Retomando o proposto anteriormente acerca do Primeiro mandamento do Decálogo, ou seja a nossa relação com Deus, tendo como ponto de referência o Catecismo da Igreja Católica (nn.2110-2132), lembremo-nos que Jesus nos adverte que "ninguém pode servir a dois senhores. Com efeito, ou odiará um e amará o outro, ou se apegará ao primeiro e desprezará o segundo"(Mt 6,22). Efetivamente há situações e escolhas que são incompatíveis com a fé cristã, especificamente em nossas relações com Deus. Sempre deve prevalecer o mandamento fundamental da Aliança: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o coração, de toda a alma e de todo o entendimento"(Mt 22,37; cfr. Ex 20,2-5; Dt 6,4-5), pois como vimos, a observância deste mandamento é na verdade a resposta de amor que o ser humano é chamado a dar ao Deus Vivo e Verdadeiro que tomou a iniciativa e o amou primeiro (cfr. 1Jo 4,10). É por isso que este mandamento traz uma nota esclarecedora: "não terás outros deuses diante de mim"(Ex 20,3). Isto significa que o cristão deve considerar incompatível com a sua fé a superstição, que é, segundo a definição do Catecismo da Igreja, "o excesso perverso da religião", "um desvio do sentimento religioso e de suas práticas". Isto mostra, por outro lado, que a "virtude da religião" é realmente inerente à natureza humana e está inscrita em sua consciência, demonstrada a existência da prática religiosa em todas as culturas e civilizações, como estrutura fundamental da organização da vida. No entanto, como tudo o que é humano, também a genuína experiência religiosa pode degenerar. Outras formas dessa "degeneração" são a idolatria e o politeísmo (cfr. Sl 118,4-5.8), isto é, a "divinização do que não é Deus", ou seja, "adorar a criatura em lugar do Criador"(cfr. Rm 1), comprometendo o senhorio exclusivo de Deus, pois "a vida humana é unificada na adoração do Único", que simplifica a sua vida e o livra da "dispersão infinita". É próprio do cristão, seguindo o exemplo do seu Senhor (cfr. Mt 6,25-34), entregar-se confiante nas mãos da Divina Providência e abandonar a curiosidade doentia a respeito do seu futuro, embora tendo em mente, como é próprio da virtude da prudência cristã, "que a imprevidência pode ser falta de responsabilidade". Por isso, todas as formas de adivinhação e magia devem ser rejeitadas: recurso aos demônios, evocação dos mortos, consulta a horóscopos, a quiromancia (leitura das mãos), videntes e médiuns, pois estas práticas sempre escondem uma "vontade de poder" sobre o tempo, as pessoas e o desejo de ganhar para si poderes "ocultos". Pior ainda, como é próprio da feitiçaria, "quando acompanhadas de uma intenção de prejudicar a outrem". Podemos também recordar que são atos de irreligião "tentar a Deus", ou seja, pô-lo à prova por palavras ou atos, quanto à sua bondade, onipotência (cfr. Dt 6,16); desconfiar ou duvidar de seu amor, providência e poder; o sacrilégio, que é profanar ou tratar indignamente os sacramentos – notadamente a Santíssima Eucaristia-, as ações litúrgicas, as pessoas, coisas e lugares especialmente consagrados a Deus; e a simonia (cfr. At 8,20), que é a tentativa de compra ou venda de realidades espirituais (cfr. Mt 10,8.10). Outros desvios da nossa relação com Deus podem-se configurar como sua negação através do ateísmo prático ou apenas especulativo (teórico), que se traduzem respectivamente no materialismo prático (indiferentismo religioso) e no humanismo ateu respectivamente. Mas o Catecismo lembra que essas posturas podem ter sua imputabilidade diminuída, ou seja, sua culpabilidade, pois "grande parcela de responsabilidade pode caber aos cristãos, na medida em que, negligenciando a educação da fé, ou por uma exposição enganosa da doutrina, ou por deficiência na sua vida religiosa, social e moral (coerentes), poder-se-ia dizer que eles mais escondem do que revelam o rosto autêntico de Deus e da religião". Que isto nos sirva mais de questionamento do que de desculpa pela nossa mediocridade. O ateísmo por vezes também "se funda numa concepção falsa da autonomia humana, que chega a recusar toda dependência em relação a Deus". A nossa autonomia, como a nossa liberdade, será sempre relativa e jamais absoluta, pois degeneraria no totalitarismo ou no anarquismo, ou "anomia", numa "terra de ninguém". Vale a pena propor o estudo da encíclica Veritatis Splendor (06.ago.93), do Papa Joãio Paulo II, na qual ele insiste nos pontos referenciais da ética e da moral, de modo que a mais genuína autonomia humana repousa na Teonomia, ou seja, nos critérios da Revelação divina. Percebemos assim, que a fé em Deus "pode ser esquecida, ignorada e até rejeitada explicitamente ( ou implicitamente), podendo ter origens muito diversas: a revolta contra o mal no mundo, as preocupações com as coisas do mundo e com as riquezas, o mau exmplo dos crentes, as correntes de pensamento hostis à religião, e, finalmente, essa titude do homem pecador que, por medo, se esconde diante de Deus"(cfr. Gn 3). De modo que dentro dessa quase infinita variedade de posturas "ideológicas’, encontramos também o agnosticismo, que por vezes até "postula a existência de um Ser Transcendente ("Ser Supremo", "Energia" ou "Consciência Cósmica" impessoal), mas que não poderia revelar-se e sobre o qual ninguém seria capaz de dizer nada", para quem a religião não pasa de uma forma de dominação e controle social. Noutros casos sequer se pronuncia sobre Deus, sendo impossível prová-lo, afirmá-lo ou negá-lo, do tipo "ateu, graças a Deus", ou dos que afirmam jocosamente: "jo no creo en las brujas, pero que las hay, las hay"... Essas posturas podem conter certa "busca de Deus, mas também um certo indiferentismo ou mesmo uma fuga da pergunta fundamental sobre a sua existência, ou até mesmo uma preguiça da consciência moral. A esse repeito, recomendo a leitura dos livros: Edna Van der Winckel, Do Inconsciente a Deus, Paulinas, 1985; Viktor Fralkl, A Presença Ignorada de Deus, Sulina ou Vozes. Em sua encíclica Fides et Ratio (14.set.98), o Santo Padre assevera que "a razão, sob o peso de tanto saber ...curvou-se sobre si mesma... A filosofia moderna, esquecendo-se de orientar a sua pesquisa para o ser, concentrou a própria investigação sobre o conhecimento humano (e) sublinhou as suas limitações e condicionalismos. Daí provieram várias formas de agnosticismo e relativismo... a perder-se nas areias movediças de um ceticismo geral... A legítima pluralidade de posições cedeu o lugar a um pluralismo indefinido, fundado no pressuposto de que todas as posições são equivalentes... Tudo fica reduzido a mera opinião... Contentam-se de verdades parciais e provisórias, (o que) deixa sobretudo os jovens...com a sensação de estarem privados de pontos de referência autênticos... O caráter fragmentário de propostas que elevam o efêmero ao nivel de valor, iludindo assim a possibilidade de se alcançar o verdadeiro sentido da existência"(nn.5-6).