A PROTEÇÃO DOS DADOS INDIVIDUAIS NOS MEIOS ELETRÔNICOS E O DIREITO FUNDAMENTAL À PRIVACIDADE LUIZ GUSTAVO DE OLIVEIRA SALES1 SABRINA GERALDO ROCHA2 LAURICIO ALVES CARVALHO PEDROSA3 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ (UESC) Resumo: Objetiva analisar como o atual sistema jurídico brasileiro, pautado na constitucionalização do direito e na defesa da dignidade da pessoa humana está se adaptando aos novos parâmetros estabelecidos pela nova fase da Sociedade da Informação, diante dos novos avanços tecnológicos e da globalização. Nesse sentido busca-se verificar como o direito brasileiro está regulamentado a proteção aos dados individuais como uma garantia básica à privacidade. Tornando-se crucial a análise do sistema sócio-jurídico diante do atual estágio da cidadania digital. Palavras-chave: avanços tecnológicos; constitucionalização do direito; dignidade humana; Sociedade da Informação. Introdução: A proteção dos dados individuais é um tema muito recorrente no atual nível de desenvolvimento dos meios eletrônicos, em que o processamento a circulação e divulgação de dados acontecem em nível mundial e em alta velocidade. O direito brasileiro atual pautado na constitucionalização do direito então surge como protetor da dignidade da pessoa humana e das garantias fundamentais de cada indivíduo, dentre eles os direitos personalíssimos, que possuem como características básicas a proteção da liberdade de expressão humana. 1 Discente do curso de Direito da Universidade Estadual de Santa Cruz e bolsista pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), e-mail: [email protected] 2 Discente do curso de Direito da Universidade Estadual de Santa Cruz e bolsista ICB/UESC, e-mail: [email protected] 3 Docente do curso de Direito do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Estadual de Santa Cruz, email: [email protected] 1 Nesse contexto através de pesquisa bibliográfica, fez uma análise de como o sistema brasileiro está discutindo a proteção dos dados individuais no contemporâneo modelo de constitucionalização do direito. Sendo assim o direito a proteção de dados surge como garantidor do direito fundamental à privacidade, um direito personalíssimo que visa garantir a individualização da pessoa e sua autonomia privada. 1 Os Direitos da Personalidade e a Constitucionalização do Direito Civil Durante grande período do direito privado brasileiro o patrimônio possuía destaque nas relações jurídicas, sendo o bem de maior valor da sociedade. Entretanto com o advento da constituição Federal de 1988, ocorreu uma constitucionalização do direito privado voltado para a repersonalização do Direito. Nesse cenário, a disciplina jurídica das relações sociais de enfatizar somente o patrimônio e passam a valorizar a dignidade humana essencial, os direitos e garantias fundamentais e a igualdade. Nesse aspecto, voltado para a valorização do ser humano, que surge também os direitos da personalidade. Segundo Pontes de Miranda, a partir deles “começou, para o mundo, nova manhã do direito”. Direitos esses que garantem a livre iniciativa do ser humano e o desenvolvimento individual da personalidade. Com isso o Direito Civil brasileiro tenta deixar de lado as relações puramente patrimoniais, e passa a analisar a personalidade humana, a pessoa em si, suas expressões e garantias fundamentais. Nas palavras de Roxana Cardoso Brasileiro Borges os direitos da personalidade: Visam à proteção dos modos de ser da pessoa, das projeções físicas e não físicas das pessoas, ou seja, de suas projeções físicas e morais, de seus atributos personalíssimos, daquelas características que lhes são essenciais 4. A constitucionalização do direito civil também teve grande influência no surgimento dos direitos da personalidade e nos novos ditames do direito privado pautados na repersonalização. Sendo o principal fundamento jurídico da valorização da pessoa humana o art. 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988, que estabelece o principio da dignidade da pessoa humana, tal principio tratado atualmente como um valor constitucional. O sentido de dignidade humana na Constituição foca na valorização da essência humana, a individualização de sua personalidade e na sua diferenciação dos demais seres 4 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de Personalidade e Autonomia Privada. 2009, p. 245 2 vivos. Com isso os direitos da personalidade estão cada vez mais ligados a maior proteção do ser humano, voltando-se para a realização concreta da dignidade da pessoa. O Código Civil trata dos direitos da personalidade no Capítulo II do Título I “Das Pessoas Naturais”, elencando de forma expressa como suas características as intransmissibilidade e a irrenunciabilidade. Entretanto, a doutrina amplia essas características, considerando os direitos da personalidade também como extrapatrimoniais (não sendo suscetíveis de avaliação pecuniária e são impenhoráveis), imprescritíveis, indisponíveis, entre outros. Apesar de ser extrapatrimonial, os direitos da personalidade são abrangidos pelo princípio da autonomia da vontade e da disponibilidade relativa, podendo o ser humano ceder o uso de alguns desses direitos, como a utilização da imagem, do nome, entre outros, tendo, assim, a liberdade de exercer certos direito personalíssimos de forma ativa. São vários os direitos considerados como personalíssimos pela doutrina brasileira e que são protegidos pela legislação, destacando-se o direito à vida, à imagem, à honra, ao nome e o direito à vida privada. Com isso percebe-se novos parâmetros no direito civil, pautados na exaltação dos direitos pessoais do ser humano, com respaldo na constituição, com isso a repersonalização do direito contemporâneo vai ganhando força e o patrimonialismo passado vai sendo abandonado. Os direitos da personalidade então ganham força como garantia da dignidade da pessoa humana e da proteção da exteriorização intrínseca de cada indivíduo. 1.1 Direito personalíssimo à vida privada Os primeiros direitos da personalidade a serem reconhecidos como direito fundamentais foram o direito à vida, à integridade física e à liberdade. Entretanto nas palavras de Roxana Cardoso: Com o aumento populacional das cidades, com o crescimento dos veículos de comunicação de massa, com o aumento do desequilíbrio nas relações econômicas e com o avanço tecnológico, outros direitos da personalidade emergiram, desta vez não apenas para proteger o indivíduo contra o Estado, mas para protegê-lo também contra a intervenção lesiva de outros particulares5. 5 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de Personalidade e Autonomia Privada. 2009, p. 244. 3 Diante dessas novas mudanças sociais, com o advento de novas tecnologias que proporcionaram maior difusão e circulação de informações, o Direito acolheu no rol de direitos personalíssimos o direito à vida privada como uma garantia humana fundamental. O direito à privacidade está previsto no art. 21 do Código Civil6 e no art. 5º, inciso X7 da Constituição Federal, e possui relação com a ideia de sigilo, não publicação de dados indevidamente, de reserva do direito de estar só e ao segredo. Abrange o direito ao sigilo telefônico, de correspondência (inclusive eletrônica) e bancário. Mais do que nunca, diante do cenário global, torna-se importante a proteção da vida privada. Os novos meios eletrônicos proporcionam divulgação de dados mundialmente, e muitas vezes tais dados são divulgados sem autorização dos titulares. Por isso o direito à privacidade surge como meio de proteger o cidadão contra a intromissão indevida, sendo mais importante a função de evitar que informações obtidas legitimamente sejam divulgadas sem autorização. Nas palavras de Pontes de Miranda, “cada um tem o direito de se resguardar dos sentidos alheios, principalmente da vista e dos ouvidos8”. Sendo assim a violação ao direito à privacidade, através de divulgações não autorizadas geram dado extrapatrimonial e/ou patrimonial, devendo ser compensado com indenização. Além disso, é permitido para a pessoa ofendida requerer judicialmente que o dado indevidamente divulgado seja retirado de circulação. Percebe-se assim a necessidade de proteção a esse direito fundamental como complemento da garantia da dignidade da pessoa humana e, diante da rapidez informacional do mundo globalizado, o direito à privacidade torna-se crucial para o desenvolvimento da autonomia privada individual. 2 As novas tecnologias e a ampliação da circulação de dados pessoais nos meios eletrônicos 6 “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.” 7 “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” 8 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. 1999, p. 208. 4 Atualmente a circulação de dados nos meios eletrônicos ocorre de diversas maneiras e para inúmeras finalidades, tornando-se essenciais para a vida no atual estágio social denominado Sociedade da Informação. Nas palavras de Stefano Rodotá9, O objetivo do grande aumento de obtenção de dados pelas instituições públicas e privadas são: a aquisição dos elementos necessários à preparação e gestão de programas de intervenção social, e o desenvolvimento de estratégias empresariais privadas, e o controle da conformidade dos cidadãos à gestão política dominante ou aos comportamentos prevalecentes. A caracterização de dados pessoais vai além de informações especificas como nome, data de nascimento e filiação, constituem-se dados individuais também toda informação que possa mediante associação e cruzamento de dados identificarem uma pessoa, como DNA, impressão digital entre outros. Sua proteção torna-se então de crucial importância para a segurança individual, diante dos inúmeros computadores que possuem fácil busca e cruzamento de informações entre vários bancos de dados. Além disso, diante dos avanços econômicos globais as informações pessoais estão sendo utilizadas também para estratégias de mercado, tornando-se um fator de produção. Pois no atual sistema de mercado quem domina informações tem maior controle e direcionamento dos meios de produção e primazia em relação aos demais produtores. Percebe-se assim que em sentido lato, dados pessoais podem ser considerados como meios de informação pessoal, que possam identificar o indivíduo na sua expressão privada básica, através de imagens, do nome, domicilio, filiação, entre outros, que caso não possuam a devida proteção legal podem ocasionar danos tanto morais como econômicos para as pessoas que tem esse direito violado. É notável que vivemos em um mundo que não somente as riquezas sociais estão em transformação, mas também a forma como elas circulam. A revolução informacional mudou completamente a base estrutural, a forma e o alcance da circulação desses bens, gerando com isto novos comportamentos humanos e novos conflitos e problemas que necessitam da regulamentação e discussão pelo Direito. 3 Tratamento sócio-jurídico brasileiro dos dados pessoais no atual estágio da cidadania digital 9 RODOTÀ, Stefano. A Vida na Sociedade de Vigilância: a privacidade hoje. 2008, p 28. SS. 5 Atualmente a criação de uma legislação especial para o tratamento da proteção de dados individuais está se tornando relevante para a maioria dos países, o que vem sendo analisado como a criação até mesmo de um direito fundamental a proteção de dados10. A Proteção de dados no atual estágio da cidadania digital é de grande importância para a sociedade, pois a exposição dos dados individuais pode acarretar tanto danos morais quanto econômicos. Stefano Rodotá diz que a discussão acerca da proteção da esfera privada é, desde sempre, marcada por uma abordagem contraditória. Ao passo que cresce a preocupação político-institucional especialmente no que diz com a tutela de dados e informações pessoais – o que se reflete em diversos documentos nacionais e internacionais -, ao mesmo tempo, no entanto, constitui trabalho cada vez mais árduo o respeito a esta presunção geral. Isto se dá por inúmeros motivos, como as constantes exigências de segurança interna e externa, interesses de mercado e reorganização da administração pública. Apesar de estar em trâmite no Congresso Nacional um anteprojeto para o Código de Proteção de Dados, o Brasil não possui legislação especifica para o tratamento do tema, cabendo regulamentação a diversos mecanismos legais, como o Código Civil, a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor. A Constituição de 1998, bem a Lei n. 9.507/97 reconheceram a todos os cidadãos o direito ao habeas data. A referida lei estabelece no artigo 1º parágrafo único que se considera de caráter público todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações. Para Aurélio Wander Bastos a Constituição Brasileira, promulgada no dia 5.10.88, resguardou como garantia jurídica fundamental o direito individual à privacidade, o direito de entidades governamentais e de caráter público consolidarem e armazenarem dados pessoais cadastrais e, ao mesmo tempo, criou o direito do cidadão ter acesso às informações registradas a seu respeito. Esta mesma Constituição definiu as bases que deverão presidir a política brasileira de documentação administrativa e histórica. Neste sentido, pela primeira vez na história constitucional brasileira estão juridicamente articulados o direito de acesso à informação e as bases das políticas públicas para o tratamento da informação de interesse coletivo e privado por um lado e, por outro, da documentação administrativa e histórica. Assim está no artigo 216 parágrafo 2º “Cabem à 10 DONEDA, Danilo. A proteção dos dados como direito fundamental. 6 administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitam”. Em 11 de setembro 1990 foi acrescido também mais um mecanismo referente à proteção de dados pessoais, a lei 8.078 do Código do Consumidor, artigo 43, “o consumidor (...) terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes”. Em 10 de Janeiro de 2010 o Código Civil também adotou uma lei visando à proteção de dados individuais, a lei 10.406 Art. 20 “salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais”. Enfatiza Daniel Piñhero Rodriguez e Regina Lindem Ruaro que dentro deste desafio está também a configuração precisa do dano existente na violação de dados pessoais, quais suas distinções em relação à privacidade e em que medida se faz efetivamente necessária no cenário brasileiro. 4 Conclusão Com o desenvolvimento da informática e a ampliação do acesso a internet e os seus recursos, os dados pessoais ficaram mais suscetíveis a violação nos diferentes âmbitos da sociedade. Os dados de caráter pessoal contêm informação das pessoas físicas os quais permitem sua identificação no momento ou posteriormente. Na sociedade tecnológica, os cadastros armazenam alguns dados que possuem um conteúdo especial, e por isso são denominados dados sensíveis. Tais dados podem referir-se a questões como ideologia, religião ou crença, origem racial, saúde ou vida sexual. Exige-se que os cadastros que os armazenam contenham uma segurança especial, como forma de evitar que sejam mal utilizados (Têmis Limberger, da evolução do direito a ser deixado em paz à proteção dos dados pessoais). A necessidade de proteger o cidadão juridicamente se origina no valor econômico que os dados possuem, ou seja, pela possibilidade de sua comercialização. Diante das novas técnicas da informática, a intimidade adquire outro conteúdo: visa-se resguardar o cidadão com relação aos dados informatizados. Um arquivo informatizado pode guardar um número 7 quase ilimitado de informações. Assim, o indivíduo que confia seus dados deve contar com a tutela jurídica para que estes sejam utilizados corretamente, quer se trate de um organismo público ou privado. Referências BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de Personalidade e Autonomia Privada. São Paulo: Saraiva, 2009. CIVIL, Código (2002). Código Civil Brasileiro. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. LIMBERGER, Têmis. Da evolução do direito a ser deixado em paz à proteção dos dados pessoais. Revista Novos Estudos Jurídicos, v. 14, n. 2, 2009. RODOTÀ, Stefano. A vida na sociedade de vigilância: a privacidade hoje. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. RODRIGUEZ, Daniel Piñeiro e RUARO, Regina Linden. O Direito à Proteção de Dados na sociedade da vigilância. Faculdade de Direito, PUCRS, 2010. 8