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Tópico 7E
CIÊNCIA DOS MATERIAIS
A. Marinho Jr
Materiais polifásicos - Processamentos térmicos
Introdução
Já vimos que a deformação plástica de um metal decorre da movimentação interna de
discordâncias, fazendo com que planos cristalinos mais compactos deslizem em relação
aos outros, conforme direções que também são as mais compactas. Existe um outro tipo
de deformação cristalina, chamada macla , onde um grupo de planos cristalinos muda
sua orientação em relação aos restantes, sob o efeito de tensões cisalhantes, do mesmo
modo que a deformação plástica por deslizamento. Na figura 07.18 a seguir são
ilustradas as diferenças entre os dois casos:
Figura 07.18 Em (A) vemos um monocristal deformado por macla e, em (B), por
deslizamento planar. `Na micrografia à direita, visualização de maclas dentro dos grãos
de um material metálico policristalino.
Já vimos também como, após um aquecimento conveniente, podemos mudar a estrutura
de um metal e, para cada composição específica, conforme o tipo de resfriamento que
fizermos (lento ou rápido), podemos “congelar” a estrutura desejada, de modo a alterar
a estrutura original e transformá-la em outra que melhor atenda aos nossos interesses em
termos de desempenho mecânico. Assim, num aço, por exemplo, podemos obter uma
estrutura perlítica (ferrita + cementita), onde um dos componentes da perlita, a
cementita (Fe3C), torna a nova estrutura mais dura do que, por exemplo, uma estrutura
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ferrítica (ferro α , CCC) ou austenítica (ferro γ , CFC). A maioria dos tratamentos
térmicos a que podem ser submetidos os aços, no entanto, visamm obter estruturas
peculiares, como a martensítica ou martensítica revenida. A seguir, veremos mais
detalhes sobre tais estruturas.
Martensita e Martensita revenida
Os principais mecanismos de resistência mecânica já foram vistos anteriormente, como
no caso de endurecimento por solução e o encruamento. Veremos agora que a obtenção
de um tipo de estrutura chamada martensita é particularmente importante no estudo da
resistência dos aços e de algumas outras ligas, assim como microestruturas que podem
ser obtidas a partir da mesma.
Transformação martensítica no Ferro-Carbono
Se a velocidade com que uma pequena amostra de aço eutetóide (0,8% de C) é resfriada
a partir de uma temperatura ligeiramente superior à de transformação eutetóide (723ºC)
for sucessivamente aumentada, as microestruturas resultantes, a temperatura ambiente,
serão diferentes. Por exemplo, o espaçamento entre as lamelas de perlita pode variar de
grosseira a fina quando, no processo chamado têmpera , se muda o método de
resfriamento, de forno para óleo. Se uma velocidade de resfriamento ainda maior for
usada, como, por exemplo, uma têmpera com resfriamento em água, a temperatura da
amostra cairá tão rapidamente que, ao atingir 260ºC, a perlita ainda não terá começado a
se formar. Nessa região de temperaturas, uma pequena porção da austenita se
transforma, num curto espaço de tempo, da ordem de 10-7 s , em uma nova fase, que é
tetragonal de corpo centrado, chamada martensita. À medida que a amostra começa a
resfriar, a martensita continua a se formar da austenita restante, em explosões (“bursts”)
locais muito rápidas, até que, a temperatura ambiente, a estrutura é constituída de
martensita, com uma pequena quantidade (aprox. 8%) de austenita retida, ainda
presente. Se a amostra for então resfriada à temperatura do Nitrogênio líquido ( 196ºC), mais austenita retida se transformará em martensita, até que cerca de somente
3% de austenita permaneça retida. Toda a austenita retida, em temperatura ambiente ou
abaixo dela, estará no estado metaestável, incapaz de se transformar em produtos de
equilíbrio, ferrita e cementita, porque a temperatura é baixa para a necessária difusão
atômica.
A transformação martensitica ocorre como se fosse uma transformação sem difusão e é,
portanto, única entre as transformações consideradas. Deve ficar claro que virtualmente
nenhuma difusão pode ocorrer em 10-7 s e, dessa forma, os átomos da martensita devem
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estar quase nas mesmas posições que os átomos de austenita da qual a martensita foi
formada. A figura 07.19 a seguir mostra que qualquer estrutura CFC pode ser também
considerada tetragonal de corpo centrado (TCC). Se nenhum carbono estiver presente na
austenita, ela se transformará em uma estrutura perfeita CCC (ferrita), abaixo de 912ºC,
independentemente da velocidade de resfriamento. Esta transformação pode ser
considerada como um achatamento da célula unitária TCC e isto é acompanhado por
uma pequena mudança no raio atômico do ferro, da estrutura CFC para CCC.
Figura 07.19 Estrutura cúbica de face centrada (CFC), que pode ser vista também como
tetragonal de corpo centrado (TCC) no destaque.
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Se carbono estiver presente na austenita, como nos aços, ele se encontrará no meio de
algumas das arestas dos cubos unitários CFC e nos respectivos centros, conforme se vê
na figura acima. Essas duas posições são cristalográficamente equivalentes, uma vez
que qualquer átomo de ferro pode ser considerado estar, ou em um vértice ou em uma
face da célula unitária. Os átomos de carbono não podem ocupar uma grande proporção
das posições na austenita em equilíbrio, porque a estrutura resultante estaria
severamente deformada e, portanto, instável. O esquema da figura acima mostra as
posições possíveis para o carbono intersticial no ferro CFC (austenita), com um átomo
de carbono situado numa dessas posições.
Quando a austenita, que contem algum carbono, tende a se transformar (em velocidades
de resfriamento elevadas), na estrutura CCC do ferro puro, o carbono age evitando uma
contração total na direção c. A figura 07.19 mostra uma célula unitária de martensita,
em que c > a, porque um átomo de carbono está situado ao longo de uma das arestas
paralelas à direção c. O átomo de carbono está na mesma posição na estrutura que ele
ocupava na estrutura da austenita da figura anterior. Isto reforça o caráter não-difusional
da transformação martensítica. A presença de carbono intersticial ao longo das arestas c
torna a direção c maior do que a direção a. O efeito do teor de carbono sobre os
parâmetros da estrutura é mostrado no gráfico da figura 07.20 a seguir.
Figura 07.20 Variação da relação c/a em função do teor de carbono nos aços
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Como seria de esperar, um aumento do teor de carbono aumenta a relação c/a. Todas as
células unitárias de um determinado cristal de martensita tem os eixos paralelos. A
presença de um átomo de carbono ao longo de uma aresta paralela à direção c não só
alongará a célula mas, provavelmente, causará algum empenamento local da célula
unitária, afastando-se da tetragonal perfeita. A presença dessas grandes deformações,
muito localizadas, na martensita, deve contribuir substancialmente para sua elevada
dureza.
Propriedades mecânicas da martensita
A dureza da martensita ferro-carbono depende da quantidade de carbono presente. O
gráfico da figura 07.21 mostra a dureza, na escala Rockwell C, de lãminas finas de aço
carbono comum, que foram aquecidas na faixa da austenita e então temperadas em água
até a temperatura ambiente. Se a velocidade de resfriamento for bastante rápida para
formar toda a martensita, a dureza pode ser segurametne prevista pelo teor de carbono
do aço.
Figura 07.21 À esquerda, gráfico mostrando o aumento da dureza de um aço em função
do teor de carbono. À direita, micrografia de um aço mostrando a fase martensita,
reconhecível pelo seu aspecto acicular.
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Usando técnicas comuns de têmpera, não é possível obter martensita em aços carbonos
comuns com teores menores do que 0,20 % de carbono. O aumento continuo de dureza,
já mostrado na figura 07.21, é coerente com o argumento de que um maior teor de
carbono deforma mais a estrutura e, dessa forma, inibe mais efetivamente o movimento
das discordâncias.
A figura 07.22 a seguir confronta as diversas curvas tensão – deformação reais para um
aço com 0,40 % de carbono, após diversos tratamentos térmicos.
A curva (a) apresenta uma deformação substancial, que é característica de uma amostra
constituída de ferrita e perlita. A curva (b), na qual somente o ponto de ruptura é
mostrado, apresenta a pequena deformação usual que precede a fratura na martensita
temperada. A energia necessária para fraturar cada amostra está relacionada com a área
sob cada uma das curvas da figura. Como a área sob a curva (b) é muito pequena, a
martensita temperada é considerada frágil. A área sob a curva (a) é grande, uma vez que
a microestrutura de ferrita e perlita é, normalmente, dúctil à temperatura ambiente. A
baixa resistência mecânica da martensita temperada é parcialmente devida às tensões
residuais que ocorrem durante a têmpera. Essas elevadas tensões residuais resultam das
deformações locais não-uniformes, durante a transformação da austenita em martensita.
Quando se traciona uma amostra de martensita contendo tensões residuais, elas se
somam às de tração aplicadas, causando ruptura sob tensões menores do que a
necessária para a ruptura na ausência de tensões residuais. Se uma intensa deformação
plástica ocorreu na martensita, antes da ruptura, as tensões residuais teriam sido
grandemente reduzidas e a carga para a fratura seria aumentada. Desta forma, é a
natureza frágil da fratura da martensita a responsável indireta pela freqüente diminuição
da sua resistência mecânica. A têmpera em óleo, com as menores tensões residuais que
resultam de uma velocidade de resfriamento mais lenta é, portanto, preferível à têmpera
em água, se o aço é tal que a martensita possa ser produzida com velocidade de
resfriamento mais lenta.
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Figura 07.22
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Curvas tensão – deformação reais, em temperatura ambiente, para uma amostra de aço com 0,4% de C,
inicialmente aquecida na faixa da austenita: (a) resfriada no forno (perlita grosseira); (b) temperada em óleo (martensita);
(c) temperada em óleo, então aquecida a 232ºC durante 30 min (martensita com tensões aliviadas); (d) temperada em óleo,
aquecida a 427ºC durante 30 min (martensita revenida); (e) temperada em óleo, aquecida a 593ºC durante 30 min
(martensita revenida); (f) temperada em óleo, aquecida a 704ºC durante 10 horas (principalmente esferoidita).
Martensita revenida
Se amostras temperadas de aço forem aquecidas a temperaturas acima de 260ºC, o
excesso de carbono na martensita precipita em uma série de etapas, que terminam com a
formação de partículas finas de Fe3C numa matriz de ferrita CCC. A ferrita pode ser
considerada como a martensita com quase todo o carbono removido. Como este
processo tem lugar a temperaturas relativamente baixas, a difusão é muito limitada. O
carbono pode, dessa forma, difundir-se a somente pequenas distãncias e, portanto, o
Fe3C forma-se como partículas muito finas que estão uniformemente distribuídas em
toda a ferrita. A microestrutura resultante dá uma combinação ideal de resistência
mecânica e ductilidade elevadas, que é denominada martensita revenida (muito embora
nenhuma martensita esteja presente quando a precipitação de Fe3C for completa).
As curvas (d) e (e) da figura 07.22 acima mostram a faixa do comportamento mecânico
que pode ser esperado da martensita revenida. A seleção apropriada da temperatura de
revenido (dentro de limites) pode fornecer uma ampla faixa de resistência mecânica,
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dureza e ductilidade, porque uma temperatura de revenido mais elevada permite uma
maior velocidade de difusão e, em conseqüência, tamanhos e espaçamentos maiores das
partículas de Fe3C. Conseqüentemente, nota-se que a resistência mecânica e a dureza da
martensita revenida dependem, sobretudo, da percentagem de carbono e da temperatura
de revenido. Se um revenido mais longo ocorre exatamente abaixo da temperatura de
transformação do eutetóide, o Fe3C se forma como grandes partículas esferoidais de
espaçamento extremamente amplo. Essa estrutura, chamada esferoidita (quando o teor
de carbono é eutetóide) tem menor resistência mecânnica e maior ductilidade do que
qualquer martensita revenida ou quaisquer microestruturas perlíticas. A curva (f) da
figura 07.22 apresenta essas propriedades características dessas estruturas (as
microestruturas da ferrita + esferoidita podem também ser produzidas formando-se
primeiro ferrita + perlita e permitindo-se o Fe3C aglomerar a aproximadamente 704ºC
em grandes esferóides).
Revisão 00 Março de 2009
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