392 O Direito à Proteção de Dados Pessoais na Sociedade de Vigilância V Mostra de Pesquisa da PósGraduação Daniel Piñeiro Rodriguez1, Regina Linden Ruaro1 (orientadora) 1 Faculdade de Direito, PUCRS Resumo O presente ensaio propõe um estudo acerca da proteção de dados pessoais no ordenamento jurídico brasileiro, com o intuito de perceber qual o nível de tal tutela e como se dá sua efetivação. Para tanto, toma-se como paradigma as recentes diretivas da União Européia, a jurisprudência internacional atinente ao tema e os principais apontamentos doutrinários nacionais e estrangeiros. Posteriormente, far-se-á uma breve análise do cenário brasileiro, com o escopo de esboçar a realidade do ordenamento pátrio, possibilitando a identificação de novas formas de prevenir - e não meramente reparar - ações atentatórias aos direitos e liberdades fundamentais referentes aos dados pessoais que entidades públicas e privadas dispõem a respeito de determinado indivíduo. Introdução A discussão acerca da proteção da esfera privada é, desde sempre, marcada por uma abordagem contraditória. Ao passo que cresce a preocupação político-institucional especialmente no que diz com a tutela de dados e informações pessoais – o que se reflete em diversos documentos nacionais e internacionais -, ao mesmo tempo, no entanto, constitui trabalho cada vez mais árduo o respeito a esta presunção geral. Isto se dá por inúmeros motivos, como as constantes exigências de segurança interna e externa, interesses de mercado e reorganização da administração pública (RODOTÀ, 2008). Tais fatos sociais, amparados em um cenário globalizado, corroboram com a gradual diminuição de garantias e valores ditos essenciais a um Estado Democrático de Direito. Afinada a esta tendência também está a realidade que se afirma notadamente após 11 de setembro, vale dizer, a da transmutação do direito fundamental à privacidade em mero obstáculo à segurança pública, sendo freqüentemente posto à margem por atos legislativos emergenciais. Destacam-se, neste plano, V Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2010 393 o Patriot Act, nos EUA, e as decisões na Europa sobre transferências internacionais de dados dos passageiros de linhas aéreas e comunicações telefônicas. Justamente neste contexto de mutações e transformações conceituais, as costuras jurídicas tentam amoldar seus instrumentos de tutela ao cenário instável que a sociedade de vigilância (SCHAAR, 2007) invariavelmente propicia. Dentro deste desafio está também a configuração precisa do dano existente na violação de dados pessoais, quais suas distinções em relação à privacidade e em que medida se faz efetivamente necessária no cenário brasileiro. Com o objetivo de responder a estes questionamentos, far-se-á uma análise dos principais sistemas jurídicos que abordam a proteção de dados pessoais, tendo como base leis, diretivas e leading cases, tudo com o escopo de melhor compreender um fenômeno que representa, nas palavras de Danilo Doneda, uma pretensa “afirmação do direito como estrutura [...] para que as escolhas relativas às questões que agora enfrentamos sejam realizadas mediante o respeito de valores fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro”. Metodologia A pesquisa fará uso do método dedutivo, pois adotará como premissa maior as Diretivas da União Européia que tratam do tema. Acessoriamente, utilizar-se-á na pesquisa o método dialético, uma vez que o tema em questão merece constante debate, tornando-se necessário o confronto de correntes doutrinárias, bem como o manancial de decisões produzido pela jurisprudência nacional e estrangeira. Tudo isto para que se abranja amplamente o tema em todos os seus aspectos. Resultados (ou Resultados e Discussão) Pensar uma sociedade de vigilância significa, em verdade, propor uma análise dos desenvolvimentos tecnológicos e sociais que marcam o mundo ao longo da história, bem como da sua capacidade de registro dos fatos do e eventos. Desde os tempos mais primórdios, há evidências de que o ser humano observa a si próprio enquanto grupo social, monitora seu progresso e coleta dados que interessem a diferentes finalidades. Portanto, não basta apenas ter em mente a existência de câmeras que capturam diariamente imagens de toda população em espaços públicos ou privados, e sua conceituação tampouco se desvela como um novo fenômeno social. Como se denota de sua evolução social, a vigilância está ligada, fundamentalmente, à manutenção de determinadas relações de poder. Como bem salienta Astrit Schmidt-Burkhardt, o sentido da visão segue sendo declarado como paradigma da V Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2010 394 cognição humana. Sua semântica multi-dimensionada, na língua francesa, expressa claramente esta noção: voir (visão), savoir (conhecimento) e pouvoir (poder) têm o mesmo radical. A sintomática relação etimológica revela a dualidade da estrutura da visão, conectando-se com a razão, o controle e o poder, mas também com a iluminação da verdade por meio da vigilância. Desprendendo-se de uma estrutura semântica fixa, a visão oscila entre estes diferentes campos de interação (SCHMIDT-BURKHARDT, 2002). Com efeito, a privacidade posta em termos como “um direito de ser deixado só”, que teve seu marco inicial com o ensaio apresentado pelos professores Samuel Warren e Louis Brandeis, datado de 1890 e publicado na Revista de Direito da Universidade de Harvard, nos remetendo ao antigo paradigma de zero-relationship (DONEDA, 2006), hoje decai frente ao surgimento de um novo centro gravitacional que leva em conta as contingências sociais: a possibilidade de cada indivíduo controlar o uso de dados que lhe dizem respeito. Conclusão No Brasil, não há lei específica que trate da proteção de dados pessoais e, ainda que em nosso ordenamento pátrio os direitos fundamentais sejam auto-aplicáveis, inclusive nas relações entre particulares, percebe-se necessária uma regulamentação infraconstitucional sobre o tema. Fruto do direito à privacidade, extrapola seus limites, comunicando-se livremente com conceitos e vocábulos meta-jurídicos. Inicialmente, está contido no âmbito da privacidade, mas o supera, o abarca e o re-significa, funcionando como livre espaço de mediação A lógica necessária ao abordar o tema, portanto, é a de que, em que pese sua denominação indique um âmbito reduzido e unilateral de estudo, seu objeto resulta numa disciplina abrangente da realidade informacional.(DONEDA, 2006). Para além da defesa da privacidade, o que se protege e regula, a partir de suas proposições, é o direito de acesso e o poder de controle a informações pessoais, muitas vezes que tangenciam o caráter individualista de privacidade. Referências DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. RODOTÀ, Stefano. A vida na sociedade de vigilância: a privacidade hoje. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. SCHAAR, Peter. Das Ende der Privatsphäre: der Weg in die Überwachungsgesellschaft. C. Bertelsmann (München) 2007. SCHMIDT-BURKHARDT, Astrit. The All-Seer. In: LEVIN, Thomas Y.; FROHNE, Ursula; WEIBEL, Peter (org.). Ctrl space: rethorics of surveillance from Bentham to Big Brother. Karlsruhe: ZKM, 2002. V Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2010