1 Avaliação de testes rápidos para detecção anti-HIV no Brasil Orlando C. Ferreira Juniora, Cristine Ferreirab, Maristela Riedelc, Marcya Regina Visinoni Widolinc e Aristides Barbosa Júniorb pelo Grupo de Estudos de Testes Rápidos Anti-HIV Objetivos: Esta avaliação foi realizada no Brasil a fim de averiguar o desempenho do teste rápido (TR) anti-HIV comercialmente disponível em relação ao padrão-ouro para testagem, bem como estabelecer um algoritmo altamente sensível e específico para TR para o diagnóstico do HIV. Desenho: Estudo prospectivo, anônimo e desvinculado. Metodologia: Realização de uma avaliação de sete TR comercialmente disponíveis a fim de comparar o desempenho dos mesmos com o padrão-ouro brasileiro. Isto inclui dois imunoensaios de enzima (EIA) diferentes e mais um teste confirmatório Western Blot. Após obter o consentimento informado, foram coletadas amostras de sangue total de voluntários em centros de testagem e aconselhamento voluntário (n = 400), serviços de atenção pré-natal (n = 500) e controles HIV positivos em serviços de referência em Aids (n = 200). Dois painéis de soroconversão, um painel de subtipos de HIV-1 (B, B´, C e F) e uma avaliação de desempenho operacional dos ensaios também faziam parte dos parâmetros do estudo. Resultados: A sensibilidade clínica dos sete TR variou entre 97,74 e 100%. Contudo apenas quatro TR foram considerados aceitáveis após avaliação completa. Os dois EIA tiveram sensibilidade clínica de 100% e especificidade clínica de 99,66%. Dois TR obtiveram o mesmo desempenho que os EIA nos painéis de soroconversão. A avaliação do desempenho operacional dos TR indicou que o Hexagon e o Capillus não poderiam ser classificados como ensaios simples. Conclusão: Demonstramos que TR podem ter um desempenho igual ou melhor que o EIA para a detecção de anticorpos anti-HIV. A simplicidade e rapidez dos TR justificam sua utilização em um algoritmo para um diagnóstico rápido de infecção por HIV. © 2005 Lippincott Williams & Wilkins AIDS 2005, 19 (suppl 4):S70–S75 Palavras-chave: avaliação de testes rápidos, teste rápido de HIV, ensaios sorológicos rápidos, testagem e aconselhamento voluntário, atenção pré-natal, testagem para HIV com sangue total. Introdução A estratégia convencional para o diagnóstico da infecção pelo HIV-1 no Brasil inclui a combinação de dois imunoensaios de enzima (EIA) diferentes mais um ensaio confirmatório, utilizando o Western Blot ou imunoflorescência (conhecido como o ‘padrão-ouro’). a Laboratório de Virologia Molecular, Departamento de Genética, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, bPrograma Nacional de DST/Aids do Brasil, Sao Paulo, e cLaboratório Municipal de Curitiba. Correspondência: Orlando C. Ferreira Junior, Laboratório de Virologia Molecular, Departamento de Genética, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Centro de Ciências da Saúde - CCS, Bloco A, Sala 121, 2º andar, Av. Brigadeiro Trompowsky s/n, 21944-970, Ilha do Fundão, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: [email protected] S70 ISSN 0269-9370 © 2005 Lippincott Williams & Wilkins 2 Este sistema de diagnóstico é altamente específico e sensível para a detecção de anticorpos antiHIV-1, porém tem algumas restrições operacionais. O sistema requer técnicos de laboratório altamente capacitados e infra-estrutura laboratorial avançada. Além disso, o tempo para a devolução do resultado para o cliente pode ser de 1 a 2 semanas ou mais, resultando assim na perda do acompanhamento dos indivíduos, demoras no diagnóstico e no encaminhamento a serviços essenciais de referência. A partir de 1985, logo após a introdução do EIA, os testes anti-HIV-1 rápidos/simples (TR) passaram a ficar cada vez mais disponíveis [1]. No início, o desempenho dos ensaios TR para o HIV foi baixo quando comparado ao EIA. Contudo, nos últimos anos os ensaios rápidos/simples foram melhorados e novos ensaios foram desenvolvidos com base em novas tecnologias [2]. Conseqüentemente, o desempenho de alguns ensaios TR para o HIV é comparável com o do EIA [3–5]. Não precisam de habilidades laboratoriais e podem ser realizados com poucas etapas em menos de 20 minutos. A Organização Mundial da Saúde recomenda um algoritmo racionalizado para TR para o diagnóstico do HIV-1 [3]. Como o valor preditivo de um único ensaio de testagem depende da prevalência do HIV na população testada, um único ensaio TR para o HIV não é viável enquanto ferramenta para o diagnóstico rápido do HIV. Portanto, a Organização Mundial da Saúde propôs a utilização seqüencial de dois ou três ensaios TR para o HIV para o diagnóstico rápido da infecção pelo HIV em indivíduos assintomáticos. Tal estratégia já foi aplicada com êxito em outros países [6–8]. Neste projeto avaliamos sete ensaios TR para o HIV disponíveis comercialmente utilizando amostras de sangue total de indivíduos em centros de testagem e aconselhamento voluntário (CTA) e de gestantes em serviços de atenção pré-natal (APN). Nosso objetivo foi criar uma metodologia para a avaliação de ensaios TR para o HIV utilizando sangue total no Brasil. Esta iniciativa abrirá o caminho para o desenvolvimento e implementação futura de um algoritmo com três testes diferentes que dependeria somente de ensaios TR para o diagnóstico rápido da infecção pelo HIV no Brasil. Metodologia Aprovação pelo Conselho de Ética Trata-se de um estudo anônimo desvinculado aprovado pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa, CONEP. O consentimento informado foi obtido de cada participante antes de ingressar no estudo. Coleta de amostras e testagem para o HIV Entre 16 de junho e 29 de agosto de 2003, um total de 1.000 amostras foi coletado para avaliação a partir de três sítios populacionais diferentes: (i) do CTA (n = 400); (ii) de serviços de APN (n = 500); e (iii) de indivíduos infectados com HIV, enquanto grupo de controle positivo (n = 200). Após obter o consentimento informado, 5 ml de sangue total foram coletados através de punção venosa em tubos de ácido etil-diamino-tetra-acético. As amostras foram etiquetadas e encaminhadas para o Laboratório Municipal de Curitiba onde TR e os ensaios sorológicos padrão-ouro foram realizados no mesmo dia. Os sete TR avaliados foram: Determine HIV-1/2 (Abbott Laboratories, Diagnostics Division, 100 Abbott Park Road, Abbott Park, II 60064-3500, EUA); HIV Rapid Check (NDI-UFES, Núcleo de Doenças Infecciosas, Universidade Federal do Espírito Santo, Av. Marechal Campos, 1468 – Maruípe, 29.040-091, Vitória (ES), Brasil); Hexagon HIV 1+2 (Human GmbH, Max-Planck-Ring 3 21, D 65205, Wiesbaden, Alemanha); HIV 1/2 STAT PAK (Chembio Diagnostic Systems Inc., 3661 Horseblock Road, Medford, BY 11763, EUA); Hema-Strip HIV-1/2 (Saliva Diagnostic Systems, (SDS), 11719 NE 95th Street, Vancouver, WA 98682, EUA); Cappillus HIV-1/HIV-2 e Uni-Gold HIV (Trinity Biotech plc, IDA Business Park, Bray, Co., Wicklow, Irlanda). Todos os ensaios foram realizados e os resultados interpretados de acordo com as recomendações do fabricante contidas nas bulas. Quatro técnicos de laboratório fizeram uma escala para realizar dois TR por dia, com sangue total em lotes de quatro amostras. O resultado de cada teste foi lido por dois técnicos e por um terceiro técnico no caso de resultados discordantes. Após a conclusão dos TR, as amostras foram centrifugadas a fim de recuperar o plasma remanescente. O volume de plasma foi dividido em dois alíquotas: (i) 1 a 2 ml para o banco de plasma; 5 (ii) 0,5 ml para testagem de padrão-ouro (EIA e, se necessário, o confirmatório com o Western Blot). Diariamente, três amostras (pelo mesmo uma negativa e uma positiva) foram selecionadas para um procedimento de controle de qualidade. Todos os sete ensaios TR foram repetidos e, no caso de resultados discordantes entre o TR inicial e a testagem de controle de qualidade, um terceiro teste foi realizado com o lote da amostra inicial do TR no teste com resultado discordante. O resultado da amostra foi a média dos três resultados obtidos. A fim de garantia a compatibilidade, todas as amostras submetidas a testagem TR também foram avaliadas utilizando o padrão-ouro, incluindo dois EIA em sanduíche de fabricantes diferentes: Vitrus anti-HIV1/2 (Ortho-Clinical Diagnostics, Inc., Rochester, New York, EUA) e Axsym HIV1/2 gO (Abbott GmbH, Wiesbaden-Delkenheim, Alemanha) e o New Lav Blot I (Bio-Rad, Marnesla-Conquette, França) como ensaio confirmatório. Nossos critérios para resultado positivo com o Western Blot exigem a presença da proteína gag p24 mais duas proteínas do envelope do vírus (gp41, gp120 ou gp160), independente da intensidade da banda. A fim de levar em consideração a sensibilidade analítica dos ensaios utilizados neste estudo, utilizamos um painel comercial de soroconversão da Boston Biomedica Inc. (BBI; painel número PRB931) e um painel interno de um doador de sangue soroconversor, identificado originalmente por meio de técnica de testagem individual de ácido nucléico no Brasil. O desempenho dos ensaios também foi avaliado utilizando um painel de subtipos de HIV-1 compreendendo os três principais subtipos do HIV-1 circulantes no Brasil (B´, C e F) mais o subtipo B. Cada subtipo foi representado por quatro amostras. Critérios utilizados para aceitação e pontuação do desempenho dos testes rápidos Os critérios utilizados foram: (i) sensibilidade clínica (= 99,5%); (ii) sensibilidade ao painel de subtipos; (iii) sensibilidade analítica a dois painéis de soroconversão; (iv) especificidade clínica (= 99,0%); e (v) desempenho operacional do ensaio. O desempenho operacional do ensaio avalia algumas características operacionais positivas (escore = 1) e negativas (escore = 0) do ensaio conforme segue: (i) número de reagentes necessários para realizar o ensaio (1, apenas um reagente necessário; e 0, mais de um reagente necessário); (ii) temperatura de armazenamento do reagente (1, possibilidade de armazenar na temperatura ambiente; e temperatura de 0, 2 a 8ºC necessária); (iii) número total de etapas do ensaio (1, igual ou inferior a quatro etapas; e 0, mais de quatro etapas); (iv) tempo total de realização (1, igual ou 4 inferior a 20 minutos e 0, mais de 20 minutos); e (v) habilidade técnica exigida do operador (1, nenhuma experiência de laboratório; e 0, experiência de laboratório recomendada). O desempenho do ensaio foi considerado como sendo bom se obteve pelo menos quatro pontos, e fraco se obteve menos de quatro pontos. Gestão de dados e análise estatística Os resultados diários foram lançados em uma planilha de Excel (Microsoft Windows 2000; Microsoft Corp., Redmond, Washington, EUA) utilizada para a análise dos dados e para o cálculo do intervalo de confiança (IC) de 95%. Resultados Um total de 1.100 amostras foi testado com sete TR para HIV e os dois EIA padrão-ouro. Das 400 amostras do CTA, 23 foram reagentes repetidos em um ou dois testes EIA, e destas 18 foram confirmados positivos com o Western Blot (prevalência do sítio de 4,5%; IC 95%: 2,5 a 6,5%). As demais cinco amostras tiveram resultado indeterminado (n = 1) ou negativo (n = 4) com o Western Blot. Das 500 amostras testadas do APN, seis foram reagentes repetidas em um ou dois testes EIA e três amostras foram confirmadas com o Western Blot (prevalência do sítio de 0,6%; IC 95%: 0,0 a 1,3%). As demais três amostras tiveram resultado indeterminado (n = 2) ou negativo (n = 1) com o Western Blot. Todas as amostras do grupo de controle positivo foram reagentes repetidas e positivas com o Western Blot. Avaliação de sensibilidade e especificidade clínica Por meio dos ensaios padrão-ouro, 221 amostras foram caracterizadas como sendo positivas com o Western Blot e serviram para a avaliação da sensibilidade clínica dos TR. Todas as demais 879 amostras (do CTA e do APN) foram consideradas como tendo anticorpos negativos ao HIV-1/2, incluindo as 871 amostras negativas nos dois testes EIA, as cinco amostras negativas utilizando o Western Blot e as três amostras com resultado indeterminado utilizando o Western Blot. A Tabela 1 mostra a sensibilidade e especificidade clínica dos TR e dos dois EIA. Todos os TR com a exceção do HemaStrip e do Hexagon detectaram as 221 amostras confirmadas positivas pelo Western Blot (sensibilidade clínica de 100%). O ensaio Hexagon não identificou duas das amostras e o ensaio HemaStrip não identificou cinco amostras, resultando em uma sensibilidade clínica de 99,10% (IC 95%: 97,85 a 100%) e 97,74% (IC 95%: 95,78 a 99,70%), respectivamente. Tabela 1. Sensibilidade e especificidade clínica dos sete testes rápidos, e dos dois imunoensaios de enzima padrão-ouro. Sensibilidade clínica (n = 221) Ensaio Determine RapidCheck UniGold Stat Pak Capillus HemaStrip Hexagon Vitrus EIA Axsym EIA Sens (%)a 100 100 100 100 100 97,74 99,10 100 100 IC 95%b – – – – – 95,78 97,85 – – IC 95%c – – – – – 99,70 100 – – Especificidade clínica (n = 879) Espec (%)d 99,89 99,89 100 99,77 100 100 99,43 99,66 99,32 IC 95%b 99,66 99,66 – 99,46 – – 98,94 99,27 98,77 IC 95%c 100 100 – 100 – – 99,93 100 99,86 5 EIA, imunoensaio de enzima. Sensibilidade clínica do ensaio. b Limite inferior do intervalo de confiança (IC) de 95%. c Limite superior para o IC de 95%. d Especificidade clínica do ensaio. a Tabela 2. Avaliação do desempenho operacional do ensaio baseado em cinco características do teste rápido. Escore para a avaliação do desempenho operacional do ensaioa Ensaio Determine RapidCheck UniGold Stat Pak HemaStrip Capillus Hexagon Nº de reagentes 1 (1) 1 (1) 1 (1) 1 (1) 1 (1) 0 (3) 0 (3) Tempertura de armazenamento do reagenteb 1 (2–30) 1 (2–27) 1 (2–27) 1 (8–30) 1 (2–33) 0 (2–8) 0 (2–8) Nº de. etapasc Tempo de realizaçãod,e 1 (4) 1 (3) 1 (3) 1 (3) 1 (4) 0 (6) 0 (11) 1 (16 : 30) 1 (10 : 30) 1 (10 : 30) 1 (10 : 30) 1 (15 : 45) 1 (9 : 00) 1 (9 : 10) Habilidades Desempenho do ensaio técnicas do operador 1 1 1 1 1 0 0 Bom (5/5) Bom (5/5) Bom (5/5) Bom (5/5) Bom (5/5) Fraco (1/5) Fraco (1/5) a Os valores entre parênteses representam os reais parâmetros avaliados. Faixa de temperatura em ºC. c As etapas incluem todas as atividades realizadas pelo operador, mais o tempo de incubação, antes da leitura do teste. d O tempo de realização inclui o tempo completo de incubação e uma média de 15 segundos por etapa, com a exceção do Capillus (algumas etapas podem levar de 30 segundos a 1 minuto) e do Hexagon (média de 20 segundos por etapa). e Os valores entre parênteses representam minutos : segundos. b Os ensaios UniGold, Capillus e HemaStrip tiveram especificidade clínica de 100%, seguidos dos ensaios Determine e RapidCheck com especificidade clínica de 99,89% (uma amostra não identificada), o ensaio Stat Pak com especificidade clínica de 99,77% (duas amostras não identificadas), e o ensaio Hexagon com especificidade clínica de 99,43% (cinco amostras não identificadas). O EIA Vitrus não identificou três amostras (duas oriundas de APN) e o EIA Axsym não identificou seis (três de APN), resultando em especificidade clínica de 99,66 e 99,32%, respectivamente. Os nove resultados falso-positivos detectados pelos TR foram relativos a nove amostras diferentes. Contudo, o TR Hexagon e o EIA Axsym geraram resultados falso-positivos da mesma amostra de APN. Este mostra foi indeterminada com Western Blot com a presença de p24, uma banda p55 fraca e uma banda p66 fraca. Painéis de soroconversão e painel de subtipos de HIV-1 Todos os sete TR e os dois EIA foram testados contra dois painéis de soroconversão. O BBI PRB931 é um painel com nove amostras, no qual as últimas quatro amostras têm anticorpos anti- 6 HIV. Todos os TR e EIA, menos o TR Capillus, deram resultados positivos para as quatro amostras. O Capillus deu positivo apenas para as últimas três amostras. Nosso painel interno de soroconversão é um painel com seis amostras no qual as últimas quatro amostras têm anticorpos anti-HIV (amostras 3 a 6). Além dos dois EIA, somente entre os TR, os ensaios Determine e RapidCheck deram resultado positivo para as quatro amostras com anticorpos positivos. Os TR UniGold, Stat Pak e Capillus deram positivo para as últimas três amostras apenas. O TR HemaStrip deu um resultado positivo fraco apenas para a amostra número 6. O TR Hexagon demonstrou um perfil irregular de reatividade. Deu positivo fraco para as amostras 1 e 4, positivo para a amostra 5 e negativo para a amostra 6. Todos os sete TR deram resultados positivos com todas as 16 amostras do painel de subtipos de HIV-1. Desempenho operacional dos ensaios Cinco características dos TR foram utilizadas para avaliar seu desempenho conforme descrito na seção sobre a metodologia. O Determine, RapidCheck, UniGold, Stat Pak e Hema-Strip obtiveram um escore máximo (5/5) (Tabela 2). Tipicamente, estes ensaios começam com a aplicação da amostra no aparelho de testagem seguido da adição de uma solução tampão, o que leva menos de 2 minutos. Os resultados devem ser lidos após 10 a 15 minutos, mas no caso de alguns ensaios o resultado pode ser lido em até 20 (RapidCheck e UniGold) ou 60 (Determine) minutos. Qualquer indivíduo com capacitação específica relativa a estes TR poderia realizar os ensaios. Além disso, a ampla faixa de temperatura para o armazenamento dos reagentes inclui a temperatura ambiente. O ensaio Capillus teve um desempenho fraco (escore de 1/5) (Tabela 2). Este ensaio tem três etapas e utiliza três reagentes diferentes. Uma das etapas envolve a aplicação de partículas de látex no aparelho de testagem e a agitação da amostra, sendo críticos para o bom desempenho do ensaio. Esta etapa não é simples, visto que exige boas habilidades laboratoriais. O resultado do teste pode ser lido em aproximadamente 9 minutos, mas novamente requer um técnico de laboratório bem capacitado ou experiente para reconhecer a aglutinação de látex. A iluminação da área na qual o teste está sendo realizado também pode afetar o reconhecimento da aglutinação e, portanto, a interpretação do resultado também. Os reagentes devem ser guardados em ambiente refrigerado (2 a 8ºC), restringindo assim a utilização do teste no campo. O desempenho do ensaio Hexagon também foi fraco (escore de 1/5) (Tabela 2). Este ensaio tem 11 etapas diferentes que podem levar até 4 a 5 minutos antes da incubação final que dura 5 minutos e após a qual os resultados devem ser lidos imediatamente. Cada etapa envolve a adição de uma entre três soluções diferentes que devem ser adicionadas tempestivamente. Fica claro que este ensaio requer muito tempo e atenção. A leitura do resultado final requer habilidade visto que envolve uma comparação entre alterações colorimétricas desenvolvidas na área de testagem com uma alteração desenvolvida na área de controle. Assim como o ensaio Capillus, os reagentes devem ser mantidos refrigerados (2 a 8ºC). Procedimento de controle de qualidade Os TR foram repetidos em um total de 157 amostras (14,3% do total de 1.100) para fins de controle de qualidade. Duas amostras positivas com Western Blot do grupo de controle positivo demonstraram resultados discordantes ao comparar o TR inicial com o teste de controle de qualidade. Em um caso, o ensaio Hexagon deu negativo inicialmente mas o teste de controle de 7 qualidade e o terceiro teste repetido deram positivo, corrigindo assim o resultado falso-positivo inicial. O segundo caso envolveu os ensaios Stat Pak e HemaStrip. Ambos os ensaios deram positivo no teste TR inicial mas o teste de controle de qualidade deu negativo para os dois ensaios. O terceiro teste repetido deu positivo fraco no caso do ensaio Stat Pak, confirmando assim o resultado desta amostra como positivo. Contudo, o ensaio HemaStrip deu negativo novamente. Os escores de sensibilidade clínica para estes ensaios foram ajustados de acordo. Os TR Determine, RapidCheck, UniGold e Capillus não tiveram qualquer resultado discordante entre o TR inicial e o teste de controle de qualidade. Avaliação cumulativa dos testes rápidos O desempenho dos TR contra o painel de subtipos não serviu para discriminar o desempenho, visto que todos os sete TR detectaram todos os quatro subtipos. A discriminação do desempenho dos ensaios pôde ser observada na base dos quatro demais critérios. Os critérios de sensibilidade clínica dividiram os sete TR em dois grupos: o Determine, RapidCheck, UniGold, Stat Pak e Capillus demonstraram 100% sensibilidade clínica, enquanto o desempenho dos ensaios Hexagon e HemaStrip não alcançou o valor limiar de 99,5%. O ranking de Sensibilidade Analítica é importante porque pode ajudar a escolher um ensaio melhor para os fins de testagem. Salienta-se que o desempenho dos ensaios Determine e RapidCheck foi igual aos dois EIA padrão-ouro. Todos os ensaios TR alcançaram os critérios do estudo relativos à especificidade clínica de 99,0%, três ensaios de TR tiveram especificidade clínica de 100%; e seis obtiveram especificidade clínica acima de 99,5%. A especificidade clínica de 100% observada no ensaio HemaStrip pode compensar sua baixa sensibilidade (97,74%). Os TR Determine, RapidCheck, UniGold, Stat Pak e HemaStrip obtiveram um escore operacional máximo. Os ensaios Hexagon e Capillus não atenderam este critério porque seu escore foi abaixo do nosso limite de descarte de quatro pontos. Discussão Este estudo é a primeira tentativa de avaliação sistematicamente dos TR comercialmente disponíveis no Brasil, e de comparação de seu desempenho com a testagem padrão-ouro utilizada no algoritmo nacional para o diagnóstico do HIV. Cinco parâmetros foram considerados na avaliação de sete TR: sensibilidade clínica, especificidade clínica, sensibilidade analítica, desempenho contra um painel de subtipos de HIV-1 e o desempenho operacional do ensaio. Todos os sete TR tiveram um bom desempenho em termos destes parâmetros, mas quatro TR se destacaram marcadamente: Determine, UniGold, Rapid-Check, e Stat Pak. Os dados sobre a sensibilidade e a especificidade clínica são consistentes com os resultados de outros estudos [2,3,7]. Contudo, devemos relembrar que variações entre lotes de TR podem afetar a sensibilidade e a especificidade. Pelo menos dois TR (Determine e RapidCheck) tiveram um desempenho igual aos EIA quando comparados contra painéis de soroconversão. Outros dois TR (UniGold e Stat Pak) deixaram de 8 identificar apenas uma amostra (o que resultaria em uma diferença de 2 dias na detecção de anticorpos anti-HIV) de um painel de soroconversão quando comparados com os EIA. Estes dados proporcionam evidência de que o TR é uma boa alternativa à utilização de EIA para testagem, conforme já sugerido por outrem [3–5,9]. Todos os TR e os dois EIA detectaram todas as amostras do nosso painel de subtipos de HIV-1 (B, B´, C, F). Como os subtipos B´, C e F são os mais importantes no Brasil [10], acreditamos que todos os sete TR funcionariam bem no país. Em termos de facilidade de realização, o Capillus e o Hexagon receberam escores mais baixos que outros TR porque precisam de mais de um reagente que deve ser guardado entre 2 e 8ºC, envolvem mais de quatro etapas para sua realização, e requerem um grau de habilidade laboratorial por parte do operador. Embora sejam testes rápidos (o tempo de realização é inferior a 10 minutos) observamos que não são testes fáceis de realizar, sobretudo fora de um ambiente laboratorial. Os demais cinco TR obtiveram um bom desempenho operacional com o tempo de realização variando entre 10 : 30 a 16 : 30 (minutos : segundos). As características destes cinco TR fazem deles uma excelente opção para o diagnóstico rápido do HIV em situações em que o tempo, as condições e o pessoal de laboratório são limitados. Quatro TR (Determine, RapidCheck, UniGold e Stat Pak) tiveram o melhor desempenho relativo a todos os critérios de avaliação, e serão utilizados para construir um algoritmo para o diagnóstico rápido da infecção por HIV no Brasil. Este diagnóstico por TR será avaliado subseqüentemente para determinar seu valor programático. Nossos resultados demonstram que qualquer grupo de dois entre os quatro TR daria um resultado preciso de testagem. Na base da sensibilidade analítica, o Determine e o RapidCheck teriam a mesma eficácia que os EIA para os fins de testagem. Um resultado discordante seria resolvido corretamente através da aplicação de um terceiro teste decisivo, superando a necessidade de confirmação por Western Blot. No nosso caso, o UniGold seria um ensaio ideal para esta finalidade porque tem especificidade clínica de 100%. A utilização generalizada de dois ensaios enquanto estratégia confirmatória deverá ser analisada com cautela visto que alguns duplos de ensaios podem estar suscetíveis aos mesmos efeitos nãoespecíficos e portanto poderiam gerar um resultado falso-positivo. Recomendamos que antes de implementar esta estratégia sejam realizadas avaliações adicionais da especificidade de determinado duplo de ensaios utilizando um número grande de amostras negativas para anticorpos anti-HIV. Para concluir, desenvolvemos uma metodologia para a avaliação de TR, e demonstramos de forma documentada que os TR podem fornecer resultados de testagem para HIV altamente precisos iguais aos EIA em termos de sensibilidade e especificidade. A vantagem em utilizar um algoritmo com TR é sua simplicidade e rapidez quando comparado com os algoritmos que utilizam EIA e o Western Blot para confirmação. Estas características podem ser úteis no lidar com algumas populações de risco acrescido nas quais seja possível apenas uma oportunidade de aconselhamento e testagem incluindo a entrega do resultado. Além disso, a adoção de uma estratégia apropriada poderia ampliar a disponibilidade e a aceitabilidade do aconselhamento e testagem em HIV, o que poderia aumentar o número de indivíduos alcançados e incentivados a adotar comportamentos de redução de risco. Agradecimentos 9 Este estudo foi co-patrocinado pelo Centers for Disease Control and Prevention, Global AIDS Program, Atlanta, Georgia, EUA e pelo Programa Nacional de DST e Aids, Brasília, Brasil. O painel de subtipos de HIV-1 foi gentilmente fornecido pelo Dr. Amilcar Tanuri da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Também gostaríamos de agradecer Dr. Mauro Niskier Sanchez do Programa Nacional de DST/Aids por sua colaboração na fase inicial deste projeto. Por último, agradecemos a William Brady, Peter Crippen e Suzanne Westman, do Centers for Disease Control e Prevention/Global AIDS Program, pelo apoio e incentivo constantes. Referências 1. Constantine N, Fox TE, Abbatte EA, Woody JN. Diagnostic usefulness of five screening assays for HIV in an east African city where prevalence of infection is low. AIDS 1989; 3:313–317. 2. Branson BM. Rapid tests for HIV antibody. AIDS Rev 2000; 2:76–83. 3. WHO/UNAIDS. Operational characteristics of commercially available assays to determine antibodies to HIV-1 and/or HIV-2 in human sera. Geneva, Switzerland: World Health Organization/ the Joint United Nations Programme on HIV/AIDS, Report 11. WHO/BTS/99.1;UNAIDS/99.5; 1999. 4. Wilkinson D, Wilkinson N, Lombard C, Des M, Alan S, Floyd K, et al. On-site HIV testing in resource-poor settings: is one rapid test enough? AIDS 1997; 11:377–381. 5. Ketema F, Zeh C, Edeleman DC, Saville R, Constantine NT. Assessment of the performance of a rapid, lateral flow assay for the detection of antibodies to HIV. J Acquir Immune Defic Syndr 2001; 27:63–70. 6. Kline RL, Dada A, Blattner W, Quinn TC. Diagnosis and differentiation of HIV-1 and HIV-2 infection by two rapid assays in Nigeria. J Acquir Immune Defic Syndr 1994; 7: 623–626. 7. Stetler HC, Granade TC, Nuñez CA, Meza R, Terrell S, Amador L, et al. Field evaluation of rapid HIV serological tests for screening and confirming HIV-1 infection in Hounduras. AIDS 1997; 11:369–375. 8. Irwin K, Olivo N, Schable CA, Weber JT, Janssen R, Ernst J. Performance characteristics of a rapid HIV antibody assay in a hospital with a high prevalence of HIV infection. Ann Intern Med 1996; 125:471–475. 9. Respess RA, Rayfield MA, Dondero TJ. Laboratory testing and rapid HIV assays: applications for HIV surveillance in hard-to-reach populations. AIDS 2001; 15 (Suppl. 3): S49–S59. 10. Brindeiro RM, Diaz RS, Sabino EC, Morgado MG, Pires IL, Brigido L, et al. Brazilian Network for HIV Drug Resistance Surveillance (HIV-BResNet): a survey of chronically infected individuals. AIDS 2003; 17:1063–1069. Anexo Outros integrantes do Grupo de Estudos do Teste Rápido Anti-HIV são: Tomoko Sasazawa Ito, Rosamaria Megias Ligmanosvski Kuss e Sara Ferraz Vianti do Laboratório Municipal de Curitiba; Maria Rita C.B. Almeida do CTA; Luiz Carlos Beira, Gefersson Alexandre Fernandes de Freitas, Danielle Fontoura Teixeira, Márcia Maria Fantinatti Guerra, Luciana Kusman, Maria Terumi Kami, Silvana Ribeiro Pienta, Paula Graciela Bochkariov, Ligia Fatima Simões, Michele Kessler, Patrícia Regina Crozeta, Benedita Almeida dos Santos, Cristiane Ceccon de Souza Martinelli, Cristiane Yumiko Osawa, Solange Dalazoana, Tania Mary Medeiros Karvat, Grizeldi Colla e Dulce Meri Blitzkow dos serviços de Atenção Pré-Natal.