a imagem da tela Mulheres amamentando de Renoir (2008). Uma grande discussão analisou o papel da mulher no passado, no trabalho doméstico. Estabeleceram comparações entre as mulheres vistas nas músicas e também na tela. Em seguida montaram a ficha de uma mulher da família e apresentaram os resultados através de painéis. A partir desse trabalho os alunos se depararam com a real situação da mulher, o preconceito existente nas próprias famílias. O conto Amor de Clarice Lispector (2001) foi a leitura mais exigente e complexa, por isso foi organizada uma roda de leitura e dividida em capítulos para facilitar o entendimento. Amor traz a história de uma mulher chamada Ana, dona de casa, como qualquer outra, e que um dia sai para fazer compras e cumprir com suas obrigações domésticas, e algo inusitado acontece, fazendo com que ela não seja mais a mesma a partir desse fato. Essa leitura fez com que os alunos percebessem que estavam adentrando um campo ainda desconhecido, e o mesmo tema sendo abordado de maneira mais complexa. A seguir foi apresentado o romance escolhido: Senhora, de José de Alencar (1997). Este romance apresenta a história de Aurélia Camargo, mulher pobre que se apaixona por Seixas, este a deixa por outra mulher com melhores condições financeiras. Aurélia, depois de algum tempo, já órfã de mãe e pai, recebe uma grande herança do avô, passando a ser mulher de destaque na sociedade 15 carioca. Ela manda oferecer um dote a Fernando, e casa-se com ele, mas deixa claro que o comprou. Durante meses, vivem uma relação cheia de ironias e ofensas. Ele trabalha e consegue devolver o dinheiro do dote em troca da separação, ela é vencida pelo amor e ficam juntos Um prazo foi dado para que todos os alunos pudessem ler o livro. Em seguida, os alunos analisaram a personagem Aurélia, sua personalidade, suas atitudes, e o comportamento das mulheres do século XIX, e em grupos representaram as personagens, com todas as características presentes nas obras, trajados de acordo com a época, mostrando as semelhanças e diferenças entre as realidades vividas pelas mulheres das obras literárias e compararam-nas com mulheres atuais, observando quais problemas elas enfrentam hoje. A etapa desenvolvida a seguir com os alunos foi, conforme citam Bordini & Aguiar (1988), de questionamento do material literário trabalhado. Quais textos exigiram um nível mais alto de reflexão, fizeram análise e comparações das leituras realizadas, através disso detectaram as dificuldades que ainda existem, e perceberam que o conhecimento e a experiência que tinham ajudaram na compreensão dos textos vistos. O professor pediu que os alunos montassem uma pesquisa – com questionário semi-estruturado e fossem aos bairros da cidade para detectar qual o grau de preconceito existente em relação à mulher, sobre ocorrências de violência sofrida por elas, o machismo, presente nos jornais locais e toda forma de exclusão no mercado de trabalho. Os alunos se organizaram em duplas e saíram a campo. Feita a pesquisa, os resultados foram analisados pelas equipes e comparados com os estudos realizados no decorrer do trabalho e demonstrados através de relatórios e exposição desses à comunidade escolar. Em seguida, os dados foram confrontados, os alunos se reuniram em um grande grupo e iniciou-se a montagem de uma mostra sobre o papel da mulher na sociedade. Para a mostra foram confeccionados convites, no formato de um sapato feminino, com um pensamento do Pe. Fábio de Melo, do livro Mulheres de Aço e de Flores: “Mulher, ó mulher. Pudesse eu recomeçar este mundo, inventaria de criar-te primeiro, e somente depois retiraria Adão de tuas costelas”. O convite foi enviado a setores educacionais e sociais da cidade e também para o Núcleo Regional de 16 Educação. A mostra foi realizada no Clube Pindorama de Siqueira Campos, nos dias 23 e 24 de junho de 2009. Logo na entrada do clube havia uma jovem sentada e uma mão direcionada a ela, tentando representar a mão de Deus na criação, ao lado da jovem estava a mesma frase que constava no convite. A exposição foi aberta por um aluno que apresentava as mulheres de sua turma, em seguida, os convidados eram conduzidos por duas alunas, em trajes sociais que contavam um pouco sobre a trajetória feminina, antes de cada apresentação. O primeiro grupo mostrou, em um vídeo, as conquistas da mulher, tudo associado à música. Um grupo ficou responsável em fotografar mulheres trabalhando em diversos setores da sociedade, as fotos, em preto e branco, foram apresentadas em um painel e comentadas pelos alunos. Entre essa apresentação e a próxima foi declamada a oração da mulher. Um terceiro grupo pesquisou sobre a mulher nas artes plásticas e recriaram, através de colagem, pintura e grafite, algumas telas famosas como Monalisa, A liberdade guiando o povo, Abaporu feminino, e o quadro Os operários foi recriado através de colagem de rostos femininos. A cada intervalo entre os grupos, foram declamados poemas escritos pelos alunos. Um teatro, refletindo a posição da mulher nos contos, no romance, foi montado com o nome “Um sonho impossível”, mostrando a atual situação da mulher, a sua dupla e até tripla jornada de trabalho, e os atores cantaram uma música feita por eles mesmos falando da situação da mulher, para encerrar a apresentação do teatro. Um grupo ficou responsável em pesquisar e montar os direitos femininos, esse grupo fez os painéis grandes, de um lado, imagens femininas; e do outro os direitos da mulher, inclusive expuseram também a lei Maria da Penha, ainda desconhecida de muitos. Para finalizar, uma jovem dança uma valsa com quatro rapazes, todos trajados socialmente, com o intuito de mostrar como a mulher era cortejada no romance Senhora, após a dança um dos cavalheiros entregava um botão de rosa vermelha a uma mulher que estava assistindo. O último poema é declamado por um aluno. Também foi montado um ambiente onde as mulheres entravam em busca de descobrir quem era a mulher ideal, como propagava o cartaz da porta, quando entravam se deparavam com o espelho, um recipiente com bombons e frases otimistas para as mulheres se valorizarem mais, algumas saíam emocionadas. As 17 lembrancinhas, feitas em “biscuit”, representavam um sapato feminino com um colar de pérolas, e foram entregues no final. 18 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se que o presente trabalho sobre a leitura literária apresentou resultado satisfatório, pois os alunos leram sem perceber que estavam lendo, algo difícil de conseguir, já que muitos alunos diziam ter aversão à leitura. Pois o método possibilita atender às expectativas dos mesmos, iniciando com músicas, filme, fatores que contribuíram para que houvesse a aceitação e a participação deles na leitura dos contos e do romance sugerido. A leitura literária é muito importante para os alunos, pois gera comportamentos, atitudes que contribuem para a sua formação. Eles devem ter prazer em ler e não somente repetir as informações através de exercícios. Assim sendo, o Método adotado neste trabalho contribuiu bastante para a eficácia do mesmo, pois vai ao encontro das expectativas dos alunos. Após as músicas e o filme, ficou fácil realizar as leituras dos contos e trabalhar com os mesmos. O romance mostra uma sociedade completamente diferente da vivida pelos nossos alunos, isso poderia gerar uma insatisfação quanto a essa leitura, no entanto, o que se viu foi o contrário, alunos apresentando as personagens e estabelecendo relações com a realidade. O tema escolhido também gerou muita polêmica, e os debates foram intensos, instigando-os a lerem mais sobre o assunto. A última etapa do trabalho significa o início de outra aplicação do método levando os alunos a terem mais consciência sobre a literatura e a vida, sendo assim foram sugeridas leituras sobre o mesmo tema como: A asa esquerda do anjo, de Lya Luft (2003); Vozes do deserto, de Nélida Piñon (2004) e As três Marias, de Rachel de Queiroz (1956). Com a aplicação desse método nossos alunos sentiram-se motivados a ir além, ultrapassando o seu horizonte de expectativas ao encontro de novas leituras, as quais, com certeza, contribuirão para que a visão de mundo de cada um possa ser ampliada. Atualmente, fala-se em Letramento Literário, proposto por Rildo Cosson (2006), como um processo que visa à formação de um leitor que se apropria de forma autônoma das obras e do processo de leitura, ultrapassando a simples decodificação do texto. O autor afirma que “é no exercício da leitura e da escrita de 19 textos literários que se desvela a arbitrariedade das regras impostas pelos discursos padronizados da sociedade letrada e se constrói um modo próprio de se fazer dono da linguagem” (COSSON, 2006: 16). Mais uma proposta que efetiva a necessidade de se pensar numa metodologia de ensino para a leitura literária em sala de aula, bem como mais uma alternativa para o professor. 20 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIAR, V.T. de; B., M. da G. 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